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1 Práticas de prevenção e cura de doenças através do Odaimoku 1 Alexsânder Nakaóka Elias (Unicamp/São Paulo Brasil) 2 Palavras-chave: Budismo, Odaimoku, cura. Introdução: O presente trabalho pretende expor as diversas práticas de cura e prevenção de doenças sejam elas de origens físicas, mentais e/ou espirituais - da primeira corrente budista do Brasil, denominada Honmon Butsuryu-shu (HBS) ou Budismo Primordial do Sutra Lótus, que aportou em terras brasileiras através do Odoshi 3 Ibaragi Nissui Shounin, em 1908. Acompanho esta escola budista, composta por sacerdotes e uma comunidade de fiéis (sangha), desde o mestrado, iniciado no ano de 2011, tendo realizado pesquisas de campo tanto em templos no Brasil quanto em santuários no Japão, país de origem do segmento em questão. Tais etapas de pesquisa e convívio com a comunidade HBS me permitiram constatar a existência de um poder curativo associado à prática do Odaimoku, ritual que consiste, basicamente, na entoação do mantra sagrado e principal oração desta corrente, chamada Namumyouhourenguekyou. Tal mantra, que também corresponde a uma prática meditativa - com entonação da voz, posturas e gestual característico - é capaz, para os adeptos (que são chamados de “fiéis”, no Brasil), de curar e prevenir doenças consideradas pela medicina ocidental como gravíssimas, como diversos tipos de câncer; além de males psicológicos e psicossomáticos associados ao cotidiano, como o estresse, a fadiga e o sofrimento. 1 “Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2016, João Pessoa/PB.” 2 Bolsista da CAPES e do processo número 2014/01555-9, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP). As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP e da CAPES”. 3 Significa “monge” ou “sacerdote”, em uma tradução realizada pelos próprios religiosos, no Brasil.

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Práticas de prevenção e cura de doenças através do Odaimoku1

Alexsânder Nakaóka Elias (Unicamp/São Paulo – Brasil)2

Palavras-chave: Budismo, Odaimoku, cura.

Introdução:

O presente trabalho pretende expor as diversas práticas de cura e prevenção de

doenças – sejam elas de origens físicas, mentais e/ou espirituais - da primeira corrente

budista do Brasil, denominada Honmon Butsuryu-shu (HBS) ou Budismo Primordial do

Sutra Lótus, que aportou em terras brasileiras através do Odoshi3 Ibaragi Nissui

Shounin, em 1908.

Acompanho esta escola budista, composta por sacerdotes e uma comunidade de

fiéis (sangha), desde o mestrado, iniciado no ano de 2011, tendo realizado pesquisas de

campo tanto em templos no Brasil quanto em santuários no Japão, país de origem do

segmento em questão.

Tais etapas de pesquisa e convívio com a comunidade HBS me permitiram

constatar a existência de um poder curativo associado à prática do Odaimoku, ritual que

consiste, basicamente, na entoação do mantra sagrado e principal oração desta corrente,

chamada Namumyouhourenguekyou. Tal mantra, que também corresponde a uma

prática meditativa - com entonação da voz, posturas e gestual característico - é capaz,

para os adeptos (que são chamados de “fiéis”, no Brasil), de curar e prevenir doenças

consideradas pela medicina ocidental como gravíssimas, como diversos tipos de câncer;

além de males psicológicos e psicossomáticos associados ao cotidiano, como o estresse,

a fadiga e o sofrimento.

1 “Trabalho apresentado na 30ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de

agosto de 2016, João Pessoa/PB.” 2 Bolsista da CAPES e do processo número 2014/01555-9, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de

São Paulo (FAPESP). “As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material

são de responsabilidade do autor e não necessariamente refletem a visão da FAPESP e da CAPES”.

3 Significa “monge” ou “sacerdote”, em uma tradução realizada pelos próprios religiosos, no Brasil.

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Odaimoku: Imagem, Escrita e Oração Sagrada

O Budismo surgiu em uma região chamada Lumbini, localizada no atual Nepal,

perto da fronteira com a Índia. Foi ali que, no ano de 563 a. C4, a rainha Maya, mulher

do rei Sudohodana, deu a luz ao príncipe Siddharta Gautama, pertencente ao clã dos

Sakya.

