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Ensaios experimentais de Psicologia Ambiental Fenomenológico Existencial 3. AMBIENTE E COISIFICAÇÃO Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo. Uma expressão chula brasileira (se me permite), bem ao gosto dele, deliciava a Henry Miller, e o fazia brindar alegremente o bem humorado gênio brasileiro (“e, mais uma vez, o estrangeiro se curvava ao nosso Brasil...”): se merda fosse dinheiro, pobre nascia sem cú... Sem mundo, também, se todo o ambiente pudesse ser convertido em dinheiro... Felizmente, impossível, nos dois casos. Para os pobres e para o ambiente, para a Humanidade... Ainda que os estragos sejam tantos e tão grandes. Mas há esperança! Apenas o ambiente coisificado pode ser transformado em dinheiro... mesmo assim, nem todo... E a questão politicamente central, o ambiente não é coisa. E nem para todos um ambiente pode ser coisificado... Como dramaticamente rememora e ilustra a impressionante cena narrada por Galeano[1], em Nascimentos, Memórias do Fogo: O funcionário do rei aguarda a bruxa, sábia em maldades, que virá prestar contas. Aos seus pés jaz, de boca para baixo, o ídolo de pedra. A bruxa foi surpreendida quando estava velando esta huaca escondida, e daqui a pouco pagará por sua heresia. Mas antes do castigo, o funcionário quer escutar de sua boca a confissão de suas conversas com o demônio. Enquanto espera que ela chegue, se distrai pisando na huaca e meditando sobre os destinos destes índios, que dá pena a Deus tê-los feito. Os soldados atiram a bruxa e a deixam tremendo no umbral. Então a huaca de pedra, feia e velha, cumprimenta em idioma quéchua a bruxa velha e feia: - Bem-vinda Sejas, princesa – diz a voz rouca, debaixo das solas do funcionário. O funcionário fica vesgo, e cai esparramado no chão.

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Ensaios experimentais de Psicologia Ambiental Fenomenológico Existencial 3.

AMBIENTE E COISIFICAÇÃO

Afonso H Lisboa da Fonseca, psicólogo.

Uma expressão chula brasileira (se me permite), bem ao gosto dele, deliciava a Henry Miller, e o fazia brindar alegremente o bem humorado gênio brasileiro (“e, mais uma vez, o estrangeiro se curvava ao nosso Brasil...”): se merda fosse dinheiro, pobre nascia sem cú...

Sem mundo, também, se todo o ambiente pudesse ser convertido em dinheiro...

Felizmente, impossível, nos dois casos. Para os pobres e para o ambiente, para a Humanidade... Ainda que os estragos sejam tantos e tão grandes. Mas há esperança!

Apenas o ambiente coisificado pode ser transformado em dinheiro... mesmo assim, nem todo... E a questão politicamente central, o ambiente não é coisa. E nem para todos um ambiente pode ser coisificado...

Como dramaticamente rememora e ilustra a impressionante cena narrada por Galeano[1], em Nascimentos, Memórias do Fogo:

O funcionário do rei aguarda a bruxa, sábia em maldades, que virá prestar contas. Aos seus pés jaz, de boca para baixo, o ídolo de pedra. A bruxa foi surpreendida quando estava velando esta huaca escondida, e daqui a pouco pagará por sua heresia. Mas antes do castigo, o funcionário quer escutar de sua boca a confissão de suas conversas com o demônio. Enquanto espera que ela chegue, se distrai pisando na huaca e meditando sobre os destinos destes índios, que dá pena a Deus tê-los feito.

Os soldados atiram a bruxa e a deixam tremendo no umbral.

Então a huaca de pedra, feia e velha, cumprimenta em idioma quéchua a bruxa velha e feia:

- Bem-vinda Sejas, princesa – diz a voz rouca, debaixo das solas do funcionário.

O funcionário fica vesgo, e cai esparramado no chão.

Enquanto o abana com um chapéu, a velha se agarra à casaca do desmaiado e clama: Não me castigues, senhor, não a quebre!

