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1. Formas majoradas do crime de aborto (art. 127 do CP): Forma qualificada Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte. O CP fala em qualificadora, a qual indica um novo mínimo ou um novo máximo de pena, o que não ocorre nesse caso, pois há um aumento de forma fracionada, equivocando-se o legislador ao utilizar a expressão qualificadora. O referido artigo somente se aplica ao art. 125 (sem consentimento da gestante) 1 e art. 126 (com consentimento da gestante) 2 . Deve-se observar a natureza do resultado do aborto, que é um crime essencialmente doloso. Assim, o que qualificará esse crime será a sua consequência. O resultado agravador dos artigos 125 ou 126 do CP será: lesão grave ou morte, que sofre a gestante, a qual deve advir por culpa, caso contrário, surgirá mais um crime, ou seja, aborto e lesão grave ou aborto e homicídio. Dessa forma, para que seja aplicado o art. 127 do CP, o crime deve necessariamente advir de culpa, ou seja, dolo na conduta antecedente e culpa no resultado consequente, estando diante de um crime preterdoloso. Ainda, deve-se lembrar de que alguns crimes não aceitam a tentativa, como os crimes preterdolosos, por que o resultado agravador advém de culpa (resultado involuntário). Entretanto, apresenta-se uma exceção: quando aborto foi ineficaz e a criança nasceu com vida. 1.2. Aborto legal ou Permissivo Art. 128 do CP: Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário ou terapêutico I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro (Sentimental, Humanitário, Ético ou Piedoso) II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. 1.2.1. Observações ao art. 128 do CP : · Em razão da aplicação da analogia in bonam partem, se o aborto for praticado nas circunstâncias referidas acima por outra pessoa (por exemplo: enfermeira, taxista), esta também não será punida; · Na hipótese do inciso I (aborto necessário) não há a necessidade do consentimento da gestante, nem de autorização judicial. Quem decidirá é o médico de forma imediata; 1 Art. 125 do CP: Aborto provocado por terceiro - Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. 2 Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

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1. Formas majoradas do crime de aborto (art. 127 do CP):

Forma qualificada

Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

O CP fala em qualificadora, a qual indica um novo mínimo ou um novo máximo de pena, o que não ocorre nesse caso, pois há um aumento de forma fracionada, equivocando-se o legislador ao utilizar a expressão qualificadora. O referido artigo somente se aplica ao art. 125 (sem consentimento da gestante)1 e art. 126 (com consentimento da gestante)2.

Deve-se observar a natureza do resultado do aborto, que é um crime essencialmente doloso. Assim, o que qualificará esse crime será a sua consequência. O resultado agravador dos artigos 125 ou 126 do CP será: lesão grave ou morte, que sofre a gestante, a qual deve advir por culpa, caso contrário, surgirá mais um crime, ou seja, aborto e lesão grave ou aborto e homicídio.

Dessa forma, para que seja aplicado o art. 127 do CP, o crime deve necessariamente advir de culpa, ou seja, dolo na conduta antecedente e culpa no resultado consequente, estando diante de um crime preterdoloso.

Ainda, deve-se lembrar de que alguns crimes não aceitam a tentativa, como os crimes preterdolosos, por que o resultado agravador advém de culpa (resultado involuntário). Entretanto, apresenta-se uma exceção: quando aborto foi ineficaz e a criança nasceu com vida.

1.2. Aborto legal ou Permissivo

Art. 128 do CP: Não se pune o aborto praticado por médico:

Aborto necessário ou terapêutico

I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

Aborto no caso de gravidez resultante de estupro (Sentimental, Humanitário, Ético ou Piedoso)

II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

1.2.1. Observações ao art. 128 do CP:

· Em razão da aplicação da analogia in bonam partem, se o aborto for praticado nas circunstâncias referidas acima por outra pessoa (por exemplo: enfermeira, taxista), esta também não será punida;

· Na hipótese do inciso I (aborto necessário) não há a necessidade do consentimento da gestante, nem de autorização judicial. Quem decidirá é o médico de forma imediata;

1Art. 125 do CP: Aborto provocado por terceiro - Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de três a dez anos. 2 Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de um a quatro anos. Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.

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· Já na hipótese do inciso II (resultante de estupro), este decorre do consentimento da gestante, sem representante legal. Entretanto, o Estado deve ter conhecimento do ato, mesmo que a lei não preveja tal imposição. Ao menos, deve ser procedida à lavratura do boletim de ocorrência, até por que a gestante pode estar mentindo e o MP pode vislumbrar a viabilidade de apuração do fato.

