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128 CAPÍTULO XII AMAI VOSSOS INIMIGOS Pagar o mal com o bem – Os inimigos desencarnados – Se alguém vos bate a na face direita, apresentai-lhe também a outra – Instruções dos Espíritos: A vingança – O ódio – O duelo. * PAGAR O MAL COM BEM 1. Aprendestes que foi dito: Amareis vosso próximo e odiareis vossos inimigos. E eu vos digo: Amai os vossos inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam e orai por aqueles que vos perseguem e vos caluniam; a fim de que sejais filhos de vosso Pai que está nos céus, que faz erguer o Sol sobre os bons e sobre os maus, e faz chover sobre os justos e os injustos; porque se não amardes senão aqueles que vos amam, que recompensa disso tereis? Os publicanos não o fazem também? E se não saudardes senão os vossos irmãos, que fazeis nisso mais que os outros? Os publicanos não fazem também? Eu vos digo que se a vossa justiça não for mais abundante que a dos Escribas e dos Fariseus, não entrareis no reino dos céus. (São Mateus, cap. V, v. 20 e de 43 a 47). 2. se não amardes senão aqueles que vos amam, que recompensa tereis, uma vez que as pessoas de má vida amam também aqueles que as amam? E se não fazeis o bem senão àqueles que vo-lo fazem, que recompensa tereis, uma vez que

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CAPÍTULO XII

AMAI VOSSOS INIMIGOS

Pagar o mal com o bem – Os inimigos desencarnados – Se

alguém vos bate a na face direita, apresentai-lhe também

a outra – Instruções dos Espíritos: A vingança – O ódio –

O duelo.

*

PAGAR O MAL COM BEM

1. Aprendestes que foi dito: Amareis vosso próximo e

odiareis vossos inimigos. E eu vos digo: Amai os vossos

inimigos, fazei o bem àqueles que vos odeiam e orai por

aqueles que vos perseguem e vos caluniam; a fim de que sejais

filhos de vosso Pai que está nos céus, que faz erguer o Sol sobre

os bons e sobre os maus, e faz chover sobre os justos e os

injustos; porque se não amardes senão aqueles que vos amam,

que recompensa disso tereis? Os publicanos não o fazem

também? E se não saudardes senão os vossos irmãos, que

fazeis nisso mais que os outros? Os publicanos não fazem

também? Eu vos digo que se a vossa justiça não for mais

abundante que a dos Escribas e dos Fariseus, não entrareis no

reino dos céus. (São Mateus, cap. V, v. 20 e de 43 a 47).

2. se não amardes senão aqueles que vos amam, que

recompensa tereis, uma vez que as pessoas de má vida amam

também aqueles que as amam? E se não fazeis o bem senão

àqueles que vo-lo fazem, que recompensa tereis, uma vez que

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as pessoas de má vida fazem a mesma coisa? E se vós não

emprestais senão àqueles de quem esperais receber o mesmo

favor, que recompensa tereis, uma vez que as pessoas de má

vida se emprestam mutuamente para receber a mesma

vantagem? Mas, por vós, amai os vossos inimigos, fazei o bem

a todos, e emprestai sem disso nada esperar, e então vossa

recompensa será muito grande, e sereis os filhos do Altíssimo,

que é bom para os ingratos e mesmo para os maus. Sede, pois,

cheio de misericórdia. (São Lucas, cap. VI, v. de 32 a 36).

3. Se o amor ao próximo é o princípio da caridade, amar

os inimigos é sua aplicação sublime, porque esta virtude é uma

das maiores vitórias alcançadas sobre o egoísmo e o orgulho.

Entretanto, equivoca-se geralmente sobre o sentido da

palavra amor nessa circunstância. Jesus não quis dizer, por

essas palavras, que se deve ter pelo inimigo a ternura que tem

para com um irmão ou amigo; a ternura supõe a confiança, ora

não se pode ter confiança naqueles que sabemos nos querer

mal; não se pode ter com ele os transportes de amizade,

porque se sabe que é capaz de abusar disso; ente pessoas que

desconfiam umas da outras, não poderá haver os laços de

simpatia que existem entre aquelas que estão em comunhão

de pensamentos; não se pode, enfim, ter o mesmo prazer ao

encontrar com um inimigo do que com um amigo.

