15
Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015 1 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DO SÉCULO XIX NO BRASIL: A REFORMA COUTO FERRAZ (1854) VASCONCELO, Mônica PERIOTTO, Marcília Rosa Introdução Este estudo se define por discutir a reforma Couto Ferraz no contexto de modernização do século XIX no Brasil. O artigo se limita a investigar as contribuições dessa reforma sobre a formação de professores para o desenvolvimento material do país. Luiz Pedreira do Couto Ferraz foi um dos intelectuais e políticos que compreendeu a necessidade histórica de instruir os homens pobres e livres de seu tempo ao propor uma ampla reforma do sistema de Ensino Público. Ao retornar-se ao passado é possível melhor compreender os avanços da educação, as relações e ideias constituídas que determinaram esse modelo educacional em conformidade com interesses específicos da classe que domina. Desde a chegada dos jesuítas, em 1549, a instrução tornou-se um dos elementos fundamentais para formar identidades. Os primeiros jesuítas sob o comando de Manuel da Nóbrega deu início à missão de catequização dos gentios da América. O padre Manuel da Nóbrega edificou a primeira escola elementar brasileira, em Salvador, tendo como mestre o Irmão Vicente Rodrigues, o primeiro professor nos moldes europeus e por mais de cinquenta anos dedicou-se ao ensino e a propagação da fé religiosa. Os projetos para a educação brasileira, nessa perspectiva, ao longo das primeiras décadas do período imperial visavam não apenas a formação do futuro cidadão através de uma educação de cunho moral e cívico, como também suprir a carência de professores públicos. Desse modo, várias iniciativas educacionais marcaram importantes avanços no processo de modernização do Brasil. Uma dessas iniciativas foi o Decreto n. 1.331A-1854 de Luiz Pedreira do Couto Ferraz que regulou a reforma do ensino primário e secundário do Município da Corte (Rio de Janeiro). Couto Ferraz estava insatisfeito com a formação de professores das Escolas Normais, as quais “eram muito onerosas, ineficientes quanto à qualidade da formação

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO … · modernização do século XIX no Brasil. O artigo se limita a investigar as contribuições dessa reforma sobre a

  • Upload
    hakhanh

  • View
    214

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

1

ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO

DO SÉCULO XIX NO BRASIL: A REFORMA COUTO FERRAZ (1854)

VASCONCELO, Mônica PERIOTTO, Marcília Rosa

Introdução

Este estudo se define por discutir a reforma Couto Ferraz no contexto de

modernização do século XIX no Brasil. O artigo se limita a investigar as contribuições

dessa reforma sobre a formação de professores para o desenvolvimento material do país.

Luiz Pedreira do Couto Ferraz foi um dos intelectuais e políticos que

compreendeu a necessidade histórica de instruir os homens pobres e livres de seu tempo

ao propor uma ampla reforma do sistema de Ensino Público. Ao retornar-se ao passado

é possível melhor compreender os avanços da educação, as relações e ideias

constituídas que determinaram esse modelo educacional em conformidade com

interesses específicos da classe que domina.

Desde a chegada dos jesuítas, em 1549, a instrução tornou-se um dos elementos

fundamentais para formar identidades. Os primeiros jesuítas sob o comando de Manuel

da Nóbrega deu início à missão de catequização dos gentios da América. O padre

Manuel da Nóbrega edificou a primeira escola elementar brasileira, em Salvador, tendo

como mestre o Irmão Vicente Rodrigues, o primeiro professor nos moldes europeus e

por mais de cinquenta anos dedicou-se ao ensino e a propagação da fé religiosa.

Os projetos para a educação brasileira, nessa perspectiva, ao longo das primeiras

décadas do período imperial visavam não apenas a formação do futuro cidadão através

de uma educação de cunho moral e cívico, como também suprir a carência de

professores públicos. Desse modo, várias iniciativas educacionais marcaram

importantes avanços no processo de modernização do Brasil. Uma dessas iniciativas foi

o Decreto n. 1.331A-1854 de Luiz Pedreira do Couto Ferraz que regulou a reforma do

ensino primário e secundário do Município da Corte (Rio de Janeiro).

