Upload
docong
View
215
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS II
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
LISE MARCELINO SOUZA
AMADORES OBSERVAM O CÉU
O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES E O IDEAL DE MODERNIZAÇÃO
EM FEIRA DE SANTANA (1971-1992)
ALAGOINHAS-BA
2018
LISE MARCELINO SOUZA
AMADORES OBSERVAM O CÉU
O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES E O IDEAL DE MODERNIZAÇÃO
EM FEIRA DE SANTANA (1971– 1992)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em História da Universidade do Estado
da Bahia (UNEB) como requisito para obtenção do
grau de Mestra em História, sob a orientação do
Prof. Dr. Paulo Santos Silva.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Santos Silva
ALAGOINHAS-BA
2018
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Souza, Lise Marcelino
Amadores observam o céu: o Observatório Astronômico Antares e
o ideal de modernização em Feira de Santana (1971– 1992). / Lise
Marcelino Souza.- Alagoinhas, 2018.
142 f. : il.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Santos Silva.
Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Educação. Campus II. Mestrado em História, 2018.
Contém anexos.
1. Observatórios astronômicos - Brasil – Feira de Santana (BA). 2.
Astronomia - História. 3. Astronomia - Modernidade. I. Silva, Paulo
Santos. II. Universidade do Estado da Bahia. Departamento de
Educação. Campus II.
CDD: 522.198142
CDD:
LISE MARCELINO SOUZA
AMADORES OBSERVAM O CÉU
O OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES E O IDEAL DE MODERNIZAÇÃO
EM FEIRA DE SANTANA (1971– 1992)
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da Universidade do
Estado da Bahia (UNEB), para a seguinte banca examinadora:
__________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Santos Silva – Orientador
Universidade do Estado da Bahia–UNEB /Campus II - Alagoinhas
__________________________________________________
Profa. Dra. Maria Elisa Lemos Nunes da Silva – Examinadora
Universidade do Estado da Bahia–UNEB/Campus II – Alagoinhas
__________________________________________________
Profa. Dra. Laura de Oliveira – Examinadora
Universidade Federal da Bahia - UFBA
ALAGOINHAS-BA
2018
AGRADECIMENTOS
Esta é a última parte do trabalho que fazemos. É necessário passar um filme para
rememorar todas as pessoas que fizeram parte desse processo. Neste momento, temos a
certeza de que nenhum trabalho é feito sozinho. Foi preciso o apoio de diferentes pessoas,
cada uma, ao seu modo, contribuiu para que esta dissertação chegasse ao ponto de ser
apresentada.
Não só devo agradecer àqueles que estiveram comigo durante esses dois anos de
mestrado, mas, também, às pessoas que me formaram para a vida, meu querido pai, minha
doce mãe e minha tia Dezinha. Meus pais, com muito sacrifício, deram sempre o melhor que
podiam a mim e a minha irmã. Meu pai é o grande incentivador e exemplo dessa família. Ele,
já não tão jovem, depois de muito estudo e abdicações, ingressou na UFBA, no curso de
odontologia. Insistiu e apoiou a minha mãe para que ela terminasse o curso de engenharia e
quando ela precisou fazer uma pós-graduação em Salvador, ele, simplesmente, pediu que ela
fosse e assumiu a responsabilidade de cuidar de mim e da minha irmã. Esta, certa vez, chegou
em casa dizendo que queria deixar o emprego para fazer concurso; ele, mais uma vez, não
mediu esforços e disse-lhe que assim fizesse.
Comigo não foi diferente. Enquanto o povo dizia que eu era louca por fazer um curso
que ninguém conhecia, museologia, ele dizia “faça menina, pelo menos é diferente, depois, se
for o caso, você faz outro”. Fiz o concurso para museóloga na UEFS por insistência dele.
Em relação à minha mãe, não tenho como mensurar o que ela fez por mim e minha
irmã para que tivéssemos uma educação de qualidade. Obrigada por ter perdido as suas noites
costurando, em momentos de desemprego, para poder pagar nossa escola, nunca mediu
distância nem dificuldade para trabalhar. Chegou a nos deixar pequenas com meu pai e ir
trabalhar em Valente para poder pagar a escola de minha irmã.
Desse período, não posso deixar de mencionar minha querida Tia Dezinha, a quem eu
chamo, carinhosamente, de “Tia Frozinha”, que tanto fez por mim. Com toda paciência e boa
vontade, dedicava suas manhãs a me ensinar os deveres, já que meu pai e minha mãe
trabalhavam o dia inteiro. Era quase que um ritual ir todos os dias ao seu encontro. Meu pai
me levava até a casa de minha querida avó Etéria (já falecida); lá, sentava na cozinha e ela
ficava em pé ao meu lado sempre dizendo “tem que estudar, tem que estudar, menina”, ao
passo que minha avó ficava sentadinha em sua cadeira fazendo crochê e mandava dar uma
pausa para a gente comer beiju amarelo. Obrigada Tia Dezinha, por esses momentos. Assim,
aprendi não só a importância dos estudos, mas, também, a valorizar a sua dedicação sem que
lhe tivesse dado algo em troca. Espero que veja essa dissertação como um retorno de todas as
manhãs que gastou comigo. Te amo, Tia!
Já formada e objetivando ingressar em um programa de pós-graduação, tive o apoio
dos meus colegas de trabalho, principalmente do meu chefe Paulo Poppe, da professora Vera
Martin, dos meus colegas Dejair e Cesinha e das minhas colegas e amigas Carolina Cerqueira,
Lívia Reis e Saladina Amoedo. Muito obrigada pelas palavras de incentivo.
Gostaria de agradecer, também, ao meu parceiro de pesquisa Willívam do Carmo, que
foi nosso estagiário no Antares e ajudou-me a pensar na possibilidade de fazer um projeto de
cunho historiográfico. Agradeço ao professor Clóvis Ramaiana, pela acolhida no momento
em que eu me iniciava nos domínios da História.
Agradeço a toda aos funcionários da Biblioteca Municipal e a equipe do Museu Casa
do Sertão, onde fiz morada por um bom período desta pesquisa, em especial a Cristiana
Oliveira, que me deu várias dicas e conselhos, a Claudinha, pelas muitas risadas e a Elaine,
funcionária do arquivo, um doce de pessoa.
Agradeço a todos os entrevistados, que doaram seu tempo a fim de relatar-me as
experiências vividas no Antares. Principalmente Seu Roque, o funcionário mais antigo do
Observatório, sempre pronto a ajudar. Um abraço, Seu Roque!
Não posso esquecer-me da UEFS, instituição onde trabalho desde 2011 e que me
facultou a oportunidade para esta capacitação, com direito a afastamento total e bolsa auxílio.
Agradeço também aos professores do Programa de Pós-Graduação em História da
UNEB, pelo acolhimento e aposta no meu projeto. Um agradecimento especial aos membros
da Banca de Qualificação, composta pelas professoras Maria Elisa Nunes Lemos da Silva
(UNEB) e Laura Oliveira (UFBA), cujas contribuições permitiram reajustar as perspectivas
desta investigação e a definir com maior rigor a estrutura do trabalho.
Agradeço aos meus colegas, principalmente a Chacauna, Igor, Maurício e Diana, pelos
laços feitos em momentos extraclasse.
Agradeço, imensamente, ao professor Paulo Santos Silva por toda a dedicação, que
não só é para mim um grande profissional, mas tornou-se um amigo com quem sei que posso
contar, nos momentos de glória e de aflição. Sempre incentiva aqueles que estão à sua volta a
buscarem, incessantemente, o conhecimento e fazer dele hábito e prazer. Obrigada, Paulinho,
por tudo.
E por último, porém, não menos importante, agradeço ao meu esposo Raimundo Neto,
que acompanhou tudo isso desde o começo. Deu-me total apoio para fazer este curso,
compreendeu minhas ausências, esteve ao meu lado desde o instante em que estava
elaborando o projeto e entendeu a necessidade de haver, entre nós, meus livros e um
computador. Te amo!
RESUMO
Esta dissertação ocupa-se da trajetória do Observatório Astronômico Antares, entidade com
fins científicos criada na cidade de Feira de Santana, Bahia. A abordagem abarca o período
que se estende de 1971, ano de sua fundação, a 1992, quando se encerrou sua primeira fase de
existência, tornando-se órgão suplementar da Universidade Estadual de Feira de Santana
(UEFS). Nesses anos, o Observatório passou pelo processo de implantação, construção de
uma identidade pública e decadência. Criado por iniciativa privada de um grupo de jovens
astrônomos amadores, liderados por Augusto César Orrico, o Antares buscou apoio nas mais
diferentes esferas, públicas e privadas, e em políticos, a exemplo de Antônio Carlos
Magalhães, então governador do estado. A entidade comportou e exprimiu em suas sucessivas
etapas, as contradições inerentes à modernização, conceito que estrutura a análise aqui
desenvolvida. Artigos de jornais, fotografias, entrevistas, registros oficiais e fontes literárias
conformam a base da pesquisa.
Palavras-chave: Observatório Astronômico Antares. Modernidade. Imprensa.
Fotografia.
ABSTRACT
This dissertation addresses the path covered by the Antares Astronomical Observatory, a
scientific enterprise founded in Feira de Santana, Bahia. The approach covers the period
between 1971, the year of its establishment, and 1992, the time its first ongoing stage came to
an end, when it became an additional institution for the State University of Feira de Santana
(UEFS). Along these years, the Observatory went through the processes of implamantation,
construction of a public well-known identitary reference and its decadence. Created after the
iniative of a private group of young amateur astronomers led by Augusto César Orrico, the
Antares sought to get support from several sectors, public and private, and from politicians,
such as Antônio Carlos Magalhães, the hitherto State Gorvernor. The entity made room for
and manifested at each of its stages, the contradictions which are part of the process of
modernization, concept on which this analysis is built. Newspaper articles, photographs,
interviews, offcial records and literary sources endorse the foundation of the research.
Key-words : Antares Astronomical Observatory. Modernity. Press. Photography.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO, 14
Capítulo I - A TRAJETÓRIA DE UMA ENTIDADE ASTRONÔMICA, 27
Modernidade, Ciência e Progresso, 27
Foco Astronômico, 36
Ato de Fundação, 40
Institucionalização do Antares, 46
Perfil dos Fundadores, 52
Divulgação da entidade, 60
Capítulo II - ANTARES: SUA HISTÓRIA ATRAVÉS DOS OBJETOS, 65
A trajetória dos instrumentos científicos: função e valor cultural, 65
Ressignificação do objeto, 67
Infraestrutura científica do Antares, 69
Os objetos e suas representações, 72
Central Horária e a “precisão” do tempo, 82
Relógio: “hora” do Antares para o povo, 84
Fotoheliógrafo: as manchas solares ao alcance do Antares, 86
A estação meteorológica e a previsão do tempo, 90
Cúpulas: um local ideal para os telescópios, 91
Planetário: um céu imaginado, 92
Telescópio laser: um “grande” instrumento, 96
Livros: representantes do conhecimento, 101
CAPÍTULO III -PRODUÇÕES, PUBLICAÇÕES E O FIM DE UMA EXPERIÊNCIA,
105
Carta Celeste: um mapeamento do céu da Bahia, 108
“Boletim Contributions”, 111
Anuários, 119
Desenhos e Previsões do Tempo, 122
“O Antares já não observa mais estrelas”, 124
CONSIDERAÇÕES FINAIS, 131
FONTES, 133
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS, 138
ANEXO, 141
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Capa Revista Veja “Marcha da Ciência”, 29
Figura 2: Capa Revista Veja “Viagem à Lua”, 30
Figura 3: Apresentação em encerramento do Concurso “Dandar na Lua”, 38
Figura 4: Francisco Roque observando a solenidade de inauguração ao lado da cúpula
principal no segundo plano, 41
Figura 5: Telescópio do Observatório Flamarion, 43
Figura 6: Antônio Carlos Magalhães e dirigentes do Antares, 45
Figura 7: Inauguração da Central Horária do Antares, 58
Figura 8: Ronaldo Mourão e Drance Amorim, 74
Figura 9: Inauguração do Observatório Antares, em 1974, 75
Figura 10: Entrega de quadro para Governador ACM, 77
Figura 11: César Orrico e Antonio Magalhães simulando observação, 79
Figura 12: Filho de Antônio Magalhães simulando uso de telescópio, 79
Figura 13: Orrico manuseando o telescópio laser, 80
Figura 14: Francisco Roque manuseando equipamento desativado, 80
Figura 15: Inauguração da Central Horária do Antares, Antônio Carlos Magalhães, 82
Figura 16: Inauguração da Central Horária do Antares, Antônio Carlos Magalhães e Drance
Amorim, 83
Figura 17: Monumento do Relógio na Avenida Getúlio Vargas, 84
Figura 18: Fotoheliógrafo em Sala de Exposição no Museu Antares, 87
Figura 19: Estação Meteorológica do Observatório Antares, 90
Figura 20: Cúpula em evidência, 91
Figura 21: Desenho representando todo o Observatório Antares, 93
Figura 22: Descarregando o Telescópio Laser no Antares, 97
Figura 23: Telescópio Laser no Antares, 99
Figura 24: Telescópios montados para a passagem do Halley, 100
Figura 25: Antena parabólica montada para passagem do Halley, 100
Figura 26: Biblioteca do Antares em hall principal, 103
Figura 27: Livros espalhados no hall principal do Antares, 104
Figura 28: Carta do Céu da Bahia, 108
Figura 29: Boletim Contribution Cometa Kohoutek, 111
Figura 30: Páginas com propagandas, 112
Figura 31: Penúltima com várias propagandas, 112
Figura 32: Boletim Contribution nº18, 117
Figura 33: Cabeçalho dos desenhos das manchas solares, 11
Figura 34: Capa de anuário 1979, 117
Figura 35: Capa de anuário 1981, 117
Figura 36: Capa de anuário 1985, 117
Figura 37: O céu de março por César Orrico, 122
Figura 38: O céu de fevereiro por Ronaldo Mourão, 120
Figura 39: Previsão do Tempo Jornal Folha do Norte, 121
Figura 40: Previsão do Tempo Jornal Feira Hoje, 121
Figura 41: Antares funcionando como Secretaria de Saúde do Município, 126
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Eleitos e cargos no Observatório Antares, 47
Quadro 2: Eleitos e cargos no Observatório Antares, 48
Quadro 3: Instrumentos científicos do Observatório Antares,72
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1: Percentual de matérias em que o Antares e César Orrico foram mencionados, 62
Gráfico 2: Quantitativo de matérias em cada ano, 63
14
INTRODUÇÃO
O poeta feirense Godofredo Filho (1904-1992), quando criança, viu a passagem do
cometa Halley, no ano de 1910.1 As sensações despertadas pelo evento foram relembradas
durante uma entrevista comemorativa dos seus oitenta anos. O homenageado declarou que
aquele fenômeno o impressionou de tal maneira que desejou revê-lo em sua próxima
passagem, em 1986. Para ele, o Halley foi uma espécie de signo condutor, a cuja trajetória o
escritor teria prendido o seu destino.2
Por meio da experiência de Godofredo Filho é possível perceber o fascínio exercido
pelos fenômenos envolvendo os astros. Por se tratar de uma criança, ele não tinha noção
científica do que se passara. Ao que parece não lhe ocorria o sentimento de medo, associado à
possibilidade de ameaça à vida humana. Nele, o episódio despertou encanto, fazendo com que
desejasse vê-lo novamente no final do século.
No entanto, nem o poeta nem sua cidade natal eram os mesmos depois de setenta e seis
anos. Entre as décadas de 1910 e 1980 quase um século se passou. A cidade abandonou parte
de seus traços rurais, ao “modernizar-se”.
Em 1986, previa-se que o Halley passaria novamente e a expectativa era grande.
Naquele ano, o fenômeno atraía ainda mais pessoas, devido à intensa divulgação e aos novos
aparatos tecnológicos que ajudavam a vê-lo deslocar-se no céu. Feira de Santana oferecia ao
poeta outra maneira de visualizar o cometa: um Observatório Astronômico. Atribui-se sua
implantação aos desejos de um jovem astrônomo amador, Augusto César Orrico, feirense,
nascido em 21 de março de 1952, cuja trajetória de vida vinculou-se à entidade.
Esta dissertação analisa os fatores que influenciaram a implantação e o funcionamento
de um observatório astronômico no interior do país, em uma região sem qualquer tradição no
âmbito da astronomia, no contexto da Guerra Fria e do regime implantado em 1964.
Discutem-se as relações e táticas empregadas pelos seus idealizadores para elaborar o projeto
e implementá-lo. Em que medida a entidade cumpriu seus objetivos científicos, considerando-
1 Quando for mencionado o nome de uma pessoa já falecida, aparecerá na primeira menção, entre parênteses, o
ano de nascimento e de morte. Quando se tratar de pessoas vivas até janeiro de 2018, aparecerá na primeira
menção, apenas a o ano nascimento entre parênteses após o nome. Em alguns casos, em vez do ano, optamos por
indicar a data de nascimento com dia, mês e ano. 2 LOPES, R.“Godofredo Filho nos seus oitenta anos”. Revista Sitientibus. Feira de Santana, v.2, n.4, p.85-92.
jan/jun. 1984.
15
se suas condições de implantação e funcionamento? Espaço de discurso ou de efetivação das
práticas científicas? Essas são algumas das questões que nortearam esta dissertação.
As balizas temporais que recobrem esta investigação situam-se entre as atividades
iniciais relacionadas às questões astronômicas ocorridas na cidade, nos anos de 1960,
perpassam os anos de1970, quando surgiram as primeiras matérias jornalísticas diretamente
vinculadas à implantação da entidade e estende-se ao ano de 1992, quando o Observatório
tornou-se órgão suplementar da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS).
As origens desta pesquisa remetem ao ano de 2011, quando assumimos o cargo de
Analista Universitário em Museologia, na Universidade Estadual de Feira de Santana. A partir
daquele ano ficamos responsáveis pelo Museu Antares de Ciência e Tecnologia, fundado em
2009 nas dependências físicas do Observatório Astronômico Antares.
Uma das principais áreas do conhecimento do museólogo denomina-se “documentação
museológica”. Essa área da Museologia dedica-se a organizar o acervo de uma instituição, a
fim de que toda a documentação gerada funcione como fonte para os funcionários dos
museus, prováveis pesquisadores externos (historiadores, por exemplo) e, também, sirva de
registro comprobatório, em caso de reivindicação de tutela.
Trata-se de um trabalho investigativo, que se aproxima, até certo ponto, do ofício do
historiador, pois o museólogo recorre não apenas ao objeto em si, mas busca outros recursos,
a fim de obter informações acerca de cada patrimônio museal.
Esse tipo de cultura material que fica nos museus, em sua maioria, não se encontra mais
na posição de uso original. Sua função social e cultural muda. Em uma instituição
museológica outros valores são-lhe atribuídos. Tornam-se objetos de contemplação ou
assumem outro papel, representando contextos diversos daqueles que lhe deram origem, como
ocorre em muitos museus históricos e de ciências. Um mobiliário antigo ou objetos
científicos, por exemplo, podem ser expostos isoladamente, a fim de valorizar a quem
pertenceu, mas também ser incluídos em uma cena que represente um costume ou um hábito
do passado.
No caso da presente pesquisa, uma luneta do final do século XIX, por exemplo, tem
muito mais significado enquanto objeto testemunho do que como artefato científico destinado
a aproximar corpos celestes. Sua função mudou porque já existem muitos outros instrumentos
com tecnologia superior que tomaram seu lugar.
Nos procedimentos da documentação museológica, para se conhecer os objetos e o
contexto ao qual pertenceu, torna-se necessário encontrar respostas que indiquem a
procedência, uso e a trajetória de cada um deles. Esse trabalho ocorre de maneira
16
individualizada. Assim, tudo que se refere a ele é considerado, desde peso, tamanho, cor,
estado de conservação, sua constituição, a quem pertenceu, como chegou ao museu e quem o
utilizou, de modo que nenhuma informação seja desperdiçada.
Ao longo de dois anos, essa tarefa técnica ateve-se às dependências do próprio
Observatório Antares. Durante esse período notou-se que o acervo poderia ser dividido em
três categorias: Rochas/Minerais, Biologia e Científico/Tecnológicos. Cada uma dessas
deveria passar por um processo diferenciado de documentação. A última classe, por sua vez,
mereceu ainda mais atenção, pois tratava-se de um patrimônio material que poderia informar
não só sobre eles mesmos, mas também sobre a origem do próprio Observatório Antares.
Muitos deles encontram-se na entidade desde os primeiros anos de seu funcionamento, a
exemplo do Fotoheliógrafo, emprestado do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, na
década de 1970, após Augusto César Orrico estreitar laços com o astrônomo carioca Ronaldo
Rogério Freitas Mourão (1935 - 2014).
Dada a sua importância, a investigação acabou tornando-se nosso objeto de estudo
também fora dos muros do Museu. O Fotoheliógrafo foi objeto de estudo do nosso trabalho de
conclusão de curso da especialização em Arte e Patrimônio Cultural da Faculdade São Bento
da Bahia, em 2013. No decorrer da pesquisa, encontramos publicações e produtos que foram
feitos a partir do uso desse objeto, assim como conseguimos reunir depoimentos de pessoas
que o manipularam e que tiveram importância na implantação do Observatório.
Ao seguir os rastros desse artefato, percebemos que ele oferecia mais informações do
que imaginávamos acerca dos primeiros anos do Antares. No entanto, naquele trabalho de
especialização não tivemos tempo para ampliar o tema e atingir o surgimento do
Observatório. Por esse motivo, essas questões foram trazidas para o nível de uma dissertação
de mestrado, a fim de compreender a importância desses objetos para a implantação daquele
espaço.
A trajetória do Observatório Antares está inserida no processo de desenvolvimento de
Feira de Santana com vistas a tornar-se uma aglomeração urbana moderna. Essa entidade é
aqui analisada como parte da experiência de modernização tecnológica que se verificou na
cidade no curso dos anos 1970, percebida também em diversas localidades em âmbito
nacional, particularmente no Nordeste.
Feira de Santana é nacionalmente conhecida pelo seu potencial comercial e por
localizar-se entre as duas principais rodovias do país, a BR-101 e a BR-116. Essa condição foi
utilizada para a construção de determinadas imagens da cidade, nem sempre convergentes,
como é comum ocorrer quando se trata do imaginário acerca do urbano.
17
Segundo Sandra Pesavento, as cidades são objeto de múltiplos discursos que se
justapõem ou se contradizem, sem que por isso implique em classificá-los "mais verdadeiros
ou importantes que os outros”.3 Partindo dessa premissa, é possível considerar os diversos
pontos de vista que contribuíram para a construção das representações urbanas do município
que sediou o primeiro Observatório Astronômico da Bahia. As representações da cidade de
Feira de Santana expressaram-se em diversos formatos: músicas, memórias, romances,
fotografias e trabalhos historiográficos.
Uma das primeiras representações da cidade no século XX encontra-se no “Poema da
Feira de Sant’ana”, produzido no ano de 1926, porém, somente publicado em 1977.4 As
mudanças urbanas narradas no poema coincidem com a trajetória de Godofredo Filho, seu
autor. Evidenciam-se nesse escrito as diferentes dinâmicas vividas em uma mesma cidade.
Para Godofredo Filho, Feira de Santana possuía um grande comércio de gado que
transformava as segundas-feiras em dias poeirentos, permitindo a presença de vaqueiros
encourados e tabaréus suarentos. Com o passar do tempo, o poeta reconheceu que o município
já não era mais o mesmo: estava muito diferente, mas ainda aprazível. Estava “riscado” pela
eletricidade, cheio de Fords “estabanados”, “raquíticos” e “desvirginadores” do sertão,
veículos que levavam viajantes de xarques.
Godofredo Filho utilizou esse artifício tanto para evidenciar suas impressões do passado
quanto do presente. Ao falar que sua cidade estava “riscada” pela eletricidade, cheia de "Fords
estabanados", o poeta sugeriu que Feira já possuía elementos que a enquadravam sob um
novo conceito de modernidade.
Para melhor precisar os contornos do objeto desta pesquisa, convém delineá-lo à luz dos
estudos que se têm realizado sobre a cidade, direta ou indiretamente destacando sua inserção
na lógica da modernização.
Uma das obras pioneiras que destacam as características da cidade sob esse viés foi
produzida ainda na década de 1960 pelo brasilianista Rollie E. Poppino, intitulada Feira de
Santana.5 No prefácio, escrito por Thales de Azevedo (1904-1995), o perfil da urbe foi
resumido, afirmando-se que aquela pesquisa dedicava-se a falar de uma aglomeração
localizada em uma encruzilhada de estradas que ligavam o Sul do país ao Nordeste. Azevedo
destacou que Feira de Santana era passagem e pouso obrigatório para reabastecer veículos,
passageiros, caixeiros-viajantes, comerciantes, técnicos e funcionários públicos que exerciam
3 PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano: Paris, Rio de Janeiro, Porto
Alegre. 2a ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002, p.9. 4 GODOFREDO FILHO. Poema da Feira de Santana. Coleção Ilha de Maré. Salvador, 1977. p.16 5 POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Editora Itapuã, 1968.
18
ao longo daquele eixo as funções de "pioneiros" e "bandeirantes". Ainda de acordo com ele, a
cidade era também um expansivo centro de comércio e serviços, sobretudo com suas
numerosas oficinas de reparos de motores e veículos, semelhante ao que teria sido Sorocaba e
São João d’El Rei no passado, assim como Campina Grande e Juazeiro do Norte, na década
de 1960.
Feira de Santana foi vista no começo do século XX como uma cidade moderna por
delimitar os locais em que os bois seriam comercializados. Muitas dessas características,
como a construção das autoestradas e o intenso comércio, eram frutos do processo de
urbanização que a cidade sofreu a partir dos anos de 1920.6
A partir dos anos 1960, verifica-se outra configuração do desenvolvimento da cidade.
A implantação do Centro Industrial do Subaé, da Universidade Estadual e do Observatório
Astronômico Antares fez parte desse novo cenário. Com essas imagens, a memória que se
desejava preservar, ao menos para alguns segmentos, não era mais a de uma cidade das feiras
de gado, mas, de um espaço urbano marcado pela presença da ciência e da tecnologia.
A temática da modernização em Feira de Santana tornou-se objeto de análise
historiográfica por pesquisadores que realizaram suas investigações em âmbito acadêmico.
Clóvis Frederico Ramaiana Moraes Oliveira apesar de não abarcar a temporalidade
tomada nesta dissertação, analisa o processo de desenvolvimento da cidade no que se refere à
inserção de novos "equipamentos" que viriam a exigir diferentes comportamentos da gente
sertaneja. O autor sugere que a ideia da chegada de novas tecnologias colocava os sujeitos
históricos em posição de recepção. Essa conduta implicava na adoção de novos
comportamentos condizentes com os que existiam em outras cidades, as chamadas “praças
civilizadas”. Os currais modelo foram um dos principais "equipamentos" instalados. A
necessidade de mudança foi intensamente trabalhada pela imprensa da época.
Eram recorrentes as matérias denunciando os danos causados à população pela forma
como se lidava com os animais. Convertidos em defensores do controle dos costumes
urbanos, os periódicos investiram na defesa das táticas e estratégias visando convencer
segmentos da população das vantagens dos novos empreendimentos.
No que se refere ao Observatório Antares, a imprensa usou seu poder a fim de exaltar a
importância do equipamento e a necessidade de tê-lo na cidade. Assim como os currais, o
Antares obteve a atenção e o incentivo do poder público, mesmo se constituindo uma entidade
de iniciativa particular.
6 OLIVEIRA, Clóvis Ramaiana Moraes. Canções da cidade amanhecente: urbanização, memórias urbanas e
silenciamentos em Feira de Santana (1920-1960). Salvador: EDUFBA, 2016.
19
Em uma dissertação de mestrado defendida por Diego Corrêa no Programa de Pós-
Graduação em História, da Universidade Estadual de Feira de Santana, a temporalidade
recoberta pelo pesquisador alcança o ano de criação do Antares, 1971. Diego Corrêa analisou
as transformações ocorridas na cidade de Feira de Santana entre os anos de 1967 e 1971. 7 O
autor destacou o papel exercido pelo prefeito João Durval Carneiro (1929) como articulador
do processo de modernização da cidade. Para isso, Corrêa abordou o período anterior à
administração de João Durval, evidenciando as circunstâncias que o levaram ao poder. Dentre
elas estão a deposição do ex-prefeito Chico Pinto, decorrente do golpe militar, e o
envolvimento de João Durval com a UDN. Nesse sentido, seu trabalho oferece um quadro de
referência para se examinar os anos imediatamente anteriores e, em parte, simultâneos ao
contexto de implantação do observatório.
Outros fatores nos levaram ao trabalho de Diego Corrêa: o uso da literatura enquanto
fonte. Da mesma forma que ele recorre-se aqui à obra O bicho que chegou à Feira (1991), de
Muniz Sodré. Além disso, uma das suas principais fontes foi o jornal Folha do Norte. Ao
falar sobre ela, o autor contribuiu para esclarecer a posição política do periódico, informou a
quem ele pertencia e qual a linha ideológica dos seus dirigentes.
Os jornais revelaram-se indispensáveis para acompanhar a dinâmica da modernidade
em âmbito local, nos limites de seus respectivos recortes temáticos e temporais.
Nesta pesquisa, o Folha do Norte e o Feira Hoje tornaram-se as referências
documentais mais importantes. "Se a leitura do jornal diário é a reza do homem moderno[...]",
conforme frisou Bruno Latour, há que se considerar os periódicos como expressão da
modernidade que patrocinam outras iniciativas modernas, como pretendia ser o
Antares.8Ainda segundo Latour, "A modernidade possui tantos sentidos quantos forem os
pensadores ou jornalistas" (grifo nosso).9 Destaca-se a palavra jornalista em razão do papel
que eles tiveram na implantação do Antares.
Na biblioteca/arquivo do Museu Casa do Sertão, há pastas com recortes de jornais a
partir do ano de 1975. Segundo relato em 2017, da diretora Cristiana Oliveira, esse material
foi produzido pela Assessoria de Comunicação da UEFS, com o objetivo de salvaguardar toda
e qualquer informação que estivesse relacionada a essa instituição.
7 CORRÊA. Diego. “O futuro do passado: uma cidade para o progresso e o progresso para cidade em João
Durval Carneiro. (1967-1971)”. (Dissertação de Mestrado em História, Universidade Estadual de Feira de
Santana, 2011). 8 LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Tradução de Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Editora 34, 2013,
p.8. 9 LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. p.15, grifo nosso.
20
Supúnhamos que encontraríamos nessa documentação algumas matérias referindo-se
ao possível convênio entre a universidade e o Antares. Todavia, para a nossa surpresa,
encontramos muito mais do que o previsto. Além da quantidade de matérias e diversidade de
assuntos sobre o Observatório, achamos essas informações nos mais distintos jornais: A
Tarde, Correio da Bahia, Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, Notícias da Bahia, O Globo,
Diário de Notícias e Jornal do Brasil. Com isso, ampliamos de forma considerável nossas
fontes. E por meio delas tivemos a noção do que se divulgava sobre o Antares até o ano de
1992.
Mesmo com essa diversidade de periódicos encontrados, o Feira Hoje e o Folha do
Norte são majoritários enquanto fontes desta investigação. Eles, além de fornecer informações
sobre o processo de implantação do Observatório, revelaram-se como lugar de sua
constituição. Nesses jornais, atuaram e escreveram vários indivíduos que participaram da
construção "discursiva" e efetiva do Antares.
Ao se consultar jornais de anos anteriores à criação dessa entidade, percebe-se que as
notícias levadas aos feirenses com as temáticas astronômicas estavam relacionadas à Corrida
Espacial. A impressão que se tem das matérias sobre essa disputa é de que a conquista do
espaço era vista como possibilidade de esperança em um mundo melhor. No jornal local
Folha do Norte, do ano de 1969, foram encontrados nove textos com essa perspectiva. Entre
seus autores, estão os colunistas Augusto César Orrico e Helder Alencar (1945)
Foram levadas em consideração a atuação profissional desses indivíduos, a fim de
compreender tanto como eles contribuíram para a implantação do Antares como o contexto
social e político em que estavam inseridos. Tal procedimento pode ser visto como uma
maneira de se lançar questões acerca da criação do Observatório. Não seria possível falar a
respeito dele e não se referir àqueles que estiveram envolvidos com a iniciativa de criá-lo.
Eles integravam um grupo social privilegiado na cidade. Atuaram ativamente na imprensa e
influenciavam na formação da opinião de certa parcela da população. Possuíam poder de
articulação e estavam de acordo com o governo vigente e sua política de desenvolvimento.
Os jornais e revistas não são neutros e alheios às tramas da vida coletiva. Eles fazem
parte de um conjunto de iniciativas que reúnem indivíduos da mesma posição social e política
e com projetos coletivos em comum. Por isso, como afirma Tania Regina de Luca, é de suma
importância identificar os grupos responsáveis pelas linhas editoriais, assim como identificar
os colaboradores mais assíduos, os títulos e os conteúdos programáticos.10
10 LUCA, Tania Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla Bassanezi. Fontes
Históricas. São Paulo: Contexto, 2015, p. 140.
21
Tomando como exemplo os dois principais periódicos analisados neste trabalho, o
Folha do Norte e o Feira Hoje, percebemos que ambos identificavam-se com o regime
político vigente. O Folha do Norte, por exemplo, pertencia à tradicional família de Arnold
Silva (1894 –1965). Ele foi proprietário de terras e criador de gado. Na vida política, tornou-
se um dos organizadores do Partido Social Democrático (PSD), no ano de 1933, partido pelo
qual elegeu-se deputado constituinte, foi também vereador diversas vezes. Em 1945,
candidatou-se a deputado federal pela UDN, mas não se elegeu. No poder executivo dirigiu a
cidade em dois diferentes momentos, no primeiro enquanto Intendente (1924-1928) e depois
como prefeito (1959-1962).11
Ao analisar o periódico de Arnold Silva nos anos de 1950, Diego Corrêa constatou que
a postura das publicações era claramente contra o avanço comunista.12 Segundo ele, Helder
Alencar possuía nesse jornal uma coluna anticomunista.13
O Feira Hoje tinha perfil similar. Surgiu no início dos anos de 1970, com o intuito de
noticiar o crescimento do interior do estado. Verificam-se, em algumas edições, argumentos
positivos sobre o golpe, inclusive, considerando o episódio uma revolução que trouxe paz e
progresso.14
O tema da astronomia começou a ganhar destaque na imprensa local na década de 1960
com a criação Sociedade Astronômica Feirense (SAF). Os jornais estimularam essa iniciativa,
a exemplo do Folha do Norte, que noticiava os eventos de repercussão mundial relacionados
aos temas astronômicos. A partir dali a configuração seria outra. Sob uma atmosfera de
esperança em um futuro melhor, em decorrência dos avanços tecnológicos, jovens feirenses
fizeram da cidade de Feira de Santana palco para a implantação do primeiro observatório
astronômico da Bahia.
Desde então, eventos sucessivos ocorreram evolvendo a entidade recém-implantada. O
Antares recebeu visitas e contou com o apoio não só de personalidades do meio astronômico,
mas também de políticos, a exemplo de Antônio Carlos Magalhães – ACM (1927-2007). Ao
constatar o envolvimento direto desse governante, é possível afirmar que o Observatório
vinculava-se aos projetos de desenvolvimento científico e tecnológico lançados durante o
regime. Convém sublinhar que o Antares foi oficialmente criado em 1971, o que coincide
com o período mais tenso da ditadura. No mesmo ano de sua fundação, Carlos Lamarca foi
11 SILVA, Arnold. “Arnold Ferreira da Silva”. http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-
biografico/arnold-ferreira-da-silva, acesso em 26 de setembro de 2017. 12 CORRÊA. “O futuro do passado”, p. 21. 13 CORRÊA. “O futuro do passado”, p. 80. 14 Feira Hoje, Feira de Santana, 31 mar. 1972, p.1.
22
executado no sertão da Bahia pelas forças de repressão do regime. A crise da instituição e sua
extinção, nos moldes como ela foi pensada originalmente, se deu em data muito próxima do
fim do regime de 1964. Ainda que não se possa considerar determinantes, esses marcos não
podem ser desconsiderados.
Em 1987, foi encerrado o convênio para o repasse de verba do governo estadual,
firmado entre a Universidade Estadual de Feira de Santana e o Antares. Mesmo tendo
recebido muitos visitantes no ano anterior, por conta da passagem do cometa Halley, suas
dificuldades se acentuaram, o que levou a interrupção de suas atividades. O prédio foi, então,
emprestado ao governo municipal, que ali instalou um provisório posto de saúde. Em seguida,
a prefeitura devolveu a tutela do estabelecimento a Augusto César Orrico, alegando não ser
capaz de utilizar e sustentar o Antares com seus propósitos “científicos” iniciais. A alternativa
encontrada foi extinguir a Fundação Antares e incorporar a entidade na condição de órgão
suplementar da UEFS, em 1992.
