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BIOÉTICA ANA PATRÍCIA DA ROCHA BARBOSA IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE Trabalho de Projecto apresentado para a obtenção do grau de Mestre em Bioética, sob a orientação da Prof.ª Doutora Guilhermina Rego 6ª CURSO DE MESTRADO EM BIOÉTICA FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO PORTO, 2009

ANA PATRÍCIA DA ROCHA BARBOSA - Repositório Aberto · As taxas moderadoras são um instrumento financeiro, de carácter explícito, que têm como principal objectivo a racionalização

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BIOÉTICA

ANA PATRÍCIA DA ROCHA BARBOSA

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS

MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE

RECURSOS EM SAÚDE

Trabalho de Projecto apresentado para a

obtenção do grau de Mestre em Bioética,

sob a orientação da Prof.ª Doutora

Guilhermina Rego

6ª CURSO DE MESTRADO EM BIOÉTICA

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

PORTO, 2009

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ANA PATRÍCIA DA ROCHA BARBOSAX

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS

MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE

RECURSOS EM SAÚDE

6ª CURSO DE MESTRADO EM BIOÉTICA

FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO

PORTO, 2009

x Fisioterapeuta, aluna do 6º Mestrado em Bioética.

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Agradecimentos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

I

Agradecimentos

Quero agradecer à Doutora Guilhermina Rego não só

pela ajuda dada enquanto orientadora deste projecto,

mas também pelo apoio demonstrado ao longo destes

dois anos!

Um obrigado especial aos meus pais e irmã pelo apoio

distinto e ajuda constante que sempre me deram ao

longo do meu percurso académico!

Um obrigado especial ao Bruno pela companhia que me fez nas visitas à

Universidade do Minho para a realização da pesquisa bibliográfica!

Ao meu amigo António Manuel, um agradecimento especial, pela leitura

atenciosa que fez do meu trabalho e ao Rui um agradecimento pelas

sugestões de formatação.

Ao Serviço de Bioética e Ética Médica e ao Departamento de Clínica Geral

da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto agradeço todo o apoio

que me deram desde o primeiro ano.

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Resumo

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

II

RESUMO

Dados os elevados gastos que se têm verificado na área da saúde em toda a Europa, os

governos foram impelidos a tomar decisões no sentido de se alcançar uma maior e melhor

contenção de custos (Mossialos e Le Grand 2001).

As taxas moderadoras são um instrumento financeiro, de carácter explícito, que têm como

principal objectivo a racionalização da procura de cuidados de saúde (Pinto e Aragão

2003). Contudo, em Portugal, esta medida de contenção de custos tem sofrido sucessivos

aumentos e um alargamento aos diferentes sectores da saúde. Tal facto parecer-nos-à

colidir com o direito dos portugueses a um sistema de saúde universal geral e

tendencialmente gratuito, financiado através de impostos. Mais ainda, em Portugal os

indivíduos são englobados em dois grupos: isentos e não isentos; sendo que, tal facto

poderá ser gerador de desigualdades entre os não isentos, devido aos diferentes níveis de

rendimento dentro deste último grupo.

Este trabalho pretendeu avaliar, do ponto de vista dos profissionais de saúde, o impacto da

implementação e existência de taxas moderadoras no comportamento dos agentes da

procura.

O instrumento de medida utilizado foi o questionário criado pela autora do trabalho; o qual

foi submetido a um pré-teste.

Apesar dos resultados obtidos com a amostra do pré-teste não poderem ser extrapolados

para a população, foi efectuada uma análise da opinião dos inquiridos acerca do papel das

taxas moderadoras no comportamento dos utentes. Assim os resultados obtidos mostraram

que a maioria dos profissionais de saúde concorda com a existência das taxas moderadoras

e defendem que as mesmas deveriam apresentar um carácter pogressivo. Quanto às

funções das taxas moderadoras, a racionalização da procura é apenas uma delas, sendo que,

o seu papel na selecção do serviço a utilizar e na sensibilização dos utentes para os

elevados custos dos cuidados de saúde se revelam também de especial importância.

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Resumo

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

III

ABSTRACT

Due to the increasing healthcare expenses that have been verified in all Europe, the

governments have been impelled to take decisions with the intention to achieve a bigger

and better containment of costs (Mossialos e Le Grand 2001).

The charges are a financial instrument, of explicit character which has as main purpose the

rationalization of healthcare search. However, in Portugal, this cost containment measure

has suffered successive raises and a widening to the different health sectors (Pinto e

Aragão 2003). Such fact will seem to us to collide with the Portuguese people’s right to a

free healthcare system, financed through taxes. Furthermore, in Portugal individuals are

included in two groups: exempt and not exempt; being that such fact could be the generator

of inequalities between the not exempted, due to their different ability to pay.

This work intended to evaluate the impact of charges implementation and existence in the

demand agents’ behaviour, regarding the healthcare professionals’ point of view.

The instrument of measure used was the inquiry created by the authoress of the paperwork;

which was submitted to a daily pre-test.

Although the results obtained with pre-test couldn’t be generalized to the population, it was

made an analysis of the inquired people’s opinion, concerning the charges` role in the

patients` behaviour. Thus the results showed that the majority of the healthcare

professionals agree with the existence of charges and defend that the same ones should

have a gradual character. Regarding the charges functions, the demand rationalizing is just

one of many, being that its role in the selection of the service to use and in the patients’

sensitization for the increased healthcare costs reveals itself of special importance.

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Índice

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

IV

ÍNDICE Agradecimentos ................................................................................................................ …I

Resumo ................................................................................................................................ II

Índice .................................................................................................................................. IV

Índice de Figuras e Gráficos ............................................................................................. VI

Índice de Tabelas .............................................................................................................. VII

Introdução ............................................................................................................................. 1

PARTE I: REVISÃO DA LITERATURA

Capítulo 1- Justiça Distributiva

1.1 Conceito e Teorias da Justiça ....................................................................................... 8

1.1.1 Igualitarismo Qualificado ........................................................................................ 10

1.1.2 Utilitarismo ............................................................................................................... 13

1.1.3 Teoria Libertária ...................................................................................................... 15

Capítulo 2- Direito da Saúde e Caracterização do SNS

2.1 Direito Constitucional da Saúde em Portugal ........................................................... 18

2.2 A Natureza Mista do SNS Português ......................................................................... 23

2.3 Equidade e Solidariedade ........................................................................................... 27

2.4 Eficiência e Public Accountability ............................................................................... 32

Capítulo 3- Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

3.1 Especificidade do Bem “Cuidados de Saúde” ........................................................... 36

3.2 Características da Procura em Saúde ........................................................................ 41

3.3 Característica da Oferta e do Financiamento no Sector da Saúde ......................... 53

Capítulo 4- Taxas Moderadoras

4.1 Racionalização da Procura ......................................................................................... 62

4.2 Papel das Taxas Moderadoras.................................................................................... 67

4.2.1 Argumentos a Favor ............................................................................................ 72

4.2.2 Argumentos Contra ............................................................................................. 75

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Índice

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

V

4.3 Efeito das Taxas Moderadoras na Procura de Cuidados de Saúde no Serviço de

Urgências ............................................................................................................................ 77

4.4 Efeitos das Taxas Moderadoras na Equidade de Acesso ......................................... 80

PARTE 2: ESTUDO DE INVESTIGAÇÃO

Capítulo 5- Metodologia de Investigação

5.1 Desenho do Estudo ...................................................................................................... 86

5.2 Hipótese de Trabalho .................................................................................................. 86

5.3 Local do Estudo ........................................................................................................... 87

5.4 Tipo e Técnica de Amostragem .................................................................................. 87

5.5 Selecção dos Participantes no Estudo ........................................................................ 87

5.6 Instrumento de Medida ............................................................................................... 88

5.7 Recolha de Dados ......................................................................................................... 89

5.8 Análise Estatística ........................................................................................................ 89

Capítulo 6- Pré-Teste: Análise Preliminar

6.1 Pré-Teste ....................................................................................................................... 90

6.2 Caracterização da Amostra do Pré-Teste ................................................................. 90

6.3 Resultados do Pré-Teste .............................................................................................. 92

6.4 Discussão dos Resultados do pré-Teste .................................................................... 100

Considerações Finais ........................................................................................................ 105

Referências Bibliográficas ............................................................................................... 110

ANEXOS

Anexo I.a : Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto: .................................................. 123

Anexo I.b: Decreto-Lei n.º 201/2007, de 24 de Maio ..................................................... 125

Anexo I.c: Decreto-Lei n.º 79/2008, de 8 de Maio .......................................................... 126

Anexo II: Portaria n.º 395-A/2007,.................................................................................. 128

Anexo III: Lei de Bases da Saúde ................................................................................... 130

Anexo IV: Questionário ................................................................................................... 154

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Índice de Figuras e Gráficos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

VI

ÍNDICE DE FIGURAS E GRÁFICOS

Figura 1: Sistema de saúde com preço zero e com co-pagamento ………….….

69

Gráfico 1: Distribuição dos indivíduos pelos diferentes serviços/ especialidades

clínicas ……………………………………………………………………………...

91

Gráfico 2: Progressividade do pagamento das taxas moderadoras ......................

94

Gráfico 3: Implementação e existência das taxas moderadoras ………………...

97

Gráfico 4: Desempenho do SNS ………………………………………………....

98

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Índice de Tabelas

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

VII

ÍNDICE DE TABELAS

Tabela 1: Profissão dos indivíduos da amostra …………………………………..

91

Tabela 2: Valores da média, máximo, mínimo e desvio padrão relativos à

idade e anos de prática clínica ……………………………………………………

92

Tabela 3: Eficácia das taxas moderadoras no controlo da procura excessiva de

cuidados de saúde ………………………………………………………………...

92

Tabela 4: Diminuição da procura em diferentes serviços ……………………….

93

Tabela 4.1: Serviços em que a procura diminuiu ………………………………...

93

Tabela 5: Diminuição da procura pelos indivíduos de estrato sócio-económico

mais baixo ………………………………………………………………………..

94

Tabela 6: Principais funções das taxas moderadoras ………………………...….

96

Tabela 7: Causas do défice do SNS no desempenho das suas tarefas…………...

99

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Introdução

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

1

INTRODUÇÃO

A Ética exige uma reflexão crítica sobre os comportamentos e um maior e melhor respeito

pela dignidade humana. Uma das questões basilares da Ética, senão mesmo a primeira, é a

da fundamentação da moral (Brito 2000). O conhecimento da Ética estimula a reflexão,

permite emitir juízos de valor mais correctos, aumenta a sensibilidade para detectar

problemas morais e melhora a capacidade para tomar decisões (Simões 2005).

Intimamente ligada à área da saúde encontramos a Bioética. Esta surge em 1971, sendo

Van Potter o primeiro a utilizar o termo Bioética. Contudo, é Hellegers o fundador do

primeiro instituto dedicado ao estudo da Bioética1. O objectivo desta nova disciplina era a

combinação dos conhecimentos da cultura científica com os conhecimentos da cultura

humanista (Martinez 2005). Pretendia-se, então, a construção de uma “ponte” entre duas

áreas de pensamento divergentes. Luís Archer define a Bioética como “expressão da

consciência pública da humanidade. É charneira entre o possível e o conveniente. Entre

tecnologia galopante e humanitude imprescindível.”2

Em Bioética não é possível decidir tendo uma certeza absoluta, é necessário actuar com

prudência, devendo ser tomadas decisões que se apresentem como as mais correctas após

um processo reflexivo intenso (Serrão 1996). Assim, para a tomada de decisões em

Bioética temos um conjunto de quatro princípios idealizados por Beauchamp e Childress

que, não sendo absolutos, são orientadores para a reflexão e a tomada de decisão. Os

princípios são:

Autonomia: respeito pela autonomia do doente e pelas suas escolhas conscientes,

livres e esclarecidas; é condição de quem é autor da própria lei;

1 A Bioética apresenta um nascimento bilocado (“bilocated birth”), pois terá surgido mais ou

menos ao mesmo tempo com Van Potter e Hellegers. Van Potter terá sido o primeiro a utilizar o

termo “bioética” numa publicação com o título “Bioethics: a bridge to the future”. Contudo, é

Hellegers o fundador do primeiro instituto universitário dedicado ao estudo da Bioética. Ver a este

propósito Martinez J L: De la Ética a la Bioética In Brito J H: Do Início ao Fim da Vida.

Publicações da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa, Aletheia, Braga, 2005. 2 A este propósito ver Nunes R M: Bioética e Deontologia Profissional. Gráfica de Coimbra,

Colectânea Bioética Hoje, Coimbra, 2002.

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Introdução

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

2

Beneficência: promover positivamente o bem do doente; alguns denominam por

princípio de “utilidade” ou de “proporcionalidade”;

Não maleficência: não fazer mal ao outro;

Justiça: considerar que todos os homens são iguais em direitos e na justa

distribuição de recursos da sociedade (Cabral 2003).

A principiologia de Beauchamp e Childress não dá uma resposta única para a resolução

dos problemas. Esta apresenta uma estrutura para a abordagem dos problemas,

representando uma framework para o pensamento e a reflexão. Não há uma hierarquia pré-

definida dos princípios, pelo que, de acordo com os problemas que emergem, devem ser

ponderados de forma diferente (Martinez 2005).

A dimensão ética da saúde foi durante muitas décadas reduzida ao plano da relação

interpessoal médico-doente. Porém, o desenvolvimento dos sistemas de saúde, a evolução

social que se caracteriza por uma procura de mais e melhores cuidados de saúde e o

aumento do número de intervenientes (Estado, seguradoras, empresas) implica uma

reflexão de carácter ético, onde se observem os valores e os princípios da Bioética em

conformidade com os valores inerentes a cada sociedade (Ramos 1994).

Um primeiro valor é o da dignidade humana; um segundo é o cuidado pela pessoa doente;

e um terceiro é o do rigor dos recursos financeiros, que são sempre escassos (Serrão 1996).

A dignidade da pessoa humana coloca-se como primeiro princípio ético, e nenhum outro

princípio se poderá sobrepor ao da dignidade da pessoa humana. Ela é pois considerada

pedra angular em todas as decisões que se relacionam com os cuidados de saúde (Parecer

14/CNECV/95, Melo 1998). Contudo, a actual escassez de recursos em saúde, não permite

que tudo possa ser fornecido aos doentes em matéria de cuidados de saúde. É necessária a

existência de um pacote básico de cuidados que esteja ao acesso de todos os cidadãos

(Gruskin e Daniels 2008). O princípio da justiça da Principiologia de Beauchamp e

Childress já enunciada está estreitamente relacionado com a distribuição de recursos em

saúde (Hsu et al 2008). Vários foram os autores que construíram teorias da justiça que

visam a distribuição da riqueza e o bem comum.

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Introdução

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

3

Actualmente, as nossas políticas de saúde pretendem garantir uma igualdade equitativa de

oportunidades em que se discriminem positivamente os mais desfavorecidos. A igualdade

equitativa de oportunidades vai de encontro ao igualitarismo qualificado de Rawls.

Contudo, valores do utilitarismo e da teoria libertária devem também ser atendidos no que

se refere ao direito à saúde e à construção do anel básico de cuidados (Nunes 2003b). Isto

porque a contenção de custos é necessária (valor nomeadamente utilitarista) e as análises

de custo-benefício3, custo-utilidade

4 e custo-efectividade

5 são também pertinentes para as

escolhas que se realizam na área da saúde dada a pertinente escassez de recursos (Gruskin

e Daniels 2008). Por outro lado, a liberdade de escolha (conceito libertário) de doentes e de

prestadores deve ser atendida (Nunes 2003b).

Segundo o Professor Daniel Serrão (1996): “a atribuição de recursos escassos para o

financiamento de cuidados de saúde é uma questão eticamente muito difícil e será,

provavelmente, a primeira de todas as questões de ética dos cuidados de saúde no futuro

próximo”.

Num sistema de saúde que é considerado por muitos como estando “doente” é pertinente

que se reúnam esforços de modo a que as diferentes teorias da justiça sejam consideradas e

que princípios como equidade, solidariedade, efectividade, eficiência e accountability

sejam referência no sistema de saúde português (Nunes 2003b).

3 Segundo Campos o custo-benefício corresponde à forma de avaliação económica onde os custos e

as consequências são expressos em termos monetários. Assim é possível verificar qual das

alternativas maximiza a relação entre custos e benefícios. Ver Campos A C: Avaliação Económica

de Programas de Saúde. Colecção Cadernos de Saúde, nº 10, Escola Nacional de Saúde Pública,

Lisboa, 1986 (a). 4 Segundo Campos o custo utilidade corresponde à forma de avaliação económica semelhante ao

custo-efectividade, mas em que as consequências dos programas são medidas numa unidade física

combinada com elementos qualitativos como por exemplo os anos de vida ajustados segundo a

qualidade de vida (QALY’s). Ver Campos A C: Avaliação Económica de Programas de Saúde.

Colecção Cadernos de Saúde, nº 10, Escola Nacional de Saúde Pública, Lisboa, 1986 (a). 5 Segundo Campos o custo-efectividade corresponde à forma de avaliação económica em que os

custos são expressos em termos monetários mas onde algumas das consequências são expressas em

unidades físicas (ex: anos de vida ganhos, casos detectados). Campos A C: Avaliação Económica

de Programas de Saúde. Colecção Cadernos de Saúde, nº 10, Escola Nacional de Saúde Pública,

Lisboa, 1986 (a).

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Introdução

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

4

Na área da saúde não há dúvida de que se pode falar na existência de um mercado (Matias

1995). Mercado com financiamento público e privado. Em muitos países europeus, o

problema que se coloca neste sector relaciona-se com a sustentabilidade do sistema de

saúde adoptado, já que os gastos com a saúde têm crescido nos últimos anos, e em países

como Portugal, tal crescimento ultrapassa já o PIB (Produto Interno Bruto)6.

Em Portugal, o SNS (Serviço Nacional de Saúde) absorve diariamente 23 milhões de

euros, segundo os valores inscritos no Orçamento de Estado de 2007. O financiamento

advém essencialmente dos nossos impostos (cerca de 91%). Contudo, aos elevados gastos

na saúde está também associado um elevado nível de desperdício, já que o mesmo ronda os

25% (Galope 2006).

Diversas razões têm sido apontadas para o aumento de gastos com a saúde. Contudo, na

generalidade, têm sido apontadas como razões principais: a inflação específica do sector

(mais elevada que a taxa de inflação geral), o desenvolvimento tecnológico, as

características demográficas e de morbilidade dos consumidores, e as suas expectativas e

comportamentos. Béresniak e Duru (1999) adicionam ainda outros factores como: o

surgimento de novos flagelos (o síndrome de imunodeficiência adquirida, cancro), o

grande desenvolvimento da demografia médica que incita à procura induzida e o

desenvolvimento inexorável de numerosas formas de esbanjamento de recursos.

Esta problemática da escassez de recursos patenteia-se nas sucessivas remodelações da

forma de financiamento que têm ocorrido nos países da OCDE (Organização para a

Cooperação e Desenvolvimento Económico), assim como nas crescentes medidas que têm

como objectivo a racionalização da procura de cuidados de saúde. Tais medidas são

adoptadas quer na ala da procura, quer na ala da oferta.

Assim, a introdução de novas formas de gestão, nomeadamente a empresarialização dos

hospitais, a introdução de novas formas de financiamento hospitalar, a regulação do uso de

tecnologias, o controlo dos investimentos na área da saúde e a introdução de taxas

6 Em 2004, os gastos com a saúde ultrapassaram pela primeira vez os 10% do PIB. Ver a este

propósito, Galope F: “Check-up” aos dinheiros do SNS. “Portugal, Saúde”, Visão, 23 de

Novembro; 2006: 56-58.

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Introdução

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

5

moderadoras reflectem a necessidade dos governos limitarem os gastos na saúde (Pinto e

Aragão 2003).

Em Portugal, a introdução de taxas moderadoras surgiu com o objectivo de racionalizar a

procura. Tal facto é referido no Decreto-Lei n.º 173/20037 ao afirmar que estas se

apresentam como um “instrumento moderador, racionalizador e regulador do acesso à

prestação de cuidados (…) que garanta o reforço efectivo do princípio da justiça no

Sistema Nacional de Saúde”.

Porém, muitos autores têm revelado algum cepticismo acerca da eficácia deste instrumento

de contenção de custos, dado que esta medida de racionamento da ala da procura apresenta

quer argumentos a favor, quer, e não menos pertinentes, argumentos contra a sua

existência.

Em Portugal, este instrumento financeiro tem sofrido, nos últimos tempos, sucessivos

aumentos, ocorrendo também a introdução de novas taxas8 (internamento e cirurgia de

ambulatório). Tal facto sugere que estas constituam já uma fonte de receita num SNS que

se apresenta frágil e economicamente debilitado.

De facto o mercado da saúde apresenta características muito peculiares, tal como a relação

de agência, intimamente relacionada com a assimetria da informação. Esta relação de

agência coloca-nos perante a procura induzida, e que, por sua vez, nos coloca perante a

problemática de uma procura de cuidados que pode ter como sombra uma procura

determinada pelos agentes da oferta (Sorkin 1984). Assim, muitos autores sugerem que as

medidas de racionalização da procura deveriam ser concentradas no agente da oferta.

7 Decreto-Lei n.º 173/2003: Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde. Diário

da República, Série I-A, nº176 de 1 de Agosto de 2003. Este Decreto-Lei encontra-se nos anexos

deste trabalho. 8 O pagamento de taxa moderadora no internamento e em cirurgia de ambulatório teve início em

Abril de 2007. A este respeito ver Portaria nº395-A/2007 que se encontra em anexo neste trabalho.

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Introdução

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

6

Assim, podemos questionar se será eticamente correcta a dissuasão do consumo de

cuidados de saúde, através de uma taxa moderadora que representa um segundo pagamento

dos cuidados, uma vez que já foram pagos por via de impostos, sendo que, a actual carga

fiscal dos portugueses é elevada e o rendimento disponível é baixo. Mais ainda, muitos

indivíduos acabam por realizar uma tripla tributação (impostos, taxa moderadora e

pagamento do seguro de saúde ou dedução no salário para o subsistema).

Também se pretende apurar neste trabalho se esta taxa de carácter regressivo não será

demasiado penalizadora para os mais pobres. A este respeito Lucas (1990) afirma que, ou o

regime de isenções é suficientemente vasto e protege um grande leque da população

limitando o papel deste co-pagamento enquanto fonte de receita, ou o regime de isenções é

mais restrito e obriga indivíduos de menores rendimentos a pagar, dilatando o seu papel

enquanto fonte de receita.

Desta forma, o objectivo principal deste trabalho é conhecer, na opinião dos profissionais

de saúde, qual o papel das taxas moderadoras no actual SNS. Também se pretende explorar

se as mesmas garantem a efectivação dos valores de equidade e solidariedade patentes no

nosso sistema de saúde português.

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IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

7

PARTE I

REVISÃO DA LITERATURA

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

8

CAPÍTULO 1

JUSTIÇA DISTRIBUTIVA

1.1 Conceito e Teorias da Justiça

O conceito de justiça tem sido utilizado com diversos sentidos. Platão oferece uma visão

da justiça como virtude universal, com dimensões psicológicas, éticas, políticas e jurídicas;

sendo que, a justiça exprime a “sujeição das distintas partes da alma e das várias classes

sociais da polis ao todo”. Assim, a justiça platónica é, tanto no indivíduo humano

(micropolis), como na sociedade política (macroanthropos), a conjugação e somatório das

várias virtudes morais (prudência, temperança e fortaleza) (Chorão 1991).

Por sua vez, Aristóteles apresenta um conceito de justiça considerando-a como uma virtude

particular ou universal de natureza exclusivamente social que diz respeito à repartição de

bens entre os homens, ou seja, pretende atribuir a cada um aquilo que lhe pertence segundo

um critério de igualdade. O Direito Romano consagrou o pensamento de Aristóteles

definindo a justiça como a constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi (“

constante e perpétua vontade de dar a cada um o que lhe é devido”). Tal definição de

justiça é também defendida por S. Tomás de Aquino (Chorão 1991).

Podemos assim afirmar que Platão tinha um conceito de justiça amplo, recobrindo virtudes

como a fortaleza, a prudência e a temperança. Por sua vez Aristóteles atribui-lhe um

significado mais restrito, concebendo-a como a virtude do “igual” com um cariz

fortemente social. Da matriz de pensamento aristotélica resulta o facto de facilmente

associarmos os conceitos de justiça e igualdade (Chorão 1991).

Na matriz aristotélica encontramos três conceitos de justiça: a distributiva, a comutativa ou

correctiva e a legal ou geral. A justiça distributiva regula as actuações da sociedade, ou da

autoridade que a representa, em relação aos indivíduos. Aristóteles afirma que este tipo de

justiça é a que se pratica na distribuição de honras, dinheiro ou qualquer outra coisa que se

reparta (Chorão 1991).

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

9

Rosseau (1986) na sua teoria do Contrato Social, manifesta uma clara preocupação com as

desigualdades sociais introduzidas pelo processo de socialização. Assim o autor, visando a

igualdade, defende, como critério de justiça distributiva, “a cada um segundo o seu próprio

trabalho”, superando os critérios já apresentados por pensadores da época, tais como “a

cada um segundo o seu status” e “a cada um segundo o seu mérito”.

Segundo Hsu et al (2008) a justiça distributiva consiste na maneira como os indivíduos e

as sociedades distribuem os benefícios e as obrigações de forma justa ou moral.

Facilmente verificamos que o conceito de justiça é um conceito amplo e vago e para lhe

dar “forma” várias correntes ideológicas propuseram os princípios materiais da justiça

(Nunes 2003b):

Princípio igualitarista: Afectação de bens em partes iguais a todas as pessoas. Por

exemplo a educação é um bem ao qual todos têm direito;

Princípio da necessidade: O acesso a determinados bens é realizado consoante as

necessidades individuais. Por exemplo a realização de uma ressonância magnética é

prescrita a indivíduos que apresentem necessidade de realização deste exame de

diagnóstico;

Princípio do mérito: O acesso a determinados lugares ou bens é efectuado de

acordo com o mérito próprio, tal aspecto pode ser verificado no acesso a um lugar

de chefia numa determinada empresa, em que o indivíduo é seleccionado pelo bom

desempenho

O esforço, trabalho: A repartição de bens é realizada de acordo com o trabalho, o

esforço, neste aspecto podemos englobar os indivíduos que trabalham em mais que

um local e que têm por tal motivo maiores rendimentos.

Contribuição social: Neste princípio é tida em conta a contribuição de cada cidadão

para a sociedade;

O mercado e a concorrência: As regras de mercado condicionam a repartição de

bens económicos e sociais.

No que se refere à saúde e à prestação de cuidados de saúde, além de se recorrer aos

princípios materiais da justiça, é também pertinente recorrer às teorias da justiça que

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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apresentam uma doutrina de pensamento bem formulada e com coerência interna (Nunes

2003b). De seguida serão exploradas algumas teorias da justiça distributiva, o

igualitarismo qualificado, o utilitarismo e a teoria libertária.

1.1.1 Igualitarismo Qualificado

O igualitarismo qualificado é uma teoria da justiça que comporta uma grande influência do

contratualismo de Rosseau e cuja lógica da aceitação da justiça como equidade deriva do

pensamento de Kant (Melo 2001).

John Rawls, um filósofo da justiça política e autor desta corrente de pensamento, propõe

uma ética política ao sugerir uma estrutura básica da sociedade em que se encontrem

distribuídos equitativamente os direitos e deveres. Para este autor, a justiça é tão

importante para a sociedade, como a verdade para a ciência, sendo a justiça definida como

equidade ou imparcialidade. Rawls (1993) considera que entre os indivíduos existem

conflitos de interesses, derivando daí a necessidade de se encontrar consenso, sendo que os

mesmos podem ser resolvidos com a ideia de “justice as fairness”. O igualitarismo defende

que o bem supremo é o cidadão, então há direitos individuais que não podem ser

sacrificados em prol da maioria. Assim John Rawls, no seu livro Uma Teoria da Justiça,

afirma: “cada membro da sociedade é concebido como possuindo uma inviolabilidade

baseada na justiça ou, como alguns dizem, nos direitos naturais que nem sequer em nome

do bem-estar de todos os outros poderá ser afectada”. A sociedade é concebida como um

empreendimento cooperativo, em que se procuram obter vantagens mútuas para os

cidadãos (Rawls 1993). O autor apoia a posição de Kant, pois o homem é visto como um

fim em si mesmo e não um meio.

Na sua teoria da justiça, Rawls apresenta dois princípios-chave:

1. Cada pessoa tem um igual direito a um sistema plenamente adequado de liberdade

e de direitos fundamentais;

2. As desigualdades sociais e económicas devem cumprir duas condições para

poderem ser admissíveis, devem estar ligadas a funções e posições abertas a todos

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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em condições de justa igualdade de oportunidades e devem servir para maior

benefício dos menos desfavorecidos (Ferreira 1992).

O primeiro princípio enunciado é o de igual liberdade e salvaguarda a liberdade de

expressão, consciência, associação, propriedade pessoal, proibição arbitrária, expropriação,

os quais são igualmente protegidos pelo Estado de Direito. Então este princípio, designado

princípio da liberdade, é assim a afirmação de uma cidadania autónoma, consciente de si e

dos limites do seu exercício e sob o domínio da Lei (Santos 2004).

O segundo princípio é designado princípio da igualdade e da diferença ou princípio

maximin pois há uma procura para a maximização da parte minimal. Rawls advoga este

segundo princípio apresentando argumentação nas linhas intuitiva e contratual. Com a

argumentação intuitiva afirma que as desigualdades só nos parecem justas se resultarem de

uma competição justa e, para tal, é necessário existir igualdade de circunstâncias. Na linha

contratual o autor apresenta a fábula filosófica, ou a posição hipotética intitulada “véu da

ignorância” (Melo 2001).

A posição hipotética ou posição original não é evidentemente pensada como uma história

concreta, muito menos como uma condição cultural primitiva. A posição original

representa uma situação imaginária que pressupõe que os indivíduos não têm qualquer

informação sobre a sua situação na sociedade, como por exemplo, a classe social ou o

poder económico (Santos 2004). Esta posição original ou hipotética diz que qualquer

cidadão aceitaria uma situação de partilha, se pensasse que poderia ser ele a pertencer a

uma classe mais desfavorecida. É aqui que entra a concepção contratualista da sociedade, o

“colocar-se no lugar do outro”. O “véu da ignorância” é um marco fundamental desta

teoria, pois coloca todos os indivíduos como uma espécie de “sujeitos universais” em que

seriam isentos de uma história ou interesses particulares e que chegam a um acordo

amplamente partilhado acerca dos princípios da justiça (Melo 2001).

O sistema visa assim atingir um “equilíbrio reflexivo”, definido por alguns autores como o

círculo virtuoso e segundo outros como o ciclo vicioso. Este equílibrio representa uma

síntese real e eficaz das convicções sobre a justiça e permite estabelecer os princípios de

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

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justiça de uma sociedade bem ordenada, identificável com as democracias contemporâneas

dinamicamente perspectivadas (Ferreira 1992).

A teoria de Rawls tem recebido críticas, sendo uma delas a que afirma que esta apresenta

uma influência utilitarista9. Assim, se à partida se pensar que o pensamento rawlsiano

sustenta um conceito de equidade que permite uma discriminação positiva dos mais

desfavorecidos, este segundo postulado é atenuado por um realismo utilitarista. Esta

influência utilitarista revela-se no facto de que para Rawls não parece ser injusto o facto de

uma minoria (os mais desfavorecidos) obter vantagens superiores à média, convicto que

desta forma a sua situação seja melhorada (Santos 2004).

No que respeita à aplicação do segundo postulado à área da saúde, Le Grand10

(1988 cit

Porto 1995) considera que o próprio Rawls a teria rejeitado. Isto porque, apesar da saúde

ser incluída na lista dos bens essenciais, este é para Rawls um bem “material”, que não

pode ser distribuído da mesma forma que os bens “sociais” (rendimento, riqueza). Mais

ainda, o princípio maximin é um macro critério e não um micro critério, logo não deveria

ser aplicado à saúde, que é considerada uma área de nível micro. Todavia, e segundo Porto

(1995), o que se aceita é que a saúde é tão susceptível de uma política de distribuição de

recursos como o rendimento e a riqueza, e, por outro lado, que os critérios de justiça

devem ser aplicados a micro e macro situações, não existindo fundamentos para considerar

a saúde como uma microárea.

Assim, apesar das críticas mencionadas, a teoria da justiça de John Rawls aporta bases

fundamentais à busca de uma conceptualização do termo equidade. Basta destacar a

incorporação dos interesses colectivos e a preocupação com a diminuição das

desigualdades através das políticas de discriminação positiva em favor dos menos

favorecidos (Porto 1995).

9 A teoria utilitarista será abordada no próximo ponto. Esta teoria defende, de uma maneira geral,

que a distribuição de bens é correcta, e portanto justa, quando beneficia um maior número de

indivíduos possível. Ver a este propósito Cabral S R: Utilitarismo. Logos, Encicolpédia Luso-

Brasileira de Filosofia 5; Verbo, 1992: 362-65. 10

Ver a este propósito Porto S M: Justiça Social, Equidade e Necessidade em Saúde In Piola S,

Vianna S M: Economia da Saúde, Conceito e Contribuição para a Gestão da Saúde. IPEA, Brasília,

1995:123-140.

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

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Para Rawls igualdade e liberdade resumem a humanidade, sendo um elemento

imprescindível ao outro. Estes valores, apesar de terem nascido de uma situação hipotética,

existem. E, apesar de ser difícil colocar em prática este consenso, é no regime democrático

que nos encontramos mais perto deste equilíbrio referido por Rawls, que chama a atenção

para a cidadania, peça fundamental no jogo democrático e na defesa da justiça como teoria

integral (Melo 2001).