A velha queria explicar-lhe que nessa pedra vivem as divindades e que se não fosse por causa da huaca ela não saberia

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como se chama, nem quem é, nem de onde vem, e andaria pelo mundo nua e perdida.

O ambiente pode ser coisa, ou não coisa. Exatamente, e correlativamente a, nós próprios.

Esta foi, por exemplo, a questão central no início da colonização do Brasil. Os nativos entendiam que aquele punhado de Europeus, branquelos, exorbitantemente vestidos, e fedorentos, não poderia carregar em seus navios muito da infinidade de Pau-Brasil das matas... (Estavam enganados, né?) Até gostaram da brincadeira, e ajudaram os Europeus enquanto durou o ciclo do Pau Brasil... O problema foi quando os engenhos começaram a ser montados, e começaram a produzir, e quando chegaram os bois...

Não se tratava mais, agora, somente de abater e carregar o Pau Brasil, mas de abater a própria mata. Para plantar cana, e criar gado. Depois, para evitar que os nativos e os negros, e os mestiços, já então caboclos, mulatos e cafusos... tivessem, na mata, um meio natural de sobrevivência, e resistência, e de apoio a sua vida e desenvolvimento, e à não submissão à ordem escravocrática...

Aí os nativos perceberam que, definitivamente, havia algo de errado com a ordem cósmica... A mata era rigorosamente sagrada para eles, compunha os seus sagrados campos de caça... E abater a mata era a proposta e ativa disposição dos colonizadores, que nela viam apenas Pau Brasil (já difícil, então, pela distância...), para transformar em dinheiro; e um empecilho à produção do rico açúcar, e álcool, e à criação do gado, que geraria a força bovina para a movimentação das rodas do engenho, e proveria a carne para as populações escravizadas, livre trabalhadoras, ou senhoriais.

A mata não era coisa, nem era coisificável, para o nativo. Fazia, indissociavelmente, parte do que eles próprios eram, de seus corpos, de suas mentes, identidade, da ordem cósmica... Para o colonizador, alienígena perverso, a mata valeu enquanto ele pôde abater Pau Brasil das proximidades do mar, e enquanto não havia a possibilidade do açúcar... e do álcool. Agora o que ele queria era o campo limpo, “mata boa é mata morta!”, para o plantio da cana de açúcar, e para o gado. E para não esconder e alimentar Índio, Negro e Mestiço; e os animais ferozes e peçonhentos, não civilizados...

Foi preciso acabar com o nativo, ou escorraçá-lo para outras matas... E os que ficaram se perderam para sempre num mundo sem matas, em busca da terra sem males, ainda que os descendentes, transformados, estejam em nós e entre nós.

O ambiente nos é intrínseco, e não se pode, em definitivo, transformar em dinheiro. Porque apenas, coisas, o mundo coisificado, a vida coisificada (ainda que não materiais) podem ser transformados nas quantidades do dinheiro. O ambiente é

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ontológico, intrínseco à ontológica ambiental, que somos. O ambiente não é coisa, nem é coisificável, perfeitamente em correlação com nossa condição de sermos alternativamente coisa, e de não sermos coisa. Com o diferencial de que o que somos em termos mais essenciais não é da ordem das coisas. Que não mudam, não criam, não se criam. Mas da ordem do possível, da possibilidade, da criação. Coisa não se cria e recria, não se gera e regenera, continuamente; e nós não só nos criamos e recriamos, geramos e regeneramos continuamente, como vivenciamos fenomenal e poieticamente esta criação e recriação, a partir da vivência e atualização fenomenais de possibilidades que nos constituem a nós próprios enquanto potência, e às quais constituímos. Coisas não agem, e nós agimos, e nos sabemos na ação.

Na ontológica da dialógica ambiental que somos, o ambiente ativamente se cria e recria continuamente, na medida em que com ele somos/ativamente devimos; na medida em que nos criamos e recriamos, na ação que atualiza possibilidades.