Couto Ferraz estava insatisfeito com a formação de professores das Escolas

Normais, as quais “eram muito onerosas, ineficientes quanto à qualidade da formação

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

2

que ministravam e insignificante em relação ao número de alunos que nelas se

formavam” (SAVIANI, 2007, p. 133). Portanto, elaborou um projeto que traçava linhas

gerais sobre a instrução pública do Império. Ele trata dos concursos públicos para a

contratação de professores adjuntos, da inspeção, da seriação dos alunos, da admissão

do ensino simultâneo, das condições para o magistério e do funcionamento dos

estabelecimentos, estando no cerne de um sistema de ensino público organizado que

orienta a educação brasileira para a formação de um país fundado no capitalismo: A preocupação com a existência de estratégias metodológicas ganhou um intenso debate sobre como educar a população brasileira e qual seria a melhor organização para a escola primária. É importante destacar que os envolvidos com o processo de escolarização no século XIX viram na instrução a possibilidade estratégica para efetivar a civilização do povo brasileiro além de não apenas indicar os melhores caminhos a serem trilhados por um povo livre, mas também evitaria que esse mesmo povo se desviasse do caminho traçado (SOUZA, 2011, p.7).

Era preciso inserir o Brasil na rota da modernização e, para isso, os países

desenvolvidos seriam o modelo ideal a ser seguido. Nesse tocante, o enfoque dado ao

modelo escolar independe dos lugares e das culturas: A orientação do processo de modernização está sempre referida às nações desenvolvidas que são o “modelo valorizado positivamente”. Assim sendo, a analise socioeconômica ou política de um país levará em consideração os parâmetros externos que condicionam a formulação do seu projeto nacional, já que será a partir deles que se definirão o estágio de desenvolvimento interno (GARIA, 1977, p. 21- aspas do autor).

Enquanto instrumento civilizador a educação tinha a função de efetivar

transformações sociais de toda ordem, ao interligar os indivíduos em um único

sentimento nacionalista, permitindo a consolidação e a expansão das forças produtivas.

A instituição escolar era o espaço indicado para iniciar a formação da identidade da

nação sendo o canal para ascender socialmente às classes mais pobres.

Diante desse contexto, o objetivo republicano de formar a nação inclui o

interesse capitalista de capacitar e disciplinar os diversos grupos de trabalhadores para o

trabalho nas indústrias. A educação passa a ter um ‘caráter estratégico de modernizar’ o

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

3

país por difundir um padrão de comportamento, baseado nos ideais de progresso e de

civilização herdados dos países desenvolvidos.

De acordo com Leonel (1944, p.158), a única maneira considerada eficiente

para dominar as camadas subalternas e ao mesmo tempo emancipar a sociedade foi a de

ofertar o Ensino Público, “era preciso assenhorar-se das almas [...], impondo-lhes os

deveres para com Deus, e assenhorar-se dos espíritos, impondo-lhes os deveres para

com o Estado”. Destaca-se ainda na redefinição social residir um desafio no que tange à

inconformidade das condições apresentadas pelo momento histórico.

No raiar do século XIX, a maior parte da população era composta por escravos e

mestiços que resistiam à instrução por não verem algum benefício nela, assim como os

produtores da antiga agricultura tentavam preservar o tradicionalismo e a Igreja, que via

na instrução uma ameaça aos dogmas. Entretanto, as diversas mudanças colocavam o

homem em uma crise de existência. Na mesma medida em que recebe experiência,

crescimento, transformação de si mesmo e daquilo que está à sua volta, ele também se

submete às incertezas e insegurança de um caminho desconhecido (BERMAN, 1986, p.

16). E é, nesse contexto, que a Educação Pública emerge como uma perspectiva capaz

de ressignificar os espaços e ações escolares em torno de um projeto inovador.

Em razão destas considerações, o estudo merece ser aprofundado, pois, abranger

o processo de modernização vigente no século XIX é contextualizar acontecimentos que

contribuíram para as mudanças sociais. Outro ponto fundamental é compreender

historicamente a importância da Reforma Couto Ferraz, um projeto de lei que pretendeu

implantar ações governamentais modernas para superar e solucionar os problemas

adjacentes ao capitalismo.

O PROCESSO DE MODERNIZAÇÃO DO BRASIL NO SÉCULO XIX

As divergências entre pensadores liberais e conservadores foi um dos motivos

que fizeram o Brasil lentamente rumar ao desenvolvimento material quando se pensa no

debate propulsor sobre as transformações. No processo de institucionalização do ensino

público, o campo sociopolítico educacional sofreu com intensas discussões e rupturas,

prova disso foram diversas reformas realizadas ao longo do século XIX, as quais nos

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

4

permitem perceber o avanço da educação em conformidade com interesses específicos

da classe que domina.