1.1.2 Utilitarismo

O utilitarismo é uma corrente ética que engloba diversas doutrinas, defendidas quase

exclusivamente por autores anglo-saxónicos, e que têm em comum o facto de avaliarem as

acções segundo o carácter vantajoso ou não das suas consequências (Cabral 2003).

Podemos assim afirmar que o utilitarismo se apresenta como uma corrente de pensamento

teleológica ou consequencialista. Benthan é considerado o fundador desta corrente de

pensamento social e político, sendo a mesma posteriormente desenvolvida por John Stuart

Mill. A ideia central do utilitarismo é o princípio da utilidade ou o princípio da maior

felicidade, sendo que as acções são então definidas como boas ou más segundo o seu

efeito. Uma boa acção é aquela que proporciona utilidade ou felicidade para um maior

número de indivíduos (Kenny 1999, Mill 1991, Cabral 2003). Esta corrente

consequencialista, que tem por objectivo básico a distribuição de recursos de modo a

maximizar a utilidade agregada, considera que uma sociedade é correctamente ordenada, e

portanto justa, quando obtém a maior soma de satisfação para um maior número de

indivíduos, independentemente da sua distribuição entre os indivíduos pertencentes a esta

sociedade (Figueiredo 1996).

No utilitarismo a intenção moral do sujeito é ignorada, assim como a moralidade dos meios

de que se serve o sujeito para efectuar o acto, pois ao que unicamente se atende é à

consequência da acção (Cabral 1992, Cabral 2003). Nesta corrente de pensamento, que tem

como princípio fundamental the greater happiness of the greatest number, podemos

inscrever claramente a expressão “os fins justificam os meios”. Contudo, nem todos os

meios disponíveis são eticamente aceitáveis para se alcançar determinado objectivo, nem a

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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intenção do sujeito deve ser descurada. Outra das dificuldades encontrada por esta teoria é

o facto de, por vezes, se tornar difícil quantificar o bem ou felicidade fornecida por

determinado acto. Isto é facilmente perceptível pois a medição e comparação de utilidades

individuais é bastante difícil, visto que há variáveis altamente subjectivas e, portanto,

difíceis de quantificar (Botelho 1997, Cabral 2003).

Esta corrente teleológica encontra também problemas na sua antropologia que lhe está

subjacente e que a leva a adoptar a posição eudemonista e temporal ou ainda hedonista: “o

autêntico bem do Homem não consiste exclusiva ou principalmente no prazer, nem a

felicidade se pode definir prescindindo da plena razoabilidade do agir” (Cabral 2003).

Mais ainda, o utilitarismo não fornece quaisquer critérios para a justa distribuição de bens

e para a salvaguarda dos direitos legítimos das pessoas (Cabral 1992, Cabral 2003), não

configurando assim um verdadeiro objectivo de equidade. Porto (1995) afirma ainda que o

utilitarismo pouco pode aportar como teoria sustentadora do conceito de equidade.

Como defesa às críticas apontadas nos parágrafos anteriores, John C. Harsanyi11

afirma

que, quando se pretende a maximização da satisfação ou utilidade para um maior número

de indivíduos, este critério não é tão subjectivo como alguns autores apontam. Pelo

contrário, a comparação das funções de utilidade são o resultado da necessidade moral de

nos colocarmos no ponto de vista de um qualquer outro, pois requer que qualquer pessoa,

fazendo um juízo de valor moral básico, tente visualizar o que seria estar no lugar de um

outro membro da sociedade. Assim, ao admitirmos o que é mais útil para uma sociedade

ou para uma maioria, assumimos que as outras pessoas são tão reais como nós e que

partilham connosco uma humanidade comum12

apesar, das inegáveis diferenças individuais

que no específico pormenor existem entre nós.

Apesar das críticas, o utilitarismo é uma corrente de pensamento de grande influência na

justiça distributiva, cujos principais valores são então a eficiência e o bem público (Nunes

11

Ver a este propósito Santos P V: Consenso e Conflito no Pensamento de John Rawls, a Perversa

Ingenuidade do Liberalismo. Edição Colibri, Lisboa, 2004. 12

Segundo Harsanyi as preferências e funções de utilidade de todos os indivíduos humanos são

governadas pelas mesmas leis psicológicas básicas. Ver a este propósito Santos P V: Consenso e

Conflito no Pensamento de John Rawls, a Perversa Ingenuidade do Liberalismo. Edição Colibri,

Lisboa, 2004.

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

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2003b). No que diz respeito à área da saúde, as estratégias utilitaristas estão presentes, por

exemplo, no rastreio do cancro da mama onde se visa o benefício (utilidade) de um vasto

número de indivíduos. Segundo o pensamento utilitarista e perante recursos que se

apresentam escassos, um sistema de saúde deve adoptar medidas que favoreçam largos

segmentos da população em detrimento de medidas que tenham como alvo grupos restritos

da população (Nunes 2003b). Esta doutrina permite justificar a penalização e exclusão de

indivíduos para obtenção de uma soma maior, cujos benefícios, em última instância, serão

apropriados pelos indivíduos que se encontrem numa situação favorável ao aumento da

utilidade marginal a ser obtida (Porto 1995).

1.1.3 Teoria Libertária

Nozick, na sua doutrina, ampara o imperativo categórico de Kant: “age para que cada

indivíduo, seja tratado como um fim em si mesmo e não como um meio” (Nozick 1988). A

ideia de que o ser humano é um ser racional, livre e com a possibilidade de formular um

plano de vida e com a inerente dignidade humana enquadra-se na teoria libertária (Nozick

1995).

A teoria libertária apresenta-se como uma corrente de pensamento que se opõe ao

utilitarismo, rejeitando o preceito da maximização da utilidade pela sociedade, e acusa

mesmo os utilitaristas de cometerem o erro metafísico de suporem que a sociedade é uma

entidade que experiencia “prazeres e dores” e que o seu bem estar deve ser maximizado

(Wolff 1996).

Opõe-se também ao igualitarismo de Rawls, na medida em que rejeita o pressuposto do

“véu da ignorância”, afirmando que a sociedade se desenvolve a partir do que já existe, ou

seja, os indivíduos vivem numa sociedade com uma cultura, história e tradição pré-

estabelecidas (Figueiredo 2006).

Assim a teoria libertária, que apresenta Nozick como o seu expoente máximo, defende que

cada indivíduo tem direito ao que possui, desde que a sua aquisição tenha sido legítima

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

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16

(Nozick 1988). O direito à propriedade privada e a liberdade ética constituem os valores

nucleares desta teoria da justiça (Nunes 2002, Wolff 1996). Para os libertários a

participação do Estado deverá ser minimalista, ou seja, propõem um Estado mínimo

ultraliberal que tenha como função principal assegurar as liberdades individuais e dos

mercados (Porto 1995). Nozick (1988) na sua obra “Anarquia, Estado y Utopia” afirma

que o Estado mínimo ou mesmo ultramínimo é moralmente legítimo, sendo que qualquer

Estado mais extenso violará os direitos dos indivíduos. Este Estado mínimo trata os

indivíduos como detentores de direitos invioláveis com a dignidade que os constitui e não

observa os indivíduos como meios ou ferramentas que podem ser usados de determinada

maneira (Nozick 1988). Do mesmo modo, Nozick entende que a própria racionalidade é

uma componente crucial da imagem que a espécie humana possui, e não simplesmente

uma ferramenta para adquirir conhecimentos e aperfeiçoar as nossas vidas e a nossa

sociedade (Nozick 1995).

Nesta linha de pensamento podemos referir que os impostos só se justificam para bens que

a pessoa individualmente não pode realizar, como por exemplo, a defesa nacional. Neste

sentido, o pagamento de impostos para a educação ou saúde de terceiros é percepcionada

pelos libertários como ilegítima e moralmente inaceitável (Nunes 2003b), sendo que a

participação do Estado na saúde apenas se processa para os programas de saúde pública.

Assim, é utópico pensarmos que o Estado poderia redistribuir a riqueza, impedindo a

formação de uma classe social detentora de maior poder económico. Isto porque ao impor

mecanismos que permitam a transferência de rendimentos para as classes sociais mais

desfavorecidas economicamente, poder-se-á levar ao aflorar de outros problemas sociais

como o desemprego oculto, desmotivação para procurar trabalho e desmotivação da

poupança (Nunes 2004). Nozick (1988) defende que não há nenhuma entidade com

faculdade para controlar todos os recursos e definir como devem ser repartidos pelos

indivíduos da sociedade. O mesmo é salientado por Wolff (1996) ao afirmar que quando se

fala em justiça distributiva parece que pressupomos que existe uma grande quantidade de

recursos sociais num “pote social” à espera de serem distribuídos racionalmente por uma

autoridade. E na verdade tal “pote” não existe, apenas temos pessoas e associações de

pessoas, o mundo natural e o que as pessoas produzem.

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Capítulo 1 – Justiça Distributiva

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

17

Os EUA são adeptos desta doutrina de justiça distributiva no que se refere às políticas de

saúde. Assim nesta área existe um mercado de livre escolha e de competição do próprio

mercado; havendo uma clara separação entre prestadores e financiadores. Nesta linha de

actuação cada indivíduo deve integrar-se num seguro de saúde. Um desses programas foi o

Medicare, introduzido em 1966 para assegurar a cobertura da população idosa (Barros

2006). Além deste, cerca de metade da população de baixos recursos ficou coberta pelo

Medicaid, programa financiado pelos governos federal e estadual. Apesar disto, cerca de

12% dos americanos não estão cobertos por qualquer seguro, sendo que deste grande grupo

fazem parte operários de baixos salários, empregados em tempo parcial e os seus

dependentes. Tal situação é preocupante, pois a saúde é para quem pode, ou seja, o poder

está no utilizador (Dunlop 199513

cit. Escoval 1999).

Facilmente verificamos que esta teoria sustentadora de um conceito de justiça distributiva é

demasiado penalizadora para aqueles que pela sua condição genética ou socio-económica

“ganharam” uma situação de doença ou pobreza.

13

Ver a este propósito Escoval A: Sistemas de Financiamento da Saúde, Análise e Tendências.

Edição de Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Lisboa, 1999.

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

18

CAPÍTULO 2

DIREITO DA SAÚDE E CARACTERIZAÇÃO DO SNS

2.1 Direito Constitucional da Saúde em Portugal

São vários os conceitos de saúde que têm surgido ao longo do tempo; desde organizações a

peritos na matéria, todos têm apresentado conceitos que se podem dividir genericamente

em negativistas e positivistas. As definições negativistas surgem por oposição à doença,

estando cientificamente ligadas à biomedicina e ao modelo médico de intervenção14

. Por

outro lado despontam as visões positivistas15

, mais actuais e que perspectivam a saúde

como algo mais que a ausência de doença ou enfermidade. É o caso da OMS (Organização

Mundial de Saúde) que define a saúde como “um estado de completo bem-estar físico,

mental e social e não a mera ausência de doença ou enfermidade”. Esta visão é, como

facilmente verificamos, utópica e inatingível. Apesar da enorme vantagem de ser

abrangente, é, no entanto, excessivamente generalista, não permitindo aos profissionais da

saúde uma base para a prática clínica. Segundo o conceito da OMS, só em pequenos

estados de beaticidade e felicidade é que teríamos saúde. Contudo, esta é a definição de

saúde mais aceite actualmente (Larson 1991).

Esperança Pina (2003) considera que a saúde é um factor essencial à vida e um valor que

supera todos os outros ao longo da existência de cada indivíduo na criação de bem-estar, de

capacidade de trabalho e de felicidade pessoal.

14

O modelo médico define a saúde como a ausência de doença e não é sensível à saúde social e à

interacção saudável com os outros. Este modelo ignora as causas sociais das doenças e os costumes

sociais na definição de doença. O modelo médico negligencia também o impacto da Medicina

Preventiva. Ver a este propósito Larson J S: The Measurement of Health – Concepts and

Indicators. Greenwood Press, 1991. 15

O modelo holístico define a saúde de um indivíduo tendo em conta não só o aspecto físico, mas

também os aspectos mental e social da saúde. Neste modelo podemos enquadrar o axioma “O todo

é maior que a soma das partes”. A definição holística da saúde tornou-se quase sinónima da

definição de saúde avançada pela OMS. Ver a este propósito Larson J S: The Measurement of

Health – Concepts and Indicators. Greenwood Press, 1991.

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

19

Podemos afirmar que o conceito de saúde é um conceito historicamente situado, e que nele

reflecte “os conhecimentos biológicos da época, a relação da pessoa com o corpo e o grau

de representação de cada função do corpo, bem como o entendimento da morte” (Parecer

14/CNECV/95).

O ser humano é frágil e finito, sendo a fragilidade circunstancial e temporal, a doença é

uma realidade inerente à condição humana. Como afirma Daniel Serrão (2003), “o homem

é hoje um ser social e vive num mundo que é artefacto da inteligência humana, sendo que

aqui radicam as mais importantes ameaças à saúde corporal”.

Perante sociedades fragmentadas, torna-se relevante que os direitos fundamentais sejam

consagrados na Constituição. Assim, o artigo 64º da Constituição da República Portuguesa

revela a presença do “direito à saúde”, afirmando: “Todos têm direito à protecção da saúde

e o dever de a defender e promover”16

. Este direito é uma expressão da dignidade humana

e está inscrito no quadro dos direitos positivos, na medida em que o próprio Estado o deve

incrementar e promover (Costa 2003). A dignidade humana é, pois, o princípio fundador

que, conduzindo à implementação dos direitos fundamentais (Gruskin e Daniels 2008), se

afigura como pedra angular da bioconstituição.

Podemos também expor que, perante o direito à protecção da saúde, existe um dever de

prestação (por parte do Estado) e um dever de defesa e promoção17

(por parte do

indivíduo). Há, pois, o dever e a responsabilidade dos cidadãos de promover e salvaguardar

a sua saúde (Serrão 2003, Esperança Pina 2003, Nunes 2005).

A Convenção Sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina18

, no artigo 3º, ressalva a

existência deste direito defendendo a existência de um “acesso equitativo aos cuidados de

saúde”. No seu Acto Constitutivo, também a OMS situa a saúde dentro do quadro dos

16

Constituição da República Portuguesa, 5ª Revisão, 2001. Assembleia da República - Divisão de

Edições. (Publicação: Diário da República, nº 286 – I Série – A de 12.12.2001). 17

A este respeito, a Lei de Bases da Saúde afirma que “Os cidadãos são os primeiros responsáveis

pela sua própria saúde, individual e colectiva, tendo o dever de a defender e promover” (Base V).

Ver a este propósito Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de

Agosto, 1990. Esta Lei foi alterada pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o

novo regime jurídico da gestão hospitalar. Consultar os anexos deste trabalho. 18

Aprovada em Diário da República, nº 286 – I Série – A, nº2 de 03.01.2001.

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

20

direitos humanos da paz e da segurança, defendendo que “o poder gozar do mais elevado

nível de saúde possível é um dos direitos fundamentais de cada ser humano sem distinção

de raça, religião, convicções políticas, condições económicas e sociais. A saúde de todos

os povos é fundamental para se alcançar a paz e a segurança e depende da plena

cooperação entre os indivíduos e os Estados” (Parecer 14/CNECV/95).

O “direito à saúde” é também invocado em documentos normativos como no Pacto

Internacional dos Direitos Sociais, Económicos e Culturais19

na Convenção sobre a

Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial20

na Convenção sobre os Direitos

da Criança21

, entre outros. Mais recentemente, a Declaração Universal sobre Bioética e

Direitos Humanos22

no seu artigo 14º (Responsabilidade Social e Saúde) afirma que “A

promoção da saúde e do desenvolvimento social em benefício dos respectivos povos é um

objectivo fundamental dos governos que envolve todos os sectores da sociedade”.

A problemática da consagração do direito supramencionado surge com a crise do Estado

de bem-estar social. Em muitos países, o conceito de “Welfare State” de Bismark emergiu

após a 2ª Guerra Mundial23

e defende que a saúde não é apenas um direito individual, mas

19

Adoptada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembleia-

Geral da ONU, de 16 de Dezembro de 1966. Aprovada para ratificação, pela Lei nº45/78, de 11 de

Julho. O artigo 12º deste Pacto refere que “Os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem o

direito da pessoa de gozar das melhores condições possíveis de saúde física e mental.”. 20

Adoptada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2106 (XX) da Assembleia-

Geral da ONU, de 21 de Dezembro de 1965. Aprovada para adesão, pela Lei nº7/82, de 29 de

Abril. Numa das alíneas do artigo 5º são referidos os “direitos à saúde pública, a tratamento

médico, à previdência social e aos serviços sociais”. 21

Adoptada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela resolução nº44/25 da Assembleia Geral

da ONU, de 20 de Novembro de 1986. Aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia

da República nº20/90, de 12 de Setembro. O artigo 3º desta Convenção refere que “Os Estados

Partes garantem que o funcionamento de instituições, serviços e estabelecimentos que têm crianças

a seu cargo e asseguram que a sua protecção seja conforme às normas fixadas pelas autoridades

competentes, nomeadamente nos domínios da segurança e saúde, relativamente ao número e

qualificação do seu pessoal, bem como quanto à existência de uma adequada fiscalização.”. 22

UNESCO: Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, 2006. In www.unesco.pt 23

No período pós-guerra ocorreu um crescimento económico elevado que permitiu uma inigualável

expansão da despesa pública, contudo, o primeiro choque petrolífero dos anos 70 foi um bruto

despertar para uma infindável recessão económica. A este propósito ver Botelho L M: Equidade na

utilização de cuidados de saúde - estudo da lista de espera para a consulta externa de ginecologia

no Hospital Distrital de Aveiro. “Fórum dos Alunos”, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol.

15, n.º 2, Abril/Junho; 1997: 45-71.

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

21

também um investimento social, já que a melhoria da saúde pública conduz a uma melhor

coesão social (Botelho 1997).

Por outro lado, os avanços tecnológicos e o envelhecimento da população favoreceram

uma procura de cuidados de saúde cada vez maior e mais exigente, o que deprimiu ainda

mais o “welfare state” (Rego et al 2002). O aparecimento de medidas de racionamento

está intimamente relacionada com este crescente aumento de gastos com a saúde.

Contudo, o “direito à saúde” é hoje, em conjunto com o “direito à educação”, um

elemento decisivo da democracia e do desenvolvimento. Em cada sociedade a sua

salvaguarda é tão importante como foi a liberdade em períodos de ditadura ou a igualdade

entre os homens perante a escravatura (Parecer 14/CNECV/95).

O direito constitucional da saúde é em Portugal garantido através do Serviço Nacional de

Saúde, de carácter universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais

dos cidadãos tendencialmente gratuito. O mesmo direito é também realizado pela criação

de condições económicas, sociais, culturais, e ambientais que garantam, designadamente, a

protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições

de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e

popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida

saudável (Artigo 64º da Constituição da República24

).

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um conjunto ordenado e hierarquizado de

instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, funcionando sob a

tutela do Ministro da Saúde (Estatuto do SNS 1993)25

e que apresenta uma gestão

descentralizada e participada (Artigo 64º da Constituição da República Portuguesa26

).

24

Constituição da República Portuguesa, 5ª Revisão, 2001. Assembleia da República - Divisão de

Edições. (Publicação: Diário da República, nº 286 – I Série – A de 12.12.2001). 25

Decreto-Lei nº 11/93: Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. Diário da República, Série I-A,

nº12, de 15 de Janeiro de 1993. A este Decreto foram introduzidas alterações pelos Decretos-Lei

nºs 276-A/2007, Suplemento de 31 de Julho 2007; 223/2004, de 3 de Dezembro; 185/2002, de 20

de Agosto; 68/2000, de 26 de Abril; 157/99, de 10 de Maio; 401/98, de 17 de Dezembro; 97/98, de

11 de Março e 77/96, de 18 de Junho. 26

Constituição da República Portuguesa, 5ª Revisão, 2001. Assembleia da República - Divisão de

Edições. (Publicação: Diário da República, nº 286 – I Série – A de 12.12.2001).

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

22

O SNS, criado em Portugal em 1979 e que se associa ao artigo 64º da Constituição

Portuguesa, sofreu em 1989 uma revisão que substituiu a gratuitidade original pelo

“tendencialmente gratuito”. Tal alteração relaciona-se com o aparecimento das taxas

moderadoras que, aquando do seu advento, foram acusadas por muitos de

inconstitucionalidade. Em Portugal, com vista a assegurar o “direito à saúde”, incumbe

prioritariamente ao Estado (artigo 64º da Constituição da República):

“Garantir o acesso a todos os cidadãos, independentemente da sua condição

económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;

Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e

unidades de saúde;

Orientar a sua acção com vista à socialização dos custos dos cuidados médicos e

medicamentosos;

Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-

as com o Serviço Nacional de Saúde, de forma a assegurar, nas instituições de

saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;

Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos

produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e

diagnóstico;

Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência”.

Sendo os recursos para a saúde limitados e sabendo-se que o que é possível oferecer

tecnicamente aos cidadãos de um país ultrapassa largamente os recursos disponíveis, torna-

se inevitável a realização de opções (Gruskin e Daniels 2008). Torna-se assim um

imperativo ético a realização de escolhas, escolhas essas que têm de ser fundamentadas de

modo a conseguir a exequibilidade deste direito. A resolução desta problemática apresenta

um carácter fortemente ético, na medida em que exige um processo reflexivo

fundamentado num conjunto de valores respeitantes à vida, ao bem-estar, à liberdade, à

não discriminação e à igualdade de oportunidades para todo e qualquer cidadão (Ramos

1994, Gruskin e Daniels 2008).

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

23

A alocação de recursos para a saúde, sendo um problema de natureza política, pertence

igualmente ao universo da justiça distributiva. Ao longo da evolução da humanidade tem-

se desenvolvido diferentes teorias de justiça para a afectação de recursos que visam o bem

comum e a partilha justa de bens.

O “direito à saúde” é considerado um direito civilizacional que garante a universalidade de

acesso a um “anel básico” de cuidados de saúde (Nunes 2003b). A existência do SNS de

carácter universal e geral consagra então o direito à protecção na saúde salvaguardado na

Constituição da República Portuguesa. Contudo, o Estado promove o acesso aos cuidados

de saúde tendo em conta os seus recursos humanos, técnicos e financeiros. A este respeito

a Base I, da Lei de Bases da Saúde27

, afirma que “O Estado promove e garante o acesso a

todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e

financeiros disponíveis”. Aqui enquadramos o célere axioma anglo-saxónico: “some health

for all than all health for some”. Assim, para a construção do “anel básico” é importante a

distinção entre necessidades (fundamentais) e preferências (comodidades), sendo que só as

primeiras deverão ter inclusão no mesmo de modo a construir um “anel” ao qual todos

tenham acesso (Nunes 2005).

2.2 A Natureza Mista do SNS Português

Todos os sistemas de saúde dos países da Europa ocidental permitem a coexistência do

sector público e do sector privado, adquirindo assim um carácter misto (Bentes et al 2004,

Campos 1986b). Matias (1995) refere que na prática a existência destes dois sectores

permite que se reúnam um sistema de cobertura universal e de maior eficácia na resolução

de problemas, o público, e um sistema de maior eficiência económica mas que permite a

exclusão social, o privado.

27

Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. Esta Lei encontra-se nos anexos deste trabalho.

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

24

O sistema de saúde português é, em termos de constituição, “segmentado, laminado e

estratificado” (Nunes 2003b). Um sistema de saúde segmentado é um sistema global onde

coexistem dois ou mais níveis de prestação de cuidados havendo a garantia de que o

“mínimo básico” de cuidados é assegurado. Em Portugal temos subsistemas de saúde como

o caso da ADSE (Assistência na Doença aos Servidores do Estado) ou da ADMG

(Assistência na Doença aos Militares da Guarda) e ainda seguros de saúde (Multicare,

Advance Care, Medis). Pereira el al (2001) e Bentes et al (2004) referem que cerca de um

quarto da população tem acesso a uma segunda via de cobertura na saúde (seguros ou

subsistemas). Em 1998, 10% da população possuía já um seguro privado (Bentes et al

2004), sendo que esta percentagem tem aumentado nos últimos anos.

Os subsistemas são entidades que podem estabelecer com as unidades do SNS uma

concorrência saudável (Carreira 1999). Segundo Nunes (2003b), tal facto é desejável pois

quer os subsistemas quer a medicina liberal descomprimem o SNS, sendo que desta forma

poderá ser melhorada a eficiência global do SNS.

Porém, o documento 4/9728

apresentado pela Associação Portuguesa de Economia da

Saúde apresenta uma visão oposta ao afirmar que os subsistemas constituem uma

organização que vive nas franjas do SNS e que promove a discriminação, sendo que os

casos mais graves são remetidos de para o SNS. Consideram a existência de subsistemas

indesejável e sugerem mesmo uma alteração. Actualmente, as tendências mostram a

tentativa de não inclusão de novos trabalhadores nos subsistemas, como por exemplo na

ADSE, ficando estes apenas vinculados ao SNS.

Barros (2006) revela que os indivíduos que possuem cobertura por um subsistema, em

complemento do SNS, apresentam um melhor nível de saúde. De uma forma geral, os

indivíduos pertencentes a subsistemas têm uma maior utilização de consultas. Porém,

torna-se pertinente admitir também a presença de outros factores, como por exemplo, o

28

O documento 4/97 da Associação Portuguesa de Economia da Saúde “Financiamento da Saúde

em Portugal” é um resumo de um debate organizado pela referida associação que pretendia dar

resposta a um pedido de esclarecimento do Conselho de Reflexão sobre a Saúde. Neste documento

é abordado o tema do financiamento da saúde em Portugal.

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

25

melhor nível de rendimento que está associado aos indivíduos pertencentes aos

subsistemas.

De acordo com Delgado (1999), o SNS não garante hoje condições de equidade e

solidariedade para todos os portugueses, sendo o nível de despesa privada o maior da

União Europeia. No que respeita aos serviços prestados pelo SNS, o que se verifica é que

este nem sempre apresenta a capacidade de resposta devida, sendo os cuidados dentários

um exemplo de uma fraca rede existente no SNS (Pinto e Aragão 2003). Assim, Pereira et

al (2001) referem que quem necessita de cuidados dentários tem, na maioria dos casos

(84,5%), de os pagar, sendo posteriormente tais despesas dedutíveis no IRS (Imposto sobre

o Rendimento de Pessoas Singulares).

Tal pressuposto é também apoiado pelo estudo realizado por Simões et al (2006) nos anos

de 1998/1999, o qual também afere que no sistema português há iniquidade a favor dos

indivíduos de maiores níveis de rendimento. Este estudo referente à equidade horizontal no

sistema de saúde português demonstra que os indivíduos de melhores rendimentos têm

mais facilidade em aceder aos cuidados de saúde. O mesmo estudo demonstra que apenas

18,93% das consultas de clínica geral foram efectuadas no sector privado; contudo, no que

respeita às consultas de cardiologia cerca de 50% das mesmas foram efectuadas no sector

privado. A distribuição nas consultas de cardiologia dever-se-á ao facto dos indivíduos de

melhor níveis socioeconómicos deterem mais seguros privados de saúde e mais

subsistemas de saúde. Desta forma, estes indivíduos recorrem mais rapidamente a uma

consulta privada, sem acederem em primeiro lugar a uma consulta de clínica geral (Simões

et al 2006). Os indivíduos que pertencem a um subsistema podem ter uma consulta numa

clínica privada com convenção, e caso não exista convenção, são reembolsados pelo

subsistema recebendo uma parte do valor da consulta e tratamentos.

Os resultados obtidos pelo mesmo estudo demonstram que a maioria das consultas de

clínica geral são efectuadas no sistema público. Tal resultado é justificado pelo facto de

estas consultas constituírem a principal via de acesso aos cuidados do SNS. No que se

refere ao facto de serem maioritariamente solicitadas por indivíduos de mais baixos

rendimentos, podemos justificar tal facto pela dificuldade que estes indivíduos apresentam

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

26

em aceder a uma consulta privada, muitas vezes de especialidade, por não estarem

vinculados a nenhum subsistema ou seguro privado de saúde. Apesar destes resultados, as

autoras afirmam que não existe iniquidade a favor dos indivíduos de baixo rendimento nas

consultas de clínica geral, uma vez que a sua utilização fica aquém da sua necessidade

(Simões et al 2006).

O SNS é o detentor da maior parte dos recursos envolvidos nos cuidados de saúde, sendo

que possui 80% das camas. Contudo, já em 1998, Portugal tinha gastos privados em saúde

na ordem de 2,6% do PIB, enquanto que a média europeia era de 1,8% do PIB. Assim, em

Portugal gasta-se muito no sector privado, apesar da vasta rede de cobertura do sector

público (Bentes et al 2004, Pinto e Aragão 2003, Pereira et al 2001).

A legislação contempla que a prática privada complementa a prestação pública onde esta

se apresentar mais deficiente, contudo a realidade revela o contrário. Por conseguinte, as

instituições privadas estão fortemente concentradas nas regiões onde o SNS é mais

extensivo. Isto também se deve ao facto de muitos hospitais terem contratos com as

instituições privadas para a realização de cirurgias, exames complementares de diagnóstico

e tratamentos de medicina física e reabilitação, o que implica que tais unidades privadas

coabitem em proximidade com as unidades públicas (Bentes et al 2004, Pereira et al 2001).

Giraldes (1997b) considera que a distribuição de camas no sector privado, concentrada

apenas nalguns distritos, agrava mais do que corrige as desigualdades existentes no sector

público no âmbito da saúde.

Deste modo, apesar de Portugal ser comummente considerado um país com um sistema de

saúde tipo SNS, ele opera numa “moda” não muito diferente de outros países, onde

coabitam o mercado público que fornece de forma tendencialmente gratuita os cuidados de

nível básico complementado pelo mercado privado (Pereira el al 2001).

No SNS a forma de pagamento a médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde é

feita por salário, o que não estimula à produtividade e eficiência. A maioria dos

profissionais tende também a acumular funções ao trabalhar no público e no privado, sendo

que tal acumulação se processa muitas vezes sem regras de natureza ética, deontológica e

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

27

económica (Delgado 1999, Pinto e Aragão 2003). Assim, devido em parte ao laxismo na

regulação, os médicos são muitas vezes motivados a fornecer o mínimo de cuidados no

SNS no sentido de acentuarem o potencial do mercado da prática privada (Pereira et al

2001). Segundo o parecer do CNECV (Comissão Nacional de Ética para as Ciências da

Vida), as instituições privadas são importantes para garantir a maleabilidade e o

dinamismo dos cuidados de saúde em todos os seus aspectos, contudo, é essencial que não

se tornem um instrumento à mercê dos efeitos perversos da competição, em que os

indivíduos mais carenciados são marginalizados (Parecer 14/CNECV/95).

Do mesmo modo, Delgado (1999) afirma que não há no sector público nem no privado

mecanismos que promovam a eficiência e a qualidade dos cuidados de saúde e há

indicadores evidentes de desperdício no sector público e elevados gastos no sector privado.

2.3 Equidade e Solidariedade

Antes da década de oitenta pouco se falava em equidade. Até aqui, os países que

abraçaram o “welfare State” concentravam as suas preocupações no aumento da

universalidade da cobertura e no alargamento do tipo de intervenções realizadas de forma

gratuita, sem terem em consideração as diferenças na utilização dos cuidados e dos

resultados em saúde. Contudo, com o aumento de gastos na área da saúde e o aparecimento

de restrições financeiras nesta área surgiram medidas que tinham como objectivo uma

distribuição dos recursos disponíveis mais justa e equitativa. Por outro lado a introdução de

co-pagamentos e taxas moderadoras agravou as preocupações com as desigualdades no

acesso aos cuidados de saúde (Campos 1991).

Segundo Pereira (1993) a equidade pode ser definida como a “distribuição justa de

determinado atributo populacional”. Nesta definição rapidamente verificamos que o

significado atribuído ao termo equidade depende fundamentalmente da forma como se

define a “justiça social”, e que esta, por sua vez, está associada a determinados juízos de

valor e à organização socioeconómica de um país (Giraldes 1997a, 1997b, Teixeira et al

2003, Hsu et al 2008).

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

28

O conceito de equidade em saúde é extremamente amplo, complexo e invariavelmente

controverso (Le Grand 1989), razão pela qual não existe uma teoria de equidade

consensualmente aceite. Por exemplo, uma sociedade pode reger-se tendencialmente por

valores utilitaristas e outra por valores libertários, logo o que é justo e equitativo numa

sociedade, não o será na outra.

Para Mulholland et al (2008) na lei dos direitos humanos o termo equidade é usado para

representar a igualdade com justiça. Para estes autores equidade é sinónimo de justiça

distributiva de bens na sociedade, tais como o acesso aos cuidados de saúde ou

simplesmente a sobrevivência.

Os princípios da equidade e da solidariedade constituem, em conjunto, uma garantia da

justiça social e da plena efectivação do direito à saúde (Teixeira et al 2003, Hsu et al 2008,

La Rosa-Salas e Tricas-Sauras 2008).

O princípio da equidade afirma a igualdade de todos os seres humanos em dignidade e

direitos, mas com prioridade para os mais desprotegidos (discriminação positiva). A

equidade, garantindo o direito inalienável de todos os cidadãos aos cuidados de saúde,

nega todas as formas de desqualificação que discriminam os cidadãos atingidos por

qualquer diminuição (Parecer 14/CNECV/95). O mesmo afirma a Lei de Bases da Saúde29

(Base II, 1.b): “É objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos

cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem

como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços”.