Se não por isso -- e isso é também fundamental --, meramente porque dinheiro é da ordem da quantidade. Só tem esta qualidade, aumentar ou diminuir quantitativamente; o que não transforma gente em gente, diria Heller. E nós, o ser ambiental que somos, ambi-entes, somos, ontológicamente, da ordem do múltiplo, da multiplicidade, da multiplicidade das possibilidades de necessidades, da multiplicidade de qualidades. O dinheiro, as necessidades de ter, de posse, dizem respeito, apenas, a um tipo, do múltiplo espectro de qualidades de possibilidades de necessidades que nos constitui, e que constituímos.

Um sábio professor, e poeta, filosofava: A terra é do fazendeiro, mas a paisagem é do poeta...[2]

E nossa linda Leila Diniz se acometeu deste verso, e o cometeu:

Brigam Espanha e Holanda, pelos direitos do mar/ Brigam Espanha e Holanda, pelos direitos do mar/ Brigam porque não sabem... O mar é das gaivotas/...E dos que o sabem amar...

O mundo nos é Ontológico, na medida em que é inextrincavelmente constituinte do ser que somos, em nossos níveis mais básicos e essenciais. E onto-lógico, em termos específicos de que é dado como sentido, e compreensão (cum-preensão, da potência do possível, em attum, ato, atualização, atualidade), em nosso modo mais básico, potente, e originário, de ser.

Somos o ente (ambi-ente) que, em nossos modos não originários e não potentes de ser [nosso modo re-flexivo, teorizante, re(a)presentativo, e comportamental], se cinde, se fragmenta, se des-integra (ou se dis-integra), na dicotomia sujeito-objeto, em corpo e

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mente, cisão eu mesmo e mundo exterior. Infelizmente de um modo cada vez mais prevalecente, regular e usual.

Em nossos modos mais originários e essenciais de ser/devir, fenomenológico existenciais, não podemos separar ou abstrair o mundo do que somos. Daí que somos ambi-entes, estes seres ambíguos...

Mas ambíguos somos, ambivalentes, ambi-entes somos, não na ambigüidade da dicotomização sujeito/um objeto – como o somos na condição do que somos ao modo de sermos da re-flexão, da teorização, ou do comportamento. Na condição de nosso modo ontológico de sermos, somos ambíguos, ambivalentes, ambi-entes, na dia-lógica tensa que envolve o eu-tu. Tensa dia-lógica porque especificamente pressionada, na inter-ação, pela pré-tensão, preensão, da potência, da força do possível, que se nos dá como cum-preensão-e-atualização, atualidade, cum-plicação, im-plicação, coma força do possível que somos a cada momento, com a possibilidade -- o que, especificamente, quer dizer ação, inter-ação.

Ou seja, podemos ver hoje em dia o nobre Movimento dos Sem terra; mas, felizmente, nunca poderemos ver um Movimento dos Sem Mundo... Pelo menos enquanto existirem humanos. Somos seres, e, indissociavelmente, pré-ser, e devir, de quem o mundo é indissociável... Nos nossos níveis mais originários, essenciais.

É bem verdade que a qualidade do mundo ambiente é inextrincavelmente correlativa à qualidade da condição humana.

E, como deteriorou, ou deteriora, ou nunca saiu da deterioração, a condição humana de grandes massas da humanidade, o mundo inevitavelmente deteriora para elas, às vezes de modo insustentávelmente drástico. Basta ver as condições de vida, e de mundo, de populações da periferia de Recife, ou Salvador; ou por qualquer lugar do Brasil... Ou de Bombaim, Calcutá, ou Bangladesh, Bolívia, ou Venezuela...

