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sutil. Macbeth e Banquo viajam para casa após vencerem uma batalha crucial para seu rei. Por diversão, do mesmo modo que qualquer turista de hoje entra na tenda de uma sortista num parque de diversões, eles entram numa caverna onde três mulheres estranhas estão praticando a necromancia. Macbeth é informado pelas três bruxas de dedos esqueléticos que ele será o rei da Escócia. Intrigado, ele pede maiores deta- lhes, que lhe são negados. Nisso reside a sutileza. As bruxas desaparecem, Macbeth entrega-se a pensamentos ansiosos. Ele começa a devanear. Relata o incidente a Lady Macbeth, numa carta, avisando-a da visita iminente do rei Duncan. Esta foi a sugestão número dois. Todas as ambições e esperan- ças adormecidas de Lady Macbeth são despertadas. Resultado: uma série de assas- sinatos e uma vida assombrada pelo medo. Na verdade, antes de continuarmos nosso estudo da sugestão, é interessante verificar quanto de misticismo há nos dramas shakespeareanos. Em A Tempestade, Próspero é tudo que um adepto rosacruz é. A perda de seu reino foi seu Calvário. Viver numa ilha solitária simboliza sua soberania sobre tudo aquilo com que ele entra em contato... Ele comanda as forças da natureza: provoca tempestades quando necessário e as manda amainar quando já serviram a seu propósito. Por PERCY PIGOTT. FRC Ariel é uma inteligência elevada que labora para realizar seus desejos. Caliban é um demônio que treme ao som de sua voz. Brutus, em Júlio César, nos diz que "Há uma onda nos assuntos do homem, que, cavalgada na crista, o leva à fortuna". E o Dr. H. Spencer Lewis em seu livro Autodomínio e o Destino com os Ciclos da Vida nos dá a tabela dessa maré . Seus sete ciclos da vida do indivíduo se comparam às sete idades de jacques", o dito de Hamlet "Nada existe de bom ou mau, apenas o que o pensamento cria", resume, em poucas palavras, um 4° TRIMESTRE 2003 • o ROSACRUZ 41 ]

[AMORC, O Rosacruz] O Poder da Sugestão

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sutil. Macbeth e Banquo viajam para casa após vencerem uma batalha crucial para seu rei. Por diversão, do mesmo modo que qualquer turista de hoje entra na tenda de uma sortista num parque de diversões, eles entram numa caverna onde três mulheres estranhas estão praticando a necromancia. Macbeth é informado pelas três bruxas de dedos esqueléticos que ele será o rei da Escócia. Intrigado, ele pede maiores deta­lhes, que lhe são negados. Nisso reside a sutileza. As bruxas desaparecem, Macbeth entrega-se a pensamentos ansiosos. Ele começa a devanear. Relata o incidente a Lady Macbeth, numa carta, avisando-a da visita iminente do rei Duncan. Esta foi a sugestão número dois . Todas as ambições e esperan­ças adormecidas de Lady Macbeth são despertadas. Resultado: uma série de assas­sinatos e uma vida assombrada pelo medo.

Na verdade, antes de continuarmos nosso estudo da sugestão, é interessante verificar quanto de misticismo há nos dramas shakespeareanos. Em A Tempestade, Próspero é tudo que um adepto rosacruz é. A perda de seu reino foi seu Calvário. Viver numa ilha solitária simboliza sua soberania sobre tudo aquilo com que ele entra em contato ... Ele comanda as forças da natureza: provoca tempestades quando necessário e as manda amainar quando já serviram a seu propósito.

• Por PERCY PIGOTT. FRC

Ariel é uma inteligência elevada que labora� para realizar seus desejos. Caliban é um� demônio que treme ao som de sua voz.� Brutus, em Júlio César, nos diz que "Há uma� onda nos assuntos do homem, que,� cavalgada na crista, o leva à fortuna". E o Dr.� H. Spencer Lewis em seu livro Autodomínio e o Destino com os Ciclos da Vida nos dá a tabela dessa maré . Seus sete ciclos da vida do indivíduo se comparam às sete idades de jacques", o dito de Hamlet "Nada existe de bom ou mau, apenas o que o pensamento cria", resume, em poucas palavras, um

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PSICOLOGIA�

profundo princípio rosacruz. Também o faz a afirmação a respeito de uma bolsa que possivelmente fora roubada: "é uma coisa, nada é; era minha, agora é dele". Seria Shakespeare rosacruz? Não, mas Francis Bacon o foi.

Falar sem Pensar Poucas pessoas percebem quantas sugestões indesejáveis são transmitidas a elas nas conversações comuns, ainda que não intencionalmente. É por não serem intencionais que essas sugestões são sutis, e por serem sutis são poderosas. Quem não ouviu ainda a expressão "sorte minha"? A não ser que seja negada mentalmente, essa expressão implanta na mente de quem a ouve a crença numa influência que tudo infunde, que pode ajudar ou atrapalhar, mas sobre a qual não há controle. Essa convicção, se nutrida por repetições constantes, muitas vezes produz um sentimento de impotência que pode levar ao desespero. "Asorte está sempre contra mim" é a queixa resultante. A sugestão não intencional também pode gerar o ciúme ou inveja, pois vemos muitas vezes que certa pessoa goza da chamada boa sorte enquanto que, sem razão aparente, outra não. Pela mesma razão, a palavra impossível

deve ser usada com muita moderação. O verdadeiro místico deseja o total domínio da vida. Para ele não existe má sorte, azar ou calamidades imprevistas - ou seja, nem sorte nem azar. Tudo é obtido ou merecido. Ele incessantemente busca descobrir o que fez para que seu destino fosse feliz ou infeliz.