Esse sentimento resulta mesmo de uma lei física: a da

assimilação e da repulsão dos fluidos; o pensamento malévolo

dirige uma corrente fluídica cuja impressão é penosa; o

pensamento benevolente vos envolve de um eflúvio agradável;

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dai a diferença de sensações que se experimenta à

aproximação de um amigo ou de um inimigo. Ama os inimigos

não pode significar que não se deve fazer nenhuma diferença

entre eles e os amigos; esse preceito não parece difícil,

impossível mesmo de praticar, senão porque se crê falsamente

que prescreve lhes dar o mesmo lugar no coração. Se a pobreza

das línguas humana obriga a se servir do mesmo termo para

exprimir diversas nuanças de sentimentos, a razão deve

diferenciá-los segundo o caso.

Ama os inimigos não é ter para com eles uma afeição

que não está na Natureza, porque o contato de um inimigo faz

bater o coração de maneira bem diferente do de um amigo; é

não ter contra eles nem ódio, nem rancor, nem desejo de

vingança; é perdoar-lhes sem segunda intenção e

incondicionalmente o mal que nos fazem; é não opor nenhum

obstáculo à reconciliação. É desejar-lhes o bem, em lugar de

desejar-lhes o mal; é regozijar-se em lugar de se afligir pelo

bem que os alcança; é lhes estender mão segura em caso de

necessidade; é abster-se, em palavras e em ações, de tudo o

que possa prejudicá-los; enfim, é lhes retribuir em tudo, o mal

com o bem, sem intenção de humilhá-los. Quem quer que faça

isso cumpre as condições do mandamento: Amai os vossos

inimigos.

4. Amar os inimigos é um absurdo para o incrédulo;

aquele para quem a vida presente é tudo, não vê no inimigo

senão um ser nocivo perturbando sua tranquilidade, e do qual

crê que só a morte pode livrá-lo; daí o desejo de vingança; não

tem nenhum interesse em perdoar se isso não é para satisfazer

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seu orgulho aos olhos do mundo; perdoar mesmo, em certos

casos, lhe parece uma fraqueza indigna de si; se não se vinga,

não lhe conserva menos rancor e um secreto desejo do mal.

Para o crente, mas para o espirita, sobretudo, a

maneira de ver é diferente, porque ele considera o passado e o

futuro, entre os quais a vida presente não é senão um ponto;

sabe que , pela própria destinação da Terra, deve prever

encontrar nela homens maus e perversos; que as maldades das

quais é alvo fazem parte das provas que deve suportar, e o

ponto de vista elevado em que se coloca, lhe torna as

vicissitudes mesmo amargas, venham elas dos homens ou das

coisas; se ele não se queixa das provas, não deve murmurar

contra aqueles que delas são os instrumentos; se, em lugar de

se lamentar, agradece a Deus por experimentá-lo, deve

agradecer a mão que lhe fornece a ocasião de provar sua

paciência e resignação. Esse pensamento o dispõe

naturalmente ao perdão; ele sente que quanto mais é

generoso, mais se engrandece aos próprios olhos e se acha fora

do alcance dos golpes malevolentes do seu inimigo.

O homem que ocupa uma posição elevada no mundo

não se crê ofendido pelos insultos daquele a quem considera

como seu inferior; assim ocorre com aquele que se eleva, no

mundo moral, acima da Humanidade material; ele compreende

que ódio e o rancor o aviltariam e o rebaixariam. Para ser

superior ao seu adversário, é preciso que tenha a alma maior,

mais nobre e mais generosa.

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OS INIMIGOS DESENCARNADOS

5. Tem o espírita ainda outros motivos de indulgência

pra com seus inimigos. Sabe ele, primeiro que a maldade não é

o estado permanente dos homens; que ela se deve a uma

imperfeição momentânea, e que, do mesmo modo eu a criança

se corrige dos seus defeitos, o homem mau reconhecerá um dia

seus erros e se tornará bom.

