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1 70 anos de Formação em Serviço Social em Tempos de Ditadura e de Democracia. Da Escola Normal Social ao Instituto Superior Miguel Torga Alcina Martins Com esta comunicação pretende-se apresentar alguns aspectos associados à trajectória da formação em Serviço Social neste Instituto, começando por abordar a situação actual no Instituto Superior Miguel Torga (ISMT) e recuando ao tempo da então “Escola Normal Social” de Coimbra e do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra (ISSSC). Procura-se apreender o significado do Serviço Social em tempos de ditadura e de democracia e como esta instituição de ensino superior se posiciona e tem vindo a posicionar face aos principais debates que atravessaram a formação em Serviço Social na sociedade portuguesa nestas sete décadas. Por um lado, no que respeita à história do Serviço Social Português, tem-se por referência dissertações de mestrado e doutoramento em Serviço Social 1 e resgatam-se trabalhos de investigação que realizei sobre o Serviço Social, no contexto da sua génese, emergência e institucionalização 2 e no decurso da Ditadura 3 , ressaltando o lugar da segunda escola a ser criada no país - a Escola Normal Social de Coimbra, posteriormente designada Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra. Doutora em Serviço Social, professora associada do ISMT, Directora da licenciatura em Serviço Social até 2008 e Coordenadora científica do mestrado em Serviço Social, membro da Comissão organizadora das Comemorações dos 70 anos do ISMT. 1 Alcina Monteiro, A formação académica dos Assistentes Sociais. Uma retrospectiva da institucionalização do Serviço Social em Portugal, dissertação de mestrado em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Bernardo Alfredo Henríquez, A construção do Serviço Social Português e o Estado de Mal-Estar-Salazarista, dissertação de mestrado em Serviço Social, Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (ISSSL), 1998; Maria Augusta Negreiros , Serviço Social uma profissão em movimento. A dinâmica académico-profissional no Portugal pós-74, Tese doutoramento em Serviço Social, PUC-SP, 1999 e Adília Ferreira , O Discurso da Resistência ou a Resistência do Discurso: os Assistentes Sociais no Movimento de Oposição ao Estado Novo (1969-1973), dissertação de mestrado em Serviço Social, ISSSL, 2003. 2 Alcina Martins, Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian , Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 1999. 3 Alcina Martins, "Investigação em Serviço Social: perspectivas actuais”, Serviço Social: Unidade na Diversidade. Encontro com a Identidade Profissional – I Congresso Nacional de Serviço Social, Lisboa, Associação dos Profissionais de Serviço Social, 2003, pág. 50 a 61

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70 anos de Formação em Serviço Social em Tempos de Ditadura e de Democracia.

Da Escola Normal Social ao Instituto Superior Miguel Torga

Alcina Martins •

Com esta comunicação pretende-se apresentar alguns aspectos associados à

trajectória da formação em Serviço Social neste Instituto, começando por abordar a

situação actual no Instituto Superior Miguel Torga (ISMT) e recuando ao tempo da então

“Escola Normal Social” de Coimbra e do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra

(ISSSC). Procura-se apreender o significado do Serviço Social em tempos de ditadura e de

democracia e como esta instituição de ensino superior se posiciona e tem vindo a

posicionar face aos principais debates que atravessaram a formação em Serviço Social na

sociedade portuguesa nestas sete décadas.

Por um lado, no que respeita à história do Serviço Social Português, tem-se por

referência dissertações de mestrado e doutoramento em Serviço Social1 e resgatam-se

trabalhos de investigação que realizei sobre o Serviço Social, no contexto da sua génese,

emergência e institucionalização2 e no decurso da Ditadura3, ressaltando o lugar da

segunda escola a ser criada no país - a Escola Normal Social de Coimbra, posteriormente

designada Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra.

• Doutora em Serviço Social, professora associada do ISMT, Directora da licenciatura em Serviço Social até 2008 e Coordenadora científica do mestrado em Serviço Social, membro da Comissão organizadora das Comemorações dos 70 anos do ISMT. 1 Alcina Monteiro, A formação académica dos Assistentes Sociais. Uma retrospectiva da institucionalização do Serviço Social em Portugal, dissertação de mestrado em Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Bernardo Alfredo Henríquez, A construção do Serviço Social Português e o Estado de Mal-Estar-Salazarista, dissertação de mestrado em Serviço Social, Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (ISSSL), 1998; Maria Augusta Negreiros , Serviço Social uma profissão em movimento. A dinâmica académico-profissional no Portugal pós-74, Tese doutoramento em Serviço Social, PUC-SP, 1999 e Adília Ferreira , O Discurso da Resistência ou a Resistência do Discurso: os Assistentes Sociais no Movimento de Oposição ao Estado Novo (1969-1973), dissertação de mestrado em Serviço Social, ISSSL, 2003. 2 Alcina Martins, Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian , Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 1999. 3 Alcina Martins, "Investigação em Serviço Social: perspectivas actuais”, Serviço Social: Unidade na Diversidade. Encontro com a Identidade Profissional – I Congresso Nacional de Serviço Social, Lisboa, Associação dos Profissionais de Serviço Social, 2003, pág. 50 a 61

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Por outro lado, enceta-se uma análise da trajectória e identidade desta instituição de

ensino superior após a revolução de Abril de 1974 até ao presente, apreendendo as

principais transformações que levaram à constituição do actual Instituto Superior Miguel

Torga.

Tendo subjacente o contexto sócio-histórico do país, a sua integração na

Comunidade Europeia, a construção do projecto profissional desencadeado pelos

Assistentes Sociais portugueses e suas organizações nos anos 80 e 90, abordar-se-á a

situação peculiar, que esta Instituição de Ensino Superior apresenta desde a sua criação

com a sua entidade instituidora a Junta da Província da Beira Litoral, a actual Assembleia

Distrital de Coimbra.

O processo adoptado para a análise destes 70 anos de formação em Serviço Social,

pressupõe uma abordagem que é subsidiária do estruturalismo genético4 e da sua aplicação

à história do Serviço Social, na perpectiva de Myrian Veras Baptista5 e que se tem vindo a

desenvolver no que respeita ao Serviço Social Português e ainda do conhecimento das

ciências humanas e sociais, particularmente da História, da Sociologia e do Serviço Social,

procurando-se contribuir, ainda que de forma provisória e parcial, com alguns aspectos de

natureza compreensiva e explicativa.

Há ainda a salvaguardar que o período em análise apresenta uma extensão

significativa e ao incluir os anos mais recentes não se tem ainda um distanciamento

prudente que evidencie nesta trajectória o que é mais relevante para o futuro da instituição,

nomeadamente, ao nível da formação em Serviço Social. É igualmente de mencionar que

sendo Assistente Social e professora deste Instituto nas últimas décadas o envolvimento e

participação nestes processos, ao nível interno e externo, não pode ser escamoteado.

Partilha-se, no entanto, a concepção que o investigador não é neutro e que a investigação

não promove a neutralidade.

I - A formação em Serviço Social no Instituto Superior Miguel Torga no século XXI

4 Veja-se: Lucien Goldmann, Epistemologia e Filosofia Política, Lisboa, Editorial Presença, 1984; Lucien Goldmann, Dialética e Cultura, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979. 5 Myrian Veras Baptista, “Introdução à reflexão sobre pesquisa histórica no Serviço Social”, Investigação em Serviço Social, Lisboa, São Paulo, CPIHTS, Veras Editora, 2001, p. 65 a 75.

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O processo de globalização, a ofensiva neoliberal, com o corte nas políticas

públicas, a não efectivação e erosão dos direitos sociais e os propósitos de uma sociedade

democrática, tem expressão nas actuais configurações da questão social, com a produção e

reprodução da pobreza, o aprofundar das desigualdades sociais e das formas de opressão.

Neste contexto colocam-se exigências e desafios aos Assistentes Sociais e à sua

formação que terá que dar conta dos processos que atravessam a ordem social

contemporânea e a existência de movimentos que lhe são contrários ou alternativos em

articulação com a análise da sociedade portuguesa, capacitando o futuro Assistente Social

para o trabalho profissional reconhecendo os limites e as possibilidades e a compreensão

do significado social da sua acção.

A formação académica deve contribuir para a construção de uma identidade

profissional, através de uma sólida qualificação teórica, metodológica e ético-política, e de

uma capacitação operacional e prática de investigação que alicerce o conhecimento do

Serviço Social e a sua produção, dando suporte à interlocução com as outras áreas das

Ciências Sociais.

Estas concepções têm vindo a permear o projecto de formação em Serviço Social

no Instituto Superior Miguel Torga (ISMT), que no início do Séc XXI, oferece o curso de

licenciatura e o curso de mestrado, criado em 20006.

Sob os ventos da Declaração de Bolonha7 é reestruturada a licenciatura em Serviço

Social, que apresentava cinco anos de duração e uma formação dirigida para cinco ramos

de especialidade8. Em 2003, o plano de estudos em Serviço Social tem a duração de quatro

anos, com uma formação generalista em detrimento do plano que vigorava desde 19939.

6 O curso de mestrado em Serviço Social foi criado pela Portaria nº 902/2000 de 28 de Setembro, com a duração de dois anos. 7 O processo de Bolonha tem por base um compromisso, assumido em 1999 por governantes de países europeus, que pretende harmonizar, até 2010, os graus e diplomas atribuídos, para facilitar as equivalências de cursos nas universidades dos 45 estados subscritores, a mobilidade e a empregabilidade dos estudantes no espaço comunitário. 8 A Portaria nº 15/90 de 9 de Janeiro autoriza o início do funcionamento do curso superior de Serviço Social no Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, sendo reconhecidos os efeitos correspondentes aos da titularidade do grau de licenciatura do ensino público. Reconhece ainda a Assembleia Distrital de Coimbra como entidade instituidora do ISSSC. Em 1993 são introduzidas alterações a este plano de estudos em Serviço Social através da Portaria nº 692/93 de 22 de Julho, nomeadamente, nos dois últimos anos do curso os ramos de especialidade em segurança social, saúde, justiça e reinserção, aconselhamento, gestão de recursos humanos. 9 Cf. Portaria nº 463/ 2003 de 3 de Junho.

