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Agravo do CPC 557 e agravo regimental. Uma distinção teórica e prática que se impõe. Marco Túlio Murano Garcia Advogado em Mato Grosso do Sul. Professor da ESA/MS. O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul tem classificado e processado o recurso de agravo previsto no CPC 557 para ser manejado diante das decisões singulares proferidas pelo relator de agravo por instrumento ou apelação, na hipótese de provimento ou improvimento de plano (também denominado de agravinho ou agravo interno), como agravo regimental. Contudo, tais figuras não se confundem. E o processamento do agravo como se de regimental se tratasse, com a devida vênia dos que entendem de modo diverso, pode trazer grave prejuízo para o recorrente ou recorrido. Aliás, o agravo regimental não é nem mesmo uma espécie de recurso, na acepção mais técnica do termo, uma vez que a competência para legislar sobre matéria recursal é exclusiva da União, não sendo admissível, pois, a criação de qualquer recurso no âmbito estadual. Daí que se o agravo regimental, como o próprio nome sugere, encontra previsão nos regimentos dos tribunais, já se vê que não se trata de recurso. Passível de questionamento, assim, a própria constitucionalidade do agravo regimental e a sua utilização contra decisão de cunho jurisdicional e não meramente administrativa, desde que a Carta Política só admite a criação de recurso por Lei Federal. Mas isto é assunto que foge do âmbito do presente apontamento.

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Agravo do CPC 557 e agravo regimental

Agravo do CPC 557 e agravo regimental. Uma distino terica e prtica que se impe.

Marco Tlio Murano GarciaAdvogado em Mato Grosso do Sul. Professor da ESA/MS.

O Tribunal de Justia do Estado de Mato Grosso do Sul tem classificado e processado o recurso de agravo previsto no CPC 557 para ser manejado diante das decises singulares proferidas pelo relator de agravo por instrumento ou apelao, na hiptese de provimento ou improvimento de plano (tambm denominado de agravinho ou agravo interno), como agravo regimental.

Contudo, tais figuras no se confundem.

E o processamento do agravo como se de regimental se tratasse, com a devida vnia dos que entendem de modo diverso, pode trazer grave prejuzo para o recorrente ou recorrido.

Alis, o agravo regimental no nem mesmo uma espcie de recurso, na acepo mais tcnica do termo, uma vez que a competncia para legislar sobre matria recursal exclusiva da Unio, no sendo admissvel, pois, a criao de qualquer recurso no mbito estadual. Da que se o agravo regimental, como o prprio nome sugere, encontra previso nos regimentos dos tribunais, j se v que no se trata de recurso.

Passvel de questionamento, assim, a prpria constitucionalidade do agravo regimental e a sua utilizao contra deciso de cunho jurisdicional e no meramente administrativa, desde que a Carta Poltica s admite a criao de recurso por Lei Federal. Mas isto assunto que foge do mbito do presente apontamento.

Aqui, o que importa distinguir o agravo do agravo regimental, no s por conta da circunstncia do agravo ser um recurso na verdadeira acepo do termo e do regimental no, mas tambm em vista de diferenas procedimentais, o que, na prtica, pode trazer conseqncias e prejuzos indesejveis para os litigantes.

De fato, da peculiaridade do agravo regimental no ser visto como um recurso propriamente dito, decorre que o seu julgamento no enseja recurso especial nem extraordinrio para o vencido, o que bastante relevante.

Essa distino, por si s, j indicativa da importncia de no se confundir um e outro recurso, porquanto sendo classificado e processado como agravo regimental o agravo interno, no de se estranhar que o STJ e/ou o STF venham a no conhecer do recurso, desde que instados para tanto pelo recorrido.

Parece sutiliza ou minudncia desprezvel, mas o STJ principalmente tem sido muito rigoroso e no tem conhecido, por exemplo, especial cuja petio tenha se olvidado de indicar em que dispositivo e alnea da Constituio se funda (dissdio, negativa de vigncia etc.) ou que tenha sido interposto com o nome errado e no considera tal proceder formalismo exagerado, de modo que no seria de se estranhar que no conhecesse de especial porque o recurso originrio fora classificado e processado na origem como agravo regimental.