Actualmente a despesa social pública, designadamente a despesa em saúde, pode promover

a igualdade. Assim nas sociedades ocidentais a equidade é frequentemente considerada,

explícita ou implicitamente, um objectivo a atingir nas políticas de saúde adoptadas

(Giraldes 1997b, La Rosa-Salas e La Tricas-Sauras 2008).

29

Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. Esta Lei constitui o anexo III deste trabalho.

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

29

Entre as definições do conceito de equidade, convém salientar a que discrimina o princípio

da equidade horizontal – tratamento igual para aqueles que na essência são iguais – da

equidade vertical – tratamento desigual para desiguais (Pereira 1993). Importante é

também referir que, por detrás do conceito supracitado, se encontra o princípio da

igualdade. Contudo, tais termos não são sinónimos, pois tratamentos iguais podem ser não

equitativos (Samuelson e Nordhaus 2005). Por exemplo, perante a mesma patologia em

dois indivíduos diferentes é administrada a mesma terapêutica, contudo há um que por

apresentar condições físicas superiores reage mais rápido à terapêutica. Aqui, tratamento

igual resultou em resultados desiguais, daí que seria mais equitativo se se proporcionasse

melhores cuidados ao paciente mais vulnerável.

Para muitos a equidade horizontal perde aplicabilidade na medida em que não existem

pessoas iguais nem situações iguais. Já a equidade vertical leva à adopção de medidas que

vão ao encontro dos mais desfavorecidos a nível socioeconómico, que são, sem dúvida, os

que apresentam piores indicadores de saúde. A equidade vertical harmoniza-se com o

“princípio maximin de Rawls”, ao discriminar positivamente os mais desfavorecidos. O

“princípio maximin” pode ser portanto uma das definições possíveis de equidade (Simões

et al 2006).

A transmutação da regra maximin em critério de equidade atribui assim aos mais

desfavorecidos a possibilidade estratégica de se protegerem de uma situação penosa: o

minimum minorum (“mínimo dos mínimos”) (Santos 2004). Tal equivale a dizer que todos

os cidadãos devem ter, à partida garantido, o mínimo indispensável de rendimento e

riqueza (“mínimo decente”), sendo que a sociedade lhes possibilita uma equitativa

igualdade de oportunidades (Simões et al 2006).

Pedro Pita Barros (2006) e Giraldes (1997a) sugerem a existência de sete conceitos

possíveis de equidade em saúde:

Igualdade de despesa per capita – a distribuição é equitativa quando realizada em

função do tamanho populacional;

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

30

Igualdade de recursos per capita – incorpora na distribuição realizada em base

populacional, correcções em função das diferenças de preço observadas em cada

região;

Igualdade de recursos para necessidades iguais – para obter distribuição equitativa

devem ser consideradas as diferentes necessidades sanitárias existentes,

efectuando-se correcções quer a partir do perfil demográfico, quer do

epidemiológico;

Igualdade de oportunidade de acesso para necessidades iguais – reconhece, para

além das diferentes necessidades determinadas pelos perfis demográfico e

epidemiológico, a existência de desigualdades no custo social do acesso. Assim, só

se verificará equidade quando os utentes em cada serviço suportarem os mesmos

encargos no acesso aos cuidados de saúde, quer em tempo perdido quer em

encargos com transportes.

Igualdade de utilização para iguais necessidades – considera não só a distribuição

da oferta, mas também outros factores condicionantes da procura. Deverá efectuar-

se uma discriminação positiva em favor dos grupos regionais ou sociais com menos

predisposição para a utilização dos serviços de saúde ou disponibilidade para

utilizar os serviços de saúde. Aqui enquadram-se, por exemplo, as visitas

domiciliárias.

Igualdade de satisfação de necessidades marginais – parte do pressuposto de que as

necessidades mantêm a mesma ordem de prioridades nas diferentes regiões. A

equidade seria atingida se, com o aumento ou diminuição de recursos, o aumento

ou cobertura das necessidades fosse o mesmo em todas as regiões;

Igualdade nas condições de saúde ou igualdade de resultados – este conceito tem

por objectivo alcançar iguais indicadores de saúde entre distritos ou regiões. Tem

como ponto central os resultados obtidos e pressupõe a existência de uma política

intersectorial, tratando-se sem dúvida de um objectivo utópico.

Le Grand (1989) considerou que a maioria dos conceitos de equidade, por representarem

variações de uma mesma ideia ou objectivo, podem ser sintetizados em três conceitos:

tratamento igual para iguais necessidades, igualdade de acesso e igualdade de saúde.

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IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

31

Pereira (1991) assinala três objectivos de equidade na política de saúde portuguesa:

“Acesso a bens que promovam a saúde (implícito na Constituição);

Acesso igual a cuidados do SNS para iguais necessidades (Lei do SNS – Lei n.º

56/79, de 15 de Setembro);

Igual oportunidade de acesso a cuidados de saúde, quer sejam públicos ou privados

(Programa do Governo de 1987).”

Em Portugal, a equidade constitui uma forma de abordagem voltada essencialmente para a

oferta de cuidados e de serviços de modo a que todos os consumidores, apresentando

iguais necessidades, tenham encargos idênticos para acederem à prestação. Actualmente, é

perceptível a existência de uma política de discriminação positiva em favor dos mais

desfavorecidos e uma tentativa da diminuição das desigualdades que resultam de factores

que estão fora do controlo dos indivíduos. Tal objectivo é defendido na Lei de Bases da

Saúde30

, na Base XXIV, ao afirmar como característica do SNS “garantir a equidade no

acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os efeitos das desigualdades económicas,

geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados”.

Para além deste benefício dos segmentos mais vulneráveis, a equidade também diz respeito

ao “acesso geográfico” e à própria aquisição de tecnologia. Assim todas as inovações

tecnológicas devem ser criteriosamente avaliadas de forma a saber se a sociedade as pode

suportar, e não devem representar factor social directo ou indirecto de discriminação

(Parecer 14/CNECV/95). Contudo, para muitos autores o objectivo mais importante da

equidade em saúde é a igualdade de acesso (Travassos 2008).

No que se refere à equidade de acesso, o artigo 3º da Convenção sobre os Direitos do

Homem e a Biomedicina31

afirma que “as Partes tomam, tendo em conta os recursos

disponíveis, as medidas adequadas com vista a assegurar, sob a sua jurisdição, um acesso

equitativo aos cuidados de saúde de qualidade apropriada”.

30

Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. Consultar o anexo III deste trabalho. 31

Aprovada em Diário da República, nº 286 – I Série – A, nº2 de 03.01.2001.

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IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

32

Quanto ao financiamento equitativo, Nunes (2003a) sugere que tal facto pressupõe a

existência de solidariedade no financiamento. Segundo o Parecer 14/CNECV/95, a

solidariedade apresenta-se como “princípio ético fundamental da vida em sociedade”,

tendo especial pertinência na questão do financiamento e prestação de cuidados de saúde,

sendo que confirma o princípio da equidade.

Em Portugal, o financiamento dos cuidados de saúde é realizado através da solidariedade

na forma compulsiva e, mais recentemente, através dos co-pagamentos (Nunes e Rego

2002). Os impostos apresentam um carácter único (IVA - Imposto sobre o Valor

Acrescentado ou Agregado - a 20%), proporcional/ progressivo (desconto para a ADSE de

1,5% do vencimento), progressivo (IRS) e regressivo (IRC - Imposto sobre o Rendimento

de Pessoas Colectivas).

O problema actual coloca-se com a dupla tributação dos cidadãos para a obtenção de

cuidados de saúde quando necessários. Tal facto é pertinente dada a elevada carga fiscal no

nosso país, assim como o crescimento do valor dos co-pagamentos (Nunes e Rego 2002).

Esta situação é ainda mais delicada quando existe uma tripla tributação no caso dos

indivíduos que possuem um subsistema ou seguro privado de saúde.

2.4 Eficiência e Public Accountability

A eficiência é, em conjunto com a equidade, um dos objectivos económicos fundamentais

do sistema de saúde português (Pereira 1991, Pereira 1993). Segundo Giraldes (1997a) “se

o conceito de equidade é o eticamente mais nobre por se basear num princípio de justiça

social, o conceito de eficiência é o mais pragmático por resultar da evidência da escassez

de recursos”.

A eficiência engloba quer a eficiência técnica quer a eficiência económica. A eficiência

técnica atinge-se quando, com a combinação de um conjunto de recursos, se obtem o

resultado desejado ao menor custo possível (Pereira 1993). A noção de eficiência técnica é,

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

33

então, uma noção de “ausência de desperdício”32

. Contudo, esta noção não apela aos custos

da produção, apenas ao mínimo de recursos. A eficiência económica pressupõe a obtenção

do máximo de bem-estar para todos os indivíduos. Assim uma afectação de recursos é

economicamente eficiente se já não é possível encontrar uma reafectação de recursos que

aumente o bem-estar/satisfação de um dos agentes sem piorar o de nenhum outro33

(Pereira

1993).

Muitas vezes confunde-se o termo de eficiência com o de efectividade, contudo, têm um

significado diferente. O termo efectividade remete para o impacto de um agente ou

programa em relação a toda a população alvo a que é aplicado na prática (Giraldes 1997a).

Podem existir casos de tratamentos efectivos, mas não eficientes. A não eficiência ocorre

então quando se utilizam terapêuticas ou tecnologias mais dispendiosas em vez de meios

menos onerosos e que são igualmente efectivos. Por exemplo, se em vez de se utilizar um

analgésico genérico se recorrer a um de determinada marca comercial, estamos perante

uma utilização efectiva mas não eficiente.

Em Portugal, a melhoria da eficiência na utilização de recursos torna-se uma meta a atingir

pois, tal como afirma Nunes (2003b), “em Portugal, na saúde não se gasta pouco, gasta-se

é mal”. E na verdade o combate ao desperdício é uma prioridade, uma vez que este ronda

os 25%.

Torna-se um imperativo a tentativa para a convergência de dois factores aparentemente

incompatíveis: a qualidade na prestação de cuidados de saúde e a optimização da utilização

de recursos. É também imperativo ético a realização de escolhas, dado que o SNS apenas

pode suportar um anel básico de cuidados. Na prática, e pressupondo uma eficiência

económica máxima do sistema público de saúde, a igualdade equitativa de oportunidades

32

A eficiência técnica é assim uma medida da produção de resultados por unidade de recursos

utilizados como, por exemplo, o nº de consultas por médico. Ver a este propósito Pereira J:

Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos. Associação Portuguesa de Economia da

Saúde, Documento de trabalho 1, Lisboa, 1993. 33

A eficiência económica pressupõe a existência de eficiência técnica. Não é correcta, todavia, a

proposição inversa: um serviço de saúde que prestasse cuidados ao menor custo possível, mas com

baixos índices de qualidade seria tecnicamente eficiente mas não economicamente eficiente. Ver a

este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos. Associação

Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho n.º 1, Lisboa, 1993.

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

34

justifica o estabelecimento de prioridades, desde que ninguém seja discriminado

negativamente (Nunes e Rego 2002, Rego 2008).

A utilização dos recursos e a prestação dos cuidados de saúde devem ser feitos de forma

transparente de modo a contribuirmos para uma sociedade mais justa e equilibrada.

Segundo Nunes (2003b), “as decisões na saúde devem ser a todos os níveis, pautadas por

uma nova cultura, a cultura da responsabilidade”. Tal responsabilidade envolve a public

accountability, ou seja, a prestação de contas. O conceito anglo-saxónico de accountability

resume a obrigação de políticos, gestores, profissionais de saúde ou qualquer outra classe

envolvida ampliarem a visibilidade das acções desempenhadas, disponibilizando

informação sobre procedimentos, custos e benefícios perante a sociedade. Desta forma, e

segundo Gruskin e Daniels (2008), qualquer procedimento efectuado pode ser devidamente

explicado e justificado.

Há três níveis da implementação da accountability (Nunes 2003b):

“Macro - Assembleia da República, Governo e outras instituições democráticas:

- Procedimentos explícitos para a afectação de recursos, transparentes e estruturados;

- Orçamento global para a saúde;

- Intervenção de associações de defesa do consumidor e de representantes de minorias;

- Estímulo do debate público, incluindo a participação de grupos de doentes.

Meso - seguradoras, serviços de saúde:

- Procedimentos públicos, explícitos e detalhados, para avaliar os serviços de saúde;

- Relatórios públicos pormenorizados;

- Auditorias internas e externas sistemáticas;

- Procedimentos de queixa justos.

Micro - profissionais de saúde:

- Uma política institucional de consentimento informado, livre e esclarecido;

- A prática clínica baseada na evidência;

- Protecção adequada da privacidade individual;

- Ausência de situações de conflito de interesses.”

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Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

35

Segundo Pinto e Aragão (2003) a public accountability, a implementação de planos de

investimento efectivos e a utilização de incentivos adequados aos profissionais de saúde

constituem importantes medidas para o combate ao desperdício.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

36

CAPÍTULO 3

SAÚDE E CUIDADOS DE SAÚDE: ESPECIFICIDADES DO SECTOR

3.1 Especificidade do Bem “Cuidados de Saúde”

O mercado da saúde apresenta características peculiares dado que, de um lado, se

apresentam recursos limitados e, de outro, uma procura e um desejo ilimitados de mais e

melhores cuidados de saúde. A conjugação destes dois factores conduz à

indispensabilidade das escolhas, que envolve não só o que deve ser feito, mas também, e

não menos importante, o que se deixa de fazer (Gruskin e Daniels 2008). Assim, face ao

“mito” segundo a qual “a saúde não tem preço”, é necessário tomar consciência do facto de

que a sociedade não destina e não pode destinar senão uma parte dos recursos a este

objectivo. Estes recursos escassos devem ser distribuídos em condições óptimas, sendo que

para tal se torna necessária a intervenção da Economia da Saúde (Cotta 1991).

Campos (1988) afirma que a área económica tem vindo a intervir positivamente na área da

saúde dado que, recorrendo a análises económicas, podemos efectuar escolhas entre

alternativas em função de prioridades e obedecendo ao primado do interesse social sobre o

individual34

. A Economia da Saúde pode ser definida como o “ramo do conhecimento que

tem por objectivo a optimização das acções de saúde, ou seja, o estudo das condições

óptimas de distribuição de recursos disponíveis para assegurar à população a melhor

assistência à saúde e o melhor estado de saúde possível, tendo em conta meios e recursos

limitados” (Del Nero 1995). Campos (1985) vai mais longe ao afirmar que a Economia da

Saúde “é uma disciplina, um corpo de pensamento reconhecido e não é um mero saco de

ferramentas”, antes é um modo de pensar que tem a ver com a consciência da escassez, a

imperiosidade das escolhas e a necessidade de elas serem precedidas da avaliação dos

34

A ciência económica tem contribuído para a Economia da Saúde, enquanto subdisciplina, das

seguintes formas: através da transferência de conceitos (custo de oportunidade, custo benefício,

custo efectividade, análise de função de produção), transferência de técnicas e metodologias de

análise e contribuição para uma maneira de pensar económica. Há portanto um vínculo entre a

ciência da Economia e a Economia da Saúde. Ver a este propósito Campos A C: Economia da

Saúde, da autonomia científica aos conteúdos de ensino. Estudos de Economia 8; 1988: 327-344.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

37

custos e das consequências das alternativas possíveis, com vista a melhorar a repartição

final dos recursos.

Pedro Pita Barros (2006) refere que a Economia da Saúde estuda a afectação de recursos

no sector da saúde. Nesta linha de pensamento, Campos (1988) salienta o contributo da

Economia da Saúde para o desenvolvimento da ciência económica. Isto porque a

Economia da Saúde permitiu o acesso a uma área de actividade que revela características

próprias e de certa complexidade e grande mutabilidade, uma vez que o bem “saúde” não é

passível de ser submetido a uma análise económica simples, como qualquer outro bem.

O mercado da saúde atende a três características fundamentais (Matias 1995):

“o objecto da escolha, que neste caso consiste no bem cuidados de saúde;

o comportamento do agente da procura, que é o doente;

o comportamento do agente da oferta, que são os profissionais de saúde,

nomeadamente os médicos”.

O que acontece no mercado da saúde deve-se ao facto dos agentes de mercado exibirem

comportamentos diferenciados relativamente ao que acontece noutros mercados, dado que

estamos perante um bem que apresenta diversas especificidades (Sorkin 1984).

Assim sendo os cuidados de saúde são um produto de natureza francamente diferente

quando comparados com outros produtos existentes num mercado normal. O consumo

deste bem faz-se com o objectivo de restabelecer um estado de saúde (Pestana 1996). Ou

seja, trata-se de um bem sem utilidade intrínseca (por si só não proporciona utilidade) e

cujo consumo está sempre relacionado com um estado de necessidade por parte do agente

da procura, o doente. Se, numa situação hipotética, fosse possível desligar os cuidados de

saúde do objectivo de proporcionar saúde, assistiríamos à ausência de procura para o bem,

uma vez que o consumo deixaria de proporcionar qualquer utilidade para o consumidor

(Matias 1995).

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

38

Outra das características do bem cuidados de saúde é referente ao esgotamento do

consumo, pois a função utilidade atinge-se muito mais rapidamente no consumo de

cuidados de saúde do que no consumo de qualquer outro bem (Matias 1995).

A não homogeneidade do consumo dos cuidados de saúde é um facto, na medida em que,

quando nos referimos a cuidados de saúde, podemos incluir no rol serviços tão diferentes

como: medicamentos, consultas médicas, internamentos, tratamentos de fisioterapia35

, etc

(Matias 1995, Esperança Pina 2003). Contudo, esta não homogeneidade implica a

interdependência. Por exemplo, o doente com uma entorse da tíbio-társica vai a uma

consulta médica de urgência, é-lhe efectuada uma radiografia para o despiste de fractura.

Como forma de tratamento tem que tomar medicação e fazer fisioterapia. Há, então, uma

diversidade de cuidados de saúde que se coadunam para o diagnóstico e tratamento de uma

determinada patologia.

A saúde é nas sociedades democráticas, em que exista subjacente um conceito de

solidariedade social, um bem de mérito. Isto porque se trata de um bem de consumo

individual cuja utilização dá origem a benefícios superiores aos gozados pelo próprio

indivíduo (Giraldes 1997a, Pereira 1993). Numa sociedade em que a teoria libertária seja

um primado, no limite, não existem bens de mérito. Na definição de bem de mérito está,

portanto, implícito o conceito de solidariedade social (Giraldes 1997a). O conceito de bem

de mérito remete-nos para a existência de externalidades. Donaldson e Gerard (1993)

definem externalidades (spillovers) como o efeito positivo (benefícios) ou negativo

(prejuízos) provocado noutros indivíduos pela produção ou consumo de determinado bem,

e cujo efeito sobre os outros está fora do controlo individual.

35

Esperança Pina refere que os cuidados de saúde têm atingido níveis incomportáveis para a

maioria dos pacientes. Se concebermos que uma visita ao médico envolve a consulta, as despesas

dos exames complementares, a aquisição de medicamentos, o doente teria de despender de

centenas de euros, não falando em internamento ou intervenções cirúrgicas. A este respeito ver

Esperança Pina J A: A Responsabilidade dos Médicos, 3ª edição. Lidel, 2003.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

39

Atendendo à definição de externalidades realizada no parágrafo anterior, facilmente se

vefifica que estas estão presentes no contexto da saúde. Assim, pelo facto de um indivíduo

beneficiar de determinados cuidados de saúde (efeito interno), tal consumo tem muitas

vezes um efeito externo para com outros indivíduos ou mesmo para com a sociedade,

sendo que a terceira parte recebe um benefício ou suporta um prejuízo sem ter efectiva e

explicitamente efectuado qualquer escolha (Lucena et al 1996, Pestana 1996). A vacinação

é um exemplo positivo da situação aludida. As externalidades podem ser agrupadas em três

categorias de acordo com o seu tipo: externalidades associadas com doenças contagiosas,

externalidades associadas com a produção de informação relevante36

e externalidades

decorrentes do comportamento individual37

. De acordo com os mesmos autores, na

presença de externalidades, o livre funcionamento do mercado não actua de modo

satisfatório, pois os indivíduos no seu processo de tomada de decisão não incorporam todos

os benefícios e custos das suas decisões (Lucena et al1996).

De acordo com Jacobsson et al (2005) os indivíduos revelam-se mais preocupados com as

externalidades em saúde quando os problemas são mais graves. As autoras afirmam que o

altruísmo aumenta à medida que a severidade da doença também vai aumentando.

No que se refere à saúde, a quantidade de bens públicos38

é escassa. As campanhas de

informação para a educação ambiental podem ser consideradas como bem público, uma

vez que o consumo do bem em causa não envolve exclusividade (impossibilidade de

excluir um indivíduo particular) e tem como atributo a não rivalidade (o consumo de um

36

Segundo Lucena et al (1996) diz respeito ao facto da produção de informação beneficiar um

conjunto amplo de agentes e não apenas aqueles que gerem essa informação. Ver a este propósito

Lucena D, Gouveia M, Barros P P: O que é diferente no sector da saúde? “Em Foco”, Revista

Portuguesa de Saúde Pública, vol. 14, n.º 3; 1996. 37

Segundo Lucena et al (1996) diz respeito ao facto do comportamento individual ter implicações,

positivas ou negativas, sobre outros agentes, para além das partes envolvidas numa transacção. Ver

a este propósito Lucena D, Gouveia M, Barros P P: O que é diferente no sector da saúde? “Em

Foco”, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol. 14, n.º 3; 1996. 38

No domínio da saúde, a quantidade de bens públicos é menor do que à partida se poderia pensar.

Praticamente, apenas se devem considerar como bens públicos puros as medidas contra a poluição

ambiental e a erradicação de doenças contagiosas. No entanto, existem diversos serviços com

características de bem público, pelo facto de ser ineficiente excluir determinados indivíduos do seu

consumo. Há que assinalar ainda, que não se deverá confundir a referência habitual aos cuidados de

saúde como um “serviço público” com o conceito económico de bem público. Ver a este propósito

Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos. Associação Portuguesa de

Economia da Saúde, Documento de trabalho 1, Lisboa, 1993.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

40

indivíduo não reduz a quantidade disponível para outros membros da sociedade) (Giraldes

1997a, Pereira 1993).

Lucena et al (1996) salientam que há um forte juízo de valor sobre tudo o que se relaciona

com o sector da saúde. Este juízo de valor deriva de factores como: o reconhecimento das

limitações e a capacidade do consumidor para fazer as escolhas mais apropriadas, o forte

desejo da sociedade em promover uma maior redução das desigualdades no consumo do

bem “saúde”, e, por último, o facto de existirem externalidades. Estas impelem a que os

indivíduos atribuam valor pelo facto de outros receberem cuidados de saúde.

O contexto de incertezas em que a maioria das decisões da saúde são tomadas constitui

uma especificidade dos cuidados de saúde. Podem identificar-se três tipos de incertezas: a

incerteza quanto ao momento em que o indivíduo necessita de cuidados de saúde dada a

imprevisibilidade da doença (momento da ocorrência); incerteza quanto à quantidade de

cuidados necessários e custos monetários envolvidos de acordo com a dimensão do

problema; a incerteza do médico quanto ao tratamento que deve prescrever face ao quadro

clínico e quanto á forma do doente reagir ao tratamento prescrito (Lucena et al 1996). É

este conceito de incertezas que explica em grande parte a importante, e mais ou menos

generalizada, intervenção do Estado no financiamento da saúde (Gonçalves 2003,

Donaldson e Gerard 1993).

Tacitamente nos dois parágrafos anteriores foi feita referência à assimetria de informação.

Tal circunstância está patente na situação clínica corrente, na medida em que o consumidor

tem comummente menos informação acerca da sua situação clínica que o prestador dos

cuidados de saúde (Cardon e Hendel 2001). Logo, a decisão sobre o melhor tratamento é

incumbida ao prestador de cuidados. Aqui podem gerar-se mecanismos de procura

induzida (“supplier – induced demand”), ou seja, o agente da oferta pode levar o agente da

procura a consumir mais cuidados do que seria necessário (Barros 2006, Rego 2008,

Sorkin 1984). Assim, os agentes da oferta influenciam a procura de cuidados de saúde, isto

porque os profissionais de saúde, nomeadamente os decisores clínicos, têm a capacidade de

artificialmente criar procura para os seus serviços. Desta forma, assiste-se à realização de

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

41

uma consulta adicional, a uma cirurgia que não era estritamente necessária ou a mais um

exame de diagnóstico (Barros 2006, Rego 2008).

Este excesso de consumo pode também relacionar-se com o risco moral39

presente do lado

dos consumidores. Tal facto demonstra que há uma tendência para que as pessoas

consumam mais do que normalmente fariam, já que não pagam um preço que reflicta os

verdadeiros custos dos recursos utilizados, dada a existência de um sistema de cobertura

(SNS ou seguro) (Pauly 2004, Donaldson e Gerard 1993). Há também risco moral por

parte dos prestadores, sendo que tal facto se relaciona com insensibilidade ou

desconhecimento por parte destes relativamente aos custos que os cuidados de saúde

acarretam para o Estado, levando a prescrever exames complementares de diagnóstico e

tratamentos que não seriam estritamente necessários à luz da melhor evidência científica

(Rego 2008). Por outro lado, a forma de pagamento aos prestadores também se poderá

relacionar com o risco moral do lado da oferta, uma vez que, o pagamento ao acto está

associado à tendência dos médicos para a prestação de cuidados em excesso (Donaldson e

Gerard 1993, Rodriguez et al 2008).

3.2 Características da Procura em Saúde

Em qualquer mercado coabitam o lado da oferta e o lado do consumo e o mercado é,

simplesmente, um mecanismo de ajuste entre ambos os lados, que permite uma troca de

bens ou serviços sem que seja necessária a intervenção do governo (Donaldson e Gerard

1993).

39

Tradução directa do inglês moral hazard, por vezes também designado por “abuso do segurado”.

Trata-se de uma forma de comportamento racional que se observa quando os consumidores

aumentam a sua utilização de cuidados de saúde devido ao facto de não terem de suportar o custo

total dos tratamentos. Contudo há autores que dão pouca relevância ao fenómeno, dado que a

grande fatia dos gastos em saúde está dependente de prescrição médica e não da iniciativa do

consumidor. Ver a este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos.

Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho 1, Lisboa, 1993.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

42

O objecto de transacção no mercado da saúde consiste nos próprios cuidados de saúde, que

apesar de apresentarem características específicas, são um bem económico sujeito às leis

da procura (Pestana 1996). Assim, para a compreensão deste mercado será feita uma breve

referência às características do mercado normal.

A procura de um bem ou serviço pode ser definida como “a quantidade de bem ou serviço

que as pessoas desejam consumir num determinado período de tempo” de acordo com as

suas possibilidades económicas (Iunes 1995). Deste modo cada indivíduo, face a opções

alternativas, realiza as suas escolhas segundo os seus gostos e preferências procurando o

máximo de satisfação, maximizando a utilidade do bem (Donaldson e Gerard 1993, Cillis e

West 1984). De acordo com Frank (2006) cada indivíduo faz uma análise de custo-

benefício nas suas escolhas ao analisar as seguintes questões: “devo comprar o produto?”,

“posso pagar por ele?” e “que bens poderia adquirir com o mesmo valor?”.

No modelo tradicional, o consumidor define as suas escolhas e combina tal facto com o

rendimento disponível. O consumidor possui informação acerca dos produtos que deseja

consumir, o que é designado por princípio da “soberania do consumidor”.

Há assim diferentes factores que afectam a procura, tais como: preço40

, rendimento41

,

preferências, o preço de bens sucedâneos e complementares42

e a qualidade percebida

sobre um bem ou serviço e a população (Frank 2006, Neves 1996, Mc Connel e Brue

40

Segundo o modelo tradicional da procura, a variável preço constitui o factor da procura mais

evidente. Assim mantendo-se os restantes factores constantes, existirá uma relação inversa entre o

preço do produto e a quantidade procurada. Com o aumento de preço, o consumidor fica mais

pobre e diminui o rendimento disponível para a aquisição do produto (efeito rendimento) ou passa

a comprar outros produtos (efeito substituição). A este propósito ver Neves J L: Introdução à

Economia, 3ª edição. Verbo, Lisboa, 1996. 41

No que respeita ao rendimento podemos considerar a existência de diferentes tipos de bens. Os

bens considerados “normais” são aqueles que vêm a sua procura aumentar quando o rendimento do

indivíduo aumenta; os bens “inferiores” são aqueles que vêm a sua procura diminuída com o

aumento de rendimentos por parte do indivíduo. A este propósito ver Frank R H: Microeconomia e

Comportamentos, 6ª edição. Trad. Mª do Carmo Seabra, Mc Graw Hill, Lisboa, 2006. 42

Segundo o modelo tradicional, se os bens forem sucedâneos, o aumento de preço num deles

reduz a sua procura e aumenta a quantidade procurada do bem sucedâneo. Caso se tratem de bens

ou serviços complementares o aumento de preço de um bem ou serviço reduzirá a quantidade

procurada dos bens ou serviços normalmente consumidos em conjunto. Ver a este propósito

Samuelson P, Nordhaus W: Economia, 18º edição. Trad. Elsa Fontainha e Jorge Pires Gomes, Mc

Graw Hill, Lisboa, 2005.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

43

2001). Um sistema baseado no preço formado livremente no mercado apresenta diversas

vantagens, sendo que o preço representa uma medida de valor e actua como mecanismo

regulador da procura e da oferta (Pinto e Aragão 2003). O que acontece na saúde é que se

“prescindiu” durante muitos anos do factor “preço” no momento do seu consumo, o que

pode dificultar a valoração deste bem.

Na área da saúde, a procura é influenciada por diversas particularidades que estão

directamente relacionadas com as especificidades do mercado da saúde, especificidades já

elucidadas na temática anterior. Arrow43

(1963, cit. Iunes 1995) define como

características peculiares:

no que respeita ao consumidor a sua procura é irregular e imprevisível, uma vez

que este desconhece qual o momento em que irá adoecer;

a procura de cuidados de saúde ocorre em circunstâncias anómalas, ou seja, quando

o indivíduo está doente, o que poderá comprometer a racionalidade da decisão;

dada a ignorância do consumidor, torna-se necessária a existência de uma ligação

de confiança entre o agente da procura e o agente da oferta;

nesta relação de confiança depreende-se que o conselho do prestador é dissociado

de interesse próprio (existência de uma relação de agência perfeita);

a ética médica condena a propaganda e a competição entre médicos no que diz

respeito aos bens e serviços disponíveis;

a relação agente da procura / agente da oferta é assimétrica no que respeita à

informação.

Podemos afirmar, com base nas características apresentadas, que a procura de cuidados de

saúde é imprevisível, não depende da vontade do indivíduo nem dos seus recursos. A

procura em saúde é determinada pela percepção que o indivíduo tem de necessidade, e do

reconhecimento da presença de um problema de saúde (Mulholland et al 2008). Contudo, é

o agente da oferta o que possui mais conhecimento da situação clínica do indivíduo.

Pestana (1996) defende que a ignorância do consumidor sobre o seu estado de saúde, bem

como relativamente ao efeito dos cuidados médicos, é a causa da assimetria de informação,

43

Ver a este propósito Iunes R F: Demanda e Demanda em Saúde, In Piola S, Vianna S M:

Economia da Saúde: Contribuição para a Gestão da Saúde. IPEA, Brasília, 1995.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

44

sendo esta a responsável principal pela existência do fracasso no mercado de cuidados de

saúde. Esta assimetria de informação leva à criação de uma relação de agência, ou seja, o

indivíduo delega uma parte das decisões no profissional de saúde.

Esta relação de agência é “omnipresente e imperfeita”, estigmatizando designadamente o

comportamento do agente da procura, o qual tem necessidade de transferir as suas decisões

para o agente da oferta (Matias 1995). Segundo o mesmo autor, o encontro destes dois

agentes no mercado resulta num equilíbrio instável, em que quer o preço quer a quantidade

podem ser influenciados pela oferta. Isto é, parece estar em causa o conceito de procura

induzida. Ou seja, o agente da oferta pode conduzir a que o doente receba mais cuidados

que o necessário (Rego 2008).

No que se refere ao conceito de “necessidade”, este conceito admite que o indivíduo não

tem consciência do seu estado de saúde, sendo o profissional de saúde quem define se o

doente necessita ou não de cuidados. O conceito de necessidade44

é, no mercado da saúde,

conflituoso com o de soberania do consumidor. Portanto, necessidade é uma definição

exógena determinada pelos prestadores de cuidados de saúde (Pestana 1996). Por sua vez,

a “procura” é um conceito que está centrado sobre a liberdade e autonomia de escolha do

consumidor. Desponta ainda o conceito de “utilização de cuidados de saúde”, que diz

respeito ao consumo efectivo de cuidados de saúde.

Do exposto verifica-se que a quantidade de serviços considerada como necessária é, com

certeza, diferente da procurada. Do mesmo modo, as necessidades não são facilmente

estabelecidas entre prestadores de cuidados já que não existe um padrão que defina

claramente o que é “boa saúde”, não existe um conhecimento perfeito das condições de

saúde da população e não existe um conhecimento perfeito da capacidade das intervenções

44

Segundo Pereira, não há na literatura uma definição única de necessidade. Contudo, é muitas

vezes utilizada uma taxionomia que permite a distinção de três tipos de necessidades: necessidades

sentidas, necessidades expressas e necessidades normativas. As necessidades sentidas são aquelas

que são identificadas pelos indivíduos e as expressas são as que se referem à procura de cuidados

de saúde pelos utentes. As normativas são aquelas que são definidas e identificadas pelos

profissionais de saúde. Ver a este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e

Conceitos. Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho 1, Lisboa, 1993.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

45

(Iunes 1995, Pauly 2004). Isto leva-nos a afirmar que “necessidade” não deve ser vista

como um conceito absoluto, mas antes relativo e dinâmico (Matias 1995).