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Em Março e Novembro de 2006, o ISMT apresenta à Direcção Geral do Ensino

Superior propostas de reestruturação dos cursos adequados ao processo de Bolonha10,

tendo já obtido o registo de sete cursos de 1º ciclo e quatro de 2º ciclo, incluindo os de

Serviço Social11.

Os novos planos de estudo em Serviço Social resultaram de um trabalho de análise

e debate de diferentes concepções da formação e da sua construção por parte de toda a

equipa de docentes de Serviço Social e de outras áreas do conhecimento do ISMT,

auscultando os estudantes, debatendo com professores de outros cursos de Serviço Social

no país e as organizações das categoria profissional. Docentes de Serviço Social do ISMT

participaram na reunião, realizada em Coimbra, em Fevereiro de 2006 de que resultou a

posição da Associação de Profissionais de Serviço Social (APSS) sobre o processo de

Bolonha e a formação em Serviço Social, subscrita pelo Centro Português de Investigação

em História e Trabalho Social (CPIHTS), Centro de Investigação em Serviço Social e

Estudos Interdisciplinares (CISSEI), Associação de Investigação e Debate em Serviço

Social (AIDSS) e o Sindicato Nacional dos Profissionais de Serviço Social (SNPSS)12.

Quanto à duração dos ciclos, a decisão tomada no ISMT foi a de reduzir um

semestre à duração tanto da licenciatura, quanto do mestrado, ficando a formação de 1º

ciclo em Serviço Social com sete semestres e a do 2º ciclo com três semestres.

Passado um ano de aplicação da legislação relativa ao regime jurídico sobre os

graus académicos e diplomas de ensino superior, o processo de Bolonha é alvo de críticas

como o de privilegiar os objectivos do mercado, a falta de democraticidade, poder levar à

perda de qualidade da formação, ao aprofundamento das desigualdades sociais, tendo

desencadeado problemas de natureza laboral13. No ISMT o confronto com os seus limites e

10 O processo de reestruturação teve por base o Decreto-Lei nº 74/2006 de 24 de Março relativo ao regime jurídico sobre os graus académicos e diplomas de ensino superior. 11 Cf. Página do ISMT: http://www.ismt.pt/. Os cursos de 1º e 2º ciclo em Serviço Social foram adequados a Bolonha com autorização de funcionamento neste Instituto através, respectivamente, do Despacho nº 13.129/2006 de 6 de Junho, DR, 2ª série, nº 119 de 22 de Junho de 2006 e do Despacho nº 2.096/2007 de 24 de Janeiro, DR, 2ª série, nº 28 de 8 de Fevereiro de 2007. 12 Associação de Profissionais de Serviço Social, Posição da Associação de Profissionais de Serviço Social (APSS) sobre o processo de Bolonha e a formação em Serviço Social, Lisboa, 2006. Disponível em http://www.cpihts.com/PDF02/BOLONHA%20POSIÇAO%20DA%20APSS.pdf Acesso em Maio 2007. 13 Diversas posições críticas são apresentadas em: Alcina Martins, O processo de Bolonha e a formação em Serviço Social. Questões e problemas, 2007. Disponível em http://www.cpihts.com/PDF02/O%20Processo%20de%20Bolonha.pdf. Acesso em Fevereiro de 2008 e em Maria Rosa Tomé, “Possibilidades e Limites da Formação em Serviço Social no âmbito do Processo de

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potencialidades, num processo amplamente participado, levou-nos a adoptar estratégias de

mudança, inovação e desafios para a formação em Serviço Social, apesar de não se

ignorarem os constrangimentos.

Desafios e compromissos assumidos: reforço da área científica de Serviço Social

como estruturante da formação, o que pressupõe a existência de teorias de base, de uma

formação prática, de estágio pré-profissional supervisionado, com uma componente de

investigação e a articulação com as outras áreas científicas complementares que integram a

licenciatura.

Incremento e diversificação dos métodos e práticas pedagógicas e de avaliação em

contextos de aprendizagem individual, de grupo, colectivo da turma e no contexto de

formação e prática de intervenção profissional, em prol do desenvolvimento das

competências e capacidades dos alunos.

Manteve-se o estágio aliado a práticas de investigação, nos dois últimos semestres,

com supervisão académica e profissional, desenvolvida por Assistentes Sociais.

Contemplou-se e até se reforçou a componente da investigação na formação através

das unidades curriculares: Metodologia das Ciências Sociais, Investigação em Serviço

Social e da institucionalização de grupos de estudo, debate e iniciação à investigação - os

Núcleos de Estudo. Estes Núcleos são espaços de natureza pedagógica em que se procura

articular as questões que se colocam à dinâmica da realidade social portuguesa e às

competências profissionais em áreas como: a pobreza e desigualdades sociais, questão de

género, desvio, justiça e reinserção social, infância e juventude, desafios e problemas da

idade avançada, cultura contemporânea e formas de dependência, e as questões do

ambiente, risco e intervenção em catástrofes.

Com os Núcleos de Estudo pretende-se a articulação entre diferentes áreas

científicas, a relação entre o ISMT e a sociedade: civil, académica, institucional e

profissional e a investigação a ser aprofundada e consolidada no 2º ciclo através dos

Núcleos de Estudo e Investigação (NEI) “Questão Social e Políticas Sociais”, “Serviço

Social e Práticas Profissionais”, “Famílias e Sociedade”, “História e Serviço Social

Contemporâneo”, que permeiam as linhas de investigação do curso de mestrado.

Bolonha, no ISMT”, comunicação apresentada no Colóquio 70 Anos de Serviço Social: Um Compromisso com o Futuro. Coimbra: Instituto Superior Miguel Torga, 2007.

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A melhoria da qualidade da formação desenvolve-se também com a qualificação

académica dos docentes, a cooperação entre Assistentes Sociais orientadores e

supervisores de estágio, entre as instituições parceiras da formação e o ISMT, o reforço das

estruturas e consolidação da investigação e das relações internacionais que desenvolvemos

com universidades europeias e do Brasil, no intercâmbio de alunos e professores e também

no âmbito da investigação.

Até 2006, este Instituto formou 3123 Assistentes Sociais e 10 mestres em Serviço

Social. Em 2006/07 foi criado o ensino pós-laboral para o 1º ciclo em Serviço Social,

frequentando a licenciatura 598 alunos e 28 o IV curso de mestrado em Serviço Social. Em

Maio de 2007, nesta formação estavam implicados 50 docentes: 8 doutorados; 26 mestres,

grande parte envolvidos em processos de doutoramento e alguns a aguardar defesa da tese

e 16 eram licenciados. A direcção científica da licenciatura e do mestrado é da

responsabilidade de uma doutorada em Serviço Social, com assento no Conselho Científico

do Instituto.

II - A Escola Normal Social e o Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra no contexto da formação em Serviço Social em Tempos de Ditadura

A situação actual do ISMT e os trinta e três anos de vigência de regime

democrático, tem por alicerce 47 anos de história e trajectória da Escola Normal Social e

do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra em tempos de ditadura.

1. A criação da Escola Normal Social no contexto da construção do Estado Novo

Na fase de construção do Estado Novo (1933-1945) e no contexto internacional da

Guerra Civil de Espanha, do fascismo e do nazismo, em que o comunismo se torna no

inimigo principal, Salazar pretende concretizar uma alternativa na área de assistência e do

Serviço Social, que vinha sendo feita noutros países que, na sua opinião, sob o nome de

assistência levava directamente ao comunismo14.

14 Veja-se Alcina Martins, Génese, Emergência e Institucionalização do Serviço Social Português, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação para a Ciência e a Tecnologia, 1999, pág. 222 e 223.

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O regime ao pretender equacionar uma resposta caritativo-assistencial e

corporativista à questão social, insere o Serviço Social como um agente dessa construção,

ao serviço da acção de propaganda e doutrinamento dos valores do Estado Novo

contribuindo para neutralizar qualquer tentativa de agitação social ou revolta, por parte

dos mais pobres.

Entende-se o regime como Ditadura15 que se alicerça na rejeição dos valores

demoliberais16; nas relações com a Igreja Católica, o seu principal aliado17; no

corporativismo apresentado como uma terceira via, alternativa ao liberalismo e ao

socialismo, que eliminaria os conflitos entre classes sociais e asseguraria, em contrapartida,

a colaboração entre diferentes grupos de interesse, através da harmonização e da

concertação no seio das Corporações18; no conservadorismo que enaltece os valores da

tradição, ordem, estabilidade e paternalismo, com tradução na divisa “Deus, Pátria e

Família”.

A convite de Oliveira Salazar, Bissaya Barreto em 1934, defende no I Congresso da

União Nacional, o partido único, a organização dos serviços de Medicina Social e conclui

com a proposta que “é urgente a criação do Serviço Social, tomando como base a acção da

15 A ditadura, baseia-se como refere Canotilho na “proibição de partidos políticos e de actividades partidárias, proibição da liberdade de associação, institucionalização da polícia política, imposição da censura prévia às obras do espírito, criação de tribunais especiais para o julgamento de crimes contra a segurança do Estado, discriminação no acesso a cargos e funções públicas, depuração política do aparelho do Estado, cerceamento drástico das liberdades de reunião e de manifestação, criação de um sistema eleitoral propiciador de fraudes e manipulações eleitorais”. Joaquim Gomes Canotilho, "Regime Político", Dicionário de História de Portugal (coord. António Barreto e Filomena Mónica), vol. 9, Lisboa, Livraria Figueirinhas, 2000, pág. 227. 16 João Medina refere que Salazar “não acreditava nem no sufrágio universal nem sequer no conceito de cidadão, rejeitando todo o sistema representativo concebido desde Montesquieu até aos liberais do século XIX como um equívoco, uma vez que só os "grupos naturais", desde a célula base da sociedade que é a família, às classes socioprofissionais, passando pelos municípios e grupos detentores do capital e dos meios de produção, deviam ter voz activa na vida política”. Cf. João Medina, "Ideologia e Mentalidade do "Estado Novo" Salazarista", História do Pensamento Filosófico Português. Volume V - O Século XX, Tomo 2, Lisboa, Editorial Caminho, 2000, p. 162. 17 Nas palavras de António Barreto "a Igreja católica foi talvez o mais fiel, mais constante e mais útil dos aliados de Salazar. Um ou outro bispo rebelde, um ou outro sacerdote mais enérgico, tudo casos que se resolviam ou resolveram com intervenções rápidas. Mas nunca a Igreja lhe faltou com o seu apoio explícito. Cf. António Barreto, "Salazar, António de Oliveira - o após-guerra", Dicionário de História de Portugal (coord. António Barreto e Filomena Mónica), vol. 9, Lisboa, Livraria Figueirinhas, 2000, pág. 375. 18 Cf. J. Silva Lopes, "Organização Corporativa", Dicionário de História de Portugal (coord. António Barreto e Filomena Mónica), vol. 8, Lisboa, Livraria Figueirinhas, 1999, p. 669.