Sabe ainda que a morte não o livra senão da presença

material de seu inimigo, mas que este pode perseguí-lo com o

seu ódio, mesmo depois de ter deixado a Terra; que, assim, a

vingança falha no seu objetivo e, ao contrario, tem por efeito

produzir uma irritação maior que pode continuar de uma

existência a outra. Cabe ao Espiritismo provar, pela experiência

e pela lei que rege as relações do mundo visível e do mundo

invisível, que a expressão: apagar o ódio com o sangue é

radicalmente falsa, e o que é verdadeiro, é que o sangue

conserva o ódio, mesmo além do túmulo; de dar, or

conseguinte, uma razão de ser efetiva e uma utilidade pratica

ao perdão, e à sublime máxima do Cristo: Amai os vossos

inimigos. Não há coração tão perverso que não seja tocado de

bons procedimentos, mesmo inconscientemente; pelos bons

procedimentos tira-se pelo menos todo pretexto de

represálias; de um inimigo pode-se fazer um amigo, antes e

depois de sua morte. Pelos maus procedimentos, ele se irrita, e

é então que ele próprio erve de instrumento à justiça de Deus

pera punir aquele que não perdoou.

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6. Pode-se, pois, ter inimigos entre os encarnados e

entre os desencarnados; os inimigos do mundo invisível

manifestam sua malevolência pelas obsessões e pelas

subjugações, das quais tantas pessoas são alvo, e que são uma

variedade das provas da vida; essas provas, como as outras,

ajudam ao adiantamento e devem ser aceitas om resignação, e

como consequência da natureza inferior do globo terrestre; se

não houvesse homens maus na Terra, não haveria Espíritos

maus ao redor dela. Se, pois, deve-se ter indulgência e

benevolência para com os inimigos encarnados, devemos tê-la

igualmente para com aqueles que estão desencarnados.

Outrora, sacrificavam-se vítimas sangrentas para

apaziguar os deuses infernais, que eram outros senão os

Espíritos maus. Aos deuses infernais sucederam os demônios,

que são a mesma coisa. O Espiritismo veio provar que esses

demônios não são outros senão as almas de homens perversos,

que não se despojaram ainda dos instintos materiais; que não

se pode apaziguá-los senão pelo sacrifício de seu ódio, quer

dizer, pela caridade; que a caridade não tem apenas por efeito

impedi-los de fazer mal, mas de conduzi-los no caminho do

bem, e de contribuir para a sua salvação. É assim que a

máxima: Amai os vossos inimigos, não está circunscrita ao

círculo estreito da Terra e da vida presente, mas se integra na

grande lei da solidariedade e da fraternidade universais.

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SE ALGUÉM VOS BATE NA FACE DIREITA APRESENTAI-LHE TAMBÉM A OUTRA

7. Tendes aprendido que foi dito: olho por olho dente por dente. Eu vos digo para não resistirdes ao mal que se vos queiram fazer; mas se alguém vos bate na face direita, apresentai-lhe também a esquerda; e se alguém quer demandar convosco para tomar vossa túnica, abandonai lhe também vossa capa; e se alguém quer vos constranger a fazer mil passos com ele, fazei ainda dois mil. Dai àquele que vos pede e não repilais àquele que vos tomar emprestado. (São Mateus, cap. V, v. de 38 a 42).

8. Os preceitos do mundo sobre o que se convencionou chamar o ponto de honra dão essa suscetibilidade sombria, nascida do orgulho e da exaltação da personalidade, que leva o homem a retribuir injúria por injúria, insulto por insulto, o que parece a justiça para aquele cujo senso moral não se eleva acima das paixões terrestres; por isso a lei mosaica dizia: olho por olho, dente por dente, lei em harmonia com o tempo em que vivia Moisés. Cristo veio disse: Retribuí o mal com o bem. E disse mais: “Não resistais ao mal que se vos queiram fazer; se alguém bater sobre uma face, apresentai-lhe a outra.” Ao orgulhoso esta máxima parece covardia, porque não compreende há haja mais coragem em suportar um insulto do que em se vingar, e isso sempre por essa causa que faz com que a sua visão não se transporte além do presente. Entretanto, é preciso tomar esta máxima ao pé da letra? Não mais que aquela que diz para arrancar o olho, se ele for motivo de escândalo; acentuada em todas as suas consequências, seria condenar toda repressão, mesmo legal, e deixar o campo livre aos maus, lhes dissipando todo medo; se não se opusesse um freio às suas agressões, logo todos os bons seriam suas vítimas. O próprio instinto de conservação, que é uma lei