De acordo com a literatura (Novak e Smith, 2003, p. 19) e com relatos por mim

coletados em uma viagem de pesquisa de campo, realizada em maio de 2014 - por

Índia e Nepal -, quando Siddharta nasceu, seu pai reuniu videntes para descobrir o que

o futuro para ele reservava. Os videntes concordaram que estavam diante de um ser

incomum, cujo destino poderia se desdobrar em dois caminhos: o primeiro era o

caminho do mundo, no qual Siddharta unificaria toda a Índia, tornando-se um grande

conquistador. Caso renunciasse a este primeiro caminho, tornar-se-ia o redentor do

mundo.

Reza o mito que, num certo dia ao cavalgar, o jovem Siddharta deparou-se com

quatro fatos, conhecidos no Budismo como “As Quatro Cenas”, que transformariam

sua vida. Na primeira cena, um velho homem foi visto por Siddharta. Em um segundo

passeio, se deparou com um corpo caído na estrada, consumido pela doença. Depois,

avistou um cadáver e, na quarta cena, viu um shramana, uma espécie de religioso

caminhante, de cabeça raspada, que sobrevivia apenas com aquilo que as pessoas lhe

doavam. Desta forma, aprendeu sobre a velhice, a doença e a morte e, percebendo a

certeza da decadência física, viu os prazeres carnais, com os quais estava tão bem

adaptado, perderem seu encanto.

Então, Siddharta, aos 29 anos, abriu mão de todos os luxos da vida nobre que

levava. Depois, trocando de roupa com um criado que o acompanhava, penetrou na

floresta com a cabeça raspada, procurando pela “Iluminação5”.

Assim, numa noite perto da região de Gaya, no nordeste da Índia e local que

4 Segundo relatos bibliográficos e, também, informações coletadas durante uma pesquisa de campo por

mim realizada pela Índia e Nepal, em maio de 2014, este seria o ano de nascimento do Buda Histórico,

embora uma afirmação exata e categórica de tal acontecimento seja imprecisa, visto que não existe um

consenso a respeito do assunto. 5 Iluminação ou Nirvaṇa, no Budismo, quer dizer despertar, sair do ciclo de renascimentos e mortes,

conhecido como samsara.

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também visitei, ele se sentou embaixo de uma figueira, conhecida como “Árvore Bo”,

onde finalmente se libertou das amarras físicas6 e despertou. “Ele havia finalmente

encontrado o caminho da Iluminação, tornando-se, em 08 de dezembro, aos trinta e

cinco anos de idade, um Buda” (Kyõkai, 1998, p. 18).

Após a Iluminação, o Buda Histórico ou Buda Shakyamuni, como passou a ser

chamado pelos adeptos do Budismo, peregrinou durante quarenta e cinco anos levando

os seus ensinamentos, conhecidos posteriormente como “Sutras”, ao público. Aos 80

anos, por volta de 483 a.C., o Buda morreu de infecção alimentar, depois de ter

comido, segundo relatos coletados na minha pesquisa de campo, algumas trufas ou

cogumelos na casa de Cunda, o ferreiro.

Após a morte do Buda Histórico houve, gradativamente, uma segmentação que

originou em três grandes caminhos ou vertentes principais. O primeiro foi formado

por um grupo que defendeu que o Budismo é tarefa de dedicação exclusiva, no qual a

Iluminação consiste no grande objetivo. Para eles, para alcançar tal dádiva, é

necessário tornar-se um monge, como o próprio Buda o fizera. O segundo foi

composto por adeptos menos exigentes, originando um Budismo mais acessível aos

leigos. Argumentam que buscar o Nirvaṇa por si e para si é uma grande contradição. O

primeiro grupo se denominou Theravada, que significa “O Caminho dos Anciões”; o

segundo passou a se chamar Mahayana ou “Grande Balsa”, tendo atualmente várias

subdivisões; e o terceiro é denominado de Vajrayana ou “Veículo do Diamante”.

“Depois da morte de Shakyamuni, seus discípulos pregaram a mensagem, de

acordo com o que ouviram. Muitos antigos mestres se reuniram com o

propósito de retificar e consolidar as palavras e o ensinamento, cada um

expondo aquilo que julgou ter ouvido, e assim passavam meses em

discussão. O trabalho resultante dessas reuniões foi chamado de Concílio ou

Compilação” (Kyõkai, 1998, p. 271, 272).