Quando esta pesquisa era apenas uma ideia, temia-se a dificuldade de localizar as
fontes, tendo em vista que poucos documentos foram encontrados nos passos iniciais da
investigação. Antigos funcionários associam a escassez de registros ao final dos anos de 1980,
período em que o Antares interrompeu as atividades por falta de verba. É possível que, em
consequência dessa circunstância, muitos dados tenham sido perdidos, extraviados ou mesmo
descartados.
Foram encontradas aproximadamente 20 (vinte) cópias de documentos institucionais
nas dependências do Observatório e no arquivo da Reitoria da Universidade Estadual de Feira
de Santana. Trata-se de atas, estatutos, publicações em Diário Oficial e termos de convênio.
Somam-se a esses, conforme já referido, os jornais da época: Folha do Norte, Feira Hoje,
Diário de Notícias e Jornal da Bahia. Desses periódicos, os mais consultados foram o Folha
do Norte e o Feira Hoje. Entre 1969 e 1975, além das várias pautas sobre a temática da
modernidade, foram encontradas 234 matérias que se referem à Astronomia. Dessas, 208
fizeram menção ao Antares ou a Augusto César Orrico.
No jornal Folha do Norte, por exemplo, desde 1969 já se atentava para os fenômenos
astronômicos de importância internacional, conforme pode-se constatar em artigos sobre a
chegada do homem à Lua: “Apolo 8”, de Hélio Barbosa; "Um grande momento", de Eme
Portugal; "Obstinação", de Antônio Nicolau; e, "O futuro chegou", de Helder Alencar. Essa
última destaca-se por se tratar da opinião de um colunista que esteve presente no processo de
criação do Observatório Astronômico Antares. Nos anos que se seguiram, foram encontrados
textos de autoria do próprio César Orrico, além de uma coluna assinada por ele, bem como
23
notícias sobre a implantação, atividades e montagem da infraestrutura do Antares. No
periódico Feira Hoje, onde Orrico também tinha uma coluna, era comum encontrar notícias
sobre assuntos astronômicos. Chama a atenção o fato de esses textos serem acompanhados
por imagens ou ilustrações.
Muitos dos jovens da década de 1970, que se envolveram no processo de implantação
do Antares, estavam vivos em 2017 e em condições de relatar as suas experiências.15 Para
esse instante da pesquisa, levou-se em consideração a definição de imagem-lembrança
proposta por Ecléa Bosi, como sendo algo que traz à consciência um momento único,
singular. Algo que teve data certa, uma data definida e foi individualizada.16 Nessa
perspectiva, foram colhidos os depoimentos do astrônomo Ronaldo Rogério de Freitas
Mourão (1935 - 2014), de três ex-funcionários do Antares: o diretor de fotografia Antônio
Magalhães (1935) e os técnicos Antônio Carlos da Graça (1961) e Ulisses Bezerra (1958).
Além desses, entrevistou-se o mais antigo funcionário da entidade, Francisco Roque (1944),
como também um ex-voluntário da entidade, José Ângelo Pinto (1959). No processo de coleta
de depoimentos, contava-se com o relato de Augusto César Orrico, para esclarecer como se
deu a aquisição do Fotoheliógrafo, instrumento estratégico para observação solar do século
XIX, mas pouca informação foi obtida. Orrico apenas afirmou que havia um documento
tratando do empréstimo, e que estaria no arquivo do Antares. Nessas entrevistas, foram
obtidas informações não só dos objetos materiais, mas também depoimentos e a indicação de
outras fontes, como fotografias, que representam a criação do Observatório Antares e as inter-
relações profissionais e ou pessoais daqueles que estavam envolvidos em todo o processo.
Quando as fontes orais são empregadas, deve-se considerar que indivíduos diferentes
serão entrevistados e eles têm trajetórias de vida muitas vezes contrastantes. É o que se
verifica a partir dos depoimentos de Ronaldo Mourão e Francisco Roque. Ambos revelam
sentimentos distintos ao se reportarem ao uso do Fotoheliógrafo, objeto utilizado para
observar as manchas solares. O primeiro, por se tratar de um cientista, havendo desenvolvido
pesquisas astronômicas, tinha um olhar voltado para a técnica, enquanto o segundo, um
operário, apresentava um relato "romantizado" e nostálgico. Sua história de vida mistura-se
com a trajetória não só do Fotoheliógrafo, mas também com a de outros artefatos e com a
própria entidade.
15 Embora César Orrico tenha sido protagonista nessa história, seu depoimento não foi colhido, mesmo que
tenhamos tentado. Em um dos contatos realizados, em 2013, com objetivo de obter informações acerca do
Fotoheliógrafo, ele não se colocou à disposição para narrar sua atuação nas tratativas sobre aquisição do
instrumento. 16 BOSI, Eclea. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. p. 49.
24
Os discursos individuais devem ser considerados nas suas particularidades, pois, ao
mesmo tempo em que fazem parte do passado de cada ex-funcionário ou colaborador, eles
tangenciam a trajetória do Observatório Astronômico Antares de diferentes perspectivas.
Dessa maneira, pode-se dizer que os múltiplos olhares devem ser considerados diante de um
mesmo patrimônio material.
A existência dos registros fotográficos foi sinalizada durante a entrevista realizada
com o astrônomo Ronaldo Mourão. Ele tinha sob sua tutela algumas imagens. No fundo
dessas, foi encontrada uma marca de carimbo com o nome do estúdio de Antônio Ferreira
Magalhães. Ao procurar o fotógrafo, tomou-se conhecimento de que ele possuía mais de 100
negativos que registravam os primeiros anos do Observatório Antares. Nesse sentido, essas
imagens ganharam nessa pesquisa dupla função. Em primeiro lugar, estão operando como
ratificadores da relação entre os principais idealizadores da entidade e os governos do período
militar. Antônio Carlos Magalhães foi encontrado com frequência em imagens que
evidenciaram momentos marcantes da entidade, a exemplo das inaugurações e datas
celebrativas.
Outra propriedade dessas fontes visuais é a intencionalidade de sua produção com o
objetivo de preservar a memória institucional. Parece ser óbvia tal afirmativa, mas ela faz
todo o sentido quando o Antares torna-se o centro da questão. Pois, para atender a esse
propósito, foi criado o cargo de diretor fotográfico. Esta informação está no estatuto da
instituição, elaborado em 1971. No documento, definem-se as competências do Diretor de
Fotografia, que consistiam em conseguir, junto às entidades congêneres, slides, fotografias e
projetores para a exibição de filmes. Além disso, cabia fotografar e divulgar as atividades e
experiências do Observatório. O primeiro e único profissional a ocupar esse cargo foi Antônio
Ferreira Magalhães.
Além dessas fontes, recorremos a duas obras de ficção, como forma de caracterizar a
atmosfera citadina que pairava sobre o processo de implantação do Antares. Em amplo
sentido, elas dão conta do processo de modernização da cidade. Considerando esta
possibilidade, a literatura é constantemente empregada na condição de fonte, pois oferece
representações do que pode ocorrer ou ter ocorrido em relação à vida cotidiana, aos hábitos,
aos costumes, aos valores e às crenças frente ao processo de modernização.
É o caso do romance O bicho que chegou a Feira (1991), de Muniz Sodré.17 Trata-se
de uma obra que narra uma trama ocorrida na cidade de Feira de Santana, mas que poderia se
17 SODRÉ, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1991.
25
referir a qualquer outra comunidade urbana da época. Embora não faça qualquer referência ao
Observatório Antares, ela ocupa-se do mesmo período em que a instituição foi criada.
Predominava nesse contexto a ideia de progresso, associada à noção de avanço tecnológico
nos marcos da “modernização conservadora” implementada pelos militares no poder. Nesse
romance de Muniz Sodré são recorrentes as referências ao progresso, entendido como algo
"estrangeiro" e como ameaça ao ritmo da vida local.
Para complementar as representações dessa sociedade da década de 1970, é possível
recorrer também à outra obra literária, O fruto do vosso ventre (1984), do romancista Herberto
Sales. Elaborada nos moldes do “realismo mágico”, o autor cria uma trama situada em uma
ilha que é regida por um governo tecnocrático.18 Há situações em que os governantes
deliberam suas ações sem qualquer consulta à comunidade. Eles justificam suas iniciativas
alegando que estavam amparados por um conhecimento técnico que deveria ser
inquestionável. Trazer essas alegorias, sugeridas por obras ficcionais para o contexto da
criação do Observatório Antares, significa perceber essas narrativas enquanto produto da
sociedade dos anos 1970.
Por meio dessas relações, e considerando-as como produtos da sociedade e do tempo, é
possível dizer que essas obras tratam, em chave ficcional, da chegada de um novo conceito de
progresso em Feira de Santana, que tem como base a tecnocracia, um dos elementos centrais
no governo dos militares.
Para fins de exposição, este trabalho foi dividido em três capítulos. O primeiro,
intitulado “A trajetória de uma entidade astronômica", ocupa-se da atmosfera prévia à
execução do projeto que resultou no Observatório e de sua trajetória inicial, passando pela
institucionalização, táticas utilizadas, pessoas envolvidas, divulgação e extinção, no ano de
1992. Mostram-se nesta seção as circunstâncias que contribuíram para a articulação de jovens
da cidade de Feira de Santana com o objetivo de construir um espaço voltado para
investigações de natureza científica no campo da Astronomia. Seus idealizadores agiram sob
um ambiente de tensão política, decorrente da ditadura no país. Chama a atenção o fato de os
fundadores do Antares atuarem na imprensa local, ocupando diversas posições estratégicas, e
silenciarem sobre a repressão política vivenciada no Brasil. Para esse capítulo, foram
utilizados documentos institucionais que dão conta do processo de criação até a extinção do
Observatório e matérias jornalísticas dos periódicos locais Folha do Norte e Feira Hoje,
datadas de 1970 a 1975, que mostram como ocorreu a divulgação da entidade.
18 SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1984.
26
O segundo capítulo, "Antares: sua história através dos objetos", propõe-se a abordar o
processo de montagem da infraestrutura da entidade, o que envolveu compra e recebimento de
doações dos instrumentos utilizados ao longo de sua existência. Os equipamentos são vistos
aqui como uma fonte diferenciada de pesquisa, que exigem uma metodologia específica para
deles se obter informações sobre a trajetória do Observatório. Além de descrever a chegada
desses objetos, esse capítulo contempla também a ideia de se valorizar a trajetória individual
de cada um dos aparelhos obtidos. Quando e como foram incorporados ao patrimônio e sob
que condição, se por compra, empréstimo ou doação, são informações fundamentais para se
acompanhar as dificuldades na montagem de um aparato científico visando atender aos
propósitos da entidade. Esse processo revela também o papel de determinados indivíduos que
tiveram seus nomes vinculados ao Antares em diferentes momentos de sua história.
Consideram-se as pessoas envolvidas, quem os manuseou e os eventos astronômicos em que
eles foram utilizados.
O terceiro capítulo, "Produções, publicações e o fim de uma experiência", analisa as
publicações que levaram o nome da entidade e a escassez dessas produções como indício da
sua decadência. Trata-se de trabalhos que resultaram de observações astronômicas ocorridas
entre os anos de 1970 a 1990. Destacam-se, entre eles, os anuários para os anos de 1979,
1980, 1981, 1984 e 1985; os boletins astronômicos que reúnem a produção conjunta entre
funcionários do Antares com astrônomos de outras entidades, e uma carta celeste produzida
pelo astrônomo carioca Ronaldo Mourão, que foi patrocinada pelo governo do estado à época
e propiciou intensa divulgação na imprensa local quando ocorreu seu lançamento. Se no
primeiro capítulo volta-se a atenção para o processo de implantação da entidade e, no
segundo, acompanha-se a instalação do aparato científico, neste terceiro, examinam-se as
condições de produção e os resultados alcançados, bem como a rede de socialização nesse
processo, considerando-se a reciprocidade entre o Observatório e outras organizações de
maior prestígio científico atuantes no período.
27
Capítulo I
A TRAJETÓRIA DE UMA ENTIDADE ASTRONÔMICA
Modernidade, Ciência e Progresso
A ideia de modernidade remete às definições sugeridas por Marshall Berman em seu
livro Tudo que é sólido desmancha no ar:
Ser moderno é encontrar-se em um ambiente que promete aventura,
poder, alegria, crescimento, autotransformação e transformação das
coisas em redor – mas ao mesmo tempo ameaça destruir tudo o que
temos, tudo o que sabemos, tudo o que somos. A experiência
ambiental da modernidade anula todas as fronteiras geográficas e
raciais, de classe e nacionalidade, religião e ideologia: nesse sentindo,
pode-se dizer que a modernidade une a espécie humana. Porém, é uma
unidade paradoxal, uma unidade de desunidade: ela nos despeja a
todos num turbilhão de ambiguidade e angústia. Ser moderno é fazer
parte de um universo no qual, como disse Marx, “tudo o que é sólido
desmancha no ar”.19
A formulação de Berman está presente no mundo contemporâneo nas práticas sociais e
nos diferentes modos de expressão. A prosa de ficção tem se mostrado um dos meios mais
fecundos e recorrentemente empregados para dar conta de como as sociedades lidam com as
experiências da modernização. Sob esse aspecto, no que tange aos argumentos propostos
nesta análise, essas experiências foram objeto de reflexão em três obras de romancistas
baianos, recobrindo o período aqui recortado ou tangenciando suas fronteiras cronológicas.
Duas delas, Setembro na Feira, de Juarez Bahia, publicado em 1986, e O bicho que chegou a
Feira, de 1991, escrita por Muniz Sodré, têm como matéria literária a cidade de Feira de
Santana durante o século XX. Nelas, são narrados episódios que revelam as contradições e
conflitos que marcaram aqueles anos de "desenvolvimento" levado a efeito com vistas à
construção de uma sociedade "moderna".
Outra obra ficcional que merece destaque é O fruto do vosso ventre, de Herberto Sales,
publicado do ano de 1984. Neste romance, a trama desenvolve-se em uma ilha imaginária,
recurso muito comum entre autores que se ocuparam do tema dos avanços tecnológicos
modernos. Assim como em outras obras ficcionais, Herberto Sales lança mão de recursos
19BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade. Tradução de Carlos
Felipe Moisés, Ana Maria L. Loriatti. São Paulo: Companhia das Letras, 1986. p. 15.
28
formais para tratar da presença da tecnocracia na vida moderna, a exemplo das numerosas
siglas grafadas pelo narrador para referir-se aos meios de regulação da sociedade e suas
correlatas formas de dominação e controle da rotina coletiva.
Retomando os romances que se referem diretamente a Feira de Santana e seu entorno,
veem-se, por exemplo, em Setembro na Feira, ambientes sociais em constante transformação,
como também a existência do paradoxal, aspecto que abrange desde posições políticas até os
hábitos das pessoas comuns atingidas em seu cotidiano. Em uma passagem, lê-se: “A
inauguração dos Currais Modelo estimula novidades, até destrói alguns tabus. As mulheres da
rua do Meio, livre, disponíveis, fazem trottoir nos largos passeios dos Currais.” 20
Nessa medida, o mundo real e a ficção aproximam-se e confrontam-se conforme o
ponto vista da interpretação literária. Os romancistas, nas obras aqui empregadas, exprimem-
se de forma crítica em relação às soluções sugeridas por outras formas de discurso
empenhadas em fazer a defesa acrítica do processo de modernização. Basta comparar os
discursos veiculados na imprensa local e os textos literários para se perceber as margens de
divergência de pontos de vista acerca da presença de elementos “modernizantes”. A análise
comparativa do discurso dos periódicos locais com o que se encontra nos textos dos romances
indica que enquanto os artigos jornalísticos tentam induzir a aceitação das novas tecnologias e
avanços científicos, a tessitura literária denuncia os usos e abusos desses novos recursos e dos
valores que eles trazem.
O Antares foi concebido dentro dos propósitos da modernidade almejados por setores
da sociedade, em particular, dos segmentos vinculados à imprensa local e estadual. Embora
não exista qualquer referência a essa organização nas obras ficcionais, predomina nelas a
reflexão crítica da ideia do progresso. O Antares, na condição de símbolo do progresso, na
perspectiva de seus idealizadores, tornou-se alvo direto ou indireto da crítica presente nos
textos literários indicados.
A imprensa no Brasil, nas décadas de 1960 e 1970, teve papel crucial na divulgação da
sensação de que se vivia sob o signo da modernização em âmbito mundial, nacional e local. É
o que se verifica ao se consultar as publicações da época. O tema ocupou amplos espaços e,
por diversas vezes, estampou as capas de revistas de circulação nacional como a Veja ou
figurou em edições especiais sobre o progresso, a exemplo do jornal local Feira Hoje,
conforme se vê em várias matérias publicadas naqueles anos.
20 BAHIA, Juarez. Setembro na Feira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986. p. 35.
29
A Veja produziu duas matérias de capa nessa perspectiva, no ano de 1969. A primeira
delas foi publicada na edição de número 22, de 5 de fevereiro daquele ano. Nela, mostram-se
pessoas com placas na mão como se estivessem em marcha em prol da ciência.21 As placas
estampavam frases como: “todo poder ao computador”, “cientistas no poder” ou “toda glória
aos cientistas”. Ao consultar a matéria, são vistas imagens de Newton, Galileu e
Oppenheimer, acompanhadas de um longo texto com a seguinte frase em destaque: “A
sociedade industrial fez surgir o operário, a sociedade pós-industrial vê aparecer o cientista, o
homem mais importante desse século. Aplaudido, cumprimentado, promovido, o cientista
deverá cada vez mais assessorar os donos do poder”.22
Figura 1: Capa Revista Veja Marcha da Ciência
Fonte: Revista Veja, 5 de Fevereiro de 1969. Acervo Digital Veja. Acesso em: 04/08/2016
Meses depois, a temática tomou novamente a capa da Veja. Dessa vez ela veio por
meio de uma área específica da ciência, a Astronomia, que estava em alta devido à chegada
do homem à Lua. A edição foi a de número 47, do dia 30 de julho de 1969.23 O que chama a
atenção nessa publicação é a imagem principal da capa. Trata-se de um capacete de
astronauta, formado por um conjunto de outras imagens, como rostos de personalidades
políticas, referências a guerras que estavam ocorrendo naquele momento (Vietnã e Biafra),
mulheres desfilando em passarelas e crianças negras com semblantes sofridos. Sugere-se que,
apesar de todos aqueles fatos, o que importava era justamente a chegada do homem à Lua.
21 Veja, São Paulo, 5 fev. 1969, p. 38-41. 22 Veja, São Paulo, 5 fev. 1969, p.38. 23 Veja. São Paulo, 30 jul. 1969, p. 31-37.
30
Figura 2: Capa Revista Veja Viagem à Lua
Fonte: Revista Veja, 30 de julho de 1969. Acervo Digital Veja. Acesso em: 04/08/2016
A mensagem da capa se complementa com a indagação trazida na primeira página da
matéria. Ela mostra um astronauta e, logo abaixo dele, a seguinte frase: “QUE FUTURO
TRAZ ESTA LUA? Os cientistas falam em uma nova era. Os astronautas voltam e encontram
a mesma Terra com suas contradições. Nas quinze páginas seguintes, as informações e
inquietações desse futuro”.24
No jornal Feira Hoje, a temática da modernidade aparece em várias edições atrelada à
palavra progresso. Nesse periódico, a incerteza não era evidente, tinha-se lugar apenas para
divulgar os pontos positivos do desenvolvimento da cidade e da região. No dia 4 de setembro
de 1971, o Feira Hoje comemorou um ano de existência. Nessa data, os dirigentes do jornal
reafirmaram os propósitos de sua fundação: a cidade carecia de um veículo de comunicação
para divulgar os avanços que ela estava fazendo:
Todos nós sabemos que a Feira de Santana cresce em todas as
dimensões e em todos os sentidos. A sua posição, hoje, não é, apenas, a de
uma cidade comum que arrancou para o futuro. É a de líder inconteste de
uma região. E aí reside a sua grande responsabilidade e a de todos que aqui
trabalham.
Faltava, entretanto, um órgão de divulgação que assumisse a
vanguarda das reivindicações maiores do povo da Feira de Santana e da
região. Um jornal que levasse uma mensagem de esperança, de fé, de
confiança no porvir
24 Veja. São Paulo, 30 jul. 1969, p. 31.
31
Foi isso que nos propomos há um ano, quando lançamos nas ruas o
primeiro número do FEIRA HOJE. Com consciência de nossa missão e
certos das dificuldades que encontraríamos para que a terra de todos nós
tivesse um jornal à altura do desenvolvimento.25
Nessa mesma perspectiva, pode-se também mencionar a edição do dia 30 de março de
1972. Nela, além de se exaltar o desenvolvimento, atribuiu-se à “revolução” de 1964, os
méritos pelos sucessos então alcançados. A edição foi considerada especial. O primeiro texto
vem em letras garrafais, assim como o título “OITO ANOS DE PAZ E PROGRESSO”.26
Na matéria, ressalta-se que ao se comemorar mais um aniversário da "revolução" de
31 de março de 1964, o país contava com um saldo positivo de amplas realizações que
contribuíram decisivamente para acabar com os problemas da nação e impulsionar o
desenvolvimento. Destacava-se também que o Brasil teria se reencontrado com a sua vocação
de grandeza e estava marchando firmemente para construir o seu destino. Segundo o texto, o
significativo saldo de realizações em prol da comunidade brasileira e de sua arrancada para o
desenvolvimento devia-se ao esforço comum no trabalho inadiável de edificação de um Brasil
unido, próspero e forte, que foi sentido também nos mais recônditos municípios do país. Por
fim, afirmou-se que aquele caderno especial iria mostrar o que estava sendo feito pelos
homens simples do interior baiano, que se encontravam perfeitamente integrados na
aceleração do progresso, em busca de paz, prosperidade e do desenvolvimento harmônico do
Brasil.
Essa modernidade, defendida pelo periódico Feira Hoje, é aquela que Berman
denomina de um “entusiasmo cego e acrítico”.27 O discurso era potencializado pela imprensa
ao divulgá-lo em ampla escala. Em sua maioria, ele era produzido pelos próprios dirigentes
do Estado.
A postura dos periódicos locais, regionais e nacionais faz pensar sobre a influência que
eles exerceram na construção de imagens, ideários ou na desconstrução de crenças. A
imprensa e a ciência surgem como marcas profundas da modernidade e trabalham, em larga
medida, em prol dela.
A trajetória de uma entidade como o Observatório Antares poderia ser compreendida,
se assim fosse o desejo, apenas utilizando os periódicos. Pois, como afirma Tania Regina de
25 Feira Hoje, Feira de Santana, 4 set. 1971, p.2. 26 Feira Hoje, Feira de Santana, 30 mar. 1972, p.1. 27 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar. p. 24.
32
Luca, eles selecionam, ordenam, estruturam e narram, de uma determinada forma, aquilo que
se elegeu como digno de chegar até o público.28
Vários indivíduos que escreveram nos periódicos baianos de então assumiram o papel
a que se refere Tania de Luca. Eles entendiam que o empreendimento era digno de tornar-se
público, porque trazia os traços da modernidade desejada nos anos de 1960 e 1970. Uma
instituição à altura do seu tempo, que condizia com as novas descobertas científicas e
tecnológicas.
Não se pode perder de vista o comprometimento do projeto do Antares com o poder,
tanto político como simbólico. Nessa perspectiva, cabe lembrar a noção de poder simbólico
sugerida por Pierre Bourdieu. Segundo ele, há que se considerar o "[...] poder invisível o qual
só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão
sujeitos ou mesmo que o exercem”.29
Os periódicos aqui examinados desempenharam um papel de poder exercendo
influência sobre determinados segmentos ou grupos sociais. Ressalta-se, porém, que linhas
discursivas alternativas ao que defendiam os jornais vieram à luz por outros dispositivos. É o
caso, conforme analisado, das abordagens literárias que emergiram no período estudado.
Nelas, os próprios periódicos e seus assuntos entram como elementos das narrativas
ficcionais. No romance Setembro na Feira aparecem o Correio Feirense, o Folha do Norte e
o Serviço Feirense de Alto-falantes. Há, na trama, um fragmento em que esse último
propunha uma programação especial devido à inauguração dos Currais Modelo,
estabelecimento que, para os poderes locais, significava uma conquista moderna:
É um dia memorável. O Serviço Feirense de Alto- falantes repica o hino à
Feira em cada intervalo como um sino de incessante a badalar. O povo
concentra-se admirado e atento em frente aos aparelhos, funis gigantes, de
amplificação do som, uma curiosidade tão grande quanto os currais novos
com suas cercas padronizadas [...]. 30
No livro O bicho que chegou a Feira, destaca-se o Jornal da Bahia. No enredo, há
duas notícias sobre Feira de Santana. A primeira narra uma fuga com troca de tiros e a
28 LUCA, Tania Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos. p.111-153. 29 BOURDIEU. Pierre. O poder simbólico. Tradução de Fernando Tomaz. Rio de Janeiro: Editora BERTRAND,
1989. p.7-8. 30 BAHIA, Juarez. Setembro na Feira. p. 34.
33
segunda se refere a uma grande reportagem acerca do pólo industrial que se planejava instalar
na cidade.31
Já no romance O fruto do vosso ventre, a imprensa aparece enquanto criação do
próprio governo, sob alegação de que o povo deveria ser seguramente informado, com
notícias exatas, sem desencontros. Para isso, havia na ilha três jornais: O Jornaltec, A
Tecnocracia e o Estado Tecnocrático, além de duas estações de rádio, um canal de televisão e
um órgão criado pelo governo, o Cenint (Complexo Estatal da Notícia Integrada).32 Nos três
casos, as narrativas reportam-se a elementos que caracterizavam os avanços modernizadores,
dos quais a imprensa se ocupava e defendia como uma saída para o atraso da região, nos
termos da política do regime em vigência.
Esses três romances foram produzidos por baianos do interior que tiveram atuação
profissional na imprensa. Com o Antares, não foi diferente. Dos 14 dirigentes eleitos para
compor a diretoria da entidade, seguramente 7 deles, atuavam na imprensa local e regional,
inclusive, o diretor e fundador da instituição, Augusto César Orrico que, conforme
mencionado possuía colunas em dois periódicos da cidade, o Folha do Norte e o Feira Hoje.
Se no âmbito da ficção constatam-se críticas acerca da ideia de progresso, na
imprensa, há produção de artigos quase diários em defesa contundente da modernização em
curso naqueles anos, agregando proprietários de jornais, jornalistas e o poder local, estadual e
nacional. Cabe retornar, portanto, ao “entusiasmo cego e acrítico”, sugerido por Berman.
No jornal Folha do Norte chegou-se a publicar um pronunciamento do Presidente
Médici, reiterando o “entusiasmo”. A matéria intitulada “Presidente Médici Acha Que Este
Ano Teremos Maior Progresso” revela o otimismo do governo em relação ao ano que se
iniciava, 1972.33 Nela, consta que o Presidente em pronunciamento à Nação, devido à chegada
do Ano Novo, declarou que 1972 possuía todas as condições internas para manter o ritmo
ascendente de “crescimento”, e que isso, para ele, era uma alegria, pois certamente estava-se
construindo “um grande país”.
Nessa mesma perspectiva, publicou-se também o depoimento do presidente do Banco
do Nordeste, Rubens Costa, em um pronunciamento para a imprensa baiana. De acordo com o
texto, o presidente afirmava que era necessário incentivar o avanço da tecnologia, pois com a
economia orientada por ela, atingir-se-ia mais rapidamente um estágio ideal de
desenvolvimento. Ele afirmou também que caberia aos brasileiros encontrar as respostas
31 SODRE, Muniz. O bicho que chegou a Feira. p. 147. 32 SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre. p. 16. 33 Folha do Norte, Feira de Santana, 29 jan. 1972, p.2.
34
adequadas para a solução dos problemas tecnológicos de cada região e, para atingir esse
objetivo, era imprescindível a aceleração do desenvolvimento da ciência. Rubens Costa foi
categórico ao declarar que a tecnologia era exigência do desenvolvimento e que, naquele
momento, o país estava em situação de importador, sendo obrigado a pagar “royalties” às
nações desenvolvidas. 34
Para a solução dos problemas que dificultavam a modernização do país, tornou-se
quase um consenso depositar, cada vez mais, esperança na ciência e na tecnologia. É o que se
percebe na matéria “Problemas Educativos: Solução Tecnológica”, do Folha do Norte.35 De
acordo com ela, o Departamento de Assuntos Educacionais da Organização dos Estados
Americanos afirmou que os problemas educacionais da América Latina deveriam ter uma
solução tecnológica. Para eles, a moderna tecnologia permitiria usar com mais eficiência os
recursos em função da educação. Cada país possuiria seus próprios recursos e suas metas
educacionais.
O contraponto da visão otimista acerca da ciência e da técnica encontra-se bem
demarcado no terreno ficcional, sobretudo de escritores que integravam o universo do
jornalismo, conforme já referido. Em O Fruto de Vosso Ventre há situações em que os
governantes deliberam suas ações sem qualquer consulta à comunidade. Eles justificam suas
iniciativas alegando que estavam amparados por um conhecimento técnico que deveria ser
inquestionável.
Nessa narrativa, a primeira tomada de decisão dos detentores do poder foi o
extermínio dos coelhos. A população desses roedores estava tão alta, que superava a dos
humanos. Esse aumento acarretou a necessidade de mais alimentos, e os coelhos estavam
consumindo quase a totalidade das hortaliças da ilha. Por esse motivo, os técnicos decidiram
atraí-los para uma parte da ilha e bombardeá-la, causando a extinção dos animais.
Em seguida, outro problema surge: “(...) os homens começaram a procriar quase tanto
quanto os coelhos. E no fim de algum tempo, do mesmo modo que os coelhos tinham sido
uma ameaça à sobrevivência dos homens, os homens passaram a ser ameaça à sobrevivência
de si próprios, pois havia homens demais para comer”. 36 No entanto, eles não poderiam fazer
com os humanos o que fizeram com os coelhos. “Afinal, um homem era um homem, e um
coelho era um coelho”.37
34 Folha do Norte. Feira de Santana, 01 ago.1970, p.2. 35 Folha do Norte. Feira de Santana, 09 jan. 1971, p.1. 36 SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre, p.7. 37 SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre, p.7.
35
A solução então encontrada pelos técnicos foi criar um departamento de controle de
natalidade. Dentre as deliberações desse órgão consistia em exigir que todas as mulheres
grávidas passassem por uma avaliação de especialistas, os quais julgariam se a gestação
deveria ou não ser interrompida. Se já estivessem passados três meses, o processo natural
daria seguimento, caso negativo, o feto seria retirado.
Essas soluções podem ser entendidas como “a voz que denuncia a vida moderna”,
definida por Marshall Berman, quando ele afirma que “[...] a própria modernidade criou, na
esperança – não raro desesperançada – de que as modernidades do amanhã e do dia depois de
amanhã possam curar os ferimentos que afligem o homem e a mulher modernos de hoje.”38
Ao se estender essas reflexões para o contexto da criação do Observatório Antares,
percebe-se o quanto as narrativas ficcionais ajudam a compreender os diversos sintomas da
modernidade. Não interessa nesse momento a veracidade dos episódios descritos nas obras,
mas sim, perceber os imaginários que elas procuram expressar.
O governo militar dos anos de 1960 era seguramente tecnocrático. O seu projeto
passava pela seguinte tríade: ciência, tecnologia e educação. José Eduardo Ferraz Clemente
afirma:
Se por um lado, como sabemos, o golpe-civil militar, instaurado a partir
de 1964, prendeu, torturou, exilou, cassou direitos políticos e suprimiu a
liberdade de expressão da sociedade brasileira, de forma geral; por outro
lado, os mesmos generais – presidentes e a política científica por eles
implementada, apostava na planificação e articulação entre ciência,
tecnologia e educação superior, como medidas de desenvolvimento.39
Clemente usa a definição de Francisco Carlos Teixeira da Silva para dizer que esse
sistema de governo foi uma espécie de “modernização autoritária”. Nessa época, ocorreram
investimentos por meio da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos), sob alegação de ser
uma estratégia em prol da segurança nacional e de interesse das comunidades científicas.
Os periódicos locais mostram que o incentivo dos militares para a implantação do
Antares não chegou por meio de uma agência financiadora como o FINEP, pois, apesar de
tratar-se de um Observatório Astronômico, não havia astrônomos formados em seu corpo
principal, e sim amadores. A ajuda foi pessoal, mas nem por isso menos política. Ao tomar
38 BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar, p.22-23. 39 CLEMENTE, José Eduardo Ferraz. “A ciência durante a ditadura militar: a criação da pós-graduação na
Universidade Federal da Bahia e o caso da Geofísica (1964-1985)”. In: ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro.
Ditadura Militar na Bahia: Histórias de autoritarismo, conciliação e resistência. Salvador: EDUFBA, 2014,
p.183 -199.
36
conhecimento da ideia, o governador Antônio Carlos Magalhães prometeu ajuda e cumpriu.
Além de fazer repasses consecutivos para a construção, estava com frequência presente em
eventos da instituição.
Foco Astronômico
O interesse pelas questões astronômicas estava presente no cenário do município de
Feira de Santana antes mesmo da fundação do Observatório Astronômico Antares. Durante a
década de 1960, a discussão sobre astronomia vinha conquistando espaço entre jovens
amadores que, à época, despertaram interesse por essa ciência. Nesse período, foi fundada a
Sociedade de Astronomia Feirense e publicadas diversas reportagens na imprensa local acerca
da temática. No jornal Folha do Norte, temas relacionados à astronomia ocupavam com
frequência as páginas principais, noticiando-se eventos astronômicos de repercussão
internacional. Em 4 de janeiro em 1969, por exemplo, há na primeira página do jornal uma
matéria intitulada “Apolo 8”, escrita por Hélio Barbosa, que destaca os avanços da
humanidade na descoberta do espaço.
Segundo o autor, era dispensável explicar o que seria Apolo 8:
Apolo 8 foi durante a semana passada manchete de primeira página
em todos os jornais do mundo. Portanto não é preciso que se comente
sobre esta espaçonave e seus tripulantes, porém é orgulho para toda
humanidade sentir a grandeza desta façanha através do espaço, porque
veio provar que é imprevisível o limite da capacidade humana
principalmente no que toca à ciência.40
Comentários como esses eram seguidos de considerações nas quais os autores
depositavam esperança em um futuro sem desigualdades e guerras, ressaltando, ao mesmo
tempo, fé em Deus e nos avanços científicos. Ainda nessa reportagem Barbosa afirmou que
Deus jamais esteve tão presente como naquele momento, por meio da inteligência dos
cientistas que descobriram o transporte interplanetário.
Passagens como essas que evocam ao mesmo tempo a figura de Deus e
desenvolvimento científico, remetem às considerações do sociólogo Anthony Giddens, de que
40 Folha do Norte, Feira de Santana, 4 jan. 1969, p.1.
37
no mundo moderno não há necessariamente a morte da tradição. Ainda que contrários, elas
coexistem. 41
Meses depois, em uma matéria de Eme Portugal, intitulada “Um grande momento”, a
figura divina e a ciência foram também mencionadas enquanto causa para a chegada do
homem à Lua.42 Segundo esse autor, aquele instante era privilegiado. Para ele, novos tempos
iriam surgir, a história seria mudada e muita coisa passaria a ser ridícula. Eram eles, os
habitantes da Terra daquele tempo, os mais privilegiados seres da história, pois estavam
assistindo ao maior evento, a maior epopeia, a maior conquista da história. Para Portugal,
todos deveriam viver intensamente aquele momento grandioso. Nenhum fato, nenhum
detalhe, deveria ser deixado de lado. As notícias deveriam ser acompanhadas das mais
diversas formas: no rádio, na TV, nos jornais e nas revistas. Assim, eles seriam as
testemunhas daquela hora histórica que transformaria o mundo.