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natural, diz que não é preciso estender benevolentemente o pescoço ao assassino. Por essas palavras, portanto Jesus não interditou a defesa, mas condenou a vingança. Em dizendo para apresentar uma face quando a outra for batida é dizer, sob outra forma, que não é preciso retribuir o mal com o mal; que o homem deve aceitar com humildade tudo o que tende a rebaixar lhe o orgulho; que é mais glorioso para si ser ferido do que ferir, suportar pacientemente uma injustiça do que ele próprio cometer uma; que vale mais ser enganado do que enganador, ser arruinado que arruinar os outros. Isto é, ao mesmo tempo, a condenação do duelo, que não é outra coisa senão uma manifestação do orgulho. Só a fé na vida futura e na justiça de Deus, que não deixa jamais o mal impune pode dar a força de suportar pacientemente os golpes dirigidos contra os nossos interesses e o nosso amor próprio; por isso dizemos incessantemente: Dirigi vossos olhares para a frente; quanto mais vos eleveis pelo pensamento, acima da vida material, menos sereis magoados pelas coisas da Terra.

INTRUÇÕES DOS ESPÍRITOS

A VINGANÇA

9. A vingança é o último vestígio abandonado pelos costumes bárbaros, que tendem a se apagar do meio dos homens. Ela é, como o duelo, um dos últimos vestígios desses costumes selvagens sob os quais se debatia a Humanidade no início da era cristã. Por isso, a vingança é um indício certo do estado atrasado dos homens eu a ela se entregam, e dos Espíritos que podem ainda inspirá-la. Portanto, meus amigos, esse sentimento não deve jamais fazer vibrar o coração de quem se diga e se afirme espirita. Vingar-se, vós o sabeis, é de tal modo contrario a esta prescrição do Cristo: “Perdoai aos vossos inimigos”, que aquele que se recusa a perdoar, não somente não é espirita, como não é nem mesmo cristão. A vingança é uma inspiração tanto mais funesta quanto a falsidade e a baixeza são suas companheiras assíduas; com efeito, aquele que se entrega a essa fatal e cega paixão não se vinga quase nunca a céu aberto. Quando é o mais forte, precipita-se como um animal feroz sobre aquele a quem chama seu inimigo,

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quando a visão deste vem inflamar sua paixão, sua cólera e seu ódio. Mas, o mais frequentemente, ele reveste uma aparência hipócrita, em dissimulando, no mais profundo do seu coração, os maus sentimentos que o animam; toma caminhos escusos, segue na sombra seu inimigo sem desconfiança, e espera o momento propício para atingi-lo sem perigo; esconde-se dele, espreitando-o sem cessar; arma-lhe emboscadas odiosas e derrama-lhe, chegada à ocasião, o veneno no copo. Quando seu ódio não vai até esses extremos, ele o ataca, então, em sua honra e em sua afeiçoes; não recua diante da calúnia, e suas insinuações pérfidas, habilmente semeadas para todos os ventos, vão crescendo pelo caminho. Por isso, quando aquele que persegue se apresenta nos lugares onde seu sopro envenenado passou, espanta-se de encontrar rostos frios onde encontrava, outras vezes, rostos amigos e benevolentes; fica estupefato quando mãos que buscavam a sua se recusam a apertá-la agora; enfim, fica aniquilado quando seus amigos mais caros e seus parentes se desviam e fogem dele. Ah! O covarde que se vinga assim é cem vezes mais culpável do que aquele que vai direto ao seu inimigo e o insulta de rosto descoberto.

Para trás, pois, com esses costumes selvagens! Para trás com esses usos de outro tempo! Todo espirita que pretendesse, hoje, ter ainda o direito de e vingar, seria indigno de figurar por mais tempo na falange que tomou por divisa; Fora da caridade não há salvação! Mas não, eu não poderia deter-me em semelhante ideia, de que um membro de grande família espirita possa jamais no futuro ceder ao impulso da vingança, de outro modo senão para perdoar. (JULES OLIVIER, Paris, 1862).