Mais de 2500 anos se passaram desde que o príncipe Siddharta Gautama

peregrinou pelo subcontinente indiano. Mais de dois milênios se foram desde que a

doutrina ensinada pelo Buda Shakyamuni se ramificou em três grandes vertentes,

6 “Amarras físicas”, no caso, faz referência ao apego aos sentidos e aos valores seculares de uma

existência material mundana.

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Theravada, Mahayana e Vajrayana.

A corrente HBS é uma das várias subdivisões da vertente Mahayana, sendo a

primeira corrente budista em solo brasileiro, tendo representatividade no seu país de

origem (com mais de 320 templos no Japão) e, também, presente de maneira sólida no

Brasil. A Honmon Butsuryu-shu (HBS) descende de três grandes mestres:

“O servo de Buda é Nichiren. O servo de Nichiren é Nitiryu, e

o servo de Nitiryu é Nissen. Nitiryu reestruturou a linha de

Nichiren e Nissen reestruturou a linha de Nitiryu” (Butsuryu-

Shu, Honmon. Revista Lótus: ano 9, n. 94. São Paulo, 2007, p.

02).

A HBS tem suas origens em Nichiren Daibossatsu, que se tornou um noviço aos

11 anos de idade, indo em direção ao Templo Kiyosumi, para ser discípulo do Mestre

Dozen Bo. Ali, estudou os ensinamentos da corrente Tendai7. Posteriormente, partiu

para uma peregrinação pelo Japão, em busca de conhecimento. Assim ele passou

quatro anos, até se fixar no monte Hiei para concluir seus estudos sobre a corrente

Tendai, mas tendo acesso também às demais correntes budistas do Japão. Após mais

onze anos de estudos, toma como ensinamento principal o Sutra Lótus, sintetizado na

oração sagrada Namumyouhourenguekyou, pronunciada por ele pela primeira vez em

28 de abril de 1253, no monte Kiyossumi, na sua cidade natal, Kominato.

Dessa forma, Nichiren definiu a existência de dois caminhos presentes no Sutra

Lótus, o Caminho Primordial e o Caminho Provisório. Para ele, o Caminho Primordial,

seguido pela corrente HBS, está contido entre o 15º e o 22º capítulos. Para o mestre, os

adeptos budistas devem devotar o título do Sutra Lótus, sintetizado na oração

Namumyouhourenguekyou8, representada por um kandi, forma tradicional de escrita

japonesa, que consiste, também, em uma imagem, oração e mantra sagrado. Tal

imagem, para os adeptos da HBS, representa e consiste no Buda Primordial, que é a

origem de todos os Budas (inclusive do Buda Histórico) e princípio, também, de toda e

qualquer forma de existência.

7 A corrente Tendai é uma corrente budista japonesa que segue a vertente Mahayana. Tem suas origens

na escola chinesa Tiantai, também conhecida como escola do Sūtra Lótus.

8 A prática desta oração também é denominada “Odaimoku”.

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O Budismo HBS coloca, portanto, o Buda Primordial como uma espécie de

divindade máxima, criadora, diferentemente de algumas doutrinas budistas, ateias em

relação a uma entidade suprema. Tal Buda Primordial teria transmitido, através do

Buda Histórico, o Sutra Lótus Primordial, que é totalmente sintetizado pela escritura,

imagem e mantra sagrado Namumyouhourenguekyou9, presente em todos os altares da

HBS.

Como escola do Budismo Mahayana, a HBS caracteriza-se, de acordo com

Usarski (2010, p. 64), não apenas por ter reinterpretações de elementos enraizados nos

ensinamentos do Buda Histórico, mas também “pelo acréscimo de constituintes não

imediatamente identificáveis nas fontes primitivas”.

Assim, ao contrário das escolas da tradição Theravada, a HBS baseia sua

doutrina no Sutra Lótus, compilado na segunda metade do século IV d.C e “um dos

mais citados textos da produção literária no ambiente do Budismo Mahayana”

(Usarski, 2010 , p. 70). Segunda esta visão, portanto, todos os constituintes

doutrinários, práticas e éticas remontariam aos ensinamentos originais do Buda. O fato

de que estes não se encontram em fontes como o Cânone Páli10

, seria uma

consequência das limitações intelectuais dos receptores da época de penetrar a

verdadeira complexidade, profundidade e sutileza da mensagem de um mestre

iluminado. Em outros termos, Usarski diz, indo de encontro ao material coletado nas

minhas pesquisas de campo junto à HBS, que “os conteúdos transmitidos pelas escolas

antigas são válidos, mas, do ponto de vista do Mahayana, apenas em caráter

provisório” (2010, p. 70).