A escola deveria promover a emancipação do indivíduo e concomitantemente da

sociedade. Esta visão influenciou intelectuais, políticos, professores, inspetores,

instituições religiosas, movimentos sociais e outros agentes envolvidos no processo de

constituição da escola pública dando suporte a aplicabilidade de uma forma escolar que

segundo Nóvoa (1991), constituem-se por uma construção histórica resultante do

encontro da multiplicidade de dispositivos científicos, políticos, religiosos e

pedagógicos que permitem compreender a especificidade da forma escolar

(CARVALHO, 2005, p. 41).

Os mantenedores do sistema monárquico, protetores da escola conservadora

traziam no interior de suas instituições a herança cultural dos séculos anteriores. O

legado religioso arraigado nas práticas de ensino permaneceu, só que agora sobre a

perspectiva do Estado. Se para os católicos a religião deveria estar a serviço de Deus,

para os repúblicanos ela se dedicaria à religião da pátria.

As dicussões recaiam sobre a questão de qual a melhor maneira para formar o

cidadão brasileiro, o caminho mais indicado seria ofertar instrução para se consolidar

uma sociedade unificada e moderna:

Estados Unidos da América, França, Inglaterra, Bélgica, dentre outros exerciam a dominância. O peso hegemônico da realidade externa pode ser identificado na exemplificação de práticas, na demonstração numérica e na utilização de argumentos baseados em experiências de outros países para legitimar decisões de políticas públicas de educação elementar (WERLE, 2008, p.174).

D. João VI preconizou as primeiras ações do Estado sobre a educação no Brasil

elaboradas nos moldes europeus. Ele incentivou a modernização ao criar museus,

escolas, universidades, entre outras obras que acarretou várias transformações para a

sociedade fluminense. A respeito da formação de professores, d. João VI criou cursos

“que garantissem a instrução de técnicos e que pudessem contribuir com a organização

de um país industrial e mais urbano” (SOUZA, 2011, p.3). Assim, mesmo com a forte

mentalidade conservadora dominante, o progresso era requisito na vida social, seja pelo

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

5

trabalho manufatureiro que criava novas relações sociais, seja pelos novos ambientes e

novas ideias surgida no contexto da modernidade:

Até 1854, quando a iluminação a gás começou a se tornar acessível em algumas poucas ruas, as famílias usavam lampiões de óleo de peixe ou de baleias, com seu odor desagradável e resíduo de carbono, ou contavam simplesmente com velas. Desde o começo da década de 1860, as famílias mais ricas solicitaram ligações a gás para suas casas; assim, em 1874 até 10 mil residências estavam providas de iluminação a gás em toda casa. [...]. A água encanada e o sistema subterrâneo de esgotos possibilitaram um fornecimento de água reforçado e mais confiável e, combinado a uma rede de transportes públicos, alteraram gradualmente a natureza do serviço doméstico e, a partir daí do trabalho exigido dos criadores (GRAHAM, 1992, p.69-70 apud LIMA, 2010, p.236).

O processo de urbanização do Rio de Janeiro era incipiente, mas já podia indicar

novos rumos e objetivos para as políticas educacionais. Verifica-se nos projetos

sociopolíticos para a educação, a necessidade de proliverar as luzes que deveriam ser

aceitas pela sociedade, em particular pelos agentes da escola. De acordo com a

historiografia, no final do secúlo XVIII os impressos começaram a circular entre

estudantes e letrados, livros e manuscritos eram reproduzidos em edições clandestinas

na Tipografia Régia, enquanto os analfabetos propagavam as ideias boca à boca:

O fenômeno da escolarização em massa, configurado a partir da segunda metade do século XIX, apresentou muitos aspectos comuns de abrangência global, entre eles: a obrigação escolar, a responsabilidade estatal pelo ensino público, a secularização do ensino e da moral, a nação e a pátria como príncipios norteadores da cultura escolar, a educação popular concebida como um projeto de consolidação de uma nova ordem social (PEREIRA, FELIPE e FRANÇA, 2007, p.6-7).

Em síntese, o desenvolvimento da escolarização pública esteve marcado por

ideias liberais que tinham como pré-requisitos o desenvolvimento intelectual e moral

adquiridos por meio da educação. Nesse contexto, pode-se dizer que na passagem da

sociedade feudal para a sociedade capitalista a educação desempenhou um papel

fundamental, ela ampliou a visão de mundo do homem ocidental, o trabalho artesanal

cedeu lugar ao trabalho manufatureiro, novas relações sociais começam a constituir o

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

6

desenvolvimento do indivíduo que se aperfeiçoa para atender as novas exigências do

capital. Criam-se novos ambientes e novas ideias, o conhecimento científico é

transformado em tecnologia, acresce o ritmo de vida e a urbanização; convergindo na

dicotomia entre o velho e o novo, ou ainda, na negação do antigo em prol da

modernidade.