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mulher portuguesa”19. Como presidente da Província da Beira Litoral20 defende para o

Estado um dever de intervenção nestas áreas e convida, em 1935, Franciscanas

Missionárias de Maria21 para assumirem a direcção da Obra de Protecção à Grávida e à

Criança22.

Em 1936 chega a Coimbra um grupo de francesas desta Congregação que em

França tinham tido formação e desenvolvido trabalho na área da educação e dos serviços

médico-sociais, ficando Constance Davon23, como Directora do serviço. Faz um plano de

reorganização dos serviços no sentido do alargamento da prestação de serviços às grávidas

e às crianças e passado seis meses de experiência e de confronto com as expressões da

questão social - a pobreza da população operária e rural, a mortalidade infantil e a falta de

medidas de política materno-infantil -levam-na a propôr a criação de uma escola.

19 Desde 1932 Bissaya Barreto integrava a Comissão Central da União Nacional. A criação de Escolas de Serviço Social em Coimbra, Porto e Lisboa constiui uma das conclusões aprovadas no I Congresso da União Nacional . Alcina Martins, op. cit. , pp. 224 a 226. 20 Com o Código Administrativo de 1936 a autarquia distrito foi substituída pela província que constituía uma “unidade autárquica”, traduzindo o espírito centralizador da reforma administrativa do Estado Novo. As Junta da Província resultavam de um orgão não electivo, os conselhos provinciais, de formação e composição corporativa. As Juntas da Província exerciam atribuições de fomento, coordenação económica, cultura e assistência. No plano financeiro o panorama era de quase completa indigência, sendo consideradas mais “um ornamento jurídico do que o quadro de realizações concretas”. Cf. José António Santos, Regionalização - processo histórico, Lisboa, Livros Horizonte, 1985, pp. 134 e 135. O distanciamento dos orgãos provinciais das populações , comunidades locais, a sua ineficácia e falta de recursos irá conduzir à sua extinção em 1959. Cf. César de Oliveira (direcção) , História dos Municípios e do Poder Local. Dos finais da idade Média à União Europeia, Círculo de Leitores, 1995. pp. 308 –318. 21 O Instituto das Franciscas Missionárias de Maria é de origem francesa, criado em 1877, pela fundadora Madre Maria da Paixão, que se consagra às Missões. A fundadora e outros elementos da congregação chegam a Portugal em 1895 quando decorria o Congresso Internacional Católico, por proposta do Núncio Apostólico de Lisboa, para organizar uma obra social em favor de 500 operários, na Vila de Santo António à Junqueira. iniciativa do Conde de Burnay. Criam os primeiros estabelecimentos em Braga em 1896, com a implantação da República os bens são confiscados e irão para o exílio, regressando em 1917 para retomar a actividade em Braga no Asilo D. Pedro V. Cf. Alcina Martins, op. cit. , pp. 165 e 247. 22 Esta Obra criada em 1930 insere-se na política de assistência materno infantil da Junta Distrital de Coimbra, posteriormente designada Junta da Província da Beira Litoral. Compreendia: um dispensário para atender grávidas e crianças, o “Ninho dos Pequenitos” para crianças até três anos, o preventório para crianças dos três aos doze anos, uma escola profissional, colónia de férias e “Obra de Grancher”. Alcina Martins, op. cit. , pp. 253, 254. 23 Marie Constance Davon (Madre de Valcluse - nome religioso) é Enfermeira Visitadora de puericultora e de Higiene Infantil formada pela Escola de Puericultura da Faculdade de Medicina de Paris e Assistente de Psicologia e Higiene Mental pelo Instituto de Psicologia da Universidade da Sorbonne. Alcina Martins, op. cit. , pp. 255.

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A Escola Normal Social é criada em Janeiro de 1937, posteriormente designada

Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra24 será dirigido até 1974, unicamente por

mulheres, todas pertencentes à congregação das Franciscanas Missionárias de Maria. As

duas primeiras directoras são francesas Constance Davon e Raymonde Trouvay25, a

terceira directora será portuguesa, a Assistente Social Teresa Margarida Granado26. O

presidente da Escola é o Professor Bissaya Barreto27 na qualidade de presidente da Junta da

Província da Beira Litoral.

A Escola Normal Social em Coimbra forma Assistentes Sociais28 e desenvolve a

formação para Enfermeira Puericultora Visitadora de Infância (EPVI)29, constituindo uma

24 Por Despacho Ministerial de 16 de Março de 1965 a Escola Normal Social em Coimbra, passa a denominar-se Instituto de Serviço Social de Coimbra e pelo Despacho Ministerial de 12 de Junho de 1969 designa-se Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra. 25 Marie Constance Davon dirige a Escola Normal Social de 1937 a 1958. Raymond Trouvay (Madre Marie de Notre-Dame de Fontenelle - nome religioso) será directora da ENS de 1958 a 1962. É enfermeira visitadora formada pela Escola do Comité Nacional de Luta contra a Tuberculose de Paris, é Assistente Social, possuindo o diploma de Estado de Assistente Social de 1932. Forma-se em 1938 como Enfermeira Puericultora Visitadora de Infância pela Escola Normal Social de Coimbra. No Brasil forma-se em Enfermeira Obstétricia na Escola Paulista de Medicina da Universidade de São Paulo (1948) e na Faculdade de Higiene dessa mesma universidade faz o Curso de Administração Hospitalar (1955). Em França exerceu funções de Assistente Médico-Social no Dispensário Brouardel, Le Havre (1933), no Brasil: foi Monitora da Escola de Enfermeiras do Hospital de São Paulo entre 1939 e 1951; Monitora de Clínica Médica e Secretária da Escola de Auxiliares de Enfermagem da Santa Casa de Porto Alegre, entre 1951 e 1954 e Professora da disciplina de "Socorros de Urgência" da Escola de Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, em 1952. Entre 1954 e 1958 foi ainda Assistente Chefe do Serviço Médico-Social, Monitora de Serviço Social e de Saúde Pública e Secretária da Escola de Enfermeiras do Hospital de São Paulo. Cf. Arquivos do Instituto Superior Miguel Torga. 26 Assistente Social formada pela ENS em 1962, Teresa Margarida Granado é Directora da ENS/ ISSSC de 1962 a 1974. 27 Para a análise da acção e trajectória de Bissaya Barreto veja-se : Jorge Pais de Sousa, Bissaya Barreto. Ordem e Progresso, Coimbra, Minerva, 1999. 28 O diploma de Serviço Social obtêm-se após três anos de formação, e a partir de 1941-42, na Escola Normal Social serão necessários quatro anos, incluindo o estágio de especialização de Serviço Social. Com o Decreto-Lei nº 36914, de 14 de Junho de 1948 o curso de Serviço Social passa a ter uma duração de três anos seguidos de um estágio de quatro a doze meses. Cf. Alcina Martins, op. cit. , p. 262. 29 A formação das duas primeiras directoras da ENS em França nas Escolas de Puericultura e de Enfermeiras Visitadoras contribui decisivamente para a criação das Enfermeiras Puericultoras Visitadoras de Infância, constituindo a Escola Normal Social o único centro de ensino do país onde se formavam estas profissionais, de 1937 a 1956. A escola confere-lhe uma "formação polivalente de enfermeiras, puericultoras, educadoras jardineiras de infância e monitoras de Assistentes Familiares, com a duração de dois anos lectivos seguidos de um semestre onde terá lugar o estágio complementar". Formam-se 211 alunas que obtêm o diploma, reconhecidos pelo despacho ministerial de 3 de Agosto de 1940. Cf. Alcina Martins, op. cit. , pp. 262 e 287.

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alavanca para o desenvolvimento de medidas de política materno-infantil e de luta anti-

tuberculosa, no âmbito das obras sociais da Junta da Província da Beira Litoral30.

Constance Davon defende a formação de um Serviço Social polivalente, que

permita ao Assistente Social o desempenho de funções de outros agentes de serviço social

se as situações e as famílias assim o exigirem. Esta concepção de Serviço Social na ENS

de Coimbra sofre influências de várias tendências do Serviço Social Francês,

nomeadamente do solidarismo de Léon Bourgeois, associada aos Dispensários

antituberculosos e formação de Enfermeiras Visitadoras31 e do Socialismo Municipal e a

defesa das Visitadoras polivalentes e do Serviço Social polivalente32.