Pode at ser formalismo exagerado para alguns, mas o fato que em tempos de combate a todo custo proliferao dos recursos, sobretudo para instncias superiores, que so obstaculizados diante de mnimas imperfeies ou imprecises formais, como por exemplo, a ausncia da simples indicao do dispositivo constitucional que ampara sua interposio, bem possvel que um especial ou um extraordinrio no seja conhecido ou admitido porque tirado de recurso que fora denominado na instncia singela de regimental.

Porque ser condescendente em uma situao e em outra bastante similar no?

Temos, ademais, na esteira deste entendimento, que embora tirado contra deciso singular que tiver negado ou provido, de plano, agravo por instrumento ou apelao, desde que seja erroneamente denominado pelo recorrente de agravo regimental e que a petio de recurso no contenha expressa referncia ao fato do recurso estar fundado no CPC 557, que regula o agravo e suas hipteses de cabimento, o recurso no pode ser conhecido.

No vale argumentar que tal entendimento atentaria contra o princpio da fungibilidade recursal. Ora, a fungibilidade tem como pressuposto a existncia de dvida objetiva quanto qual recurso seria cabvel, circunstncia que no se materializa na hiptese do agravo regimental manejado no lugar do agravo, desde que o CPC 557 expresso ao prever qual o recurso cabvel para desafiar a deciso atacada, consubstanciando-se, data vnia, em erro grosseiro, o ato de interposio de um recurso no lugar do outro.

Assim, interposto recurso denominado de agravo regimental em face de deciso singular de relator de apelao ou agravo de instrumento sem que a petio recursal indique expressamente estar o recurso incorretamente denominado sendo interposto com fundamento no CPC 557, o recurso est fadado ao no conhecimento, muito embora, na prtica, tal conseqncia no venha sendo aplicada, pelo menos no TJMS.

Mas no s. H um outro aspecto procedimental muito importante, que pode interferir direta e espuriamente no resultado do julgamento se o recurso de agravo for processado como se regimental fosse, malferindo o princpio do devido processo legal.

O agravo tem por finalidade submeter o julgamento da contenda exposta no recurso ao rgo Colegiado competente para o julgamento do recurso monocraticamente decidido, se submetendo, portanto, do ponto de vista procedimental, em especial no nmero de julgadores que tomaro parte do julgamento, ao regramento do recurso solucionado pela deciso singular do relator. ao mesmo rgo Colegiado competente para o julgamento do recurso decidido monocraticamente que cabe julgar o agravo previsto no CPC 557. Neste sentido est expresso o 1 do CPC 557, quando diz que da deciso caber agravo, no prazo de cinco dias, ao rgo competente para o julgamento do recurso, do recurso monocraticamente solucionado.

Assim, se o agravo por instrumento ou apelao so julgados, segundo determina o CPC 555 caput, por 3 (trs) desembargadores, a toda evidncia que o agravo interposto de deciso monocrtica do relator da apelao ou do agravo por instrumento que tenha provido ou improvido, de plano, um destes recursos, dever ser julgado pelos mesmos 3 (trs) desembargadores que julgariam o recurso singularmente decidido.

Ocorre que o agravo regimental, segundo o regimento interno do TJMS, julgado por todos os integrantes da turma, o que pode trazer grave e ilegal interferncia no resultado do julgamento, desde que as turmas cveis so compostas de 4 (quatro) desembargadores e que o regimento prev que havendo empate no nmero de votos pr ou contra o provimento do agravo regimental, prevalecer a deciso do Relator (=voto de qualidade?!?).