Essa atmosfera de consagração continuou a ser alimentada. Sete dias após o
comentário de Eme Portugal, Hélder Alencar, em 26 de julho de 1969, ocupou a primeira
página do jornal, abordando o mesmo tema. A matéria foi intitulada “O futuro chegou”. Nela,
Alencar narrou, em poucas palavras, a trajetória da conquista espacial feita pelo homem,
iniciada pelas missões não tripuladas, seguida do envio de animais, culminado nas viagens
duplas e triplas, até o ser humano chegar, enfim, à Lua. Motivado por tais avanços, o
articulista também acreditava que os novos tempos haviam chegado. Para ele, era preciso
entender que eles estavam na era espacial e as carnificinas da Biafra e do Vietnã já não seriam
mais admissíveis. Enquanto os heróis do espaço arriscavam-se para engrandecer a raça
humana, outros eram jogados miseravelmente nos campos de batalha.43
Outra referência que merece destaque é a notícia publicada em uma coluna do jornal
Folha do Norte, sobre um concurso infantil denominado “Dandar na lua”, ocorrido no Centro
Recreativo Monsenhor Almicar Marques, entre 19/11/1969 e 19/07/1970. A notícia vem
acompanhada por uma fotografia com os garotos Antônio Leilson de Castro Ramos
(representando o Brasil) e Hélcio Fernando Pereira (representando os Estados Unidos), como
é possível ver a seguir:
41 GIDDENS, Anthony. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Tradução: Luiz Alberto
Monjardim. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000. p.20 42 Folha do Norte, Feira de Santana, 19 jul. 1969, p.1. 43 Folha do Norte, Feira de Santana, 26 jul. 1969, p.1.
38
Figura 3: Apresentação em encerramento do Concurso “Dandar na Lua”
Fonte: Jornal Folha do Norte, 15 de agosto de 1970. Arquivo do Museu Casa do Sertão
Segundo a matéria, os meninos apresentaram durante o encerramento do concurso o
pequeno diálogo:
BRASIL: Aí tens Estados Unidos, meu país irmão, a festinha que pelo
transcurso do primeiro aniversário da chegada dos teus filhos Armstrong,
Collins e Aldrin na Lua, eu te ofereço através do Centro Cultural Recreo-
Educativo Monsenhor Almícar Marques.
ESTADOS UNIDOS: Muito Obrigado, Brasil, por esta festa que
começou no dia em que teu filho Alberto Santos Dumont deu o primeiro
passo no espaço. Cordialmente agradeço-lhe por mais essa prova de amizade
que nos une hoje e há de nos unir para sempre por laços indestrutíveis. Muito
obrigado.44
Além dos acontecimentos de repercussão mundial, foram trazidos para o cenário
feirense nomes de astrônomos e instituições astronômicas brasileiras. Tais reportagens
mostram a presença cada vez mais intensa da astronomia nos canais de comunicação local.
Não apenas os grandes acontecimentos estavam sendo noticiados, mas também situações do
cotidiano, o que aproximava cada vez mais Feira de Santana da astronomia. No Folha do
Norte, chegou-se a divulgar, por exemplo, o recebimento de uma correspondência do diretor
do Observatório Astronômico Aldebaran. A carta foi destinada a Augusto César Orrico,
futuro responsável pela criação do Observatório Antares, em 1971. Em matéria escrita pelo
próprio Orrico, intitulada “Astronomia Brasileira”, publicada em 7 de março de 1970, consta
o seguinte relato:
44Folha do Norte, Feira de Santana, 15 ago.1970, p.3.
39
Há poucos dias recebemos correspondência do confrade Francisco
Coêlho Filho, Diretor do Observatório Astronômico Aldebaran, dando-nos
notícias das atividades astronômicas levadas a efeito naquele conceituado
observatório que é reconhecido como um dos mais destacados dentre os seus
congêneres do País, pela emissão de dados concorrentes ao campo da
astronomia.
O Aldebaran esteve em franco e apreciável trabalho de estudos,
observações, comunicações e correspondências no ano de 1969, obtendo
dest’arte mais um voto de confiança da Liga Latino Americana de
Astronomia, a qual é filiada.
O fabuloso observatório ganhará novas instalações, mais ampliadas e
com mais aparelhos modernos, o que sem dúvida aumentará a
progressividade deste conceituado observatório.
Durante o ano passado foram feitas mais de sessenta demonstrações
de astronomia a visitantes, revelando assim grande destaque entre os
demais.45
Ainda no mês de março, César Orrico fez outra aparição no periódico, na condição de
autor e portador das notícias astronômicas. Na oportunidade, divulgou a passagem do cometa
BENNETT. O texto é destacado pela manchete “Cometas visitam a Terra”. No seu conteúdo,
estão informações acerca de quem o descobriu, quando foi visto pela primeira vez, como
seriam suas características observacionais e quando os brasileiros poderiam avistá-lo. Orrico
também afirmou que tal fenômeno trouxe mais dinâmica às atividades astronômicas não
remuneradas. Ao final, ele destacou que as informações eram oriundas do Observatório do
Capricórnio, de São Paulo.46
Essas reportagens parecem ter funcionado como uma prévia dos próximos capítulos
da astronomia em Feira. Ainda em 1970, essa ciência passa a ter no Folha do Norte uma
coluna semanal intitulada “Astronomia em Foco”. O primeiro registro encontrado dela foi em
julho de 1970. Essa coluna não ocupou apenas as páginas desse periódico, ela também
marcou presença no jornal Feira Hoje, órgão fundado àquele ano. Nas duas publicações, as
reportagens eram assinadas por Augusto César Orrico.
A coluna destinava-se a abordar, como o próprio título sinaliza, assuntos
astronômicos. Explicavam-se termos específicos e fenômenos esporádicos, bem como faziam-
se previsões mensais sobre o céu. Essa última temática recebia o subtítulo de “efemérides”.
Ao fim de cada efeméride aparecia geralmente a origem daquelas informações, citando as
instituições que forneciam os dados e as publicações consultadas. Foram frequentes os
registros dos nomes do Observatório Astronômico Flamarion Matias Barbosa, da Sociedade
45 Folha do Norte, Feira de Santana, 7 mar. 1970, p.1. 46Folha do Norte, Feira de Santana, 28 mar. 1970, p.1.
40
de Astronomia da França, e os anuários pertencentes ao Observatório Nacional do Rio de
Janeiro e ao Observatório de São Paulo.
Ato de Fundação
Antes de analisar os episódios que marcaram a criação do Observatório, vale reportar-
se à situação política local. Em 1971, tomou posse o prefeito Newton da Costa Falcão, que
chegou a inaugurar o novo Sistema de Abastecimento de Água do Paraguaçu, obra iniciada no
governo anterior, de João Durval Carneiro, com o apoio do ex-governador Luís Viana Filho.47
A administração de João Durval Carneiro destacou-se por possuir um Plano Local de
Desenvolvimento Integrado, que indicava as necessidades do município.48 Desse período
também são o Centro Industrial do Subaé, o bairro Cidade Nova e obras de higienização.49
Corrêa afirma que esses empreendimentos faziam parte de uma estratégia “[...] para
concretizar um projeto de “modernização” local, [que] deveria articular a inserção da cidade
no plano nacional de modernização conservadora e descentralização da indústria, que previa o
Nordeste como um dos pontos a se beneficiarem de pólos industriais. ”50 Segundo o autor,
naquela época, “a cidade deveria progredir por fatores simultaneamente endógenos e
exógenos, ou seja, a articulação local dos setores econômicos para sua integração, junto à
articulação com programas de financiamentos e grupos externos ao município para conseguir
trazer os benefícios necessários à consolidação do projeto.”51
Nesse sentindo, pode-se afirmar que o Antares estava inserido nessa sequência de
novos empreendimentos que visavam a modernização da cidade. No entanto, essa ideia de
que a entidade fazia parte de um processo maior de modernização ocorrida nos anos de 1970,
apoiada pela ditadura militar, que visava desenvolver o interior do país por meio da ciência e
tecnologia não fica claro nos periódicos, ao abordarem a trajetória da entidade. Para a maioria
dos articulistas, o Antares teve como idealizador Augusto César Orrico, que iniciou as
observações, ainda no terraço de sua casa, aos 15 anos de idade. 52 E assim cristalizou-se a
figura de Orrico como a de alguém que se sobressai na condição de protagonista do projeto e
de sua implementação. A história que se construiu a partir do relato daqueles que tomaram a
47 PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Pequena história de Feira de Santana. Feira de Santana: Fundação
Senhor dos Passos, 2011. p.54. 48 PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Pequena história de Feira de Santana. p. 55. 49 CORRÊA. “O futuro do passado”, p.11. 50 CORRÊA. “O futuro do passado”, p. 65. 51 CORRÊA. “O futuro do passado”, p. 111. 52 A Tarde, Salvador, 5 jun. 1991, p.14.
41
iniciativa de implantação do Antares, sobretudo o que foi registrado pela imprensa,
certamente produziu silenciamentos. Há outras narrativas que, mesmo não reduzindo a
importância de Orrico, apontam outros nomes. É o caso, por exemplo, de Carlos Bacelar, que
esteve nas origens do Antares, mas que desaparece dos registros consultados. Em 2009, ele
produziu um depoimento em que reivindica para si um papel de destaque nesse enredo e alega
haver sido excluído por César Orrico, do primeiro registro fotográfico do Observatório, no
momento em que se divulgou o evento na imprensa.53 Em função de desentendimentos,
Bacelar teria, segundo a matéria, decidido afastar-se da entidade.
Há um outro exemplo que chama a atenção pelas suas dimensões sociais. Trata-se do
caso do pedreiro Francisco Roque. Ele conta em suas lembranças mais recentes que esteve
presente ao longo toda a história do Antares, ocupando as mais diferentes funções. Sua
participação é confirmada pela constatação de sua presença em vários registros fotográficos,
mesmo que seu nome não tenha sido mencionado. Uma circunstância exemplar de sua
presença na entidade aparece em uma das imagens que celebram a inauguração do
Observatório.
Figura 4: Francisco Roque observando a solenidade de inauguração ao lado da cúpula principal no segundo plano
Fonte: Jornal Folha do Norte, 17 julho de 2009. Arquivo Biblioteca Municipal de Feira de Santana
Apesar da imagem acima referir-se à inauguração ocorrida em 6 de novembro de
1974, já em 1971 a astronomia ganhou endereço fixo na cidade de Feira de Santana. No dia
16 de março daquele ano, reuniram-se para a fundação do Observatório os autodenominados
53 Folha do Norte, Feira de Santana, 17 jul 2009, p.11.
42
amadores em astronomia e os interessados no novo empreendimento. Segundo a ata da
primeira reunião, a entidade teria a sigla OAA e seria uma sociedade científica e experimental
sem "casta política e ou religiosa", de caráter amadorista, separação impossível de se efetivar,
mas muito utilizada por aqueles que se diziam cientistas modernos. Ao discutir as relações
entre a ciência e a política, Bruno Latour afirma: “Quanto menos os modernos se pensam
misturados, mais se misturam. Quanto mais a ciência é absolutamente pura, mais se encontra
intimamente ligada à construção da sociedade”.54 Nesse sentido, na trajetória do Antares, a
ciência e a política não somente se articularam como, em algumas situações, esta se sobrepôs
àquela.
O entrelaçamento entre a esfera política e a “científica” revela-se na própria mesa
encarregada de presidir o evento de criação do Observatório em 1971. Ela foi composta pelo
advogado e vereador Roque Aras, como presidente, o empresário Emilson Fernandes Falcão e
o advogado Milton Bellas Vieira, ambos secretários.55Em seguida, um dos presentes, o
estudante Augusto César Orrico, a quem se reconhecia ter mais experiência no assunto, foi
convidado para justificar a necessidade de criar-se um Observatório amadorista na cidade. A
ata registra que ele respondeu a numerosas perguntas da platéia acerca da astronomia e da
nova entidade a ser implantada.
Apesar de a solenidade ter ocorrido no mês de março de 1971, a criação da entidade só
ganhou publicidade na imprensa local mais de um mês depois. O evento foi noticiado
primeiro no dia 30 de abril de 1971, pelo jornal Feira Hoje. A reportagem intitulada “Feira
terá Observatório” vem acompanhada de uma imagem do Observatório Flamarion, de Minas
Gerais, com um homem manipulando uma luneta de uma sala de teto removível. O conteúdo
da matéria é sucinto. Ela informa que na cidade seria construído um observatório, o primeiro
da Bahia, e que receberia o nome Antares, em virtude da estrela que representa o estado na
bandeira nacional. Ela diz também que o Arquiteto Everaldo Cerqueira seria o responsável
pela obra, César Orrico foi destacado enquanto Diretor fundador, acompanhado de José
Olímpio e Mário Lobo. Por fim, relata que a entidade estava em vias de adquirir um
telescópio de 150 mm, oriundo dos Estados Unidos e semelhante ao do Observatório
Flamarion, conforme o da imagem que segue: 56
54 LATOUR, Bruno. Jamais formos modernos. p. 47. 55 OBSERVATORIO ASTRONOMICO ANTARES. Feira de Santana. Ata n. 1. Ata da criação do Observatório
Astronômico Antares, 16 de março de 1971. p. 3. 56 Feira Hoje, Feira de Santana, 30 abr. 1971, p.3.
43
Figura 5: Telescópio do Observatório Flamarion
Fonte: Jornal Feira Hoje, 30 de abril de 1970. Arquivo da Biblioteca Municipal de Feira de Santana.
Aproximadamente um mês depois, no dia 22 de maio de 1971, o jornal Folha do Norte
também noticiou a criação da entidade, através da coluna “Astronomia em Foco”. Em matéria
extensa, o texto dispôs do mesmo subtítulo da manchete do periódico Feira Hoje: “Feira terá
um Observatório”. Com mais detalhes, a matéria informou, por exemplo, que o objetivo
principal da entidade era difundir a ciência astronômica no estado, que até aquele momento
estava alijada do cenário regional. Segundo a reportagem, com o Antares, os cidadãos
feirenses poderiam se orgulhar, pois o município tornar-se-ia “satélite do desenvolvimento
científico do estado”.
Apesar de as matérias exaltarem o primeiro instrumento astronômico do Antares como
sendo oriundo dos Estados Unidos constatou-se, a partir das entrevistas com os ex-
funcionários e ex-voluntários, que o tal telescópio era de segunda mão. Antes de pertencer ao
Observatório, fora utilizado pelo astrônomo Nelson Travinik.
O fotógrafo Antônio Magalhães relembrou, inclusive, os pormenores da negociação.
Segundo ele, o objeto foi adquirido quando ele e Orrico conheceram Nelson Travinik durante
um seminário de fotografia astronômica, realizado na Faculdade de Juiz de Fora. Magalhães
afirmou que Travinik possuía um telescópio e queria “passar para frente”.57
57 Entrevista concedida em 7 de junho de 2013
44
Ângelo Pinto e Ulisses Bezerra confirmaram a procedência do primeiro instrumento
do Antares. 58Este último relatou, ainda, que o aparelho possuía uma montagem equatorial
muito instável. Segundo ele, ao direcionar o telescópio para algum objeto celeste, não havia
uma compensação com o tempo. Dessa maneira, Ulisses afirmou que, com esse aparelho, não
havia como fazer muita coisa, principalmente no que se referia a registros fotográficos dos
fenômenos
Com relação à escolha do nome do Observatório, chama a atenção o fato de o termo
“Antares” já ter sido utilizado em outra entidade, no Uruguai. Questiona-se aqui, até que
ponto César Orrico e quem o auxiliou na escolha tinham conhecimento da existência dessa
organização. Ao que parece, ela era reconhecida em território brasileiro, pois, com frequência,
fazia previsões meteorológicas para as datas festivas, como o carnaval, e essas eram
noticiadas em periódicos de grande circulação.
No entanto, as reportagens não davam credibilidade aos dados fornecidos pelo
Observatório de Antares do Uruguai. O Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, publicou em 3
de fevereiro de 1970, uma matéria descredenciando os dados daquela entidade. Grafada em
caixa alta, “O ANTARES NÃO EXISTE”, a matéria alegava que a previsão anunciada pelo
Observatório uruguaio para os dias de carnaval era falsa, pois, segundo o Coronel Roberto
Venerando Pereira, diretor do Escritório de Meteorologia do Ministério da Agricultura, não se
baseava em nenhum critério científico. Textualmente, afirmou que a Meteorologia era uma
ciência que tinha suas falhas, mas era uma ciência. Para o Coronel, isso deveria ser encarado
sob esse prisma. Caso negativo, não se teria condições de partir para superar as dificuldades e
aperfeiçoar os métodos disponíveis. 59
Ele lamentou também que a imprensa brasileira desse atenção às previsões de uma
entidade fantasma como o Observatório de Antares, mesmo já tendo sido alertada por diversas
vezes do seu descrédito. Ressaltou, ainda, que o Observatório não existia, resumindo-se a
certo senhor Robles, que fazia as previsões e as divulgavam. Elas, por sua vez, não possuíam,
sequer, a credibilidade do serviço de Meteorologia do próprio país, o Uruguai.
No ano de 1969, o Coronel Venerando chegou a enviar um ofício ao Serviço Oficial
de Meteorologia, protestando contra as previsões alarmistas do Antares. Em resposta, o órgão
lamentou o fato, alegando não ser possível adotar medida legal contra o senhor Robles, pois,
assim como o Brasil, o Uruguai não tinha a profissão de meteorologia regulamentada.
58 Entrevistas concedidas em 25 e 26 de outubro de 2017 59 Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 3 fev. 1970, p.3.
45
Fica então a pergunta: será que o astrônomo que indicou o nome a César Orrico tinha
conhecimento da má reputação do Observatório Uruguaio? Se sabia, parece ter
desconsiderado e assim convenceu a Orrico, explicando-lhe o significado da simbologia que
aquele nome teria para uma entidade astronômica a ser criada na Bahia. O ocorrido foi
publicado no Folha do Norte, em 22 de maio de 1971.
Além de esclarecer a razão do nome, assegurou que a opinião do “[...] conspíquo
astrônomo Rubens de Azevedo [...]” foi levada em consideração.60 Segundo a matéria,
Azevedo estava de passagem pela cidade. Para valorizar ainda mais o julgamento do
astrônomo, Orrico ressaltou o status que Rubens Azevedo tinha no meio astronômico: “Vale
salientar que o prof. Rubens de Azevedo é o astrônomo mais famoso do Brasil, é o atual
diretor da União Brasileira de Astrônomos Amadores (UBAA) e ainda é diretor da
Associação Paraibana de Astronomia”. 61
Logo após a criação do Antares, a imprensa noticiou a notoriedade e o apoio que o
Observatório estava ganhando da comunidade e de grandes personalidades detentoras do
poder. No dia 10 de julho de 1971, o Feira Hoje trouxe em primeira página a manchete
“ACM e o Antares”, acompanhada de uma imagem do então governador Antônio Carlos
Magalhães conversando com os responsáveis pela entidade.
Figura 6: Antônio Carlos Magalhães e dirigentes do Antares
60 Folha do Norte, Feira de Santana, 22 maio 1971, p.1. 61 Folha do Norte, Feira de Santana, 22 maio 1971, p.1.
46
Fonte: Jornal Feira Hoje, 10 de julho de 1971. Arquivo Museu Casa do Sertão .
Na terceira página do periódico, nessa mesma edição, a matéria “Governador apoia
Observatório” especifica em detalhes esse primeiro contato:
O Governador Antônio Carlos Magalhães demonstrou grande
interesse pela instalação do Observatório Astronômico Antares, nesta cidade
quando recebeu os Srs. José Olímpio Mascarenhas e Augusto César Orrico
que juntamente com o deputado Áureo Filho, estiveram no Palácio da
Aclamação na última terça-feira.
Através da Secretária de Ciência e Tecnologia, o Governo do Estado
prometeu total apoio à iniciativa dos feirenses, inclusive financiamento a
compra de equipamentos que deverão ser trazidos dos Estados Unidos pelo
jovem Augusto César Orrico, quando da viagem deste para assistir o
lançamento da Apolo XV. A Secretaria de Ciência e Tecnologia prometeu
inclusive no projeto atual, um auditório com capacidade para 50 pessoas, para
a projeção de filmes.62
No entanto, para que o Observatório recebesse qualquer tipo de apoio, principalmente
financeiro, era preciso mais do que uma ata de fundação. A entidade deveria apresentar
documentos que atestassem reconhecimento do estado e do município, como também possuir
um estatuto a fim de dar as diretrizes institucionais e criar cargos a serem ocupados para o seu
pleno funcionamento.
Institucionalização do Antares
Para institucionalizar o empreendimento, dois estatutos foram produzidos. Um refere-
se à fundação e o outro define os objetivos da entidade, como seria constituído seu patrimônio
e, por fim, os cargos administrativos necessários, bem como a possibilidade de haver sócios
efetivos, protetores, beneméritos e colaboradores. No que concerne aos cargos
administrativos, foram criados a diretoria e os conselhos deliberativo, técnico e financeiro.
Esses, por sua vez, desdobram-se em presidente, vice-presidente, secretário geral, secretário
de publicidade, primeiro tesoureiro, diretor de astronáutica, diretor de fotografia e consultor
jurídico.
Em 30 de setembro de 1971, alguns dias após a produção desses documentos, o Feira
Hoje noticiou a ação na coluna de pequenos informes “ETC & TAL”, sinalizando que as
providências para a implantação da entidade estavam sendo tomadas a passos largos. Relatou- 62 Feira Hoje, Feira de Santana, 10 jul. 1971, p.3.
47
se de maneira resumida: “Os Estatutos do Observatório Astronômico Antares já foram
elaborados e aprovados, bem como já foram empossados, no último dia 16, o seu Conselho
Diretor, para os primeiros anos de gestão”.63
O estatuto de fundação foi publicado no Diário Oficial do estado, em 18 de novembro
de 1971.64 Já as vagas estabelecidas pelo segundo estatuto, produzido e aprovado no dia 25 de
setembro de 1971, só foram oficialmente preenchidas quase quatro anos depois de sua
elaboração. Os nomes dos primeiros eleitos ganharam publicidade no periódico A Tarde, no
dia 6 de novembro de 1971.65 O articulista não soube precisar quando ocorreu a cerimônia.
Apenas informou que havia sido empossado, recentemente, o Conselho Diretor da Fundação
Observatório Astronômico Antares, para os dois primeiros anos de atividade da instituição. O
quadro dirigente ficou assim constituído:
Quadro 1: Eleitos e cargos no Observatório Antares.
ELEITOS FUNÇÕES
Augusto César Orrico Presidente
José Olímpio Mascarenhas Vice-presidente
Zadir Marques Pôrto Secretário de publicações
Olival Carneiro Franco Diretor de Astronáutica
Dr. Marcelo Ramalho Diretor de Fotografia
Bel. Fernando Pinto de Queiroz Consultor Jurídico
Emilson Fernandes Falcão, Ederval Fernandes
Falcão, Nilton Belas Vieira Conselho Deliberativo
Jonathas Carvalho, Antônio Manuel de Araújo e
Francisco Fraga Maia Conselho Financeiro
Arquitetos: Everaldo Marques, Juraci Falcão e
José Monteiro Filho.
Conselho Técnico
Fonte: Jornal A Tarde, 6 de novembro de 1971.
Anos depois, em 15 de março de 1975, ocorreu outra cerimônia para o preenchimento
dos cargos. Na ocasião, as funções foram ocupadas de acordo com o estatuto.66 Realizou-se
uma assembleia geral na sede do Antares, bem como a eleição e a posse da diretoria,
conforme estava previsto no estatuto da instituição e disposto no edital de convocação que foi
publicado em 1 de março de 1975, pelo jornal Feira Hoje.67 O registro da solenidade, assim
63 Feira Hoje, Feira de Santana, 30 set. 1971, p.2. 64 BAHIA. Diário Oficial. n. 18.926, 18 de novembro de 1971; Estatuto da Fundação do Antares. p. 14. 65 A Tarde, Salvador, 6 nov. 1971, p. (?) 66 ESTATUTOS. 25 de setembro de 1971. p. 7. 67 Feira Hoje. Feira de Santana, 1 mar. 1975, p.5.
48
como dos cargos e seus respectivos ocupantes foi feito na Ata da qual se extraiu as
informaçõesa seguir: 68
Quadro 2: Eleitos e cargos no Observatório Antares.
ELEITOS FUNÇÕES
Augusto César Orrico Presidente
José Olímpio Mascarenhas Vice-presidente
Antônio José Laranjeiras 1° Secretário
Helder Alencar 2° Secretário
Jorge Luiz Mascarenhas Tesouraria
Raimundo Gonçalves Gama Secretário de Cultura
Egberto Tavares Costa Secretário de Divulgação
Drance Mattos de Amorim Diretor Científico
Antônio Ferreira Magalhães Diretor de Fotografia
Ronaldo Rogério de Freitas Mourão Consultor de Astronomia
José Maria Nunes Marques Consultor Jurídico
Emilson Fernandes Falcão, Raimundo José
Nascimento e Jessé Nogueira Coutinho Conselho Financeiro
Fonte: Ata de eleição e posse da diretoria do Observatório Astronômico Antares. 15 de março de
1975.
A eleição foi homologada pelo prefeito José Falcão da Silva (MDB 1973 - 1977), no
dia 30 de junho de 1975, por meio de um documento reconhecendo o Antares como uma
entidade em pleno funcionamento e em cumprimento de suas finalidades estatutárias. Além
de o documento explicar a sua finalidade, trouxe os cargos e os nomes que os ocuparam,
tornando público o que foi definido na ata de fundação.69
Antes desses procedimentos serem tomados pelo Antares, em 1975, a entidade já
vinha acumulando uma quantidade considerável de provas de sua existência. Foram
produzidos ofícios, certidões e atestados tanto pela esfera municipal quanto estadual. Esses
documentos tornavam-se públicos não só pelos próprios mecanismos dessas instâncias, mas
também pela imprensa local. Quando o Observatório foi reconhecido como orgão de utilidade
pública, por exemplo, o ato oficial foi noticiado duas vezes pelo jornal Feira Hoje,em 06 de
maio de 1972, e uma vez no Diário Oficial do estado, em 16 de maio de 1972.
No periódico, a informação está presente na coluna “ETC & TAL” e em uma
reportagem intitulada Antares é de utilidade pública. Na primeira, lê-se:
A Comissão de Constituição e Justiça da Assembleia Legislativa do Estado
concedeu o parecer favorável ao projeto que considera de utilidade pública o
Observatório Astronômico Antares, situado em Feira de Santana. Acham, os
68 OBSERVATORIO ASTRONOMICO ANTARES. Feira de Santana. Ata da sessão de posse da diretoria do
Observatório Astronômico Antares, 15 de março de 1975. p. 2. 69 Feira de Santana, 30 de junho de 1975. Atestado. p. 1.
49
membros da comissão que o Antares irá “contribuir para o desenvolvimento
da ciência astronômica, enriquecendo a cultura”, pelos estudos, observação,
comparação e resultados obtidos pelos membros da instituição.70
A reportagem “Antares é de utilidade pública”, além de noticiar o reconhecimento da
Assembleia Legislativa, afirma que a verba destinada pelo Governador Antônio Carlos
Magalhães, para a construção do prédio da entidade, não tinha sido liberada ainda por falta
daquele documento. De posse dele, a verba seria liberada e o início das obras era esperado nos
dias seguintes à sua emissão. 71
No Diário Oficial, o informe foi publicado em formato de lei. De acordo com o
documento, a lei recebeu o número 3003, com data de 15 de maio de 1972. Por meio dela, o
governador Antônio Carlos Magalhães teria declarado o Observatório Astronômico Antares,
da cidade de Feira de Santana, de utilidade pública.72
Em âmbito municipal houve a aprovação de um projeto de lei com o mesmo propósito.
A autoria foi do vereador Antônio Carlos Daltro Coelho, e a aprovação ocorreu a 8 de outubro
de 1975.73 Em 14 de outubro do mesmo ano, o então prefeito José Falcão da Silva sancionou
a lei 791/75 que reconhecia o Antares enquanto organização de utilidade pública.74 A fim de
dar notoriedade à lei recém-criada, o documento municipal foi publicado na integra, no dia 21
de outubro de 1975, no jornal Feira Hoje.75
A busca pelo reconhecimento institucional não funcionou apenas para angariar verba
visando à construção da parte física do Observatório, mas também a fim de garantir sua
manutenção ao longo dos anos. De acordo com uma matéria do jornal Feira Hoje, publicada
em 5 de setembro de 1974, a entidade estava sendo custeada por uma rede de colaboradores.
Esses, por sua vez, distribuíam-se entre a população e instituições das mais diversas
instâncias, como é possível perceber no trecho a seguir:
O Antares é mantido graças a um convênio que mantém com a
Fundação Universidade de Feira de Santana. As obras realizadas
contaram com a participação do Governo do Estado, através da
Secretária de Trabalho e Bem Estar Social.
70 Feira Hoje, Feira de Santana, 6 maio 1972, p.2. 71 Feira Hoje. Feira de Santana, 6 maio 1972, p. 3. 72 BAHIA. Lei 3003, de 15 de maio de 1972. Declara de utilidade pública o Observatório Astronômico Antares
da cidade de Feira de Santana. Diário Oficial do Estado, Salvador, v. 3, n.9158, p.61, 16 mai 1972. 73 FEIRA DE SANTANA. Projeto de Lei 10/75 de 8 de outubro de 1975. Considera de utilidade pública o
Observatório Astronômico Antares. Câmara Municipal de Feira de Santana, Feira de Santana, v.5, p.14, 8 out
1975. 74 FEIRA DE SANTANA. Lei 791/75 de 14 de maio de 1975. Considera de utilidade pública o Observatório
Astronômico Antares. 75Feira Hoje. Feira de Santana, 21 out. 1975, p. (ilegível).
50
O Governo do Município colabora através do fornecimento de
pessoal e material para as obras, através da Superintendência de
Urbanismo de Feira de Santana e da Secretaria de Turismo.
O povo além do seu apoio, acreditando na realização, faz
doações de materiais para a referida obra. Destaca-se a presença da
Telefeira doando um aparelho telefônico. 76
A relação entre a Universidade Estadual e o Antares parece ter-se iniciado já durante
os primeiros anos dessas fundações. Elas surgiram em períodos próximos e tiveram como
principal patrocinador o governador Antônio Carlos Magalhães. No ano de 1973, o jornal
Feira Hoje noticiou algumas visitas desse político à cidade de Feira de Santana, a fim de
resolver questões da implantação da Universidade, assim como a assinatura de documentos,
ou participação em solenidades que diziam respeito à entidade. O Antares também ganhou
espaço nessas reportagens, mesmo que elas não estivessem diretamente relacionadas ao
Observatório. Foram encontradas seis matérias com esse propósito.
A primeira delas foi em 13 de janeiro de 1973. Nela, o Feira Hoje informou acerca da
vinda do governador à cidade, por meio da matéria de capa “ACM: FEIRA TERÁ ESGOTO
E UNIVERSIDADE”.77 Foram relatados o discurso pronunciado e o itinerário feito pelo
estadista durante a sua permanência no município. As obras do Antares fizeram parte de tal
roteiro. Segundo a matéria, o governador e sua comitiva foram saudados por estudantes que
lhe deram uma flâmula. Ele afirmou, durante o encontro, que aquela obra estava sendo feita
por jovens, assim como o governo dele. Além disso, ACM teria afirmado que o Antares
continuaria a receber seu apoio.
Meses depois, mais precisamente em 12 de maio, a coluna “ETC&TAL” informou que
um dos objetivos da vinda do Astrônomo Nelson Travinivik à cidade era auxiliar o corpo
dirigente do Observatório em uma reunião que se daria entre este e o Conselho da Fundação
da Universidade de Feira, para tratar da possibilidade de um convênio entre esta e o
Antares.78
O resultado do encontro foi positivo, no que se refere à possibilidade de se firmar a
parceria entre as instituições, pois, a 9 de junho, uma matéria de capa que trazia a foto do
governador ACM foi publicada no Feira Hoje com o título “VAI COMEÇAR A
UNIVERSIDADE”. Além de tratar dos rumos da organização de ensino, noticiou também
76 Feira Hoje, Feira de Santana, 5 set. 1974, p.5. 77Feira Hoje, Feira de Santana, 13 jan. 1973, p.1. 78 Feira Hoje, Feira de Santana, 12 maio 1973, p.2.
51
que Antônio Carlos Magalhães iria assinar o convênio entre a Fundação Universidade de
Feira de Santana e a Fundação Observatório Astronômico Antares.79
A parceria foi firmada dias depois, em 13 de junho, no Palácio do Rio Branco, durante
uma solenidade que, segundo o Feira Hoje, significou muito para a educação da cidade e da
região. Nesse evento, o governador assinou o edital de concorrência pública para a construção
da primeira unidade da universidade e o decreto que declarava a sua utilidade pública,
abrangendo a desapropriação de uma área de 30 hectares para a ampliação do campus
universitário. Por fim, assinou também o convênio entre o Antares e a Universidade.80
Meses depois, em uma matéria de divulgação do Observatório, em 05 de setembro de
1973, o convênio foi mais uma vez mencionado. Segundo o texto, a parceria fazia parte de um
sistema de adequação e reforma astronômica na universidade brasileira, que traria inúmeros
benefícios aos futuros universitários.81
Uma das primeiras consequências dessa parceria foi noticiada ainda naquele ano,
através da matéria “Governador inicia a universidade”.82 Nela, consta a informação de que
Antônio Carlos Magalhães esteve na cidade a fim de iniciar oficialmente a construção da
primeira unidade da universidade, assim como resolver problemas que concerniam à
implantação de um planetário no Observatório: “Como o Observatório Antares mantém
convênio com a Fundação Universidade de Feira, o governador será cientificado da
disposição de instalar-se na cidade de Feira de Santana um planetário, como ponto de estudos
e atração turística”. 83
Durante os anos de 1980, essa parceria foi evidenciada também por registros do Diário
Oficial do estado. Dentre eles, estão, além de um termo de convênio, notas de repasses anuais
de verbas. O termo de convênio explicita o estabelecimento de uma parceria para o
desenvolvimento de estudo e pesquisa em Astronomia vinculada à atividade universitária. Nas
notas, estão descritas a finalidade, o prazo de vigência, o valor doado e as partes envolvidas.
Esses documentos foram encontrados no arquivo da reitoria da Universidade. Por meio
deles, foi possível perceber que entre os anos de 1982 e 1985 houve aumento gradual do
repasse da verba anual. Em 1982, o valor foi de três milhões de cruzeiros; em 1983, foram dez
milhões de cruzeiros; 1984, 14 milhões de cruzeiros; e 1985, vinte milhões de cruzeiros.84
79 Feira Hoje, Feira de Santana, 9 jun. 1973, p.1. 80 Feira Hoje, Feira de Santana, 13 jun. 1973, p.2. 81 Feira Hoje, Feira de Santana, 5 set. 1973, p.2. 82 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 set. 1973, p.3. 83 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 set. 1973, p.3. 84 Respectivamente: Diário Oficial do Estado, Salvador; Resumo do termo de convênio celebrado entre a
Universidade Estadual e de Feira de Santana e o Observatório Astronômico Antares, 25 de fev de 1982; Diário
52
No entanto, apesar dos investimentos entre as décadas de 1970 e 1980, tanto pela
esfera pública quanto pela privada, a entidade foi assolada por crises e uma progressiva
decadência, intensificada no final dos anos de 1980.
Perfil dos Fundadores
Ao acompanhar a formação do Antares pela imprensa, assim como o aparecimento de
Orrico, é possível tomar de empréstimo a ideia de “fabricação de imagem pública”, posta por
Peter Burke na obra A fabricação do Rei (1994). Trata-se de uma construção intencionada,
previamente planejada, objetivando criar um perfil específico. 85
No caso de Orrico, esse processo ocorreu por meio de uma das principais ferramentas
modernas de poder e influência, a imprensa. Sua imagem de “entendedor” dos fenômenos
astronômicos, e a do Antares enquanto entidade que merecia respaldo e reconhecimento no
assunto foram lapidadas pelos seus contemporâneos, articulistas dos jornais locais, com os
quais matinha laços pessoais. Os homens de imprensa não só ajudaram na aparição de Orrico
e do Antares, mas também fizeram parte da construção da entidade, ao ocuparem cargos
diretivos.
Como consequência, essas imagens de Orrico e do Antares não se ativeram aos limites
de Feira de Santana. Muito provavelmente, aqueles que atuavam na imprensa local, tinham
certa influência em periódicos de maior repercussão, mantinham contatos ou até trabalhavam
em suas sucursais. E assim, faziam com que a mesma ideia fosse disseminada por eles.
Nessa perspectiva, encontraram-se notícias nos mais variados periódicos, dentre eles:
Tribuna da Bahia, A Tarde, Correio da Bahia, Jornal da Bahia, Interbahia, Notícias da
Bahia, O Globo e Diário de Notícias.
As primeiras aparições de Orrico em tais meios de comunicação, o colocam na
condição de um jovem estudioso, que possuía interesse pela ciência astronômica. Com o
passar dos anos, ele já não era visto apenas como alguém que se interessava pelo assunto, mas
já o denominavam astrônomo.