Em Dezembro de 1939 o Estado estabelece os "princípios gerais de orientação e

coordenação a que hão-de submeter-se os estabelecimentos de educação para o serviço

social e aprova o plano geral de estudos e programas, tudo para a formação de dirigentes

idóneas e responsáveis no meio a que se destinam, ao mesmo tempo conscientes e activas

cooperadoras da Revolução Nacional (...) para que jamais possa desviar-se do sentido

30 No âmbito da política desenvolvida pela Junta da Província da Beira Litoral são criadas instituições de assistência materno-infantil, como as Casas da Criança que possuiam uma sala de consulta médica, uma creche e um parque infantil. A formação das Enfermeiras Puericultoras Visitadoras de Infância tem por objectivo formar quadros para a Obra de protecção à Maternidade e à Primeira Infância. Cf. Alcina Martins, op. cit. , pp. 293. 31 Uma das correntes que esteve subjacente à criação em França de Dispensários antituberculosos e da formação de Enfermeiras Visitadoras foi o solidarismo de Léon Bourgeois, cuja proposta de lei votada em 1916, permitia criar um desses dispensários por departamento. O solidarismo traduz-se numa espécie de contrato que liga a humanidade inteira na responsabilidade. Os seres humanos têm entre si a obrigação moral da solidariedade. A defesa do associativismo e de projectos não estatais, como o movimento cooperativo e o das mutualidades, não impede que o solidarismo conceba que o Estado deve intervir, se bem que numa escala mínima, garantindo a aplicação dos "contratos" em favor da justiça social. Cf. Alcina Martins, op. cit. , pp. 23, 24 e 37. 32 Henri Sellier, socialista, presidente do Município de Suresnes no programa eleitoral de 1919, no âmbito do socialismo municipal, figura a organização de um serviço de visitadoras da primeira infância. Em 1923 cria "as visitadoras polivalentes" capazes de tomar a cargo todos os problemas de cada uma das famílias num sector da cidade. O socialismo municipal de Sellier esboça os contormo de um serviço social cuja polivalência é centrada na família e organizada em função de um sector geograficamente delimitado. Em 1936 quando Henri Sellier é ministro de Saúde Pública, do Governo da Frente Popular de Léon Blum, defende a fusão das enfermeiras visitadoras e das assistentes, considerando que "o Serviço Social deve ter um carácter polivalente". Em 1938 dá-se a fusão destes profissionais e a unificação dos diplomas de Visitadoras de 1922 e do Diploma de Estado Francês de Assistente ou de Assistente de Serviço Social criado em 1932, sendo adoptado o título de Assistente Social para todas as trabalhadoras sociais, com uma formação correspondente a dois anos e meio, com exame escrito, prático e oral. O secretário de mairie, muito próximo de Henri Sellier, Louis Boulonnois na sua commune vai operar a mutação de enfermeira visitadora especializada em assistente social "polivalente de sector". Esta profissional fica encarregada de "todos os problemas das famílias visitadas, devendo informar fielmente a mairie sobre todos os problemas encontrados. Esta disposição arranca praticamente a visitadora à autoridade médica para a colocar sob a autoridade comunal. Cf. Yvonne Knibiehler (sous la direction), Cornettes et blouses blanches - les infirmières dans la société française (1880-1980), France, Hachette, 1984, p. 162. Cf. Alcina Martins, op. cit. , pp. 284 a 291.

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humano corporativo e cristão"33. Os cursos são reconhecidos e as escolas oficializadas -

Escola Normal Social e o Instituto de Serviço Social de Lisboa.

2. Formação em Serviço Social e as Ciências Sociais, a partir dos anos 50 e as tensões entre modernizadores e conservadores

As tensões existentes na sociedade portuguesa no pós guerra, nos anos 50, entre

adeptos da industrialização e modernização do país e uma maior abertura ao estrangeiro e

às novas ideias e os que pugnam pela ordem existente, uma sociedade rural, corporativa,

com alicerces no conservadorismo e neotomismo, coloca "a necessidade da formação de

recursos humanos qualificados, prevalecendo sobre uma visão exclusivamente centrada no

ensino como sistema de inculcação ideológica"34, tendo reflexos na formação em Serviço

Social.

Em 1956, o Ministro da Educação Nacional Francisco de Paula Leite Pinto35

pretende introduzir alterações à formação em Serviço Social, no sentido de um maior

“incremento das actividades de grupo, educativas e culturais, dos movimentos de

organização das comunidades e os estudos de carácter sociológico”36, e acompanhar o que

se fazia noutros países, seguindo as orientações das organizações internacionais de Serviço

Social37.

33 Pelo Decreto-Lei nº 30 135, de 14 de Dezembro de 1939 fica autorizado o funcionamento das Escolas existentes, destinadas à formação de assistentes de serviço social, com ou sem especialização, desde que se sujeitem ao regime nele estabelecido. É ministro da Educação Nacional António Faria Carneiro Pacheco . 34 António Nóvoa, "Educação, política de", Dicionário de História de Portugal, (coord. António Barreto e Filomena Mónica), vol. 7, Lisboa, Livraria Figueirinhas, 1999, pág. 593. 35 Francisco de Paula Leite Pinto iniciou com o apoio da OCDE o Projecto Regional do Mediterrâneo e lançou os fundamentos de uma política de valorização da educação e da formação dos recursos humanos, como resposta às exigências de uma economia moderna e como forma de promoção de uma certa mobilidade social. Cf. Cândida Proença, "PINTO, Francisco de Paula Leite", Dicionário de História do Estado Novo (Dir. Fernando Rosas, J. M. Brandão de Brito), vol. II; pág. 730. 36 Cf. “Projecto de Proposta de Lei nº 516 - alterações ao Decreto-Lei nº 30 135" de 7 de Janeiro de 1956 apresentado à Assembleia Nacional. 37 As Conferências Internacionais de Serviço Social, a União Católica Internacional de Servço Social e o Comité International de Escolas de Serviço Social contam entre os seus membros a maioria das escolas de serviço social, associações profissionais nacionais ou grupos profissionais. Estas organizações são consideradas como Organizações Não Governamentais, mantendo com o Conselho Económico e Social um estatuto consultivo da categoria B, uma via aberta através da qual a Organização das Nações Unidas pode encorajar uma acção internacional comum tendo por objecto melhorar a situação económica e profissional do Assistente Social e assegurar padrões elevados de Serviço Social.

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O Conselho Económico e Social das Nações Unidas38, desde 1950 apontava que a

formação em Serviço Social devia contemplar questões sócio-económicas, psicológicas e

médico-sociais e as sistematizações metodológicas do Serviço Social norte americano (do

“case work”, “group work” e organização comunitária), sustentadas no conhecimento das

ciências sociais de natureza positivista e funcionalista e na neutralidade do Serviço

Social39.

No entanto, estes propósitos serão contrariados pela posição da Câmara

Corporativa, que por considerar que o Serviço Social em muitos países estava a tomar uma

feição neutra, e "para que a sua acção social se não torne perigosa", repõe a formulação da

legislação de 1939, que "o ensino ministrado nas escolas de serviço social seja sempre

orientado no sentido humano, corporativo e cristão"40.

O resultado salda-se na publicação do Decreto Lei nº 40.678 de 10 de Julho de

1956 que regula as condições de funcionamento e os planos de estudos da formação em

Serviço Social que já não corresponde nem às necessidades de modernização do país, nem

às orientações internacionais para o ensino em Serviço Social41 e manter-se-á em vigor até

1976.

O Serviço Social Português fruto do contexto sócio-histórico em que se

institucionaliza encontrará no pensamento teológico e na Doutrina Social da Igreja uma

ampla base da formação, não acompanhando a trajectória internacional do Serviço Social,

proveniente sobretudo dos Estados Unidos e dos organismos internacionais, em que se

estabelece uma relação estreita entre o Serviço Social e o conhecimento de várias Ciências

Sociais, quer seja de orientação positivista ou de outra natureza.

38 Nations Unies, Conseil Economique et Social - Commission des Questions Sociales, Formation en vue du Service Social: enquete internacional - aide tecnique en faveur du progrès social nº 3, Documento E/CN 5/196, 10 fév 1950. 39 O Assistente Social deve ter um conhecimento geral do homem e das instituições políticas, culturais, sociais e económicas em que vive, assim como um conhecimento preciso do domínio do serviço social e dominar a fundo técnicas que requerem a aplicação prática dos conhecimentos teóricos. Nations Unies, Conseil Economique et Social, op. cit. , pp. 50, 54, 65 e 66 e 87 e 88. 40 Cf. Parecer nº 37/VI da Câmara Corporativa sobre o Projecto de proposta de lei nº 516, de 19 de Março de 1956, Actas da Câmara Corporativa, nº 83, VI Legislatura, 31 de Março de 1956, p. 777 a 791. 41 O plano de estudos não introduz o que ao nível internacional era apanágio da formação em Serviço Social chegando a retroceder em alguns aspectos ao incluir disciplinas de formação doméstica. Veja-se também Alcina Monteiro, “A Formação académica dos Assistentes Sociais: uma retrospectiva crítica da institucionalização do Serviço Social no “Estado Novo”, Intervenção Social, nº 11/ 12, 1995, pp. 43-76.

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Se por um lado, como refere Immanuel Wallerstein “por volta de 1945 a panóplia

de disciplinas compreendidas pelas Ciências Sociais encontrava-se praticamente

institucionalizada na maioria das universidades de todo o mundo. Nos países fascistas e

comunistas verificara-se uma resistência a estas classificações (e até mesmo a sua

recusa)”42. Ora, a recusa da Ditadura portuguesa em institucionalizar as ciências sociais nas

universidades irá condicionar a própria institucionalização e formação académica do

Serviço Social e a relação com a universidade.

Nos anos 60, as Directoras dos Institutos de Serviço Social apresentam várias

propostas de alteração ao plano de estudos em Serviço Social contemplando as orientações

internacionais para esta formação, mas não conseguem que o Ministério da Educação

Nacional atenda as suas pretenções43.

3. Estratégias desencadeadas pelo ISSSC para a formação pós-graduada em Serviço Social e a inserção do Serviço Social no ensino público

Em 1961, o curso de Serviço Social será reconhecido como sendo de ensino

superior44, quando só 1,2% da população activa com profissão em Portugal Continental

possuia educação superior"45. O curso é também aberto à frequência de estudantes do sexo

masculino, sendo usado por alguns como estratégia de adiar a ida para a guerra colonial.

Nos anos 60 a pobreza, o atraso do país evidenciam a necessidade do

enfrentamento às sequelas do desenvolvimento capitalista e da industrialização já não se

centrarem no corporativismo, mas serem adoptadas medidas de política social, começando

a ser reequacionado o significado do Serviço Social.

42 Immanuel Wallerstein (presidente da Comissão Gulbenkian para reestruturação das Ciências Sociais), Para abrir as Ciências Sociais, São Paulo, Cortez, 1996, pág. 52. 43 As propostas vão no sentido do reforço da formação em Serviço Social e nas Ciências Sociais e Humanas; reduzir as disciplinas de natureza médico-social; eliminar as disciplinas de formação doméstica; mantendo no entanto, disciplinas de formação religiosa. Investigação de pós-doutoramento realizada pela autora relativa ao Serviço Social e resistência em Tempos de Ditadura. 44 Ministro da Educação Nacional, Manuel Lopes de Almeida homologou, por Despacho de 20 de Outubro, o parecer do Conselho Permanente de Acção Educativa, de 3 de Outubro 1961, relativo ao Curso de Serviço Social no ISSL, que o considerava como curso superior. Carta da Inspecção Superior do Ensino Particular informa Directora ENS que "por parecer do Conselho permanente da Acção Educativa, homolgado por despacho ministerial de 28 de Março de 1962 foi considerado superior o curso de Serviço Social ministrado nessa escola". Carta de Fevereiro de 1964. Arquivo do ISMT. 45 Cf. Manuel Carmelo Rosa, "Ensino Superior", Dicionário de História de Portugal, (Coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica), vol. 7, Lisb., Figueirinhas, 1999, p. 641.