Na saúde verifica-se a existência de ausência de soberania do consumidor, que está

aglutinada ao contexto de incertezas relativamente à saúde e à doença. Numa situação em

que o consumidor deseja comprar uns óculos novos ou comprar uma caixa de lentes de

contacto para o próximo mês, ele pode prever os gastos envolvidos e gerir os seus recursos,

ou poderá mesmo adiar a sua aquisição se os recursos disponíveis não lhe permitirem a

compra. Contudo, na grande maioria dos itens relacionados com doença, não é possível

fazer uma previsão e esta surge muitas das vezes de forma inesperada (Donaldson e Gerard

1993).

E porque existem incertezas na procura e possibilidade de perdas económicas

significativas, a sociedade recorre aos seguros de saúde, privados45

ou públicos46

(Barros

2006, Donaldson e Gerard 1993). Tal facto pode levar à má utilização de recursos,

distorcendo a procura, já que no momento de utilização o indivíduo está disposto a obter os

benefícios do pagamento do seguro (Pauly 2004, Farnsworth 2006).

Outro conceito importante de se explorar é o conceito de elasticidade da procura. A

elasticidade é definida como a medida do grau de correspondência de uma variável

dependente (procura, oferta) a alterações numa das variáveis que a determinam (por

exemplo preço, rendimento, nível de instrução). Para a avaliação da elasticidade apenas

uma das variáveis independentes pode ser alterada, sendo que os restantes factores devem

45

Um seguro de saúde não é mais do que a transferência das responsabilidades financeiras

associadas a cuidados de saúde a uma terceira entidade, a troco de um pagamento fixo, o

denominado prémio de seguro. Assim o consumidor quando necessita de cuidados de saúde apenas

paga uma pequena fracção do custo dos cuidados no momento do consumo. O seguro privado

cumpre a primeira função assinalada cobrando prémios de seguro tipicamente relacionados com as

características de risco do segurado. Ver a este propósito Barros P P: Economia da Saúde:

conceitos e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006. 46

O seguro público recolhe os fundos necessários para o pagamento aos prestadores através dos

impostos ou de outro sistema contributivo, tipicamente compulsório, sendo o pagamento do

indivíduo determinado pelo nível de rendimento. A adesão a um sistema público pode ser garantida

pela capacidade coerciva do Estado. Ver a este propósito Barros P P: Economia da Saúde:

conceitos e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

46

manter-se constantes47

. No domínio da saúde podemos falar de dois tipos de elasticidade: a

elasticidade da procura relativamente ao preço, que corresponde à alteração percentual na

quantidade procurada em relação à alteração de preço; e a elasticidade da oferta

relativamente ao rendimento dos prestadores, que corresponde à alteração na quantidade

oferecida em relação à alteração percentual no rendimento dos prestadores (Pereira 1993).

A elasticidade da procura relativamente ao preço, é na saúde, considerada como sendo uma

procura inelástica ou rígida, pois a quantidade procurada varia menos que

proporcionalmente em relação à alteração do preço.

A inelasticidade da procura de cuidados de saúde relaciona-se com o facto de a maioria dos

Estados que têm subjacente o princípio do “Welfare State” possuir um SNS de carácter

universal e geral tendencialmente gratuito (Rodriguez et al 2008). A gratuitidade do bem

no momento da utilização estimula um consumo do bem superior ao necessário. Aqui

verificamos a presença do risco moral no consumo (Matias 1995). Há autores que

consideram que quanto mais o utente “sentir” que paga, menor será o risco moral do lado

da procura (Pauly 2004, Farnsworth 2006, Rodriguez et al 2008).

Contudo, apesar da maioria dos estudos apontarem que a procura de cuidados de saúde é

inelástica dadas as características específicas dos cuidados de saúde, já aludidas neste

trabalho, Lucas (1990)48

demonstra no seu estudo que os grupos sociais mais

desfavorecidos apresentam alguma sensibilidade às variações de preços, indicando que

estão dispostos a trocar os cuidados de saúde por outros bens se for caso disso.

47

A elasticidade da procura pode ser unitária quando uma alteração de 1% no preço de um produto

implica uma alteração na quantidade procurada igualmente de 1%, no sentido inverso, ou seja, a

percentagem de variação da quantidade é exactamente igual à percentagem de variação no preço. A

procura pode também ser inelástica ou rígida quando a quantidade procurada varia menos que

proporcionalmente em relação à alteração do preço, por exemplo, uma alteração de 1% no preço

implica uma alteração em sentido inverso na quantidade procurada de 0,8%. A procura pode ainda

ser elástica quando a quantidade procurada varia mais que proporcionalmente em relação à

alteração do preço, por exemplo, a uma alteração de 1% no preço de um produto, ocorre uma

alteração em sentido inverso de 1,5% na quantidade procurada. Ver a este propósito Iunes R F:

Demanda e Demanda em Saúde, In Piola S, Vianna S M: Economia da Saúde: Contribuição para a

Gestão da Saúde. IPEA, Brasília, 1995. 48

No que se refere à subutilização de cuidados de saúde pelos trabalhadores manuais, embora não

esquecendo factores de índole cultural, parece legítimo associar esta subutilização à existência de

taxas moderadoras. Ver a este propósito J S: Taxas moderadoras e equidade na utilização de

cuidados de saúde primários. “Em foco”, Revista Portuguesa de Saúde Pública, n.º 1; Lisboa, 1990:

17-27.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

47

Donaldson e Gerard (1993) asseveram que para que o mercado da saúde funcionasse com

uma eficiência máxima e a menores custos teriam de existir ausência de incertezas,

inexistência de externalidades, um conhecimento perfeito49

, consumidores livres na sua

escolha e existência de numerosos e pequenos produtores50

.

Mas, tal mercado não existe. Então as características do bem “cuidados de saúde”

(nomeadamente o risco e o contexto de incertezas associados à doença) num mercado sem

regulação acentuariam os problemas de deseconomias51

de pequena escala, de risco moral

e de selecção adversa52

(Cardon e Hendel 2001). Assim sendo, e tendo também em conta a

existência de externalidades e de assimetria de informação e a necessidade de certificação

dos profissionais de saúde, o Estado apresenta uma intervenção no sector da saúde que se

processa de forma mais profunda que na maioria dos outros sectores da economia, apesar

de, menos questionada na razão da sua existência (Escoval 1999, Lucena et al 1996,

Donaldson e Gerad 1993).

49

O conhecimento perfeito permitiria ao consumidor, neste caso ao paciente, determinar que

decisões tomar para manter ou melhorar o deu estado de saúde, pois teriam um conhecimento pleno

da sua situação clínica. Ver a este propósito Rego G: Gestão Empresarial dos Serviços Públicos,

uma aplicação ao sector da saúde. Tese de Doutoramento, Vida Económica, 2008. 50

A existência de muitos e pequenos produtores favoreceria a competição entre eles, o que

acarretaria maior eficiência. Ver a este propósito Rego G: Gestão Empresarial dos Serviços

Públicos, uma aplicação ao sector da saúde. Tese de Doutoramento, Vida Económica, 2008. 51

A economia de escala ocorre quando as grandes companhias distribuem o seu custo fixo entre

todos os seus produtos e assim conseguem uma diminuição do custo por unidade de produto. Diz-

se que existem economias de escala quando os custos médios de produção duma actividade

diminuem à medida que o volume de produção vai aumentando. A desvantagem da existência de

economia de escala é a tendência para a formação de monopólios que passam a determinar

sozinhos o preço de mercado, já que não têm concorrentes, e o consumidor não tem escolha. A

“deseconomia de escala” ocorre quando aumenta o custo médio do produto com o aumento do

volume de produção. Isto pode mesmo ocorrer numa grande firma quando há perdas de eficiência

devido ao menor controlo sobre a produção ou ao maior distanciamento entre administrativos e

empregados. No mercado de seguros de saúde podem surgir deseconomias de escala dado que se

indivíduos de alto risco adquirirem seguros, o valor do prémio aumenta em geral, sendo que os

indivíduos de baixo risco rejeitariam o seguro. Isto significa um custo médio final por unidade de

produto maior. Assim o custo final de seguro será maior para o consumidor. Ver a este propósito

Donaldson C, Gerard K: Economics of Health care Financing. Mc Millan, London, 1993 e Barros P

P: Economia da Saúde: conceitos e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006. 52

Segundo Cardon e Hendel a selecção adversa é considerada a principal causa para a falha no

mercado da saúde. Ver a este propósito Cardon J H, Hendel I: Assymmetric information in health

insurance, evidence from the National Medical Survey. Rand J Econ., vol. 32, nº3, Autumn,

2001:408-27.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

48

O sector da saúde, em todos os países desenvolvidos, tem sido objecto de importante

intervenção e regulação do Estado, com amplitudes e graduações diversas, com base em

diferentes sistemas organizativos e igualmente diversos modelos de financiamento

(Gonçalves 2003).

Em Portugal, o papel regulador do Estado revela-se, por exemplo, na regulação dos preços

(preço dos medicamentos), na quantidade de médicos (numerus clasus de estudantes de

Medicina) e qualidade dos profissionais de saúde (exigência de qualificações adequadas)

(Pinto 1995).

Para além da função reguladora do Estado, este pode assumir a função de prestador ao

fornecer inúmeros bens e serviços neste sector, tais como hospitais, centros de saúde,

programas de vacinação, entre muitos outros (Barros 2006). O papel do Estado pode ainda

ser mais extensivo ao assumir-se como financiador. Tal papel é desempenhado através da

recolha de impostos para em troca assumir a responsabilidade financeira das despesas em

cuidados de saúde, quer fornecendo directamente esses cuidados quer pagando a terceiros

o fornecimento desses cuidados (Barros 2006). A Lei de Bases da Saúde53

(Base VI –

Responsabilidade do Estado) afirma que “Os serviços centrais do Ministério da Saúde

exercem, em relação ao Serviço Nacional de Saúde, funções de regulamentação,

orientação, planeamento, avaliação e inspecção.”.

Matias (1995) no seu documento de trabalho “O Mercado de Cuidados de Saúde” aborda a

questão que se refere em saber que entidade deverá ser prestadora de cuidados de saúde, se

o Estado ou seguros de saúde. De acordo com este autor, apela-se que o Estado seja

responsável pela provisão de cuidados de saúde. Isto porque um serviço público de saúde,

tipo o SNS no caso português, tem como mais valia a não exclusão de nenhum cidadão.

Contudo, no caso português o papel do Estado enquanto prestador tem vindo a atenuar-se

com a empresarialização da gestão hospitalar. É de salientar que a nova forma de gestão

surgiu dada a baixa eficiência que o SNS foi apresentado ao longo dos últimos anos.

53

Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. A este propósito consultar o anexo III deste trabalho.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

49

De uma forma sucinta podemos referir que a procura de cuidados de saúde é influenciada

pelos custos implícitos no consumo de cuidados de saúde, pela oferta, por factores

culturais e demográficos e pela forma de financiamento dos cuidados de saúde (Rego

2008). Os custos implícitos no consumo de cuidados de saúde constituem um factor

determinante do nível de utilização, já que, embora o seu preço possa ser nulo no ponto de

consumo, existem outros custos associados ao consumo dos cuidados, nomeadamente o

tempo exigido pelos tratamentos54

e as perdas de rendimento monetário em consequência

do tratamento médico, que vão ser integrados no processo de decisão do consumidor

(Pestana 1995, Sorkin 1984, Cillis e West 1984).

Após verificarmos as características gerais da procura de cuidados de saúde, esta mesma

procura é em si influenciada pela oferta devido à já referida procura induzida. O fenómeno

da procura induzida55

surge com Roemer e Robert Evans e está estritamente ligado à

protecção social (Rego 2008, Barros 2005). Este pode explicar-se de diversas maneiras

(Beresniak e Duru 1999):

“o aumento da demografia médica dá lugar a formas mais ou menos directas de

publicidade;

a concorrência profissional incita ao tratamento médico mais completo do paciente;

a forte densidade médica nas grandes cidades constitui um apelo directo ao

consumo de cuidados de saúde;

os hospitais públicos ou privados atraem a população na proporção da sua

capacidade;

54

O preço de tempo corresponde à estimativa monetária do valor do tempo perdido pelo

consumidor para utilizar os serviços de saúde. No cálculo do preço de tempo dever-se-á incluir

tanto o tempo de permanência no local de atendimento como o tempo de deslocação para esse

local. O conceito reflecte a ideia de que os preços monetários não constituem a única barreira de

acesso aos serviços de saúde. Ver a este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de

Termos e Conceitos. Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho 1,

Lisboa, 1993. 55

Os trabalhos iniciais sobre a indução da procura são devidos a Shain e Roemer (1959) e Roemer

(1961) que encontraram uma forte correlação entre a disponibilidade de camas hospitalares e a sua

utilização, sendo sugerida a explicação de que se um hospital tinha a cama vazia tenderia a

preenchê-la. Evans (1974) apresentou a ideia de que o médico tem uma desutilidade pelo facto de

induzir a procura. Assim, um médico ao decidir a quantidade de indução da procura que realiza tem

em conta o benefício marginal (maior rendimento), mas também um custo marginal (menor

utilidade). Ver a este propósito Barros P P: Economia da Saúde: conceitos e comportamentos.

Livraria Almedina, Coimbra, 2006.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

50

a informação da população sobre as possibilidades crescentes da medicina é cada

vez maior.”

Outro dos factores que influencia a procura é a vertente cultural. Na verdade, os indivíduos

de classes mais desfavorecidas apresentam uma taxa de hospitalização superior à média56

e

os indivíduos de classe mais favorecidas economicamente são os responsáveis pelo maior

consumo de cuidados em ambulatório e menor em cuidados hospitalares (Lucas 1990).

Os factores demográficos são também uma das causas que pode influenciar a procura,

sendo este agente bem visível nos países desenvolvidos, em que o envelhecimento da

população está ligado ao aumento das despesas em saúde. Por último, referimos o modelo

de financiamento de cuidados de saúde como factor que afecta a procura (Beresniak e Duru

1993), sendo que tal factor será analisado de forma detalhada na próxima temática.

De um modo geral os economistas utilizam três modelos fundamentais para estudar a

procura no campo da saúde: o modelo tradicional, o modelo de Grossman e o modelo

comportamental de Andersen. De forma sucinta, podemos afirmar que o modelo

tradicional analisa o consumo de cuidados de saúde à semelhança de outros bens

económicos, isto é, em função do preço, rendimentos, gostos. Através dos estudos

empíricos, este modelo conclui que à medida que o preço aumenta o consumo diminui e

que, com a existência de seguros, o consumo aumenta à medida que aumenta o grau de

cobertura (Farnsworth 2006, Gravelle e Siciliani 2008). No que respeita ao rendimento,

quanto maior o seu valor, maior o encorajamento para o consumo de cuidados de saúde.

Relativamente ao “preço de tempo”, este é muitas vezes tão ou mais importante que os

pagamentos directos (Sorkin 1984).

56

Este índice de internamento mais elevado nos indivíduos de baixo rendimento relaciona-se

provavelmente com o facto destes indivíduos recorrerem aos serviços de saúde numa fase mais

tardia da doença e recorrerem menos frequentemente aos cuidados preventivos. A este propósito

Lucas J S: Taxas moderadoras e equidade na utilização de cuidados de saúde primários. “Em foco”,

Revista Portuguesa de Saúde Pública, n.º 1; Lisboa, 1990: 17-27.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

51

O modelo de Grossman trata a saúde como um stock e considera a saúde como um

processo de produção conjunto, requerendo contribuição quer do indivíduo quer de

consumo de bens e serviços apropriados, denominados de cuidados médicos. Assim, a

saúde é vista como um bem de consumo, um bem de investimento. Uma vez que a saúde

não depende somente dos serviços e cuidados de saúde, o próprio indivíduo vai investindo

na sua própria saúde, sendo que contribuem para este “stock de saúde” factores como:

idade, alimentação, rendimento, habitação e educação. Este capital humano irá depreciar-se

ao longo da vida devido ao próprio envelhecimento e como resultado das nossas acções

(Cillis e West 1984, Barros 2006). O bem saúde é interpretado como um bem duradouro

que produz um fluxo desejado que se designa por “tempo saudável livre de doença”. Como

resultado, a partir de um determinado período, os indivíduos consomem mais cuidados de

saúde para compensarem a depreciação que esta vai sofrendo (Sorkin 1984).

O modelo de Grossman pressupõe um conjunto de decisões simultâneas para o indivíduo:

afectar o tempo entre trabalho e lazer, dividir o tempo restante de lazer na produção de

saúde e do bem de consumo puro, dividir o rendimento gerado entre bens intermédios para

a produção de saúde e do bem de consumo puro, investir em saúde para o período seguinte.

Com o investimento em saúde, o indivíduo altera o número de dias saudáveis no período

seguinte, isto é, faz-se a endogeneização do tempo máximo disponível para dedicar a lazer

ou ao trabalho. A restrição total de tempo disponível num período é afectada pelas decisões

do indivíduo relativamente ao seu “stock de saúde”. Esta característica significa que o

investimento em saúde aumenta o rendimento potencial do indivíduo (Barros 2006).

A apoiar este modelo existem alguns estudos que demonstram o efeito de alguns agentes

no stock de saúde no indivíduo, como por exemplo, os que revelam o efeito negativo do

tabaco no nível de saúde. A este respeito Giraldes (1997a) procura explicar a diferença na

esperança média de vida entre homens e mulheres recorrendo ao modelo de Grossman. O

aumento de contactos médicos está associado a um aumento na esperança de vida e,

conclui que, só por si, um incremento de 30% nesta variável tem um impacto de 0,4 anos

na esperança média de vida à nascença, o que não será de desprezar (Giraldes 1997a). Este

aumento de contactos médicos no sexo feminino está associado às consultas de

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

52

acompanhamento durante a gravidez, parto e puerpério e à realização de rastreios do

cancro da mama e colo do útero (Gary e Qwens 2008).

O modelo comportamental de Andersen é um modelo muito dinâmico, não normativo e

não matemático que tem dado um forte contributo para a investigação científica. Este

modelo procura explicar o como e porquê da utilização de cuidados de saúde, tendo sofrido

alterações ao longo dos tempos.

Numa primeira fase, o modelo apresentou factores de predisposição demográficos (idade,

sexo, antecedentes de doença) que se relacionavam com a estrutura social e com os valores

desenvolvidos relativos à saúde e à doença, e com as atitudes face aos serviços de saúde.

Surgiam também os factores facilitadores, quer por parte da família, quer por parte da

comunidade, nos quais se incluíam: existência de seguros de saúde, acesso ao médico,

preço dos serviços de saúde (Sorkin 1984).

Quando surgia a necessidade de receber cuidados de saúde (sentida pelo indivíduo),

desencadeava-se um comportamento que relacionava a necessidade com os factores

anteriores e que levava à efectiva utilização ou não dos cuidados de saúde. Deste modo

existia uma ordem causal, em que os factores de predisposição eram exógenos e continham

variáveis que não estavam directamente associadas a uma razão específica para o consumo

de cuidados de saúde. A componente dos factores facilitadores abrangia variáveis que

permitiam ao indivíduo obter cuidados de saúde, sendo, então, condições necessárias mas

não suficientes para a sua utilização. Por fim, os factores de necessidade eram os grandes

preditores de utilização (Sorkin 1984). Este modelo afirma por exemplo que o factor

predisponente “tamanho da família” está associado a um maior consumo de cuidados, caso

se tratem de famílias numerosas.

Este modelo sofreu várias alterações após esta fase inicial aqui apresentada, alterações que

numa última fase assentam sobre as políticas de saúde que combinam as características do

sistema de prestação e as características da população de risco. O preditor passa a ser os

resultados em saúde (melhoria da saúde e qualidade de vida), sendo que os objectivos de

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

53

equidade, eficiência e efectividade dos sistemas de saúde deixaram de ser um fim em si

mesmo para serem um meio estrutural para aquele fim (Sorkin 1984).

Podemos assim afirmar que os três modelos aqui apresentados, ainda que de forma

abreviada, sugerem que a procura de cuidados de saúde é influenciada por diversos

factores entre os quais se destacam rendimento, custos dos cuidados de saúde, oferta de

serviços, políticas de saúde e cobertura dada pelo sistema ou seguro de saúde (Rego 2008).

3.3 Característica da Oferta e do Financiamento no Sector da Saúde

“O problema da gestão da saúde situou-se, até ao século XVIII, no âmbito da filosofia da

moral aplicada, relativa aos deveres de cada um para consigo próprio e aos deveres de cada

um para com os outros. Face ao sofrimento humano, a Igreja e outras instituições, movidas

pela compaixão, fizeram do cuidado dos doentes uma das suas iniciativas de maior alcance

social. Contribuíram, assim, de modo decisivo para a noção da responsabilidade social na

gestão da saúde. Com a civilização industrial, surgem preocupações com a higiene pública,

pelo que se torna pertinente a intervenção do Estado” (Parecer 14/CNECV/95).

As estruturas de assistência médica passam a ser uma preocupação dos governos somente

após a 2ª Guerra Mundial, quando a política social entende que os cuidados de saúde

devem ser um atributo da cidadania. É a partir dos anos 50 e 60 que os gastos públicos com

a saúde passam a crescer em largas proporções, especialmente no conjunto das economias

desenvolvidas (Medici 1995).

O financiamento da saúde é hoje uma das questões mais complexas que se colocam nos

países da OCDE, seja qual for o sistema de saúde. Segundo Simões (2006) esta questão é

também complexa no nosso país dado que as despesas com a saúde representam 10% do

PIB e crescem a ritmo acelerado, superior ao da riqueza produzida. Pelo que se não forem

tomadas as medidas adequadas os gastos com a saúde irão aumentar. E, em terceiro lugar,

a questão é complexa porque as despesas dos cidadãos no sector privado representam já

24% da despesa total em saúde.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

54

De acordo com o grau de intervenção do Estado, em relação ao financiamento e provisão

dos cuidados de saúde, Medici (1995) considera que os sistemas de saúde podem ser do

tipo assistencialista, providencialista e universalista. Os de tipo assistencialista ocorrem,

fundamentalmente, em países muito pobres, dependentes de ajudas externas, voltados

sobretudo para a prestação de cuidados para os grupos mais desfavorecidos, sendo que as

classes com mais possibilidades têm que procurar os cuidados no mercado. Os recursos são

financiados pelos impostos e há uma pré-alocação dos mesmos.

Os de tipo providencialista são também não universais, sendo o seu financiamento baseado

nas contribuições que os trabalhadores fazem, habitualmente para fundos de seguros muito

ligados às empresas, o que deixa sem cobertura os que se apresentam no desemprego. Aqui

a prestação pode ser pública ou privada (Medici 1995, Esperança Pina 2003). Este tipo de

sistemas está presente nos EUA.

Por último, referimos os sistemas do tipo universalista que cobrem toda a população e

apresentam uma forte intervenção do Estado. São financiados pelos impostos e

contribuições sociais, sendo que a prestação é essencialmente pública, cobrindo

teoricamente toda a população em igualdade de condições (Medici 1995, Esperança Pina

2003).

De um modo geral, podemos definir dois grandes grupos de sistema de saúde: sistemas

tipo Serviço Nacional de Saúde e sistemas de Mercado de Livre Concorrência (Escoval

1999, Medici 1995). Nos sistemas tipo Serviço Nacional de Saúde a cobertura é universal,

o financiamento assenta em impostos ou em contribuições obrigatórias e a prestação é

efectuada em instituições públicas. Nestes países a contribuição compulsiva é normalmente

progressiva sendo que desta forma é permitida uma transferência de recursos dos saudáveis

para os doentes e dos ricos para os pobres (Donaldson e Gerard 1993). Existe gratuitidade,

ou quase gratuitidade, no momento do consumo de cuidados (Esperança Pina 2003). Na

prática não existe nenhum sistema de SNS puro, a tendência é para o decréscimo do papel

do Estado (exemplo: Reino Unido e Portugal).

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

55

Os sistemas de Mercado de Livre Concorrência assentam, sobretudo, no facto dos serviços

e recursos serem privados, lucrativos ou não lucrativos, geridos com autonomia, e o acesso

à prestação de cuidados de saúde não é universal. Aqui operam as forças de mercado,

sendo o seu financiamento maioritariamente privado e através de fundos sociais (Escoval

1999). Normalmente a gestão dos fundos financeiros é tripartida. Podem existir um ou

vários organismos seguradores e o sistema financiador pode ser parcialmente prestador.

Contudo, a realidade mostra que não existe na prática um sistema puramente baseado no

mercado de livre concorrência. Na verdade, torna-se necessário que o Estado garanta a

regulamentação da qualidade dos cuidados (acreditação dos profissionais de saúde e das

instituições prestadoras), que desenvolva programas de saúde pública e que preste cuidados

aos mais desfavorecidos (Donaldson e Gerard 1993). Este sistema desenvolveu-se nos

países mais liberais, com uma acentuada economia de mercado, por exemplo nos EUA. A

complicação é que aparecem importantes franjas da população sem qualquer sistema de

protecção na doença, ou em que esta é parcial (Escoval 1999).

Se à forma de financiamento juntarmos a forma de prestação, poderemos dividir os países

da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) em três grupos

(OCDE 1992):

Financiamento misto através de seguros privados e segurança social com prestação

essencialmente privada (Holanda);

Financiamento através de um sistema de segurança social em que a prestação é

assegurada por prestadores públicos e prestadores independentes (Alemanha,

Bélgica, França e Luxemburgo);

Financiamento através de impostos e de contribuições sociais onde a prestação é

assegurada por serviços públicos (Espanha, Reino Unido, Dinamarca, Grécia,

Irlanda, Itália e Portugal).

Em países como a Holanda, em que existe um seguro social obrigatório, é permitido o

opting-out57

, o que leva a que muitos indivíduos de rendimentos elevados troquem o

57

O opting-out remete para a possibilidade do cidadão optar por sair do âmbito da protecção do

seguro social público. No caso do sistema português corresponderia à saída da protecção do SNS e

à adesão a um plano de promoção da saúde e protecção da doença num seguro privado. A este

propósito ver Nunes R, Rego G: Prioridades na Saúde. Mc Graw Hill, Portugal, 2002.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

56

seguro social obrigatório pelo seguro privado. Tal medida pode levar à limitação do factor

redistributivo de recursos.

Um outro factor com influência decisiva no financiamento relaciona-se com a concepção

de partilha de riscos. Num modelo de mercado “puro” o que existe é uma relação entre

utilizador (agente de procura) e prestador (agente da oferta) em que teríamos um utilizador

que paga pelos serviços prestados directamente ao prestador, sem que haja uma qualquer

partilha de risco. No entanto, em muitos países desenvolvidos há uma partilha de risco

assegurada por uma rede de seguros públicos ou privados, portanto, o que havia a

privilegiar era sobretudo a redistribuição de recursos financeiros. Deste modo, em vez de

confiarem num sistema em que são os utilizadores a pagar aos prestadores total e

directamente, privilegiaram uma organização formal do sistema de financiamento em que a

organização financeira paga aos prestadores e a relação bilateral torna-se trilateral. Com

este modelo introduz-se a noção de terceiro pagador, que, não raras vezes, introduz

imperfeições e ineficiências na forma da provisão dos cuidados de saúde (Dunlop58

et al

1995 cit. Escoval 1999). No modelo trilateral, o financiador possui um duplo papel, o de

mobilizador de recursos e o de pagador aos prestadores. A organização financiadora obtém

as suas receitas através de impostos, de contribuições para esquemas de segurança social

ou de prémios de seguros, pagos por todos os cidadãos (Escoval 1999).

Existem ainda outros tipos de agrupamentos que permitem classificar os cuidados de

saúde. Segundo Escoval (1999) qualquer definição adoptada nunca é exaustiva, uma vez

que os países adoptam normalmente combinações entre todos os tipos definidos. O que se

procura muitas vezes é a componente dominante para que tal agrupamento seja permitido.

A forma como cada país financia o seu sistema de saúde surte efeito no comportamento

dos seus actores: doentes, profissionais de saúde, indústria farmacêutica e companhias de

seguro.

58

Ver a este propósito Escoval A: Sistemas de Financiamento da Saúde, Análise e Tendências.

Edição de Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Lisboa, 1999.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

57

Em Portugal, de acordo com a Lei de Bases da Saúde (Base XII)59

, o sistema de saúde é

constituído pelo SNS e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de

promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades

privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira prestação de todas

ou de algumas daquelas actividades.

Segundo a Lei de Bases da Saúde60

(Base XXVI), o SNS é tutelado pelo Ministro da Saúde

e é administrado a nível de cada região de saúde pelo conselho de administração da

respectiva administração regional de saúde. De acordo com a mesma Lei (Base XXXIII)61

,

o SNS é financiado pelo Orçamento de Estado através do pagamento dos actos e

actividades efectivamente realizados segundo uma tabela de preços que consagra uma

classificação dos mesmos actos, técnicas e serviços de saúde. Contudo, os serviços e

estabelecimentos do SNS podem cobrar as seguintes receitas: “o pagamento de cuidados

em quarto particular ou outra modalidade não prevista para a generalidade dos utentes; o

pagamento de cuidados por parte de terceiros responsáveis, legal ou contratualmente,

nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades seguradoras; o pagamento de cuidados

prestados a não beneficiários do SNS quando não há terceiros responsáveis; o pagamento

de taxas por serviços prestados ou utilização de instalações ou equipamentos nos termos

legalmente previstos; o produto de rendimentos próprios; o produto de benemerências ou

doações e o produto da efectivação de responsabilidade dos utentes por infracção às regras

de organização e de funcionamento do sistema e por uso doloso dos serviços e do material

de saúde”.

59

Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. 60

Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. 61

A Base XXXIII da Lei n.º 48/90 foi alterada pela Lei n.º 27/ 2002. Lei n.º 48/90: Lei de Bases da

Saúde (publicada no Diário da República, I série, 24 de Agosto de 1990) foi alterada pela Lei n.º

27/2002, de 8 de Novembro de 2002, que também aprova o novo regime jurídico da gestão

hospitalar. O anexo III deste trabalho apresenta a Lei de Bases da Saúde com as respectivas

alterações efectuadas pela Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

58

Segundo Bentes et al (2004) estes pagamentos cobrados nos estabelecimentos de saúde

representam cerca de 8% da receita do SNS e 20% da receita dos hospitais.

O financiamento das unidades de saúde pode ser retrospectivo ou prospectivo. O

financiamento por orçamento retrospectivo (histórico) é realizado com base no histórico

dos gastos. Esta forma de financiamento não entra em linha de conta com a produtividade e

tem sido a base de financiamento dos hospitais públicos tradicionais. Também não

incentiva à eficiência por parte dos prestadores, não correndo os mesmos qualquer risco.

Tal situação pode ser penalizadora em situação de défice crónico e para quem quer fazer

mais e melhor (Rego 2008, Barros 2006).

No recurso a métodos prospectivos, a produção e os preços são negociados previamente

entre o poder político (financiador) e os agentes (unidades de saúde). O financiamento por

orçamento prospectivo é baseado no que se pretende fazer, há um compromisso para a

realização de um conjunto de actividades, e estimula por isso a produtividade. Aqui há uma

estratégia de gestão diferente, muito voltada para os aspectos da eficiência que podem ser

ganhos quer pelo prestador, quer pelo financiador. Lima (2000b)62

conclui que, após a

implementação do método prospectivo em Portugal, aumentou o número de admissões

para cirurgias e, tendo em atenção que o número de camas se manteve constante, houve

então um aumento da produtividade. Tal facto, permite uma distribuição mais equitativa de

recursos por mais indivíduos.

A base para o financiamento são os grupos de diagnóstico homogéneo (GDH)63

. Tal

conceito representa um “Sistema de Classificação de Doentes tratados em hospitais de

62

O estudo de Lima analisa o impacto do sistema de financiamento hospitalar no período de 1985-

1994. Este estudo revela que apesar de apesar de coabitarem os dois sistemas de financiamento

(retrospectivo e prospectivo), com a implementação do modelo prospectivo ocorreu uma

diminuição do tempo de internamento e consequentemente um aumento do número de cirurgias

programadas. Ver a este propósito Lima M E: The financing systems and the performance of

portuguese hospitals. Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de Trabalho nº4,

2000 (b). 63

A espiral crescente dos custos hospitalares levou à procura de sistemas de pagamento que

contivessem este crescendo de custos. Uma solução adoptada num dos programas federais dos

EUA, o Medicare, foi o de converter o financiamento em pagamento prospectivo baseado em

grupos de diagnóstico homogéneo. Ver a este propósito Barros P P: Economia da Saúde: conceitos

e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

59

agudos em classes clinicamente coerentes e similares do ponto de vista do consumo de

recursos. Estas classes são definidas a partir de um conjunto de variáveis que caracterizam

clinicamente os doentes e que explicam os custos associados à sua estadia no hospital”

(IGIF), sendo os doentes agrupados, segundo o diagnóstico, numa das categorias de GDH.

Em 1990 foram publicados e definidos preços base para os GDH, contudo a sua aplicação

prática enquanto forma de pagamento só foi utilizada mais tarde. Os GDH foram

introduzidos paulatinamente de forma a permitir uma adaptação gradual das unidades de

saúde à nova metodologia. Se em1997 apenas 10% do orçamento hospitalar era realizado

através dos GDH, em 2001 já era de 40% (Lima 2000a). Assim, actualmente, assiste-se à

substituição do modelo público integrado, com base no financiamento retrospectivo, por

um modelo público contratual que favorece o financiamento prospectivo. O incentivo à

implementação deste modelo advém, por um lado, da possibilidade de poder alcançar o

interesse dos utentes de modo mais satisfatório, e, por outro, de os contratos serem um

instrumento de planeamento através do qual se pode promover um financiamento mais

adequado (Nunes e Rego 2002).