Na teoria da modernização de Garcia (1977, p. 19), o princípio sistêmico de

interdependência compreende uma conexão recíproca entre os pressupostos de

modernidade. O moderno causa efeitos positivos e/ou negativos em toda a sociedade,

mas também é influenciado pelo todo. No processo de modernização as pessoas, os

acontecimentos, as ideias que circulam estão interligadas afetando a vida de todos de

maneira significativa. Neste tocante, a sociedade compõe-se por seis subpartes: 1) pelo

processo de deslocamento do velho para o novo; 2) pelo ritmo que se opera neste

processo; 3) pela aceleração, manutenção ou desaceleração desse ritmo; 4) pelo impacto

característico de cada período da trajetória; 5) pelas várias vertentes e opções a essa

trajetória; 6) pelo impacto resultante da combinação dos fatores citados que, ao se

apresentarem com elementos próprios, formam grupos específicos que atuam também

sobre o processo de mudança:

a modernidade ou é vista com entusiasmo cego e acrítico ou é condenada segundo uma atitude de distanciamento e indiferença neo-olímpica; em qualquer caso, é sempre concebida como um monólito fechado, que não pode ser moldado ou transformado pelo homem moderno. Visões de vida moderna foram suplantadas por visões fechadas (BERMAN, 1986, p.24).

Berman (1986) afirma que a modernidade traz possibilidades e perigos à vida.

Em todo o mundo homens e mulheres compartilham experiências que os colocam numa

condição de constante desenvolvimento e transformação. Ser moderno, portanto:

[...] é encontra-se em um ambiente que promete aventura, poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das coisas ao redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos (BERMAN, 1986, p. 15).

A complexidade do processo de modernização, segundo a teoria de Garcia, e a

definição de Berman, nos permite inferir que o desequilíbrio causado neste processo

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

7

consiste num dos elementos determinantes, cria-se desequilíbrios entre as subpartes do

sistema e no indivíduo, instaurando-se as crises necessárias para a transformação. À

medida que se entende a natureza da modernidade, maior domínio sobre a mudança e

maiores traços de unificação interna corresponderá ao modelo para qual foi orientado

(GARCIA, 1977, p. 20).

Os parâmetros internacionais de países desenvolvidos são a base que orienta a

organização interna de países subdesenvolvidos (GARCIA, 1977, p. 21), os índices de

desenvolvimento econômico, científico, tecnológico e político são analisados na

apropriação de modelos, o que implicava tanto no modelo educacional quanto no

modelo de produção para formar cidadãos com o sentimento de pertencimento a nação,

e ao mesmo tempo capacitados para o trabalho.

Na modernidade não se tem como impedir o progresso. Ele é movimento

ascendente e contínuo:

A experiência ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e raciais, de classe e nacionalidade, de religião e ideologia: nesse sentido pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: elas nos despeja a todos num turbilhão de permanente desintegração e mudança, de luta e contradição, de ambiguidade e angústia (BERMAN, 1986, p. 15).

Os conservadores negavam viver o presente, os grupos dominantes que detinham

privilégios sobre grupos inferiores, como a Igreja, se sentiam ameaçados, e o medo em

perder as tradições e histórias construídas também afetava a população. Entretanto, no

mundo moderno, uma gama de descobertas, oportunidades, investimentos e saberes

científicos se solidificam, situando as pessoas a todo tempo em atividades de riscos, a

emoção das atividades de risco envolvem diversas atitudes discerníveis: “a consciência

da exposição ao perigo, exposição voluntária a tal perigo, e uma expectativa mais ou

menos confiante de superá-lo” (BALINT 1959 apud GIDDENS, 2002, p. 125).

Berman sintetiza a ideia de Marx sobre o que seria o moderno - Tudo o que é

sólido desmancha no ar. Na modernidade tudo está sujeito às transformações, que

desmancha tudo que é sólido, mesmo o que parece ser estável. Assim a angústia do ser

está em não saber como agir, o que escolher, quem ser:

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

8

A modernidade é inerentemente suscetível à crises, em vários níveis. Existe uma “crise” sempre que as atividades relativas a importantes objetivos na vida de um indivíduo ou de uma coletividade repentinamente parecem inadequadas. As crises nesse sentido tornam-se parte “normal” da vida, mas por definição não podem ser rotinizadas (GIDDENS, 2002, p. 171 - aspas do autor).