1.2.2. Causas especiais de estado de necessidade:

No caso de aborto necessário (há risco de morte da gestante), os bens jurídicos tutelados e em conflito, no presente caso, é a vida do feto e a vida da mãe. Nessa hipótese, aplica-se o estado de necessidade justificante, ou seja, é admitido, pois o bem jurídico protegido é maior ou no máximo igual ao bem jurídico sacrificado.

A discussão ocorre na análise do inciso II do art. 128 (aborto humanitário), onde os bens tutelados contrapostos são a vida do feto e a honra da mãe(bem disponível). Dessa forma, não há que se falar em estado de necessidade pela diferença dos valores tutelados. Entretanto, pode-se justificar o estado de necessidade de duas formas:

I. Aplicação da inexigibilidade de conduta adversa – excludente de culpabilidade (Rogério Grecco);

II. Aplicação do princípio da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1º, III, da CF/88)3, deixando de lado a honra da mãe, que tem valor jurídico menor que a vida do feto.

1.3.Aborto Eugênico: é gênero, do qual o aborto de feto anencéfalo é espécie. É praticado quando o feto apresenta deformidades. Isso é um equívoco, sendo crime no Brasil, pois a lei prevê apenas duas possibilidades de aborto (art. 128, incisos I e II do CP). Assim, conclui-se que o gênero é crime, enquanto que a sua espécie é lícita.

1.3.1. Aborto de feto anencéfalo - (Vide ADPF 54):

FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ –MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE –DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS– CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal.

A lei 9434/97, em seu art. 3º4, define o momento em que se dá a morte, o requisito objetivo é a morte encefálica. Se a morte se dá com a morte cerebral e esse feto não tem cérebro, para o Direito, esse feto nunca teve vida. Destarte, não é correto falar-se em aborto de feto anencéfalo, e sim Antecipação Terapêutica do Parto.

1.4. Aborto Social ou Econômico: é realizado em face de questões econômicas. Hipoteticamente, faz-se uma projeção e verifica-se a impossibilidade dessa mãe de criar mais esse filho, o que fundamentaria tal procedimento. Porém, essa hipótese não encontra guarida em nosso ordenamento jurídico.

3 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...] 4 Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.

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2. Lesão Corporal (a partir do art. 129 do CP):

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem:

Pena - detenção, de três meses a um ano. [...]

2.1. Bem jurídico: o que se protege é a incolumidade física, fisiológica e mental do indivíduo;

2.2. Sujeito ativo: pode ser praticado por qualquer pessoa;

2.3. Sujeito passivo: pode ser qualquer pessoa, com a exceção de dois casos:

· Art. 129,§ 1º, IV, do CP: necessita-se de uma vítima específica (mulher grávida):

§ 1º Se resulta: [...] IV - aceleração de parto: Pena - reclusão, de um a cinco anos.

· Art. 129, § 2º, V do CP: aborto, crime próprio, no que se refere à vítima:

§ 2° Se resulta: [...] V - aborto: Pena - reclusão, de dois a oito anos.

2.4. Tipo objetivo (caput do art. 129 do CP): refere-se ao comprometimento anatômico da vítima. Já a ofensa à saúde, refere-se ao comprometimento fisiológico ou mental da vítima.

· Estamos diante de um crime comissivo (só praticado com ação);

· Em relação ao garante (art. 13, § 2º do CP)5 – pode ser comissivo por omissão; Exemplo, segurança de boate que se omite na proteção dos clientes. O segurança que não interveio, responderá pelo resultado naturalístico que devia ter evitado e não o fez.

· Se a intenção era apenas agredir, sem querer ofender a integridade física ou a saúde da vítima, haverá a desclassificação desse ato, não sendo enquadrado no Código Penal, mas sim no art. 21 da Lei de Contravenções Penais:

Praticar vias de fato contra alguém: Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de cem mil réis a um conto de réis, se o fato não constitui crime. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se a vítima é maior de 60 (sessenta) anos.

· Autolesão: nullum crimen sine iniuria (não há crime sem lesão ao bem jurídico). Esse é o brocardo latino que informa o princípio da Ofensividade ou Lesividade. A ofensividade está sempre ligada à alteridade (outrem).