O financiamento baseado nos GDH permite aferir quais as unidades de saúde, por serviço

prestado, que ministram os melhores cuidados de saúde, assim como a monitorização

contínua dos diversos processos, por comparação, a partir da análise das unidades que

apresentem os melhores resultados. Um dos objectivos do programa de classificação de

doentes em grupos de diagnósticos homogéneos é o de “financiar o internamento

promovendo uma distribuição racional dos recursos financeiros pelas instituições e criando

incentivos para aumentar a eficiência, sem pôr em risco a qualidade dos cuidados

prestados” (IGIF). Contudo, neste tipo de financiamento verifica-se o perigo da ocorrência

de práticas de “desnatagem” (“cream skiming” ou “hidden action”), ou seja, o perigo da

“escolha dos doentes” mais lucrativos64

(Nunes e Melo 2007, Rego 2008). Outra das

64

Práticas de desnatagem e de selecção adversa podem ocorrer quando o prestador, o hospital ou

uma companhia de seguros discriminem doentes pelo elevado custo associado ao seu tratamento.

No sector da saúde aquilo que importa evitar é a discriminação infundada de doentes no SNS pelo

custo ou pela gravidade da doença. Ver a este propósito Nunes R, Melo H: A nova carta dos

direitos dos utentes In Nunes R, Brandão C: Humanização da Saúde. Associação Portuguesa de

Bioética, Serviço de Bioética e Ética Médica da FMUP, Colectânea Bioética Hoje XIII, Gráfica de

Coimbra, 2007.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

60

desvantagens deste método é a possibilidade dos hospitais tentarem maximizar as suas

receitas líquidas classificando os doentes em grupos que ofereçam maior pagamento65

.

O impacto do financiamento prospectivo e da sua implementação ficou aquém das

expectativas, apesar das inegáveis melhorias na produtividade quando comparado com o

método retrospectivo (Rego 2008). Assim, dando continuidade à forma de pagamento

existente e tendo em conta o desenvolvimento de hospitais SA (Sociedades Anónimas,

actualmente EPE – Entidades Públicas Empresariais), a partir de 2003 surge um novo

instrumento de pagamento, o contrato-programa. Este instrumento financeiro conduz

claramente a uma melhor organização e planeamento dos cuidados de saúde a prestar e dos

serviços de saúde a desenvolver pelas unidades de saúde (Rego 2008).

Por conseguinte, o regime de financiamento definido para as unidades de saúde integradas

no sector empresarial do Estado determina que o pagamento dos actos e actividades é

realizado através de contratos-programa a celebrar com o Ministério da Saúde. Estes

contratos “deverão estabelecer os objectivos, as metas qualitativas e quantitativas da

actividade produzida, os preços e os indicadores de avaliação de desempenho dos serviços

e do nível de satisfação dos utentes” (Despacho nº701/2006). Os contratos-programa

baseiam-se em princípios de gestão criteriosa, qualidade na prestação de cuidados de saúde

e cumprimento de metas a alcançar de acordo com os recursos disponíveis (Despacho n.º

721/ 2006)66

.

As linhas de produção no ano 2007 foram as seguintes: internamento, ambulatório médico

e cirúrgico, consultas externas (primeiras e subsequentes), atendimentos urgentes, sessões

de hospital de dia, dias de doentes crónicos, serviço domiciliário, dias de permanência em

Lar (IPO) (Ministério da Saúde 2006). A valorização dos actos e serviços efectivamente

prestados assenta numa tabela de preços base a fixar anualmente pelo Ministro da Saúde.

Os representantes do Ministério da Saúde na outorga dos contratos-programa são a ARS

65

Este fenómeno é muitas vezes denominado de “DRG- creep” . Ver a este propósito Barros P P:

Economia da Saúde: conceitos e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006. 66

Publicado no Diário da República – II Série, nº8, de 11 de Janeiro de 2006.

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Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

61

(Administração Regional de Saúde) e o IGIF (Instituto de Gestão Informática e Financeira

da Saúde) 67

(Despacho n.º 721/ 2006).

67

Às ARS compete acompanhar a execução dos contratos-programa, em especial na vertente

operacional, e promover uma articulação eficiente e multifuncional com as restantes unidades de

saúde do SNS. Ao IGIF compete acompanhar a execução dos contratos-programa, em especial na

vertente da consolidação financeira, através do acesso e arquivo de dados, informações e

documentos que considerar necessários e apropriados, bem como auditorias periódicas. Ver a este

propósito Despacho n. º721/2006 (2ªsérie), Diário da República, Série II, nº8, de 11 de Janeiro de

2006.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

62

CAPÍTULO 4

TAXAS MODERADORAS

4.1 Racionalização da Procura

Quando os países adoptaram um sistema de saúde de cobertura universal, esperava-se uma

diminuição na despesa pública com a saúde. Contudo, os prognósticos falharam e a

situação oposta tornou-se real (Mateus 1996).

A situação de enfraquecimento económico que muitos países da velha Europa atravessam,

como o que presentemente permeia o nosso país, tem agudizado os dilemas que se

apresentam ao sistema de saúde. O controlo dos gastos alcançou uma importância

crescente na política de saúde actual (Pinto e Aragão 2003).

O aumento de custos na área da saúde pode explicar-se de diversas formas (Beresniak e

Duru 1999, Parecer 14/CNECV/95, Medici 1995, Mateus 1996, Galope 2006):

Pelo aparecimento constante de novas técnicas que suscitam a especialização

crescente dos médicos e o desenvolvimento de novos medicamentos sem que os

mais antigos sejam retirados do mercado;

Pelo aumento da procura de saúde das populações que beneficiam cada vez mais de

seguros de doença públicos ou privados, e cuja taxa de envelhecimento é crescente

(o que aumenta a frequência das patologias crónicas e degenerativas que se

apresentam bastante onerosas);

Pela evolução do modo de vida que se traduz na afectação de uma parte dos

recursos cada vez mais reduzida à alimentação e cada vez mais elevada ao lazer e à

saúde;

Pelo aparecimento de novos flagelos (SIDA, cancro)68

;

68

Em 2005, o SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirira) e o cancro foram responsáveis por

70% dos gastos dos hospitais em medicamentos. Ver a este propósito Galope F: “Check-up” aos

dinheiros do SNS. “Portugal, Saúde”, Visão, 23 de Novembro; 2006: 56-58.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

63

Causas decorrentes da própria sociedade, tais como o aumento das doenças devido

à poluição, o aumento do número de alcoólicos, fumadores e de consumidores de

drogas;

Pelo aparecimento da Medicina Preventiva que gera uma procura premente por

parte do público (duplicação de exames com a realização de exames anuais ou

semestrais e o alargamento do plano de vacinação);

Pelo grande desenvolvimento da demografia médica, responsável pela procura

induzida;

Pela forte medicalização dos problemas sociais, associada à falta de estruturas de

acolhimento adequadas (centros de dia, lares, instituições de acolhimento);

Pelo desenvolvimento inexorável de numerosas formas de esbanjamento de

recursos.

Perante tal cenário, tornou-se necessário adoptar medidas de controlo ou de contenção de

custos, tais como o racionamento explícito (limitação das despesas em itens precisos, como

por exemplo, o controlo na aquisição de tecnologia) ou implícito (limitação no Orçamento

para a Saúde, existência de listas de espera, a triagem de pacientes no serviço de urgência),

ou a maior comparticipação dos consumidores nos custos de saúde (como por exemplo o

pagamento de taxas moderadoras). O objectivo destas medidas é aumentar a eficiência dos

serviços, sem que haja prejuízos na eficácia ou na efectividade (Pinto e Aragão 2003).

Os co-pagamentos constituem uma medida explícita do lado da procura adoptada na

Europa, sendo que nesta modalidade os consumidores pagam, no momento de consumo,

uma proporção das despesas com cuidados de saúde (Miguel e Costa 1997). Segundo

Medici (1995), muitos autores defendem que com os co-pagamentos há uma mudança no

comportamento dos indivíduos pois permite que valorizem mais o que consomem.

Contudo, segundo o mesmo autor, os co-pagamentos apresentam carácter regressivo, pois

os indivíduos mais penalizados são os que dispõem de menores recursos.

Outras das medidas explícitas adoptadas do lado da procura são a redução ou racionamento

dos benefícios fiscais e os tectos máximos. Nesta última, o Estado estabelece um tecto a

partir do qual não comparticipa, como acontece por exemplo, nos genéricos.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

64

Do lado da oferta ocorreu também um maior controlo dos investimentos e uma maior

limitação na despesa. Assim, com a existência de um limite no orçamento (medida

implícita do lado da oferta), os hospitais vão procurar evitar o desperdício e escolher as

inovações técnicas ou terapêuticas que apresentem uma boa relação custo-eficácia

(Beresniak e Duru 1999). Os limites orçamentais têm sido talvez a mais comum e eficaz

das medidas adoptadas pelos políticos de saúde na Europa para controlar os encargos.

Estes são facilmente implantáveis em sistemas tipo SNS ou no sector hospitalar dos

sistemas de seguro-doença (Campos 1990). Segundo a OCDE (1992), o orçamento é uma

condição necessária para assegurar uma contenção duradoura das despesas, apesar de não

ser suficiente. Associada a esta medida surge também o controlo do número de camas

hospitalares. Isto porque, segundo a lei Roemer (década de 60), “a bed build is a bed

filled”, e, na verdade, o que se verifica é que quanto maior for a oferta maior será a

procura. A limitação do aumento do número de camas hospitalares constitui um meio fácil

e eficaz de controlar a oferta de cuidados. Em termos práticos, verifica-se que quantos mais

hospitais ou clínicas existirem numa dada região, maior é o número de pacientes

hospitalizados, já que se dilatam os critérios de admissão ao internamento (Pereira 1993,

Beresniak e Duru 1999, Pauly 2004).

A introdução de novas formas de gestão hospitalar, a que também se tem assistido em

Portugal, nomeadamente a empresarialização dos hospitais e a subsequente introdução de

novos mecanismos de financiamento hospitalar (nomeadamente a introdução do contrato-

programa) têm conduzido a ganhos de eficiência (Álvares 2005), o que também representa

uma medida de contenção de custos explícita do lado da oferta.

Associada ao controlo de investimentos surge a regulação do uso de tecnologias. Estas vão

sendo introduzidas paulatinamente no país, sendo que cada vez mais se deseja adoptar

tecnologias cuja eficácia seja comprovada e que tragam real benefício para a sociedade

(Nunes e Rego 2002). Os métodos para a avaliação da tecnologia médica vão desde a

análise clínica e epidemiológica até à económica, mas todos obedecem ao objectivo de

facultar informações aos decisores confrontados com as limitações orçamentais crescentes

(Campos 1990).

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

65

Podemos ainda salientar o limite do número de estudantes de Medicina e de médicos no

nosso país como uma medida que visa o controlo na oferta. O numerus clausus para o

acesso às faculdades de Medicina está presente no nosso país e representa também uma

medida de contenção de custos explícita do lado da oferta (Pinto e Aragão 2003). Em

países como Itália, onde não existiam restrições no acesso às faculdades, existem cerca de

50 000 médicos no desemprego (Medici 1995, Rochaix 1990). As razões que movem os

governos são mais fortemente as de limitar o acréscimo de gastos induzidos por novas

gerações de clínicos que as preocupações de lhes manter rendimentos tradicionalmente

elevados (Campos 1990).

A forma de pagamento aos profissionais de saúde também pode ser considerada como um

mecanismo gerador de maior ou menor eficiência, regulador da oferta e potenciador de

maior ou menor nível de qualidade. No que se refere à remuneração dos prestadores,

existem três modelos: o pagamento ao acto69

, a capitação70

e o salário. Os dois primeiros

correspondem a uma ideologia liberal e o pagamento por salário diz respeito a uma

ideologia de igualdade de acesso a todos os tipos de cuidados para toda a população.

O pagamento ao acto incentiva a produtividade. Contudo, poderá haver perdas na prática

de actos com a melhor qualidade (Rodriguez et al 2008). Estimula o consumo de

medicamentos e os actos com recurso a tecnologia, existindo liberdade total do utente para

escolher o seu médico. Pode surgir uma tendência para a prestação de um grande número

de consultas ainda que de pouca qualidade. A capitação não permite o acesso directo a

especialistas, e tende assim a melhorar a distribuição geográfica de prestadores. O médico

é incentivado a inscrever muitos doentes na sua lista e a minimizar tempo e trabalho para

cada doente, o que se pode traduzir numa perda de qualidade, havendo o risco de

ocorrerem práticas de desnatagem. Também há o risco de ocorrência de uma duplicação do

69

Sistema de remuneração que consiste do pagamento por cada acto prestado, de acordo com uma

tabela pré-estabelecida. Ver a este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e

Conceitos. Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho n.º 1, Lisboa,

1993. 70

Sistema de remuneração onde o médico ou instituição de saúde recebem um pagamento fixo por

utente inscrito na sua lista, independentemente da quantidade de serviços a prestar. Ver a este

propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos. Associação Portuguesa

de Economia da Saúde, Documento de trabalho n.º 1, Lisboa, 1993.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

66

número de consultas pelo escasso tempo que cada consulta tenderá a demorar (Pereira et al

2001, Rodriguez et al 2008).

O salário permite que os médicos reduzam as suas actividades sem que isso lhes acarrete

qualquer custo. Se o trabalho é acumulável com a prática privada, há uma tendência para

dedicar mais interesse a esta última, e o desvio de doentes para o sector privado (Pereira et

al 2001, Delgado 1999). Em princípio garante a toda a população o mesmo tipo de

cuidados, mas não cultiva a relação médico-doente. Esta é também a forma de pagamento

geradora de menores ganhos de eficiência (Pereira et al 2001).

A maioria dos países opta por sistemas mistos na forma de remuneração pois desta forma

poderão moderar a tendência para tratamentos excessivos e atenuar algumas dificuldades

do regime de salário.

A regulação da prática médica e a existência de guidelines terapêuticas é igualmente um

mecanismo que visa o controlo da oferta na medida em que quer a limitação nas

prescrições quer a existência de normas respeitantes aos procedimentos, respectivamente,

tendem a garantir a eficácia, a eficiência e a efectividade do pessoal médico e conduzem a

uma padronização dos cuidados (Rochaix 1990, Rodriguez et al 2008).

Por fim salientamos uma medida implícita que parece ter surtido grande impacto na

procura de cuidados de saúde é a triagem de pacientes no serviço de urgência. Na verdade,

o “Manchester Protocol”71

adoptado em Portugal parece ter desencorajado as falsas

urgências (Pinto e Aragão 2003).

71

A Triagem de Manchester, como é designada em Portugal, define que a cada paciente admitido

no serviço de urgência seja atribuída uma cor que corresponde à gravidade da sua situação. As

cores são vermelho, laranja, amarelo, verde e azul que correspondem, respectivamente, às situações

de emergente, muito urgente, urgente, pouco urgente e não urgente. Ver este propósito Pinto C G,

AragãoF: Health Care Rationing in Portugal, a retrospective analysis. Associação Portuguesa de

Economia da Saúde, Documento de Trabalho nº1, 2003.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

67

4.2 Papel das Taxas Moderadoras

Como já foi referido, o crescimento exponencial dos gastos com a saúde ocorridos nas

últimas décadas levou a que os governos adoptassem medidas de contenção de custos.

Segundo Medici (1995), Donaldson e Gerard (1993), as distorções que levam ao aumento

dos gastos na saúde e ao potencial excesso de procura devem-se essencialmente a dois

factores: ao comportamento dos utilizadores, pela quase ausência de custos que têm de

suportar no acto de consumo de cuidados, e ao comportamento dos prestadores. Desta

forma assistimos a um “risco moral” dos prestadores que encoraja o “risco moral” dos

doentes. Na verdade, se não existissem medidas de racionamento impostas pelo governo,

quer os prestadores quer os utentes não tinham qualquer incentivo para economizar no

tratamento (Mossialos e Le Grand 2001).

O “risco moral” dos prestadores pode resultar de uma simples falta de conhecimento dos

custos associados ao tratamento ou resultar da forma de pagamento aos médicos em que,

tal como já foi referido anteriormente, o pagamento ao acto incentiva para a indução da

procura já que os médicos poderão prestar cuidados em excesso (Sorkin 1984).

Como também já foi referido anteriormente, o problema dos sistemas gratuitos ou

tendencialmente gratuitos, relaciona-se com o risco moral na utilização de cuidados de

saúde, que tendem a ser superiores ao necessário (Farnsworth 2006). Se o doente fosse um

consumidor soberano, a quantidade de serviços adquiridos seria aquela em que o benefício

marginal igualasse o custo marginal72

. Se não existisse qualquer esquema de cobertura de

riscos, o resultado do mercado seria a aquisição da quantidade ao preço (Campos 1990,

Donaldson e Gerard 1993).

72

O custo marginal corresponde ao acréscimo ou custo adicional no custo total, resultante do

incremento de uma unidade no volume de produção. Em economia, o termo marginal significa

“extra”, “adicional”. Ver a este propósito Frank R H: Microeconomia e Comportamentos, 6ª

edição. Trad. Mª do Carmo Seabra, Mc Graw Hill, Lisboa, 2006.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

68

Uma das medidas racionalizadoras adoptada na Europa foi a introdução de co-pagamentos,

quer sob a forma de co-financiamento directo, quer sob a forma de dissuasores ao consumo

suposto desnecessário (taxas moderadoras). O objectivo mestre da introdução dos co-

pagamentos, dos quais as taxas moderadoras são exemplo, é então a diminuição deste

“risco moral” do lado da procura, observável em qualquer situação onde o terceiro pagador

cobre os riscos (Del Nero 1995, Mossialos e Le Grand 2001).

Segundo Mossialos e Le Grand (2001), os problemas que advêm do “risco moral” podem

ser reduzidos, através da realização do co-pagamento pela utilização do serviço de saúde

público, uma vez que este reflecte uma parte dos custos dos cuidados médicos prestados.

Segundo os mesmos autores, os co-pagamentos poderão ter dois efeitos: a redução da

procura de cuidados “fúteis” ou “desnecessários” e o aumento das receitas para a prestação

de cuidados de saúde.

Pereira (1993) define co-pagamento como uma parte proporcional ou fixa do custo total de

determinada prestação de saúde, paga pelo utente, sendo as taxas moderadoras um dos

exemplos mais comuns.

A lógica do co-pagamento prevê que todo e qualquer serviço deveria ser em parte custeado

pelo consumidor. A teoria subjacente é que todos devem ser responsáveis directamente (e

não apenas por via fiscal) pelo financiamento dos sistemas de saúde. Tal prática, modifica

o comportamento dos indivíduos e permite que valorizem o que consomem. Assim, as

taxas moderadoras são clarificadoras do mercado pois, apesar do valor a desembolsar pelo

utente no acto de consumo de cuidados de saúde ser bastante inferior ao preço real do

serviço prestado, essa taxa adquire a natureza de um “preço”, o que de algum modo aclara

o mercado.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

69

O modelo teórico subjacente a esta inibição de consumo por intermédio da aplicação de um

“preço” é representado por Campos (1990), através da seguinte representação gráfica:

Fig. 1- Sistema de saúde com preço zero e com co-pagamento.

Fonte: Campos A C: Taxas Moderadoras, Dissuasão e Restrição. Crise da solidariedade ou crise do

sistema de financiamento? “Em foco”: Revista Portuguesa de Saúde Pública n.º 1; Lisboa, 1990:

13-17.

De acordo com este autor, se o doente fosse soberano nas suas opções de consumo de

cuidados de saúde, a quantidade de serviços adquiridos seria aquela em que o seu benefício

marginal (BM)73

igualasse o custo marginal (CM). Numa situação em que não exista um 3º

pagador, ignorando os efeitos externos, o resultado do mercado será a aquisição da

quantidade Qm de cuidados ao preço P1. Se o sistema 3º pagador cobrir todos os gastos

(ou seja, o preço no acto de consumo é zero) a tendência será para que o utilizador

consuma o montante Qs. Este facto vai gerar uma perda de eficiência e uma

correspondente perda de bem-estar social representadas pelo triângulo XYQs. Se passar a

existir um pagamento no acto de consumo e se esse pagamento corresponder a 50%

admite-se, então, que a quantidade procurada passe para Qs`, reduzindo-se a ineficiência

do sistema demonstrada pelo triângulo XY`0.

73

O benefício marginal corresponde ao benefício gerado pela produção de uma unidade de um

determinado bem. Ver a este propósito Ver a este propósito Frank R H: Microeconomia e

Comportamentos, 6ª edição. Trad. Mª do Carmo Seabra, Mc Graw Hill, Lisboa, 2006.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

70

Este raciocínio apresenta, porém, grandes limitações, dado que na prática existem diversas

variáveis insusceptíveis de serem avaliadas ou controladas em termos absolutos e

definitivos. É o caso dos níveis de externalidades, das opções individuais e dos limites

orçamentais para a saúde.

Lucas (1990) define a taxa moderadora como uma taxa reserva, isto é, uma taxa cujo

rendimento serve para financiar uma actividade específica do governo, neste caso a

prestação de cuidados de saúde, e que desempenha habitualmente um papel marginal

enquanto fonte de receitas para o Estado.

As taxas moderadoras apresentam como principal objectivo a redução do consumo

considerado excessivo, procurando desta forma evitar o consumo supérfluo de cuidados de

saúde (Grabka et al 2006). Porém, o risco da taxa moderadora é o de baixar a

resolubilidade do sistema, uma vez que o agente da procura não sabe muitas vezes

diferenciar se necessita ou não de cuidados de saúde, e o arbítrio pode inibir, para quem

não pode pagar, o consumo necessário (Pauly 2004). Não restam dúvidas que os co-

pagamentos apresentam um carácter regressivo, penalizando mais as pessoas de baixos

recursos (Medici 1995).

A Lei de Bases da Saúde74

afirma que as taxas moderadoras surgem com o “objectivo de

completar as medidas reguladoras do uso de serviços de saúde” e “constituem também

receita do Serviço Nacional de Saúde” (Base XXXIV). Por sua vez, o Decreto-Lei n.º

173/200375

considera o pagamento da taxa moderadora como um meio que permite

introduzir “um princípio de justiça social no próprio acesso”.

Em Portugal as taxas moderadoras foram adoptadas em 1981 em alguns serviços tais

como, por exemplo, na realização de exames complementares de diagnóstico (excluindo os

74

Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei n.º27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. 75

Decreto-Lei n.º 173/2003: Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde.

Diário da República, Série I-A, n.º176 de 1 de Agosto de 2003. Este Decreto-Lei encontra-se nos

anexos deste trabalho.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

71

realizados numa situação de internamento) e em tratamentos de Fisioterapia. Em 1995

representavam 1% das receitas dos estabelecimentos de saúde (Pereira et al 2001).

Actualmente, e segundo a Portaria n.º 395-A/200776

, as taxas moderadoras são cobradas na

realização de exames complementares de diagnóstico e terapêutica, em qualquer consulta

médica, na admissão ao serviço de urgência e na admissão para cirurgia de ambulatório77

.

O pagamento da taxa moderadora em cirurgia de ambulatório é devido à intervenção

cirúrgica78

.

Foram igualmente inseridas taxas moderadoras no internamento79

. Assim, todos os

episódios de internamento ocorridos após 1 de Abril de 2007, foram alvo de cobrança de

taxa moderadora80

(IGIF- Circular Normativa). Em internamento a taxa moderadora

apenas é cobrada nos 10 primeiros dias de internamento81

, o que salvaguarda o pagamento

de taxa após os 10 dias, evitando que a despesa ultrapasse os 51 Euros (valor

correspondente a 10 dias de internamento).

Dada a divergência de opiniões no que envolve a implementação das taxas moderadoras,

seguidamente será feita uma abordagem dos principais argumentos, quer a favor, quer

76

Os valores de taxa moderadora fixados pela Portaria 395-A/2007, de 30 de Março sofreram uma

actualização de 2,1% pelo que os seus novos valores foram aprovados pela Portaria n.º1635/2007,

de 31 de Dezembro. 77

Por cirurgia em ambulatório entende-se: a intervenção cirúrgica programada, realizada sob

anestesia geral, locorregional ou local que, embora habitualmente efectuada em regime de

internamento, pode ser realizada com permanência do doente inferior a vinte e quatro horas; Ver a

este propósito o artigo 5º da Portaria n.º 395-A/2007. A taxa moderadora da cirurgia em

ambulatório é de 10,20 Euros. A este respeito consultar Portaria n.º 1637/2007 de 31 de Dezembro. 78

Por intervenção cirúrgica entende-se: um ou mais actos operatórios com o mesmo objectivo

terapêutico e ou diagnóstico, realizado por cirurgião em sala operatória, na mesma sessão, sob

anestesia geral, locorregional ou local, com ou sem a presença de anestesista. Ver a este propósito o

artigo 5º da Portaria n.º 395-A/2007, que se encontra nos anexos deste trabalho (anexo II). 79

Por internamento entende-se: o conjunto de serviços que prestam cuidados de saúde a indivíduos

que, após serem admitidos, ocupam cama (ou berço de neonatologia ou pediatria) para diagnóstico,

tratamento ou cuidados paliativos, com permanência de, pelo menos, vinte e quatro horas; Ver a

este propósito o artigo 5º da Portaria n.º 395-A/2007 (anexo II do trabalho). 80

A Circular Normativa nº1 de 16/04/2007 do IGIF é um documento informativo que esclarece o

modo como deve ser realizada a contagem dos dias de internamento e o momento da cobrança da

referida taxa. 81

O valor da taxa moderadora por dia de internamento é de 5,10 Euros (nos primeiros dez dias). A

este respeito consultar Portaria n.º 1637/2007 de 31 de Dezembro onde são apresentados os valores

das taxas moderadoras em vigor.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

72

contra a sustentabilidade e operacionalidade deste instrumento financeiro. Dificilmente são

levados a cabo estudos que medem o impacto dos co-pagamentos na procura de cuidados

de saúde em Portugal (Pereira et al 2001), daí que se torne mais complicada a análise do

impacto deste tipo de co-pagamento na procura e oferta de cuidados de saúde.

4.2.1 Argumentos a Favor

No que se refere à racionalização da procura podemos afirmar que a existência de “um

preço” no momento da utilização dos cuidados de saúde incentiva os consumidores a

ponderarem conscientemente os benefícios e custos esperados do consumo de

determinados cuidados. Tal facto poderá permitir que os cuidados desnecessários

diminuam, havendo uma maior efectividade e controlo dos gastos.

No que se refere à dissuasão do consumo, Barros (2006) e Lucas (1990) referem que, num

estudo americano apresentado por Newhouse em 1993, em que eram atribuídos às famílias

diferentes planos de seguros, as famílias cujo co-pagamento por parte dos indivíduos era

mais elevado foram as que consumiram menos cuidados de saúde, sendo as famílias que

apresentavam planos de saúde com melhor cobertura as que consumiam mais cuidados de

saúde. Portanto, este estudo apresenta como conclusão que o co-pagamento tem um efeito

considerável no nível das despesas médicas – sendo que com co-seguro variável de 95%

até gratuito, as despesas médicas aumentam em 50%. Deste estudo experimental sai a

grande conclusão de que os preços e a taxa de co-seguro são elementos que influenciam de

forma importante a procura de cuidados médicos. Esta conclusão é também apoiado por

Barros (2006) pois este autor afirma que, embora seja habitual o argumento de que a saúde

não tem preço, a estimação de funções procura permite evidenciar que as pessoas,

enquanto consumidoras de cuidados médicos, também reagem aos incentivos económicos

ditados pelos preços, tal como na generalidade dos sectores. De modo similar à análise

microeconómica habitual, existem outros factores, para além do preço, que afectam a

procura.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

73

Os estudos de Goldman et al (2007)82

e Page et al (2008),83

que analisam o impacto do

aumento do custo dos medicamentos para o utente e a aquisição dos mesmos, concluem

que o aumento do valor a desembolsar pelo utente, portador de uma doença crónica,

acarreta um decréscimo no consumo de medicamentos ou leva à prática de uma terapia

medicamentosa descontínua. Estes estudos revelam que também no sector da saúde se

verifica sensibilidade à alteração de preço, ou seja, a procura não se mantém inelástica ou

rígida perante as alterações de preço.

Também Winkelmann (2004) 84

e Grabka et al (2006)85

referem nos seus estudos que a

introdução ou aumento de co-pagamentos reduziu o número de consultas médicas, não

apresentando, contudo, referências quanto à existência de segmentos da população mais

afectados pela introdução ou aumento dos co-pagamentos. Do mesmo modo, Giraldes

(1997a) afirma que a elasticidade da procura, à partida, não é significativa no sector da

saúde, uma vez que se trata de um bem de primeira necessidade. Contudo, os mais pobres

alteram o seu comportamento perante o pagamento de taxa moderadora, ocasionando

graves problemas de equidade.

82

Este estudo apresenta uma revisão bibliográfica, para a qual os autores seleccionaram 132 artigos

de um total de 923. Os artigos seleccionados analisavam a associação entre as prescrições médicas

e as medidas de contenção de custos tais como co-pagamentos, benefícios fiscais e limites nas

prescrições (tectos máximos) e o impacto da sua implementação no sector da saúde. Ver a este

propósito Goldman D P, Joyce G F, Zheng Y: Prescription drug cost sharing: associations with

medication and medical utilization and spending and health. JAMA: the journal of the American

Medical Association, vol. 298, n.º1, Jul; 2007: 61-69. 83

Este estudo também apresenta uma revisão bibliográfica, para a qual se seleccionaram 7 artigos

de um total de 61. O objectivo foi o de explorar o impacto do aumento dos custos para os idosos na

aquisição de medicamentos. A este propósito ver Page R L, Barton P, Nair K: Effect of cost-

sharing for prescription medications on health outcomes in older adults, a critical review of

literature and potential implications for managed care. Consult Pharm, vol 23, n.º1 Jan; 2008: 44-

54. 84

O estudo de Winkelmann revela que a reforma do sistema alemão permitiu analisar o efeito do

aumento dos co-pagamentos na realização de consultas médicas. Ver a este propósito Winkelmann

R: Co-payments for prescription drugs and the demand for doctor visits-evidence from a natural

experiment. Health Economy, vol. 13 n.º11, Nov.; 2004: 1081-1089. 85

O estudo de Grabka, Schreyogg e Busse analisa o impacto da introdução do co-pagamento de 10

Euros aquando do primeiro contacto com o médico após 1 de Janeiro de 2004. O estudo compara o

número de contactos médicos no ano 2003 e 2004 (antes e após a introdução do co-pagamento).

Ver a este propósito Grabka M M, Schreyogg J, Busse R: The impact of co-payments on patient

behaviour: evidence from a natural experiment. Med Klin, vol. 15 n.º 6, Jun; 2006: 476-483.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

74

Do lado da oferta também poderá ocorrer racionalização, na medida em que os

profissionais de saúde se tornam mais responsáveis e conscientes no momento da

prescrição, isto porque sabem que o consumidor tem que pagar uma parte dos custos na

utilização de cuidados e compra de medicamentos (Mateus 1996). Este argumento

pressupõe que os profissionais de saúde actuam como agentes perfeitos, ou seja, na

ausência de “procura induzida”.

Outro dos argumentos a favor da implementação das taxas moderadoras é o aumento das

receitas no sector da saúde. Tal facto é referido na Lei de Bases da Saúde ao afirmar que as

taxas moderadoras “constituem receita do Serviço Nacional de Saúde”. Pereira (1987)

salienta que estudos realizados no estrangeiro mostram que a introdução ou aumento dos

preços é uma medida relativamente eficaz se se pretenderem aumentar as receitas, embora

estas aumentem sempre em menor percentagem que os preços. Este facto contribui ainda

para uma maior autonomia dos sistemas locais de saúde, dada a retenção das receitas no

ponto da colecta.

O facto do utente “pagar” no acto de consumo, permite muitas vezes que este se torne mais

exigente na qualidade dos serviços prestados (Mateus 1996). Isto porque o doente sente

que está a pagar duplamente pelo serviço prestado (impostos e taxa moderadora). As taxas

moderadoras apresentam também a vantagem de serem de fácil implementação e de fácil

compreensão.

Por último referimos ainda que, pelo facto do valor da taxa ser diferenciado consoante o

serviço prestado permite que o agente da procura avalie de forma mais correcta qual o

serviço a que deve recorrer, sendo que, por exemplo, o valor da taxa moderadora de uma

consulta de urgência ao ser cerca de quatro vezes mais elevado que o de uma consulta no

centro de saúde pode desencorajar o utente de recorrer às urgências.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

75

4.2.2 Argumentos Contra

No que respeita à acção racionalizadora dos co-pagamentos, a Associação Portuguesa de

Economia da Saúde (1997)86

considerou que é significativa a componente de co-

pagamento já existente pelo que o seu aumento não deve ser já encarado como um meio de

financiamento dos cuidados de saúde. A mesma Associação sugere que seria mais eficaz a

introdução de incentivos e penalizações aos prestadores que o aumento das taxas

moderadoras. Isto porque o médico pode induzir a procura de cuidados, sem ser ele,

todavia, quem paga a taxa moderadora. Não é portanto de estranhar que, muitas vezes, o

consumo de medicamentos e o uso de meios complementares de diagnóstico dependam

também do comportamento do médico. Giraldes (1997b) corrobora esta opinião ao revelar

que o número de médicos é mais elevado nos locais onde existe um maior número de

camas, sendo também nestes locais que ocorre um maior consumo de cuidados per capita.