A modernidade trouxe a desestabilidade do eu, os diferentes estilos de vida antes

desconhecidos provocou uma crise existencial (idem, p. 79) e refugiar-se num estilo de

vida tradicional talvez tenha sido a alternativa mais eficaz para aliviar as ansiedades da

vida moderna. Por essa razão, para o indivíduo sobreviver na modernidade, é preciso

que: [...] assuma a fluidez e a forma aberta desta sociedade. Homens e mulheres precisam aprender a inspirar á mudança: não apenas de estar aptos a mudanças em sua vida pessoal e social, mas ir efetivamente em busca das mudanças, procurá-las de maneira ativa, levando-a a diante. Precisam aprender a não lamentar com muita nostalgia as “relações fixas, imobilizadas” de um passado real ou de fantasia, mas a se deliciar na mobilidade, a se empenhar na renovação, a olhar sempre na direção de futuros desenvolvimentos em suas condições de vida e em suas relações com outros seres humanos (BERMAN, 1986, p. 94).

Desse modo, os projetos sociopolíticos de educação constituem-se numa política

emancipatória, que inibe os obstáculos que afetam de maneira negativa as

oportunidades de vida dos indivíduos e dos grupos. Dois princípios para a política

emancipatória são estabelecidos:

[...] o esforço por romper as algemas do passado, permitindo assim uma atitude transformadora em relação ao futuro; e o objetivo de superar a dominação ilegítima de alguns indivíduos e grupos por outros. O primeiro desses objetivos facilita o ímpeto dinâmico positivo da modernidade (GIDDENS, 2002, p. 194).

Há a liberdade de expressão dos próprios sentimentos e percepções de modo a

permitir a construção do conhecimento, o que leva ao avanço social em seus aspectos

econômicos, científicos, políticos e culturais. As reformas educacionais são políticas

emancipatória, por meio delas evidencia-se o empenho dos reformadores em

compreender e conformar o presente com as novas tendências, na mesma medida, se

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

9

esboça um caminho para o futuro. A forma da sociedade moderna seria, portanto,

sustentada pela educação. Nessa perspectiva, o currículo desempenha o papel de definir

a formação do futuro cidadão. Como aponta Silva (1996, p.83), ele não é “um elemento

inocente e neutro de transmissão desinteressada do conhecimento social”.

Entretanto, a política emancipatória só funcionaria de maneira eficaz por um

sistema de organização bem articulado, que operasse como instrumento de

desenvolvimento, e nos quais os objetivos devessem estar em consonância com o

ideário da nação e com as reais possibilidades para concretizá-los:

A instrução pública no Brasil, como se depreende dos relatórios dos ministros do Império, dos presidentes de províncias, dos inspetores de instrução pública, das falas das autoridades e dos analistas, de modo geral, caminhou a passos lentos na primeira metade do século XIX. As críticas principais recaíam sobre a insuficiência quantitativa, falta de preparo (a tentativa de resolver esse principal problema com a criação de escolas normais ainda não surtia efeito e vinha sendo objetivo de críticas constantes), parca remuneração e pouca dedicação dos professores; a ineficácia do método lancasteriano atribuída, sobretudo, à falta de instalação física adequada à prática do ensino mútuo; e a ausência de fiscalização por parte das autoridades do ensino, o que tornava frequente nos relatórios a demanda pela implantação de um serviço de inspeção das escolas. A situação estava, pois, a reclamar uma ampla reforma da instrução pública (SAVIANI, 2006, p.5374).

Os debates ocorridos na Assembléia Constituinte de 1823 serviram de inspiração

às mudanças e reformulações no processo de instauração de “um plano de escolarização

sistemático que favorecesse a formação dos homens pobres e livres” (PERIOTTO,

2012, p. 54), no entanto, o Brasil, só viria a conhecer um debate mais conseqüente sobre

a educação no final do século XIX, quando o trabalho escravo passou a ser substituído

pelo trabalho livre, alimentado por levas sucessivas de imigrantes europeus: “no final do

século XIX, a escola popular foi elevada à condição de redentora da nação e de

instrumento de modernização por excelência” (SOUZA, 2000, p.12)

A nascente industrialização exigiu a educação para todos, em doses

diferenciadas para os diversos segmentos de classes e fez, do século XX, o tempo da

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

10

educação, cuja razão de existir encontrava nas novas condições materiais o seu estímulo

e obrigatoriedade.