Assim, a autolesão é fato atípico. Alguns autores identificam 2 exceções, onde a autolesão seria considerada crime:

5 Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido. [...] Relevância da omissão § 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado

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I. Art. 171, § 2º, V do CP – fraude para recebimento de indenização ou valor de seguro:

Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento: § 2º - Nas mesmas penas incorre quem: V - destrói, total ou parcialmente, ou oculta coisa própria, ou lesa o próprio corpo ou a saúde, ou agrava as consequências da lesão ou doença, com o intuito de haver indenização ou valor de seguro;

II. Código Penal Militar, art. 184 - criar ou simular incapacidade física, que inabilite o convocado para serviço militar:

Art. 184. Criar ou simular incapacidade física, que inabilite o convocado para o serviço militar: Pena - detenção, de seis meses a dois anos.

· Posse de drogas para consumo pessoal: quase nunca é acolhida. A presente tese trabalha da seguinte forma: se o mais (autolesão) não é crime, o menos (posse de drogas para consumo) também não pode ser. A réplica para essa tese trabalha com a ofensa à incolumidade pública, a qual fomenta o tráfico;

· Violência esportiva: devem ser analisados os esportes que objetivam o nocaute do opositor. Aqui se trabalha com o exercício regular do direito. A palavra direito refere-se ao sentido amplo (lato sensu). Não há crime, por exclusão da ilicitude (art. 23, III do CP)6 ou exclusão da tipicidade (Teoria da Tipicidade Conglobante), considerando que a lei fomenta esse esporte, não havendo tipicidade penal. Exemplo: filme “Menina de Ouro” houve o exercício irregular do direito, pois a oponente descumpriu as regras do esporte, sendo considerado crime no Brasil.

· Princípio da Insignificância: para o reconhecimento do referido princípio deve haver o preenchimento de quatro requisitos objetivos:

I. Mínima ofensividade da conduta do agente;

II. Nenhuma periculosidade social da ação;

III. Ausência de reprovabilidade do comportamento;

IV. Inexpressividade da lesão jurídica provocada.

O que se discute são os requisitos subjetivos, ou seja, o réu não pode ser reincidente, ser portador de maus antecedentes, não ter personalidade desajustada, não ter comportamento recalcitrante na senda criminosa, entre outros. A pergunta é a seguinte: O reincidente pode receber o princípio da insignificância, ainda que tenha furtado um bombom do supermercado? Há duas posições. Atualmente, prevalece no STF o entendimento de que o reincidente não pode ser beneficiado. No mesmo sentido, a quinta turma do STJ, já a sexta turma entende que pode ser beneficiado.

Ainda, o princípio da insignificância exclui a tipicidade material, é uma causa supralegal de exclusão da tipicidade material. Existem algumas restrições para o reconhecimento da insignificância, uma das mais importantes é quando ocorre grave ameaça ou violência contra pessoa (roubo, extorsão...). Então a regra é que não cabe insignificância na lesão corporal, em razão da violência aplicada.

6 Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato: III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

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Vide RHC 3557/PE – STJ - reconhece a insignificância na lesão corporal culposa:

CRIMINAL. LEVISSIMA LESÃO CORPORAL CULPOSA. PRINCIPIO DA INSIGNIFICANCIA. AÇÃO PENAL. - FALTA DE JUSTA CAUSA. INDISCUTIVEL A INSIGNIFICANCIA DA LESÃO CORPORAL CONSEQUENTE DE ACIDENTE DO TRÂNSITO ATRIBUIDO A CULPA DA MÃE DA PEQUENA VITIMA, CABE TRANCAR-SE A AÇÃO POR FALTA DE JUSTA CAUSA. PRECEDENTES DO TRIBUNAL.

Vide HC 95445/DF do STF - aplicação da insignificância no âmbito da justiça militar – lesão levíssima (art. 209 do Código Penal Militar – aplicação da subsidiariedade: se o conflito social pode ser resolvido por outros ramos do direito, o direito penal não é invocado, pois é utilizado como ultima ratio):

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. LESÃO CORPORAL LEVE [ARTIGO 209, § 4º, DO CPM]. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICABILIDADE. 1. O princípio da insignificância é aplicável no âmbito da Justiça Militar de forma criteriosa e casuística. Precedentes. 2. Lesão corporal leve, consistente em único soco desferido pelo paciente contra outro militar, após injusta provocação deste. O direito penal não há de estar voltado à punição de condutas que não provoquem lesão significativa a bens jurídicos relevantes, prejuízos relevantes ao titular do bem tutelado ou, ainda, à integridade da ordem social. Ordem deferida.