9 Cujo original em sânscrito é “Sad-dharma Puṇḍárīka Sūtra”.

10 Principal compilação de livros sagrados budistas.

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Fotografia 01: Imagem, oração e mantra

Namumyohourenguekyou (escrita japonesa,

dentro do círculo laranja). Na frente, a

estátua do mestre Nichiren Daibossatsu.

O mantra que elimina o Karma:

O karma é um conceito hinduísta herdado e adaptado pelo Budismo, já que o

Buda Histórico nasceu exatamente neste contexto religioso, sendo influenciado por

diversos mestres e práticas hindus. Tal conceito do karma budista afirma que qualquer

ato ou pensamento, por mais insignificante e inofensivo que pareça, voltará ao

indivíduo com igual impacto, ou seja, não existe causa que não gere algum efeito.

Assim, se uma pessoa tem um pensamento ou ação ruim em relação a ela ou a outro ser

vivo, ativando uma das 108 imperfeições mundanas, este será devolvido com uma

potência que abalará a sua integridade física, emocional e/ou espiritual, com igual

intensidade.

Assim, tal oração questiona um modelo exclusivamente biomédico da saúde e da

doença, que ainda reproduz um ideal positivista impondo um modelo teórico fechado,

onde o usuário do serviço não participa ativamente do processo de cura, “além de

dissociar a saúde e a doença dos aspectos e dimensões históricas, sociais e culturais dos

indivíduos” (SENA et al, 2012, p. 13).

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Segundo Maués, tal modelo atua conjuntamente com um sistema cultural de

saúde que inclui especialistas não reconhecidos oficialmente, como benzedeiras,

curandeiros, xamãs, pajés, pastores, padres, pais de santo, entre outros, “cujas

terapêuticas de cura são produtos de variados tipos de bricolage que têm raízes em

práticas milenares de diferentes tradições filosóficas, teóricas, mágicas e de misticismo”

(MAUÉS, 2009, p. 125).

Neste sentido, os fiéis budistas acreditam que o poder da meditação através dos

mantras seja capaz de eliminar o karma negativo, dando fim ao ciclo (ou fluxo) de

renascimentos e mortes11

(chamado samsara), auxiliando na cura de enfermidades

diversas e levando, após incontáveis renascimentos, ao Nirvana ou Iluminação, objetivo

último da religião. A HBS, especificamente, utiliza o mantra

Namumyouhourenguekyou, contido no Sutra Lótus, considerando-o menos como uma

prática meditativa, mas, principalmente, como uma oração, imagem e doutrina sagrada,

capaz de eliminar tal karma negativo pelo “simples” ato da recitação.

Fotografia 02: Fiéis recitam o mantra Namumyouhourenguekyou, olhando fixamente

para a Imagem Sagrada e ritmando com as mãos. Também seguram o “terço budista”,

chamado de Odyuzu.

11

O conceito de morte, no Budismo, é distinto do significado nas religiões judaico-cristãs. No Budismo, a

morte do corpo físico não representa o fim, mas o início de um ciclo, através de um novo renascimento. A

questão do luto e dos rituais fúnebres, portanto, são tratados simbolicamente de uma forma diferente.

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Portanto, é possível perceber que, embora não descarte a existência de fatores

biológicos como causa das doenças, tampouco das práticas e cuidados médicos capazes

de solucionar ou amenizar o sofrimento físico, a HBS coloca como causa primeira

desses males a herança do karma negativo, adquirido nessa ou em outra existência. A

forma de uma pessoa eliminar tal karma, que é o efeito (a doença ou o mal que a

acomete) de uma ação negativa, seria pela recitação do Odaimoku. Tal fato é

comprovado pelo enunciado de penitência, proferido em todos os cultos da HBS:

Para eliminar o karma negativo

Que acumulei desde um passado remoto

A partir da presente existência

Até atingir o estado de Buda

Devotar-me-ei à imagem sagrada

A doutrina e a oração sagrada

Causa, essência e semente da Iluminação

Transmitida pelo Jyougyou Bossatsu

Namumyouhourenguekyou (Enunciado de penitência da HBS, contido no

livro litúrgico, Myookoichiza).