Formação de professores públicos e de professores na categoria adjunto: a reforma Couto Ferraz

Ministro do Império, Luiz Pedreira do Couto Ferraz instituiu um plano

estratégico de modernização e propôs a reforma do ensino primário e secundário do

Município da Corte. O decreto n. 1.331A, de fevereiro de 1854, demonstra o interesse

do governo em fomentar o desenvolvimento da nação. Esse documento aborda, pela

primeira vez, de maneira contundente, a formação docente. O formulador da Reforma

entendia que o progresso material do Brasil, nos moldes do capitalismo avançado,

exigia a formação de um quadro de professores habilitados para proporcionar a

transformação de uma sociedade agrária e tradicional em uma sociedade moderna e

industrializada, unida por um sentimento de amor à pátria.

A Reforma traz vários elementos que aludem à modernidade. Em específico,

esse estudo se limitou a discutir a questão da formação do quadro de professores - as

condições, exigências e benefícios, portanto, elaborou-se a seguinte pergunta: Quais

iniciativas de Couto Ferraz sobre a formação docente que poderiam levar a nação ao

progresso?

Estabelecido os objetivos de aperfeiçoar a formação de professores definiram-se

os critérios de seleção que atuam como um conjunto de medidas, a partir das quais se

procede a escolha dos candidatos ao cargo. No primeiro capítulo se estabelece algumas

condições para a contratação de professores públicos.

Só podem exercer o magistério público os cidadãos brasileiros que

comprovarem: 1º Maior idade legal, 2º Moralidade e 3º Capacidade profissional

(art.12). A certidão ou a justificação comprova a maior idade legal, o candidato não

deveria ter nenhuma acusação judicial, e a capacidade profissional se confirma em

exame oral e escrito.

Os critérios de seleção apresentam o perfil do professor, submetidos ao plano de

desenvolvimento do Estado burguês.

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

11

O documento também assegura benefícios e vantagens no art. 24, 27, 28, 29 e

31. Os filhos dos professores públicos que tiverem servido bem por 10 anos terão

preferência no número dos professores adjuntos, ou serão admitidos gratuitamente no

Colégio de Pedro II (artigo 27). O artigo 28 estabelece uma gratificação aos professores

que tivessem por mais de 15 anos de serviço efetivo, para o professor que contar 25

anos de serviço efetivo e o artigo 29 estabelece que ele seja jubilado com o ordenado

por intero. O art. 31 assegura direitos: o aumento da quarta parte do ordenado, quando o

Governo o conservar no magistério, sobre proposta do Inspetor Geral, depois de 25 anos

de serviços e a jubilação com todos os vencimentos dispostos no art. 25, se servir por

mais dez anos além do prazo mencionado no artigo 29.

Adiante, ainda no título II Couto Ferraz reserva um capítulo inteiro à questão

dos professores adjuntos. Esta categoria conta com a presença de alunos maiores de 12

anos de idade formados nas escolas públicas e selecionados em exames anuais dos quais

devem ter bom rendimento para o magistério (artigo 35).

Os professores adjuntos ficariam adidos às escolas como ajudantes para se

aperfeiçoar nas matérias e prática do ensino, sendo que no fim de cada ano de exercício

passariam por exames a fim de se conhecer o grau de aproveitamento. A avaliação da

teoria e da prática compreende as matérias de ensino, e em especial, sobre os métodos

respectivos, e o sistema prático de dirigir uma escola (artigos 38 e 39). Após três anos,

os professores adjuntos que não completassem 18 anos deveriam continuar adidos nas

escolas públicas, posteriormente o Governo indicaria os substitutos dos professores nos

seus impedimentos (artigo 40).

A formação de professores está organizada de modo a fornecer formação teórica

e prática. O ensino na prática consiste na ideia-força desse regulamento (SAVIANI, p.

23, 2006), portanto a formação dos professores na categoria dos professores adjuntos

aborda a teoria sobre as disciplinas e a prática sobre os procedimentos de ensino – o

método do ensino nas escolas será em geral o simultâneo (artigo 73).

O documento concebe a relação entre teoria e prática. A formação dos

professores adjuntos versa num sistema de formação e recrutamento (PONTES e

MADER, 2009, p. 79). De acordo com esses referidos autores, do ponto de vista

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

12

institucional, o Estado buscou promover uma aproximação com a atividade docente

tornando-se o promotor da institucionalização desses profissionais:

No caso específico dos professores públicos, além dessa institucionalização, ocorria também uma estatização, na medida em que aquele profissional, mediante devida averiguação de suas capacidades, seria incorporado ao conjunto privilegiado de funcionários públicos do Estado Imperial (PONTES e MADER, 2009, p. 79).