2.4. Tipo subjetivo:

2.4.1 Dolo.

2.4.2 Culpa (§ 6º);

2.4.3 Preterdoloso (§ 3º);

2.5. Consumação e tentativa: o crime se consuma com a efetiva ofensa a integridade corporal ou a saúde da vítima. A tentativa é possível, por que a lesão corporal é um crime plurissubsistente, menos na forma culposa ou preterdolosa.

2.6. Lesão Corporal de natureza leva (art. 129, caput do CP): se a pena máxima não é superior a 2 anos, apresenta-se uma IMPO, aplicando-se a lei 9099/95, art. 617 – rito sumaríssimo, bem como o art. 88 (o crime de lesão corporal leve é condicionado à representação da vítima – condição objetiva de procedibilidade)8.

2.7. Lesão corporal de natureza grave (art. 129, § 1º do CP): a pena é de 1 a 5 anos, sendo assim, não é uma IMPO, mas a pena mínima cominada é igual a 1 ano, aplica-se a SURSIS processual do art. 89 da 9099/959, se presentes os requisitos objetivos para tanto.

Conseguintemente, serão analisadas as 4 qualificadoras (os incisos do art. 129, § 1º do CP):

I. Incapacidade para as ocupações habituais (não é necessário ser o trabalho), por mais de trinta dias (pelo menos, 31 dias); Pode ser praticada por título de dolo ou culpa.

7 Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. 8 Art. 88. Além das hipóteses do Código Penal e da legislação especial, dependerá de representação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporais leves e lesões culposas. 9 Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. [...]

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É provada mediante exame complementar (art. 168, § 2º do CPP)10. Esse crime é conhecido como crime a prazo, pois somente será constatado após o decurso dos trinta dias. Há outros exemplos: art. 169 do CP – apropriação de coisa achada (prazo de 15 dias para restituir a coisa achada); art. 148 do CP - sequestro ou cárcere privado (prazo: mais de quinze dias).

II. Perigo de vida.

É um critério objetivo, pois necessita de exame pericial para aferi-lo. Só pode ser produzida a título de culpa, ou seja, uma modalidade preterdolosa (dolo na lesão + culpa no resultado).

III. Debilidade permanente (duradouro, mas não necessita ser perpétuo) de membro, sentido ou função (redução ou enfraquecimento da capacidade funcional de forma duradora);

IV. Aceleração de parto

Deve ocorrer o nascimento do feto com vida e este deve ter condições de viver após o parto, caso contrário, será lesão gravíssima, com o aborto. O agente deve ter ciência de que a vítima estava grávida, sob pena de incidência da responsabilidade objetiva.

2.8. Lesão corporal de natureza gravíssima (art. 129, § 2º do CP): o CP não faz a distinção entre grave e gravíssima, tratando sempre como grave (está falando também da gravíssima). A doutrina que faz tal diferenciação.

As qualificadoras são:

I. Incapacidade permanente para o trabalho (qualquer atividade lucrativa – posição majoritária); pode ser praticada a titulo de dolo ou culpa.

II. Enfermidade incurável; também pode ser produzido por dolo ou culpa.

Ø Lembres-se do caso de o portador de HIV, que tem ciência da doença, mantém relações sexuais com outras pessoas, sem a devida proteção, transmitindo a doença. Há três posições:

· Tentativa de homicídio (Nucci);

· Não é tentativa de homicídio (STF), mediante HC 98712/2010: entretanto não a conceitua, restando para o MP e o Juiz classifica-lo:

MOLÉSTIA GRAVE – TRANSMISSÃO – HIV – CRIME DOLOSO CONTRA A VIDA VERSUS O DE TRANSMITIR DOENÇA GRAVE. Descabe, ante previsão expressa quanto ao tipo penal, partir-se para o enquadramento de ato relativo à transmissão de doença grave como a configurar crime doloso contra a vida. Considerações.

· Lesão corporal de natureza gravíssima (STJ), mediante HC 160982/2012:

10 Art. 168. Em caso de lesões corporais, se o primeiro exame pericial tiver sido incompleto, proceder-se-á a exame complementar por determinação da autoridade policial ou judiciária, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público, do ofendido ou do acusado, ou de seu defensor. [...]§ 2o Se o exame tiver por fim precisar a classificação do delito no art. 129, § 1o, I, do Código Penal, deverá ser feito logo que decorra o prazo de 30 dias, contado da data do crime.