Oficial do Estado, Salvador; Resumo do termo de convênio celebrado entre a Universidade Estadual e de Feira
de Santana e o Observatório Astronômico Antares, 18de fev de 1983; Diário Oficial do Estado, Salvador;
Resumo do termo de convênio celebrado entre a Universidade Estadual e de Feira de Santana e o Observatório
Astronômico Antares, 24 de fev de 1984; Diário Oficial do Estado, Salvador; Resumo do termo de convênio
celebrado entre a Universidade Estadual e de Feira de Santana e o Observatório Astronômico Antares, 15 de mar
de 1985. 85 BURKE, Peter. A Fabricação do rei. A construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994. Nessa obra, Peter Burke explica o funcionamento da máquina de propaganda do rei Luís XIV, da
França, revelando como se dava a elaboração da imagem pública do poder real e suas relações com a produção
artística.
53
A história do Antares, da fundação à extinção, esteve marcada pela presença de Augusto
Cesar Orrico. Suas ações no processo de edificação da entidade confundem-se com sua
trajetória pessoal no âmbito dos seus interesses pela astronomia. O envolvimento dele com
essa ciência parece ter-se iniciado desde muito cedo. Evidências indicam a presença da
astronomia em sua trajetória já na adolescência, ao tomar parte na Sociedade de Astronomia
Feirense e quando obteve apoio do pai para aproximar-se do fotógrafo Antônio Ferreira
Magalhães, a fim de produzir imagens do céu.
Em 1970, com aproximadamente 18 anos, Orrico aparecia na imprensa como porta-voz
da astronomia. Ele era responsável pela coluna semanal “Astronomia em Foco”, do jornal
Folha do Norte. Nesse lugar, Orrico publicava as notícias de fenômenos astronômicos, bem
como atualizava os feirenses sobre eventos e progressos da área. Sua atuação, não só
despertou o interesse dos conterrâneos por essa ciência como também o colocou em posição
de referência e destaque para falar da astronomia no cenário local. O nome de Orrico, por
exemplo, é citado na ata de fundação do Observatório Antares como a pessoa que possuía
mais experiência no assunto.
Quando a coluna “Astronomia em Foco” fez um ano, Orrico chegou a declarar que
aquele momento seria de grandes acontecimentos, pois, além da aproximação do planeta
Marte, a coluna sob sua responsabilidade estava fazendo aniversário, conforme registrou:
De repente, este jornal passou ser o maior informativo astronômico da
Bahia, onde recebeu recentemente de vários Observatórios Astronômicos
Brasileiros, condecoração pelo primeiro aniversário da coluna
ASTRONOMIA EM FOCO, cuja circulação é conhecida em todo o Brasil, e
alguns países no exterior. Escolhemos a Manchete desta semana, “O
GRANDE ACONTECIMENTO”, para festejar com chave de ouro, o primeiro
ano desta coluna, e também para divulgar o maior acontecimento Astronômico
para o ano em curso, que será a Oposição do Planeta Marte.86
Como mencionado, a coluna “Astronomia em Foco” ocupou as páginas também do
periódico Feira Hoje. No entanto, esse título, anos depois, foi abandonado e as informações
astronômicas produzidas por Orrico passaram a ser publicadas em outra coluna, que era
intitulada pelo céu de cada mês, por exemplo, “Céu de Janeiro”.87 Nessa coluna, eram
frequentes, além da presença dos textos astronômicos, desenhos que representavam a posição
86 Folha do Norte, Feira de Santana, 7 ago. 1971, p.1. 87 Feira Hoje, Feira de Santana, 31dez. 1974, p.8.
54
das constelações do mês. Essas imagens vinham referenciadas enquanto produção do
Observatório Astronômico Antares.
Além das ações individuais de Orrico, outras matérias que não foram de sua autoria,
ajudaram na construção de sua imagem pública, relacionando-o à astronomia. Apesar de
outros nomes aparecerem na condição de fundadores do Antares, como é o caso de José
Olímpio, César Orrico era sempre apresentado como o idealizador, estando à frente das
principais decisões. Em uma matéria de capa do jornal Feira Hoje, a criação do Observatório
Antares e o papel de Orrico aparecem da seguinte maneira: “O primeiro observatório
astronômico do Estado da Bahia será instalado, dentre de breves dias, em Feira de Santana,
graças à iniciativa de Augusto Cézar Orrico (19 anos) e outros jovens, que conseguiram o
apoio de toda a comunidade para a sua concretização”.88
Ampliando esse perfil de Orrico, o contemporâneo Helder Alencar, que fez parte da
diretoria da fundação Antares, exaltou as características do jovem amador. Ele utilizou-se da
coluna “Pois é”, no dia 29 de maio de 1971, do jornal Feira Hoje, para parabenizar,
engrandecer e apoiar os feitos de César Orrico.89 Em seu relato, Alencar diz conhecer César
há muitos anos. Segundo ele, da infância à adolescência, Orrico foi visto como alguém que
buscava caminhos no sentido de se tornar um estudante e um jornalista especializado em
assuntos astronômicos, que tentava levar ao povo uma mensagem da ciência.
O colunista afirmou que o Observatório recém-criado era fruto do ideal e da persistência
daquele jovem que tinha vontade de realizar alguma coisa de útil para a sua cidade. Alencar
frisou a dedicação de Orrico ao estudo da astronomia desde cedo, escrevendo artigos em
jornais, pesquisando, correspondendo-se com cientistas do mundo inteiro. Tal ideal, para o
colunista era válido, pois era uma boa maneira de extravasar o entusiasmo do jovem em
benefício da cultura e da ciência. Por meio de iniciativas como essas, a cidade de Feira de
Santana teria uma alternativa na produção intelectual, que, segundo ele, andava monótona.
Alencar considerou também que a criação de um observatório na cidade era consequência da
paixão de César Orrico pela astronomia. Paixão essa que aumentava a cada dia,
principalmente, após a sua participação em diversos congressos pelo Brasil e intensas leituras
sobre o assunto.
A persistência de Orrico cativou Alencar a tal ponto que ele chegou a considerá-lo um
idealista, daqueles que estavam raros no mundo e que mereciam o respeito e a admiração de
todos. Ao fim da matéria, o colunista tornou público o apoio que a imprensa local estava
88 Feira Hoje, Feira de Santana, 6 jun. 1971, p.1. 89 Feira Hoje, Feira de Santana, 29 maio 1971, p.5.
55
dando às iniciativas de Orrico, fator que se confirmou nos meses e anos seguintes. Os passos
profissionais de Orrico eram levados ao conhecimento da população por meio da imprensa.
Tudo era noticiado. Desde suas viagens até os “ilustres” visitantes que ele recebia nas
instalações do Antares.
Nessas matérias, costumava-se destacar a figura de Orrico como astrônomo. Assim
como o texto de Alencar, uma nota foi publicada anos depois, exaltando-o:
A Feira de Santana será umas das cidades privilegiadas para melhor assistir e
receber as explicações sobre o cometa Kohoutek, porque temos, nesta
cidade, um dos maiores astrônomos do Brasil, Augusto César Orrico, com
seus aparelhos, que serão armados, na noite luminosa, com certeza, lá no
Antares, e que nós teremos a oportunidade de acompanhar de perto as
pesquisas do nosso amigo.90
Essas frequentes notícias relacionadas à promoção da imagem de Orrico e do Antares
podem ser vistas como estratégia de divulgação e como criação de uma memória. A
incorporação de vários membros da imprensa na diretoria da Fundação Antares certamente
teve este objetivo. Das doze funções previstas no estatuto, seis foram compostas por diretores
de jornais, redatores e colunistas. Dentre eles estão: o 1º secretário Antônio José Laranjeiras,
o 2º secretário Helder Alencar, o Secretário de Cultura Raimundo Gama, o Secretário de
Divulgação Egberto Costa e o Diretor de Fotografia Antônio Ferreira Magalhães.
Em 15 de julho de 1975, o jornal Feira Hoje publicou uma matéria intitulada
“jornalistas fundam entidade”. Nela consta que trinta e um profissionais da imprensa local
reuniram-se, a fim de criar-se a Associação Feirense de Imprensa. Segundo a matéria, a
assembleia foi muito tumultuada, mas ao final os estatutos foram aprovados e a chapa
vencedora conseguiu vinte e um votos. Ela foi composta, justamente, por nomes que estavam
relacionados ao Antares: Antônio José de Laranjeira, Helder Alencar e Egberto Costa. 91
Antônio José de Laranjeira, nascido em 11 de janeiro de 1945, na cidade de Santo
Amaro, tornou-se figura de destaque na imprensa feirense por ter sido responsável pelas
notícias do interior na revista O Cruzeiro e em jornais como o A Tarde e o Diário de Notícias.
Quando assumiu essas funções, Laranjeira foi notícia no Folha do Norte. Na edição do dia 31
de outubro de 1970, o periódico publicou que com a inauguração da Sucursal da revista O
90 Feira Hoje, Feira de Santana, 17 nov. 1973, p.4. 91 Feira Hoje, Feira de Santana, 15 jul. 1975, p.7.
56
Cruzeiro, em Salvador, a Sucursal dos Diários e Emissoras Associadas de Feira de Santana,
responderia por meio de Antônio José de Laranjeira, assinando as reportagens regionais.92
Anos depois, Laranjeira foi notícia no Feira Hoje quando tornou-se colunista do jornal
A Tarde. O fato foi destacado em três diferentes momentos. Primeiro, no dia 15 de setembro
de 1973, com a matéria “A Tarde”; depois, no dia 30 de outubro de 1973, uma nota na coluna
“Etc&Tal”, informando o local e a data de inauguração da Sucursal; e, por fim, no dia 1º de
novembro de 1973, uma matéria intitulada “A Tarde inaugura a Sucursal”, conta como foi a
solenidade. 93
Egberto Costa, outro membro da direção do Antares, nasceu em Tanquinho, cidade
próxima de Feira, em 25 de setembro de 1945. Licenciou-se em Estudos Sociais pela
Faculdade de Educação de Feira de Santana. Trabalhou como professor de História e
Geografia. Na área da comunicação, atuou nas mais diferentes posições e em distintos meios
da imprensa. Foi fundador, superintendente e editor do periódico Feira Hoje e repórter do
Diário de Notícias. Além de haver desempenhado a função de redator do jornal Situação,
correspondente dos IC Shopping News, Tribuna da Bahia e editor das revistas Panorama da
Bahia e da Gazeta Feirense. Egberto Costa também trabalhou como noticiarista na rádio
Cultura AM e na Antares FM, emissora que manteve vários anos o programa “Um minuto
com Egberto Costa”. Ele foi ainda chefe da assessoria de comunicação da Câmara Municipal
e assessor de imprensa do Clube de Campo Cajueiro. Morreu em 26 de maio de 2002, vítima
de latrocínio. 94
Helder Alencar, por sua vez, formou-se em Direito no ano de 1974, pela Universidade
Católica do Salvador. Atuava de forma intensiva nos periódicos locais, noticiando os mais
diversos assuntos, inclusive sobre astronomia. Quando ainda não existia a coluna de César
Orrico, “Astronomia em Foco”, no final da década de 1960, Helder Alencar e outros
colunistas como Zito, Eme Portugal e Hélio Barbosa, já divulgavam notícias astronômicas no
Folha do Norte, principalmente aquelas que tinham relação com a chegada do homem à Lua.
Alencar esteve presente como colunista em periódicos locais, a exemplo do Folha do Norte e
o Feira Hoje. Nesse último, o advogado, além produzir textos que expressavam sua opinião,
atuou como Editor Chefe.
92 Folha do Norte, Feira de Santana, 31 out. 1970, p.1. 93 Respectivamente: Feira Hoje, Feira de Santana, 15 set. 1973, p.3; Feira Hoje, Feira de Santana, 30 out. 1973,
p.2; Feira Hoje, Feira de Santana, 1 nov. 1973, p.6. 94Disponível em: http://oliveiradimas.blogspot.com.br/2017/05/15-anos-sem-egberto-costa.html?spref=fb.
Acesso em: 26/05/2017
57
A imprensa continuou a investir na construção da imagem pública de Orrico e do
Observatório Antares como podemos aferir da coluna “ETC & TAL”, que em 19 de junho de
1971 publicou a seguinte informação:
O jovem Augusto César Orrico, Diretor do Observatório Astronômico
Antares, que seguirá nos próximos dias para assistir o lançamento da Apolo
XV, a convite da NASA, esteve, na última semana, em companhia do
Deputado Áureo Filho, visitando a Assembleia Legislativa, buscando apoio
para a implantação do Observatório, o primeiro a ser construído no Estado da
Bahia. 95
Notas como essas, além de evidenciar esforços feitos para se implementar a instituição,
mostram a frequente associação entre ela, Orrico e a astronomia. Nesse sentindo, construiu-se
uma memória fazendo com que seu nome e o da entidade tornassem quase que sinônimos. Por
anos seguidos, essa iniciativa se manteve. Dali em diante não seria mais possível falar de
César Orrico e não falar do Antares ou vice-versa.
Na coluna “ETC & TAL”, do dia 18 de setembro de 1971, a postura inversa também foi
encontrada. A nota tratava do adiamento dos planos para a concretização do Antares. No
entanto, a figura de Orrico aparece como fornecedor das informações para a equipe do jornal.
Na nota, consta que o próprio Orrico esteve há pouco tempo no Observatório Valongo e no
Observatório Nacional do Rio de Janeiro, a fim de manter contato com os responsáveis, bem
como explicitar a situação do Antares no que concernia à aquisição de equipamentos. 96
Não só as pequenas notas dedicavam-se a falar de Orrico. As matérias extensas, como a
publicada pelo jornal Feira Hoje, em 7 de dezembro de 1974 cumpriram também essa função.
A manchete se destacou por estar em caixa alta e chamou a atenção do leitor para a seguinte
informação: “ORRICO VAI A NOVA YORK”.97 No texto, ressalta-se que o presidente do
Observatório, juntamente com o presidente de uma indústria eletrônica de equipamentos finos
profissionais, Drance Amorim, seguiram para os Estados Unidos, em uma viagem de cunho
científico, a fim de observar o desenvolvimento da astronomia naquele país. Por esse motivo
eles iriam visitar alguns observatórios, planetários, universidades, o Cabo Kennedy, como
também iriam comprar lentes, máquinas fotográficas e astrocâmeras. Além disso, a matéria
informa que Drance Amorim iria adquirir equipamentos eletrônicos para montar a Central
Horária do Antares.
95 Feira Hoje, Feira de Santana, 19 jun. 1971, p.2. 96 Feira Hoje, Feira de Santana, 18 set. 1971, p.2. 97 Feira Hoje, Feira de Santana, 7 dez. 1974, p.3.
58
Assim como Helder Alencar e tantos outros personagens citados, Drance Amorim fez
parte do rol de relações de Orrico, no processo de implantação e realização das atividades do
Antares. Nesse sentido, constata-se que ele não obteve apenas apoio das esferas públicas, mas
também privadas. Amorim era visto pelos seus conterrâneos como um cientista inventor.
Formou-se em Medicina pela Faculdade de Pernambuco e coordenou o curso de pós-
graduação em Engenharia Biomédica da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Meses após a viagem de ambos a Nova York, a central horária foi implementada e
recebeu, na inauguração, o ex-governador Antônio Carlos Magalhães. Na reportagem “A
necessidade fez surgir a Central Horária”, de 18 de março de 1975, do Jornal Feira Hoje, a
figura de Drance Amorim foi exaltada em duas fotografias.98 Em uma, ele está acompanhado
por ACM ao lado da Central Horária. A imagem recebeu a legenda: “O ex-governador
Antônio Carlos Magalhães inaugurando a Central Horária com o seu autor, cientista Drance
Amorim (Foto Magalhães)”. Na outra imagem, Amorim aparece ao lado da Central Horária
acompanhado do prefeito da cidade e de José Olímpio, conforme descrição feita pelo jornal:
“O cientista Drance Amorim, prefeito José Falcão da Silva e o Vice-presidente do Antares,
José Olympio Mascarenhas, vendo a Central Horária”.
Figura 7: Inauguração da Central Horária do Antares.
Fonte: Jornal Feira Hoje, 28 de março de 1975. Arquivo da Biblioteca Municipal de Feira de Santana.
Ainda de acordo com a matéria, a empresa de equipamentos eletrônicos finos,
possuidora da mais alta tecnologia, pertencente a Drance Amorim, a ECNARD, prontificou-se
a fazer o projeto científico-tecnológico e a construir a Central Horária do Antares, sem
qualquer intenção de lucro.
98 Feira Hoje, Feira de Santana, 18 mar. 1975, p.5.
59
Orrico fazia contatos com profissionais da astronomia a fim de que suas atividades e o
Antares fossem reconhecidos no meio astronômico. Pois, nos primeiros anos da entidade, as
iniciativas de Orrico baseavam-se em seu autodidatismo. Aqueles que o auxiliavam nos
trabalhos astronômicos não estavam vinculados ao Antares enquanto funcionários, apenas
como colaboradores e pertenciam a outras instituições astronômicas. Ele só buscou formação
acadêmica quando o Observatório já estava em franco funcionamento. Mesmo assim, sua
formação não foi em Astronomia. Iniciou o curso de Matemática em 1976, na Universidade
Estadual de Feira de Santana e o concluiu em 1983.
Na medida em que essas relações eram estabelecidas, os trabalhos eram desenvolvidos
nos limites da entidade. Astrônomos renomados, como Ronaldo Mourão, do Observatório
Nacional do Rio de Janeiro, desempenhavam com frequência essa função de orientação.
Publicações conjuntas, levando o nome desses cientistas, o do Antares e de Orrico foram
produzidas e distribuídas para os mais diversos lugares. No entanto, era recorrente a vinda a
Feira de Santana de Ronaldo Mourão e outros cientistas, o que, aparentemente, contribuiu
para que as relações não ficassem apenas nos limites profissionais. Não apenas com Orrico, o
estreitamento de laços pessoais ficou evidente, também, entre esses cientistas e os demais
funcionários do Antares, como é o caso do Diretor de Fotografia Antônio Ferreira Magalhães.
Em uma entrevista concedida no ano de 2013, Magalhães afirmou que essas relações
pessoais foram para além da astronomia. Em suas lembranças, estão os laços de amizade
feitos com Mourão e a esposa Valéria e os dias de hospedagens do casal em sua casa. Para
ele, essa convivência foi tão significativa que o nome Valéria foi dado à sua filha.
No relato de Mourão, também no ano de 2013, esse tipo de contato não ficou tão
evidente. No entanto, o que confirma a proximidade entre ele e os idealizadores do Antares,
principalmente com César Orrico, são as dedicatórias afetuosas encontradas em livros antigos
pertencentes à biblioteca do Antares. César Orrico foi presenteado por diversas vezes pelo
astrônomo. A maioria dessas obras era de autoria do próprio Ronaldo Mourão. Os textos das
dedicatórias mostram César Orrico como um grande amigo e companheiro. Em uma delas,
Mourão escreve: “Para os amigos Norma e César, com muita amizade e afeto de Ronaldo,
Rio, 11/04/81”. Em outra, o autor chega a fazer um trocadilho na mensagem, em
consequência do título da obra. O nome do livro é Alô Galáxia (linha ocupada). Na
dedicatória ele escreve: “Alô amigo Orrico, vamos ficar na escuta enquanto a linha estiver
ocupada, afetuosamente, Ronaldo, Rio 13 /09/78”.
Além de Mourão, Orrico foi presenteado por outros astrônomos. Nelson Travinik, do
Observatório Flamarion Matias Barbosa, também está presente nas obras com dedicatórias da
60
biblioteca do Antares. Em um de seus livros consta o seguinte: “Para Orrico e Observatório
Antares, uma contribuição pela passagem do Halley, (assinatura), outubro / 85”.
Divulgação da entidade
A Divulgação do Observatório Antares pode ser vista como um processo gradual, que
teve início pelo menos um ano antes de sua inauguração. Primeiro, ocorreu a construção do
que se pode chamar de uma imagem pública de Augusto César Orrico associando-o ao papel
de porta-voz local das notícias astronômicas. Para esse fim, contou-se com o auxílio do Jornal
Folha do Norte e o Feira Hoje. Nesses periódicos, Orrico, já em 1970, chegou a publicar 14
matérias, sendo 12 no Folha do Norte e 2 no Feira Hoje. A inferior incidência nesse último
muito provavelmente se deu por ele ter surgido em setembro daquele mesmo ano. No entanto,
vale lembrar que já no primeiro mês de existência do jornal, Orrico teve seu lugar garantido
por meio de uma matéria. Ela foi impressa na edição do dia 19 de setembro e estava intitulada
com o mesmo nome da coluna pela qual ele era responsável no Folha do Norte: “Astronomia
em Foco”.
Orrico reconhecia a importância que a imprensa tinha para a realização de seus
objetivos. Chegou a publicizar esse apoio em 17 de abril de 1971, na sua coluna “Astronomia
em Foco”, do Jornal Folha do Norte. Segundo afirmou, estava recebendo total cobertura por
parte da imprensa local, no que dizia respeito à divulgação. Referindo-se aos pares, ele ainda
afirmou que esse meio de comunicação os aplaudia e isso era para eles uma honra que os
envaidecia. 99
Os periódicos locais, além de ceder espaço para Orrico enquanto autor e responsável
por colunas diárias ou semanais publicavam matérias que solidificavam ainda mais a figura
dele e do Observatório Antares. As visitas, atividades, viagens, quase todos os passos do
mentor e o desenvolvimento de sua entidade foram devidamente registrados e publicados.
Até fatos que poderiam passar despercebidos e talvez nem merecessem tanto espaço
nos jornais foram divulgados. Por exemplo, no dia 1 de outubro de 1974, a matéria “Francês
viu o Antares e gostou”, com uma manchete em letras garrafais ocupou a capa do Feira Hoje,
99 Folha do Norte, Feira de Santana, 17 abr. 1971, p.1.
61
como primeira notícia. Consta que o astrônomo francês, François Hayli era um convidado
especial e esteve em Feira de Santana para visitar o Observatório Antares. De férias no Brasil,
a turismo, afirmou que não poderia deixar a Bahia sem visitar o Antares. Ele foi convidado
por Augusto César Orrico, devido à manifestação apresentada durante uma entrevista que
cedeu em Salvador. Ainda segundo a matéria, o francês afirmou que o trabalho desenvolvido
no observatório era impressionante e necessitava de mais apoio. Para ele, o telescópio da
entidade era bom e a partir dele ia-se conseguir boas observações. Quanto ao espaço do
prédio, achou que possuía dimensões ideais, com possibilidade de se receber equipamentos
maiores.100
Essa reportagem parece justificar-se pela figura apresentada: um astrônomo
internacional. No entanto, o que se questiona aqui, é o espaço ocupado em primeira página.
Situação ainda mais curiosa foi a da nota publicada no dia 11 de agosto de 1973, no Feira
Hoje, na coluna “Etc&Tal”, intitulada “Desconhecimento”. Nela, pode-se perceber certo tom
de revolta do articulista ao dizer que a situação que ele iria relatar era incrível, porém,
verdadeira. Segundo ele, alguns paulistas estiveram na cidade de Feira de Santana e,
desejosos de conhecer o Observatório Antares, foram até o Diretor de Turismo. No entanto,
ao chegar lá, tiveram, de acordo com o colunista, a mais estranha resposta. O Observatório,
conhecido internacionalmente, era desconhecido pelo Programa. E finalizou a nota com a
seguinte pergunta: “Como se pode fazer turismo dessa forma?”. 101
Nessa mesma perspectiva, o Antares ocupou outra coluna de pequenas notas.
Publicada no jornal Folha do Norte, foi intitulada “Nossos Bairros”. O objetivo era divulgar,
de maneira resumida, o que ocorria em diferentes pontos da cidade, a exemplo de problemas
nas ruas com buracos, encanamento deficiente ou violência. No entanto, ao aparecer o bairro
Jardim Cruzeiro, a tendência não era falar só de problemas, mas também do que havia de
positivo, como é possível ler na nota do dia 10 de agosto de 1974:
Além de um sem número de ruas às escuras, buracos, valetas, etc. enfeiam o
populoso bairro, quando já se devia ter procurado solucionar essas
deficiências, a fim de que o aludido bairro venha a se constituir num dos
mais bonitos da nossa cidade, vez que ali já funcionam duas secretarias
municipais e o Observatório Astronômico.102
100 Feira Hoje, Feira de Santana, 1 out. 1974, p.1. 101 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 ago. 1973, p.2. 102 Folha do Norte, Feira de Santana, 10 ago. 1974, p.2.
62
Outra nota que merece destaque é a do dia 7 de setembro de 1974, quando o nome do
bairro é associado ao da entidade: “A Secretaria de Turismo está aguardando a chegada das
luminárias que serão colocadas em toda a posteação existente naquele bairro do Observatório
Antares”.103
O apoio da impressa local ao Antares e a César Orrico era tão intenso que das 234
matérias sobre astronomia, entre os anos de 1970 e 1975, 208 faziam referência a ele ou a
instituição. Isso corresponde a um percentual de 89% das publicações, como é possível
perceber a partir do gráfico a seguir:
Gráfico1: Percentual de matérias em que o Antares e César Orrico foram mencionados
Fonte: Produção do autor, com base nos jornais Folha do Norte e Feira Hoje.
Das 208 publicações em que o Antares ou Orrico é mencionado, 86 delas foram de
autoria do próprio César Orrico, sendo 10 com títulos diversos, 7 pertencentes à coluna que
descrevia o céu de cada mês, do jornal Feira Hoje, 4 da coluna “Astronomia em Foco” nesse
mesmo periódico, e 65 na coluna “Astronomia em Foco” do Folha do Norte. Vale lembrar
que dessas 69 publicações da coluna “Astronomia em Foco”, Orrico mencionou a organização
astronômica em 14 delas.
Os 11% que correspondem a 26 matérias de cunho astronômico que não mencionavam
o Antares ou Cesár Orrico ocorreram nos dois jornais locais, sendo 18 no Folha do Norte e 8
no Feira Hoje. Além de divulgar informações acerca dos fatos importantes para área, como
missões espaciais e fenômenos celestiais, ocorreram momentos em que os jornais recorreram
103 Folha do Norte, Feira de Santana, 7 set. 1974, p.2.
Antares ou Orrico89%
Outras 11%
Matérias sobre astronomia
63
à ludicidade para difundir ainda mais o tema. Nessa vertente, o Folha do Norte fez uso dos
poemas “rumo ao universo”e “espaço navegação”, de Eno Theodoro Wanke.104 Já o Feira
Hoje inseriu na coluna infantil os textos “viagem ao espaço” e “era uma vez...minha viagem a
lua”.105
Mesmo sendo mais recente a existência do jornal Feira Hoje, parece que ele
contribuiu de maneira mais incisiva na divulgação do Antares. Enquanto o Folha do Norte
publicou 100 matérias, o Feira Hoje chegou a 108. Além do quantitativo, vale ressaltar que
chegou-se a essa conclusão, em razão da própria diagramação do jornal. Pois a maioria dos
textos era acompanhada de desenhos ou fotografias do Antares e seus envolvidos. O ano de
1973 foi aquele entre 1970 e 1975 em que o Antares esteve mais presente na imprensa local,
totalizando 53 matérias. No gráfico a seguir é possível percebê-las distribuídas ao logo desses
cinco anos:
Gráfico2: Quantitativo de matérias em cada ano.
Fonte: Produção do autor, com base nos jornais Folha do Norte e Feira Hoje.
A promoção da entidade por meio de textos diretamente propagandísticos e sobre a
passagem do cometa Kohoutek pode ter contribuído para esse aumento das publicações. No
total, foram encontrados, nessa perspectiva, 23 textos, 15 fazendo referência à passagem do
cometa Kohoutek e 8 relacionados à promoção da imagem do Observatório. As reportagens
que se referiam ao cometa anunciavam, por exemplo, quando seria a passagem, como ele
104 Respectivamente: Folha do Norte. Feira de Santana, 1 abr. 1972, p.2; Folha do Norte. Feira de Santana, 22
abr. 1972, p.2. 105 Respectivamente: Feira Hoje. Feira de Santana, 15 mar. 1975, p.2; Feira Hoje. Feira de Santana, 10 maio
1975, p.7.
14
42
27
53
29
43
1970 1971 1972 1973 1974 1975
Divulgação do Antares nos jornais locais
Matérias
64
poderia ser visto, e suas características. Esses conteúdos foram acompanhados por títulos
como: “Em novembro o cometa Kohoutek”, “A curiosidade pelo cometa Kohoutek”,
“Kohoutek já foi visto”, “Kohoutek mudou de orbita”.106 No que diz respeito aos textos
propagandísticos, além de virem acompanhados por imagens, eram empregados títulos
convidativos: “Centro astronômico em Feira”, “Uma viagem pelo espaço sem sair da cidade”,
“Feira de olho nas estrelas”, “Passado e futuro”, entre outras. 107
Para garantir o pleno funcionamento conforme os objetivos aos quais se propunha, o
Antares carecia de uma infraestrutura adequada. Equipar-se, consistia, portanto, o próximo
passo, uma vez que já se encontrava em parte institucionalizado. A aquisição de instrumentos
para desenvolver as atividades astronômicas proporcionaria a adequação de meios e fins.
O capítulo a seguir procura dar conta da história do Antares a partir da trajetória de
seus instrumentos científicos.
106 Respectivamente: Feira Hoje. Feira de Santana, 1 set. 1973, p.3; Feira Hoje. Feira de Santana, 9 out. 1973,
p.6; Feira Hoje. Feira de Santana, 15 nov. 1973, p.1; Folha do Norte, Feira de Santana, 1 dez. 197X, p.1. 107 Respectivamente: Feira Hoje. Feira de Santana, 8 ago. 1973, p.1; Feira Hoje. Feira de Santana, 5 set. 1973,
p.3; Feira Hoje. Feira de Santana, 5 set. 1973, p.2; Feira Hoje. Feira de Santana, 25 set. 1973, p.1.
65
Capítulo II
ANTARES: SUA HISTÓRIA ATRAVÉS DOS OBJETOS
A trajetória dos instrumentos científicos: função e valor cultural
É possível afirmar que os objetos possuem um “ciclo de vida”. Eles “nascem”, tem o
seu tempo útil para a sociedade e “morrem” ao serem descartados ou substituídos por outros
com tecnologias mais avançadas. O ensaísta italiano Cesare de Seta, ao refletir sobre a
sociedade industrial e a metamorfose dos objetos, diz que “(...) os objectos de que o homem
se rodeou no mundo contemporâneo mudam, transforma-se e envelhecem com rapidez
frenética e exasperante”108
Nessa mesma perspectiva, Abraham Moles, um teórico muito utilizado na museologia,
em seu livro Teoria dos Objetos, chegou a dividir as etapas da vida de um artefato em sete
diferentes fases.109 Na historiografia, os objetos são entendidos como fontes de informações e
vestígios do passado.110 No entanto, antes de a cultura material se tornar um objeto
testemunho, vale lembrar que ela “percorreu” uma trajetória que a qualificou e a tornou apta
para esta nova função.
Sinais desses caminhos, no caso dos instrumentos científicos do Observatório Antares,
foram encontrados em alguns documentos oficiais, nos periódicos locais, regionais e até
nacional, bem como nos relatos dos ex-funcionários e ex-voluntários da entidade. Esse
diverso corpo documental registrou, por exemplo, desde os momentos que marcam as
aquisições dos equipamentos até as situações de abandono, quando ficaram relegados à
108 DE SETA, Cesare. “Objecto”. In: Enciclopédia Rinaude, vol.3, Artes – Tonal/ Atonal, Imprensa Nacional,
Casa da Moeda, 1984. p. 108. 109MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos: tradução de Luiza Lobo; revisão técnica de Mário Tavares D’Amaral.
Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1981, p. 94. 110 Sobre o uso do conceito de cultura material, ver PESEZ, Jean Marie. “História da cultura material”. In: LE
GOFF, Jacques. A História Nova. São Paulo: Martins Fontes, 1990. p. 177-213.
66
poeira. Ao reunir essas evidências nota-se a intenção de construir-se uma memória por
aqueles que estavam envolvidos no processo. Segundo Ecléa Bosi:
Quando um grupo trabalha intensamente em conjunto há uma
tendência de criar esquemas coerentes de narração e interpretação dos fatos,
verdadeiros “universo de discurso”, “universos de significado” que dão ao
material de base uma forma histórica própria, uma versão consagrada nos
acontecimentos.111
Esse tipo de narrativa foi comum em relação aos objetos adquiridos pelo Antares. Na
imprensa, diversas matérias referiam-se às aquisições que a instituição pretendia fazer e sobre
elas elaboravam-se enredos e descreviam-se as qualidades, fazendo com que o leitor e até o
próprio Orrico construíssem uma imagem de como seriam. Assim ocorreu, por exemplo, com
o primeiro telescópio, com a central horária e outros. As informações sobre o primeiro
telescópio estão na matéria “Feira terá Observatório”, que é composta por dados descritivos e
uma fotografia com alguém manipulando o telescópio igual àquele que a entidade estava
adquirindo, a fim de reforçar ou criar um imaginário de como seria ao chegar o do Antares.
Molles afirma que o auge do objeto está no instante em que ele passa de desejo a
instrumento adquirido. Daí, começa a fazer parte de uma esfera pessoal, o momento ápice da
alegria consumidora, onde ainda não há um contato tão direto com ele.112 Na trajetória do
Antares esta situação é representada pelas diversas inaugurações ocorridas. A chegada de cada
um dos objetos constituiu-se em motivo suficiente para organizar eventos e divulgá-los
amplamente nos jornais.
O ato da descoberta do objeto é visto por Molles como a hora em que o indivíduo tem
a apreensão cognitiva sobre sua nova ferramenta.113 Essa fase, no presente trabalho, acaba se
confundindo com a próxima, definida pelo autor como “afeição”. Segundo ele, essa etapa está
caracterizada pelo instante em que se constatam as propriedades reais do objeto, deixando de
lado as ideais. Nos periódicos, esses dois níveis são mostrados por matérias que anunciam a
chegada de astrônomos, a fim de prestar auxílio à entidade na montagem, e dar as primeiras
instruções de manipulação.
O nível seguinte é denominado hábito. Nele, o objeto está progressivamente sendo
recuado da cena principal, é neutralizado, ocorrendo uma espécie de depreciação cognitiva.114
O que faz persistir sua existência naquele meio é justamente a sua função e a frequência com
111 BOSI, ECLEA. Memória e sociedade, p. 66-67. 112 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p. 96. 113 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p.97. 114 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p.97.
67
que é utilizado. Esse fenômeno pode ser verificado no Antares, por meio das previsões do
tempo fornecidas diariamente para o Folha do Norte e o Feira Hoje, assim como pelas
matérias que divulgavam os boletins, anuários e a carta celeste.
A sexta e última fase do objeto antes da sua morte é denominada por Molles
“conservação”. Nesse estágio, a ferramenta é passível de sofrer reparos, devido ao desgaste do
tempo.115 No Observatório essa situação foi vivida quando a entidade passou por uma intensa
crise, que também foi divulgada pelos periódicos. E neles foi ressaltada a necessidade de se
consertar os aparelhos danificados pela ação do tempo.
A morte do objeto, por sua vez, é o momento em que o indivíduo o substitui por outro
mais avançado, ou é descartado por tornar-se inválido. Com o Antares, viu-se nos jornais a
morte não só dos objetos, mas também da própria entidade, entre o final dos anos de 1980 e
início dos anos de 1990. Devido à ausência de verbas públicas e de parcerias, o Antares
paralisou totalmente as suas atividades, sendo relegado ao abandono e ao domínio da poeira e
do mato. Uma espécie de retorno à natureza, ocasionada pela não ocupação dos espaços pelos
homens.
Os objetos nesse período já não exerciam as suas funções originais. Converteram-se
em moradia de pássaros e outros animais. Ao prédio, no entanto, fora dada outra atribuição:
tornou-se a secretária de saúde do município. Até que, em 1992, a Universidade Estadual de
Feira de Santana o incorporou, na condição de órgão suplementar, e apossou-se de todo o seu
patrimônio.
Essa integração pode ser considerada como uma tentativa de desafiar o tempo. Com
os objetos ocorreu duplamente, pois foram “salvos” do desgaste do tempo pela UEFS e ,
posteriormente, atribuíram-lhes outro significado, o de testemunhos, representantes de um
passado institucional.
Ressignificação do objeto
Um museu, independentemente de sua tipologia, dá a impressão de possuir uma razão
ordenadora. Assim, ele se opõe, por exemplo, a um sótão. O sótão possui, ao mesmo tempo, a
função de rejeição e de seleção de objetos. Eles estão ali, esquecidos, mas, de qualquer
maneira, foram salvos do lixo e sugerem a ideia de que podem servir um dia.116
115 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p. 98. 116 MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos. p. 79.