Apesar dos esforços pouco se conseguiu avançar na aplicação das medidas. O

Ato adicional de 1834 promoveu a descentralização do poder e da administração do

Governo Central, a responsabilidade de ofertar instrução primária e secundária ficou ao

cargo das províncias, que viviam em condições precárias. Além disso, a elite, em nome

de seus privilégios, colocava em segundo plano a instrução. Sobre isso, Almeida diz

que: [...] a partir de 1840 os relatórios ministeriais consideram como uma necessidade o estabelecimento da instrução obrigatória, que o regulamento de 1854 chegou a estabelecer, mas de um modo tão impreciso que se pode dizer que o ensino não é obrigatório no Brasil (ALMEIDA, 1989, p.8 apud MIZUTA e SANT’ ANNA 2010:104).

A oficialização de melhorias para o quadro de professores foi um grande

progresso, assim como a obrigatoriedade do ensino. No entanto, ao discutir essas

questões devemos considerar as condições reais da sociedade, nota-se que desde 1834 a

obrigatoriedade do ensino esteve presente em vários documentos oficiais, dessa forma,

se comprova a necessidade de ratificar o que estava escrito. Nesse aspecto a tarefa dos

reformadores deparava-se em modificar não somente a legislação vigente, mas também

o aparato ideológico de um povo preso na escuridão, ignorantes de conhecimentos.

No Relatório Provincial de 1849, Couto Ferraz descreve a deplorável situação da

instrução pública: Informando-vos sobre esse importantíssimo ramo do serviço público, sinto assaz ter de comunicar-vos que o seu estado atual não corresponde à solicitude, e desvelos com o que a assembléia, e o governo da província tem para ele aplicado a sua atenção (...). Longo seria relatar-vos as causas que concorrem para este estado. Já por vezes tem sido elas mencionadas, quer em diversas faltas de abertura das passadas sessões, quer em muitos dos discursos dos dignos membros dessa casa (RELATÓRIO PROVINCIAL 1849, p. 57).

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

13

Os empreendimentos do Estado sucediam-se de modo problemático. Daí a

necessidade de instituir um Regulamento que se acreditava contemplar todos os anseios

da elite e regido por forte fiscalização:

Sem uma reforma radical, sem um regulamento, que reduza a instrução primária a um sistema acomodado as nossas circunstâncias, e que defina claramente as habilitações e deveres dos professores; que dê a seu diretor uma ação mais direta sobre eles, e que estabeleça os meios de se tornar mais severa, e efetiva a vigilância a seu respeito, unido tudo isto ao maior cuidado no provimento das cadeiras, poucos melhoramentos devemos esperar, por maiores que sejam as somas, que se despenderem, por melhores que sejam os desejos da administração (RELATÓRIO PROVINCIAL, 1849, p. 57).

Couto Ferraz reconhecia a importância de um Estado Centralizador no

direcionamento da Instrução Pública no sentido de construir conhecimento e

desenvolver habilidades para formar o cidadão comprometido com o progresso social.

No entanto, denunciava o descaso da administração pública em relação às ações

reformistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta deste estudo foi a de discutir o conceito de modernização no século

XIX no Brasil, para isso criou-se um conjunto de elementos que caracterizam esse

período (mudanças e reformulações, ações governamentais modernas, currículo, forma

escolar, política emancipatória, desestabilidade do eu, estilos de vida, atividades de

ricos, sistema de formação e recrutamento, etc.) tendo a Reforma Couto Ferraz como

um artefato estratégico para uma nova organização social, já que o documento aborda

pontos importantes para a modernização do quadro de professores do ensino primário e

secundário, fato que pressupunha levar ao desenvolvimento da nação. Apresentam-se

também alguns critérios de seleção do Estado para a contratação de professores públicos

e na categoria de professores adjuntos, ressaltando certas condições, exigências e

benefícios. Desse modo, concluí-se que as iniciativas de Couto Ferraz para a formação

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

14

docente conformam inovações que contribuíram para a formação do quadro de

professores, em específico no que se refere aos professores adjuntos; pois pela primeira

vez no século XIX, no Brasil, um documento oficial abordou a questão dos concursos

públicos e da formação teórica e prática.