E a alienação, aí incluída esta alienação – especificamente pelas imposições do reflexivo e do comportamental, decorrentes da deterioração das condições de vida –, a alienação do mundo ambiente, não prejudica, apenas, a vivência e as qualidades do mundo, do ambiente, das pessoas das massas, e das massas, despossuídas; daquelas jogadas, e mantidas, no mero limite das mínimas condições de sobrevivência. Estas perdem em qualidade do mundo ambiente na medida em que seu espectro de multiplicidade de possibilidades de necessidades vai sendo, ou sempre foi, pelas condições econômicas, culturais e sociais, drástica e violentamente restrito ao grupo das necessidades de ter. No caso, de ter um mísero salário, que possibilite a mera sobrevivência, para dar conta do trabalho assalariado; e de, para ele, criar filhos... [3]

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Ou seja, temos, enquanto humanos, um espectro de possibilidades de necessidades extremamente rico, e ricamente múltiplo, e imprevisível – aí incluídas as possibilidades de necessidades, de carecimentos, pelas dádivas, ontológicas, do ambiente; da vivência dialógica das qualidades do ar, das qualidades das águas, das qualidades do céu, das qualidades dos terrenos naturais, das florestas, dos animais, dos silêncios, dos outros seres humanos, de um corpo ambiental (e não meramente subjetivo, e/ou objetivo) saudável, ativo, e erótico...

Com as condições e qualidades de vida deterioradas, o ambiente disponível, e as próprias necessidades de um ambiente natural e rico, vão sendo extintas; na medida, em particular, em que o espectro das possibilidades de necessidades vai empobrecendo, e sendo restrito ao grupo do tipo de necessidades relativas ao ter, à posse; ter e possuir um mero salário que permita a sobrevivência, e o trabalho, em condições proletárias.

Curiosamente, na esfera das classes afluentes, se dá, também, e por meios diversos, o mesmo processo da alienação, decorrente e gerador da deterioração das qualidades de vida[4], e da qualidade do ambiente das classes despossuídas.

Não nascemos com necessidades prontas. Em particular as necessidades humanas. Nascemos com impulsos de necessidades, que se plasmam em necessidades, na relação, durante o nosso desenvolvimento, com os objetos do mundo, em particular com as objetivações humanas.[5]

Na sociedade em que vivemos há uma hipertrofia, e tendência massiva, a uma produção de bens. Mas, especificamente, de bens mercadorias; de objetos vendáveis/compráveis – fetiches --, destinados só pretextualmente à satisfação de necessidades humanas; mas, de fato, produzidos e destinados à reprodução e valorização do capital. Daí a imensa e proliferante produção e reprodução de bens mercadorias. Como em nenhuma outra sociedade. Todos estes objetos desta forma produzidos, dentro da multiplicidade de possibilidades de tipos de necessidades humanas, dizem respeito, apenas, ao estreito grupo do tipo das necessidades de ter. Ou seja, são objetos que têm como característica definidora a de que devem ser comprados, tidos, possuídos.

Na medida em que predomina, portanto, no tipo de sociedade em que vivemos uma produção massiva de bens, que se caracterizam como objetos estritamente afetos às necessidades de ter, para essas classes afluentes, e para todos e todas, evidentemente, se vai desdobrando um progressivo empobrecimento, e restrição, do espectro da multiplicidade de possibilidades de tipos de necessidades. De necessidades, inclusive, naturalmente, concernentes ao ambiente, ao mundo, em particular aos tipos de objetos humanos não vendáveis/compráveis, como o ambiente

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ecologicamente desfrutável, e não comprável em seu inútil, e delicioso, desfrute.

Como observamos, as necessidades se desenvolvem na relação com os objetos que lhe dizem respeito. E, se o mundo é pobre em objetos humanos -- aí incluída a pobreza em termos de um ambiente desfrutável, e característicamente não pertinente à compra, à posse, às necessidades de ter --, uma restrição conseqüente no desenvolvimento da multiplicidade de possibilidades de necessidades, inclusive das ambientais, é inevitável. E o espectro de nossas possibilidades de necessidades se reduz e se restringe, na direção do desenvolvimento, apenas, do tipo de necessidade de ter, de necessidades de posse de bens vendáveis/compráveis, e que reproduzam e valorizem o capital. Proliferantemente produzidos e disponíveis.

Versejava lacônico e meditativo, como eu dizia, o professor, poeta, K. Sato, A terra é do fazendeiro, mas a paisagem é do poeta...