68
Os objetos tecnológicos vivem em uma espécie de sótão quando caem em desuso e
podem vir a fazer parte do acervo de um museu. Isso ocorre por meio de duas diferentes
situações: ou por doação ou por fazerem parte da instituição em que ele já se encontra. No
caso dos objetos científicos que fazem parte do Museu Antares de Ciência e Tecnologia,
inaugurado em 2009, pode-se dizer que eles encaixam-se na segunda situação. Foram
preservados, mesmo que de maneira precária, no caos de um imaginário sótão e só
começaram a fazer sentido como objetos-testemunhos, a partir do momento em que lhes
foram atribuídos esse valor, dando-lhes uma segunda função: representar o passado
vivenciado pela Fundação Observatório Astronômico Antares entre as décadas de 1970 e
1980.
Esses objetos passam a ser empregados de acordo com o que define Jean Baudrillard
sobre “o objeto abstraído de sua função”.117 Para ele, todo objeto possui duas funções, a de ser
utilizado e a de ser possuído.
A primeira depende do campo de totalização prática do mundo pelo
indivíduo, a outra um empreendimento de totalização abstrata realizada pelo
indivíduo sem a participação do mundo. Estas duas funções acham-se na
razão inversa da outra. Em última instância, o objeto estritamente prático
toma um estatuto social: é a máquina. Ao contrário, o objeto puro, privado
de sua função ou abstraído de seu uso, toma um estatuto estritamente
subjetivo: torna-se objeto de coleção.118
E ao tornar-se um objeto coleção, ou um objeto acervo, passa pelo processo de
musealização que, por sua vez, está dividido nas seguintes etapas: aquisição, pesquisa,
documentação, conservação e comunicação.119 Com exceção da primeira, todas as outras
fases, pode-se dizer que são permanentes. Neste trabalho, tem-se feito de maneira recorrente a
etapa da pesquisa dos objetos que fizeram parte da construção do Observatório Antares.
O conjunto desses objetos constitui a memória da instituição, incluindo desde o
processo inicial de montagem e aquisição paulatina até os eventos nos quais eles possam ter
sido expostos. A dinâmica de todo esse patrimônio material se dá, quase sempre, da mesma
maneira. Tal condição é constatada, por exemplo, no catálogo de instrumentos científicos do
Observatório do Valongo, como se vê a seguir:
117 BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos. Tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São Paulo: Editora
Perspectiva, 2012, p.94. 118 BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos, p. (colocar a página). 119 CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo: Annablume, 2005, p.26.
69
Instituições científicas, como laboratórios, institutos de pesquisa e
observatórios astronômicos, são quase sempre portadores de objetos que
foram usados nas atividades científicas de rotina. Contudo, o
desenvolvimento tecnológico e a conseqüente substituição de equipamentos
por outros mais modernos provoca o surgimento de grupos de objetos que,
apesar de não estarem mais em uso, contam parte da história institucional, se
forem entendidos como suportes de informação, como documentos. 120
Para esse capítulo utilizam-se conceitos da historiografia e definições da museologia,
tendo em vista que o patrimônio material científico que outrora fez parte da implantação do
Observatório Antares permaneceu sob tutela do setor Museu Antares de Ciência e Tecnologia.
Na museologia, a documentação museológica é vista como um sistema de informação
capaz transformar as coleções em fontes de pesquisa, bem como em ferramentas para a
transmissão do conhecimento.121 Considera-se que toda e qualquer cultura material traz
informações intrínsecas e extrínsecas, assim consideradas por Helena Ferrez:
As informações intrínsecas são as deduzidas do próprio objeto, através
da análise das suas propriedades físicas. As extrínsecas, denominadas por
Mensch (1987) de informações documental e contextual, são aquelas obtidas
de outras fontes que não o objeto e que só muito recentemente vêm
recebendo mais atenção por parte dos encarregados de administrar coleções
museológicas. Elas nos permitem conhecer os contextos nos quais os objetos
existiram, funcionaram e adquiriram significado e geralmente são fornecidas
quando da entrada dos objetos no museu e/ou através das fontes
bibliográficas e documentais existentes.122
Tomando como base essa definição, percebe-se que não é suficiente a descrição física do
objeto. Deve-se partir para a consulta de outros suportes informativos, a fim de traçar a
trajetória de cada ferramenta e sua importância para a afirmação do Antares na condição de
entidade científica. As fontes orais e os periódicos tornaram-se indispensáveis nesse momento
da pesquisa. As primeiras funcionaram na medida em que informaram acerca das pessoas
envolvidas no processo de aquisição, bem como a relação dessas com a cultura material em
questão. A segunda modalidade de fonte contribuiu para explicitar o contexto do uso dessas
ferramentas, o momento de chegada delas ao Antares e, por fim, evidenciou, em diferentes
ocasiões, o quantitativo desses objetos, ao longo do que se pode considerar a primeira fase do
Observatório, de 1971 a 1992.
120 Coleção de instrumentos científicos do Observatório do Valongo. Rio de Janeiro: Ed. da UFRJ, p.15. 121 FERREZ, Helena Dodd. Documentação Museológica: teoria para uma boa prática. Cadernos de Ensaio, n.2,
Estudos de Museologia, Rio de Janeiro: Minc / IPHAN, p.64-74. 122 FERREZ, Helena Dodd. Documentação Museologica, p.64.
70
Infraestrutura científica do Antares
Os objetos científicos do Antares foram incorporados à entidade por meio de
convênios estabelecidos com outras instituições. Alguns já estavam em desuso por elas e
outros jamais tinham sido utilizados. Assim ocorreu com o Fotoheliógrafo e dois telescópios
refratores, adquiridos na década de 1970, e com o telescópio laser, no final dos anos de 1980.
A procedência dos equipamentos era divulgada pelos jornais, no entanto, nem sempre
os motivos da concessão pela instituição doadora eram informados. Há indícios de
desinteresse por alguns desses equipamentos por parte daqueles que estavam cedendo-lhes.
Mas, ao chegar ao Antares, a concepção que se tinha ou se formava sobre eles era outra. Eram
tomados enquanto ferramentas de alta qualidade, necessárias para compor o quadro estrutural
da entidade.
No Folha do Norte, por exemplo, há uma matéria da edição dos dias 30 e 31 de julho
de 1978, intitulada “Antares tem novos telescópios”. No texto consta que o Observatório
havia conseguido dois telescópios refratores, da marca Cassegrain, por meio de um convênio
realizado com o Programa de Melhorias das Instalações do Ensino Superior. Antes de chegar
ao Antares, foram utilizados pela Universidade Federal de Juiz de Fora e pela Universidade
Federal do Amazonas.123
Ao que parece, as negociações para a vinda desses equipamentos consistiam em uma
caminhada árdua e longa. O documento que autorizou a doação de um deles encontra-se com
a data de dois anos antes da publicação da matéria do Folha do Norte. No ofício 906/76,
datado de 05 de maio de 1976, há o encaminhamento de outro ofício da Universidade do
Amazonas que deixa à disposição o Telescópio Cassegrain Meniscus 150/2250. Nele há uma
solicitação para que o Antares tomasse as providências a fim de remanejar o objeto, além de
endossar os documentos em favor de Orrico e as credenciais para que o equipamento fosse
liberado.124
As reportagens além de anunciarem a aquisição dos novos objetos, noticiavam também,
por dias seguidos, o momento da chegada deles, o processo de montagem, a inauguração e as
personalidades que compareciam aos eventos. Essa prática foi percebida na maioria dos
periódicos consultados que costumavam divulgar as ações do Antares.
123 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 08.07.1978 - 20.08.1973. Jornal Folha do Norte, Feira de
Santana, 30 e 31 de julho de 1978, s/n. 124 BRASÍLIA. Ofício n°906/76, 05 de maio de 1976.
71
O que diferia de um jornal para o outro era apenas a data de publicação. Em alguns
casos, chegou-se a repetir até o mesmo texto, assim, por exemplo, ocorreu com duas matérias,
uma divulgada pelo A Tarde, no dia 7 de junho de 1978, e a outra pelo Diário de Notícias, em
8 de junho.125 Nas duas, deu-se o seguinte título com uma pequena diferença, a troca do
segundo “do” por “de”: “Programa do Antares será totalmente feito através do computador”.
Os jornais divulgavam as aquisições do Antares sempre vinculand a imagem da
entidade à ideia de um grande centro de pesquisa astronômica, o único do Norte e Nordeste,
de grande potencial educativo e turístico. Além disso, considerava toda e qualquer
aparelhagem adquirida pela entidade como sofisticada e moderna, mesmo que algumas dessas
ferramentas estivessem obsoletas em outras organizações, ou até mesmo chegassem
incompletas. Foi o caso do telescópio laser. Um objeto de peso e tamanho consideráveis, que
ao chegar ao Observatório, parece que não desempenhava satisfatoriamente a função principal
de medir a distância entre a Terra e a Lua, pela ausência do canhão laser.
Ainda assim, esses objetos apareciam retratados nos periódicos como instrumentos
que contribuíam de maneira significativa para o crescimento da entidade. Seja no momento de
suas chegadas ou no final dos anos de 1980 e início dos anos de 1990, quando o Antares
passava por dificuldades. Na matéria de 05 de junho de 1991, do A Tarde, o articulista
endossou essa função dos instrumentos ao registrar que em 1985, a entidade teria adquirido
(...) projeção internacional ao incluir entre os seus equipamentos um
telescópio laser Grupo-90, de fabricação norte-americana, o único da América
do Sul e um dos três existentes do mundo. Os demais estão na Bélgica e nos
Estados Unidos. Esse equipamento pode aproximar um astro 1400 vezes e foi
um verdadeiro prêmio para César Orrico, que começou tudo com um
telescópio que aproximava apenas 80 vezes. 126
Em um dos documentos oficiais, um relatório produzido e anexado ao processo de
número 026/89, destinado ao governo estadual, os instrumentos apareceram arrolados em um
item intitulado “Equipamentos Técnicos Disponíveis”. Nele, consta 12 objetos, cuja descrição
segue:
125 Respectivamente: COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 08.07.1978 - 20.08.1973. Jornal A Tarde,
Salvador, 07 de junho de 1978, s/n; COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 08.07.1978 - 20.08.1973.
Jornal Diário de Notícias, Salvador, 08 de junho de 1978, s/n. 126 A Tarde, Salvador, 5 jun.1991, p.14.
72
Quadro 3: Instrumentos científicos do Observatório Antares
- Telescópio de 15 cm de abertura da Star Line Company – USA Objetiva acromática de 150 mm.
Relação focal: F/d 15 – 2286 Montagem equatorial com clock drive. Comando em movimento
elétrico em AR e Declinação. Um prisma zenital. Uma luneta buscadora de 300 mm. Seis oculares
ortoscópicas.
- Fotoheliógrafo Steinhel – Muchen – Alemanha. Uma câmera fotográfica 9x12. Dispositivo de
acompanhamento a corda. Três chassis fotográficos duplos. Montagem equatorial.
- Telescópio refletor Dinamax 8 – USAF / d-8 – 2110 mm. Três oculares ortoscópicas. Montagem
equatorial. Mocimento em clock drive. Dois círculos posicionais – AR e declinação. Comando
elétrico de velocidade. Filtro solar.
- Telescópio Meniscus – Cassagrain Refletor – Alemanha. Dois círculos posicionais e declinação.
Montagem equatorial. F/d 150/2286 mm. Três oculares ortoscópicas. Uma astro-câmera 9x12.
- Um telescópio refletor – d / Japan. Montagem azimutal – 150 mm – Duas oculares. Filtro solar.
- Cronômetro com ponteiro de parada – Suíça.
- Um filtro solar – skriin.
- Uma central horária a Quartzo.
- Dois computadores CP-500 com drive.
- Uma impressora P-720.
- Um estabilizador de 1Kva eletrônico.
- Um binóculo swift 7x35
Fonte: Anexo de processo 026 / 89 do governo de Estado da Bahia. Arquivo Museu
Antares
Os objetos e suas representações
Na experiência do Antares, no que se refere ao papel da imprensa, houve a intenção de
construir uma imagem pública da entidade e daqueles envolvidos, direcionada para um perfil
científico, um grupo que “entendia” de astronomia.
Pierre Bourdieu denomina essas iniciativas de sistemas simbólicos. Segundo ele, tais
sistemas “[...] cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação
da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre a outra
(violência simbólica) [...]”.127
Dentre os artifícios utilizados pelos dirigentes dos Antares, viu-se no capítulo anterior,
que os mais empregados foram os periódicos e as fotografias. Houve momentos em que eles
foram utilizados em conjunto, reforçando a memória dos leitores. Vale ressaltar que ambos os
instrumentos são recursos “dignos” de uma sociedade moderna.
Se, por um lado, os objetos científicos são produtos modernos e materializam a prática
astronômica do Antares, por outro, há que se considerar o papel das representações
127 BOURDIEU. Pierre. O poder simbólico. p.11.
73
fotográficas desses mesmos objetos para a história da entidade e sua memória. Na medida em
que os aparatos científicos chegavam às dependências do Antares, além de servirem aos fins
almejados, convertiam-se em peças a serviço da memória, ao serem registrados em imagens
fotográficas quando utilizados. Resta claro o interesse de “encenar” para a posteridade uma
prática científica. Um evidente entrelaçamento entre “práticas” e “representações”, para usar
os termos de Roger Chartier.128
Portanto, contar a história do Antares com base nas aquisições e uso dos instrumentos
de trabalho dos astrônomos requer considerar as representações que se faziam sobre esse
patrimônio. Sob esse aspecto, história e memória encontram-se inteiramente articuladas.
O recurso da fotografia para preservar uma memória das práticas científicas do
Antares traz embutido, necessariamente, um dispositivo moderno: a própria fotografia,
mesmo que em algumas situações ela tenha sido utilizada para “simular” uma conduta
científica.
Na visão de Susan Sontag é possível compreender a fotografia como um aparato da
vida moderna quando:
[...]uma de suas atividades principais consiste em produzir e
consumir imagens, quando imagens que têm poderes excepcionais
para determinar nossas necessidades em relação à realidade e são, elas
mesmas, cobiçados substitutos da experiência em primeira mão se
tornam indispensáveis para a saúde da economia, para a estabilidade
do corpo social e para a busca da felicidade privada.129
Ao fazer um breve levantamento das fontes iconográficas do Antares, percebe-se que a
maioria delas foi produzida intencionalmente pelo fotógrafo e pelos indivíduos que estavam
no cenário a ser registrado. São raras as imagens “flagrantes”, registrando momentos de
descontração, como da figura 8. Boa parte delas havia aquele instante de se fazer a “pose”
para a foto.
128CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria Manuela
Galhardo. Lisboa: Difusão Editora, 1988. 129 SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
p.170.
74
Figura 8: Ronaldo Mourão (Rio de Janeiro) e Drance Amorim (Feira de Santana)
Fonte: Acervo pessoal de Ronaldo Mourão
Dentre as principais composições estão o registro de personalidades astronômicas e
políticas, tanto em momentos solenes quanto de descontração, instrumentos astronômicos
sendo manipulados e eventos astronômicos. Ao reunir essas diferentes imagens, com os mais
diversos temas, consegue-se identificar uma espécie de linha cronológica da entidade com
uma narrativa que apresenta começo, meio e fim.
A maioria dessas imagens foi produzida pelo fotógrafo Antônio Ferreira Magalhães.
Isso se deu, não apenas pelo cargo ocupado por ele, de diretor fotográfico no Antares, mas
também porque ele exerceu a função de fotojornalista no Feira Hoje. No livro História nas
lentes: Feira de Santana pelo olhar do fotógrafo Antônio Magalhães, tem-se uma espécie de
“raio x” acerca da sua vida profissional.130Na apresentação da obra, consta que nela havia:
[...] registros fotográficos da história e sua rara consciência
acerca da importância de cada imagem, cada documento produzido,
sem dúvida, como parte de sua atividade profissional, mas também
como resultado de um projeto, ainda que inconsciente, de registrar e
explicar, de atribuir e reconhecer significados, de identificar e
identificar-se com seu (novo) lugar.131
Dessa maneira, é possível dizer que as imagens de Magalhães, é seu próprio olhar.
Kossoy, nessa perspectiva considera: “o registro visual documenta, [...] a própria atitude do
130 MAGALHÃES, Antonio Ferreira de. História nas lentes: Feira de Santana pelo olhar do fotógrafo Antônio
Magalhães / Antonio Ferreira Magalhães, Aldo José Morais Silva, Clóvis Frederico Ramaiana Morais Oliveira.
Feira de Santana: UEFS Editora, 2009. 131 MAGALHÃES, Antonio Ferreira de. História nas lentes, p.14.
75
fotógrafo diante da realidade; seu estado de espírito e sua ideologia acabam transparecendo
em suas imagens [...]”.132
Figura 9: Inauguração do Observatório Antares, em 1974
Fonte: Acervo pessoal de Ronaldo Mourão
Dentre os momentos solenes, vale destacar a inauguração oficial do Observatório, em
novembro de 1974. Essa imagem, ao que parece, foi reproduzida várias vezes. No entanto,
não se chegou a vê-la nos periódicos. Um dos originais foi encontrado em 2013, na residência
de Ronaldo Mourão. Em seu verso constava uma marca de carimbo do “Estúdio Magalhães”.
Indagado sobre a imagem, o fotógrafo descreveu as circunstâncias sob as quais ela foi
produzida, já que ele apareceu também na composição. Segundo ele, deveríamos atentar-nos,
ao olhar àquela fotografia, para a altura em que a máquina estava, pois, como se vê, ela pega
um ângulo de baixo para cima, já que fora seu filho, ainda criança, que fez o “click”.133
Percebe-se pela imagem, a intenção de registrar a posição social dos personagens.
Nela, todos estão com trajes formais, dignos de um momento solene. No entanto, aqueles que
eram ocupantes de cargos mais altos, como o astrônomo Ronaldo Mourão, e os diretores de
outros Observatórios, estão trajados de maneira mais discreta, enquanto José Olímpio
Mascarenhas, (colaborador da entidade), o Fotógrafo Magalhães e César Orrico vestiram-se a
moda da época, calças boca de sino e paletós quadriculados.
O registro de outro momento formal que nos chamou atenção foi a entrega de um
quadro para ACM, um gesto que visava obter apoio para a construção do Antares. O cenário
132 KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Editora Ática, 1989, p.27.
76
foi narrado também por Magalhães, em entrevista concedida no ano de 2013. Segundo o
fotógrafo, todas as lembranças daquele episódio eram-lhes claras como se fizessem parte de
seu presente. Eles entregaram aquele quadro com o intuito de pedir ajuda, pois a prefeitura
tinha doado o terreno e eles precisavam cercá-lo, adquirir documentação e para tudo isso
precisava-se de dinheiro.
Para então conseguir o apoio do governador, eles produziram aquele quadro, com a
imagem de um eclipse lunar registrado pelos aparelhos do fotógrafo, que, segundo ele,
possuíam boa qualidade.
Magalhães chegou a descrever o quadro como sendo uma fotografia da lua, com
crateras muito bonitas, com o eclipse já tomando quase que a metade do satélite terrestre. Para
ele, com aquela imagem fez-se um pôster 50x60, foi entregue ao governador. Em
consequência disso, Magalhães afirmou que não só ganhou o apoio de Antônio Carlos
Magalhães, mas também de muito outros, como Ângelo Calmon de Sá, presidente do Banco
Econômico.134
Ao que parece, essa mesma imagem foi assunto em um informe especial sobre Feira
de Santana, no Jornal do Brasil.135 Intitulada “Telefoto Magalhães abrigo de um artista”, a
matéria informa sobre os vários cursos de capacitação feitos por ele, bem como seus
equipamentos de alta qualidade. O Antares foi colocado em destaque enquanto entidade que
conferiu visibilidade a seu trabalho, pois, segundo o articulista, Magalhães viu um de seus
registros serem apreciados por milhares de brasileiros e pessoas das mais diferentes
nacionalidades, por causa de uma fotografia do eclipse da Lua, que foi publicada em “diversas
revistas internacionais e praticamente em todos os jornais brasileiros”.
135Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 nov. 1976, p.28.
77
Figura 10: Entrega de quadro para Governador ACM
Fonte: <http://ginasiosantanopolis.blogspot.com.br/search/label/Carlos%20Bacelar>. Acesso em: 24/03/2017.
Ao falar sobre essa imagem, Magalhães não a tinha em mãos. A descrição do
momento por ela registrado contou apenas com a memória do entrevistado. Essa situação faz
refletir quanto ao poder que as fontes imagéticas possuem. Dentre as várias definições dadas
por Kossoy, há um fragmento que destaca bem o que ocorreu com Magalhães naquela
situação. Kossoy diz que as “[...] imagens nos levam ao passado numa fração de segundo;
nossa imaginação reconstrói a trama dos acontecimentos dos quais fomos personagens em
sucessivas épocas e lugares.”136
A tal imagem só foi encontrada quatro anos depois, em 2017, quando este trabalho já
estava em fase de conclusão. Durante uma pesquisa na internet, achou-se um blog do Colégio
Santanópolis, instituição de ensino criada pelo deputado Áureo Filho, onde estudou César
Orrico. O site tem cunho memorialístico, nele é possível acessar diversos depoimentos de ex-
alunos, como foi o caso de Carlos Bacelar. Em seu texto, há um relato de seu envolvimento na
criação do Antares, como também diversas fotografias. Dentre elas, encontra-se a foto acima,
por ele descrita da seguinte maneira:
Este foi o momento quando César, Zé Olímpio e Dep. Áureo Filho
entregaram uma foto da lua ao Gov. Antônio Carlos Magalhães, e
apresentaram o projeto de Raimundo Torres, para a construção
do Observatório, que foi o momento que o Gov. disse: “Vamos
construir o Observatório”. Estavam presentes: Dep. Vieira Lima, Gov.
ACM, Dep. Áureo Filho, Dep. Augusto Matias, Zé Olímpio e Cezar
Orrico.137
136 KOSSOY, Boris. Fotografia e História. p. 68. 137 Consultar: <http://ginasiosantanopolis.blogspot.com.br/search/label/Carlos%20Bacelar>. Acesso em:
24/03/2017
78
Outra situação parecida ocorreu na fotografia seguinte. A imagem fora encontrada no
mesmo site que a anterior e condiz com uma das falas de Magalhães, quando afirmou que o
Antares “nasceu” no fundo de sua “casinha”. Essa fala do fotógrafo faz refletir acerca da
importância das fontes orais colocada por Verena Alberti e sobre a ideia de contexto, posta
por John Berger.
Alberti diz que um dos pontos positivos de se utilizar as fontes orais está no “[...] fascínio
da experiência vivida pelo entrevistado, que torna o passado mais concreto e faz da entrevista
um veículo bastante atraente de divulgação de informações sobre o que aconteceu.” 138
Já Berger, em seu livro Para entender uma fotografia, defende a seguinte ideia: “Se
queremos pôr uma fotografia de volta no contexto da experiência, da experiência social, da
memória social, temos de respeitar as leis da memória. Temos de situar a fotografia impressa
de modo que ela adquira algo do surpreendente caráter conclusivo daquilo que era e daquilo
que é.”139Acrescenta: “Esse contexto reinsere a fotografia no tempo – não em seu próprio
tempo original, pois isso seria impossível, mas no tempo narrado. O tempo narrado torna-se
tempo histórico quando é assumido pela memória social e pela ação social.” 140
Vê-se na imagem que ele e Orrico estão posicionados próximos de uma luneta
astronômica, a fim de representar a “familiaridade” de ambos com a ciência em questão.
Muito provavelmente, nenhum fenômeno celeste estava sendo observado. Apenas montou-se
um cenário onde os dois personagens foram evidenciados enquanto pessoas que sabiam
manipular o tal objeto.
138 ALBERTI. História dentro da História, p.170. 139 BERGER, John. Para entender uma fotografia. Tradução de Paulo Geiger. São Paulo: Editora Companhia
das Letras, 2017, p.85. 140 BERGER, John. Para entender uma fotografia, p.86.
79
Figura 11: César Orrico e Antonio Magalhães simulando observação
Fonte: <http://ginasiosantanopolis.blogspot.com.br/search/label/Carlos%20Bacelar>. Acesso em: 24/03/2017.
Essas simulações com objetos astronômicos tornaram-se frequentes no Antares.
Muitas das matérias publicadas nos periódicos locais e regionais eram acompanhadas por
imagens como a anterior. Ao observá-las, nota-se que não havia critério técnico-científico
sobre quem iria “manipular” o instrumento a fim de compor a fotografia. Além de César
Orrico, encontrou-se registro com um dos filhos de Antônio Magalhães simulando o uso de
um telescópio, na cúpula principal. A imagem foi publicada em 18 de março de 1986, no
Correio da Bahia, a fim de divulgar a participação da entidade na observação do cometa
Halley. 141
Figura 12: Filho de Antônio Magalhães simulando uso de telescópio.
Fonte: Jornal Correio da Bahia, 18 de março 1986. Arquivo Museu Casa do Sertão / Recortes Coleção UEFS
141 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1986. Jornal Correio da Bahia, Salvador, 18 de março de 1986,
s/n.
80
Para falar do evento, Orrico também apareceu encenando o uso do telescópio laser.
142Como se vê na imagem seguinte:
Figura 13: Orrico manuseando o telescópio laser
Fonte: Jornal A Tarde, 7 de fevereiro 1986. Arquivo Museu Casa do Sertão / Recortes Coleção UEFS
No entanto, o mesmo ambiente em que Orrico apareceu “cuidando” dos detalhes
relacionados à passagem do cometa Halley, conforme consta na legenda original, o
funcionário mais antigo da entidade, Francisco Roque, também apareceu “manipulando” um
instrumento astronômico.
Figura 14: Francisco Roque manuseando equipamento desativado
Fonte: Jornal A Tarde, 15 de junho 1991. Arquivo Museu Casa do Sertão / Recortes Coleção UEFS
Francisco Roque nunca ocupou uma função técnica da entidade ao ponto de utilizar
142 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1986. Jornal A Tarde, Salvador, 7 de fevereiro de 1986, s/n.
81
um instrumento para observação. Na entrevista, ele afirmou que esteve presente na vida do
Antares desde o início da instituição. Dentre os cargos por ele ocupados, estão o de pedreiro,
vigilante, serviços gerais e técnico em manutenção. Essa imagem chama a atenção não apenas
por Francisco Roque ter ocupado funções não técnicas, e por esse motivo não era a pessoa
“adequada” para lidar com o objeto, mas também pelo contexto no qual ela foi produzida. A
matéria da qual faz parte não trata do auge da entidade, mas de sua decadência, como se
verifica na legenda “importantes equipamentos estão desativados”. A figura de Roque não
apareceu em destaque ao longo dos primeiros anos do Antares. Ele ganhou evidência apenas
no período em que o Observatório estava em franca decadência, aparecendo como alguém que
tomava conta de tudo que estava abandonado. Em seu relato, destacou que Orrico chegou a
pagar-lhe para dormir no Antares, a fim de evitar possíveis vandalismos.
Os artefatos já não se encontram mais à disposição como vestígios de uma
experiência, o que sobreleva a importância de suas imagens para reconstruir a história do
Antares. Na medida em que desaparecem, esses objetos deixam de cumprir o papel de “lugar
de memória”, mas as fotografias deles ficaram para atestar a sua presença e verificabilidade
de sua existência.
Em muitos casos, as imagens desses objetos remetem às suas circunstâncias sociais e
políticas. Portanto, trata-se de registros documentais que extrapolam a singularidade do objeto
em si, incorporando momentos específicos da trajetória do Observatório. Nos tópicos que
seguem, destacam-se os objetos e suas circunstâncias, o que ajuda a compreender a dinâmica
e os usos políticos do patrimônio material e científico da instituição.
82
Central horária e a “precisão” do tempo
Figura 15: Inauguração da Central Horária do Antares, Antônio Carlos Magalhães
Fonte: Acervo pessoal Ronaldo Rogério Freitas Mourão
Poucos meses após a inauguração oficial do Antares, ocorrida em novembro de 1974,
César Orrico já aparecia nos periódicos realizando outras inaugurações, dessa vez, dos
equipamentos adquiridos. Como visto no primeiro capítulo, Orrico recebeu apoio, em 1975,
do empresário Drance Amorim, dono da ECNARD, para a implantação de uma Central
Horária.143
Segundo extensa matéria presente no Feira Hoje, esse empreendimento era visto como
essencial, pois era necessário ter uma referência de tempo preciso para a observação de
fenômenos que ocorriam em função dele. O novo equipamento foi descrito como um coração
pulsante de cristal piezo-elétrico de quartzo que vibrava em uma frequência de 120 mil ciclos
por segundo. Sua precisão estava na ordem de uma parte em cinquenta milhões, o que
equivalia a uma variação de tempo de cerca de 1 segundo a cada 579 dias. Ainda segundo a
reportagem, a Central Horária possuía sistemas digitais para indicadores da hora em formato
numérico e com sistema de áudio.
Essa “necessidade” de precisar o tempo é também um sintoma da modernidade. Bruno
Latour afirma que por mais que ela possua vários sentidos, “ainda assim, todas as definições
apontam de uma forma ou de outra, para a passagem do tempo. Através do adjetivo moderno,
assinalamos um novo regime, uma aceleração, uma ruptura, uma revolução do tempo.”144
143Feira Hoje, Feira de Santana, 18 mar. 1975, p.5. 144 LATOUR, Bruno. Jamais formos modernos. p. 15.
83
Figura 16: Inauguração da Central Horária do Antares, Antônio Carlos Magalhães e Drance Amorim
Fonte: Jornal Feira Hoje, 28 de março de 1975. Arquivo da Biblioteca Municipal de Feira de Santana
José Ângelo descreveu em sua entrevista, em outubro de 2017, que antes da
implantação da central horária, para obter a hora exata, ligava-se para o número 130 do
Observatório Nacional do Rio de Janeiro. E juntamente com o uso de um cronômetro
registrava-se a hora exata dos fenômenos astronômicos.
Segundo ele, a aquisição de uma central horária era mais que necessária, pois, para o
estudo dos eventos na astronomia, o horário preciso era fundamental. Do seu ponto de vista,
ele acredita que para resolver esse problema, e deixar de depender daquela central de
informações, César Orrico conversou com Drance Amorim, pois ele havia trabalhado na
NASA e, ao se aposentar, montou uma empresa de eletrônicos, a ECNARD. Segundo Ângelo,
Drance afirmou que havia a possibilidade de construir um relógio, a quartzo. De acordo com
as suas lembranças, a aparelhagem ficava em um armário grande, prateado. A sua aquisição
teria conferido maior credibilidade ao trabalho realizado no Antares.
Como consequência, segundo ele, a entidade chegou a realizar um trabalho para o
Observatório de Greenwich.
84
Relógio: “hora” do Antares para o povo
Figura 17: Monumento do Relógio na Avenida Getúlio Vargas
Fonte: Produção de Antônio Joaquim de Freitas Souza, 2017
Em decorrência da central horária, o Feira Hoje anunciou, quase um mês depois, os
planos para a construção de um relógio em parceira com o Rotary Clube de Feira de Santana e
com a empresa ECNARD.145 Segundo a matéria, o objeto seria instalado entre a Prefeitura e a
Igreja Senhor Passos, tornando-se mais um monumento para a cidade, projetado pelo
arquiteto Amélio Amorim. No entanto, ao que parece, os planos ficaram no papel por longo
período e somente anos depois fora instalado na mesma avenida, porém, em outro local.
Ao indagar José Ângelo sobre esse monumento, ele confirmou o envolvimento de
Drance Amorim no projeto, que por ausência de verba não foi concluído. Segundo ele, o
relógio foi implantado muitos anos depois, pelo Rotary, mas muito diferente do que a
princípio havia sido planejado. No projeto original, o monumento possuía o dobro ou triplo da
altura, seria digital e estaria ligado por cabo à central horária do Antares.
Ao empenhar-se em construir um monumento de grandes proporções no centro da
cidade, Orrico e os demais dirigentes do Rotary e da ECNARD, muito provavelmente,
queriam imprimir as suas marcas naquele objeto e fazer dele mais um instrumento de
divulgação e cristalização de suas imagens pessoais e profissionais no cenário Feirense.
Nessa medida, não haveria apenas a instalação de um simples relógio, a fim de
fornecer a hora certa para os transeuntes. Mas, sim, transformar seus nomes e os de suas
entidades em marcos. Mesmo que de forma inconsciente, seus idealizadores pensaram em
145 Feira Hoje, Feira de Santana, 14 abr. 1975, p.2.
85
algo que viria a ter, como diz Jacques Le Goff, o poder de perpetuação, uma espécie de
legado à memória coletiva. 146
Ao classificar qualquer objeto de monumento, é importante considerar sua etimologia.
Provinda do latim monumentum, que deriva de monere, palavra que significa “advertir”,
“lembrar”, ou aquilo que evoca lembrança.147
Ao empregá-la, Françoise Choay afirma que o seu propósito essencial é tocar pela
emoção, uma espécie de memória viva. E “nesse sentido primeiro, chamar-se-á monumento
tudo o que for edificado por uma comunidade de indivíduos para rememorar ou fazer que
outras gerações de pessoas rememorem acontecimentos, sacrifícios, ritos ou crenças”.148
No entanto, vale ressaltar que essa definição não cabe apenas ao relógio, aquilo que foi
chamado diretamente de monumento, mas, sim, a todo o patrimônio da entidade Antares.
Nisso, incluem-se livros, objetos científicos e o próprio patrimônio edificado. Ao ampliar
neste trabalho o corpo monumental, considera-se outra definição apresentada por Françoise
Choay, observada por A. Riegl:
[...]monumento é uma criação deliberada (gewollte) cuja destinação foi
pensada a priori, de forma imediata, enquanto o monumento histórico não é,
desde o princípio, desejado (ungewollte) e criado como tal; ele é constituído
a posteriori pelos olhares convergentes do historiador e do amante da arte,
que selecionam na massa dos edifícios existentes, dentre os quais os
monumentos representam apenas uma parte.149
Dessa maneira, reconhece-se que o relógio idealizado pelo Antares, em conjunto com
outras instituições, está no grupo em que Choay define enquanto monumento. Já as
ferramentas, matérias de estudo e o prédio da entidade, deverão ser compreendidos como
monumentos históricos, pois são objetos do passado que não tinham como função primária
serem monumentos. Ao atribuir-lhes esse valor, são convertidos em testemunhos históricos.
Se, por um lado, há uma parte do patrimônio do Antares que se apresenta ao público
na forma de “monumento” concebido com explícita intencionalidade, por outro, há aqueles
que só passaram a ser vistos quando convertidos em peças de museus. Suas funções originais
pereceram e eles passaram a “documento monumento”, como define Le Goff, ou
“monumento histórico”, como chama Françoise Choay.
146 LE GOFF, Jacques. História e Memória: Tradução Bernardo Leitão. São Paulo: Editora da UNICAMP,
1990. p. 536. 147 CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio: tradução Luciano Vieira Machado. 3. ed - São Paulo. Estação
Liberdade: UNESP, 2006. p. 17. 148 CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio. p. 18. 149 CHOAY, Françoise. Alegoria do patrimônio. p. 25.
86
Um desses objetos foi o Fotoheliógrafo, peça nuclear importante na formação de um
observatório astronômico.
Fotoheliógrafo: As manchas solares ao alcance do Antares
A chegada do Fotoheliógrafo no Observatório Antares representa, além do início dos
primeiros trabalhos na entidade, o estreitamento dos laços entre Orrico e os Astrônomos do
Observatório Nacional do Rio de Janeiro, Ronaldo Rogério Freitas Mourão e Marcomede
Rangel.
Não só a documentação museológica fez buscar a trajetória desse objeto, mas também,
a preocupação de perder a posse dele. Não foi encontrado na entidade qualquer documento
que atestasse a sua doação. Apenas consta um fragmento nos boletins de observações solares
que registram a situação de empréstimo, como se vê a seguir:
A Observação da fotosfera solar há tempos vem sendo planejada como
trabalho de pesquisa no Observatório Antares. Anos atrás haviam sido
ensaiados algumas observações que serão apresentadas em trabalho
vindouro. Depois do empréstimo de um refrator próprio para a observação
do Sol em luz branca, um Fotoheliógrafo Steinheil Müchen pelo
Observatório Nacional (Rio), foi possível esse empreendimento já como
rotina.150
Ao ser questionado sobre a sua participação no Observatório Antares, Mourão afirmou
que Orrico pediu-lhe apoio para estruturar a instituição. Assim, emprestou-lhe o
Fotoheliógrafo que estava parado na época no Observatório Nacional. Embora não estivesse
mais operando naquela instituição, Mourão afirmou que aquele objeto era o melhor que se
tinha por lá.151
Até aquele momento, havia a convicção de o objeto ser um Fotoheliógrafo da marca
Stenihiel Muchen, fabricado na cidade de Munique, Alemanha. E que chegou ao Observatório
Nacional do Rio de Janeiro, em 1887, como doação feita pelo funcionário Luiz da Rocha
Miranda, de acordo com o livro de Henrique Morize Observatório astronômico: um século de
história (1827-1927). 152
150 SOUZA, Antonio. et al. Observações solares:1ª série (janeiro a junho de 1979). Contribuição científica n.º4.
Feira de Santana: UEFS, 1979, p.3. 151 Entrevista com Ronaldo Mourão, 22 de maio de 2013. Arquivo Pessoal. 152MORIZE, Henrique. Observatório astronômico: um século de história (1827-1927). Rio de Janeiro:
Salamandra, 1987, p.3.