REFERENCIAS BRASIL. Decreto n.1331 A de 17 de fevereiro de 1854. Aprova o regulamento para a reforma do ensino primário e secundário no Município da Corte. Disponível em: http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/fontes_escritas/3_Imperio/artigo_004.html. Acesso em: 19/04/2015 BRASIL. Relatório do presidente da província do Rio de Janeiro, o doutor Luiz Pedreira do Couto Ferraz, na abertura da 2ª sessão da 7ª legislatura da Assembléia Provincial. Rio de Janeiro: Tipografia do Diário, de N.L. Vianna, 1849. Disponível em: < http://www.crl.edu/brazil/provincial/rio_de_janeiro>. Acesso em: 19/04/2015 BERMAN, Marshall. Tudo o que é solido desmancha no ar. São Paulo: Achwarcz Ltda, 1986. CARVALHO, Marta Maria Chagas de. História e historiografia da escola pública no Brasil: Algumas considerações em torno de um programa de investigação. In: LOMBARDI, José Claudinei. et al. (Orgs). A escola pública no Brasil história e historiografia. Campinas: Autores Associados, HISTEDBR, 2005. GARCIA, Pedro Benjamin. Teoria da Modernização. In: Educação: modernização ou dependência? RJ: Francisco. Alves, 1977, p.19-37. GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Zahar, p. 70 a 212, 2002. LEONEL, Zélia. Contribuição à história da escola pública: elementos para a crítica de teoria liberal da educação. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Unicamp, Campinas, 1994. LIMA, Joelma V. “Jornal das Senhoras”: As mulheres e a urbanização na corte. Cadernos CERU v. 21, n. 2, Dez de 2010. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ceru/article/view/11926/13703>. Acesso em: 19/04/2015 Pereira, Lílian Alves; FELIPE, Delton Aparecido; FRANÇA, Fabiane Freire. Origem da Escola Pública Brasileira: a formação do novo homem. In: VII Jornada do HISTEDBR. Campo Grande, 17 a 19 de setembro de 2007.

Universidade Estadual de Maringá 02 a 04 de Dezembro de 2015

15

MIZUTA, Celina Midori Murasse; SANT'ANNA, Susan Brodhage. A instrução pública primária no Brasil Imperial: 1850 a 1889. In: O mosaico: Revista de Pesquisa e artes. Faculdade de Artes do Paraná, n. 4, jun.-dez. 2010. Curitiba. FAP, 2010. PERIOTTO, Marcília R. O Correio Braziliense (1808-1822), o ensino mútuo e o desenvolvimento material do Brasil. Revista HISTEDBR On-line, v.12, n.45, mar/2012. PONTES, Vinicius Liorde, MADER, Maria Elisa Noronha de Sá. A Reforma Couto Ferraz e o estabelecimento de uma direção para a instrução primária e secundária no Império do Brasil. Dissertação (Mestrado em História)- Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro-RJ, 2009. Disponível em: <http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/15106/15106_4.PDF>. Acesso em: 19/04/2015 SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do “breve século XIX” brasileiro. In: SAVIANI, Dermeval; ALMEIDA, J. S.; SOUZA, R. F. de; VALDEMARIN, V. T. O legado educacional do século XIX. Campinas: Autores Associados, 2006, p. 9-32. SAVIANI, Dermeval. Pedagogia e política educacional no império brasileiro. Anais do VI Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação. Percursos e desafios da pesquisa e do ensino de história da educação. 17 a 26 de abril de 2006. Uberlândia –MG. Disponível em: <http://www.faced.ufu.br/colubhe06/anais/arquivos/489DermevalSaviani.pdf>. SILVA, T.T. O currículo como artefato social e cultural. In: SILVA, Tomaz Tadeu. Identidades Terminais. As transformações na política da pedagogia e na pedagogia da política. Petrópolis: Vozes, 1996, p. 83-96. SOUZA, Lucyana Sobral de. Instrução Pública no século XIX: recortes prévios de algumas ideias e práticas pedagógicas modernas vivenciadas na educação brasileira. In: V Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade. São Cristóvão – SE, 2011. SOUZA, Rosa Fátima de Souza. Inovação educacional no século XIX: a construção do currículo da escola primária no Brasil. Cadernos do CEDES (Unicamp), Campinas, nº51, p.33-40, Nov. 2000. WERLE, Flávia Obino Corrêia. Política de instrução pública no século XIX como eco de experiências internacionais. In: Educação, Porto Alegre, v.31, n.2, p173-181, maio/ago., 2008.