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A economista Manuela Silva reforça a importância que o Serviço Social deve

assumir na política social, defendendo que “os programas de desenvolvimento económico

devem integrar-se em planos mais vastos de política social”, constituindo o Serviço Social

“um instrumento de realização dos planos de desenvolvimento”46.

Neste contexto, começa a colocar-se a necessidade de uma formação pós-graduada

em Serviço Social. A criação em 1964 e 1967 dos Cursos de Serviço Social e Curso

Complementar de Serviço Social no ISCSPU, desencadeia tomadas de posição por parte

dos Institutos de Serviço Social, que pretendem desenvolver estratégias que lhes permita

conferir essa formação e o grau de licenciatura47.

A Directora do ISSC Teresa Margarida Granado que já tinha obtido a colaboração

de docentes da Universidade de Coimbra para o curso de Serviço Social48, aborda o Reitor

e os Directores da Faculdade de Letras e de Direito da Universidade de Coimbra no sentido

de ser criado nessa Universidade um Curso Complementar de Serviço Social.

Apesar de contar com o apoio da estrutura académica da Universidade de Coimbra

para a sua criação49, não contará com o aval do Ministério da Educação Nacional50. A não

46 Para Manuela Silva “O serviço social mantém uma íntima relação com os planos de industrialização por duas ordens de razões: enquanto agente indirecto da realização desses mesmos planos (superação da insuficiência de condições de base) enquanto meio de prevenir certas consequências desastrosas do ponto de vista social inerentes à industrialização (humanização das estruturas, ajustamento dos indivíduos às novas situações). Igualmente, se pode afirmar, pelas razões apontadas, que o serviço social é uma necessidade típica das sociedades industriais”.Cf. Maria Manuela Silva, “A programação do Serviço Social e a industrialização”, Revista do Gabinete de Estudos Corporativos, nº 42, 1960, págs. 201, 202 e 211. 47 Teresa Margarida Granado em carta ao Presidente do Conselho, refere que o Curso Complementar de Serviço Social criado pelo ICSPU que confere grau universitário, "é de louvar pela valorização que trouxe ao curso, levantou aos Institutos particulares o problema da obtenção do mesmo grau”. Carta da Directora do ISSC ao Presidente do Conselho, Abril de 1968. Arquivo do ISMT. 48 Refira-se entre os professores da Universidade de Coimbra que até 1974 vão participar na formação dos Assistentes Sociais neste Instituto: Boaventura de Sousa Santos, Víctor da Costa Matos, Jorge Vieira Dias, João Antunes Lopes, Manuel Carlos Lopes Porto, Vital Martins Moreira, António José Avelãs Nunes, Jorge Leite, António Manuel Botelho Hespanha, Joaquim Gomes Canotilho, Pedro Hespanha, Luís Marinho, Jorge Leite. 49 O Conselho da Faculdade de Letras, em Junho de 1967, aprovou, por unanimidade, que se propusesse superiormente a criação de um "Curso Complementar de Serviço Social", no quadro da Faculdade de Letras, integrado no 8º Grupo da III Secção (Ciências Pedagógicas), com a duração de dois anos “com a condição de o planeamento do Curso e o recrutamento do pessoal docente obedecerem às normas correntes da Faculdade de Letras”. O Director da Faculdade de Direito depois de ouvido o Conselho em Fevereiro de 1968, dá o seu apoio e colaboração à proposta da Faculdade de Letras. Arquivo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. 50 A Faculdade insiste na criação do Curso e em Fevereiro de 1968, recebe como despacho ministerial "também não pareceu suficientemente justificada a inclusão de um curso desta natureza no âmbito de uma Faculdade de Letras, solução muito diferente da adoptada para o curso que funciona em Lisboa e cuja

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consagração da autonomia universitária impede esta Universidade de prosseguir com a

proposta do ISSSC, inovadora e potenciadora da abertura de cursos e actividades de

investigação em áreas, que não existiam na Universidade de Coimbra, como as Ciências

Sociais.

A recusa da Ditadura em institucionalizar as ciências sociais irá condicionar a

formação académica do Serviço Social e a sua relação com a universidade pública.

O ISSSC não desiste e requer ao Ministro da Educação Nacional, em 1970, a sua

filiação na Universidade de Coimbra51, e em 1972 solicita a sua reconversão “em

estabelecimento de ensino oficial”52, atendendo a que não existia nenhum curso público de

Serviço Social.

No ano seguinte, as dificuldades financeiras, uma constante da vida desta escola,

acentuam-se ao ponto de estar em risco a sua sobrevivência. Em 1973, quando o ISSSC

tinha formado 414 Assistentes Sociais, a Junta Distrital de Coimbra53 reitera junto do

Ministro da Educação Nacional, “o desejo do Instituto ser incorporado, com todos os

direitos e deveres que daí advém, no ensino superior oficial (...), que entende não poder

sustentar uma obra educativa de interesse nacional e não distrital”54.

4. Autonomia e Resistência no ISSSC à Ditadura

estrutura se pretende reproduzir". Cf. ISSSC, Parecer sobre a Incorporação na Universidade, SID - 78/79. P.S., pág 1 e 2. Em Novembro de 1968, Teresa Margarida propõe ainda que a duração do curso de Serviço Social seja de cinco anos, incluindo as especializações, – previstas pelo Decreto-Lei nº 40.678 de 10 de Julho de 1956 – e que os diplomas fossem reconhecidos e atribuída a licenciatura. Nenhuma proposta terá acolhimento do Ministério. 51 Carta do ISSSC de 24 de Outubro de 1970. Cf. ISSSC, Parecer sobre a Incorporação na Universidade, SID - 78/79. P.S. 52 Cf. Idalina Maria R. Melo; Carla M. C. Pereira, Estado versus Ensino Privado de Serviço Social em Portugal: 1967-1976, Trabalho de investigação da Licenciatura em Serviço Social, ISSSC, 1995, pág. 50. 53 Pelo Código Administrativo de 1959 as províncias foram extintas como autarquias e substituídas pelos distritos, que tinham como orgãos: o Conselho de Distrito e a Junta Distrital. O primeiro de natureza consultiva era formado, por procuradores por cada um dos municípios que integravam o distrito e era quem elegia a Junta Distrital. Cf. Cf. César de Oliveira (direcção), História dos Municípios e do Poder Local. Dos finais da idade Média à União Europeia, Círculo de Leitores, 1995. pp. 317 –318. Neste contexto, em que se muda para tudo ficar na mesma, Bissaya Barreto até 1959 será Presidente da Junta da Província da Beira Litoral e presidirá à Junta Distrital de Coimbra de 1959 a 1974. 54 Cf. Carta enviada pela Direcção e professores do ISSSC ao Ministério da Educação Nacional em 19 de Junho de 1973. Cf. Idalina Maria R. Melo; Carla M. C. Pereira, op. cit, pág 53.

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Neste contexto, surpreendentemente, antes de Abril de 1974, o então Ministro da

Educação Veiga Simão, dá a conhecer à Directora Teresa Margarida Granado a proposta

de uma licenciatura em Serviço Social na Universidade de Coimbra55. Para sua surpresa, do

elenco de docentes, que não chegaram a ser nomeados, não constava nenhum dessa

universidade que há anos colaboravam com o Instituto e que se tinham empenhado na

contrução desta estratégia de qualificação do Serviço Social56. Esses professores opositores

ao regime levam a PIDE a visitar a escola várias vezes.

A vigilância e o controle do Instituto pelo regime politico tinha lugar por outros

dispositivos: pelos professores que tinham um estatuto de informadores, deputados da

Assembleia Nacional ou membros da União Nacional57; pela intervenção directa da

PIDE/DGS nas “visitas”à escola à procura dos professores da universidade de Coimbra58,

os telefones estavam sob escuta, sendo controlada a simples cedência de instalações59.

Face à deslegitimação que a formação em Serviço Social foi alvo por parte do

Estado, o ISSSC desenvolve internamente o espaço de autonomia, procedendo a alterações

curriculares e de funcionamento, com a participação de professores e alunos na vida da

escola, processo tendente a uma democratização, e ao nível externo a procura de uma

55 Informações recolhidas pela autora na entrevista realizada a Teresa Margarida Granado, em 11 de Setembro de 2001 e posteriormente confirmada pelo próprio Professor Doutor Veiga Simão, à época Ministro da Educação Nacional. 56 “Não aparecia nenhum professor dos que tinham trabalhado para a licenciatura... era tudo de "direita", nunca tinham sido professores (no Instituto), mas eram professores universitários”. Professores que colaboravam com o ISSSC como: Víctor da Costa Matos, Boaventura de Sousa Santos, Jorge Vieira Dias são os que apoiam as estratégias de integração da formação de Serviço Social na Universidade de Coimbra. Cf. Entrevista à Dra. Teresa Margarida Granado, em 11 de Setembro de 2001, no âmbito da investigação de pós-doutoramento Serviço Social e Resistência em Tempos de Ditadura. 57 Teresa Margarida Granado, então directora do ISSSC, testemunha algumas dessas situações, referindo-se a José Santos Bessa, professor de Pediatria e Puericultura no Instituto, como o “vigia do regime”. Era capitão médico na situação de Reserva, professor da cadeira de Puericultura da Faculdade de Medicina de Coimbra, deputado pelo Círculo de Coimbra da União Nacional à Assembleia Nacional por vinte e cinco anos (de 1949-73), tendo sido Presidente da Comissão Distrital da União Nacional em Coimbra. Cf. Anais da Assembleia Nacional e da Câmara Corporativa, IX Legislatura, pág. 19, 239 e 240; e da X legislatura, págs 29, 343, 344 e 436. 58 Tendo o ISSSC professores que eram procurados pela Polícia Política, por serem opositores do regime político, Teresa Margarida Granado organizou um ficheiro com nomes fictícios de professores, que apresentava quando os agentes da PIDE/ DGS se deslocavam ao Instituto. Entrevista à Dra. Teresa Margarida Granado, em 11 de Setembro de 2001. 59 Teresa Margarida refere o pedido telefónico por parte da Dra Manuela Silva para realizarem uma reunião nas instalações do ISSSC sobre questões relativas ao desenvolvimento comunitário e da sua concordância na cedência das instalações do Instituto. Passado um quarto de hora recebe a visita do Dr Santos Bessa que considerando que se tratava de uma acção contra o governo, a proíbe de ceder as instalaçoes, sob pena de ser encerrado o ISSSC, nesse mesmo dia. As escutas telefónicas eram uma realidade. Entrevista à Dra. Teresa Margarida Granado, em 11 de Setembro de 2001.