Só o desfrute, e a vivência rica, eco e onto lógica, do ambiente natural podem permitir a liberdade de desenvolvimento e atualização da multiplicidade e diversidade de possibilidades de necessidades humanas. O desenvolvimento da carência, e a própria carência, a necessidade humana, pela vivência de um ambiente rica e naturalmente múltiplo. A riqueza das necessidades humanas por um ambiente rico e natural, e, inclusive, não humano, só pode se desenvolver no desfrute regular e natural de um meio ambiente rico e natural. Que não é coisa, nem transformável em coisa, que não é comprável ou vendável, que não é da ordem da posse, e das necessidades de ter.

A restrição do espectro de possibilidades de necessidades, pela predominância da relação com objetos do tipo meramente vendáveis/compráveis -- que é apenas um dos tipos da multiplicidade de possibilidades objetos humanos de necessidades --, leva à perda do carecimento, pela diversidade, pela pluralidade de necessidades humanas, em sua multiplicidade característica. Aí incluídas as necessidades, os carecimentos por um ambiente natural e humanamente rico, e múltiplo, em sua não humana multiplicidade. [6]

De modo que nas classes aquinhoadas ocorre, também, a perda das necessidades pela riqueza ambiental, na medida em que aumenta o seu poder de empobrecimento, de degradação e de destruição ambiental, a redução deteriorante do mundo e do ambiente ao restrito grupo dos objetos compráveis, pertinentes ao grupo das necessidades humanas de posse, de compra, de ter.

Concomitantemente, se instala e se desenvolve a vivência de uma condição alienígena em relação ao ambiente, em relação ao mundo, cada vez mais percebido como hostil, complexo e indesejável.[7] Instala-se de modo tendencialmente crônico, e aumenta, a cisão

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corpo-mente, eu-mundo, eu-vida, na medida em que se instala e desenvolve a cisão civilização e ambiente natural...

Por mais que se tenha feito mau uso das idéias de Marx, por mais que se constate equívocos eventuais que ele possa ter cometido na formulação de sua utopia, ele foi efetivamente genial. E uma de suas compreensões mais geniais foi esta de entender que nós não nascemos, como dissemos, com necessidades humanas prontas. Mas com possibilidades de necessidades.[8] E as necessidades vão sendo desenvolvidas, plasmadas, à medida que nos relacionamos com os objetos realizados, objetivados. Se há um empobrecimento no espectro da multiplicidade de possibilidades de objetos do mundo em que vivemos – tudo tende a ser reduzido a mercadorias, objetos fetiches, proliferantes, que dizem respeito apenas às necessidades de ter --, há inevitavelmente um progressivo empobrecimento do espectro das possibilidades do processo de elaboração de necessidades...

Nós podemos perder, e inclusive não elaborar, as nossas necessidades humanas. As necessidades de ser humanamente natural, e naturalmente humano... Desta forma; podemos perder as necessidades de ser humanos... Perder o que Marx entendeu como a riqueza humana, ou seja a multiplicidade de necessidades de ser humano... Perder, inclusive, a riqueza humana de carecimento, de necessidades, por um ambiente naturalmente rico, ricamente natural... Em termos humanos, empobrecimento significa perder a riqueza da multiplicidade de necessidades...

É esta a genial constatação de Marx, o homem rico é, simultaneamente, um homem carente... [9] Um homem que tem carências, necessidades, humanas; carecimentos, necessidades, estes, que se definem por sua multiplicidade; multiplicidade de necessidades e carecimentos de modos humanos de ser...

A riqueza, em termos humanos, está definida pela multiplicidade da necessidade de ser humano... Em específico porque nós podemos perder as nossas necessidades...

Em específico, podemos perder a riqueza das necessidades humanas de ser...

Daí que o homem rico é, simultaneamente, o homem carente de uma multiplicidade de manifestações humanas da vida. (Marx).

As necessidades de posse, de ter, de comprar, não são ruins em si. Não é desumana a perspectiva das três venturas humanas dos Japoneses: produzir, vender e comprar. Os objetos compráveis humanos são, também, essência humana objetivada. O problema é o da redução da multiplicidade do espectro de possibilidades de necessidades. A riqueza humana se define pela multiplicidade de necessidades humanas. Pela multiplicidade de necessidades de ser humano.