Apesar do aumento das receitas, as taxas moderadoras apresentam também custos de

administração. Pereira (1987) refere que se deve considerar que um sistema de taxas

moderadoras tem os seus próprios custos de administração, embora estes raramente sejam

contabilizados. Eles tenderão a ser mais elevados quanto mais complexo for o sistema de

isenções e quando se tratar da introdução de novas taxas. Também Mossialos e Le Grand

(2001) afirmam que a implementação de sistemas de co-pagamento tendem a ser

complexas e dispendiosas.

A ignorância do consumidor leva a que por vezes possa existir um adiamento ou

transferência de cuidados. Ou seja, por desconhecimento da gravidade da situação, nada

garante que a parcela de cuidados que é reduzida seja a parcela desnecessária ou inútil. Do

mesmo modo um adiamento de cuidados, pelo facto do indivíduo considerar que não

necessita no momento, pode levar a que posteriormente os cuidados prestados sejam mais

dispendiosos, caso a situação apresente maior gravidade (por exemplo os indivíduos não

utilizam consultas de clínica geral e mais tarde recorrem às urgências hospitalares,

86

O documento 4/97 da Associação Portuguesa de Economia da Saúde “Financiamento da Saúde

em Portugal” diz respeito a um resumo de um debate organizado pela referida associação que

pretendia dar resposta a um pedido de esclarecimento do Conselho de Reflexão sobre a Saúde.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

76

necessitando já de internamento). A este exemplo podemos referir o estudo de Page et al

(2008) que demonstra que no caso de doentes crónicos, o aumento do preço dos

medicamentos pode conduzir à prática descontínua ou não adesão da terapia

medicamentosa, o que poderá favorecer a ocorrência de maior número de consultas e

internamentos. Também Pauly (2004) refere que a maioria dos estudos revelam que a

existência de co-pagamentos pode reduzir o consumo de medicamentos em casos não

essenciais e essenciais.

Este adiamento de cuidados é mais frequente em indivíduos pertencentes a um estrato

sócio-económico mais desfavorecido. Isto porque, o valor a desembolsar como taxa

moderadora pode não levar os cidadãos com nível sócio-económico mais confortável a

alterar, duma forma significativa, as suas decisões sobre o tipo de cuidados de saúde, a

quantidade e a oportunidade de os consumir. Por outro lado, o contrário se passará com os

grupos sociais mais desfavorecidos. Quanto menor o rendimento do cidadão, mais adverso

o efeito das taxas moderadoras sobre a utilização de cuidados de saúde. Taxas moderadoras

independentes do nível de rendimento do utilizador têm a natureza de taxas regressivas e

como tal não garantem a equidade, isto é, idêntico tratamento dos contribuintes com

semelhante capacidade tributária (Lucas 1990). Assim sendo, as taxas moderadoras

poderão gerar desigualdades apesar do vasto regime de isenções previsto na Lei87

.

Estudos citados por Donaldson e Gerard (1993), sobre o impacto da introdução de uma

taxa moderadora nas consultas de ambulatório para beneficiários da Medicaid da

Califórnia, revelam que houve uma diminuição do nível de consultas e um subsequente

aumento na procura hospitalar, o que acarretou um acréscimo da despesa global. Também

Beresniak e Duru (1999) afirmam que o aumento das taxas moderadoras, em 1972, no

Estado da Califórnia, conduziu a uma diminuição de 8% na procura de consultas e a um

aumento de 17% no nível de hospitalização entre as populações mais desfavorecidas,

apesar da insignificante quantia do valor a desembolsar como taxa moderadora.

87

O regime de isenções em Portugal está aprovado nos Decretos-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto

e 201/2007, de 24 de Maio. Para a análise destes decretos consultar os anexos deste trabalho.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

77

Quanto ao regime de isenções, este não garante o objectivo da justiça social de Rawls, isto

porque a inelasticidade da procura por parte dos mais favorecidos não permite a libertação

de recursos para os menos favorecidos (Pereira 1987). Aqui surgem duas opções, ou existe

um vasto regime de isenções, e nesse caso tornam o sistema caro e as receitas

insignificantes, ou as isenções são limitadas e selectivas não garantindo o objectivo de

justiça social (Lucas 1990).

Em síntese podemos verificar que estes argumentos revelam, de uma forma genérica, a

controvérsia gerada em torno da temática das taxas moderadoras. Defendidas por uns,

contestadas por outros, a verdade é que ao principal objectivo da sua implementação

(racionalização da procura e aumento de receitas, segundo a Lei de Bases da Saúde)

surgem inúmeros contra argumentos que reduzem o propósito para o qual foram criadas.

Como fonte de receitas, o seu contributo é baixo e, quanto mais amplo o regime de

isenções, menor será o seu contributo ou os não isentos tenderão a pagar mais, sendo que

dos não isentos fazem parte inúmeras famílias com dificuldades económicas. No que

concerne à redução da procura, as taxas moderadoras vêem o seu efeito condicionado, pois

os indivíduos de maiores recursos mantêm uma procura inelástica, sendo as classes menos

favorecidas as mais penalizadas. Em último caso temos também o papel do profissional de

saúde que, devido à relação de agência, pode influenciar a própria procura de cuidados de

saúde. Mossialos e Le Grand (2001) afirmam que a maioria dos autores que têm estudado a

operacionalidade dos sistemas de co-pagamentos se revelam cépticos em relação aos seus

resultados práticos.

4.3 Efeito das Taxas Moderadoras na Procura de Cuidados de Saúde no

Serviço de Urgências

O serviço de prestação de cuidados de saúde, cujo valor de taxa moderadora é mais

elevado, é as urgências. Assim sendo, o seu valor é de 3,60 Euros, 8,20 Euros ou 9,20

Euros se se tratar de uma consulta de urgência num centro de saúde, num hospital distrital

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

78

ou central (Portaria 1635/2007)88

, respectivamente. Contudo, até à implementação da taxa

moderadora, surgiam neste serviço indivíduos que não necessitavam verdadeiramente de

uma consulta de urgência. A realidade é que muitos viam neste sector uma “porta de

entrada no SNS”; outros recorriam a este serviço por uma forma de comodismo, evitando o

tempo de espera por uma consulta de medicina geral e familiar e tendo a possibilidade de

realizar exames complementares de diagnóstico de forma rápida e gratuita (Pereira et al

2001).

A apoiar tal facto, Botelho (1997) no seu estudo “Equidade na Utilização de Cuidados de

Saúde – estudo da lista de espera para a consulta externa de ginecologia no Hospital

Distrital de Aveiro” conclui que as urgências surgem como válvula de escape da lista de

espera, sendo referida por 13% das pessoas como a forma de conseguirem uma cirurgia

mais rápida. Por outro lado, há situações em que o utente necessita de uma consulta de

urgência mas não recorre à mesma. Como afirma Pereira (1987), “o que acontece é que

devido à ignorância do consumidor nada nos garante que seja a parcela da procura

“desnecessária” que venha a ser moderada com a aplicação das taxas moderadoras”

A procura de serviços de urgência pode ser classificada em três categorias (Barros89

1992,

cit. Castilho 2003): urgências verdadeiras90

, urgências do ponto de vista individual91

e

falsas urgências92

.

88

O valor das taxas moderadoras vigentes no SNS está aprovado pela portaria n.º1631/2007, que

entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2008. Ver Portaria n.º1635/2007, Diário da República, Série I,

nº251, 31 de Dezembro de 2007. 89

Ver a este propósito Castilho A: Taxas Moderadoras, Influência no Acesso ao Serviço de

Urgência. “Ciência e Técnica”, Revista Sinais Vitais, n.º 21; 1998: 15-18. 90

Corresponde às situações que necessitam de tratamento imediato e que devem ser tratadas no

serviço de urgência. Ver a este propósito Castilho A: Taxas Moderadoras, Influência no Acesso ao

Serviço de Urgência. “Ciência e Técnica”, Revista Sinais Vitais, n.º 21; 1998: 15-18. 91

Diz respeito a situações que do ponto de vista médico não necessitariam de ser tratadas num

serviço de urgência, mas que, por desconhecimento do próprio utente relativamente à gravidade do

seu estado de saúde, levam a que opte pela procura do serviço de urgência; Ver a este propósito

Castilho A: Taxas Moderadoras, Influência no Acesso ao Serviço de Urgência. “Ciência e

Técnica”, Revista Sinais Vitais, n.º 21; 1998: 15-18. 92

Pode ser definida como as situações em que o indivíduo sabe que não necessita de recorrer ao

serviço de urgência, mas que por comodidade ou preferência opta por recorrer a este serviço. Ver a

este propósito Castilho A: Taxas Moderadoras, Influência no Acesso ao Serviço de Urgência.

“Ciência e Técnica”, Revista Sinais Vitais n.º 21; 1998: 15-18.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

79

Castilho (1998) apresenta um estudo realizado no Serviço de Urgência do Hospital do

Arcebispo de São Crisóstomo, em Maio de 1997, com uma amostra de 145 indivíduos,

onde se pretendia averiguar se o pagamento de taxa moderadora limitava de forma

consistente a procura de cuidados de saúde no serviço de urgência. Este estudo refere que,

apesar da legislação prever um vasto regime de isenções, existe uma percentagem

considerável da população (22,68%) que refere ter limitado o acesso ao serviço de urgência

em consequência do pagamento da taxa moderadora, o que traduz eventualmente alguma

iniquidade no acesso. População esta provavelmente pertencente a famílias de rendimento

baixo-médio com mais de 2 ou 3 filhos, sendo que, do total da amostra, 55,9% eram

isentos. No que respeita ao principal motivo de recorrência ao serviço de urgência, foi

apontada a doença súbita seguida pela doença com alguns dias de evolução, revelando

estes dados que muitos indivíduos recorrem ao serviço de urgência sabendo que a situação

não o justifica (17,9% reconhecem que o seu quadro clínico não tem necessidade de ser

tratado no serviço de urgência) e que apenas 8,3% da amostra total procurou cuidados

noutro local.

Este estudo conclui que a introdução de taxas moderadoras não limitou de forma

consistente a procura de cuidados no serviço de urgência. Apesar disso, este mesmo

trabalho perde alguma aplicabilidade no momento presente pois o valor a desembolsar há 9

anos numa consulta de urgência era bastante inferior ao actual.

Pereira (1987) apresenta uma opinião antagónica à conclusão do estudo apresentado por

Castilho, pois considera que, pelo contrário, apenas nos serviços de urgência se notou uma

significativa redução na utilização. Também Carapinheiro e Pinto (1987)93

consideram que

a implementação das taxas moderadoras foram responsáveis pelo desencorajamento de

falsas urgências. É de salientar que, como já foi referido no primeiro ponto deste capítulo,

nos serviços de urgência foi introduzida a Triagem de Manchester que também poderá ter

contribuído positivamente para o desencorajamento das falsas urgências.

93

In Mateus C: Vertical and Horizontal Equity in the Finance of Health Care Services – a

comparative study of user charges in Denmark, Portugal and United Kingdom. Associação

Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de Trabalho n.º 2, 1996.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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4.4 Efeitos das Taxas Moderadoras na Equidade de Acesso

A equidade, conceito intimamente ligado ao de justiça distributiva acarinhado numa

sociedade, é reconhecida como uma das grandes preocupações dos sistemas de saúde

actuais, estando consagrada em diplomas internos como por exemplo na Lei de Bases da

Saúde94

(Base II).

Como foi referido anteriormente, a equidade vertical pressupõe que para se obterem iguais

resultados é necessária a aplicação de tratamentos diferentes perante necessidades que se

apresentam similares, mas em que uma delas, face a situações adversas (por exemplo

desnutrição), requer um acréscimo de cuidados. A equidade vertical harmoniza-se com o

“princípio maximin de Rawls” ao discriminar positivamente os mais desfavorecidos

(Simões et al 2006).

De acordo com Mateus (1996) “é no acto do consumo que se pode falar de equidade (…)

em termos de acesso”. Ora, a partir do momento em que existem grupos sociais que

tendem a limitar a sua procura pelo facto de terem de pagar uma taxa moderadora, pode

afirmar-se à partida que existe alguma iniquidade no acesso. Parece-nos lógico que as taxas

moderadoras, idênticas para todos os grupos sociais, têm um efeito diverso sobre a procura

de cuidados de saúde dos diferentes grupos sociais. Quanto menor o rendimento do

indivíduo, maior será o efeito adverso das taxas moderadoras sobre o seu orçamento.

Beresniak e Duru (1999) e também Lucas (1990) revelam que os estratos sociais de mais

baixo nível sócio-económico são os que apresentam maior tendência para adoecer, tal facto

pode ser entendido se aceitarmos o modelo de Grossman, em que a saúde é vista como um

stock. Assim, indivíduos de mais baixo nível sócio-económico têm menores recursos para a

construção do referido stock (Nunes e Rego 2002).

94

Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei n.º27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. Esta Lei é apresentada no anexo III deste trabalho.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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Barros (2006) sugere igualmente a existência de uma relação entre menores rendimentos e

pior estado de saúde, e assim sendo, são os indivíduos de menores rendimentos que

pagarão mais frequentemente a taxa moderadora, dada a maior necessidade de recorrerem

aos serviços de saúde.

Desta forma verificamos que, além do facto da distribuição da doença ser mais

desfavorável aos grupos de mais baixo rendimento, são estes que carecem de mais

cuidados e os que menos têm possibilidades de pagar as taxas moderadoras (Barros 2005).

Neste mesmo estudo, este autor apurou que são também os trabalhadores de estratos

sociais mais desfavorecidos os que consomem, proporcionalmente às suas necessidades,

menos cuidados de saúde. Tal argumento é também defendido pelas autoras do estudo

“Equidade Horizontal no Sistema de Saúde Português, Sector Público vs Sector Privado”.

Paralelamente, Beresniak e Duru (1999) e Lucas (1990) salientam a existência de uma

sobreutilização dos cuidados pela classe intermédia. A razão deve-se, no seu entender, ao

facto de, contrariamente às classes mais elevadas, as classes intermédias não terem

barreiras psicológicas que lhes inibam o consumo do serviço público de saúde (não

receiam perder o seu prestígio no caso de utilizarem os serviços públicos de saúde) e, ao

contrário das classes mais baixas, as taxas não constituem um obstáculo económico capaz

de lhes racionar a procura.

No caso da subutilização de cuidados de saúde pelos trabalhadores manuais, embora não

esquecendo os factores de natureza cultural, parece legítimo associar esta subutilização às

dificuldades geográficas de acesso aos consultórios e farmácias e à existência de taxas

moderadoras (Beresniak e Duru 1999). Como ficou demonstrado no já referido estudo de

Newhouse, a gratuitidade dos cuidados gera maior consumo de cuidados de saúde, assim

como a participação dos agentes da procura nos custos leva a uma redução da utilização.

Do exposto, podemos concluir que as taxas moderadoras podem gerar alguma iniquidade

no acesso aos cuidados de saúde, apesar do vasto regime de isenções. A Base XXXIV95

95

Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. A Lei nº 48/90 é apresentada no anexo III deste trabalho.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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refere que “são isentos os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os

financeiramente mais desfavorecidos, nos termos da lei”.

Em Portugal, a legislação96

tentou salvaguardar a equidade de acesso ao garantir a isenção

de pagamento aos grupos mais desfavorecidos, quer em saúde (doentes crónicos), quer

economicamente. Numa breve análise do regime de isenções, verificamos que, por

exemplo, um casal com 2 ou 3 filhos e que tenha como rendimento mensal 900 Euros não é

isento do pagamento de taxa moderadora. Assim o valor a desembolsar por este casal será

o mesmo que o de um casal com um rendimento superior. Portanto, o pagamento da taxa

moderadora terá mais impacto para o primeiro.

No sentido de contribuir para uma maior justiça social, o Governo introduziu também uma

redução de 50% nas taxas moderadoras a suportar pelos utentes com idade igual ou

superior a 65 anos (Decreto-Lei n.º 79/2008)97

e que não estavam isentos do pagamento da

taxa moderadora. O motivo de tal redução deve-se ao facto dos indivíduos desta faixa

etária apresentarem maior dependência dos serviços de saúde.

Lucas (1990) propõe a transformação de taxas moderadoras regressivas em taxas

moderadoras proporcionais. Uma tal solução significaria que o Estado subsidiaria os gastos

de saúde na razão inversa do nível de rendimento do consumidor. O consumidor de cada

nível social confrontar-se-ia com um preço que o obrigaria a maior racionalidade no seu

consumo de cuidados de saúde. Segundo o mesmo autor, deste modo teríamos mais

equidade e mais eficiência. Em contrapartida, os consumidores da classe média e alta

passariam a comparar mais amiudadamente a qualidade obtida nos serviços públicos pelo

preço da taxa proporcional com a qualidade dos serviços privados, correspondentes

também a um determinado preço, o que levaria à fuga destes consumidores.

Contudo, aos argumentos de Lucas podemos objectar que não se pode exigir que sejam os

mais ricos a pagar mais pela saúde, porque o Estado não pode fazer nenhuma diferenciação

96

O regime de isenções em Portugal está aprovado nos Decretos-Lei 173/2003 de 1 de Agosto, e

201/2007 de 24 de Maio. Ambos os decretos são apresentados em anexo. 97

A este propósito consultar Decreto-Lei n.º 79/2008. Diário da República, Série I, nº89, 8 de Maio

de 2008. Consultar anexo I.c do trabalho.

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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entre os cidadãos. Essa diferenciação é feita já no sistema fiscal. O primeiro tipo de

redistribuição existente vai dos indivíduos saudáveis para os doentes, sendo que esta

redistribuição é aceite por todos, dadas as incertezas existentes no contexto da saúde

(Jacobsson et al 2005). Como o sistema de saúde português é financiado via fiscal,

apresentando este um carácter progressivo, há já uma redistribuição adicional dos

indivíduos que apresentam maiores rendimentos para os que apresentam menores

rendimentos (Barros 2006).

Lucas (1990) considera que a eventual abolição completa das taxas moderadoras, em

relação a todo e qualquer bem ou serviço de saúde prestado pelo Estado, seria geradora de

mais ineficiência pois conduziria a um aumento do consumo, o que também não será

desejado. O autor conclui, então, que o pagamento das taxas moderadoras é uma medida de

contenção de custos perfeitamente suportável pelos cidadãos.

Barros (2006) sugere que, em vez da utilização de taxas moderadoras, o governo poderia

aumentar os impostos. Ou seja, utilizando um aumento nos impostos em lugar da taxa

moderadora, existiria uma igual receita fiscal, em média, mas estável. Assim, os cidadãos

isentos de taxa moderadora não são afectados, os que pagam taxa moderadora ficam livres

da incerteza de quebra do rendimento e deste modo geram-se menores desigualdades

sociais. Este autor considera a taxa moderadora como um instrumento de redistribuição

pouco adequado.

Finalmente, Pereira (1987) coloca o acento tónico no comportamento individual, já que em

termos de ciência económica e de política de saúde “o recurso a taxas moderadoras não é

senão uma operação pouco clara em que se move o alvo para que a bala lhe acerte”.

Em suma, na primeira parte deste trabalho pretendeu-se evidenciar as características dos

cuidados de saúde, que tornam este bem detentor de características tão específicas. Por

outro lado, objectivou-se demonstrar as teorias da justiça subjacentes à distribuição deste

bem assim como as características do sistema de saúde português. No final da primeira

parte abordou-se a problemática do aumento de gastos na área da saúde, que têm ocorrido

não só em Portugal mas em toda a Europa, e as medidas de contenção de custos adoptadas

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Capítulo 4 – Taxas Moderadoras

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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de forma a obter uma distribuição mais justa e equitativa de um bem: os cuidados de saúde.

Como medida racionalizadora, as taxas moderadoras têm assumido uma importância

crescente dado o seu alargamento a diferentes áreas e os seus sucessivos aumentos. Na

segunda parte deste trabalho pretende-se conhecer qual a opinião dos profissionais de

saúde acerca do impacto deste instrumento financeiro na procura de cuidados de saúde.

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PARTE II

ESTUDO DE INVESTIGAÇÃO

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Capítulo 5 – Metodologia da Investigação

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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CAPÍTULO 5

METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

5.1 Desenho do Estudo

O presente estudo visa avaliar o papel das taxas moderadoras na procura de cuidados de

saúde. Assim, com vista a explorar a influência deste co-pagamento num mercado onde os

recursos se anunciam escassos e a procura ilimitada, será efectuado um estudo descritivo

do tipo transversal.

O instrumento utilizado foi um questionário elaborado pela autora, o qual foi

posteriormente sujeito a um pré-teste. O pré-teste tem como objectivo avaliar a eficácia e a

pertinência do respectivo instrumento estatístico e verificar os elementos seguintes: se os

termos utilizados são facilmente compreensíveis e desprovidos de equívocos, se a forma

das questões utilizadas permite colher as informações desejadas, se o questionário não é

muito longo e não provoca desinteresse ou irritação e se as questões não apresentam

ambiguidade (Fortin 1999).

5.2 Hipótese de Trabalho

Após a revisão da literatura, conjectura-se que as taxas moderadoras são um mecanismo de

racionamento que poderá levar a uma diminuição da procura. Contudo, nada parece

garantir que a parcela de cuidados que não é prestada seria desnecessária dada a ignorância

do consumidor. Por outro lado, é com certeza nas classes sociais mais desfavorecidas

economicamente que a procura tenderá a diminuir. Assim torna-se pertinente conhecer se a

implementação das taxas moderadoras não afecta negativamente os princípios de justiça e

de equidade, valores sobre os quais assenta o SNS.

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Capítulo 5 – Metodologia da Investigação

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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5.3 Local do Estudo

O estudo será realizado nos hospitais públicos centrais do país, nomeadamente no Hospital

de S. João, no Porto, nos Hospitais da Universidade de Coimbra e no Hospital de Santa

Maria, em Lisboa, e em centros de saúde das mesmas cidades e que aceitem participar no

estudo. Caso não seja obtido o consentimento da Direcção dos respectivos hospitais para a

realização do estudo, serão seleccionados outros hospitais centrais do país.

5.4 Tipo e Técnica de Amostragem

Os hospitais foram seleccionados por razões de conveniência dado o elevado número de

potenciais participantes que apresentam. Assim o critério utilizado para a selecção dos

hospitais que constituem a amostra foi a dimensão dos mesmos. O facto de se situarem em

diferentes regiões poderá permitir averiguar se existem diferentes opiniões acerca do papel

das taxas moderadoras nos cuidados de saúde nas diferentes áreas regionais.

Dentro dos hospitais a amostra será aleatória, sendo constituída pelos profissionais que se

encontram a desempenhar funções aquando da distribuição dos questionários e que aceitem

participar no estudo.

5.5 Selecção dos Participantes no Estudo

A população de estudo envolve todos os profissionais de saúde que exerçam a sua

actividade nos hospitais seleccionados para o estudo e que aceitem participar no mesmo.

Critérios de Exclusão

Serão excluídos os indivíduos que exerçam a sua actividade há menos de um mês no sector

público. Tal facto relaciona-se com o seu menor contacto com o ambiente hospitalar e

possivelmente com este tema. Dado que de forma indirecta se pretende avaliar a influência

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Capítulo 5 – Metodologia da Investigação

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

88

das taxas moderadoras no comportamento dos utentes, procuram-se profissionais que

estejam já sensibilizados em relação ao pagamento da taxa moderadora.

Consentimento

O consentimento para a realização do estudo deverá ser dado em primeira-mão pela

Direcção Hospitalar, após ser efectuado o respectivo pedido. Aquando da distribuição dos

questionários deverá ser também dado o consentimento pelos responsáveis de medicina, de

enfermagem e de fisioterapia dos respectivos serviços.

Todos os intervenientes neste estudo deverão ser informados sobre os objectivos e

finalidades do mesmo, esclarecidos acerca da contribuição de cada participante e do

carácter voluntário dessa participação, assim como será dada a garantia de

confidencialidade dos dados obtidos.

5.6 Instrumento de Medida

O instrumento de medida utilizado neste estudo é um questionário criado pela autora após

revisão da literatura, o qual foi posteriormente submetido a um pré-teste. O questionário é

constituído por sete perguntas de resposta fechada, sendo deste modo um questionário

curto e de resposta rápida. Todas as questões são referentes à temática das taxas

moderadoras, procurando averiguar a opinião dos profissionais de saúde acerca da

influência das taxas moderadoras na procura de cuidados de saúde. As questões 6 e 7

referem-se ao SNS (ver anexo IV).

O tempo médio necessário para preencher o questionário é de 5 minutos, não sendo

necessária qualquer supervisão durante o preenchimento.

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Capítulo 5 – Metodologia da Investigação

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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5.7 Recolha de Dados

A investigadora deverá deslocar-se ao local para a distribuição e recolha dos questionários,

após ser obtida a autorização da Direcção dos respectivos hospitais e centros de saúde para

a realização do estudo.

O questionário será aplicado num único momento, uma vez que se trata dum estudo

transversal.

5.8 Análise Estatística

Para a análise estatística será utilizado o Stastical Package for the Social Sciences (SPSS),

versão 14.0 para Windows.

Na descrição e caracterização da amostra serão utilizadas as medidas estatísticas de

tendência central e de dispersão.

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

90

CAPÍTULO 6

PRÉ-TESTE: ANÁLISE PRELIMINAR

6.1 Pré-Teste

Para a realização do pré-teste, o questionário elaborado pela autora foi distribuído a 19

profissionais de saúde, aos quais se solicitou o seu preenchimento e a realização de uma

apreciação crítica do mesmo. Foi pedido aos indivíduos da amostra que avaliassem a

extensão e objectividade do questionário, a linguagem utilizada bem como a

compreensibilidade e pertinência das questões.

Como resultado da apreciação crítica não foram sugeridas quaisquer alterações ao

questionário.

Apesar dos resultados relativos ao preenchimento dos questionários não serem conclusivos

nem significativos, dado o pequeno número da amostra, foi feita uma análise elementar das

respostas dadas pelos inquiridos, que nos permitiu realizar a caracterização da amostra do

pré-teste e fazer uma simples análise da opinião dos inquiridos acerca da temática

abordada no questionário. Para a análise estatística recorreu-se ao SPSS, versão 14.0 para

Windows.

6.2 Caracterização da Amostra do Pré-Teste

A amostra do pré-teste é constituída por 19 profissionais de saúde, dos quais 4 são

médicos, 7 são enfermeiros e 8 são fisioterapeutas (tabela 1), que desempenham funções

em serviços hospitalares ou centros de saúde do nosso país.

Os indivíduos da amostra desempenham as suas funções em diferentes serviços/

especialidades, como se pode verificar no gráfico 1.

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

91

Tabela 1- Tabela relativa à distribuição dos indivíduos da amostra do pré-teste pela

profissão.

Profissão N %

Fisioterapeuta 8 42,1%

Enfermeiro 7 36,8%

Médico 4 26,1%

Total 19 100%

Gráfico 1- Gráfico relativo à distribuição dos indivíduos pelos diferentes serviços/

especialidades clínicas.

A média de idades dos indivíduos é de 33 anos, sendo 51 e 23 o máximo e o mínimo de

idade, respectivamente. No que se refere à experiência clínica a média de anos é de 10,

sendo o máximo e o mínimo de 32 e 1, respectivamente (tabela 2).

26,3%

10,5%

36,8%

15,8%

5,3% 5,3%

Bloco Operatório

Cuidados Primários

Fisioterapia Medicina Interna

Ortopedia Urgências

N

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

92

Tabela 2 – Valores da média, mínimo e máximo e desvio padrão relativos à idade e

anos de prática de clínica.

Média

Máximo

Minímo

Desvio padrão

Idade 32,79 51 23 11,287

Anos de

experiência 9,95 32 1 10,91

Total 19 19 19 19

6.3 Resultados do Pré-Teste

No que respeita à primeira pergunta do questionário apenas 10,5% concorda totalmente

que as taxas moderadoras são um instrumento eficaz no controlo da procura excessiva de

cuidados de saúde, sendo também que a mesma percentagem de indivíduos discorda

totalmente no que respeita à eficácia das taxas moderadoras na racionalização da procura

de cuidados de saúde (tabela 3). A maioria dos indivíduos da amostra do pré-teste

concorda parcialmente que as taxas moderadoras representam um instrumento de

racionalização do consumo(tabela 3).

Tabela 3 – Tabela relativa à questão “Concorda que as taxas moderadoras são um

instrumento eficaz no controlo da procura excessiva de cuidados de saúde?”.

N %

Concordo totalmente 2 10,5

Concordo parcialmente 8 42,1

Discordo parcialmente 7 36,8

Discordo totalmente 2 10,5

Total 19 100

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

93

Relativamente à pergunta 2, apenas 36,8 % dos indivíduos da amostra consideram que a

procura de cuidados de saúde diminui com a implementação das taxas nos serviços de

saúde públicos, sendo que, destes 36,8% da amostra, 57,1% considera que tal redução

ocorreu nos serviços de urgência (tabela 4 e 4.1).

Tabela 4 – Tabela referente à questão “Poderão existir serviços em que a procura de

cuidados de saúde tenha efectivamente diminuído?”.

N %

Sim 7 36,8

Não 12 63,2

Total 19 100

Tabela 4.1 – Tabela referente à alínea da questão anterior “Se sim, qual?”.

N %

Cuidados primários 1 14,3

Exames Compl. Diag. 1 14,3

Fisioterapia 1 14,3

Urgências 4 57,1

Total 7 100

A questão 3, que se refere à equidade de acesso aos cuidados de saúde, revela que 31,6%

dos inquiridos consideram que pelo facto da taxa moderadora apresentar um carácter

regressivo poderá inibir os indivíduos de menores recursos de recorrerem aos serviços de

saúde (tabela 5). A maioria dos indivíduos concorda parcialmente com a proposição de que

o pagamento da taxa moderadora poderá inibir os mais pobres de recorrerem aos serviços

de saúde. A pergunta 4 do questionário corrobora a ideia subjacente, uma vez que 47,4%

dos inquiridos (9 indivíduos) consideram que o pagamento da taxa deveria apresentar um

carácter progressivo (gráfico 2).

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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Tabela 5 – Tabela respeitante à pergunta “Sabendo que o pagamento da taxa

moderadora não é diferenciado consoante o nível sócio-económico do indivíduo, os

estratos sociais mais desfavorecidos economicamente poderão ter reduzido a procura

de cuidados de saúde em casos em que estes seriam necessários?”.

N %

Concordo totalmente 6 31,6

Concordo parcialmente 9 47,4

Discordo parcialmente 2 10,5

Discordo totalmente 2 10,5

Total 19 100

Gráfico 2 – Gráfico relativo à questão “Concorda que o pagamento das taxas

moderadoras deveria ser diferenciado (progressivo), ou seja, o seu valor deveria

variar consoante o rendimento do indivíduo?”.

36,8%

5,3%

47,4%

36,8%

5,3%

5,3%

N

Concordo

Totalmente

Concordo Parcialmente

Discordo Parcialmente

Discordo Totalmente

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

95

Como se pode verificar na tabela 6, os indivíduos da amostra do pré-teste consideram

como funções “muito importantes” das taxas moderadoras o seu papel na racionalização da

procura de cuidados de saúde (47,4%), o seu papel enquanto instrumento que conduz a

uma maior prudência por parte do utente na selecção do serviço a utilizar (42,1%) e o seu

papel enquanto forma de sensibilização para os utentes de que os cuidados de saúde

apresentam um custo elevado, sendo o custo da taxa moderadora de valor simbólico

(36,8%). Com uma avaliação de “importante”, 36,8% dos profissionais de saúde da

amostra consideraram a função das taxas moderadoras enquanto forma de sensibilização

para os utentes de que os cuidados de saúde apresentam um custo elevado, sendo o valor

da taxa moderadora simbólico. Como função de carácter “médio” os inquiridos apontam o

papel da taxa moderadora enquanto fonte de receita/ financiamento do SNS (57,9%).

Relativamente às características das taxas moderadoras apresentadas no questionário,

57,9% dos indivíduos considera que o aumento da exigência dos utentes na qualidade dos

serviços prestados (“Um instrumento que permite aos utentes um aumento da exigência na

qualidade de serviços prestados”) não constitui função das taxas moderadoras (tabela 6). É

de salientar que não foi sugerido por nenhum inquirido outra função das taxas moderadoras

na opção “Outra. Qual?”.

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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Tabela 6 – Tabela que se refere à questão: “Considera que, neste momento, as

principais funções das taxas moderadoras no nosso SNS são:”.

Função

Muito

importante

Importante Média Não

representa

função

N % N % N % N %

A racionalização da procura de cuidados

de saúde.

9 47,4 3 15,8 3 15,8 4 21,1

Total N=19; %=100

Uma fonte de receita/ financiamento

para o SNS.

4 21,1 2 10,5 11 57,9 2 10,5

Total N=19; %=100

Um instrumento económico que permite

às unidades de saúde um aumento da

autonomia financeira.

2 10,5 6 31,6 5 26,3 6 31,6

Total N=19; %=100

Um instrumento que permite aos utentes

um aumento da exigência na qualidade

de serviços prestados.

3 15,8 3 15,8 2 10,5 11 57,9

Total N=19; %=100

Um instrumento que os governos

utilizam no sentido de transferir para o

utente uma maior responsabilização pelo

custo de cuidados de saúde.

4 21,1 6 31,6 5 26,5 4 21,1

Total N=19; %=100

Uma forma de sensibilização para os

utentes de que os cuidados de saúde

apresentam um custo elevado, sendo a

taxa moderadora simbólica.

7 36,8 7 36,8 5 26,3 0 0

Total N=19; %=100

Um utensílio que conduz a uma maior

prudência por parte do utente na

selecção do serviço a utilizar.