87
No entanto, no decorrer da pesquisa constatou-se que apenas a base do Fotoheliógrafo
de 1887 estava sob tutela do Antares, juntamente com a luneta que fora comprada em 1899.
A trajetória desse objeto torna-se ainda mais instigante ao saber que ele, ou parte dele,
contribuiu para a comprovação da teoria da relatividade de Albert Einstein, durante o eclipse
observado na cidade de Sobral, Ceará, em 1919. Não se sabe ao certo quais dos objetos
estiveram nessa expedição, se foi a luneta do Observatório Nacional ou se a do Antares. No
entanto, o que consta na ficha da documentação museológica do Museu de Astronomia e
Ciências Afins, é que a base e a luneta branca que estão no Antares foram instrumentos de
observação de um eclipse em Bagé, no Rio Grande do Sul.
Figura 18: Fotoheliógrafo em Sala de Exposição no Museu Antares
Fonte: Produção da autora, 2012
Contrariando esses primeiros indícios, dispõe-se do relato do ex-funcionário Ulisses
Bezerra, para quem o aparelho nunca deve ter sido utilizado no Observatório Nacional. Em
seu relato, afirmou que o Fotoheliógrafo nem chegou a sair da caixa. Essa constatação deu-se
ao perceber que ao colocá-lo em funcionamento em direção ao sol, ele fazia o movimento
contrário, impossibilitando visualizar as manchas solares no anteparo. Dessa maneira,
concluíram que o objeto fora produzido para observar as manchas solares no hemisfério norte
e não no hemisfério sul. A fim, então, de não deixar o equipamento inutilizado, Ulisses
relatou que um astrônomo de fora, de nome Guedes detectou o problema e o mesmo ferreiro
que fizera as cúpulas da entidade, denominado por ele de Zé Grande, foi quem o solucionou.
88
Segundo Ulisses Bezerra, Zé Grande inverteu a rotação do aparelho fazendo um furo do lado
oposto ao cabo de aço.
Para além da dimensão anedótica dessa narrativa, há que se reconhecer que as
condições de funcionamento do Antares não eram das mais favoráveis aos propósitos
científicos aos quais se propunha.
Nos periódicos, a aparição desse objeto, além de anunciar a sua doação, informava
acerca da construção do local em que ele seria alocado. No Feira Hoje, por exemplo, antes
mesmo de estar em funcionamento, apareceu uma matéria ponderando sobre a inauguração da
cúpula e do Fotoheliógrafo, com um mês de antecedência.153 Matéria de primeira página que
já no título destacava a possível presença de Antônio Carlos Magalhães no evento.
No corpo do texto, relatou-se que o equipamento pertencia ao Ministério da Educação
e Cultura / Observatório Nacional do Rio de Janeiro e que, devido a um convênio firmado
com a Fundação Universidade de Feira de Santana / Observatório Antares, o Fotoheliógrafo
viria a funcionar nessa cidade. Para a solenidade o Feira Hoje informou que além da
inauguração, haveria a assinatura do convênio entre os Observatórios, contando com a
presença não só de Antônio Carlos Magalhães, mas do Diretor do Observatório Nacional do
Rio de Janeiro, Luís Muniz Barreto e do astrônomo chefe Ronaldo Rogério Mourão. Foi
destacado que o prédio onde ficaria instalado o Fotoheliógrafo seria chamado de Governador
Antônio Carlos Magalhães. Na mesma perspectiva, foi encontrada uma nota na coluna
Etc&Tal, afirmando que o prédio que viria abrigar o Fotoheliógrafo estava em fase de
conclusão.154
Do total de entrevistados, o ex-funcionário Antônio Carlos da Graça talvez seja o que
mais possui uma memória individual atrelada ao Fotoheliógrafo, por ser, reconhecidamente,
o indivíduo que mais manipulou esse objeto. Resultados de pesquisas, boletins observacionais
e os cadernos de manchas solares atestam a sua atividade.
Ao questioná-lo sobre qual o momento que mais marcou a sua trajetória como
membro atuante no Antares, ele respondeu ter sido o dia em que fora escolhido para
manipular o Fotoheliógrafo. Com uma narrativa romanceada, com marcas nostálgicas,
Antônio Carlos descreveu que o episódio teria ocorrido numa manhã, por volta das nove
horas. Até aquele dia, era apenas um voluntário de César. Ao adentrar a entidade, percebeu
que havia alguém na cúpula pequena onde ficava o Fotoheliógrafo. Ele descreveu como sendo
153 Feira Hoje, Feira de Santana, 17 jul. 1975, p.1. 154 Feira Hoje, Feira de Santana, 7 ago. 1975, p.2.
89
um homem barbudo, o astrônomo Marcomede Rangel Nunes. Segundo Antônio Carlos,
Marcomede era um homem sempre sorridente, alegre e brincalhão.
No momento em que ele chegou à cúpula, percebeu que Marcomede estava
observando o sol com o novo equipamento. Logo em seguida, perguntou-lhe se ele queria
desenhar o sol. Antônio Carlos disse que sim e a partir dali iniciaram os trabalhos. Primeiro,
ele sentou e ouviu Marcomede explicar todo o processo. Em seguida, Antônio Carlos disse
que começou a desenhar e Marcomede se “apaixonou” pelo resultado, reconhecendo nele a
pessoa certa para desempenhar aquela função, mesmo que o próprio Antônio Carlos não
soubesse com precisão do que se tratava.
Quando César Orrico chegou à entidade naquela manhã, os três subiram até a sala
principal, onde Marcomede teria sugerido: “César, esse é o cara que você precisa para fazer
pesquisa do sol”. Segundo Antônio Carlos, aquele episódio foi um momento de sorte seu, pois
foi depois dele que ele passou quinze dias observando o sol com Marcomede, sendo, mais
tarde, contratado oficialmente pelo Observatório Antares.
O ex-funcionário assegurou que a sua contratação se fez ainda mais necessária, a partir
do instante em que a entidade percebeu o alto custo e a dificuldade de encontrar as chapas
fotográficas de vidro, que se colocavam na astro câmera do Fotoheliógrafo.
Segundo ele, a solução para esse problema foi o “ponto chave” para a sua contratação,
pois ele desenhava tão bem as manchas solares, que se aproximava muito do registro feito
pelas placas da astro câmera. E assim, as chapas deixaram de ser utilizadas e ele começou a
desenhar o sol com qualidade e precisão, capacidade que muito o orgulha e a qual
consideram muito importante, pelo menos nos limites do enquadramento de sua memória.
90
A estação meteorológica e a previsão do tempo
Figura 19: Estação Meteorológica do Observatório Antares
Fonte: Jornal Feira Hoje, 27 de março de 1976. Arquivo Museu Casa do Sertão
Dois meses depois, no mesmo periódico, a inauguração do Fotoheliógrafo aparece
noticiada com informações adicionais sobre outro equipamento que também estava sendo
implantado na entidade, a estação meteorológica. Nessa matéria, intitulada de “Antares
inaugura estação meteorológica e Fotoheliógrafo”, constam quase as mesmas informações
acerca do Fotoheliógrafo. A novidade maior era sobre a estação meteorológica. Informou-se
de que maneira ela estava sendo adquirida, quem instalaria e sua utilidade. Nesse último
quesito o articulista afirmou que o equipamento era de importância para diversos setores,
como as indústrias de construção, as estradas de rodagens e para o plantio.
No dia da inauguração, o Feira Hoje publicou mais uma matéria: “Antares”.
Informou-se, através dela, que às 15 horas daquele dia, a estação meteorológica e o
Fotoheliógrafo seriam inaugurados com a presença de várias autoridades, inclusive do então
ministro da Agricultura Alysson Paulinelli, do governador Roberto Santos, do secretário
estadual de agricultura, José Guilherme Mota, e do presidente do Banco do Brasil, Ângelo
Sá.155
Ao final da matéria, enfatiza-se a presença das autoridades para ressaltar a importância
do evento. Segundo o articulista, isso era mais uma demonstração de que o Antares não estava
restrito aos limites da cidade de Feira de Santana ou da Bahia. Para ele, essa entidade estava
atingindo outros estados e crescia cada vez mais, elevando o seu nome e o de seu município.
155 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1975. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana, 01 de novembro de
1975, s/n.
91
No Jornal da Bahia, a figura do ministro foi destacada através da matéria “Paulinelli
inaugurou novos equipamentos do Observatório”.156 Pelo texto, compreende-se que a sua
presença foi em consequência da estação meteorológica, que fora instalada devido a mais um
convênio do Observatório Antares. Dessa vez, com o 4° Ministério da Agricultura. Segundo o
articulista, a maioria dos equipamentos da estação era importada pelo ministério, a fim de se
integrar uma rede meteorológica mundial para prestar serviços à comunidade.
No entanto, segundo José Ângelo, a estação meteorológica chegou ao Antares devido
ao fechamento do campo de aviação da central Feira de Santana. Durante a sua entrevista, ele
recordou o local exato em que os equipamentos ficavam no Antares, inclusive os especificou
como sendo composta por um tanque de evaporação, uma casa do termômetro, barômetro,
entre outras coisas.157
Assim, vão-se revelando detalhes nem sempre convergentes entre os registros
produzidos, à época, na imprensa e a memória daqueles que viveram aquela experiência.
Cúpulas: Um local ideal para os telescópios.
Figura 20: Cúpula em evidência
Fonte: Jornal Tribuna da Bahia, 19 de setembro de 1977. Arquivo Museu Casa do Sertão / Recortes Coleção
UEFS
156 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1975. Jornal da Bahia, Salvador, 2 de novembro de 1975, s/n. 157 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017
92
A reportagem é datada de 12 de setembro de 1974, foi encontrada no Feira Hoje e tem
o seguinte título: “Astrônomo vem montar cúpula no Antares”.158 Nela, o articulista menciona
a vinda do astrônomo Antônio Rezende Guedes, diretor-presidente do Observatório
Astronômico Galileo Galilei, de Juiz de Fora, Minas Gerais, a fim de orientar a colocação da
cúpula do Antares e regular um telescópio refrator.
Os informes acerca dos objetos esclareciam se eles já estavam devidamente montados,
além de quando seriam inaugurados. No caso da cúpula, informou-se, por exemplo, na
primeira página do dia 19 de setembro de 1974, que ela já havia sido montada, e que naquela
edição, teríamos mais informações na página três. 159 Nessa, por sua vez, a matéria ocupa a
parte superior do jornal e é sinalizada por um título em negrito, com a seguinte frase:
“Antares já tem cúpula”.160 No corpo do texto, o articulista chama a atenção para as
características, constitutivas do objeto, seu funcionamento, o que ele iria abrigar, e quem
auxiliou no processo de montagem. Nesse último item, além de pessoas, é mencionado o
nome da empresa de Pneus Tropical.
Planetário: um céu imaginado
Em 5 de novembro de 1974, os leitores do Feira Hoje, depararam-se com uma extensa
reportagem que valorizava não só a entidade recém-inaugurada, mas também seus novos
projetos.161 Intitulada “Uma fantástica viagem pelo espaço”, a matéria promete aos futuros
visitantes da entidade, uma viagem ao espaço sem sair da cidade. Nela, “desfilariam” aos
olhos do público, confortavelmente sentados em uma poltrona, o Sol, a Lua, planetas, estrelas,
cometas e outros corpos celestes.
Na matéria, o Antares era posto para além de um centro de pesquisa astronômica.
Constituir-se-ia, também, como centro de lazer jamais existente na cidade. Para fazer com que
o leitor “viajasse” ainda mais naquele sonho, o texto veio acompanhado de um desenho que
destacava toda a magnitude do Antares. Nele tem-se representado um casal adentrando o
Observatório e para a disponibilidade deles, um espaço amplo, arborizado, com dois prédios
de arquitetura singular. Sendo um, o principal, e o outro, o futuro planetário a ser instalado.
158 Feira Hoje, Feira de Santana, 12 set. 1974, p.3 159 Feira Hoje, Feira de Santana, 19 set. 1974, p.1 160 Feira Hoje, Feira de Santana, 19 set. 1974, p.3 161Feira Hoje, Feira de Santana, 5 nov. 1974, p.2
93
Figura 21: Desenho representando todo o Observatório Antares
Fonte: Jornal Tribuna da Bahia, 5 de novembro de 1974. Arquivo Museu Casa do Sertão
o ex-secretário da entidade, Helder Alencar, em entrevista informou sobre as
estratégias utilizadas para a implantação do planetário, no final da década de 1970, bem como
o porquê do insucesso do projeto. Já nas matérias dos periódicos o que se tem sobre esse
aparato é um apelo para a sua implementação, tendo em vista o valor e a necessidade que se
lhe atribuía, diante de uma urbe carente de atrativos turísticos.
Antes mesmo da inauguração oficial do Antares, que ocorreu em novembro de 1974,
já se divulgava na imprensa as pretensões de fixar um planetário nas suas dependências. 162 O
primeiro vestígio desse projeto pode ser conferido na coluna “Astronomia em Foco”, de 3 de
março de 1973, no Folha do Norte.163 No texto, César Orrico parecia querer sensibilizar o
público leitor do jornal para a importância da construção de um Planetário na região.
Para isso, ele divulgou informações daqueles já existentes, em especial, o Planetário
Municipal de São Paulo. Descreveu, em detalhes, o que seria possível vivenciar com o
aparato tecnológico, sem revelar do que se tratava, como se vê a seguir:
Quase trezentas pessoas, confortavelmente instaladas sob o teto em
forma de cúpula, admiram o espetáculo raro de um céu cheio de estrelas. E
têm a nítida impressão de estar contemplando o céu numa noite de perfeita
visibilidade, sem nuvens, sem poeira e sem iluminação urbana, que tanto
prejudicam esse espetáculo visto ao ar livre. Enquanto um professor
descreve os diversos fenômenos celestes daquela noite e localiza o céu
artificial, planetas e constelações, músicas cuidadosamente selecionadas,
com alusão aos fenômenos comentados, acompanham toda a exposição que
dura mais ou menos uma hora.
162 Feira Hoje, Feira de Santana, 04 out. 1973, p.2. 163 Folha do Norte, Feira de Santana, 03 mar.1973, p.1.
94
Nos meses seguintes, na mesma coluna do Folha do Norte, foi noticiada por três
vezes, entre o mês de setembro e outubro, a implantação de um planetário em Feira de
Santana. O tema chamou a atenção pelos seus títulos, dispostos numa espécie de sequência.
No dia 29 de setembro de 1973, aparece como “Planetário”; no dia 13 de outubro, “Planetário
I”; e, no dia 27 do mesmo mês, “Planetário III”. Nas três reportagens, verifica-se que o intuito
era apresentar um projeto de implantação criado pela Fundação Observatório Antares.
De acordo com matéria do dia 29 de setembro, naquele ano de 1973, completavam-se
500 anos do nascimento de Nicolau Copérnico. Por esse motivo, estava sendo considerado o
Ano Mundial da Astronomia. E para homenageá-lo, aquela Fundação resolveu elaborar um
projeto que visava à criação de um Planetário.164
Nesse mesmo texto, o articulista César Orrico diz que a cidade de Feira de Santana
tendia a se tornar um Centro Astronômico da Bahia, devido à construção do Observatório
Antares. E com a construção de um planetário, que segundo ele, seria dirigido por pessoas
ligadas à Astronomia, à Física, à História e à Geociência, a cidade teria um complexo
científico e cultural que representaria um dos fatores concretos para o seu desenvolvimento.
No texto seguinte, “Planetário I”, viu-se que, além da exaltação do projeto, havia uma
justificativa do porquê de tanto interesse no assunto.165 Segundo ele, a humanidade vivia uma
década de conquistas espaciais, que havia se tornando notícia constante nos jornais. E com a
“explosão” da Era Espacial, houve necessidade de um largo programa de educação, no qual
seria proeminente o papel das ciências espaciais. Por esse motivo tal empreendimento era
indispensável, havendo já o reconhecimento de organismos Federais, como ocorreu com a
criação do Sistema Nacional de Informação Científica e Tecnológica (SNICT).
Ainda de acordo o texto: “O progresso de um país repousa certamente num equilíbrio
sadio entre o espírito científico e o cultivo das letras e das artes”.
No texto “Planetário III”, foram apresentadas as especificações do modelo que se
desejava implantar em Feira de Santana: um Spacemaster da VEB Carl Zeiss Carl Jena. Iguais
a esse existiam cinco no Brasil, nas cidades do Rio de Janeiro, Porto Alegre, Santa Maria,
Brasília e Goiânia. Seu preço estava estimado em 339.470,00 dólares. 166
Ainda segundo o texto, o Projeto Planetário era consequência direta do trabalho
executado pelo Observatório / Fundação Universidade de Feira de Santana, que visava criar
164 Folha do Norte, Feira de Santana, 29 set.1973, p.3. 165 Folha do Norte, Feira de Santana, 13 out.1973, p.2. 166 Folha do Norte, Feira de Santana, 27 out.1973, p.4.
95
um complexo científico-cultural. Não satisfeito, César Orrico destacou que todo esse
empenho estava baseado em uma pesquisa. Segundo ele, os dados coletados faziam parte do
índice de crescimento da cidade de Feira de Santana, que por sua vez, foram constatados por
meio do Plano Nacional de Ação Cultural, do Sistema Nacional de Informação Científica e
Tecnológica e do Plano Integrado de Turismo.
Sua conclusão foi de que havia a necessidade da criação de um Centro de Informação
Científica e Tecnológica. Tarefa essa que deveria ser vista como imprescindível e inadiável,
tendo em vista que a pesquisa evidenciou Feira de Santana com alto grau de importância no
cenário baiano, mas com fraco desenvolvimento no ensino superior, apesar do recente
destaque, conferido pela implantação da universidade e de outras entidades educacionais de
ensino secundário. Esses fatores fariam com que o município alcançasse a emancipação
prevista nas emendas educacionais do Ministério de Educação e Cultura (MEC).
O estudo também mostrou que a ciência astronômica merecia mais destaque nas
universidades e escolas, a fim de favorecer os centros de informação tecnológica. Com a
implantação do planetário, essas promoções estariam asseguradas, segundo a matéria, pois
ele seria constituído por um complexo científico-cultural como um espetáculo didático que
resultaria em benefícios imediatos para uma população que tendia a um elevado índice de
escolaridade.167 Por outro lado, a matéria divulgou também que o planetário visava promover
lazer à comunidade, bem como o desenvolvimento turístico, entrando, assim, no mesmo
patamar das cidades que já possuíam o equipamento.
No entanto, apesar de todos esses ‘estudos’ e projetos, parece que as articulações
políticas para a implantação do Planetário só ganharam notoriedade seis anos depois. Tal
constatação tem como base uma matéria do dia 31 de outubro de 1979 e uma fala de Helder
Alencar, durante uma entrevista realizada no dia 13 de junho de 2017.168
A primeira fonte conta que ocorreu uma audiência no Rio de Janeiro entre o ministro
Eduardo Portella, os Astrônomos César Orrico, Ronaldo Mourão e Marcomede Rangel, além
de Franco Portella e Helder Alencar, a fim de dar os encaminhamentos necessários para a
implantação do planetário. Nesse encontro, exaltou-se a alta complexidade do equipamento,
considerado-o o mais elevado da América do Sul, bem como o grau de envolvimento de
Helder Alencar e Franco Portella no empreendimento.
167 Folha do Norte, Feira de Santana, 27 out.1973, p.4. 168 Entrevista concedida em 13 de junho de 2017
96
Na entrevista, Helder Alencar contou a sua experiência, selecionando e organizando os
fatos que para ele fazia mais sentido.169 Dessa maneira, privilegiou as informações que
concerniam à época em que ele trabalhou com Eduardo Portella, bem como o motivo pelo
qual o planetário não foi implantado. Segundo ele, Orrico foi com frequência ao Rio de
Janeiro a fim de resolver as pendências para implementá-lo. Os dois chegaram a ir à Brasília,
à custa do próprio César, mas, na ocasião, o ministro foi exonerado e Helder Alencar perdeu o
cargo e nada mais pôde fazer pelo projeto.
Telescópio laser: um “grande” instrumento
Outro objeto que recebeu a atenção da imprensa foi o telescópio laser. Foram
encontradas diversas matérias sobre ele, no entanto, em nenhuma delas, a questão da ausência
do laser foi mencionada. Especula-se, entre antigos funcionários do Antares, que essa parte do
telescópio tenha sido furtada antes mesmo de sua chegada à entidade e que, depois, ela tenha
aparecido em um carnaval do Rio de Janeiro.
No entanto, o que se tem de concreto é que a divulgação desse objeto fez-se de maneira
ampla, inclusive anunciando a sua principal função. Consta na matéria “Antares adquire 1°
telescópio laser”, do dia 28 de maio de 1985, publicada no A Tarde, que o aparelho seria
utilizado para medir a distância entre dois pontos fixos entrea Terra e a Lua, com tal precisão
que um erro seria inferior a um metro.170 No entanto, o que não foi informado é que aquele
objeto não operaria para esse fim, seu desempenho seria apenas de um telescópio normal, de
até menor tamanho e peso.
Na mesma reportagem descreveu-se todo o processo de translado e instalação do
equipamento na entidade. De acordo com o texto, um prédio específico foi construído para
abrigar o objeto, bem como precisou-se de um guincho para retirar os dois caixotes em que
ele estava dividido, e colocá-los pelo telhado, como se vê na imagem a seguir:
169 ALBERTI, Verena. “História dentro da História”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes Históricas. 3ª
ed. São Paulo: Editora Contexto, 2015, p.171. 170 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 02.05.85 - 31.05.85. Jornal A Tarde, Salvador, 28 de maio de
1985, s/n.
97
Figura 22: Descarregando o Telescópio Laser no Antares
Fonte: Jornal A Tarde, 28 de maio de 1985. Arquivo do Museu Casa do Sertão
Segundo a matéria, um dos caixotes pesava cerca de 550 quilos e continha um painel
em forma de Rack, com a parte eletrônica. O outro, que provavelmente guardava a maior
parte o telescópio, com 3.680 quilos deveria ser elevado à altura de seis metros, devido ao seu
grande volume.
Nessa mesma perspectiva, estava também uma reportagem publicada no dia 22 de
maio de 1985, no Feira Hoje. Já na primeira página, constava uma grande manchete com a
frase “Primeiro telescópio a laser do Brasil instalado em Feira”, seguida de um texto.171 Os
detalhes da notícia foram dados na mesma edição, na terceira página. As informações iniciais
foram as mesmas publicadas pelo A Tarde, desde seus detalhes constitutivos até a sua função
principal.172
No entanto, o que chama a atenção é a descrição feita sobre o teto que iria abrigar o
telescópio. Segundo a reportagem, ele seria deslizante, o que possibilitaria o objeto
acompanhar os astros nos mais diversos ângulos. Informava também que o teto seria
deslocado por roldanas, mediria cinco metros de largura por sete de comprimento e seria
constituído por cantoneiras em ferro, recebendo uma cobertura de alumínio.
Segundo o articulista, Orrico informou que as negociações com a Universidade de
Brasília para a doação do equipamento duraram aproximadamente onze meses. O objeto
estava avaliado em 850 milhões de cruzeiros e a UNB cedeu-o por não estar em condições de
colocá-lo em funcionamento.
171 Feira Hoje, Feira de Santana, 22 maio. 1985, p.1. 172 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 02.05.85 - 31.05.85. Jornal A Tarde, Salvador, 28 de maio de
1985, s/n.
98
No entanto, outra reportagem, publicada cerca de um ano após as primeiras, elencam
outras razões para que a UNB fizesse a doação do telescópio. Em matéria do Jornal da Bahia,
de 12 de abril de 1986, alega-se que o motivo da doação teria sido por que, nas dependências
daquela universidade, o objeto encontrava-se completamente abandonado em um depósito e
exposto a goteiras.173
Ao comentar sobre essas duas diferentes perspectivas, o ex- funcionário Ulisses Bezerra
apostou na segunda possibilidade. Pois, conforme destacou, o equipamento era de cunho
específico, já havia cumprido sua função em outro lugar ou talvez nunca tenha sido utilizado
pela UNB.
Outro dado interessante e que chama a atenção são as frequentes associações da imagem
do telescópio laser com a passagem do cometa Halley, dando a ideia de que ele foi adquirido
para essa finalidade. O cometa passaria no ano de 1986, mas desde o final de 1985 já poderia
ser visto através do aparelho. A repetição do fenômeno, já mencionada nas lembranças
poéticas de Godofredo Filho, ganharam destaque na imprensa local e mais uma vez o Antares
adquiriu importância pública.
Em uma matéria intitulada “Antares se prepara para a observação do cometa Halley”,
por exemplo, há um trecho em que diz ser o telescópio laser, uma das aquisições mais
importantes do Observatório.174
A maioria das matérias que abordavam o cometa Halley e que tinham Feira de Santana
como palco de observação referia-se, de alguma maneira, ao telescópio laser ou até mesmo
publicava fotografias. A exemplo da matéria de alcance nacional do jornal O Globo, de 26 de
setembro de 1985. 175
173 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.86 – 04.86. Jornal da Bahia, Salvador, 12 de abril de 1986,
s/n 174 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 ago. 1985, p.4. 175 O Globo, Rio de Janeiro, 26 set. 1985, p.5.
99
Figura 23: Telescópio Laser no Antares
Fonte: Jornal O Globo, 26 de setembro de 1985. Arquivo do Museu Casa do Sertão, Coleção Recortes UEFS.
Essa matéria foi publicada na seção de turismo do periódico O Globo, sob o título “O
cometa Halley vira produto turístico”. A parte em que o jornalista ateve-se à cidade, intitulada
“Espetáculo em Feira, Bahia”, além de se referir às providências que estavam sendo tomadas
por Orrico, como a contratação de uma empresa de turismo e instalação de barracas de
artesanatos, informou que o Antares seria um dos poucos observatórios a permitir a entrada
do público para o acompanhamento do evento. César Orrico estaria, inclusive, empenhando-
se em adquirir mais um telescópio laser.
O que intriga nesse último dado é a perspectiva de Orrico obter outro telescópio laser, já
que se tratava de uma ferramenta rara. Nos próprios jornais em que foi divulgado o processo
de doação pela UNB ao Antares, exaltava-se o fato de que existiam apenas três objetos como
aquele no mundo, como consta no fragmento:
Segundo o astrônomo César Orrico, fundador e presidente da entidade, só
existem três destes telescópios no mundo todo, os outros dois estão
instalados em observatórios americanos e o que atualmente está sendo
montado no Antares era destinado originalmente à África do Sul, mas por
problemas alfandegários acabou retido dois anos em Brasília e após oito
meses de negociações veio para Feira de Santana.176
Os impressos divulgaram amplamente toda a infraestrutura montada para a observação
do Halley no Antares. Além do laser, a entidade estava equipando-se com oito “potentes
telescópios” de 15 centímetros de diâmetro, como se lê na legenda “Através de potentes
176 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 ago. 1985, p.4.
100
telescópios os visitantes poderão ter uma visão maior do Cometa Halley”, da imagem que
segue: 177
Figura 24: Telescópios montados para a passagem do Halley
Fonte: Coleção de Recortes UEFS, Museu Casa do Sertão
Não só os telescópios foram exaltados. Destacou-se uma antena parabólica com oito
metros de diâmetro e uma réplica de um satélite brasileiro. Segundo os articulistas, a antena
possuía dupla finalidade: uma seria captar informações do Satélite Giotto para estudo do
Halley e a outra serviria para transmissão via satélite de programas de TV para vários países .
Figura 25: Antena parabólica montada para passagem do Halley
Fonte: Coleção de Recortes UEFS, Museu Casa do Sertão
177 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.86 - 04.86. Jornal A Tarde, Salvador, 26 de fevereiro de
1986, s/n.
101
No Correio da Bahia, consta que a antena e a réplica do satélite Intelsat foram
fabricados e seriam instalados pela empresa de São Paulo, a IVAPE.178 De acordo com a
matéria, para a confecção da réplica, houve uma intermediação entre a NASA e a empresa
responsável. Ele seria montando exatamente igual ao que estava em órbita e seria dotado de
movimento e iluminação, visando passar uma ideia real do seu funcionamento.
A passagem do Halley para José Ângelo foi vista como um evento de grandes
proporções que movimentou o Antares. Segundo ele, a entidade parecia uma feira de cidade
turística, cheia de estandes com lembrancinhas, canecas, camisas, agendas, catálogos,
fotografias, além de lanchonetes. Havia também alguns telescópios disponíveis e palestras
ocorrendo de maneira simultânea. De acordo com o seu depoimento, vieram excursões de
diversos lugares, como Senhor do Bonfim, Juazeiro, Sergipe e Paraíba. O evento foi
comparado a um show pelo entrevistado, que destacou o movimento de pessoas no local tanto
de dia quanto à noite. 179
Livros: representantes do conhecimento
Além dos objetos científicos considera-se os livros enquanto patrimônio material da
entidade, uma vez que foram adquiridos desde os seus primeiros anos e são registros do
passado do Antares. É possivel afirmar que esses livros fornencem muito mais do que seus
conteúdos impressos. Nesta pesquisa, eles são tomados por fontes que podem “dizer” quais as
bases do conhecimeto que pautavam a ação os dirigentes da entidade. Servem, também, como
surportes representativos para aqueles que a visitavam.
Essa última reflexão se dá justamente ao pensar que bibliotecas e museus são
construídos com propósitos afins: o de serem vistos, consultados, tidos como referência de
algo. Nesse sentido, a biblioteca montada pelo Antares, na sua primeira década de existência,
cumpriu o seu papel, pois abrigava para a consulta do público em geral, livros específicos de
astronomia, astrofísica, astrometria, energia nuclear, energia atômica e astronáautica, além de
filmes.
Segundo José Ângelo, a biblioteca não era muito grande e foi criada por César Orrico
com os livros do pai dele. Posteriormente, fizeram-se campanhas para doação.
Ao divulgar a existência desse ambiente, exaltavam-se os doadores do acervo. Nessa
lista consta, por exemplo, a renomada Nacional Administração de Espaço e Aeronáutica –
178 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.86 - 04.86. Jornal Correio da Bahia, Salvador, 18 de março
de 1986, s/n. 179 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017
102
NASA, os observatórios cariocas Nacional e do Valongo, a Embaixada dos Estados Unidos e
até a Rede Globo de televisão, que; segundo uma matéria do Tribuna da Bahia, concedeu ao
Antares uma cópia do filme “o mistério das manchas solares”, exibido em um dos programas
do Globo Reporter, com 45 minutos de projeção.180
Em uma consulta realizada ao acervo remanescente do Antares, em 2017, constatou-se
que ocorriam doações pessoais de astronômos renomados ou até mesmo de possíveis
associados da entidade. Em sua maioria, como foi visto no primeiro capítulo, os livros
estavam assinados com dedicatórias a Orrico. Nesse seleto grupo, foram encontrados uma tese
de Ivan Mourilhe Silva, várias publicações em português, uma em espanhol intitulada “Los
Tesoros Del Firmamento” e uma em russo.
Das possíveis doações dos associados, incluiem-se obras que possuem a assinatura de
Paulo Varjão de Andrade. Além do nome, constam as prováveis datas em que foram
adquiridas, as quais variam entre os anos de 1950 e 1960. Além desses, há também, livros
com marcas de carimbo com os nomes de Benedito Figueredo Farias e do próprio Orrico.
No momento em que este levantamento foi realizado, encontrou-se um material um
tanto quanto curioso. Trata-se de um encadernado de apostilas datilografadas e impressas em
mimiográfos, com papéis timbrados, aparentando ser um livro. Neste documento foram
identificados três diferentes timbres. Um deles contém o brasão e nome da Universidade
Estudual de Feira de Santana e o nome do Antares; o segundo está identificado como sendo
oriundo da Prefeitura do Município de São Paulo / Secretaria de Serviços e Obras –
DEPAVE/ Escola Municipal de Astrofísica – Planetário Municipal; e, o terceiro timbre é do
Observatório Galileu Galilei, de Juiz de Fora, Minas Gerais.
Ao que parece, essas folhas reunidas num único volume, sem data, se trata de um
material de estudo, com os mais diversos assuntos que envolvem a astronomia. Uma espécie
de manual introdutório. Todo ele, parece ter sido exautivamente utilizado, pois possui grifos
em caneta e sinais de marcadores.
Outros livros que merecem destaque são aqueles referidos no primeiro capítulo, que
contêm assinaturas com dedicátorias a César Orrico e para a Sociedade Interplanetária
Brasileira, como a tese de Ivan Mourilhe Silva, as várias publicações de Ronaldo Mourão,
uma em espanhol intitulada “Los Tesoros Del Firmamento”, uma em russo, vinda de
Moscou, assinada por Any Sternfeld, entre outras.
180 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1977. Jornal Tribuna da Bahia, Salvador, 19 de setembro de
1977, s/n.
103
Além dessas obras isoladas, o Antares recebia diversas publicações esporádicas e
anuais de instituições astronômicas, como os anuários do Observatório de São Paulo e do
Observatório Nacional, os mais antigos datados dos anos de 1950, os anuários do
Observatório de Madrid e dados astronômicos para almanaques do Observatório Astronômico
de Lisboa, como também o “Eclipse Anular de Sol”, do Observatório Astronômico da
Universidade Nacional de Córdoba e um Atlas da Harvard-Groningen. Essas publicações,
muito provavelmente, auxiliavam Orrico na produção da sua primeira coluna astronômica
semanal, Astronomia em Foco, publicada no Folha do Norte, durante a década de 1970.
No acervo bibliográfico consta também as publicações produzidas pelo próprio
Antares, como os anuários e os boletins astronômicos, que serão melhor detalhados no
capítulo seguinte.
Assim como os objetos científicos, ao fazer a propaganda de sua biblioteca, o Antares
também publicava imagens. Um ambiente limpo e organizado, como se vê no registro que
segue:
Figura 26: Biblioteca do Antares em hall principal.
Fonte: Tribuna da Bahia, 19 de setembro de 1977. Arquivo do Museu Casa do Sertão, Recortes Coleção
UEFS.
Uma década depois, a imagem que os períodicos publicariam não seria mais de um
ambiente apto a receber estudantes ou curiosos, mas de um grande acervo com mais de 1500
livros espalhados, fora das estantes, consumidos pela poeira, no mais completo abandono.181
181 Correio da Bahia, Salvador, 07 out.1989, p.3.
104
Figura 27: Livros espalhados no hall principal do Antares
Fonte: Jornal A Tarde, 26 de fevereiro de 1988. Arquivo do Museu Casa do Sertão, Recortes Coleção UEFS.
Nessa fotografia aparecem os livros amotoados no hall principal do prédio, com o
funcionário mais antigo da entidade, Franscico Roque, que naquele período ocupava a função
de vigilante.
A imagem acima denuncia e anuncia o fim de uma experiência que tinha como
propósito trilhar o caminho da modernização por meio da prática científica no campo da
Astronomia. Parte do que efetivamente foi produzido por ela será objeto de discussão do
próximo e último capítulo desta dissertação.
105
CAPÍTULO III
PRODUÇÕES, PUBLICAÇÕES E O FIM DE UMA EXPERIÊNCIA
Ao se tratar da trajetória do Antares, em todas as suas etapas, emergem questões
relacionadas às "lutas de representações", nos termos de R. Chartier.182 Tomando as
publicações como exemplo, é possível dizer que elas fizeram parte das "estratégias e práticas"
do Observatório, com o objetivo de impor uma "autoridade" e legitimá-la. Essas produções
científicas e as publicações realizadas pela entidade entre os anos de 1970 e 1980 aparecem
em dois documentos destinados a órgãos públicos.
O primeiro denomina-se “RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DA FUNDAÇÃO”. Ao
se consultar o seu conteúdo, tem-se a impressão de que seus dirigentes consideravam
publicação tudo que tenha gerado registro, seja ele escrito ou imagético.
Dessa forma, foram colocados em um mesmo patamar produções com finalidades
distintas. Foram consideradas publicações a carta celeste, as matérias dos periódicos locais,
produzidas por César Orrico, assim como fotografias, relatórios, projetos e os “boletins
contributions”.