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Perder as necessidades de ser humano, perder a multiplicidade de necessidades humanas é, especificamente, empobrecer, em termos da antropologia marxiana.

Por isso que a perda das necessidades por um mundo ambiente diversa e ricamente multifacetado, a perda das necessidades das qualidades do mundo ambiente, em sua não humana e multifacetada diversidade, decorre do empobrecimento, e determina o empobrecimento das necessidades, e do próprio ser humano. Determina a pobreza do processo de produção de necessidades naturais e humanas concernentes ao ambiente, e a pobreza da natureza dessas próprias necessidades. Não há como empobrecer sem que se empobreça também o ambiente; da mesma forma que não há como possa o ambiente empobrecer, sem que, correlativamente, se desdobre o empobrecimento humano. Somos um ser que implica, e se implica, inextrincavelmente, no ambiente. Somos um ser ao qual é implícito o ambiente.

Rico ou pobre o ambiente /as necessidades de ser humano, o mundo, o ambiente, estará sempre presente, na medida em que estejam presentes os humanos. Porque o mundo ambiente é ontológico do que somos.

Na verdade, não somos o sujeito psicológico, isolado. Confrontado com um mundo objetivo, realizado, e utilizável. Coisificável, vendável, comprável...

Somos, na verdade, uma presença, um ser/devir do qual o mundo, o ambiente, são indissociáveis, inalienáveis. Somos (em nosso modo ontológico de ser, fenômeno-lógico, eksistencial) esse ser que é integração momentânea, da cisão, que em nosso modo despossibilitado, impotente, de ser -- teórico, reflexivo, conceitual, comportamental -- percebemos como uma dicotomia sujeito-mundo/ambiente-objeto. Na verdade, não há nenhum exagero ou equívoco em dizer que o ambiente somos nós.

A deterioração das condições de vida, e a deterioração do ambiente, tanto para as classes despossuídas, como para as classes aquinhoadas, são os dois lados de uma mesma moeda. E é uma conseqüência, natural, do modo de ser e do modo de vida de uma sociedade em que se desenvolve uma hipertrofia da valorização, e da produção, de bens que dizem respeito massivamente apenas à estreita faixa dos objetos que podem ser comprados, possuídos, tidos. E que, desta forma, atrofia os demais tipos de possibilidades de necessidades do espectro multifacetado de necessidades humanas.

Marx é primoroso ao entender que o mais importante tipo de objeto da necessidade, do carecimento, humano, é, especificamente, a outra pessoa. Esse ser, por excelência, ambiental e erótico (não entender sexo, apenas, por favor). Ser o ser humano o objeto, por excelência, da necessidade humana, quer, especificamente, dizer que

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o ambiente também o é. Porque somos, por excelência, este ser ambiental, este ambi-ente.

E, como diria Buber, o objeto deve consumir-se para tornar-se presença. No eu-tu da dialógica eco-lógica que somos em nossas dimensões mais ontológicas.

Referências:[1] GALEANO, Eduardo MEMÓRIAS DO FOGO. NASCIMENTOS.[2] Prof. e poeta K. Sato. Mestre zen.[3] HELLER, Agnes THEORY OF THE NEED IN MARX,[4] HELLER, Agnes op. cit.[5] HELLER, Agnes op. cit.[6] HELLER, op. cit.[7] Os massacres perpetrados por jovens nos EUA, em escolas, lanchonetes, lojas, parques, respondem a esta condição de um mundo e de outros vividos como alienígenas, hostis, e perigosos.[8] MARX, Karl MANUSCRITOS ECONÔMICOS E FILOSÓFICOS. Ver também HELLER, Agnes THEORY OF THE NEED IN MARX. FROMM, Erich CONCEITO MARXISTA DO HOMEM, Rio de Janeiro, Zahar,.[9] HELLER, Agnes op. cit.

Disponível em: http://www.geocities.com/eksistencia/ambienteecoisificacao052308.html