Mas, embora a comunidade HBS dê ênfase à recitação do mantra sagrado como

uma prática devocional, em termos analíticos ela não deixa de compor uma prática

meditativa, visto que exige postura e gestos rituais preestabelecidos. Dentro de um

Hondo (nave do templo, onde ocorrem os cultos rituais), os sacerdotes e fiéis devem

olhar direta e fixamente para a imagem, escritura (em kanji, ideograma japonês) e

oração sagrada - que não apenas representa, mas é o Buda Primordial propriamente -,

enquanto oram o mesmo mantra em um ritmo específico, cadenciado por batidas das

mãos fechadas sobre as pernas e acompanhado por instrumentos musicais (sinos, clavas

e xilofones). A cada batida das mãos, pronuncia-se uma sílaba do mantra sagrado (Na-

mu-myou-hou-ren-gue-kyou).

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Objetos curativos (con)sagrados pelo Odaimoku:

Além da prática do Odaimoku em si, existem diversos objetos (con)sagrados

pela recitação do Namumyouhourenguekyou, capazes de curar e amenizar os males do

que se convenciona chamar de doença:

Cartões de prece:

Alguém enfermo (ou um parente e/ou amigo) escreve um pedido no cartão de

prece12

, presente em todos os templos da HBS, tanto aqueles localizados no Brasil,

quanto no Japão; para que seja oferecido ao Gohonzen (Altar Sagrado). Realiza-se,

assim, um cordão de oração durante todos os cultos matinais da semana, que são diários.

Durante esse período, o Odoshi (mestre budista) pedirá pela recuperação da saúde física,

mental e/ou espiritual do solicitante, ou pela sua proteção de todos os males, sempre

com o cartão de prece nas mãos e pronunciando o mantra sagrado.

Odyuzu ou terço budista:

O Odyuzu é um instrumento religioso budista que representa determinação!

(BUTSURYU-SHU, Honmon. Revista Lótus: ano 6, n. 58. São Paulo, 2004,

p. 04).

O Odyuzu é uma espécie de colar, chamado no Brasil, pelos adeptos da HBS, de

“terço budista”. Ele é elaborado por contas provenientes de diversos materiais.

Normalmente é feito de madeira, mas pode ser confeccionado com frutos de árvores,

ferro, bronze, pérolas, jade, cristal, plástico, vidro e pedras.

Este “terço” só pode ser adquirido por membros da HBS, sejam eles sacerdotes

ou fiéis, sendo vendidos apenas nas lojas localizadas nos templos da religião. Além

12

Um cartão de papel que contém um campo para escrever o nome do solicitante da prece e outro para o

nome daquele a quem se destina a oração.

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disso, passa necessariamente por um ritual de consagração, realizado durante um culto

(ou cerimônia), no qual o mantra Namumyouhourenguekyou é recitado.

Fotografia 03: Odyuzu nas mãos do sacerdote Amaral, em um “culto dos jovens”

realizado na cidade de São Paulo (maio de 2011).

O Odyuzu possui a função primeira de ajudar na realização de cálculos (como

sugere o termo “contas”). Ele serve para o fiel quantificar certas práticas religiosa,

como, por exemplo, o número de vezes que orou o Odaimoku.

Seguindo a tradição, um Odyuzu possui 108 contas pequenas, que representam

as 108 paixões ou imperfeições mundanas13

, além de mais quatro de tamanho e cores

diferentes, que representam os Quatro Bossatsus Primordiais, - seres de sabedoria

elevada, designados pelo próprio Buda Primordial para disseminar a oração sagrada

13

Abuso, Escárnio, Mentir, Achar que sabe tudo, Falsidade, Mesquinhez, Agressão, Falta de

compreensão, Negatividade, Altivez, Falta de misericórdia, Obsessão, Ambição, Falta de vergonha,

Obstinação, Ânsia por poder, Furtividade, Ódio, Antipatia, Ganância, Ódio de si mesmo, Arrogância,

Garrulice (falar demais), Opressão Autoritarismo, Gula, Orgulho, Baixeza, Hipocrisia, Ostentação,

Belicosidade, Hostilidade, Pessimismo, Blasfêmia, Humilhar, Praguejar, Brigar, Ignorância, Praticar a

maldade, Capricho, Ilusão, Praticar artimanhas, Censura, Impostura, Presunção, Ciúme, Impudência,

Pretensão, Cobiça, Indelicadeza, Prodigalidade, Cobiça por dinheiro, Indiferença, Raiva, Cobiça sexual,