Cada uma dessas produções tinha seu público específico. Os boletins e a carta celeste,
por exemplo, atendiam a uma “necessidade” de um grupo mais seleto, ou com conhecimento
mais avançado sobre assunto. Os projetos e relatórios, por sua vez, são geralmente
confeccionados com intuitos meramente técnicos, destinados, por exemplo, aos agentes
financiadores da entidade. Enquanto as matérias e colunas jornalísticas, que são de consumo
rápido e para o grande público tinham muito mais a finalidade de compor um projeto de
construção pública da imagem do Antares do que configurar um rol de publicações de cunho
científico.
É preciso considerar que os boletins se dividiam em diferentes modalidades. Havia os
boletins "solares" e outros mais abrangentes que noticiavam fenômenos observados pela
entidade ou por ela subscritos, porém, originários de parcerias técnicas externas, a exemplo da
"Hora Legal do Brasil" e a "Determinação do fator K".
182 CHARTIER, Roger. História Cultural,1988.
106
No que concerne ao relatório, cabe destacar que ele estava anexado a outros ofícios
encaminhados à Câmara Municipal de Vereadores como peça do projeto de lei que
reconheceria o Observatório enquanto instituição de utilidade pública. O documento possui
um único item que se denomina “Trabalhos publicados”, no qual se mencionam 24 atividades.
Percebe-se, pelas suas descrições, que o relator tentou promover a entidade, diferenciando-a
das congêneres. Ao falar sobre a Carta Celeste, por exemplo, ele evidencia:
Publicação do Céu da Bahia, trabalho impresso em off-sete, com disco
giratório, dando o aspecto de céu da Bahia, durante os dias do ano. Trabalho
este, por onde colocamos o nosso Estado, como o único da Federação a
possuir a sua própria carta celeste. Foram impressos 5 mil unidades, que
serão distribuídos nos estabelecimentos de ensino e Universidades.183
Como já mencionado, nesse ofício estão registradas diferentes produções sobre o
Antares. Entre elas estão as colunas “Efemérides”, do Folha do Norte, o “Céu do Mês”, do
Feira Hoje, e matérias isoladas, todas elas assinadas por César Orrico, mas sem referenciar os
periódicos. Fica evidente que esse material era o mesmo existente nas colunas e nas matérias.
Esse aspecto foi percebido ao confrontarem-se as datas constantes no documento com as datas
em que foram publicadas nos jornais.
Estão também no rol de publicações desse documento as fotografias. Elas se
encontram descritas em dois momentos. No primeiro, consta que é um trabalho sobre o
eclipse da lua, publicado em três idiomas, com 43 fotografias e dois gráficos. No segundo,
aparece denominado “Fotografia Astronômica”, que possui 19 páginas. Algumas dessas
descrições são confusas. Os textos dos periódicos, por exemplo, estão com o título e a data
exata em que foram publicados pelos jornais, mas sem indicação dos seus nomes.
Vale ressaltar que os produtos elencados nesse documento referem-se àqueles
produzidos entre os anos de 1972 e 1975.
Além desse documento, há outro que engloba as publicações da entidade. Está
dividido em tópicos. O primeiro, “ATIVIDADES NO OBSERVATÓRIO ANTARES”,
discorre sobre o processo de reconhecimento do Antares como órgão de utilidade pública do
município; o segundo, datado em 6 de novembro de 1989, foi anexado ao processo de número
026/89, do governo do estado. Tinha como autor o Observatório Astronômico Antares e
destinava-se à Secretaria Extraordinária, a fim de solicitar uma definição de rumos para a
183 Relatório das Atividades da Fundação Observatório Astronômico Antares. Feira de Santana, 30 de setembro
de 1975
107
entidade. Trata-se de uma espécie de diagnóstico que evidenciava a situação de abandono,
devido à ausência de parceiros, como também exaltava sua importância, fruto das atividades e
publicações realizadas ao longo de mais de vinte anos de existência.
Diferente do primeiro relatório, o segundo classifica as publicações da instituição em
três diferentes grupos: Anuário Astronômico, Contribuições Científicas (regulares
aperiódicas) e Comunicações Rápidas (avulsas).
Considerava-se anuário as publicações regulares que estavam ocorrendo desde o ano
de 1979. De cunho específico, segundo o documento, aquele produto era destinado a
astrônomos, geógrafos, navegantes, topógrafos e agrimensores. Nele, encontrar-se-iam
informações astronômicas e geofísicas de uso corrente, como efemérides locais e equatoriais
do Sol, da Lua, dos planetas, além de posições das estrelas fundamentais, dados sobre eclipses
e tabelas astronômicas usuais.
O documento destaca que para produzir esses anuários, fazia-se necessário utilizar
dados de outros observatórios. Impressos em tiragens de aproximadamente 3 mil exemplares
ao ano, essa publicação era encaminhada para as mais diversas instituições astronômicas,
científicas, culturais, como também para inúmeras universidades brasileiras e estrangeiras.
Pelos dirigentes, eram vistos como publicações regulares aperiódicas os trabalhos
editados desde 1973, em que se relatavam as observações e reduções de dados colhidos pelo
próprio Antares. Para produzi-los, a entidade contava com a contribuição técnica de
astrônomos brasileiros e estrangeiros que realizavam frequentes pesquisas no Antares. Consta
também, que a média de tiragem dessas publicações girava em torno de mil exemplares, os
quais eram também oferecidos a outros centros científicos. As avulsas, por sua vez,
continham recortes daquelas comunicações rápidas com observações de eclipses, cometas e
asteróides.
Já não aparece nesse segundo documento as matérias jornalísticas escritas por Orrico,
e nenhuma das publicações arroladas no primeiro relatório. Talvez isso tenha ocorrido porque
o primeiro abrange os trabalhos realizados entre 1972 e 1975, enquanto o segundo enumera
aqueles produzidos de 1979 a 1984. Neste, são mencionados 44 títulos e é destacado que
alguns foram editados em vários idiomas. De acordo com esses dois documentos, os
envolvidos com o Antares, em sua primeira fase, consideraram que foram publicados 68
trabalhos: 24 nos cinco primeiros anos de sua existência e 44, a partir de 1979.
Durante as entrevistas, os depoentes qualificavam as publicações como o resultado das
diversas atividades do Antares. Um dos entrevistados, José Ângelo, que foi voluntário no
108
trabalho inicial das observações, chegou a defini-las como “a vida da produção do
observatório”.184
Parte desses produtos registrados em ambos os ofícios e mencionados pelos
entrevistados foi encontrada como peça de acervo do Museu Antares, da Biblioteca Setorial e
também sob tutela dos entrevistados.
José Ângelo, por exemplo, possuía um exemplar da primeira carta celeste e um livreto
sobre o cometa Kohoutek que, segundo ele, foi a primeira publicação do Antares. Artefatos
como esses carregam considerável valor representativo e informativo. No entanto, o
diferencial dessas publicações está não só em seu conteúdo, que explicam o porquê foram
levadas a efeito e apontam as pessoas que estiveram envolvidas nas atividades de pesquisa.
Nelas, é possível detectar, também, os patrocinadores.
A Carta Celeste: um mapeamento do céu da Bahia
Na carta celeste, por exemplo, vê-se claramente o nome de Ronaldo Rogério de Freitas
Mourão, astrônomo do Observatório Nacional do Rio de Janeiro, como autor, a Fundação
Universidade de Feira de Santana e o Governo de Antônio Carlos Magalhães como
instituições apoiadoras. Já ao fundo da carta há uma extensa instrução de uso, acompanhada
por uma tabela com signos e os meses do ano.
Figura 28: Carta do Céu da Bahia
Fonte: Acervo pessoal José Ângelo Pinto
184 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017
109
A carta celeste apareceu em destaque ao menos cinco vezes nos periódicos locais. No
Feira Hoje foram encontradas quatro matérias, enquanto o Folha do Norte contou com apenas
uma. Os textos do Feira Hoje abordam não só o lançamento da carta, mas também a
expectativa de sua confecção. Foram três meses de cobertura sobre o assunto, indicando todo
o processo até chegar o seu ápice, momento simbólico em que autoridades foram reunidas
para celebrar a produção.
A primeira matéria foi intitulada “O mapa celeste da Bahia”. Em seu texto consta que
estava sendo aguardada, proveniente do Rio de Janeiro e produzida por Ronaldo Mourão, a
segunda carta celeste do país, “a carta celeste da Bahia”.185 Segundo o articulista, apesar de a
publicação ter sido elaborada por um astrônomo no Observatório Nacional, ela era de
responsabilidade do Antares. Sua impressão e confecção foram financiadas pelo Governo do
Estado da Bahia e brevemente seria lançada, podendo ser adquirida mediante pagamento de
10 cruzeiros. Nesse texto, exalta-se também a importância da carta para o ensino da geografia,
visto que seria possível fornecer a posição correta do espaço celeste baiano.
Passada uma quinzena, o Feira Hoje retomou o assunto da carta celeste. Dessa vez
para anunciar a sua conclusão.186 O seu lançamento dependia apenas da disponibilidade do
governador Antônio Carlos Magalhães em comparecer ao lançamento, previsto para ocorrer
no auditório do Observatório Antares. De acordo com o articulista, essa carta era a segunda
do país. A primeira teria sido a do estado da Guanabara, também produzida pelo astrônomo
Ronaldo Mourão. Na matéria há transcrição de um texto de autoria desse astrônomo, no qual
ele afirma: “com a carta [é] possível ter uma imagem do céu estrelado visível em qualquer dia
e hora na Bahia, principalmente em Salvador”.
O articulista forneceu ainda uma breve explicação de como o objeto era constituído e
deu algumas instruções de uso. De acordo com a descrição, o objeto era dividido em 12
partes, as quais corresponderiam aos 12 meses do ano, que a cada três meses eram divididos
por intervalos de cinco dias, o que possibilitaria uma maior aproximação do real.
Quanto ao uso, mencionou-se a necessidade de segurar a carta com a mão esquerda no
canto superior, girar o disco pela abertura do lado direito, até coincidir a data do mês e a hora
que está se observando. Dessa maneira, ver-se-iam as constelações daquele período.
Além dessa, duas outras matérias focando a carta foram publicadas no Feira Hoje. No
dia 08 de fevereiro de 1975, saiu uma notícia intitulada “Relógio e carta traz
185 Feira Hoje, Feira de Santana, 9 jan. 1975, p.1. 186Feira Hoje, Feira de Santana, 23 jan. 1975, p.1.
110
ACM”.187Informa que o governador viria à cidade no próximo dia 10 de março para o
lançamento da Carta do Céu da Bahia e inauguração da Central Horária do Antares. O
lançamento da carta deveria ter ocorrido em fevereiro, mas, devido ao adoecimento de
Ronaldo Mourão, o evento foi transferido.
Ao que parece, no dia 11 de março, o evento ainda não havia ocorrido, pois nesse dia,
o Feira Hoje noticiou que Ronaldo Mourão estava às vésperas de chegar à cidade.188 Segundo
a matéria, ele seria recebido no aeroporto 2 de Julho pelos dirigentes do Antares. Além de
participar do lançamento da carta, acrescentou-se que o astrônomo permaneceria em Feira de
Santana por mais dias, a fim de dar palestras no auditório da instituição e realizar
observações astronômicas. Ainda segundo a matéria, não só as presenças de Mourão e ACM
estavam confirmadas, mas também a de Calmon de Sá, presidente do Banco Econômico.
Os pormenores do evento não foram encontrados nos jornais. Há, no entanto, registros
no Folha do Norte de que no dia 19 daquele mesmo mês, César Orrico e Ronaldo Mourão
entregaram um exemplar da carta celeste ao prefeito José Falcão.189
Na memória dos entrevistados, a Carta do Céu da Bahia foi mencionada enquanto uma
publicação de grande repercussão e utilidade. José Ângelo chegou a afirmar que ela era muito
solicitada por pilotos de avião. Já Magalhães, o fotógrafo, tanto em 2013 quanto em 2017,
narrou um episódio ocorrido com ele e Orrico durante uma viagem aérea. De acordo o
fotógrafo, eles estavam retornando de Manaus. Ele então solicitou à aeromoça que fosse
anunciada a tripulação a presença do Diretor do Observatório Astronômico Antares, que
possuía alguns exemplares da Carta Celeste do Céu da Bahia para fornecer. O comandante,
segundo Magalhães, ao tomar conhecimento, convidou a ambos para conhecer a cabine e
disse-lhes que enquanto ele conhecia o céu de uma maneira, César Orrico e Magalhães
conheciam-no de outra.
As evidências encontradas sobre a Carta Celeste elucidam os esforços dos dirigentes
para divulgar a entidade e tudo aquilo que estivesse relacionado a ela. A postura de tornar
público, ser notícia, foi um recurso empregado pelo Antares desde o momento de sua criação.
Até relatórios administrativos eram motivos de divulgação. Em março de 1978, por exemplo,
saiu no Feira Hoje um informe sobre o relatório de atividades de 1977.190
187 Feira Hoje, Feira de Santana, 8 fev. 1975, p.1. 188 Feira Hoje, Feira de Santana, 11 mar. 1975, p.3. 189 Folha do Norte, Feira de Santana, 22 mar. 1975, p.1. 190 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 1978. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana, 3 de janeiro de 1978,
s/n.
111
Com o título “Antares distribui relatório”, a matéria destacava que ele era o terceiro
de uma série anual que descrevia as atividades administrativas e de pesquisa. O texto ainda
oferecia os pormenores do documento. Entre os assuntos abordados, estava a relação das
agências financiadoras, os convênios firmados, a entrega de diploma para os sócios
honorários e o melhoramento de equipamentos.
Boletim Contributions
A outra produção científica que faz parte do acervo pessoal de José Ângelo e que não
foi encontrada no acervo do Antares é o seguinte livreto sobre o cometa Kohoutek:
Figura 29: Boletim Contribution Cometa Kohoutek
Fonte: Acervo pessoal José Ângelo Pinto
Além das informações iniciais trazidas na capa, como o nome da entidade, da
Fundação Universidade e da Delegacia Escolar de Feira de Santana, nele também há
referência a diversas empresas e indústrias da cidade que de alguma maneira patrocinaram a
publicação. As logomarcas desses empreendimentos distribuíram-se ao final de cada página
do livreto e no fim dele. Essas empresas, em sua maioria, não possuíam em seus negócios
qualquer relação direta com a astronomia.
112
Encontram-se ao longo das páginas do boletim nomes, endereços e telefones dos mais
diferentes estabelecimentos comerciais da cidade: Ferreira Estivas LTDA, Posto Atlantic,
Frigorífico Cerqueira, Moinho Tabajara, SADISA S.A – Indústria e Comércio, Benedito
Pamponet Pires & Cia. Ltda – Comércio de Açúcar, Loja Carmarc, Dislar – Distribuidora
Artigos para o Lar e Marrocos ELETRO-DOMÉSTICOS.
Figura 30: Páginas com propagandas ao final / Figura 31: Penúltima página com várias propagandas
Fonte: Acervo pessoal José Ângelo Pinto
Ao que parece, esse livreto foi de fato a primeira publicação do Antares. De acordo
com o documento, “RELATÓRIO DAS ATIVIDADES DA FUNDAÇÃO”, antes dele
ocorreram apenas observações comentadas. Ele, por sua vez, está descrito da seguinte
maneira: “Publicação de uma monografia impressa em quatro páginas, cuja tiragem foi de 10
mil exemplares, com distribuição gratuita, esclarecendo sobre o aparecimento do cometa
Kohoutek. Trabalho publicado em dezembro de 1973”.
Ao encontrar esse boletim sobre o cometa Kohoutek e as especificações dele no
relatório, impôs-se a seguinte dúvida: como conseguiram reunir essas informações, tendo em
vista que o fotógrafo Antônio Magalhães, em 2013, mencionou o evento como um insucesso?
Segundo ele, o cometa passou, eles não viram e nada foi registrado.
O depoimento de José Ângelo esclareceu a divergência sem que tivéssemos indagado-
lhe sobre o assunto, ele afirmou que o cometa Kohoutek foi o grande evento astronômico no
período da fundação do Antares. E a publicação foi produzida a partir das predições
fornecidas por Ronaldo Mourão. Ainda, segundo ele, o lançamento ocorreu em um clube
social da cidade, Feira Tênis Clube, causando grande repercussão.191
191 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017
113
Uma matéria localizada em um dos periódicos locais reforçou essa informação. O
Folha do Norte noticiou o evento em primeira página.192 O texto divulgou que o Antares
lançou, em conjunto com o Feira Tênis Clube, na sede dos "aristocráticos", mil exemplares de
um folheto sobre o Kohoutek, com direito a coquetel. Segundo o articulista, Orrico ainda
proferiu uma palestra com exibição de filmes e slides.
Sobre o cometa Kohoutek, foram encontradas, entre 1973 e 1974, 16 matérias sendo
12 no Feira Hoje e 4 no Folha do Norte.
Ao reunir diferentes fontes sobre um determinado fenômeno, percebem-se os limites
que cada uma delas possui. Aproveitando as lembranças de Antônio Magalhães sobre o
Kohoutek, cabe aqui ressaltar as possíveis ilusões geradas a partir das entrevistas. Ao ouvir o
fotógrafo, e depois, confrontar o seu relato com outras fontes, notou-se que a sua impressão
quanto à implantação da entidade padeceu de um descompasso na memória. Ele chegou a
mencionar o ano de 1976 como referência à passagem do cometa Kohoutek, como também o
início dos trabalhos para a criação do Antares.193 Ele ainda relatou que o pai de César era seu
amigo, e o procurou para que auxiliasse seu filho no registro do cometa, pois sabia que
Magalhães possuía bons equipamentos fotográficos.
No entanto, ao consultar os periódicos, viu-se que em 1973, o Antares estava
relativamente divulgado, já possuía conselho diretivo e aparecia na imprensa como espaço de
observação de diversos eventos astronômicos. Inclusive, o nome do próprio fotógrafo está
presente em uma das matérias sobre o Kohoutek, atrelado à direção do departamento
fotográfico do Antares.194
Vale aqui ressaltar que Antônio Magalhães foi entrevistado em dois diferentes
momentos. O primeiro em 2013, como já mencionado, e o segundo, em 2017, quando essa
pesquisa já possuía quantitativo considerável de fontes, as quais confrontamos com o
depoimento do fotógrafo.
Ao observar o conteúdo de ambas as entrevistas, é possível acompanhar as diferentes
reelaborações da memória que uma mesma pessoa pode fazer ao longo da vida, mostrando
como são comuns construir diferentes impressões de um mesmo momento histórico. Ecléa
Bosi explica porque isso ocorre:
A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora,
à nossa disposição, no conjunto das representações que povoam nossa
192 Folha do Norte, Feira de Santana, 22 dez. 1973, p.1. 193 Entrevista concedida em 7 de junho de 2017 194 Folha do Norte, Feira de Santana, 20 nov. 1973, p.3.
114
consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato
antigo, ela não é a mesma que experimentamos na infância, porque nós não
somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela,
nossas ideias, nossos juízos de realidade e valor.195
De acordo com as memórias de José Ângelo, os “boletins contributions” eram
publicados mensalmente e distribuídos de forma gratuita. O ex-funcionário Ulisses Bezerra
também mencionou a existência de um boletim com essa periodicidade, e disse ainda que de
cada exemplar guardava-se uma cópia em caixas da biblioteca.
José Ângelo chegou a descrever a publicação em detalhes: possuía capa azul e era
escrito “boletim mensal contribution” com o mês e itens a serem abordados. O conteúdo,
segundo ele, era resultado das observações. Todos encaminhados para outros centros
astronômicos do país. Esse ex-voluntário disse também que os boletins eram impressos pela
Bahia Artes Gráficas, uma empresa feirense, cujo dono fazia parte do grupo do Antares. Por
esse motivo, quando o Observatório não tinha dinheiro, a empresa fazia a impressão e só
depois é que se realizava o pagamento.
Ao questionar o ex-funcionário Antonio Carlos sobre o processo de impressão das
publicações, ele, além de apontar a Bahia Artes Gráficas como uma das principais parceiras
do Antares e dizer que o dono da empresa era muito amigo de César, informou o que ocorria
antes da impressão de cada boletim.
Os jornais locais não apenas desempenhavam o papel de divulgar a entidade, mas
também cumpriam a função de dar suporte às atividades para as quais o Observatório não
possuía equipamentos adequados, nesse caso, computadores e impressoras. Enquanto não
havia tal maquinário, Antônio Carlos afirmou que os textos das publicações eram
encaminhados por ele e César Orrico até a sede do jornal Feira Hoje. Lá, segundo informou,
havia um funcionário que datilografava em uma “velocidade estúpida”, e assim procedia com
o texto deles. Em seguida, eles levavam a matriz para o jornal Feira Hoje. Após isso, o
material era colocado em um papel quadriculado para ser impresso na Bahia Artes Gráficas.
Antônio Carlos, assim como Ângelo, também afirmou que o pagamento pelos serviços
prestados muitas vezes era feito depois, não só pelo grau de amizade entre os prestadores de
serviço e os membros da instituição, mas também porque Orrico tinha certa credibilidade com
os fornecedores.
Nas entrevistas coincidem as narrativas que se referem às formas de pagamento das
publicações e à periodicidade dos boletins. Nos relatos de José Ângelo e Ulisses Bezerra, por
195 BOSI, ECLEA. Memória e sociedade. p. 55.
115
exemplo, foi mencionada a frequência dos trabalhos.196 Essa ideia ganha ainda mais
consistência, ao se perceber que existem notas e textos nos periódicos divulgando diversos
volumes dos "boletins contributions" em um curto espaço de tempo.
No A Tarde e no Jornal da Bahia, respectivamente em 12 e 13 de dezembro de 1979,
apareceram notas anunciando o “boletim contribution” de número 6 (seis). Segundo essas
notas, aquela publicação que era feita em parceria com a Universidade haveria testado a
validade das leis de Kepler e Newton, bem como o isolamento de dois corpos. Em ambas as
notas antecipava-se que o próximo trabalho, no caso o boletim de número 7 (sete), seria
editado em Francês.
O Correio da Bahia,em 17 de dezembro de 1979, publicou um texto acompanhado do
seguinte título “Conheça mais o trabalho do Antares”.197 Nele consta que o Observatório
havia publicado o boletim de número sete, da série contribuição científica de 1979. Naquele
número, segundo o articulista, foram realizadas observações de chapas estrelares da
vizinhança do Sol, durante um eclipse total. Na matéria é mencionado que o trabalho foi
editado em francês, possuía previsões até o ano de 1999 e recebeu a colaboração dos
astrônomos H. Debehogne, do Observatório Royal da Bélgica e de Ronaldo Mourão, do
Observatório Nacional do Rio de Janeiro.
Nas entrevistas, a presença do astrônomo H. Debehogne no Antares foi densamente
destacada pelo ex-funcionário Ullisses Bezerra.198 Ao que parece, sua relação com o
astrônomo foi intensa, embora por um curto período. Debehogne, para Ulisses, representa um
marco, pois foi em consequência de um convite seu, que ele, ainda muito jovem, fez a sua
primeira viagem internacional, para a Bélgica, e adentrou de maneira mais profunda na
astronomia.
Em seu relato, o ex-funcionário informou que permaneceu naquele país por três meses.
O propósito da ida de Ulisses para a Bélgica foi auxiliar Debehogne na leitura de placas
fotográficas com registros de asteróides. Segundo ele, o astrônomo produziu essas imagens no
Chile e o chamou por meio de carta (ANEXO A), para acompanhá-lo naquele país, a fim de
produzir mais imagens e depois analisá-las. No entanto, o Antares não teve verba para custear
a sua passagem e ele acabou não participando dessa segunda etapa da pesquisa.
Devido a esse trabalho, Ulisses disse que o Antares, através dele, participou de um
programa de observações de asteroides, em conjunto com o Observatório Royal. Esse
196 Entrevistas concedidas em 25 e 26 de outubro de 2017 197 Correio da Bahia, Feira de Santana, 17 dez. 1979, p.11. 198 Entrevista concedida em 26 de outubro de 2017
116
reconhecimento foi dado por meio de um atestado, que encontra-se sob sua posse,
mencionando a sua participação no trabalho, conforme pode ser visto no ANEXO B.
Ao indagar Ulisses sobre os trabalhos científicos produzidos pelo Antares, ele
destacou como primeiro o registro dos movimentos dos satélites de Júpiter. Segundo afirmou,
essa atividade foi realizada por seis ou oito anos. Pois havia interesse de um observatório
americano que fornecia os horários para realizar a observação. Com isso, o Antares registrava
e enviava as informações para os Estados Unidos. E assim, como no período da observação
das imagens de asteróides, ele também recebeu um documento em forma de agradecimento
por esse trabalho.
O “boletim contributions” sobre o satélite de júpiter aparece enquanto complemento
de uma matéria que trata da chegada de um astrônomo Argentino. O boletim, conforme
Ulisses declarou, teria por finalidade divulgar as informações acumuladas a respeito do
satélite de júpiter:
O Antares está anunciando para os próximos dias, o lançamento em seu
boletim “Contribuition” de uma série de observações e a determinação do
período sinódico do principal satélite do planeta Júpiter. O trabalho, segundo
o presidente do Antares, é de grande nível técnico e foi realizado pela equipe
do observatório feirense, já com participação efetiva do astrônomo
argentino, que realizou todas as reduções e análises auxiliado por um
computador do Observatório Nacional do Rio de Janeiro.199
Além desses, Ulisses afirmou que só reconhecia como produção científica as
observações do Sol feitas por Antônio Carlos da Graça. Apesar de a entidade ter registrado
vários eventos, como ocultações e eclipses, os equipamentos não possuíam capacidade
suficiente para dar a precisão necessária para o reconhecimento enquanto trabalho científico.
O que causou certa confusão foi haver dois diferentes produtos chamados de “boletins
contribuitions” ou “contribuição científica”. Nota-se que o material guardado por Ângelo é
diferente daquele encontrado no acervo do Antares, mencionado por Antônio Carlos. O
primeiro, de acordo com o entrevistado, tinha uma frequência mensal, já o outro possuía uma
periodicidade semestral. O que coincide com a fala de Antônio Carlos, que afirmou haver
uma edição a cada seis meses, intercalada com outro boletim anual, chamado “determinação
do fator K”.
199 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 11.04.1978 – 08.07.1978. Jornal da Bahia, Salvador, 4 de junho
de 1978, p.74.
117
Segundo ele, esse último fazia parte de um trabalho de correção anual e mundial, da
qual muitos observatórios participavam. Os dados eram enviados para Zurique, onde havia
uma análise e depois a informação era reenviada para as entidades participantes.
Outra diferença entre os "boletins" é que o mencionado por Ângelo contém
propagandas ao final de cada página, enquanto o outro não. A própria capa foi composta de
maneira diferente. No material encontrado no acervo da entidade, ela possui o nome da
Universidade, do Observatório, o nome “contribuição científica” com o número, ao meio
contendo um título, por exemplo, “HORA LEGAL NO BRASIL”, o autor e, ao final, o
emblema da Universidade com informações sobre o ano.
Não há qualquer propaganda, nem mesmo do governo estadual, como ocorria com a
outra. A maioria deles, conta com poucas páginas, alguns com pequenas apresentações, e
diversos autores. Dentre eles, estão tanto funcionários do Antares, como Antônio Carlos e
César Orrico, quanto colaboradores externos que já apareceram em outros trabalhos, como
Ronaldo Mourão e Marcomede Rangel, e nomes nunca visto em outros trabalhos do Antares:
Maria Cristina de Queiroz, Otávio Luiz Chaves, Sylvio Silva, Jorge Polman e Regina Célia
Schurig.
Figura 32: Boletim Contribution n°18
118
Fonte: Biblioteca Setorial do Observatório Astronômico Antares
Ao falar sobre as informações coletadas a partir das manchas solares, Antônio Carlos
concluiu que, após as observações, os dados eram reduzidos e publicados nos "boletins".
Porém, antes mesmo que isso ocorresse, as informações ficavam em forma de desenhos, como
se vê no ANEXO C.
Esse produto que antecede à publicação das manchas solares, também foi aqui
considerado, pois trata-se do vestígio mais primário das atividades técnicas exercidas pela
entidade. Nesse formato, foram encontrados dois grandes cadernos, em tamanho A3 com
desenhos de discos solares produzidos nos anos de 1979 e 1982.
Figura 33: Cabeçalho dos desenhos das manchas solares
Fonte: Reserva Técnica do Museu Antares de Ciência e Tecnologia
Como é possível perceber, cada observação era registrada em uma folha padrão com
cabeçalho. Nele consta o nome do Observatório, as siglas da universidade, o título “Física
Solar” e os dados referentes à observação daquele dia. Em todas as folhas, encontra-se como
observador o ex-funcionário Antônio Carlos da Graça.
Depois de realizado o registro das manchas solares no "gabarito", conforme
denominou Antônio Carlos, passava-se para o momento de reduzir os dados, fazendo a
contagem das machas desenhadas e verificando a ocupação da área. Para ele, “esse processo
era a aplicação da matemática pura de uma forma prática”.
O entrevistado assegurou também que Marcomede Rangel foi quem lhe ensinou toda a
técnica. E, dessa maneira, ele passou não só a observar as manchas solares, mas também a
traduzir os dados, números e estatística. A partir disso, criaram-se os boletins astronômicos,
119
com o apoio também de Ronaldo Mourão. Para Antônio Carlos, esse tipo de trabalho era
necessário, pois a entidade precisava de uma "publicação acadêmica", já que ela estava
envolvida com a UEFS. E assim como os demais produtos do Antares, esses "boletins" eram
enviados para diversos observatórios do mundo.
Anuários
Foram encontrados cinco volumes dos Anuários. Ao analisá-los, é possível perceber
que o objetivo dessas publicações era fazer previsões astronômicas a cada ano que se iniciava.
Todos eles estão em formato de livro, dotados de fichas catalográficas e prefácios. As capas
seguem mais ou menos um padrão, com os títulos grafados em caixa alta como, por exemplo,
“ANUÁRIO DO OBSERVATÓRIO ASTRONÔMICO ANTARES PARA 1979”, seguidos
de uma imagem da entidade, do brasão e do nome da Universidade Estadual de Feira de
Santana.
Figura 34: Capa de anuário 1979 / Figura 35: Capa de anuário 1981 / Figura 36: Capa de anuário 1985
Fonte: Biblioteca Setorial do Observatório Astronômico Antares
Como se vê, o Anuário de 1979 apresenta na capa uma imagem de um equipamento
específico, retratado em primeiro plano, a estação meteorológica. Já nas imagens reproduzidas
nas publicações de 1980, 1981 e 1984, não aparece mais essa estação. Um possível indício de
que ela não estivesse mais em funcionamento, pois apesar de a captação das novas imagens
sugerir nova posição do fotógrafo, ela contempla um campo visual muito parecido com a da
outra.
120
As capas dos anuários de 1981, 1984 e 1985 trazem também dados adicionais. Em
1981 há, no canto inferior direito, um emblema comemorativo pelos dez anos da Fundação. E
nos anuários de 1984 e de 1985, a logomarca do governo de João Durval.
Das cinco publicações, a do ano de 1979 parece ter sido a mais tímida, sendo a menor
em quantidade de páginas. Nos prefácios, basicamente constam as seguintes informações: a
ordem do volume que o anuário pertencia; referências das efemérides astronômicas de outros
institutos, utilizadas como base; agradecimentos a alguns colaboradores. Nesse rol, é
mencionado o nome de Ronaldo Mourão, Marcomede Rangel, Ulisses Lemos Bezerra,
Antônio Domingos de Oliveira, Jailton Batista dos Santos, Brigadeiro Sylvio e Silva, Antônio
Carlos da Graça Souza. O aparecimento desses personagens varia de um volume para outro.
Nos anuários de 1984 e 1985, os nomes das figuras externas, como Ronaldo Mourão,
Marcomede Rangel e o Brigadeiro já não são mais mencionados. Essa ausência faz pensar que
naqueles últimos anos a produção já havia ganhado mais autonomia, pois, somente há
destaque de colaboradores internos, como Ulisses Bezerra e Antônio Carlos da Graça.
Ao falar sobre os anuários, o ex-funcionário Antônio Carlos atribuiu o sucesso do
trabalho a H. Debehogne e Ronaldo Mourão, na condição de apoiadores e ao seu colega
Ulisses, que teria sido o principal responsável pela publicação dos anuários. Pois, segundo
ele, Ulisses era o único que entendia a linguagem de computador Fortran e traduzia para a
Basic. Naquele momento, o papel que ele próprio desempenhava limitava-se ao planejamento
e revisão dos volumes.
No prefácio de 1979 consta que aquele Anuário, então publicado pelo Observatório
Astronômico Antares, era o primeiro volume de uma série sobre previsões astronômicas. Por
esse motivo, ele possuía um significado muito importante para a astronomia baiana. Já que
preencheria uma lacuna há muito existente. O texto ainda informa que os dados ali inseridos
eram de vital importância para a continuidade dos trabalhos daquela entidade e para outros
centros de pesquisa.
Nos demais anuários, outras evidências também foram deixadas. No volume de 1981,
por exemplo, há um agradecimento à Companhia de Pneus Tropical, por ter permitido o uso
de seus computadores. Em quase todas as edições menciona-se a grande aceitação dos
anuários anteriores e, segundo justificavam, era essa aceitação que motivava novas produções,
com inserção de novos elementos, passando, inclusive, de uma abrangência regional para o
âmbito nacional.
Nos jornais, esses agradecimentos e as demais informações apareciam como notícia. A
figura de Marcomede Rangel, por exemplo, é exaltada já nas primeiras matérias que
121
abordaram o anuário de 1979. Não só sua participação enquanto colaborador da publicação
foi mencionada, mas, também, fazia-se uma espécie de resumo curricular a fim de conferir-
lhe notabilidade. Na matéria “Astrônomo veio ajudar o Antares fazer anuário”, por exemplo,
consta que, para auxiliar a equipe do Antares, havia chegado à cidade, procedente do Rio de
Janeiro, Marcomede Rangel Nunes, chefe do Departamento de Departamento de Física Solar
do Observatório Nacional – Conselho Nacional de Pesquisas.200
Além do cargo ocupado pelo astrônomo, aparece na matéria a informação de que ele já
havia produzido, em parceria com o Antares, um "boletim contribution” sobre os valores de
insolação média teórica. Não satisfeito, o articulista ainda destacou que Marcomede estudava
e pesquisava o Sol há mais de oito anos, inclusive, era autor de trabalhos científicos em
diversos países. Para o autor da matéria, Marcomede era o maior estudioso em física solar,
tendo publicado em um renomado centro astronômico de física solar: o Observatório de
Zurique da Suíça.
Ao falar sobre o anuário para o Folha do Norte, Orrico afirmou que aquela publicação
consistia na concretização dos seus projetos e trabalhos, pois ela seria um marco muito
importante na vida do Observatório.201
A super valorização do trabalho do Observatório, das empresas e das pessoas ficou
evidente nesse período. Em uma só nota de jornal há, ao menos, três situações como essa. 202
Primeiro, o articulista fala que aquele trabalho era sem dúvidas um dos “mais perfeitos”
elaborados pela equipe do Antares e do Observatório Nacional; depois menciona que foram
auxiliados pelos computadores de alta geração, que pertenciam a Pneus Tropical de Feira. Ao
finalizar, diz que o anuário era mais uma vitória da administração de César Orrico que tão
bem vinha conduzindo o Observatório por todos aqueles anos.
Ao divulgar o anuário de 1984, o A Tarde destacou a mudança de perfil do
documento, conforme mencionado no prefácio da publicação.203 Na matéria “Observatório
Antares lança anuário de 84”consta que a entidade tinha acabado de lançar o Anuário
astronômico, o qual seria o quarto volume de uma série iniciada em 1979. Segundo o texto,
em virtude da boa aceitação dos volumes anteriores e atendendo a sugestões recebidas de todo
200 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 15.11.1978- 22.01.1979 Jornal Feira Hoje, Feira de Santana, 07
de dezembro de 1978, s/n. 201 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 27.05.1979 -28.06.1979. Jornal Folha do Norte, Feira de
Santana, 26 de junho de 1979, s/n. 202 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 15.11.1978 -22.01.1979. Jornal Folha do Norte, Feira de
Santana, 04 de janeiro de 1979, s/n. 203 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 02.05.1984 – 31.05.1984. Jornal A Tarde, Salvador, 21 de maio
de 1984, s/n.
122
o Brasil, foram incluídos naquele número novo, elementos de natureza astrométrica e
astrofísica. Com tais alterações, o articulista assinalou que o anuário, inicialmente marcado
por um caráter regional, passou a âmbito nacional, com maior amplitude para os astrônomos,
rádio-astronômos, físicos, engenheiros, geodesistas, navegadores e agrimensores.
Desenhos e Previsões do Tempo
As “produções científicas” do Antares não se limitaram ao formato padrão dos
anuários e boletins. Elas também se estenderam por outros meios não tão convencionais, a
exemplo das colunas escritas por César Orrico e "As previsões do tempo", fornecidas aos
periódicos locais.