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HABEAS CORPUS. ART. 129, §2.º, INCISO I, DO CÓDIGO PENAL. PACIENTE QUE TRANSMITU ENFERMIDADE INCURÁVEL À OFENDIDA (SÍNDROME DA IMUNODEFICÊNCIA ADQUIRDA). VÍTIMA CUJA MOLÉSTIA PERMANEC ASINTOMÁTICA. DESINFLUÊNCIA PAR A CARCTERIZAÇÃO DA CONDUTA. PEDIO DE DESCLASIFCAÇÃO PAR UM DOS CRIMES PREVISTOS NO CAPÍTULO I, TÍULO I,PARTESPECIAL, DO CÓDIGO PENAL. IMPOSIBLIDADE. SURSI HUMANITÁRIO. AUSÊNCIA DE MANIFESTAÇÃO DAS INSTÂNCIAS ANTECDENTES NO PONTO, E DE DEMONSTRAÇÃO SOBRE OESTADO DE SAÚDE DO PACIENTE. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESA EXTENSÃO, DENGADO. [...]3. Na hipótese de transmissão dolosa de doença incurável, a conduta deverá será apenada com mais rigor do que o ato de contaminar outra pessoa com moléstia grave, conforme previsão clara do art. 129, §2.º inciso I,do Código Penal. [...]

III. Perda (mutilação – violência ou imputação – cirurgia) ou inutilização (ausência de capacidade

funcional; ex.: paralisação do membro) do membro, sentido ou função;

Pode ser praticada a titulo de dolo ou culpa. Quando se tratar de órgãos duplos, por exemplo, os olhos, se um deles seguiu intacto, não houve perda, e sim inutilidade (§ 1º).

IV. Deformidade permanente (dano estético visível, capaz de causar situação vexatória à vítima. Deve ser visível, mas não precisa ser necessariamente no rosto);

A vítima não está obrigada a submeter-se a cirurgia de reparação, mas se o fizer e houver a reparação, ocorre a desclassificação. Em relação à possibilidade de tentativa, atualmente o entendimento majoritário é no sentido da sua inaplicabilidade, pois seria responsabilidade penal objetiva.

V. Aborto.

A gravidez deve ser conhecida. Deve-se trabalhar necessariamente com a culpa, pois está lidando com um crime preterdoloso (dolo na lesão + culpa no aborto).

Observação: todas as qualificadoras trabalhadas, até o presente momento, somente são aplicadas na lesão corporal dolosa. A culposa não é medida em graus, tão somente na fixação da pena.

2.9. Lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3º do CP) – homicídio preterdoloso ou preterintencional (dolo na conduta antecedente + culpa no resultado consequente): sendo assim, não cabe tentativa, salvo a hipótese do art. 127 do CP. Não cabe tentativa, pois ocorre culpa no resultado. Deve haver a previsibilidade, sob pena de responsabilidade penal objetiva.

Nessa hipótese apresenta-se a subsidiariedade de forma expressa, consoante o § 3º do art. 129 do CP:

Lesão corporal seguida de morte - § 3° Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo: Pena - reclusão, de quatro a doze anos.

2.10. Diminuição/ Substituição da pena (art. 129, §§ 4º e 5º do CP):

· Diminuição de pena

§ 4° Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço (causa especial de redução pena, trabalhada na terceira fase do critério trifásico - minorante). Lembrar-se das privilegiadoras do homicídio (motivo de relevante valor emocional, moral e social). Exemplo: pai que lesiona o estuprador da sua filha, entre outros.

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· Substituição da pena

§ 5° O juiz, não sendo graves as lesões (ou lesões recíprocas) pode ainda substituir a pena de detenção pela de multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis: I - se ocorre qualquer das hipóteses do parágrafo anterior; II - se as lesões são recíprocas.

2.11. Lesão corporal culposa (art. 129, § 6º do CP): é um tipo penal aberto à complementação do juiz, pela falta de verbo nuclear do tipo. Dessa forma, o juiz deve se reportar à parte geral do Código Penal, no art. 18, § 2º (imprudência, negligência ou imperícia) para completar tal definição.

Art. 129. Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: § 6° Se a lesão é culposa: Pena - detenção, de dois meses a um ano.

Ø Princípio da proporcionalidade/razoabilidade: no art. 303 do CTB (praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor)11 tem pena mínima de seis meses, enquanto que no CP a pena mínima é de dois meses. Então, a pergunta que se faz é a seguinte: é proporcional que, na prática do crime do art. 303 do CTB, seja o agente punido triplamente, em comparação ao CP? Considerando que o mesmo bem jurídico é desrespeitado, verifica-se a desproporcionalidade.