Infidelidade, Rancor, Cometer excessos, Inflexibilidade, Rapacidade (hábito de roubar), Crueldade,

Ingratidão, Ridicularizar Degradação sexual, Insaciabilidade, Sadismo, Desatenção, Insatisfação,

Sarcasmo, Descaramento, Insensibilidade, Sedução, Descontentamento, Insidia (emboscar), Ser

calculista, Desejo de fama, Intolerância, Ser Maligno, Desonestidade, Intransigência, Soberba, Desprezo,

Inveja, Teimosia, Desregramento, Ira, Ter um coração duro, Desrespeito, Irresponsabilidade, Tirania,

Dipsomania, (ou alcoolismo), Jogar de azar, Tortura Discordar, Julgar precipitadamente, Vaidade,

Dogmatizar, Luxúria, Vingança, Dominação, Machucar Violência, Egoísmo, Manipulação e Volúpia.

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11

Namumyouhourenguekyou, pelos quatro cantos do universo14

-, somando um total de

112 contas. Além disso, existem duas contas ainda maiores, que representam os Budas

Shakyamuni (Buda Histórico, à esquerda) e Tahou (Buda dos muitos Tesouros, também

tido como Buda testemunha do Sutra Lótus, à direita).

Ainda segundo os preceitos da HBS, os antigos budistas utilizavam o Odyuzu

para contar as súplicas que faziam diante de uma imagem. Acreditavam que cada

súplica extinguia uma das paixões mundanas que possuíam.

Assim, a forma como Odyuzu é manipulado é extremamente importante. O

devoto deve unir as mãos em postura de devoção, chamada de Gasshou. Desta maneira,

as 108 paixões mundanas (ou paixões humanas), representadas pelas 108 contas

menores do terço, ficam esmagadas entre as duas contas maiores, que representam os

Budas.

Ao esmagar as 108 paixões mundanas, o fiel da HBS realiza, segundo a tradição

religiosa, a eliminação dos desejos que geram o karma. A fé no mantra sagrado

Namumyouhourenguekyou seria capaz, assim, de eliminar o karma negativo através da

sua recitação incessante, e o Odyuzu, neste caso, consiste em um objeto religioso

consagrado pelo mantra.

Fotografia 04: Odyuzu de um sacerdote, durante um culto na

Catedral Nikkyoji, em São Paulo (maio de 2011).

14

BUTSURYU-SHU, Honmon. Revista Lótus: ano 6, n. 58. São Paulo, 2004, p. 04.

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Okoussui: A água sagrada (ou benzida)

Chamada de Okoussui, a água sagrada é considerada pela HBS como um

remédio, que age através da fé. Os seguidores da doutrina acreditam que, através da

força da oração sagrada Namumyouhourenguekyou, a água torna-se benzida,

propiciando a quem a ingere inúmeras graças, como, por exemplo, a cura de doenças

graves.

Fotografia 05: Recipientes contendo Okoussui, na mesa

de um sacerdote durante um culto na Catedral Nikkyoji,

em São Paulo (maio de 2011).

O Okoussui é considerado, ainda, o Namumyouhourenguekyou em sua forma

líquida. Por isso, deve-se orar o Odaimoku ao ingerir o Okoussui. Pela tradição, aquele

que oferece a água benzida tem o dever de explicar que a sua eficácia está associada à

recitação do mantra sagrado.

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“Se faltar com esta explicação, então o Okoussui perderá um de seus

importantes efeitos além da cura, o efeito psicológico, que é fazer a pessoa

acreditar naquilo diferenciadamente de um remédio, ou seja, pela fé, que ela

pode curar-se independente de qualquer atestado negativo que possam lhe

apresentar” (BUTSURYU-SHU, Honmon. Revista Lótus: ano 6, n. 57. São

Paulo, 2004, p. 20).

Além disso, o ato de beber o Okossui também é ritual. Ele não deve ser utilizado

para fazer outro tipo de bebida (suco, café ou chá, por exemplo) ou para tomar um

remédio para ajudar na cura de alguma doença. Deve ser ingerido, assim, sempre na sua

forma pura, sem misturas. A explicação é que, ao seguir esta norma, a fé do devoto

estará 100% canalizada no Namumyouhourenguekyou, e não 50% no

Namumyouhourenguekyou e 50% no remédio.