O ÓDIO

10. Amai-vos uns aos outros e sereis felizes. Sobretudo, tomai a tarefa de amar aqueles que vos inspiram indiferença, ódio e desprezo. O Cristo, de quem deveis fazer o vosso modelo, vos deu o exemplo desse devotamento; missionário de amor, amou até dar o seu sangue e a própria vida. O sacrifício que vos obriga a amar aqueles que vos ultrajam e vos perseguem é penoso; mas, é precisamente isso que vos torna superiores a eles; se vós os odiais

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como vos odeiam, não valeis mais do que eles; é hóstia sem mancha ofertada a Deus sobre o altar de vossos corações, hóstia de agradável aroma cujos perfumes sobem até ele. Ainda que a lei do amor queira que se ame indistintamente a todos os irmãos, não endurece o coração contra os maus procedimentos; ao contrario, é a mais penosa prova, eu o sei, uma vez que durante minha ultima existência terrestre, experimentei essa tortura; mas Deus lá está, e pune nesta vida e na outra, aqueles que faltam à lei do amor. Não vos esqueçais, meus caros filhos, que o amor nos aproxima de Deus e que o ódio nos afasta dele. (FENELON, Bordéus, 1861).

O DUELO

11. Só e verdadeiramente grande aquele que, considerando a vida como uma viagem que deve conduzi-lo a um objetivo, faz pouco caso das asperezas do caminho e não se deixa jamais desviar um instante do caminho reto; o olhar sem cessar dirigido para o objetivo, pouco lhe importa que as sarças e os espinhos da senda lhe ameacem provocar arranhões. Eles o roçam sem atingi-lo, e, por isso, não prossegue menos no seu curso. Expor seus dias para se vingar de uma injúria, é recuar diante das provas da vida; é sempre um crime aos olhos de Deus, e se não estivésseis iludidos, como estais por vossos preconceitos, isso seria uma ridícula e suprema loucura aos olhos dos homens.

Há crime no homicídio pelo duelo; vossa própria legislação o reconhece; ninguém tem o direito, em nenhum caso, de atentar contra a vida de seu semelhante; crime aos olhos de Deus que vos traçou vossa linha de conduta; aqui, mais do que por toda parte, alhures, sois juízes em vossa própria causa. Lembrai-vos de eu vos será perdoado segundo houverdes perdoado vós mesmos; pelo perdão vos aproximais da Divindade, porque a clemencia é irmã do poder. Enquanto uma gota de sangue humano correr sobre a Terra pela mão dos homens, o verdadeiro reino de Deus não terá ainda chegado, este reino de pacificação e de amor que deve banir para todo o sempre do vosso globo a animosidade, a discórdia e a guerra. Então, a palavra duelo não existirá mais em vossa língua senão como uma longínqua e vaga lembrança de um passado que

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se foi; os homens não conhecerão entre eles outros antagonismos senão a nobre rivalidade do bem. (ADOLFHO, bispo de Argel, Marmande, 1861).

12. O duelo pode em certos, casos ser uma prova de coragem física, de desprezo pela vida, mais, incontestavelmente, é a prova de uma covardia moral, como no suicídio. O suicida não tem a coragem de afrontar as vicissitudes da vida; o duelista não tem a de afrontar as ofensas. O Cristo não vos disse que há mais de honra e de coragem em apresentar a face esquerda àquele que feriu a direita, do que se vingar de uma injúria? O Cristo não disse a Pedro, no Jardim das Oliveira: “Tornai a pôr vossa espada na bainha, porque aquele que matar pela espada perecerá pela espada?” Com estas palavras Jesus não condena para sempre o duelo? Com efeito, meus filhos, o que é, pois essa coragem nascida de um temperamento violento, sanguíneo e colérico bramindo à primeira ofensa? Onde, pois, está à grandeza de alma daquele que, à primeira ofensa? Onde, pois, está a grandeza de alma daquele que, à menos injúria, quer lavá-la em sangue? Mas, que ele trema! Porque, sempre no fundo da sua consciência, uma voz lhe gritará: Caim! Caim! Que fizeste de teu irmão? Foi-me preciso sangue para salvar minha honra, dirás a essa voz; ela, porém, responderá: Quisestes salvá-la diante dos homens por alguns instantes que te restam para viver na Terra, e não pensaste em salvá-la diante de teu Deus! Pobre louco! Quanto sangue pediria o Cristo, pois, por todos os ultrajes que recebeu? Não somente o feristes com o espinho e lança, não somente o pregastes num madeiro infamante, mas ainda, no meio da sua agonia, pôde ele ouvir as zombarias que lhe eram prodigalizadas. Que reparação, depois de tantos ultrajes, vos pediu? O último grito do cordeiro foi uma prece para seus carrascos. Oh! Como ele, perdoai e orai por aqueles que vos ofendem.