Realmente, se o relator decidir de uma determinada forma o agravo, dele discordando os primeiro e segundo vogais, normalmente deveria prevalecer a deciso destes ltimos. Mas, sendo processado o agravo como se regimental fosse e nesta mesma situao, votando o relator de um modo, os dois primeiros vogais divergindo e o terceiro acompanhando o relator, prevalecer, por disposio regimental, o voto do relator, prejudicando, assim, gravemente os interesses do vencido, posto que o agravo s deveria ter sido decidido pelos 3 (trs) primeiros, cuja contagem dos votos, se tivesse prevalecido, seria favorvel ao vencido no recurso.

Grave esta possibilidade, no?! O vencido ter sido privado de um determinado bem da vida, sem o devido processo legal.

Se o quarto voto no acabar sendo determinante para a concluso do julgamento, por exemplo, sendo no mesmo sentido dos 2 (dois) vencedores, na prtica, nenhuma influncia ter o equvoco do processamento no julgamento da questo. Mas do contrrio sim, e muita influncia. Portanto, urge que no se confunda o recurso de agravo com o agravo regimental, muito mais para efeito de processamento do recurso de agravo do que para efeito de classificao.

Todavia, desde que algumas Cortes Estaduais, como o caso do TJMS, tm classificado o agravo como e regimental e, sobretudo determinado seu processamento em obedincia s regras deste ltimo, notadamente no que toca ao julgamento por nmero superior aos 3 (trs) desembargadores que, de acordo com o CPC 555 caput c.c. 557 1, devem julgar o agravo por instrumento e a apelao, urge verificar como dever agir o vencido para reverter o resultado desfavorvel por fora da interferncia espria do vogal extra.

Ns temos que o caso ser de nulidade parcial do julgamento, de tal sorte que o recurso (especial e/ou extraordinrio) a ser proposto, dever ter por objetivo a simples excluso do voto esprio, alm daquele dos 3 (trs) desembargadores que deveriam tomar parte no julgamento, proclamando-se o resultado conforme tenham sido os votos vencedores.

Porque no tem sentido, mormente em razo dos princpios processuais da economia, da utilidade e eficincia da prestao jurisdicional, determinar que se repita o julgamento, desta feita sem a participao do julgador excedente, para que se chegue ao mesmo resultado prtico da simples desconsiderao do tal voto excedente, retardando injustificadamente a soluo da contenda.O prprio CPC 250 muito claro, ao tratar das nulidades, proclamando a preservao dos atos processuais que possam ser aproveitados, o que, ademais, se harmoniza com os princpios da economia e celeridade processual.De qualquer forma, a questo dever ser objeto de manifestao pela Turma Julgadora para que possa se expor a recurso especial ou extraordinrio. Porque sem prequestionamento fica vedado o acesso a qualquer instncia superior, como cedio.

A surge uma indagao: qual o momento ou at que momento pode o prejudicado suscitar a irregularidade na composio da turma? No STJ o tema encontra divergncia, com a 4 Turma afirmando que a irregularidade na composio da turma julgadora s pode ser argida antes de iniciado o julgamento e a 3 Turma, por sua vez, entendendo que a questo relativa composio da turma julgadora h de ser suscitada quando do julgamento ou, no mnimo, posteriormente, atravs de embargos de declarao.

Para ns, sempre com a devida vnia, o entendimento da 4 Turma impraticvel, porque de ordinrio no h como saber quantos julgadores tomaro parte do julgamento antes dele acontecer, muito embora seja possvel, por exemplo, no caso do TJMS, onde o recurso j classificado como agravo regimental, saber que sero 4 (quatro) os Desembargadores que tomaro parte no julgamento e no os 3 (trs) que a lei prev para a hiptese. Assim, a questo poderia ser suscitada pelo agravante j na interposio do recurso ou logo aps a distribuio e classificao do agravo como regimental. Mas no nos parece que possa ser apenado com a precluso se assim no proceder, porque, de fato, at o julgamento do recurso, no h como saber segura e efetivamente quantos sero os julgadores. J o agravado, que no se manifesta nesta espcie de recurso, s poder questionar eventual nulidade aps o julgamento, se este lhe for desfavorvel.