8 42,1 6 31,6 3 15,8 2 10,5

Total N=19; %=100

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

97

Através da análise do gráfico 3 verificamos que 47,4% dos profissionais de saúde (9

indivíduos) concordam com a implementação das taxas moderadoras, sendo que nenhum

indivíduo discorda totalmente da sua implementação. Cerca de 31,6% dos indivíduos (6

indivíduos) concordam parcialmente com a implementação e existência das taxas

moderadoras e 21,1% (4 indivíduos) discordam parcialmente.

Gráfico 3 – Gráfico referente à questão “De uma forma geral concorda com a

implementação e existência das taxas moderadoras?”.

No que refere à avaliação do nosso SNS, a maioria dos profissionais de saúde considera

que o seu funcionamento é não satisfatório, como ilustram o gráfico 4 e a tabela 7. Cerca

de 36,8% dos indivíduos consideram o seu funcionamento satisfatório e apenas 5,3% o

considera bom. A classificação de muito bom apenas foi atribuída por 10,5% dos

inquiridos.

47,4%

21,1%

31,6%

47,4%

21,1%

31,6%

discordo parcialmente

concordo parcialmente

concordo totalmente

De uma forma geral concorda com a implementação e existência das taxas moderadoras?

47,4%

21,1%

31,6%

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

98

Gráfico 4 – Gráfico respeitante à pergunta “Na sua opinião, o desempenho do SNS na

resolução dos problemas que actualmente existem é:”.

A maioria dos inquiridos aponta como falhas muito importantes do SNS a má organização

nas instituições (63,2%), a má gestão dos recursos existentes (52,6%) e a falta de recursos

humanos (47,4%), como se pode verificar na tabela 7. Como falha de carácter médio

destacam-se as políticas de saúde, que segundo 31,6% dos inquiridos são inadequadas.

São de destacar os aspectos “escassez de meios técnicos” e a “falta de empenho e

desmotivação dos profissionais para fazer mais e melhor” pelo facto destes itens

alcançarem maior cotação na alínea “não constitui causa”. Assim, 42,1% e 36,8% dos

indivíduos da amostra consideram que não são a escassez de meios técnicos nem a falta de

empenho dos profissionais, respectivamente, os factores responsáveis pelo funcionamento

deficitário do SNS (tabela 7). É de referir também que nesta questão nenhum indivíduo

enumerou outra causa para algum défice no funcionamento do SNS, para além das

enunciadas pela autora no questionário.

Mau

Não satisfatório

Satisfatório

Bom

Muito bom

Na sua opinião, o desempenho do SNS na resolução dos problemas de saúde que actualmente existem é:

36,8%

42,1%

10,5%

5,3%

5,3%

42,1%

5,3%

5,3% 10,5%

42,1%

5,3%

5,3%

36,8%

10,5%

42,1%

5,3%

5,3%

Mau

Não satisfatório

Satisfatório

Bom

Muito bom

Na sua opinião, o desempenho do SNS na resolução dos problemas de saúde que actualmente existem é:

36,8%

10,5%

42,1%

5,3%

5,3%

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

99

Tabela 7 - Tabela relativa à questão “Na sua opinião quais as principais causas de

algum défice do SNS no desempenho das suas tarefas?”

Função

Muito

Importante

Importante Média Não

constitui

causa

N % N % N % N %

Escassez de recursos perante uma

procura crescente e exigente de

cuidados de saúde.

7 36,8 2 10,5 3 15,8 7 36,8

Total N=19; %=100

Falta de recursos humanos.

9 47,4 2 10,5 3 15,8 5 26,3

Total N=19; %=100

Escassez de meios técnicos.

4 21,1 7 36,8 0 0 8 42,1

Total N=19; %=100

Políticas de saúde inadequadas

6 31,6 4 21,1 6 31,6 3 15,8

Total N=19; %=100

Má organização nas instituições.

12 63,2 4 21,1 1 5,3 2 10,5

Total N=19; %=100

Má gestão dos recursos existentes.

10 52,6 6 31,6 1 5,3 2 10,5

Total N=19; %=100

Falta de empenho e desmotivação dos

profissionais para fazer mais e melhor.

5 26,3 4 21,1 3 15,8 7 36,8

Total N=19; %=100

Falta de regulação e controlo nas

instituições.

6 31,6 5 26,3 3 15,8 5 26,3

Total N=19; %=100

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

100

6.4 Discussão dos Resultados do Pré-Teste

Relativamente à primeira pergunta do questionário, em que se pretendeu abordar a opinião

dos profissionais de saúde no que se refere à eficácia das taxas moderadoras na

racionalização de cuidados de saúde, apenas 10,5% concordam totalmente com a eficácia

deste instrumento financeiro. A mesma percentagem discorda totalmente com este

argumento, sendo que a maioria (42,1%) apenas concorda parcialmente com a eficácia das

taxas moderadoras.

Também Giraldes (1997b) afirma que a elasticidade da procura não é significativa no

sector da saúde, uma vez que se trata de um bem de primeira necessidade. Contudo, a

autora salienta que há algumas excepções, como o caso das urgências hospitalares ou o dos

exames complementares de diagnóstico onde as taxas moderadoras são mais caras. Nestas

situações são os mais pobres que irão alterar o seu comportamento, diminuindo a procura.

Como seria de esperar, e de acordo com a questão anterior, a maioria dos inquiridos

(63,2%) considera que a procura de cuidados de saúde não diminuiu nos diferentes

serviços com o pagamento da taxa moderadora. Uma menor percentagem (36,8%)

concorda com a ocorrência de uma diminuição da procura, sendo que desta percentagem

metade dos indivíduos defendem que esta redução ocorreu nos serviços de urgência.

Do mesmo modo, Pereira (1987) considera que apenas nos serviços de urgência se notou

uma significativa redução na procura de cuidados com a implementação das taxas

moderadoras.

Em relação à equidade de acesso, 47,4% da amostra (a maioria) concorda parcialmente que

os indivíduos de menores recursos económicos poderão ter diminuído a procura de

cuidados de saúde, sendo que 31,6% concorda totalmente com esta ideia. Assim na questão

em que se pretende saber se este co-pagamento deveria ser progressivo, 47,4% dos

inquiridos defende a diferenciação do seu valor consoante os rendimentos.

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

101

Como defendem Giraldes (1997b), Lucas (1990) e Barros (2006), o carácter regressivo das

taxas moderadoras é mais penalizador para os indivíduos de menores recursos, que são

também os que mais tendem a adoecer, e, portanto, a necessitar de mais cuidados de saúde.

O pagamento progressivo é defendido por Lucas (1990) pois, segundo o autor, nestas

circunstâncias o consumidor de cada nível social iria deparar-se com um preço de taxa

moderadora que poderia ser realmente racionalizador, dado que estava adaptado ao seu

rendimento. Todavia, esta medida acarretaria o perigo de “fuga” dos mais ricos para os

serviços privados, dado que iria existir uma comparação mais amiúde entre o sector

público e privado, não assegurando desta forma a redistribuição. Barros (2006) também se

opõe ao pressuposto da progressividade das taxas moderadoras, dado que, por via fiscal, há

já progressividade no pagamento quando ocorre uma transferência de recursos dos estratos

sociais mais ricos para os mais pobres.

Ao contrário do que seria de esperar, dada a opinião dos indivíduos da amostra à primeira

pergunta do questionário, a função racionalizadora das taxas moderadoras foi considerada

como muito importante por 47,4% da amostra, apesar de 21,1% afirmar que a

racionalização da procura não se apresenta como função das taxas moderadoras.

No que diz respeito ao papel das taxas moderadoras no financiamento do SNS, a maioria

considerou que estas apresentam um papel de carácter médio na formação de receitas deste

organismo (57,9%). A este propósito a Lei de Bases da Saúde98

salienta como principais

funções das taxas moderadoras a racionalização da procura e o aumento das receitas (Base

XXXIV). Segundo Galope (2006), o pagamento das taxas moderadoras constitui 1% das

receitas para o SNS, ou seja, já não é totalmente negligenciável num sector onde o

consumo diário atinge os 23 milhões de euros.

É de salientar também que a maioria dos inquiridos (57,9%) considerou que as taxas

moderadoras não permitem aos utentes um aumento da exigência dos cuidados prestados.

98

Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. Esta Lei é apresentada nos anexos do trabalho.

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

102

Tal facto contrapõe o defendido por Mateus (1996), pois esta autora considerou que o

pagamento da taxa moderadora poderia tornar o utente mais exigente, uma vez que este

sente que paga no momento do consumo.

Cerca de 36,8% dos profissionais de saúde concordam que a taxa moderadora pode

constituir uma forma de sensibilização para os utentes de que os cuidados de saúde têm um

preço, sendo o valor da taxa simbólico, considerando assim a sua função “muito

importante”. A mesma percentagem de indivíduos (36,8%) considera esta função como

“importante”. Desta forma verificamos que 63,2% da amostra considera como papel

“muito importante” ou “importante” da taxa moderadora, a sensibilização dos utentes para

os elevados custos dos cuidados de saúde. A apoiar este facto 42,1% e 31,6% da amostra

considera como função “muito importante” e “importante”, respectivamente, o facto das

taxas moderadoras conduzirem a uma maior prudência na selecção do serviço a utilizar.

A corroborar estas concepções, Lucas (1990) defende que a abolição das taxas

moderadoras seria geradora de mais ineficiência, pois conduziria a um aumento do

consumo de cuidados de saúde consequentemente. O autor discorda da sua abolição total,

uma vez que considera o seu pagamento perfeitamente suportável pelos cidadãos.

No que respeita à questão 5, a maioria dos inquiridos (9 indivíduos) concorda totalmente

com a implementação das taxas moderadoras, sendo que nenhum indivíduo discorda

totalmente da sua existência. Tal facto parecer-nos-à controverso, uma vez que a maioria

dos participantes na amostra de pré-teste colocou dúvidas acerca da eficácia deste

instrumento enquanto racionalizador de um excesso de procura. De forma idêntica, Pereira

(1987) sugere que o recurso às taxas moderadoras se trata de uma operação pouco clara e

que coloca dúvidas relativamente à sua eficácia. Todavia, a amostra terá contemplado, na

sua opinião, outras funções das taxas moderadoras, nomeadamente, a sensibilização dos

utentes para o custo dos cuidados de saúde e a alteração do comportamento do consumidor,

já que este será mais prudente na escolha do serviço a utilizar, dada a diferença de

pagamento consoante o serviço que utiliza. Nesta última função poderemos falar do

recurso às urgências, que foi considerado, ao longo de muitos anos, como a “porta” de

entrada no SNS. Actualmente, como o valor da taxa moderadora é mais alto nas consultas

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

103

deste serviço, este aspecto poderá ser dissuasor da recorrência às urgências. Outra função

que também deverá ser tida em conta será a transferência de uma maior responsabilização

para os utentes sobre os seus cuidados de saúde, através dos co-pagamentos, o que de

alguma forma se interliga com o conceito de empowerment bem presente na prestação de

cuidados de saúde de hoje.

No que diz respeito à avaliação do SNS, a maioria dos indivíduos considera que este

apresenta um desempenho não satisfatório, seguida por 36,8% que o avaliam como

satisfatório. A classificação de mau é apenas atribuída por 5,3% e a de muito bom por

10,5% dos inquiridos.

Tal opinião é corroborada por Delgado (1999), já que este afirma que o SNS não garante

hoje condições de equidade e solidariedade, e nem sempre apresenta uma resposta

adequada para os problemas apresentados.

Como causas muito importantes para o défice de funcionamento do SNS, os profissionais

de saúde apontam a má organização nas instituições, a má gestão de recursos e a falta de

recursos humanos. De carácter médio destacam-se as políticas de saúde, que segundo

31,6%, são inadequadas.

Também Beresniak e Duru (1999) salientam o desenvolvimento inexorável de numerosas

formas de esbanjamento de recursos na saúde, o que nos remete para problemas na gestão e

utilização desses mesmos recursos. Desta forma, em Portugal, ao longo dos últimos anos,

têm sido introduzidas novas formas de gestão, nomeadamente, a empresarialização dos

hospitais, a introdução de novas formas de financiamento hospitalar e a regulação do uso

de tecnologias.

De uma forma geral podemos afirmar que os resultados do pré-teste vão de encontro aos

resultados dos estudos analisados ao longo deste trabalho. Assim podemos dizer que,

apesar da maioria dos inquiridos aprovar a existência das taxas moderadoras, estes revelam

algum cepticismo acerca da sua eficácia enquanto instrumento dissuasor de consumo

excessivo de cuidados de saúde. Consequentemente atribuem outras funções a este co-

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Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

104

pagamento, tais como o seu papel na sensibilização dos utentes acerca dos elevados custos

dos cuidados de saúde, e numa melhor selecção do serviço de saúde a utilizar.

A nossa amostra aceita também que as taxas moderadoras são mais penalizadoras para os

mais pobres, defendendo assim que estas deveriam tomar um carácter progressivo.

No que se refere ao SNS, a maioria dos profissionais atribui-lhe uma avaliação negativa,

apontando como principais falhas a má gestão e a falta de organização nas instituições de

saúde. Tal facto é também apoiado pela maioria dos autores estudados ao longo deste

trabalho, que consideram o SNS como “doente” e detentor de um elevado nível de

desperdício (25%), resultante essencialmente das deficientes formas de gestão e

organização no sector da saúde.

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Considerações Finais

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

105

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O direito à saúde representa hoje uma verdadeira conquista civilizacional (Nunes 2003).

Em Portugal, o Estado Providência criou um sistema de cobertura universal, geral e

gratuito. Porém, o aparecimento das taxas moderadoras impeliu a uma revisão

constitucional, dada a inconstitucionalidade que este tipo de co-pagamentos parecia

apresentar. Assim, em 1989, o artigo 64º da Constituição Portuguesa, que estipulava que o

SNS era “geral, universal e gratuito”, passa a definir o SNS como “geral, universal e

tendencialmente gratuito” (Pereira 1991).

O cenário de crise económica que se atravessa na Europa, associado ao aumento

exponencial de gastos na área da saúde, levou a que se dissipassem políticas e medidas de

contenção de custos nesta área (Mossialos e Le Grand 2001). Deste modo, surgiram

medidas de carácter implícito como as listas de espera, a triagem de pacientes nos serviços

de urgência e o transplante de órgãos (Rodriguez et al 2008); e outras de carácter explícito

como o numerus clausus no acesso às faculdades de Medicina, a regulação do mercado

farmacêutico, a limitação na aquisição de tecnologia e a implementação de co-pagamentos

(Pinto e Aragão 2003).

Como já foi referido ao longo deste trabalho, as taxas moderadoras inserem-se no conjunto

de medidas explícitas adoptadas na Europa que visam a contenção de custos na área da

saúde. Este instrumento financeiro, considerado como “moderador, racionalizador e

regulador” (Decreto-Lei n.º 173/2003)99

da procura, tem sofrido sucessivos aumentos ao

longo dos últimos anos. Para além disso expandiu-se, afectando já serviços como o

internamento e a cirurgia de ambulatório. Tendo em atenção estes factos, rapidamente se

verifica que este pagamento é já considerado como uma fonte de receita. A Lei de Bases da

99

Decreto-Lei n.º 173/2003: Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde. Diário

da República, Série I-A, nº176 de 1 de Agosto de 2003. Este Decreto-Lei encontra-se nos anexos

deste trabalho.

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Considerações Finais

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

106

Saúde considera mesmo as taxas moderadoras “receita do Serviço Nacional de Saúde”

(Base XXXIV)100

.

A problemática desta situação relaciona-se com o facto dos portugueses efectuarem já a

sua tributação para o sistema de saúde por via fiscal e pelo facto de muitos portugueses

realizarem também uma tripla tributação. Os portugueses gastaram, em 2007, cerca de

71,14 milhões de euros em taxas moderadoras. Tal quantia parecer-nos-á avultada se

considerarmos os elevados encargos fiscais que afectam as famílias portuguesas.

Tal como foi analisado neste trabalho, o preço do produto e o rendimento disponível do

agente da oferta condicionam a procura. Assim sendo os co-pagamentos serão dissuasores

da procura, apesar de se tratar de um bem de primeira necessidade. A este respeito, foram

enumerados diversos autores ao longo deste trabalho que apoiam a ideia de que o agente da

procura (o utente) reage às alterações de preço; ou seja, comprova-se que a procura de

cuidados de saúde não se apresenta como inelástica ou rígida, como outrora foi

considerada (Barros 2006).

De uma maneira geral, o regime de isenções, presente no nosso país, protege os indivíduos

mais debilitados economicamente (por exemplo, os desempregados inscritos nos centro de

emprego) ou que não têm capacidade para pagar (por exemplo, as crianças) e ainda aqueles

que padecem de determinadas doenças crónicas associadas a gastos mais avultados como

sejam os indivíduos com diabetes, Parkinson, esclerose múltipla, paramilóidose, doença de

Hansen, entre outros (Decreto-Lei nº173/2003)101

. Há ainda uma redução de 50% no valor

da taxa moderadora para os indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos, dada a maior

dependência de cuidados de saúde que esta faixa etária apresenta (Decreto-Lei 79/2008)102

.

100

Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei

foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar. 101

Decreto-Lei n.º 173/2003: Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde.

Diário da República, Série I-A, nº176 de 1 de Agosto de 2003. 102

Decreto-Lei n.º 79/2008. Diário da República, Série I, nº89, 8 de Maio de 2008. Este Decreto-

Lei é apresentado no anexo I.c deste trabalho.

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Considerações Finais

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

107

Para além deste leque de isenções, a não progressividade dos co-pagamentos afecta

negativamente os mais pobres. Ou seja, há indivíduos não isentos cujos rendimentos são

baixos. O valor de 9,20 Euros de taxa moderadora numa consulta de urgência terá com

certeza um papel diferente sobre o indivíduo que possui 450 Euros ou 1000 Euros de

rendimento. Desta forma, o carácter regressivo das taxas moderadoras coloca em causa a

equidade de acesso, apesar de alguns argumentarem que a progressividade é já efectuada

via impostos.

Apesar de alguns autores como Grabka et al (2006) e Page et al (2008) demostrarem nos

seus estudos que os co-pagamentos diminuem a procura, e de Lucas (1990) considerar as

taxas moderadoras uma medida de contenção de custos perfeitamente suportável pelos

cidadãos, autores como Pereira (1987) apresentavam dúvidas acerca da sua eficácia. Em

síntese, podemos afirmar que as taxas moderadoras são dissuasoras do consumo. Contudo,

dada a ignorância do consumidor, nem sempre é a parcela do consumo “desnecessário” que

é regulada. Parecer-nos-á mais lógico que aqueles que mais racionalizam o seu

comportamento são os mais pobres, o que corrobora o estudo de Lucas (1990). Tal facto

coloca questões de natureza ética, na medida em que também são os mais pobres os que

apresentam mais dificuldade na construção do stock de saúde (Giraldes 1997b).

No que se refere aos resultados obtidos no pré-teste do questionário, verificámos que a

maioria dos inquiridos (47,4%) considera que o pagamento das taxas moderadoras deveria

ser progressivo. Contudo, a progressividade poderia impulsionar a saída dos indivíduos de

maiores rendimentos para o sector privado e, tal como sugere Lucas (1990), os problemas

de redistribuição seriam acentuados. A este respeito os resultados do pré-teste opõem-se ao

sugerido pelos autores estudados ao longo da realização deste trabalho. Isto porque

nenhum defende a progressividade no pagamento de taxas moderadoras. Barros (2006)

sugere a abolição das taxas e um aumento dos descontos fiscais, o que asseguraria uma

maior contribuição para o sector da saúde e, dada a proporcionalidade dos descontos, os

mais pobres não seriam penalizados.

No que respeita ao desempenho do SNS, a maioria dos indivíduos da amostra do pré-teste

(42,1%), consideram que este é não satisfatório. Como principais causas para este

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Considerações Finais

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

108

desempenho negativo apontam a má organização nas instituições e a má gestão de

recursos. A corroborar esta opinião, autores como Pereira et al (2001), Nunes (2003),

Nunes e Rego (2002), entre outros, salientam também a má gestão dos recursos como

causa para a ineficiência do SNS perante os problemas na área da saúde que hoje se

apresentam.

Aos 23 milhões de euros gastos diariamente está associado um nível de desperdício que

ronda os 25% (Galope 2006). O combate ao desperdício é actualmente uma prioridade,

sendo que actualmente se torna pertinente a convergência de dois factores: a qualidade na

prestação de cuidados de saúde e a optimização da utilização de recursos (Nunes e Rego

2002). Assim, se se diminuísse o desperdício no sector público, não seria necessário, muito

provavelmente, sobrecarregar as famílias portuguesas com taxas moderadoras tão elevadas.

A relação de agência existente no mercado da saúde e a sua patente procura induzida

aniquila a soberania do consumidor no que diz respeito à quantidade de serviços prestados.

Mais ainda, no SNS a forma de pagamento aos médicos (que podem induzir a procura)

assim como a acumulação da prática em serviços públicos e privados são, segundo

Delgado (1999), causas de ineficiência de um sistema de mercado misto em que os agentes

da oferta tendem a potenciar as qualidades do serviço privado. Assim sendo, a procura não

depende somente do agente da procura, mas também dos agentes da oferta através da

indução dessa mesma procura. Por este motivo as medidas racionalizadoras de carácter

explícito deveriam ser mais concentradas no lado da oferta.

Podemos então concluir que, no sentido de se aumentarem as receitas no sector da saúde

deveriam ser implementadas medidas que garantam um aumento da eficiência (melhor

gestão dos recursos). No que se refere às medidas racionalizadoras, deverão ser acentuadas

sobre o lado da oferta, dado que num mercado com características tão peculiares, o agente

da oferta pode “manipular” o comportamento do agente da procura. Poderia ser também

alterada a forma de pagamento aos profissionais, no sentido de se sentirem estimulados a

produzir. Em Portugal o pagamento ao acto já se encontra implementado em serviços como

o SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Intervenções Cirúrgicas), em que os

profissionais recebem ao acto, dependendo o seu valor do tipo de cirurgia.

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Considerações Finais

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

109

Quanto às taxas moderadoras, os seus sucessivos aumentos colocam problemas de

equidade de acesso, pelo que os valores de justiça social tenderão a ser abalados. Assim,

quando se tornar necessário aumentar as receitas no sector da saúde, as políticas deverão

atender a outras medidas de contenção de custos.

Verifica-se a necessidade de mais estudos que avaliem o impacto destes co-pagamentos no

comportamento dos consumidores em Portugal, para que as futuras medidas de

racionalização não ponham em causa valores de solidariedade, equidade e justiça, que se

apresentam como pilares do nosso SNS.

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Referências Bibliográficas

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

122

ANEXOS

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

123

ANEXO I.a : Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto:

Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde

Artigo 1.º

Taxas moderadoras

1 – O acesso às prestações de saúde no âmbito do Serviço Nacional de Saúde implica o

pagamento de taxas moderadoras nos casos seguintes:

a) Na realização de exames complementares de diagnóstico e terapêutica em serviços de

saúde públicos ou privados convencionados, com excepção dos realizados no regime de

internamento;

b) Nos serviços de urgência hospitalares e centros de saúde;

c) Nas consultas nos hospitais, nos centros de saúde e em serviços de saúde públicos ou

privados convencionados.

2 – O valor das taxas é aprovado por portaria do Ministro de Saúde, sendo revisto e

actualizado anualmente tendo em conta, nomeadamente, o índice de inflação.

3 – As taxas moderadoras constantes da portaria prevista no número anterior não podem

exceder um terço dos valores constantes da tabela de preços do Serviço Nacional de Saúde.

Artigo 2.º

Isenções

1 – Estão isentos do pagamento das taxas moderadoras referidas no artigo anterior:

a) As grávidas e parturientes;

b) As crianças até aos 12 anos de idade, inclusive;

c) Os beneficiários de abono complementar a crianças e jovens deficientes;

d) Os beneficiários de subsídio mensal vitalício;

e) Os pensionistas que recebam pensão não superior ao salário mínimo nacional, seus

conjugues e filhos menores, desde que dependentes;

f) Os desempregados, inscritos nos centros de emprego, seus conjugues e filhos menores,

desde que dependentes;

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

124

g) Os beneficiários de prestação de carácter eventual por situações de carência paga por

serviços oficiais, seus conjugues e filhos menores;

h) Os internados em lares para crianças e jovens privados do meio familiar normal;

i) Os trabalhadores por conta de outrem que recebam rendimento mensal não superior ao

salário mínimo nacional, seus conjugues e filhos menores, desde que dependentes;

j) Os pensionistas de doença profissional com o grau de incapacidade permanente global

não inferior a 50%;

l) Os beneficiários do rendimento social de inserção;

m) Os insuficientes renais crónicos, diabéticos, hemofílicos, parkinsónicos, tuberculosos,

doentes com sida e seropositivos, doentes do foro oncológico, doentes paramiloidósicos e

com doença de Hansen, com espondilite anquilosante e esclerose múltipla;

n) Os dadores benévolos de sangue;

o) Os doentes mentais crónicos;

p) Os alcoólicos crónicos e toxicodependentes, quando inseridos em programas de

recuperação, no âmbito do recurso a serviços oficiais;

q) Os doentes portadores de doenças crónicas, identificadas em portaria do Ministro da

Saúde que, por critério médico, obriguem a consultas, exames e tratamentos frequentes e

sejam causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução da esperança de

vida;

r) Os bombeiros;

s) Outros casos determinados em legislação especial.

2 – A prova dos factos referidos nas alíneas do n.º 1 faz-se por documento emitido pelos

serviços oficiais competentes;

3 – Para os efeitos previstos no número anterior, os termos e as condições de apresentação

do documento são definidos em despacho do Ministro da Saúde.

4 – Todos os utentes, incluindo os beneficiários de subsistemas de saúde ou aqueles por

quem qualquer entidade, pública ou privada, seja responsável, estão sujeitos ao pagamento

de taxas moderadoras, excepto os que estão isentos nos termos do n.º 1.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

125

5 – A isenção do pagamento de taxas moderadoras relativas aos dadores benévolos de

sangue depende da apresentação de uma declaração dos serviços oficiais competentes, da

qual conste, pelo menos, a menção de duas dádivas no ano anterior.

Artigo 3.º

Norma revogatória

1 – São revogados os Decretos-Leis n.ºs 54/92, de 11 de Abril, e 287/95, de 30 de Outubro.

2 – Mantêm-se em vigor, até serem substituídos por outros, os regulamentos que fixam os

valores das taxas moderadoras emitidos ao abrigo da legislação anterior agora revogada.

______________________________________________________________

ANEXO I.b: Decreto-Lei n.º 201/2007, de 24 de Maio

As taxas moderadoras têm como objectivo completar as medidas reguladoras do uso dos

serviços de saúde.

O legislador entendeu que os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os

financeiramente mais desfavorecidos ficariam, ao contrário dos demais, isentos do

pagamento daquelas taxas.

O Decreto-Lei nº173/2003, de 1 de Agosto, que estabelece o regime das taxas moderadoras

no acesso à prestação de cuidados de saúde, deu cumprimento ao previsto na lei de Bases

da Saúde e definiu os grupos populacionais beneficiários da isenção do pagamento de taxa

moderadora.

As vítimas de violência doméstica estão, sem dúvida, sujeitas a maiores riscos, já que a

violência doméstica é o tipo de violência que ocorre entre membros de uma mesma família

ou partilham o mesmo espaço de habitação.

Abordar o problema é delicado, combatê-lo é muito difícil. É verdade, no entanto, que a

promoção de uma cultura de cidadania contra a violência doméstica e a protecção das

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

126

vítimas impõem medidas concretas, designadamente a maior facilidade no acesso aos

cuidados de saúde.

Assim:

No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº48/90, de 24 de Agosto, e

nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 198º da Constituição, o Governo decreta o

seguinte:

Artigo único

Alteração ao Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 2º

1-…

l) As vítimas de violência doméstica

2- …

3- …

4- …

5- …

_________________________________________________________________________

ANEXO I.c: Decreto-Lei n.º 79/2008, de 8 de Maio

O Decreto-Lei nº 173/2003, de 1 de Agosto, actualizado pelo Decreto-Lei nº201/2007, de

24 de Maio, que estabelece o regime das taxas moderadoras no acesso à prestação de

cuidados de saúde, deu cumprimento ao previsto na Lei de Bases da Saúde e definiu os

grupos beneficiários de isenção de pagamento de taxas moderadoras.

No sentido de contribuir para uma maior justiça social e não pondo em causa a

racionalização da utilização dos cuidados de saúde, o Governo introduz uma redução de

50% nas taxas moderadoras a suportar pelos utentes com idade igual ou superior a 65 anos,

já que estes são, por norma, os que revelam especial dependência dos cuidados de saúde.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

127

Esta medida é agora possível pelo efeito positivo alcançado na gestão das finanças públicas

e, em particular, do Sistema Nacional de Saúde.

Assim:

No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 48/90 de 24 de Agosto, e

nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 198º da Constituição, o Governo decreta o

seguinte:

O artigo 2º do Decreto-Lei nº173/2003, de 1 de Agosto, na redacção conferida pelo

Decreto-Lei nº 201/2007, de 24 de Maio, passa a ter a seguinte redacção:

Artigo 2º

1- …

2- Sem prejuízo do nº1, os utentes com idade igual ou superior a 65 anos beneficiam

de uma redução de 50% do pagamento das taxas moderadoras referidas no artigo 1º

do presente decreto-lei e no artigo 148º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.

3- (Anterior nº2)

4- (Anterior nº3)

5- A prova do facto referido no nº2 faz-se através da apresentação de documento de

identificação civil.

6- Todos os utentes, incluindo os beneficiários de subsistemas de saúde ou aqueles

por quem qualquer entidade, pública ou privada, seja responsável, estão sujeitos ao

pagamento de taxas moderadoras, excepto os que estão isentos nos termos dos nº 1

e 2.

7- (Anterior nº5)

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

128

ANEXO II: Portaria n.º 395-A/2007,

de 30 de Março

Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de

Agosto, e do artigo 148.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro:

Manda o Governo, pelo Ministro da Saúde, o seguinte:

1.º É aprovada a tabela das taxas moderadoras a qual consta do anexo à presente

portaria e que dela faz parte integrante.

2.º Sem prejuízo do estabelecido entre os serviços e estabelecimentos que integram o

Serviço Nacional de Saúde e entre estes e outras entidades, as taxas moderadoras devem

ser cobradas no momento da realização dos exames complementares de diagnóstico e

terapêutica, da admissão na urgência, da apresentação do utente na consulta e da admissão

para cirurgia de ambulatório. No caso de taxa devida por internamento, a cobrança deverá

ocorrer no momento em que a instituição considerar mais adequada à sua organização

interna.

3.º Excepcionam-se do disposto no número anterior as situações em que o exame ou

análise só é feito na sequência da realização de um outro a que correspondeu o pagamento

da taxa moderadora; neste caso, sendo realizado um novo exame ou análise na sequência

do primeiro, o pagamento da taxa moderadora do segundo só é feito após a realização

deste.

4.º Para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 148.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de

Dezembro, o pagamento da taxa moderadora em cirurgia de ambulatório é devido por

intervenção cirúrgica.

5.º Para efeitos da presente portaria, deve entender-se por:

a) Internamento: o conjunto de serviços que prestam cuidados de saúde a indivíduos

que, após serem admitidos, ocupam cama (ou berço de neonatologia ou pediatria) para

diagnóstico, tratamento ou cuidados paliativos, com permanência de, pelo menos, vinte e

quatro horas;

b) Cirurgia de ambulatório: a intervenção cirúrgica programada, realizada sob

anestesia geral, locorregional ou local que, embora habitualmente efectuada em regime de

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

129

internamento, pode ser realizada com permanência do doente inferior a vinte e quatro

horas;

c) Intervenção cirúrgica: um ou mais actos operatórios com o mesmo objectivo

terapêutico e ou diagnóstico, realizado(s) por cirurgião(ões) em sala operatória, na mesma

sessão, sob anestesia geral, locorregional ou local, com ou sem presença de anestesista.

6.º Não é devido o reembolso da taxa moderadora cobrada se o utente não

comparecer no momento da concretização do acto por motivos que lhe são imputáveis.

7.º As isenções previstas no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto,

que dependem da existência de diagnóstico de determinada doença ou situação de saúde,

apenas se consideram existir a partir do referido diagnóstico e apenas relativamente aos

actos subsequentes.

8.º Para cumprimento do disposto no n.º 2.º, os serviços e estabelecimentos que

integram o Serviço Nacional de Saúde ou que têm contrato ou convenção com o Serviço

Nacional de Saúde devem providenciar os meios para a efectiva cobrança das taxas

moderadoras, designadamente através de terminais de pagamento automático e, nos casos

de pagamento posteriores, providenciar a possibilidade de pagamento através de

Multibanco. Devem, ainda, proceder a uma correcta e suficiente identificação do utente, no

momento em que a taxa é devida, de modo a evitar outros procedimentos administrativos

ou judiciais de cobrança, que podem redundar num custo superior à própria taxa

moderadora.

9.º É revogada a Portaria n.º 219/2006, de 7 de Março.

10.º A presente portaria entra em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua

publicação.

__________________________

Nota: Nesta portaria estavam descritos os valores das taxas moderadoras,

contudo, não são aqui apresentados uma vez que já não se encontram em vigor. Os

valores em vigor são os aprovados pela Portaria n.º 1637/2007 de 31 de Dezembro.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

130

ANEXO III: Lei nº48/ 90, de 24 de Agosto

Lei de Bases da Saúde

(Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro)

A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), 168.º, n.º 1,

alínea f), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:

CAPÍTULO I

Disposições gerais

Base I

Princípios gerais

1 - A protecção da saúde constitui um direito dos indivíduos e da comunidade que se

efectiva pela responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, em

liberdade de procura e de prestação de cuidados, nos termos da Constituição e da lei.

2 - O Estado promove e garante o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos

limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis.