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legitimação social, através da criação e desenvolvimento de serviços à comunidade,60 que

também não escapavam ao controle do Estado.

Com o processo de desvinculação dos Institutos de Serviço Social da Igreja

Católica e do seu pensamento mais conservador, a partir dos anos 6061, corta-se mais um

elo de dependência, sendo reforçado o processo de autonomização. Num primeiro

momento as disciplinas de orientação religiosa deixaram de ser obrigatórias no curso de

Serviço Social num segundo momento, são as directoras dos Institutos de Serviço Social

do Porto e de Coimbra, que se desvinculam das organizações religiosas a que pertenciam,

permanecendo, em ambos os casos, na direcção das escolas62.

III – Do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra ao Instituto Superior Miguel Torga no contexto da formação em Serviço Social em Tempos de Democracia

A revolução de Abril de 1974 leva à ruptura com a Ditadura e a transformações na

sociedade portuguesa, que a Constituição de 1976 apontava em “transição para o

socialismo”. A revisão constitucional de 1982 retira esse carácter, mas os princípios de um

Estado Providência constituem-se num dos pilares da sociedade portuguesa.

1. As propostas de integração dos Institutos de Serviço Social no ensino público universitário após Abril de 1974

Neste período regista-se uma participação do Serviço Social no processo de

democratização da sociedade portuguesa, grande envolvimento nos e com os movimentos

sociais. No ISSSC passa a existir gestão democrática, com a participação de alunos,

professores e funcionários em orgãos de gestão: Conselho Directivo, Conselho 60 O ISSSC nos anos 60 e princípios de 70 criou e colaborou no lançamento de serviços tentendes a responder a alguns dos problemas sociais. Em 1966 é criada a Escola de Chefia com a colaboração da UCIDF, para promover os pequenos empresários. No ano seguinte é criado: o Secretariado dos Voluntários da Acção Social um serviço para “recrutar, formar e orientar voluntários de acção social que se proponham colaborar nos planos de promoção social organizados pelos próprio Secretariado ou em organizações existentes no distrito”; a Escola da Amizade (o ensino nocturno para promoção cultural dos operários, chegando a ter 200 alunos, sendo os professores alunos universitários) e o Movimento de apoio aos filhos dos emigrantes (1968) que são integradas neste Secretariado. Cf. Teresa Margarida Granado, História do Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra, de 1936 a 1972, 1972. 61 Reflete a progressiva desagregação do apoio dos católicos ao regime, no pós-guerra e depois de 1958 a divisão dos católicos perante o regime e nos anos 60 e 70, as diversas expressões da oposição católica. 62 As Assistentes Sociais Teresa Margarida e Julieta Cardoso desvinculam-se respectivamente das Franciscanas Missionárias de Maria em 1972 e nos anos 60 da Sociedade Filhas do Coração de Maria.

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Pedagógico, Assembleia Geral de Escola, Assembleia de Representantes. A entidade

instituidora do ISSSC era a Junta Distrital de Coimbra, e após a Constituição da República

de 1976 até aos dias de hoje a Assembleia Distrital de Coimbra63.

A formação em Serviço Social recusa a neutralidade da profissão, trazida com a

influência da metodologia norte-americana em Serviço Social e sofre influências de

correntes marxistas, pensamento crítico e do movimento de reconceptualização do Serviço

Social latino americano64, reforçando-se o conhecimento nas várias disciplinas das ciências

sociais.

Os três Institutos Superiores de Serviço Social do Porto, Coimbra e Lisboa vão

lutar pela sua integração no ensino público universitário. O Estado desde 1956 não tomava

qualquer iniciativa legislativa relativa à formação em Serviço Social, em 1975 os alunos

destes Institutos passam a usufruir da acção social dirigida aos alunos do ensino público e

em 1976 o Secretário de Estado do Ensino Superior e Investigação Científica atribui aos

Institutos uma verba que permite cobrir a totalidade das suas despesas de funcionamento,

permitindo propinas e salários semelhantes aos praticados no ensino público.

O Despacho 74/76 de 14 de Julho determina o funcionamento nas Universidades do

Porto, em Coimbra e Técnica de Lisboa, de cursos de bacharelato em Intervenção Social,

que sucedem aos cursos de Serviço Social, mas a 29 de Outubro desse ano é suspenso esse

Despacho, passando os Institutos a funcionarem como até aí como estabelecimentos do

ensino superior particular.

A luta pela integração no ensino público continuará por parte dos Institutos de

Serviço Social até meados dos anos 80. Em 1979 a categoria profissional confronta-se com 63 A Constituição da República remetia a criação de regiões administrativas para lei própria e específica, mantendo-se até lá os distritos (e a figura do Governador Civil) embora estes deixassem de ser classificados como autarquias. Cf. César de Oliveira (direcção), op. cit. pp. 354. Pela Lei nº 79/77 a Assembleia Distrital integrava representantes das câmaras e das assembleias municipais, o governador civil do distrito que presidia às suas sessões, embora sem direito de voto, mas a quem competia a “execução das deliberações que esta tome na prossecução das atribuições do distrito”. Segundo César de Oliveira correspondia a uma prática política que exprimia uma tentativa de “governamentalização “ das autarquias locais. Cf. César de Oliveira (direcção), op. cit. pp. 363-364. Até 1991 a presidência da Assembleia Distrital de Coimbra será assumida pelo governador civil do distrito. 64 Veja-se: Maria Augusta Negreiros, Marília Andrade, Maria José Queirós, A construção do conhecimento do Serviço Social em Portugal-período 1974/1978, Lisboa, Série História do Serviço Social Português, Estudos e Pesquisas, Departamento Pós-Graduação, ISSS, 1992 e Maria Lorena Freitas e Sónia Martins dos Santos, “A influência do Movimento de Reconceptualização Latino Americano em Portugal na década de 70: os discursos e as práticas antes e após 25 de Abril”, Estudos & Documentos, Série I, nº 12, Lisboa, CPIHTS, 1998.

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a criação de duas carreiras na função pública: a carreira técnica e a carreira técnica

superior, que exige o grau de licenciatura. Os Assistentes Sociais que vêm vedado o acesso

à carreira técnica superior e a lugares de chefia e direcção, mobilizam-se e organizam um

Grupo Coordenador, para reivindicar para os Assistentes Sociais já formados a

“equiparação ao grau de licenciatura para efeitos profissionais”. A luta será inglória, não

abdicando o Ministério do grau académico para o acesso à carreira técnica superior.

2. Os anos 80: do processo de luta pela qualificação académica em Serviço Social à governamentalização do ISSSC

A segunda metade dos anos 80 fica associada à integração de Portugal na

Comunidade Económica Europeia e no âmbito do Serviço Social é marcante o movimento

de luta pela licenciatura em Serviço Social, liderado pelo ISSSL, que juntamente com o

ISSS do Porto, congregaram os Assistentes Sociais do país e as organizações da categoria

profissional, a APSS, Sindicatos e as Associações de Estudantes de Serviço Social,

culminando na atribuição do grau académico de licenciatura à formação de 5 anos

ministrada por estes dois Institutos (1989)65, na criação da carreira técnica superior de

Serviço Social na Administração Pública (1991)66 e na atribuição do grau de mestre

(1995)67.

Em meados dos anos 80, perante a redução do financiamento proveniente do

Estado, o Conselho Directivo do ISSSC vê-se constrangido a aumentar o valor das

propinas, desencadeando uma reacção de contestação por parte dos alunos, e uma

65 Pela Portaria nº 793/89 de 8 de Setembro e Portaria nº 796/89 de 9 de Setembro é autorizado, respectivamente, ao ISSSL e ao ISSSP o início do funcionamento do curso superior de Serviço Social e os efeitos correspondentes aos da titularidade do grau académico de licenciatura do ensino superior público. É ministro da Educação Roberto Artur da Luz Carneiro. 66 As Portarias nºs 370/90 e 1144/90 Decreto-Lei nº 296/91 de 16 de Agosto, respectivamente de 12 de Maio e 20 de Novembro vieram permitir que ao curso superior de Serviço Social, ministrados pelos Institutos Superiores de Serviço Social de Lisboa, Porto e Coimbra, fosse reconhecido o nível de licenciatura e a integração destes diplomados na Carreira Técnica Superior de Serviço Social, criada e regulamentada pelo Decreto-Lei nº 296/91 de 16 de Agosto. 67 A Portaria nº 182/95 de 6 de Março autoriza o funcionamento do Mestrado em Serviço Social no ISSSL. Para uma análise mais desenvolvida destes processos veja-se Maria Augusta Negreiros,”Qualificação Académica e Profissionalização do Serviço Social – o caso português”, Serviço Social & Identidade, que Trajectória? Lisboa, São Paulo, Cadernos do Futuro, Veras Editora, 1999.

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intervenção por parte da entidade que o tutela, a Assembleia Distrital de Coimbra68, que

nomeia em 22 de Janeiro de 1985, uma Comissão Administrativa69 para o ISSSC,

interrompendo a gestão democrática até aí existente.

A Comissão Administrativa é “o único orgão de direcção do Instituto, cabendo-lhe

e concentrando todas as competências, em matéria administrativa, financeira, científica e

pedagógica”70, proposta pelo Presidente da Assembleia Distrital de Coimbra e a quem terá

que responder.