No se ignora, igualmente, entendimento segundo o qual a questo da regularidade ou irregularidade da composio da Turma, no caso, seria de ordem pblica (=pressuposto processual de desenvolvimento vlido e regular do processo), sobre a qual no ocorre precluso, podendo ser suscitada mesmo aps o julgamento, o que refora a prevalncia do entendimento da 3 Turma do STJ.

Assim, o que fundamental, na hiptese, que haja manifestao da Turma julgadora sobre a questo, podendo, no entanto, a provocao se dar a posteriori, em sede de embargos declaratrios.Por fim, parece oportuno dizer que a questo autoriza o manejo tanto de recurso especial quanto de extraordinrio, desde que tenha sido objeto de prequestionamento a violao ao CPC 555 caput e 557 1, que flagrante e insofismvel e CF LIV (devido processo legal), que tambm parece igualmente explcita e direta. e prequestionamento a violajeto a onadpecial quanto de extraordinsio no CPC 557,

() A falta de indicao do dispositivo constitucional em que se apia o recurso especial impede sua apreciao. Formalidade que no se constitui excesso de rigorismo (AGA 176172/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJ de 11.10.99).

No se conhece de recurso com nomem iuris equivocado (... em sentido lato), sem indicao do permissivo constitucional e, na parte da apresentao de precedentes, com ausncia total do cotejo exigido (art. 255 do RISTJ) (REsp. 184289/ES, Rel. Min. FELIZ FISCHER, DJ de 02.05.2000).

() No se admite o princpio da fungibilidade recursal se presente erro grosseiro ou inexistente dvida objetiva na doutrina e na jurisprudncia a respeito do cabimento do recurso na espcie. Inaplicvel, ademais, referido princpio, em virtude do recurso inadequado no ter sido interposto no prazo do recurso prprio." (AGA 295.148/SP, Rel. Ministro SLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, DJU de 09.10.2000).

() Neste sentido, em hiptese anloga: 1. O agravo regimental cabvel de deciso monocrtica, jamais contra aquela proferida por rgo colegiado, como o caso dos autos. 2. Inexiste, na hiptese, a presena da chamada dvida objetiva, ou seja, a existncia na doutrina ou na jurisprudncia, de controvrsia na identificao do recurso adequado, o que denota a existncia de evidente erro grosseiro, impedindo, por conseguinte, a aplicao do princpio da fungibilidade recursal. (AgRg nos EDcl no REsp 465200/GO, rel. Ministro CASTRO MEIRA, 2 Turma, j. 7.6.2005).

() Nelson Nery Junior expresso ou dizer que nos casos do agravo previsto no CPC 557 ... o rgo ad quem, para conhecer e julgar o outro agravo, ser aquele que tiver competncia para o julgamento do recurso que teve o seu processamento indeferido pelo relator (Princpios Fundamentais Teoria Geral dos Recursos, 3 edio, RT, 1996, p. 45).

() Art. 555. No julgamento de apelao ou de agravo, a deciso ser tomada, na cmara ou turma, pelo voto de 3 (trs) juzes.

() Denomina-se de voto de qualidade o voto do relator que decide um julgamento no caso de empate. A idia que o exerccio da relatoria implicaria em maior contato com os autos e conhecimento dos fatos, das provas e das questes decididas, tornando o voto do relator, portanto, um voto mais qualificado, de maior qualidade. Contudo, ela to frgil que j sucumbe diante da simples possibilidade de um dos vogais que tiver proferido voto divergente ter pedido vista dos autos, durante o julgamento, e ter examinado o processo, tal como o relator, alm de malferir o princpio do julgamento pelo rgo colegiado, que consectrio lgico do duplo grau de jurisdio e no autoriza a concluso segundo a qual o voto de um determinado membro do colegiado possa ter qualidade maior que o dos demais.

() Ag. 7.406-AgRg-RS, Rel. Min. BARROS MONTEIRO, j. 4.6.91.

() REsp. 15.710-RS, rel. Min. NILSON NAVES, j. 22.9.92.