Ø Em relação à representação (art. 88 da lei n. 9099/95), em lesão culposa também é condicionada à representação, o que ocorre frequentemente nos crimes de trânsito. Se a pena máxima não é superior a 2 anos, constata-se uma IMPO, então o MP deve oferecer transação penal, caso a conciliação seja inexitosa. Na hipótese de acordo homologado, conforme o art. 74, § único, esse acarretará a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Art. 74, parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Exceção: art. 291, § 1º do CTB12 – em caso de lesão corporal culposa aplicam-se os art. 74 (composição civil dos danos - conciliação), 76 (transação penal) e 88 (necessidade de representação pela vítima), exceto, ou seja, há três casos que não precisa da representação da vítima, se o agente estiver:

I - sob a influência de álcool ou qualquer outra substância psicoativa que determine dependência; (embriaguez).

II - participando, em via pública, de corrida, disputa ou competição automobilística, de exibição ou demonstração de perícia em manobra de veículo automotor, não autorizada pela autoridade competente; (racha).

III - transitando em velocidade superior à máxima permitida para a via em 50 km/h (cinquenta quilômetros por hora).

2.12. Aumento de pena (art. 129, § 7º do CP):

§ 7o Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se ocorrer qualquer das hipóteses dos §§ 4o e 6o do art. 121 deste Código.

11 Art. 303. Praticar lesão corporal culposa na direção de veículo automotor: Penas - detenção, de seis meses a dois anos e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Parágrafo único. Aumenta-se a pena de um terço à metade, se ocorrer qualquer das hipóteses do parágrafo único do artigo anterior. 12 Art. 291. Aos crimes cometidos na direção de veículos automotores, previstos neste Código, aplicam-se as normas gerais do Código Penal e do Código de Processo Penal, se este Capítulo não dispuser de modo diverso, bem como a Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, no que couber. § 1o Aplica-se aos crimes de trânsito de lesão corporal culposa o disposto nos arts. 74, 76 e 88 da Lei no9.099, de 26 de setembro de 1995, exceto se o agente estiver: (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.705, de 2008). [...].

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2.13. Perdão judicial (art. 129, § 8º do CP): caberá somente se a lesão corporal for culposa.

§ 8º - Aplica-se à lesão culposa o disposto no § 5º do art. 121.

2.14. Violência doméstica e familiar (art. 129, § 9º do CP): inicialmente, deve-se evitar a confusão com a lei Maria da Penha – lei n. 11340/06, a qual não tem cunho penal, as suas medidas são extrapenais. Objetiva coibir a violência (física, psicológica, sexual, patrimonial, moral), de forma mais ampla contra a mulher. Já o CP tem como vítima o homem ou a mulher.

§ 9o Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

A Lei Maria da Penha, em seu art. 41 prevê a não aplicação da lei 9099/95 para crimes praticados com violência doméstica familiar contra a mulher, independentemente da pena. Em todas as suas formas, a lesão corporal nasceu como ação pública incondicionada à representação. Quem transforma essa ação em condicionada à representação, no caso de lesão corporal, é a lei 9099/95.

Art. 41. Aos crimes praticados com violência doméstica e familiar contra a mulher, independentemente da pena prevista, não se aplica a Lei no 9.099, de 26 de setembro de 1995.

O STF, ao analisar a matéria, posicionou-se no sentido de que o art. 41 da lei Maria da Penha é constitucional. Assim, no caso de violência doméstica familiar contra a mulher não é possível a transação penal e a vítima não precisa representar (ação sempre será pública incondicionada).

Vide ADI 4424 – STF:

Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, julgou procedente a ação direta para, dando interpretação conforme aos artigos 12, inciso I, e 16, ambos da Lei nº 11.340/2006, assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, pouco importando a extensão desta, praticado contra a mulher no ambiente doméstico, contra o voto do Senhor Ministro Cezar Peluso (Presidente). Falaram, pelo Ministério Público Federal (ADI 4424), o Dr. Roberto Monteiro Gurgel Santos, Procurador-Geral da República; pela Advocacia-Geral da União, a Dra. Grace Maria Fernandes Mendonça, Secretária-Geral de Contencioso; pelo interessado (ADC 19), Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Dr. Ophir Cavalcante Júnior e, pelo interessado (ADI 4424), Congresso Nacional, o Dr. Alberto Cascais, Advogado-Geral do Senado. Plenário, 09.02.2012.