Na reunião de 13 de Fevereiro de 1985, entre o Secretário de Estado do Ensino

Superior71, o Governador Civil de Coimbra e a Comissão Administrativa foi estabelecido o

consenso sobre a situação institucional do ISSSC, que passou pela imposição aos alunos

das propinas mensais, pela continuação de duodécimo, de valor igual ao do ano de 1984 e

pela proposta de realização de um estudo sobre o futuro institucional do Instituto, “tendo

em conta que a solução deveria passar pela integração da Escola no Ensino Superior

Politécnico, público ou privado”72.

Face às estratégias desencadeadas pelos Institutos Superiores de Serviço Social de

Lisboa e do Porto, tendo por base o estipulado no Decreto Lei nº 100-B/85 de 8 de Abril,

de qualificação académica do Serviço Social com o implementar de um plano de estudos

em Serviço Social com a duração de 5 anos, a criação de um Conselho Científico, a

68 Nos termos do Alvará 312 de 1940 a tutela do ISSSC cabe à Assembleia Distrital de Coimbra. É presidente do Governo Civil de Coimbra e por inerência Presidente da Assembleia Distrital o Dr Carlos Alberto Raposo Santana Maia (1983-1985). Disponível em: http://www.gov-civil-coimbra.pt/historico.php. 69 A Comissão Administrativa é composta por 3 elementos representantes da Autarquia titular do alvará e por 3 elementos do Instituto, sendo constituída por um Presidente o Prof. Doutor Joaquim Antero Romero Magalhães e integrava os seguintes vogais: Dr. Henrique José Lopes Fernandes, Dr. Mário Nobre João, Dr. Fernando Luís Marinho, Dr Manuel Augusto Soares Machado, Dr Armando Martins Tavares. Os dois últimos elementos são representantes, respectivamente, da Câmara Municipal de Coimbra e da Câmara Municipal de Condeixa, que juntamente com o Presidente da Comissão representavam a Assembleia Distrital de Coimbra. Cf. Carta enviada ao Director Geral do Ensino Superior pela Comissão Administrativa, em 13 de Maio de 1985. Arquivo do ISMT. Posteriormente, integra a Comissão Administrativa a docente Drª. Emília Gomes da Silva Corga Machado, Assistente Social e docente do ISSSC, em substituição do Dr Fernando Luís Marinho. A influência político-partidária da Assembleia Distrital de Coimbra manifesta-se no ISSSC a partir do momento em a tutela procede à nomeação desta Comissão Administrativa e posteriormente dos Directores do Instituto. 70 Cf. Carta enviada ao Director Geral do Ensino Superior pela Comissão Administrativa, em 13 de Maio de 1985. Consta também deste documento a referência que a Comissão Administrativa “é no entanto acessorada em matéria científica e pedagógica pelo parecer do Conselho de Professores que a Assembleia Distrital entendeu manter”. Arquivo do ISMT. 71 É Secretário de Estado do Ensino Superior o Prof. Pinto Machado. 72 Cf. Carta enviada ao Director Geral do Ensino Superior pela Comissão Administrativa, em 13 de Maio de 1985. O valor estipulado para as propinas dos alunos foi de 3 mil escudos, mensais.

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qualificação académica dos docentes Assistentes Sociais, ao nível do mestrado em Serviço

Social a luta pelo reconhecimento do grau académico de licenciatura ao plano de estudos, a

Comissão Administrativa do ISSSC tomará outras posições, que são expressão do processo

de “governamentalização do ISSSC”.

A Comissão Administrativa no seguimento do estipulado no Decreto-Lei nº 100-

B/85, não cria um Conselho Científico, subestima a atribuição do grau de licenciatura, em

detrimento da integração do curso de Serviço Social no ensino politécnico e o grau de

bacharel, posição defendida pelo Ministério da Educação.

Neste contexto, e parafraseando César de Oliveira73 dir-se-ia que a tentativa de

“governamentalização” das autarquias locais, com a Lei nº 79/77, permitiu que o

Presidente da Assembleia Distrital de Coimbra, o Governador Civil de Coimbra, tutelasse

o ISSSC, através da Comissão Administrativa que nomeou e que irá pautar-se por uma

intervenção, que se poderá designar de cariz “governamental”.

Neste contexto, o ISSSC através da Comissão Administrativa não participa no

movimento pela qualificação académica do Serviço Social, dissociando-se das lutas das

organizações da categoria e do projecto profissional, que acaba sendo vencedor.

Em Outubro de 1989 o então Presidente da Assembleia Distrital de Coimbra74,

nomeia o Prof. Doutor Luís Filipe Requicha Ferreira75 como Director do ISSSC. É

retomado o caminho já trilhado pelos Institutos de Lisboa e Porto ao ser proposto um plano

de estudos em Serviço Social, com 5 anos de duração.

Dando cumprimento ao previsto no Decreto Lei 100-B/ 85 de 8 de Abril é criado o

Conselho Científico do ISSSC 76, em Outubro de 1989, a que preside o Director do

Instituto. Na primeira reunião deste Conselho é aprovado o plano de estudos em Serviço 73 Veja-se Cesár de Oliveira, op. cit, 1995. 74 Neste período é Governador Civil de Coimbra e presidente da Assembleia Distrital o Dr Carlos Alberto Silva Almeida Loureiro (1988-1990). Disponível em http://www.gov-civil-coimbra.pt/historico.php. 75 O Prof. Doutor Luís Filipe Requicha Ferreira era professor universitário da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, tendo assumido entre 1986-1988 funções de vice-reitor da Universidade do Algarve. O mandato de Director tem a duração de dois anos, renovável ou não. Sob proposta do Director o ISSSC passou a ter um Sub-Director, o Dr Mário Frota, com parecer favorável da Assembleia Distrital de Coimbra. 76 O Conselho Científico foi constituído pelos professores doutores Joaquim Antero Romero Magalhães (áreas de Economia e História), Carlos Augusto Amaral Dias (área de psicologia Médica), Guilherme Freire Falcão de Oliveira (área de Direito), José Cândido Guerreiro Carlos Fortuna (área de Sociologia), e Maria das Dores Formosinho Simões (área de Psicologia) e Luís Filipe Requicha Ferreira (área de Matemática e Informática) que presidia. Cf. “Acta nº 1/89” do Livro de Actas do Conselho Científico do ISSSC. Arquivo do ISMT.

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Social e a proposta de texto de portaria a apresentar ao Ministério da Educação77. Em

Janeiro de 1990 é reconhecido o grau de licenciatura ao plano de estudos em Serviço

Social do ISSSC78.

3. Os anos 90: do alargamento do ensino superior privado de Serviço Social em Coimbra à construção do Instituto Superior Miguel Torga

Em 1991, assiste-se em Coimbra à irrupção do Instituto Superior Bissaya Barreto

com a criação de uma nova licenciatura em Serviço Social que apresenta o mesmo plano

de estudos do ISSSC, começando a funcionar com 5 anos, com estudantes, alguns

professores, funcionários e elementos da ex-direcção do ISSSC, incluindo o Director.

A crise abala o ISSSC, com um passado de 54 anos, mas é ultrapassada com uma

nova equipa liderada pelo Prof. Doutor Carlos Amaral Dias - indigitado pela Assembleia

Distrital de Coimbra79 - que repõe a gestão democrática, vindo a ser o presidente do

Conselho Directivo, e que continua até aos dias de hoje a ser referência da instituição. A

Assistente Social Emília Gomes da Silva Corga é sub-directora e um elenco de doutores de

áreas científicas das Ciências Sociais e Humanas, Psicologia e Psiquiatria integram o

Conselho Científico80, que passa a ser presidido pelo Prof. Doutor José Pinto Gouveia.

77 A primeira reunião do Conselho Científico realiza-se a 9 de Outubro de 1989 na sede da Assembleia Distrital de Coimbra. Cf. Arquivo do ISMT. 78 Portaria nº 15 /1990 de 9 de Janeiro. 79 Com a 2ª revisão Constitucional, o Governador Civil deixa de integrar a composição das Assembleias Distritais. Assim, segundo o artigo 2º do Decreto-Lei nº 5/91, de 8 de Janeiro compõem a assembleia distrital: a) os presidentes das câmaras municipais ou vereadores que os substituam; b) dois membros de cada assembleia municipal, devendo um deles ser o respectivo presidente ou o seu substituto e o outro eleito de entre os presidentes de junta de freguesia”. Segundo o artigo 6º desse Decreto-Lei a Mesa da Assembleia Distrital é constituída por um presidente e dois secretários, sendo eleita pela assembleia, de entre os seus membros, por escrutínio secreto, pelo período do mandato autárquico. Na sequência do fim do mandato de Director do Prof. Doutor Requicha Ferreira, o Presidente da Assembleia Distrital de Coimbra o Prof. Doutor Joaquim Antero Romero de Magalhães encarrega o membro do Conselho Científico do ISSSC, o Prof. Doutor Carlos Augusto Amaral Dias, como académico mais graduado de assegurar a presidência do Conselho Científico e a Direcção do ISSSC. O Prof. Doutor Carlos Augusto Amaral Dias é nomeado interinamente pela Mesa da Assembleia Distrital de Coimbra e eleito em plenário da Assembleia Distrital a 30 de Outubro de 1991 para presidente do Conselho Científico e, por inerência, Director do Instituto. Arquivo do ISMT. 80 Na reunião de 8 de Novembro de 1991 do Conselho Científico estavam presentes o professores doutores: Carlos Augusto Amaral Dias que presidiu a reunião, Guilherme Freire Falcão de Oliveira, José Cândido Guerreiro Carlos Fortuna e os novos conselheiros Amadeu Carvalho Homem, José Pinto Gouveia, Luís Pio de Abreu. Como convidada, a sub-directora, licenciada em Serviço Social Emília Corga. Foram separadas as funções do Conselho Científico das da Direcção, tendo sido eleito para presidir ao Conselho Científico o

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No rescaldo da não aprovação pelo Ministério da Educação de novas licenciaturas

de iniciativa do Conselho Científico - que não incluia nenhum docente de Serviço Social81

- este orgão apresenta nova proposta para o plano de estudos da licenciatura em Serviço

Social, que será aprovado em 199382.