Imaginemos dois amigos que se encon­tram e, após as saudações de praxe, um pergunta ao outro. "Como está seu resfriado, ou seu reumatismo, ou seu lumbago?" Isto sugere à mente que essas doenças são coisas muito reais. Na verdade, é difícil nos livrar­mos desse íncubo; a mente fica enevoada por apreensões de contínuo desconforto.

Podemos captar sugestões indesejáveis provindas mesmo de púlpitos, hinos popula­res e literatura religiosa. Um conhecido hino popular nos diz que em breve estaremos deitados em nossa cama estreita (ataúde). Isso sugere mortalidade e finitude. Da mesma forma podemos falar de seu túmulo. Se nós tivéssemos duas palavras, uma para signifi­car a parte mortal e outra para descrever o todo imortal de nosso ser, o medo da morte que a tudo parece infundir seria disperso, até certo ponto. É verdade que temos as duas palavras corpo e alma, mas a palavra alma é pouco eficaz para o propósito em questão, pois falamos da alma dele ou dela, sugerindo que a alma é parte de nosso ser e não o todo. A frase rosacruz "passou pela transição" evita qualquer sentido de mortalidade ou finitude. Assim seria se a palavra eu pudesse ser substituída por alma. A palavra alma infelizmente só é usada na literatura mística e filosófica, com esse sentido.

Influências sutis Não é fácil compreender plenamente a imensa influência das sugestões não perce­bidas. O modo de proceder do médico, à cabeceira do paciente, é mais útil do que os remédios que ele receita. Um certo médico francês do século dezessete estava extrema­mente errado quando afirmou que nada fica melhor em um médico que uma natureza grave e um ar melancólico.

A educação das crianças é quase inteiramente uma questão de sugestão. Suas naturezas submissas e dóceis são incapazes de analisar os ditames morais que lhes são ensinados.

Sempre que uma idéia é transmitida à mente e aceita sem qualquer análise, é uma sugestão. Portanto, a maior parte da religião ortodoxa, ou pelo menos convencional, é uma questão de sugestão. A reverência aos Doze Apóstolos é um exemplo. Eles são geralmente

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considerados santos. Mas na verdade não há registro de nenhum ato seu digno de admi­ração ou emulação. Eles dormiam durante a hora da angústia de seu líder. Quando ele foi aprisionado, eles o abandonaram e fugiram. Pedro, normalmente considerado como o maior do grupo, temendo ter o mesmo destino que o mestre, mentiu persistente­mente sobre ele. Se os religiosos se interes­sassem menos pela base histórica dos Evan­gelhos e se esforçassem por desvelar o simbo­lismo, poderiam penetrar na compreensão mais profunda da realidade.

É comum que sejam necessárias várias gerações, até mesmo séculos, para desar­raigar sugestões herdadas e amplamente aceitas. As idéias religiosas emanam princi­palmente dos impulsos sugestivos da comu­nidade, mais que de qualquer fundador individual. Lutero desafiou muitos religiosos que nunca haviam sido questionados. O resultado foi uma revolução religiosa.

A autoridade real foi igualmente posta em dúvida por Oliver Cromwell e seus associados. Tal como uma bolha, foi verifi­cado que era vazia e tal como uma bolha desapareceu ao ser espetada. O resultado foi uma revolução política, A Revolução Fran­cesa desafiou não só o monarquismo mas também a aristocracia. O resultado foi uma revolução social e política. As condições para a sugestão em massa eram mais favoráveis quando não havia um sistema de educação geral. Foi entre os ignorantes que receberam ímpeto as epidemias de crenças fantásticas, danças selvagens e alucinações estranhas.

Não deveria nos surpreender a descoberta de que a influência da sugestão é tão genera­lizada e seu poder tão grande. De acordo com a Gênesis, o universo veio a existir pela sugestão, pois apareceu em resposta à palavra falada pelo Supremo; e de acordo com o Quarto Evangelho, a palavra se revestiu de carne, ou seja, adquiriu subs­tância material.

Mas que é o Universo? "Sempre qSerá a limitada vastidão do espaço? Serão, milhões e uma idéia milhões de sóis? Será o

transmi la infinitamente grande e também o gigantesco e mente e ac majestoso? Não, todas essas descrições são inadequadas. sem qualq O universo abrange o desco­ análise, é u a nhecido, o incognoscível e o� conhecido. sugestão. '�

Alguns cientistas nos dizem que a energia de nosso mundo está sendo exaurida, e que é uma questão de tempo para que cheguemos à aniquilação e ao nada. Mas nada é aquilo que não tem existência. Como pode o universo ser aquilo que não existe?

Talvez, quando os cientistas tiverem explorado um pouco mais o oceano do desconhecido, eles venham a descobrir a fonte perene da qual emanou e continuará emanando toda a energia. É bem possível que descubram que essa fonte é a palavra falada. •

* Jacques é personagem de "Como Gostais", de Shakespeare. No Ato li, cena VII, a personagem enuncia a célebre metáfora de "mundo=palco; pessoas=atores" , e divide a vida humana em sete períodos, cada qual com certas características . (N . do T i) .

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