Para a HBS, o Okoussui não apenas se diferencia dos demais remédios, como

deve, pelo modo espiritual, ser colocado acima de todos eles. Embora haja essas

restrições, é fundamental mencionar que, no Budismo HBS, não existe uma proibição

taxativa, já que:

O Budismo não proíbe, mas insere consciência. Se mesmo assim a pessoa

continuar acreditando que mesmo misturando está lhe fazendo bem, aos

poucos devemos conduzi-la a partir desta ‘crença’ (que nos favorece na

orientação) a praticar corretamente com o passar do tempo. Ensinamos

somente o que é certo, porém, se a pessoa não colabora totalmente, então

devemos graduá-la aos poucos, afinal essa persistência e compaixão da nossa

parte é o ingrediente mais importante desse processo de orientação e cura

pela fé (Correia Odoshi, maio de 2014).

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Fotografia 06: Garrafas de Okoussui, que são distribuídas grã-

tuitamente para os fiéis nos templos, após serem consagradas pelo

Odaimoku.

Omamori ou protetor pessoal

O Omamori é chamado no Brasil de “protetor pessoal”. Consiste em um amuleto

dado ao fiel da HBS, assim que ele ingressa oficialmente na religião, passando por um

ritual de iniciação, chamado no Brasil de “Batismo Budista”.

Fotografia 07: Omamori ou “protetor pessoal” da HBS.

Assim como o Odyuzu, o Omamori só pode ser adquirido (também nas lojas

dentro dos templos) por um adepto, passando pelo mesmo processo de consagração do

Odyuzu, durante uma cerimônia religiosa. Ele serve para proteger o fiel de diversos

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males, sejam doenças físicas, psicológicas e/ou espirituais, causados por algum karma

negativo acumulado.

A depressão, por exemplo, é uma doença ocasionada, na visão da HBS, pela

ansiedade, um tipo de descontrole espiritual. Embora a religião admita a existência de

várias causas para a depressão, eles afirmam que tanto o problema quanto a cura

existem dentro de cada ser, que sempre está predestinado à Iluminação. Para tanto, a

HBS coloca a fé no Sutra Lótus, que consistiria no melhor dos remédios, pois não só

tem o poder de curar as doenças naturais, como também as doenças karmicas.

Fotografia 08: Local onde são depositados os cartões de pedidos, as orações,

os terços e os protetores (Omamori) dos fiéis, para serem abençoados pelo ce-

lebrante durante o culto.

A cerimônia dos 100 incensos (Reapokegan):

Indo além destes objetos (con)sagrados, existentes em todos os templos e casas

dos fiéis brasileiros e japoneses, existe ainda uma prática considerada milagrosa pela

Honmon Butsuryu-shu, chamada Reapokegan ou “cerimônia dos 100 incensos”, capaz,

segundos os meus interlocutores, de curar doentes em estado grave (até mesmo

terminais), através da fé no Odaimoku.

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Fotografia 09: Composição visual que mostra os incensos

(acima) e o incensário (abaixo), utilizados nas práticas ri-

tuais da HBS.

O sacerdote Campos, residente na Catedral Nikkyoji, o maior dos 10 templos e

02 núcleos de cultos da HBS do Brasil, definiu pormenorizadamente os meandros desta

prática milagrosa:

O grande Goryako, que significa benção, que eu recebi, foi ter encontrado

esse caminho. Felizmente, graças ao Gohozen, que é o nome japonês da

Imagem Sagrada, eu nunca passei por nenhuma doença grave, nada assim

que eu precisasse de uma benção forte para poder me livrar disso. Mas é o

que eu falo né, o que fortalece minha fé cada vez mais são as bênçãos que eu

vejo dos fiéis que eu tenho contato, os fiéis que eu conheço, as histórias que

eu escuto também, as bênçãos que eles recebem. É coisa impressionante

mesmo, é igual coisa de televisão. Mas eu acredito, eu acredito. Por exemplo:

o pessoal conta que quando a gente precisa de uma benção que é

praticamente impossível de conseguir, só um milagre pode salvar, existe uma

cerimônia dos 100 incensos, que chama Reapokegan. É a prece dos 100

incensos! Precisa de alguma coisa impossível, você faz a prece dos 100

incensos que é bem provável que você vai receber a benção. É uma prática da

HBS. Aqui no Brasil pouca gente faz, infelizmente. Mas no Japão, grande

parte dos fiéis praticantes mesmo, fazem. Você tem que ficar pelo menos

cinco horas por dia rezando, o tempo que for. Tem que se esforçar. Tem que

rezar até queimar os 100 incensos. Claro que você pode dividir esse tempo de

oração com outras pessoas próximas, amigos e familiares. Então, se tem

alguém próximo doente, pega os 100 incensos. Acende um por um, até

queimar inteiro, depois vai para o outro. E durante a queima de cada incenso,

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você tem que rezar o Namumyouhourenguekyou, o mantra sagrado,

incessantemente. Pode parar para descansar, mas daí tem que apagar o

incenso e depois continuar de onde parou. Eu falo pras pessoas: “quer sarar?