Amigos; lembrai-vos deste preceito: “Amai-vos uns aos outros”, e então ao golpe dado pelo ódio respondereis com um sorriso, e ao ultraje, pelo perdão. O mundo sem duvida se levantará furioso e vos tratará de covarde; erguei a cabeça ao alto, e mostrai então que a vossa fronte não temeria, também ela, de se

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carregar de espinhos, a exemplo do Cristo, mas que vossa mão não quer ser cúmplice de um homicídio que autoriza, supostamente, uma falsa aparência de honra que não é senão do orgulho e do amor próprio. Em vos criando, Deus vos deu o direito de vida e de morte, uns sobre os outros? Não, ele não deu esse direito senão à Natureza somente, para se reformar e se reconstruir; mas a vós não permitiu de despordes de vós mesmos. Como o suicida, o duelista estará marcado com sangue quando chegar a Deus e, a um e ou outro, o Soberano Juiz prepara longos e rudes castigos. Se ameaçou com a sua justiça aquele que disser ao seu irmão racca, quanto a pena será bem mais severa para aquele que apareça diante dele com as mãos vermelhas de sangue de seu irmão! (SANTO AGOSTINHO, Paris, 1862).

13. O duelo é como antigamente o que se chamava o julgamento de Deus, uma dessas instituições bárbaras que regem ainda a sociedade. Que diríeis, entretanto, se vísseis mergulhar os dois antagonistas na água fervente ou sujeita-los ao contato de um ferro em brasa para resolver suas querelas, e dar razão àquele que suportasse melhor a prova? Chamaríeis a esses costumes de insensatos. O duelo é ainda pior que tudo isso. Para o duelista emérito, é um assassinato cometido a sangue frio, com toda a premeditação desejada, porque ele está seguro do golpe que dará; para o adversário, quase certo de sucumbir, em razão da sua fraqueza e de sua inabilidade, é um suicídio, cometido com a mais fira reflexão. Eu sei que, frequentemente, procura-se evitar essa alternativa, igualmente criminosa, atribuindo-a ao acaso; mas, então, não é sob outra forma, um retorno ao julgamento de Deus da Idade Média? E ainda, nessa época, era-se infinitamente menos culpado; o próprio nome julgamento de Deus indica uma fé ingênua é verdade, mas enfim uma fé na justiça de Deus que não podia deixar sucumbir um inocente, enquanto que, no duelo, se confia na força bruta de tal sorte que, frequentemente, é o ofendido quem sucumbe.

O amor próprio estúpido, tola vaidade e louco orgulho, quando sereis substituídos pela caridade cristã, pelo amor ao próximo, e pela humildade de que o Cristo deu o exemplo e o

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preceito? Só então desaparecerão esses preconceitos monstruosos que governam ainda os homens, e que as leis são impotentes para reprimir, porque não basta interditar o mal e prescrever o bem, é preciso que o principio do bem e o horror ao mal estejam no coração do homem.(UM ESPÍRITO PROTETOR, Bordéus, 1861).