A duração da licenciatura é mantida em cinco anos, mas as alterações vão no

sentido de inverter a tendência da formação generalista, com a criação de cinco ramos de

especialidade nos dois últimos anos, de Segurança Social, Saúde, Justiça e Reinserção

Social, Aconselhamento e Gestão de Recursos Humanos; de haver um reforço

psicologizante da formação e técnico operativo, em detrimento da investigação em Serviço

Social e consolidação dos conhecimentos da área do Serviço Social, que deixa de ser

estruturante em alguns ramos de especialidade.

Em 1996 o Instituto avança com uma estratégia ganhadora de se abrir a novas

licenciaturas, à formação pós-graduada, em intercâmbio com universidades estrangeiras,

nomeadamente ao nível de cursos de mestrado e em 1998 muda a designação do Instituto

para ISMT83. Nos anos seguintes serão criados outros cursos de mestrado, como o de

Serviço Social e cursos de doutoramento em colaboração com universidades portuguesas e

estrangeiras84.

4. Desregulamentação da formação em Serviço Social, mercantilização, empresarialização e inserção no ensino público

Os anos 90 são marcantes da expansão do ensino superior privado. Ao nível do

Serviço Social asssiste-se a um crescimento exponencial de licenciaturas em Serviço

Prof. Doutor José Pinto Gouveia. Nesta reunião foi aprovado a proposta da criação de 3 licenciaturas : Ciências da Informação, Prevenção e Reabilitação de Comportamento Desviantes e Psicosociologia, o Diploma de Estudos Superiores Especializados em Reabilitação e os mestrados: Família e Sistemas Sociais, Socio-Psicologia da Saúde e Toxicodependência e Patologias Psicossociais. 81 No dia 12 de Julho de 1993 teve lugar a eleição do docente representante da área de Serviço Social no Conselho Científico. Foi eleita a licenciada Alcina Martins vindo a participar no Conselho Científico no início do ano lectivo 1993/94, após ter realizado provas de Doutoramento em Serviço Social, em Setembro de 1993, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil. 82 Portaria nº 692/ 93 de 22 de Julho. 83 Cf Decreto-Lei nº 12/ 98, de 24 de Janeiro, a requerimento da Assembleia Distrital de Coimbra, o Instituto Superior de Serviço Social de Coimbra passou a designar-se Instituto Superior Miguel Torga. 84 Veja-se a página do ISMT: http://www.ismt.pt/

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Social no ensino universitário privado. Passa-se de 3 para 8 cursos no final da década de

9085.

Em Portugal, só na viragem do século XXI o ensino público incluiu a formação de

Serviço Social, ao nível da licenciatura. Esta encontra-se presente em 22 estabelecimentos

de ensino superior: 10 em instituições públicas, 5 de natureza universitária e 5 politécnica;

em 9 instituições privadas e do ensino particular e cooperativo e 3 no ensino

concordatário86.

Ao nível do 1º ciclo existem 20 cursos já registados na DGES e 5 do 2º ciclo, 3 do

ensino privado universitário, 2 do ensino concordatário e dos 3 programas de

doutoramento em Serviço Social só o da Universidade Católica Portuguesa apresenta

registo de adequação ao processo de Bolonha.

Este crescimento vertiginoso de cursos de Serviço Social teve lugar sem ter existido

qualquer processo de regulação ou auto-regulação.

Se nas últimas décadas em Portugal, o desenvolvimento de políticas sociais

públicas e o reconhecimento de direitos sociais criaram condições para ampliar o espaço e

a procura profissional dos Assistentes Sociais tendo sido decisivas as conquistas obtidas ao

nível da qualificação académica e da carreira profissional nos anos 80 e 90, por outro lado,

o crescimento da formação deve-se também ao investimento económico de instituições

que encontram no Serviço Social uma forma de compensar o passivo dos seus cursos.

Nos primeiros anos do século XXI, no contexto da reforma do ensino universitário,

as relações do ISMT com a entidade instituidora, a Assembleia Distrital de Coimbra

conhecem novos equacionamentos.

Em 9 de Julho de 2003 a Assembleia Distrital de Coimbra87, o estabelecimento de

ensino superior de que é titular – o Instituto Superior Miguel Torga – e Carlos Amaral Dias

instituiram uma fundação, denominada, Fundação Aeminium. Segundo os seus Estatutos, a

Fundação “é uma pessoa colectiva de direito privado, sem fins lucrativos, dotada de

85 Criaram-se licenciaturas em Serviço Social no Instituto Superior de Serviço Social de Beja, no Instituto Superior Bissaya Barreto, na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e na Universidade Fernando Pessoa. Desenvolvimento deste processo em: Alfredo Henríquez, "1999: Trabalhadores Sociais comprometidos com o seu futuro", Estudos & Documentos, nº 4/5, Lisboa, CPIHTS, 2000, p. 9 a 24. 86 Veja-se Alcina Martins, op.cit 2007. 87 É Presidente da Assembleia Distrital de Coimbra o Dr Carlos Manuel de Sousa Encarnação.

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personalidade jurídica e constituída por tempo indeterminado (…) tem por objectivo

principal a criação em conjunto com a Fundação Bissaya Barreto de um novo

estabelecimento de ensino superior que integrará todos os direitos e obrigações do Instituto

Superior Miguel Torga e, como acessório, a divulgação da cultura e da ciência”88.

Este novo estabelecimento resultaria da fusão do Instituto Superior Miguel Torga

(ISMT) e do Instituto Superior Bissaya Barreto (ISBB), de que são entidades responsáveis

ou titulares, respectivamente, a Assembleia Distrital de Coimbra e a Fundação Bissaya

Barreto.

Foi também constituída, na mesma data, a sociedade comercial por quotas

denominada “Torbis”- Administração de Estabelecimentos de Ensino Superior, Limitada,

tendo por objecto “a administração de estabelecimentos de ensino superior89. Previa-se que

com a fusão se concretizasse a “transferência e incorporação no capital social da referida

sociedade comercial, através da adequada operação de aumento do capital, de todos os

bens, direitos e obrigações desses dois estabelecimentos de ensino superior”90.

No âmbito deste processo tendente à fusão de ambos os Institutos, registe-se, no

que respeita à formação em Serviço Social que em 2003, representantes de ambas as

licenciaturas chegaram a proceder à elaboração de um único plano de estudos em Serviço

Social, com a duração de 4 anos91.

Na sequência do pedido de reconhecimento da Fundação Aeminium, em 2005, o

Ministério da Ciência e Tecnologia e Ensino Superior solicita parecer ao Conselho

Consultivo da Procuradoria Geral da República, cujas conclusões vão no sentido de

88 Cf. Parecer nº 40/ 2005 da Procuradoria Geral da República, 2ª Série, de 28 de Agosto de 2006. pág. 18199-18215. Parecer votado em sessão do Conselho Consultivo da PGR de 16 de Fevereiro de 2005 e homologado por despacho do Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior de 16 de Fevereiro de 2006. Diponível em http://www.dgsi.pt/pgrp.nsf/7fc0bd52c6f5cd5a802568c0003fb410/2203a1c45c00e90580256feb004f2312?OpenDocument&ExpandSection=-4 , pág 5. Acesso em Maio de 2007. 89 Parecer PGR, op. cit, pág 6. 90 Parecer PGR, op. cit, pág 7. 91 Foram representantes das licenciaturas em Serviço Social a Mestre Maria Rosa Tomé e a Profª. Doutora Helena Reis, respectivamente pelo Instituto Superior Miguel Torga e pelo Instituto Superior Bissaya Barreto.

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considerar que a intervenção do ISMT, por carência de personalidade jurídica, no acto de

instituição de uma fundação não é juridicamente admissível92.

Não tendo sido concretizada a fusão destes Institutos, continua, no entanto, a ser sui

generis o ISMT ter como entidade instituidora a Assembleia Distrital de Coimbra93.

Depois desta rápida viagem pela trajectória de 70 anos deste Instituto, gostariamos

de sublinhar como grandes desafios para o futuro da formação em Serviço Social: a aposta

na qualidade formativa e continuação do processo de qualificação académica dos docentes

e produção do conhecimento; o reforço da internacionalização através do intercâmbio com

universidades ao nível da formação e da investigação; a consolidação da investigação em

que se faz a iniciação no 1º ciclo com os Núcleos de Estudo, que pretendemos dinamizar

também com a colaboração de Assistentes Sociais, orientadores de estágio, investigadores,

e se aprofunda no 2º ciclo com os Núcleos de Estudo e Investigação, perspectivando-se que

Assistentes Sociais e outros profissionais das Ciências Sociais, enveredem cada vez mais

por esta via de qualificarem o trabalho profissional.

O ser-se interveniente, participativo e propositivo nos debates que atravessam a

ordem social contemporânea, a sociedade portuguesa e a profissão pressupõe práticas de

investigação como dimensão fundamental do Serviço Social neste séc XXI.

Quanto ao 3º ciclo em Serviço Social, muito gostaríamos que num futuro breve as

palavras proferidas na Sessão Inaugural das Comemorações dos 70 anos do Instituto94, pelo

Magnífico Reitor da Universidade de Coimbra e o Director do ISMT, no sentido de

“criação de dimensão” e articulação entre as duas instituições, se transforme num processo

que conduza, entre outros projectos, ao dotar a cidade de Coimbra de um curso de

doutoramento em Serviço Social.

Uma palavra final para homenagear alunos, professores, funcionários, orgãos de

gestão, estruturas académicas, movimento estudantil, que ao longo de 70 anos têm lutado

pela construção de um ensino de referência, uma instituição dinâmica e prestigiada, que em 92 Cf. Para análise deste processo vejam-se as conclusões do Parecer nº 40/ 2005 da Procuradoria Geral da República, 2ª Série, de 28 de Agosto de 2006. 93 Após a apresentação desta comunicação foi publicada a Lei nº 62/2007 de 10 de Setembro que estabelece o Regime Jurídico das Instituições de Ensino Superior, que coloca a questão da entidade instituidora do ISMT. 94 Sessão Abertura da Sessão Inaugural das Comemorações dos 70 anos do ISMT, realizada no dia 11 de Janeiro de 2007, no Auditório da Reitoria da Universidade de Coimbra. Veja-se: http://ismt70.blogspot.com/

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tempos de ditadura e de democracia salvaguarda os valores da liberdade, de um ensino

plural e crítico, comprometido socialmente, que quer continuar a construir o futuro.

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