Então, faz a prece dos 100 incensos!” (4º sacerdote Gyoen Campos, 27 de

maio de 2011).

Uma fiel também mencionou tal prática, durante a grande cerimônia de

inauguração da nova nave (Hondo) do Templo Ryushoji, em Mogi das Cruzes/SP, no

dia 13 de setembro de 2011. Em depoimento emocionado para a audiência do culto

matinal, ela se disse curada de um linfoma que a acometeu. Embora tenha feito radio e

quimioterapia, a fiel afirmou que o tratamento médico não surtia efeito e, após conhecer

a HBS e orar o Odaimoku, o seu espírito se fortaleceu e o corpo passou a reagir ao

tratamento, vencendo o câncer.

Fotografia 10: Fiel expõe seu relato de cura de linfoma aos presentes no culto de inau-

guração do Hondo (nave) do Templo Ryushoji, em Mogi das Cruzes (13 de setembro

de 2011).

A partir deste testemunho, é possível afirmar junto a Langdon e Wiik, que os

pacientes podem apresentar comportamentos e pensamentos singulares quanto à

experiência da doença, assim como noções particulares sobre a saúde e as formas

terapêuticas. Tais particularidades não viriam, pois, estritamente das diferenças

biológicas, mas, sim, das diferenças socioculturais, que teriam na religião um dos

alicerces fundamentais. Parte-se do pressuposto, portanto, de que todos têm cultura, e de

que é a cultura que determina essas particularidades. “Igualmente, sustenta-se que as

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questões inerentes à saúde e à doença devem ser pensadas a partir dos contextos

socioculturais específicos nos quais os mesmos ocorrem” (2010, p. 02).

Além da prática do Reapokegan, existe outro ritual que envolve a queima de

incensos, realizada durante os cultos póstumos, em homenagem a um parente falecido.

Nesta celebração, os adeptos (fiéis e sacerdotes) oram o Namumyouhourenguekyou,

com o intuito de auxiliar o falecido a eliminar o karma negativo. Isso ocorre porque o

Budismo, acreditando no ciclo de renascimentos e mortes (samsara), não percebe a

morte como o final da existência, mas sim como o início de um novo ciclo. Por esse

motivo, as doenças não são recebidas de forma tão assustadora como em outros

segmentos religiosos, mas, conforme foi relatado ao longo deste artigo, como uma

consequência e reflexo de um ato passado, pelo qual o enfermo necessariamente precisa

passar.

Fotografia 11: Ritual póstumo, realizado diante do Altar dos Antepassados,

na Catedral Nikkyoji, em São Paulo (maio de 2011).

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Considerações finais:

O presente trabalho buscou tencionar a noção usual do termo “doença”,

proveniente exclusivamente de uma ciência e de um saber biomédico. Para tanto,

utilizei como exemplo a corrente budista japonesa Honmon Butsuryu-shu (HBS), que

me dedico a pesquisar desde os meados de 2011. Tal escola budista faz uso de orações,

práticas meditativas e objetos (con)sagrados para curar e atenuar todas as formas de

enfermidades.

Neste sentido, é importante observar que tais “doenças” estão interligadas, tendo

como causa comum o karma negativo acumulado por uma pessoa, que por sua vez

também está interligada a todos os demais indivíduos viventes (não apenas seres

humanos). Isso significa que qualquer atitude e/ou pensamento negativo direcionado

para si ou para outro ser vivo (chamado de ser sensciente) gera um karma negativo, que

resultará em alguma forma de sofrimento em uma vida futura.

Assim, os equilíbrios físico, mental e espiritual, segundo os preceitos da HBS, só

podem ser alcançados através da prática do Odaimoku, expresso também no conjunto de

objetos que se tornam (con)sagrados e com faculdades curativas, através da recitação do

mantra Namumyouhourenguekyou.

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