14. Que opinião terão de mim, dizei-vos frequentemente, se u recuso a reparação que me é pedida, ou se não a peço àquele que me ofendeu? Os loucos, como vós, os homens atrasados, vos censurarão; mas aqueles que estão esclarecidos pelo facho do progresso intelectual e moral, dirão que agistes de acordo com a verdadeira sabedoria. Refleti um pouco; por uma palavra frequentemente dita ao ar ou muito inofensiva da parte de um dos vossos irmãos, vosso orgulho se acha ferido, respondeis-lhe de maneira áspera, e daí uma provocação. Antes de chegar ao momento decisivo, perguntai-vos se agis como cristão? Que contas deveis à sociedade se a privais de um dos seus membros? Pensais no remorso de ter arrancado uma mulher de seu marido, a uma mãe de seu filho, aos filhos seu pai e seu sustentáculo? Certamente, aquele que ofendeu deve reparação; mas não é mais honroso para ele dá-la espontaneamente em reconhecendo seus erros, do que expor a vida daquele que tem direito de se lamentar? Quanto ao ofendido, convenho que algumas vezes pode se achar gravemente atingido, seja na sua pessoa, seja em relação àqueles que nos cercam; não é só amor próprio que está em jogo, o coração está ferido e sofre; mas além de ser estúpido, jogar a sua vida contra um miserável capaz de uma infâmia, ocorre que, este estando morto, a afronta qualquer que seja, não existe mais? O sangue derramado não dá mais renome a um fato que, se é falso deve cair por si mesmo, e que se é verdadeiro, deve se ocultar no silêncio? Não resta, senão a satisfação da vingança saciada; ah! Triste satisfação que, frequentemente, deixa desde esta vida cruciante remorsos. E se é o ofendido que sucumbe, onde está a reparação?

Quando a caridade for a regra de conduta dos homens, eles conformarão seus atos e suas palavras a esta máxima: “Não façais aos outros o que não quiserdes que vos façam”; então, sim,

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desaparecerão todas as causas de dissensões e, com elas, as do duelo e das guerras, que são os duelos de povo a povo. (FRANCISCO XAVIER, Bordéus, 1861).

15. O homem do mundo, o homem feliz, que, por uma palavra ofensiva, por uma causa fútil, joga a vida que lhe vem de Deus, joga a vida do semelhante que não pertence senão a Deus, este é mais culpável cem vezes que o miserável que, compelido pela cupidez, pela necessidade algumas vezes se introduz numa habitação para dela roubar o que cobiça e mata aqueles que se opõem ao seu desígnio. Este último, quase sempre, é um homem sem educação, não tendo senão noções imperfeitas do bem e do mal, enquanto que o duelista pertence quase sempre à classe mais esclarecida; um mata brutalmente, o outro com método e polidez, o que faz com que a sociedade o desculpe. Acrescento mesmo que o duelista é infinitamente mais culpável que o infeliz que, cedendo a um sentimento de vingança, mata num momento de exasperação. O duelista não tem ponto para desculpar o arrastamento da paixão, porque entre o insulto e a reparação, há sempre o tempo de refletir; ele age friamente e de plano premeditado; tudo está calculado e estudado para matar mais seguramente o seu adversário. E verdade que expõe também a sua vida, e é isso que reabilita o duelo aos olhos do mundo, porque nele se vê um ato de coragem e o desprezo da própria vida; mas há verdadeira coragem quando se está seguro de si? O duelo, resto dos tempos de barbárie, onde o direito do mais forte fazia a lei, desaparecerá com uma apreciação mais sadia do verdadeiro ponto de honra, e, à medida que o homem tiver uma fé mais viva na vida futura. (AGOSTINHO, Bordéus, 1861).

16. Nota: Os duelos tornaram-se cada vez mais raros e, se são vistos ainda de tempos em tempos em dolorosos exemplos, o número deles não é comparável ao que era antigamente. Outrora, um homem não saía de casa sem prever um encontro, tomando sempre suas precauções e consequência. Um sinal característico dos costumes do tempo e dos povos está no uso do porte habitual, ostensivo ou oculto, de armas ofensivas ou defensivas; a abolição desse uso testemunha o abrandamento dos costumes, e é curioso

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seguir-lhe a gradação desde a época em que os cavalheiros não cavalgavam jamais senão com armadura de ferro e armados de lança, até o porte de uma simples espada, tornada antes um adorno e um acessório de brasão do que uma agressiva. Outro indício de costumes, é que outrora os combates singulares tinham lugar em plena rua, diante da multidão que se afastava para deixar o campo livre, e que hoje se oculta; hoje, a morte de um homem é um acontecimento que emociona; outrora, não se lhe dava atenção. O Espiritismo vencerá esses últimos vestígios da barbárie, em inculcando nos homens o espírito de caridade e de fraternidade.