Orrico divulgava o conhecimento astronômico nos jornais à semelhança de
astrônomos do Rio de Janeiro, com objetivo de popularizar o campo de conhecimento e
apresentar-se como alguém qualificado na área. Era uma forma de legitimar-se como
astrônomo, mesmo que realizasse essas atividades na condição de amador. Ao publicar suas
colunas, Orrico procedia da mesma forma, por exemplo, que Ronaldo Mourão, no Jornal do
Brasil.
Ao comparar as duas colunas, percebe-se que não apenas os nomes eram iguais, mas a
própria estrutura delas. Compostas em sua maioria pelos mesmos tópicos, como Fenômenos,
Lua, Estrelas, Eclipses e principalmente um desenho, representando o céu do mês em questão,
que tanto por Orrico quanto por Mourão, era denominado de Carta Celeste.
Figura 37: O céu de março por César Orrico / Figura 38: O céu de fevereiro por Ronaldo Mourão
123
Fonte: Jornal Feira Hoje, 06 de março de 1975. Arquivo do Museu Casa do Sertão / Fonte: Jornal do Brasil
1º de fevereiro de 1973. Arquivo Hemeroteca Digital, Biblioteca Nacional.
No acervo digital da Biblioteca Nacional há, pelo menos, da década de 1970, seis
edições da coluna do astrônomo carioca, sendo a primeira de outubro de 1971 e a última de
janeiro de 1974. Já Orrico, no Feira Hoje, utilizou por um período o nome “Astronomia em
foco”, o mesmo da coluna dele no Folha do Norte, mas em 1974 vê-se que ele modificou para
“O Céu do Mês”, assim como fazia Ronaldo Mourão no Jornal do Brasil, o que indica a clara
influência do astrônomo sobre Orrico. Este, em certa medida, “achou” necessário “copiar” um
padrão estabelecido por alguém que já possuía reconhecimento e influência na área.
Por se tratar de um suporte de comunicação de ampla divulgação, é possível dizer que,
tanto para Mourão quanto para Orrico, os jornais didatizaram a produção/divulgação do
conhecimento astronômico. Diferente dos anuários e boletins, os textos, desenhos e previsões
disponíveis no Folha do Norte e Feira Hoje eram destinados aos leigos.
No entanto, mesmo que fossem para os leitores gerais, ao que parece, os dados não
eram de tão fácil compreensão. Via-se a informação, mas, muito provavelmente, pouco era
absorvido dela. Os textos serviam mais para marcar a presença da entidade no cenário local e
construir uma imagem de respaldo do que esclarecer acerca dos fenômenos planetários.
As extensas colunas astronômicas de Orrico permaneceram entre 1970 e 1976. Após
esse período, deixaram de ser produzidas. Em seu lugar, por um curto período, coube ao
Antares fornecer aos jornais as previsões diárias do tempo, num regime que obedecia a certa
regularidade, como se vê:
Figura 39: Previsão do Tempo Jornal Folha do Norte / Figura 40: Previsão do Tempo Jornal Feira Hoje
Fonte: Jornal Folha do Norte, 09 de setembro de 1976. Arquivo do Museu Casa do Sertão / Fonte: Jornal
Feira Hoje, 16 de junho de 1976. Arquivo do Museu Casa do Sertão
124
Tanto no Folha do Norte como no Feira Hoje publicavam-se as previsões. Muito
provavelmente, esse tipo de serviço foi iniciado porque a entidade chegou a instalar em suas
dependências uma estação meteorológica, como foi visto no segundo capítulo e nas capas dos
anuários.
A partir do final dos anos 1970, as publicações diárias sobre o conhecimento
astronômico tornaram-se rarefeitas. Essa tendência foi crescente. Já não se encontravam mais
os desenhos representando as "constelações do mês" e nem as "previsões do tempo".
Aumentou, porém, o número de matérias que tratavam do lançamento de "anuários" e
"boletins". Esta mudança na natureza das publicações sugere que a entidade não mais se
dedicava com afinco a divulgar sua própria existência, mas, sim, afirmar-se como organização
científica consolidada, que produzia resultados compatíveis com as exigências dos trabalhos
acadêmicos.
A fase de produções com esse caráter alcançou a primeira metade dos anos 1980. A
partir de então teve início uma etapa de sucessivos infortúnios, em que se constata a crescente
perda de força da entidade. O nome do Observatório Antares volta a pautar as matérias dos
jornais, porém, com o intuito de denunciar a sua decadência.
“O Antares já não observa mais estrelas”
O Antares por quase vinte anos tornou-se palco para projeção de políticos locais e
estaduais. Antônio Carlos Magalhães, por exemplo, era uma figura que se fazia presente nos
mais diversos momentos da entidade. A investigação sobre os jornais evidenciou a recorrente
participação de ACM na trajetória do Antares, chegando ao ponto de haver declarações de que
a sua ajuda era decisiva para a existência da instituição.204 Os ex-funcionários e ex-
voluntários também o exaltaram em seus depoimentos, atribuindo-lhe o papel de grande
incentivador e colaborador da entidade. Em uma das falas de José Ângelo, o sucesso do
Antares teria sido “graças” a ACM, então governador da Bahia. A entrevista com Antônio
Carlos da Graça confirmou essa impressão. Na ocasião, o depoente assegurou que “Antônio
Carlos Magalhães “tomou-se de amores” por César Orrico. 205
Como se vê isso não foi suficiente para manter o Antares, pois nem sempre o político
de confiança da ditadura estava à frente do governo. Na mesma situação, encontrava-se a
Universidade Estadual de Feira de Santana, que fora criada também durante o governo de
204A Tarde, Salvador 5 jun. 1991, p.14. 205 Entrevista concedida em 25 de outubro de 2017
125
ACM e tornou-se uma das instituições com a qual o Antares possuía convênio. A UEFS nada
podia fazer para melhorar as condições da entidade, pois ela também foi abatida por
sucessivas crises, greves e cortes orçamentários.
Nos periódicos locais e regionais foram recorrentes as matérias que informavam
acerca da precariedade tanto da UEFS quanto do Antares. A imprensa, além de noticiar os
percalços dessas entidades, colocava-se como agente, no sentido de poder modificar aquele
quadro. Nessa perspectiva, o Feira Hoje chegou a promover um debate na reitoria da
Universidade, objetivando promover uma mesa redonda com a administração da instituição,
em sua reitoria, a fim de proporcionar maior intercâmbio entre a UEFS e a comunidade, pois
as atividades acadêmicas encontravam-se suspensas há dois meses, em decorrência da greve
dos professores. 206
Para o encontro, contava-se com a participação de jornalistas, dirigentes de órgãos
públicos, a atuação comunitária, como também dos secretários municipais de
Desenvolvimento Comunitário e de Educação, Arlindo Mendes Lima e Wilson Mascarenhas,
além da professora Laís Gomes e o diretor da 2ª Diretoria Regional de Sáude, Colbert Martins
Filho.
Os jornais que outrora destacavam a entidade como o primeiro Observatório do Norte
e Nordeste, a partir dos anos de 1980 deu lugar para que ela pudesse implorar por auxílio. Os
sinais de que o observatório estava passando por dificuldades apareceram durante um dos
mais divulgados eventos por ele promovido, a observação do cometa Halley, em 1986. Na
edição de 31 de março, no Feira Hoje consta a matéria intitulada “Mesmo sem apoio, o
projeto Halley está sendo executado”. Nessa mesma perspectiva, aparece no A Tarde, em 4 de
abril, outra reportagem com a seguinte manchete: “Antares sem ajuda oficial ao projeto
‘Halley nos céus’”.
De maneira mais incisiva, não mais abordando pequenas dificuldades, mas sim,
denunciando a situação de abandono, outras matérias foram encontradas. A partir delas pode-
se afirmar que o período mais crítico da entidade foi o ano de 1988. No Correio da Bahia, por
exemplo, há uma reportagem denominada “Governo esquece Antares”. Nela, deu-se destaque
a seguinte frase: “Orrico diz que antes era mais fácil”.
No corpo do texto foi relatada a situação de abandono da instituição, que desde março
de 1987 não recebia mais nenhuma verba do Governo do estado. Há informações de que o
convênio com a UEFS estava em fase de renovação.
206 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.01.1988- 30.06.1988. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana,
05 de junho de 1988, s/n.
126
De acordo com a matéria, havia um deputado chamado Waldeck, que estava tentando
trazer melhorias para o Observatório. A situação precária da entidade foi atribuída à troca de
governo. Segundo o articulista, nenhum contrato no estilo UEFS / Antares estava sendo
renovado antes da posse do novo governador. E mesmo após Waldir Pires ter assumido, “(...)
o tempo passou e o governo de mudança esqueceu-se do Antares, que ficou todo esse
período em total abandono, sem nenhuma ajuda oficial, ou particular”[negrito do autor]. Em
contraponto às queixas, a reportagem exaltava o papel das empresas e da figura de ACM
como impulsionadores da entidade num passado recente.
Pela iniciativa privada, destacou-se o Banco do Brasil e o Baneb. No primeiro governo
de Antônio Carlos Magalhães, segundo a reportagem, o Observatório passou a ter apoio direto
de autoridades estaduais, por meio de verbas provenientes da Setrabes e da Secretaria de
Ciência e Tecnologia.
Com a saída do “padrinho” ACM do governo, e a entrada de Roberto Santos, a matéria
sugere que tenha começado aí as dificuldades enfrentadas pelo Antares, pois as autoridades
que assumiram o poder não liberaram verbas para a manutenção e pesquisa da instituição. A
cobrança demarcava também um posicionamento político e ideológico dos articulistas que
falavam em nome do Observatório, pois, mais uma vez, Antônio Carlos Magalhães foi trazido
para o debate. Segundo informaram, ele teria voltado a ajudar o Antares, tão logo assumiu a
presidência da Eletrobrás.
Depois da Eletrobrás, ACM retornou ao governo do estado e na opinião do articulista,
“(...) o observatório passou a ter vida nova”, uma vez que os recursos voltaram a ser liberados
pelas secretárias e, assim, a entidade atualizou-se em equipamentos e pesquisas.
Semelhante a essa matéria, lançaram-se outras tantas em favor do Antares. Dentre
elas estão: “Antares espera verba de 1 milhão”, do A Tarde, e, “Antares não observa mais
estrelas”, da Tribuna Feirense.
Na tentativa de resolver a situação da entidade, os jornais apontaram para as várias
iniciativas empregadas por Orrico. Algumas delas constam na edição do Feira Hoje, do dia 25
de maio de 1988, na matéria “Observatório Antares vai voltar a funcionar”.207 No texto é
mencionado que Orrico apesar de descontente com a falta de apoio, estava esperançoso em
haver dias melhores para a entidade, pois nos seus planos consistiam em refazer o convênio
com a UEFS, estabelecer contatos com uma fundação da Alemanha, como também com o
207 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 01.01.1988- 30.06.1988. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana,
25 de maio de 1988, s/n.
127
Conselho Interestadual de Tecnologia – CONSITEC e com o Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq.
No entanto, um dia depois da publicação dessa reportagem, há outra no Correio da
Bahia, que trazia quase as mesmas informações daquela produzida pelo Feira Hoje,
afirmando que o convênio com a UEFS já havia sido refeito.208
Ainda otimista, e contando com um possível repasse de verbas do governo via UEFS,
Orrico chegou a dizer nos jornais que pretendia observar a aproximação do planeta Marte com
a Terra, previsto para ocorrer em setembro daquele ano, como também ensejava colocar em
prática, no mês de dezembro, o projeto “Estrela de Belém, destinado às crianças.209
Mesmo com tantas expectativas, a situação da entidade não melhorou. Em maio de
1989, o Tribuna da Bahia chegou a publicar uma extensa reportagem intitulada “O Antares já
não observa mais Estrelas”.210 No subtítulo, os equipamentos foram qualificados como
sofisticados e de grande potência, mas que estavam abandonados.
Nota-se que as falas de César Orrico, reproduzidas pelo articulista da matéria, estão
recobertas de indignação. O texto é iniciado com a seguinte reflexão do diretor do Antares:
“Fazer ciência no Brasil é difícil. No Nordeste piorou. Afinal, nossos hospitais não têm
dinheiro para gaze e esparadrapo. A que ponto a gente chegou”. A frase é complementada
pelo autor da matéria, informando quando a entidade havia sido criada e que naquele
momento estava “(...) entregue ao mato, transformada num criatório de calangos”. As
legendas das imagens também chamam a atenção. São basicamente duas. Na primeira, que
acompanha uma fotografia do prédio principal, afirma-se “Os equipamentos e instalações
estão sendo preservados por um vigia pago pelo próprio diretor”. Esse vigia era Francisco
Roque, o mais antigo funcionário da entidade. A outra, composta apenas por Orrico em
primeiro plano, descreve: “César Orrico: protelando o fim”.
Após tantas matérias indicando o fim da entidade, os periódicos passaram a apontar
para novas alternativas à crise do Observatório. Por todo o ano de 1990, os jornais publicaram
reportagens que indicavam que a entidade seria, a partir daquele momento, administrada pela
prefeitura municipal de Feira de Santana. A primeira delas saiu no Feira Hoje, em 1º de
fevereiro de 1990. Nela há uma imagem que mostra a cúpula do Fotoheliógrafo em primeiro
plano, e em segundo, o prédio principal. É acompanhada da seguinte frase: “O Antares pode
208 Correio da Bahia, Salvador, 26 maio 1988, p. 7. 209 Respectivamente: A Tarde, Salvador, 19 ago.1988, p.16; Folha do Norte, Feira de Santana, 12 nov. 1988, p.3. 210 Tribuna da Bahia, Salvador, 11 maio. 1989, p.2.
128
ser utilizado como centro de lazer e funcionar como escola”. 211 A legenda apresenta de
maneira resumida o que contêm a matéria. Vale acrescentar que segundo o texto, essa foi a
alternativa pensada e apresentada por Orrico ao prefeito municipal, Colbert Martins.
A “esperança” então reacendeu, dando margem à produção de novas reportagens,
inclusive, com frases que davam a entender que o observatório estava “salvo”, a exemplo da
publicação “os equipamentos não mais sofrerão danos”, publicada no Jornal Feira Hoje, em
março de 1990.212
No entanto, não foi exatamente isso que aconteceu. O Antares chegou a ser
incorporado pela prefeitura municipal, mas lá não funcionou uma escola ou um espaço de
lazer como se pensava, mas sim a Secretaria de Saúde do município. Em 1991, o A Tarde,
informou o fato por meio do título: “Observatório Astronômico de Feira vira secretaria”. 213
De acordo com o articulista, aquela teria sido a única maneira de manter o prédio protegido de
invasões e depredações. Dentre as imagens que compõem a reportagem, há uma que
representa a nova função da entidade, como se vê abaixo:
Figura 41: Antares funcionando como Secretaria de Saúde do Município.
Fonte: A Tarde 15 de junho de 1991. Arquivo do Museu Casa do Sertão, Recortes Coleção UEFS.
Nessa mesma matéria, atribuiu-se também ao governo de Waldir Pires a situação de
decadência da entidade. De acordo com o texto, “[...] as verbas que já eram diminutas,
211 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 03.01.1990- 30.06.1990. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana, 1
de fevereiro 1990, s/n. 212 COLEÇÃO, Recortes de jornais UEFS, pasta 03.01.1990- 30.06.1990. Jornal Feira Hoje, Feira de Santana,
18 de março 1990, s/n. 213 A Tarde, Salvador, 15 jun. 1991, p.14.
129
desapareceram, inviabilizando a continuação das atividades que ali eram desenvolvidas pelo
astrônomo Augusto César Orrico, técnico de planejamento da Universidade de Feira.”214
No entanto, em 1992, há um engajamento para fazer com que o Antares retornasse às
suas atividades de origem. A partir daquele ano ele deixaria a condição de conveniado da
UEFS e tornar-se-ia um órgão suplementar da instituição. Localizamos em um dos
documentos que informam acerca desses objetivos as justificativas que foram adotadas para
que o projeto fosse viabilizado, recuperando-se a trajetória da entidade, a fim de fundamentar
tal tomada de decisão:
Criado em 1971, pela iniciativa privada, contando com o
decisivo apoio do então e atual Governador Antônio Carlos
Magalhães, o Observatório manteve, com esta Universidade, até o ano
de 1987, Convênio que possibilitou o seu trabalho e o incentivo de
pesquisas e atividades afins.
Em 1987, no último Governo Estadual, os recursos deixaram
de ser repassados, trazendo sérios problemas à manutenção da
Instituição, que se encontra, atualmente, relegada ao mais completo
abandono e descaso.215
A solução encontrada para a situação precária do Antares foi incorporar toda a
entidade na condição de órgão suplementar da universidade. A proposta foi apresentada e
aprovada pelo reitor Josué Mello, durante a 80ª reunião ordinária do Conselho Administrativo
da Universidade Estadual de Feira de Santana.216 No documento, consta que a proposta
apresentada pelo reitor para a incorporação do Antares seria uma alternativa para assegurar as
condições necessárias à recuperação e retomada das atividades daquele espaço.
O reitor informou ainda que a inclusão do Antares como órgão suplementar da
universidade foi precedida de uma decisão do Conselho da Fundação daquela entidade, que,
em assembleia geral, deliberou pela incorporação, mediante a extinção da Fundação e delegou
ao presidente Augusto César Orrico plenos poderes a fim de proceder a todos os trâmites
necessários. Dessa maneira, a Fundação Antares foi extinta por meio do decreto 28.168, de 25
de agosto de 1992, passando a fazer parte do patrimônio da Universidade Estadual de Feira de
Santana.
Nos periódicos consultados, a notícia do novo status do Antares ganhou repercussão,
juntamente com as primeiras providências práticas da UEFS, a fim de revitalizar a estrutura.
No A Tarde, a matéria “Observatório vai ser reformado”, informou que a Universidade abriu
214 A Tarde, Salvador, 15 jun. 1991, p.14. 215 BAHIA. Ofício n°121/92, de 22 de março de 1992. Feira de Santana, 22 mar 1992. 216 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. Feira de Santana. Ata n.80 . Ata de reunião
ordinária do conselho administrativo da Universidade Estadual de Feira de Santana, realizada no dia 27 de março
de 1992, p.12.
130
uma licitação pública para efetuar uma reforma no Antares, que em pouco tempo passaria a
funcionar como órgão suplementar daquele estabelecimento de ensino superior.217
Essas iniciativas demarcam uma nova fase para o Observatório Antares. Uma espécie
de nova chance para aqueles que “sonhavam” em tornar o estudo da ciência astronômica uma
realidade na cidade de Feira de Santana. Essa segunda etapa, no entanto, não cabe no corpo
deste trabalho e decerto será objeto de estudo de outras pesquisas.
217A Tarde, Salvador, 10jul. 1992, p.2
131
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta dissertação foi traçar a trajetória do Observatório Astronômico
Antares. Trata-se de uma experiência ocorrida em um espaço social, político, econômico e
cultural específico ─ Feira de Santana ─ que agrega elementos estruturantes da noção de
"modernidade" e "modernização". Com base nestes dois conceitos, buscou-se entender o
sentido daquela vivência singular, articulando-a com experiências mais amplas.
A modernização, vista como processo, implica em tensões, em conflitos e em
contradições. Não foi diferente no caso aqui analisado. Vira-se em diferentes momentos,
enunciados paradoxais, por exemplo, a atribuição dos avanços científicos a um ente superior
evocando-se o nome de Deus. A criação do próprio empreendimento configura um
descompasso entre o discurso e as práticas: ele foi idealizado e posto em funcionamento não
por profissionais da astronomia ─ cientistas ─, mas por amadores. Há que se reconhecer,
porém, junto com Marshall Berman e Anthony Giddens que não há nada de impróprio nas
contradições da modernização já que elas fazem parte de sua essência.
Do processo de modernização emergem discursos a favor e contra. Há aqueles que a
legitimam e os que a desqualificam, conforme sugere Bruno Latour. Esta faceta ficou evidente
quando se comparou o discurso da imprensa e o da ficção romanesca. Além dos
pronunciamentos nos periódicos, a modernização aqui examinada veio à tona através das
numerosas fotografias, amplamente disseminadas pelos idealizadores do Antares, na busca de
reconhecimento da natureza do projeto que implementaram.
Assim, instrumentos notadamente modernos, como a imprensa e a fotografia, foram
empregados nas táticas para aproximar a entidade do poder, recorrendo-se frequentemente a
meios "tradicionais" de apoio, a exemplo da trocas de favores e de ajudas pessoais por parte
das autoridades constituídas. É neste jogo de trocas que se destacou a figura de Antônio
Carlos Magalhães na trajetória dos Antares. A influência do governador baiano era tão intensa
que ele chegou a criar uma emissora de rádio na cidade, em conjunto com César Orrico, a
rádio Antares. Por não se constituir em objeto direto de nossa investigação, apenas
tangenciamos a sua criação ficando a sugestão de pesquisa para estudos futuros.
Este trabalho ressente-se do fato de não ter entrevistado César Orrico, cujo
protagonismo ficou evidente nesta narrativa. No entanto, sua voz e pontos de vista
sobressaíram nos numerosos artigos de jornais aqui empregados, o que se espera tenha
reparado a falta de seus depoimentos, ainda que como pesquisadores reconheçamos as
diferenças entre as naturezas das duas modalidades de fontes.
132
A investigação revelou desde o início o quanto a ideia de modernidade estava presente
no horizonte daqueles que levaram a cabo a edificação do Antares, sintetizada na palavra
"progresso". O grau de comprometimento da imprensa local com o projeto se expressou no
papel desempenhado por jornalistas e proprietários daqueles periódicos para divulgar o
empreendimento. As articulações com os poderes tanto em âmbito local quanto estadual se
fizeram notar nas iniciativas dos fundadores da entidade, desde os primeiros passos.
O patrimônio material do Antares funcionou como símbolo de um poder científico e
como objeto-testemunho, papel adquirido após a perda da sua "funcionalidade primária".
Apesar de os periódicos afirmarem que os equipamentos científicos eram de alta qualidade,
viu-se que essa condição não correspondia à realidade. A maioria dos instrumentos era de
segunda mão; eles estavam obsoletos nas entidades as quais pertenciam e essas os
disponibilizavam para o Observatório.
Os instrumentos, as fotografias e as publicações funcionaram também como "objetos-
lembranças", capazes de despertar as mais remotas memórias dos envolvidos com a entidade.
Por meio das entrevistas viu-se que os produtos científicos foram classificados pelos
dirigentes do Observatório como resultado das atividades desenvolvidas naquele espaço. Ao
reuni-los e analisá-los, percebe-se que eles operavam como "instrumentos simbólicos",
segregando a comunidade em produtores do conhecimento astronômico, leitores
especializados e inaptos à compreensão dos dados.
No final dos anos 1980, as publicações científicas foram tornando-se cada vez mais
escassas. Caminhava-se para o encerramento de uma experiência que, como todas as
"aventuras da modernidade", foram marcadas por suas contradições e crises: as gerais e as
específicas de um tempo e um lugar. A trajetória do Observatório Astronômico Antares
narrada nesta abordagem teve início, meio e fim, um "fim" que aqui faz sentido apenas pela
necessidade de encerrar a pesquisa e a exposição de seus resultados.
133
FONTES
Anuários Astronômicos
Anuário Astronômico 1979 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1979;
Anuário Astronômico 1980 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1980;
Anuário Astronômico 1981 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1981;
Anuário Astronômico 1984 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1984;
Anuário Astronômico 1985 – Bahia, Observatório Astronômico Antares, 1985.
Atas
OBSERVATORIO ASTRONÔMICO ANTARES. Feira de Santana. Ata n. 1. Ata da criação
do Observatório Astronômico Antares, realizada no dia 16 de março de 1971;
OBSERVATORIO ASTRONÔMICO ANTARES. Feira de Santana. Ata da sessão de posse
da diretoria do Observatório Astronômico Antares, realizada no dia 15 de março de 1975;
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA. Feira de Santana. Ata n.80. Ata
de reunião ordinária do conselho administrativo da Universidade Estadual de Feira de
Santana, realizada no dia 27 de março de 1992;
Atestados
Feira de Santana. 30 de junho de 1975.
Boletins Astronômicos
NUNES, Marcomede Rangel. O uso da classificação de McINTOSH na observação dos
grupos de manchas solares no Observatório Astronômico Antares. Contribuição científica nº
1. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;
NUNES, Marcomede Rangel. Relação entre densidade de fluxo solar (10.7 cm OTTAWA) e
número relativo de manchas solares durante 1978. Observatórios: Clube estudantil de
astronomia e capricórnio. Contribuição científica nº 2. Universidade Estadual de Feira de
Santana, Observatório Astronômico Antares;
134
SILVA, Sylvio. Notas sobre calendário. Contribuição científica nº 3. Universidade Estadual
de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;
SILVA, Sylvio. O Satélite artificial do ponto-de-vista astronômico. Contribuição científica nº
6. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;
MOURAO, Ronaldo Rogério Freitas. A observação fotográfica das estrelas duplas visuais.
Contribuição científica nº 8. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório
Astronômico Antares;
MOURAO, Ronaldo Rogério Freitas. Hora legal no Brasil. Contribuição científica nº 15.
Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;
SOUZA, Antonio Carlos da Graça. Determinação do fator k, do número relativo de WOLF no
ano de 1979 no Observatório Antares. Contribuição científica nº 17. Universidade Estadual
de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;
NUNES, Marcomede Rangel. Relação entre densidade de fluxo solar (10.7 cm OTTAWA) e
número relativo de manchas solares durante 1979. Observatórios: Zurich, Boulder e Antares
de Feira de Santana. Contribuição científica nº 18. Universidade Estadual de Feira de
Santana, Observatório Astronômico Antares;
NUNES, Marcomede Rangel. Insolação teórica para Recife, comparação com Feira de
Santana, incluindo a radiação solar global no topo da atmosfera. Contribuição científica nº
20. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares;
NUNES, Marcomede Rangel. Determinação da posição heliográfica pelo método do disco de
porter. Contribuição científica nº 22. Universidade Estadual de Feira de Santana,
Observatório Astronômico Antares;
SOUZA, Antônio Carlos da Graça. Development on large scale of the Antares solar region
00119. Contribuição científica nº 28. Universidade Estadual de Feira de Santana,
Observatório Astronômico Antares;
Correspondência dos diferentes calendários – 1982 dia, ano, período Juliano - 1982
Contribuição científica nº 32. Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório
Astronômico Antares;
135
SOUZA, Antônio Carlos da Graça. Determination of the K factor from the relative sunspot
numbers at the year from 1981 on the Antares Observatory. Contribuição científica nº 38.
Universidade Estadual de Feira de Santana, Observatório Astronômico Antares.
Estatutos
ESTATUTO. 25 de setembro de 1971. Observatório Astronômico Antares.
Lei e Projetos de lei
FEIRA DE SANTANA. Lei 791/75, 14 de maio de 1975. Considera de utilidade pública o
Observatório Astronômico Antares.
FEIRA DE SANTANA. Projeto de Lei 10/75, 8 de outubro de 1975. Considera de utilidade
pública o Observatório Astronômico Antares. Câmara Municipal de Feira de Santana, Feira
de Santana, v.5, p.14, 8 out 1975.
Ofícios
BAHIA. Ofício n°121/92, 22 de março de 1992. Feira de Santana. 22 mar 1992.
Relatórios
Relatório das Atividades da Fundação, 30 de setembro de 1975;
Atividades no Observatório Antares, 06 de novembro de 1989.
Diário Oficial
Antares da cidade de Feira de Santana. Diário Oficial do Estado, Salvador, v. 3, n.9158, p.61,
16 mai 1972;
BAHIA. n.18.926, de 18 de novembro de 1971. Estatuto da Fundação do Antares;
BAHIA. Lei 3003, de 15 de maio de 1972. Declara de utilidade pública o Observatório
Astronômico FEIRA DE SANTANA. Projeto de Lei 10/75 de 8 de outubro de 1975.
136
Jornais e Periódicos
Jornal Folha do Norte –1969/1975 (Museu Casa do Sertão e Biblioteca Municipal de Feira de
Santana);
Jornal Feira Hoje – 1970/1975 (Museu Casa do Sertão e Biblioteca Municipal de Feira de
Santana);
Correio da Manhã – 1970 (Biblioteca Nacional Digital);
Jornal do Brasil - 1976 (Biblioteca Nacional Digital);
Veja. São Paulo, n° 22, p. 38 - 41, 5 fev 1969;
Veja. São Paulo, n° 47, p. 31- 37. 30 jul 1969.
Entrevistas
Antônio Ferreira Magalhães – 7 de junho de 2013 e 27 de outubro de 2017– Feira de Santana,
Bahia;
Antônio Carlos da Graça – 13 de junho de 2013 e 30 de outubro de 2017 – Feira de Santana,
Bahia;
Francisco Roque – 18 de maio de 2013, Feira de Santana, Bahia;
Helder Alencar – 13 de junho de 2017 – Feira de Santana, Bahia;
José Ângelo Leite Pinto – 25 de outubro de 2017 – Feira de Santana, Bahia;
Ronaldo Rogério Freitas Mourão – 22 e 23 de maio de 2013 – Rio de Janeiro;
Ulisses Lemos Bezerra – 26 de outubro de 2017 – Feira de Santana, Bahia.
Romances e outras fontes literárias
BAHIA, Juarez. Setembro na Feira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
GODOFREDO FILHO. Poema da Feira de Santana. Coleção Ilha de Maré. Salvador, 1977.
p.16
137
POPPINO, Rollie E. Feira de Santana. Salvador: Editora Itapuã, 1968.
SALES, Herberto. O Fruto do Vosso Ventre. Rio de Janeiro: Livraria José Olimpio Editora,
1984.
SODRE, Muniz. O bicho que chegou a Feira. Rio de Janeiro: Editora Francisco Alves, 1991.
Sites Consultados
http://www.fgv.br/cpdoc/acervo/dicionarios/verbete-biografico/arnold-ferreira-da-silva.
http://oliveiradimas.blogspot.com.br/2017/05/15-anos-sem-egberto-costa.html?spref=fb.
http://ginasiosantanopolis.blogspot.com.br/search/label/Carlos%20Bacelar.
138
REFERÊNCIAS
ALBERTI, Verena. “História dentro da História”. In: PINSKY, Carla Bassanezi (org). Fontes
Históricas. 3ªed. São Paulo: Editora Contexto, 2015.
AROSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica. Tradução Adréa Dore. Bauru, SP: Edusc, 2006.
BAUDRILLARD, Jean. O Sistema dos Objetos: tradução de Zulmira Ribeiro Tavares. São
Paulo: Editora Perspectiva, 2012.
BERGER, John. Para entender uma fotografia. Tradução de Paulo Geiger. São Paulo: Editora
Companhia das Letras, 2017.
BERMAN, Marshall. Tudo que é sólido desmancha no ar: a aventura da modernidade.
Tradução Carlos Felipe Moisés, Ana Maria L. Loriatti. São Paulo. Companhia das Letras,
1986
BOSI. Eclea. Memória e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: Companhia das Letras,
1994.
BOURDIEU. Pierre. O poder simbólico. Tradução Fernando Tomaz. Rio de Janeiro. Editora
BERTRAND, 1989.
BURKE, Peter. A Fabricação do Rei. A Construção da imagem pública de Luís XIV. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar, 1994.
CAPELATO. Maria. Os Arautos do liberalismo: imprensa paulista 1920-1945. 1ª Edição. São
Paulo: Brasiliense, 1989.
CÂNDIDO, Maria I. Documentação Museológica. Caderno de diretrizes museológicas. 2.ed.
Belo Horizonte: Bárbara Bela Editora Gráfica, 2006. p 33-92.
CARDOSO, Ciro; VAINFAS, Ronaldo. Domínios da história: ensaios de teoria e
metodologia. 5.ed. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1997.
CIVIATTA, Maria.O mundo do trabalho em imagens: a fotografia como fonte histórica (Rio
de Janeiro, 1900-30). Rio de Janeiro: Lamparina Editora, 2002.
CHARTIER, Roger. História Cultural: entre práticas e representações. Tradução Maria
Manuela Galhardo. Lisboa: Difusão Editora, 1988.
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. Tradução Luciano Vieira Machado. 3.ed. São
Paulo: Editora Unesp, 2006
CLEMENTE, José Eduardo Ferraz “A ciência durante a ditadura militar: a criação da pós-
graduação na Universidade Federal da Bahia e o caso da Geofísica (1964-1985)”. In:
ZACHARIADHES, Grimaldo Carneiro. Ditadura Militar na Bahia: Histórias de
autoritarismo, conciliação e resistência. Salvador: EDUFBA, 2014.
139
COLEÇÃO DE INSTRUMENTOS CIENTÍFICOS DO OBSERVATÓRIO DE VALONGO.
Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2010.
CORRÊA. Diego. O futuro do passado: uma cidade para o progresso e o progresso para
cidade em João Durval Carneiro. (1967-1971). (Dissertação de Mestrado em História,
Universidade Estadual de Feira de Santana, 2011).
CURY, Marília Xavier. Exposição: concepção, montagem e avaliação. São Paulo:
Annablume, 2005.
DELEUZE, Gilles. Focault. Tradução Claudia Sant’Anna Martins. São Paulo: Editora
Brasiliense, 2006.
DE SETA, Cesare “Objecto”. In: Enciclopédia Rinaude, vol.3, Artes – Tonal/ Atonal,
Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1984.
FERREZ, Helena Dodd. Documentação Museologica: teoria para uma boa prática. Cadernos
de Ensaio n.2, Estudos de Museologia, Rio de Janeiro: Minc / IPHAN.
FOCAULT, Michel. A arqueologia do saber. Tradução Luiz Felipe Baeta Neves. 7. ed. Rio
de Janeiro: Forense Universitária, 2008.
GIDDENS, Anthony. Conversas com Anthony Giddens: o sentido da modernidade. Tradução:
Luiz Alberto Monjardim. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.
KOSSOY, Boris. Fotografia e História. São Paulo: Editora Ática, 1989.
LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos. Tradução Carlos Irineu da Costa. São Paulo:
Editora 34, 2013.
LE GOFF, Jaques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão... [et al.] -- Campinas, SP
Editora da UNICAMP, 1990.
LEMOS, Carlos. O que é patrimônio histórico. 5. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1987.
LOPES, R. Godofredo filho nos seus oitenta anos. Revista Sitientibus. Feira de Santana, v.2,
n.4, p.85-92. jan/jun. 1984.
LUCA, Tania Regina de. “História dos, nos e por meio dos periódicos”. In: PINSKY, Carla
Bassanezi. Fontes Históricas. São Paulo: Contexto, 2015.
MAGALHAES, Ferreira. Historia nas lentes: Feira de Santana pelo olhar do fotógrafo
Antônio Magalhães. Aldo José Morais Silva, Clovis Frederico Ramaiana Morais Oliveira.
Feira de Santana: UEFS Editora, 2009.
MOLES, Abraham. Teoria dos Objetos: tradução de Luiza Lobo; revisão técnica de Mário
Tavares D’Amaral. Rio de Janeiro: Editora Tempo Brasileiro, 1981.
MOURAO, Ronaldo. Einstein: de Sobral para o mundo. Sobral: UVA, 2003.
140
MORIZE, Henrique. Observatório astronômico: um século de história (1827-1927). Rio de
Janeiro: Salamandra, 1987.
OLIVEIRA, Clóvis Ramaiana Moraes. Canções da cidade amanhecente: urbanização,
memórias urbanas e silenciamentos em Feira de Santana 1920-1960. Salvador: EDUFBA,
2016.
PANOFSKY, Erwin. Estudos de Iconologia: temas humanísticos na arte do renascimento.
Tradução Olinda Braga de Sousa. 2. ed. Lisboa: Editorial Estampa, 1995
PESAVENTO, Sandra Jatahy. O imaginário da cidade: visões literárias do urbano: Paris, Rio
de Janeiro, Porto Alegre. 2a ed. Porto Alegre: Ed. da UFRGS, 2002.
PESEZ, Jean Marie. “História da cultura material”. In: LE GOFF, Jacques. A História Nova.
São Paulo: Martins Fontes, 1990.
PINTO, Raymundo Antonio Carneiro. Pequena história de Feira de Santana. Feira de
Santana: Fundação Senhor dos Passos, 2011.
PROUS, Andre. O Brasil antes dos brasileiros: a pré-história do nosso país. 2.ed. Rio de
Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2007.
SONTAG, Susan. Sobre fotografia. Tradução Rubens Figueiredo. São Paulo: Companhia das
Letras, 2004.
141
ANEXO A - Carta convite
142
ANEXO B – Atestado de presença
143
ANEXO C- Desenhos das Manchas Solares