3 - A promoção e a defesa da saúde pública são efectuadas através da actividade do Estado

e de outros entes públicos, podendo as organizações da sociedade civil ser associadas

àquela actividade.

4 - Os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob

fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins

lucrativos.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

131

Base II

Política de saúde

1 - A política de saúde tem âmbito nacional e obedece às directrizes seguintes:

a) A promoção da saúde e a prevenção da doença fazem parte das prioridades no

planeamento das actividades do Estado;

b) É objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de

saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a

equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços;

c) São tomadas medidas especiais relativamente a grupos sujeitos a maiores riscos, tais

como as crianças, os adolescentes, as grávidas, os idosos, os deficientes, os

toxicodependentes e os trabalhadores cuja profissão o justifique;

d) Os serviços de saúde estruturam-se e funcionam de acordo com o interesse dos utentes e

articulam-se entre si e ainda com os serviços de segurança e bem-estar social;

e) A gestão dos recursos disponíveis deve ser conduzida por forma a obter deles o maior

proveito socialmente útil e a evitar o desperdício e a utilização indevida dos serviços;

f) É apoiado o desenvolvimento do sector privado da saúde e, em particular, as iniciativas

das instituições particulares de solidariedade social, em concorrência com o sector público;

g) É promovida a participação dos indivíduos e da comunidade organizada na definição da

política de saúde e planeamento e no controlo do funcionamento dos serviços;

h) É incentivada a educação das populações para a saúde, estimulando nos indivíduos e nos

grupos sociais a modificação dos comportamentos nocivos à saúde pública ou individual;

i) É estimulada a formação e a investigação para a saúde, devendo procurar-se envolver os

serviços, os profissionais e a comunidade.

2 - A política de saúde tem carácter evolutivo, adaptando-se permanentemente às

condições da realidade nacional, às suas necessidades e aos seus recursos.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

132

Base III

Natureza da legislação sobre saúde

A legislação sobre saúde é de interesse e ordem públicos, pelo que a sua inobservância

implica responsabilidade penal, contra-ordenacional, civil e disciplinar, conforme o

estabelecido na lei.

Base IV

Sistema de saúde e outras entidades

1 - O sistema de saúde visa a efectivação do direito à protecção da saúde.

2 - Para efectivação do direito à protecção da saúde, o Estado actua através de serviços

próprios, celebra acordos com entidades privadas para a prestação de cuidados e apoia e

fiscaliza a restante actividade privada na área da saúde.

3 - Os cidadãos e as entidades públicas e privadas devem colaborar na criação de

condições que permitam o exercício do direito à protecção da saúde e a adopção de estilos

de vida saudáveis.

Base V

Direitos e deveres dos cidadãos

1 - Os cidadãos são os primeiros responsáveis pela sua própria saúde, individual e

colectiva, tendo o dever de a defender e promover.

2 - Os cidadãos têm direito a que os serviços públicos de saúde se constituam e funcionem

de acordo com os seus legítimos interesses.

3 - É reconhecida a liberdade de prestação de cuidados de saúde, com as limitações

decorrentes da lei, designadamente no que respeita a exigências de qualificação

profissional.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

133

4 - A liberdade de prestação de cuidados de saúde abrange a faculdade de se constituírem

entidades sem ou com fins lucrativos que visem aquela prestação.

5 - É reconhecida a liberdade de escolha no acesso à rede nacional de prestação de

cuidados de saúde, com as limitações decorrentes dos recursos existentes e da organização

dos serviços.

Base VI

Responsabilidade do Estado

1 - O Governo define a política de saúde.

2 - Cabe ao Ministério da Saúde propor a definição da política nacional de saúde,

promover e vigiar a respectiva execução e coordenar a sua acção com a dos ministérios que

tutelam áreas conexas.

3 - Todos os departamentos, especialmente os que actuam nas áreas específicas da

segurança e bem-estar social, da educação, do emprego, do desporto, do ambiente, da

economia, do sistema fiscal, da habitação e do urbanismo, devem ser envolvidos na

promoção da saúde.

4 - Os serviços centrais do Ministério da Saúde exercem, em relação ao Serviço Nacional

de Saúde, funções de regulamentação, orientação, planeamento, avaliação e inspecção.

Base VII

Conselho Nacional de Saúde

1 - O Conselho Nacional de Saúde representa os interessados no funcionamento das

entidades prestadoras de cuidados de saúde e é um órgão de consulta do Governo.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

134

2 - O Conselho Nacional de Saúde inclui representantes dos utentes, nomeadamente dos

subsistemas de saúde, dos seus trabalhadores, dos departamentos governamentais com

áreas de actuação conexas e de outras entidades.

3 - Os representantes dos utentes são eleitos pela Assembleia da República.

4 - A composição, a competência e o funcionamento do Conselho Nacional de Saúde

constam da lei.

Base VIII

Regiões autónomas

1 - Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira a política de saúde é definida e

executada pelos órgãos do governo próprio, em obediência aos princípios estabelecidos

pela Constituição da República e pela presente lei.

2 - A presente lei é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, que devem

publicar regulamentação própria em matéria de organização, funcionamento e

regionalização dos serviços de saúde.

Base IX

Autarquias locais

Sem prejuízo de eventual transferência de competências, as autarquias locais participam na

acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, intervêm na definição das linhas

de actuação em que estejam directamente interessadas e contribuem para a sua efectivação

dentro das suas atribuições e responsabilidades.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

135

Base X

Relações internacionais

1 - Tendo em vista a indivisibilidade da saúde na comunidade internacional, o Estado

Português reconhece as consequentes interdependências sanitárias a nível mundial e

assume as respectivas responsabilidades.

2 - O Estado Português apoia as organizações internacionais de saúde de reconhecido

prestígio, designadamente a Organização Mundial de Saúde, coordena a sua política com

as grandes orientações dessas organização e garante o cumprimento dos compromissos

internacionais livremente assumidos.

3 - Como Estado membro das Comunidades Europeias, Portugal intervém na tomada de

decisões em matéria de saúde a nível comunitário, participa nas acções que se

desenvolvem a esse nível e assegura as medidas a nível interno decorrentes de tais

decisões.

4 - Em particular, Portugal defende o progressivo incremento da acção comunitária

visando a melhoria da saúde pública, especialmente nas regiões menos favorecidas e no

quadro do reforço da coesão económica e social fixado pelo Acto Único Europeu.

5 - É estimulada a cooperação com outros países, no âmbito da saúde, em particular com os

países africanos de língua oficial portuguesa.

Base XI

Defesa sanitária das fronteiras

1 - O Estado Português promove a defesa sanitária das suas fronteiras, com respeito pelas

regras gerais emitidas pelos organismos competentes.

2 - Em especial, cabe aos organismos competentes estudar, propor, executar e fiscalizar as

medidas necessárias para prevenir a importação ou exportação das doenças submetidas ao

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

136

Regulamento Sanitário Internacional, enfrentar a ameaça de expansão de doenças

transmissíveis e promover todas as operações sanitárias exigidas pela defesa da saúde da

comunidade internacional.

CAPÍTULO II

Das entidades prestadoras dos cuidados de saúde em geral

Base XII

Sistema de saúde

1 - O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as

entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na

área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres

que acordem com a primeira a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades.

2 - O Serviço Nacional de Saúde abrange todas as instituições e serviços oficiais

prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde e dispõe de estatuto

próprio.

3 - O Ministério da Saúde e as administrações regionais de saúde podem contratar com

entidades privadas a prestação de cuidados de saúde aos beneficiários do Serviço Nacional

de Saúde sempre que tal se afigure vantajoso, nomeadamente face à consideração do

binómio qualidade-custos, e desde que esteja garantido o direito de acesso.

4 - A rede nacional de prestação de cuidados de saúde abrange os estabelecimentos do

Serviço Nacional de Saúde e os estabelecimentos privados e os profissionais em regime

liberal com quem sejam celebrados contratos nos termos do número anterior.

5 - Tendencialmente, devem ser adoptadas as mesmas regras no pagamento de cuidados e

no financiamento de unidades de saúde da rede nacional da prestação de cuidados de

saúde.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

137

6 - O controlo de qualidade de toda a prestação de cuidados de saúde está sujeito ao

mesmo nível de exigência.

Base XIII

Níveis de cuidados de saúde

1 - O sistema de saúde assenta nos cuidados de saúde primários, que devem situar-se junto

das comunidades.

2 - Deve ser promovida a intensa articulação entre os vários níveis de cuidados de saúde,

reservando a intervenção dos mais diferenciados para as situações deles carecidas e

garantindo permanentemente a circulação recíproca e confidencial da informação clínica

relevante sobre os utentes.

Base XIV

Estatuto dos utentes

1 - Os utentes têm direito a:

a) Escolher, no âmbito do sistema de saúde e na medida dos recursos existentes e de

acordo com as regras de organização, o serviço e agentes prestadores;

b) Decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta, salvo disposição

especial da lei;

c) Ser tratados pelos meios adequados, humanamente e com prontidão, correcção técnica,

privacidade e respeito;

d) Ter rigorosamente respeitada a confidencialidade sobre os dados pessoais revelados;

e) Ser informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução

provável do seu estado;

f) Receber, se o desejarem, assistência religiosa;

g) Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso, a receber

indemnização por prejuízos sofridos;

h) Constituir entidades que os representem e defendam os seus interesses;

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

138

i) Constituir entidades que colaborem com o sistema de saúde, nomeadamente sob a forma

de associações para a promoção e defesa da saúde ou de grupos de amigos de

estabelecimentos de saúde.

2 - Os utentes devem:

a) Respeitar os direitos dos outros utentes;

b) Observar as regras sobre a organização e o funcionamento dos serviços e

estabelecimentos;

c) Colaborar com os profissionais de saúde em relação à sua própria situação;

d) Utilizar os serviços de acordo com as regras estabelecidas;

e) Pagar os encargos que derivem da prestação dos cuidados de saúde, quando for caso

disso.

3 - Relativamente a menores e incapazes, a lei deve prever as condições em que os seus

representantes legais podem exercer os direitos que lhes cabem, designadamente o de

recusarem a assistência, com observância dos princípios constitucionalmente definidos.

Base XV

Profissionais de saúde

1 - A lei estabelece os requisitos indispensáveis ao desempenho de funções e os direitos e

deveres dos profissionais de saúde, designadamente os de natureza deontológica, tendo em

atenção a relevância social da sua actividade.

2 - A política de recursos humanos para a saúde visa satisfazer as necessidades da

população, garantir a formação, a segurança e o estímulo dos profissionais, incentivar a

dedidação plena, evitando conflitos de interesse entre a actividade pública e a actividade

privada, facilitar a mobilidade entre o sector público e o sector privado e procurar uma

adequada cobertura no território nacional.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

139

3 - O Ministério da Saúde organiza um registo nacional de todos os profissionais de saúde,

com exclusão daqueles cuja inscrição seja obrigatória numa associação profissional de

direito público.

4 - A inscrição obrigatória referida no número anterior é da responsabilidade da respectiva

associação profissional de direito público e funciona como registo nacional dos

profissionais nela inscritos, sendo facultada ao Ministério da Saúde sempre que por este

solicitada.

Base XVI

Formação do pessoal de saúde

1 - A formação e o aperfeiçoamento profissional, incluindo a formação permanente, do

pessoal de saúde constituem um objectivo fundamental a prosseguir.

2 - O Ministério da Saúde colabora com o Ministério da Educação nas actividades de

formação que estiverem a cargo deste, designadamente facultando nos seus serviços

campos de ensino prático e de estágios, e prossegue as actividades que lhe estiverem

cometidas por lei nesse domínio.

3 - A formação do pessoal deve assegurar uma qualificação técnico-científica tão elevada

quanto possível tendo em conta o ramo e o nível do pessoal em causa, despertar nele o

sentido da responsabilidade profissional, sem esquecer a preocupação da melhor utilização

dos recursos disponíveis, e, em todos os casos, orientar-se no sentido de incutir nos

profissionais o respeito pela vida e pelos direitos das pessoas e dos doentes como o

primeiro dever que lhes cumpre observar.

Base XVII

Investigação

1 - É apoiada a investigação com interesse para a saúde, devendo ser estimulada a

colaboração neste domínio entre os serviços do Ministério da Saúde e as universidades, a

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

140

Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e outras entidades, públicas ou

privadas.

2 - Em particular, deve ser promovida a participação portuguesa em programas de

investigação no campo da saúde levados a efeito no âmbito das Comunidades Europeias.

3 - As acções de investigação a apoiar devem sempre observar, como princípio orientador,

o de que a vida humana é o valor máximo a promover e a salvaguardar em quaisquer

circunstâncias.

Base XVIII

Organização do território para o sistema de saúde

1 - A organização do sistema de saúde baseia-se na divisão do território nacional em

regiões de saúde.

2 - As regiões de saúde são dotadas de meios de acção bastantes para satisfazer

autonomamente as necessidades correntes de saúde dos seus habitantes, podendo, quando

necessário, ser estabelecidos acordos inter-regionais para a utilização de determinados

recursos.

3 - As regiões podem ser divididas em sub-regiões de saúde, de acordo com as

necessidades das populações e a operacionalidade do sistema.

4 - Cada concelho constitui uma área de saúde, mas podem algumas localidades ser

incluídas em áreas diferentes das dos concelhos a que pertençam quando se verifique que

tal é indispensável para tornar mais rápida e cómoda a prestação dos cuidados de saúde.

5 - As grandes aglomerações urbanas podem ter organização de saúde própria a estabelecer

em lei, tomando em conta as respectivas condições demográficas e sanitárias.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

141

Base XIX

Autoridades de saúde

1 - As autoridades de saúde situam-se a nível nacional, regional e concelhio, para garantir a

intervenção oportuna e discricionária do Estado em situações de grave risco para a saúde

pública, e estão hierarquicamente dependentes do Ministro da Saúde, através do director-

geral competente.

2 - As autoridades de saúde têm funções de vigilância das decisões dos órgãos e serviços

executivos do Estado em matéria de saúde pública, podendo suspendê-las quando as

considerem prejudiciais.

3 - Cabe ainda especialmente às autoridades de saúde:

a) Vigiar o nível sanitário dos aglomerados populacionais, dos serviços, estabelecimentos e

locais de utilização pública para defesa da saúde pública;

b) Ordenar a suspensão de actividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e

locais referidos na alínea anterior, quando funcionem em condições de grave risco para a

saúde pública;

c) Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação

compulsiva de cuidados de saúde a indivíduos em situação de prejudicarem a saúde

pública;

d) Exercer a vigilância sanitária das fronteiras;

e) Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de

epidemias graves e outras situações semelhantes.

4 - As funções de autoridade de saúde são independentes das de natureza operativa dos

serviços de saúde e são desempenhadas por médicos, preferencialmente da carreira de

saúde pública.

5 - Das decisões das autoridades de saúde há sempre recurso hierárquico e contencioso nos

termos da lei.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

142

Base XX

Situações de grave emergência

1 - Quando ocorram situações de catástrofe ou de outra grave emergência de saúde, o

Ministro da Saúde toma as medidas de excepção que forem indispensáveis, coordenando a

actuação dos serviços centrais do Ministério com os órgãos do Serviço Nacional de Saúde

e os vários escalões das autoridades de saúde.

2 - Sendo necessário, pode o Governo, nas situações referidas no n.º 1, requisitar, pelo

tempo absolutamente indispensável, os profissionais e estabelecimentos de saúde em

actividade privada.

Base XXI

Actividade farmacêutica

1 - A actividade farmacêutica abrange a produção, comercialização, importação e

exportação de medicamentos e produtos medicamentosos.

2 - A actividade farmacêutica tem legislação especial e fica submetida à disciplina e

fiscalização conjuntas dos ministérios competentes, de forma a garantir a defesa e a

protecção da saúde, a satisfação das necessidades da população e a racionalização do

consumo de medicamentos e produtos medicamentosos.

3 - A disciplina referida no número anterior incide sobre a instalação de equipamentos

produtores e os estabelecimentos distribuidores de medicamentos e produtos

medicamentosos e o seu funcionamento.

Base XXII

Ensaios clínicos de medicamentos

Os ensaios clínicos de medicamentos são sempre realizados sob direcção e

responsabilidade médica, segundo regras a definir em diploma próprio.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

143

Base XXIII

Outras actividades complementares

1 - Estão sujeitas a regras próprias e à disciplina e inspecção do Ministério da Saúde, e,

sendo caso disso, dos outros ministérios competentes, as actividades que se destinem a

facultar meios materiais ou de organização indispensáveis à prestação de cuidados de

saúde, mesmo quando desempenhadas pelo sector privado.

2 - Incluem-se, nomeadamente, nas actividades referidas no número anterior a colheita e

distribuição de produtos biológicos, a produção e distribuição de bens e produtos

alimentares, a produção, a comercialização e a instalação de equipamentos e bens de saúde,

o estabelecimento e exploração de seguros de saúde e o transporte de doentes.

CAPÍTULO III

Do Serviço Nacional de Saúde

Base XXIV

Características

O Serviço Nacional de Saúde caracteriza-se por:

a) Ser universal quanto à população abrangida;

b) Prestar integramente cuidados globais ou garantir a sua prestação;

c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e

sociais dos cidadãos;

d) Garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os efeitos das

desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados;

e) Ter organização regionalizada e gestão descentralizada e participada.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

144

Base XXV

Beneficiários

1 - São beneficiários do Serviço Nacional de saúde todos os cidadãos portugueses.

2 - São igualmente beneficiários do Serviço Nacional de Saúde os cidadãos nacionais de

Estados membros das Comunidades Europeias, nos termos das normas comunitárias

aplicáveis.

3 - São ainda beneficiários do Serviço Nacional de saúde os cidadãos estrangeiros

residentes em Portugal, em condições de reciprocidade, e os cidadãos apátridas residentes

em Portugal.

Base XXVI

Organização do Serviço Nacional de Saúde

1 - O Serviço Nacional de Saúde é tutelado pelo Ministro da Saúde e é administrado a

nível de cada região de saúde pelo conselho de administração da respectiva administração

regional de saúde.

2 - Em cada sub-região existe um coordenador sub-regional de saúde e em cada concelho

uma comissão concelhia de saúde.

Base XXVII

Administrações regionais de saúde

1 - As administrações regionais de saúde são responsáveis pela saúde das populações da

respectiva área geográfica, coordenam a prestação de cuidados de saúde de todos os níveis

e adequam os recursos disponíveis às necessidades, segundo a política superiormente

definida e de acordo com as normas e directivas emitidas pelo Ministério da Saúde.

2 - As administrações regionais de saúde são dirigidas por um conselho de administração,

cuja composição é definida por lei.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

145

3 - Cabe em especial ao conselho de administração das administrações regionais de saúde:

a) Propor os planos de actividade e o orçamento respectivo, acompanhar a sua execução e

deles prestar contas;

b) Orientar, coordenar e acompanhar a gestão do Serviço Nacional de Saúde a nível

regional;

c) Representar o Serviço Nacional de Saúde em juízo e fora dele, a nível da região

respectiva;

d) Regular a procura entre os estabelecimentos e serviços da região e orientar, coordenar e

acompanhar o respectivo funcionamento, sem prejuízo da autonomia de gestão destes

consagrada na lei;

e) Contratar com entidades privadas a prestação de cuidados de saúde aos beneficiários do

Serviço Nacional de Saúde na respectiva região, sem prejuízo de acordos de âmbito

nacional sobre a mesma matéria;

f) Avaliar permanentemente os resultados obtidos;

g) Coordenar o transporte de doentes, incluindo o que esteja a cargo de entidades privadas.

Base XXVIII

Coordenador sub-regional de saúde

Ao coordenador sub-regional de saúde cabe coadjuvar a administração regional no

exercício das suas funções no âmbito da sub-região e exercer as funções que o conselho de

administração da administração regional nele delegar.

Base XXIX

Comissões concelhias de saúde

As comissões concelhias de saúde são órgãos consultivos das administrações regionais de

saúde em relação a cada concelho da respectiva área de actuação.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

146

Base XXX

Avaliação permanente

1 - O funcionamento do Serviço Nacional de Saúde está sujeito a avaliação permanente,

baseada em informações de natureza estatística, epidemiológica e administrativa.

2 - É igualmente colhida informação sobre a qualidade dos serviços, o seu grau de

aceitação pela população utente, o nível de satisfação dos profissionais e a razoabilidade da

utilização dos recursos em termos de custos e benefícios.

3 - Esta informação é tratada em sistema completo e integrado que abrange todos os níveis

e todos os órgãos e serviços.

Base XXXI

Estatuto dos profissionais de saúde do Serviço Nacional de Saúde

1 - Os profissionais de saúde que trabalham no Serviço Nacional de Saúde estão

submetidos às regras próprias da Administração Pública e podem constituir-se em corpos

especiais, sendo alargado o regime laboral aplicável, de futuro, à lei do contrato individual

de trabalho e à contratação colectiva de trabalho.

Alterado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro (Aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).

2 - A lei estabelece, na medida do que seja necessário, as regras próprias sobre o estatuto

dos profissionais de saúde, o qual deve ser adequado ao exercício das funções e delimitado

pela ética e deontologia profissionais.

3 - Aos profissionais dos quadros do Serviço Nacional de Saúde é permitido, sem prejuízo

das normas que regulam o regime de trabalho de dedicação exclusiva, exercer a actividade

privada, não podendo dela resultar para o Serviço Nacional de Saúde qualquer

responsabilidade pelos encargos resultantes dos cuidados por esta forma prestados aos seus

beneficiários.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

147

4 - É assegurada formação permanente aos profissionais de saúde.

Base XXXII

Médicos

1 - Ao pessoal médico cabe no Serviço Nacional de Saúde particular relevo e

responsabilidade.

2 - É definido na lei o conceito de acto médico.

3 - O ingresso dos médicos e a sua permanência no Serviço Nacional de Saúde dependem

de inscrição na Ordem dos Médicos.

4 - É reconhecida à Ordem dos Médicos a função de definição da deontologia médica, bem

como a de participação, em termos a regulamentar, na definição da qualidade técnica

mesmo para os actos praticados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, estando-lhe

também cometida a fiscalização do exercício livre da actividade médica.

5 - A lei regula com a mesma dignidade as carreiras médicas, independentemente de serem

estruturadas de acordo com a diferenciação profissional.

6 - A lei pode prever que os médicos da carreira hospitalar sejam autorizados a assistir, nos

hospitais, os seus doentes privados, em termos a regulamentar.

7 - Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podem contratar para

tarefas específicas médicos do sector privado especialmente qualificados.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

148

Base XXXIII

Financiamento

1 - O Serviço Nacional de Saúde é financiado pelo Orçamento do Estado, através do

pagamento dos actos e actividades efectivamente realizados segundo uma tabela de preços

que consagra uma classificação dos mesmos actos, técnicas e serviços de saúde.

Alterado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro (Aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).

2 - Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podem cobrar as

seguintes receitas, a inscrever nos seus orçamentos próprios:

a) O pagamento de cuidados em quarto particular ou outra modalidade não prevista para a

generalidade dos utentes;

b) O pagamento de cuidados por parte de terceiros responsáveis, legal ou contratualmente,

nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades seguradoras;

c) O pagamento de cuidados prestados a não beneficiários do Serviço Nacional de Saúde

quando não há terceiros responsáveis;

d) O pagamento de taxas por serviços prestados ou utilização de instalações ou

equipamentos nos termos legalmente previstos;

e) O produto de rendimentos próprios;

f) O produto de benemerências ou doações;

g) O produto da efectivação de responsabilidade dos utentes por infracções às regras da

organização e do funcionamento do sistema e por uso doloso dos serviços e do material de

saúde.

Base XXXIV

Taxas moderadoras

1 - Com o objectivo de completar as medidas reguladoras do uso dos serviços de saúde,

podem ser cobradas taxas moderadoras, que constituem também receita do Serviço

Nacional de Saúde.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

149

2 - Das taxas referidas no número anterior são isentos os grupos populacionais sujeitos a

maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos, nos termos determinados na lei.

Base XXXV

Benefícios

1 - A lei pode especificar as prestações garantidas aos beneficiários do Serviço Nacional de

Saúde ou excluir do objecto dessas prestações cuidados não justificados pelo estado de

saúde.

2 - Só em circunstâncias excepcionais em que seja impossível garantir em Portugal o

tratamento nas condições exigíveis de segurança e em que seja possível fazê-lo no

estrangeiro, o Serviço Nacional de Saúde suporta as respectivas despesas.

Base XXXVI

Gestão dos hospitais e centros de saúde

1 - A gestão das unidades de saúde deve obedecer, na medida do possível, a regras de

gestão empresarial e a lei pode permitir a realização de experiências inovadoras de gestão,

submetidas a regras por ela fixadas.

2 - Nos termos a estabelecer em lei, pode ser autorizada a entrega, através de contratos de

gestão, de hospitais ou centros de saúde do Serviço Nacional de saúde a outras entidades

ou, em regime de convenção, a grupos de médicos.

3 - A lei pode prever a criação de unidades de saúde com a natureza de sociedades

anónimas de capitais públicos.

Aditado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro (Aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

150

CAPÍTULO IV

Das iniciativas particulares de saúde

Base XXXVII

Apoio ao sector privado

1 - O Estado apoia o desenvolvimento do sector privado de prestação de cuidados de

saúde, em função das vantagens sociais decorrentes das iniciativas em causa e em

concorrência com o sector público.

2 - O apoio pode traduzir-se, nomeadamente, na facilitação da mobilidade do pessoal do

Serviço Nacional de saúde que deseje trabalhar no sector privado, na criação de incentivos

à criação de unidades privadas e na reserva de quotas de leitos de internamento em cada

região de saúde.

Base XXXVIII

Instituições particulares de solidariedade social com objectivos de saúde

1 - As instituições particulares de solidariedade social com objectivos específicos de saúde

intervêm na acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, de acordo com a

legislação que lhes é própria e a presente lei.

2 - As instituições particulares de solidariedade social ficam sujeitas, no que respeita às

suas actividades de saúde, ao poder orientador e de inspecção dos serviços competentes do

Ministério da Saúde, sem prejuízo da independência de gestão estabelecida na Constituição

e na sua legislação própria.

3 - Para além do apoio referido no n.º 2 da base XXXVII, os serviços de saúde destas

instituições podem ser subsidiados financeiramente e apoiados tecnicamente pelo Estado e

pelas autarquias locais.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

151

Base XXXIX

Organizações de saúde com fins lucrativos

1 - As organizações privadas com objectivos de saúde e fins lucrativos estão sujeitas a

licenciamento, regulamentação e vigilância de qualidade por parte do Estado.

2 - A hospitalização privada, em especial, actua em articulação com o Serviço Nacional de

Saúde.

3 - Compreendem-se na hospitalização privada não apenas as clínicas ou casas de saúde,

gerais ou especializadas, mas ainda os estabelecimentos termais com internamento não

pertencentes ao Estado ou às autarquias locais.

Base XL

Profissionais de saúde em regime liberal

1 - Os profissionais de saúde que asseguram cuidados em regime de profissão liberal

desempenham função de importância social reconhecida e protegida pela lei.

2 - O exercício de qualquer profissão que implique a prestação de cuidados de saúde em

regime liberal é regulamentado e fiscalizado pelo Ministério da Saúde, sem prejuízo das

funções cometidas à Ordem dos Médicos, à Ordem dos Enfermeiros e à Ordem dos

Farmacêuticos.

Alterado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro (Aprova o novo regime jurídico da

gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).

3 - O Serviço Nacional de Saúde, os médicos, os farmacêuticos e outros profissionais de

saúde em exercício liberal devem prestar-se apoio mútuo.

4 - Os profissionais de saúde em regime liberal devem ser titulares de seguro contra os

riscos decorrentes do exercício das suas funções.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

152

Base XLI

Convenções

1 - No quadro estabelecido pelo n.º 3 da base XII, podem ser celebradas convenções com

médicos e outros profissionais de saúde ou casas de saúde, clínicas ou hospitais privados,

quer a nível de cuidados de saúde primários quer a nível de cuidados diferenciados.

2 - A lei estabelece as condições de celebração de convenções e, em particular, as garantias

das entidades convencionadas.

Base XLII

Seguros de saúde

A lei fixa incentivos ao estabelecimento de seguros de saúde.

CAPÍTULO V

Disposições finais e transitórias

Base XLIII

Regulamentação

1 - O Governo deve desenvolver em decretos-leis as bases da presente lei que não sejam

imediatamente aplicáveis.

2 - As administrações regionais de saúde devem ser progressivamente implantadas,

podendo, numa fase inicial, abranger só parte da zona total ou parte dos serviços

prestadores de cuidados.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

153

Base XLIV

Regime transitório

As convenções celebradas com profissionais do Serviço Nacional de Saúde mantêm-se

transitoriamente, nos termos dos respectivos contratos, em condições e por período que

vierem a ser estabelecidos em diploma regulamentar.

Base XLV

Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.

Aprovada em 12 de Julho de 1990.

O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereiro Crespo.

Promulgada em 31 de Julho de 1990.

O Presidente da República, Mário Soares.

Referendada em 3 de Agosto de 1990.

O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

154

ANEXO IV: Questionário

Caro(a) Profissional de Saúde:

O presente questionário, que se destina à realização da tese de mestrado em Bioética na

Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, irá permitir analisar as questões mais

pertinentes que rodeiam a temática das taxas moderadoras no nosso SNS.

A amostra deste estudo será constituída por médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que

exerçam a sua actividade em hospitais públicos de Portugal e unidades de centros de saúde.

Dado que só com a sua preciosa colaboração me será possível concretizar o ambicioso

objectivo atrás mencionado, agradeço-lhe desde já a atenção e o tempo dispensados no

preenchimento deste questionário.

Os dados aqui contidos são absolutamente confidenciais e anónimos.

O meu muito obrigado

Ana Patrícia Barbosa

(aluna do VI Mestrado em Bioética)

NB: Contacto para o caso de existirem dúvidas:963110664

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

155

QUESTIONÁRIO

Local onde exerce a sua actividade _________________________________________

Profissão _________________________ Idade _____ N.º anos de prática clínica _____

Serviço hospitalar em que trabalha ____________________________

1. Concorda que as taxas moderadoras são um instrumento eficaz no controlo da procura

excessiva de cuidados de saúde (exames de diagnóstico, urgências).

(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)

Concordo totalmente

Concordo parcialmente

Discordo parcialmente

Discordo totalmente

Não sei

Não tenho opinião sobre o assunto

1.1- Poderão existir serviços de saúde, em que a procura de cuidados de saúde

“desnecessários” tenha efectivamente diminuído?

Sim____ Não____

Se sim, qual (s)? _________________

2. Sabendo que o pagamento da taxa moderadora não é diferenciado consoante o nível

sócio-económico do indivíduo, os estratos sociais mais desfavorecidos economicamente

poderão ter reduzido a procura dos cuidados de saúde em casos em que estes seriam

necessários?

(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)

Concordo totalmente

Concordo parcialmente

Discordo parcialmente

Discordo totalmente

Não sei

Não tenho opinião sobre o assunto

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

156

3. Concorda que o pagamento das taxas deveria ser diferenciado (progressivo), ou seja, o

seu valor deveria variar consoante o rendimento do indivíduo?

(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)

Concordo totalmente

Concordo parcialmente

Discordo parcialmente

Discordo totalmente

Não sei

Não tenho opinião sobre o assunto

4. Considera que neste momento as principais funções das taxas moderadoras no nosso

SNS são:

Enumere somente as questões que considere como funções das taxas moderadoras. Atribua a

classificação da seguinte forma: 1- (Função) Muito importante; 2- Importante; 3- Média.

Aos itens que não considere constituírem qualquer função não atribua qualquer classificação.

A racionalização da procura de cuidados de saúde

Uma fonte de receita/ financiamento para o SNS

Um instrumento económico que permite às unidades de saúde um aumento da autonomia

financeira

Um instrumento que permite aos utentes um aumento da exigência na qualidade de

serviços prestados

Um instrumento que os governos utilizam no sentido de transferir para o utente uma

maior responsabilização pelo custo de cuidados de saúde

Uma forma de sensibilização para os utentes de que os cuidados de saúde apresentam um

custo elevado, sendo a taxa moderadora simbólica

Um utensílio que conduz a uma maior prudência por parte do utente na selecção do

serviço a utilizar, por exemplo, não recorre directamente às urgências onde a taxa é mais

elevada se o caso não o justificar

Não sei

Não tenho opinião sobre o assunto

Outro. Qual?

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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5. De uma forma geral concorda com a implementação e existência das taxas

moderadoras?

(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)

Concordo totalmente

Concordo parcialmente

Discordo parcialmente

Discordo totalmente

Não sei

Não tenho opinião sobre o assunto

6. Na sua opinião o desempenho do SNS na resolução dos problemas de saúde que

actualmente existem é:

(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)

Excelente

Muito bom

Bom

Satisfatório

Não satisfatório

Mau

Não sei

Não tenho opinião sobre o assunto

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Anexos

IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE

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7. Na sua opinião quais são as principais causas de algum deficit do SNS no desempenho

das suas tarefas?

Enumere somente as questões que considere como causas responsáveis por alguma falha do

SNS. Atribua a classificação da seguinte forma: 1-(Causa) Muito importante; 2- Importante;

3- Média.

Aos itens que não considere constituírem qualquer causa não atribua qualquer classificação.

Escassez de recursos perante uma procura crescente e exigente de cuidados de saúde

Falta de recursos humanos

Escassez de meios técnicos

Políticas de saúde inadequadas

Má organização nas instituições

Má gestão dos recursos existentes

Falta de empenho e desmotivação dos profissionais para fazer mais e melhor

Falta de regulação e controlo nas instituições

Não sei

Não tenho opinião sobre o assunto

Outro. Qual?

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