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BIOÉTICA
ANA PATRÍCIA DA ROCHA BARBOSA
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS
MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE
RECURSOS EM SAÚDE
Trabalho de Projecto apresentado para a
obtenção do grau de Mestre em Bioética,
sob a orientação da Prof.ª Doutora
Guilhermina Rego
6ª CURSO DE MESTRADO EM BIOÉTICA
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PORTO, 2009
ANA PATRÍCIA DA ROCHA BARBOSAX
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS
MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE
RECURSOS EM SAÚDE
6ª CURSO DE MESTRADO EM BIOÉTICA
FACULDADE DE MEDICINA DA UNIVERSIDADE DO PORTO
PORTO, 2009
x Fisioterapeuta, aluna do 6º Mestrado em Bioética.
Agradecimentos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
I
Agradecimentos
Quero agradecer à Doutora Guilhermina Rego não só
pela ajuda dada enquanto orientadora deste projecto,
mas também pelo apoio demonstrado ao longo destes
dois anos!
Um obrigado especial aos meus pais e irmã pelo apoio
distinto e ajuda constante que sempre me deram ao
longo do meu percurso académico!
Um obrigado especial ao Bruno pela companhia que me fez nas visitas à
Universidade do Minho para a realização da pesquisa bibliográfica!
Ao meu amigo António Manuel, um agradecimento especial, pela leitura
atenciosa que fez do meu trabalho e ao Rui um agradecimento pelas
sugestões de formatação.
Ao Serviço de Bioética e Ética Médica e ao Departamento de Clínica Geral
da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto agradeço todo o apoio
que me deram desde o primeiro ano.
Resumo
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
II
RESUMO
Dados os elevados gastos que se têm verificado na área da saúde em toda a Europa, os
governos foram impelidos a tomar decisões no sentido de se alcançar uma maior e melhor
contenção de custos (Mossialos e Le Grand 2001).
As taxas moderadoras são um instrumento financeiro, de carácter explícito, que têm como
principal objectivo a racionalização da procura de cuidados de saúde (Pinto e Aragão
2003). Contudo, em Portugal, esta medida de contenção de custos tem sofrido sucessivos
aumentos e um alargamento aos diferentes sectores da saúde. Tal facto parecer-nos-à
colidir com o direito dos portugueses a um sistema de saúde universal geral e
tendencialmente gratuito, financiado através de impostos. Mais ainda, em Portugal os
indivíduos são englobados em dois grupos: isentos e não isentos; sendo que, tal facto
poderá ser gerador de desigualdades entre os não isentos, devido aos diferentes níveis de
rendimento dentro deste último grupo.
Este trabalho pretendeu avaliar, do ponto de vista dos profissionais de saúde, o impacto da
implementação e existência de taxas moderadoras no comportamento dos agentes da
procura.
O instrumento de medida utilizado foi o questionário criado pela autora do trabalho; o qual
foi submetido a um pré-teste.
Apesar dos resultados obtidos com a amostra do pré-teste não poderem ser extrapolados
para a população, foi efectuada uma análise da opinião dos inquiridos acerca do papel das
taxas moderadoras no comportamento dos utentes. Assim os resultados obtidos mostraram
que a maioria dos profissionais de saúde concorda com a existência das taxas moderadoras
e defendem que as mesmas deveriam apresentar um carácter pogressivo. Quanto às
funções das taxas moderadoras, a racionalização da procura é apenas uma delas, sendo que,
o seu papel na selecção do serviço a utilizar e na sensibilização dos utentes para os
elevados custos dos cuidados de saúde se revelam também de especial importância.
Resumo
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
III
ABSTRACT
Due to the increasing healthcare expenses that have been verified in all Europe, the
governments have been impelled to take decisions with the intention to achieve a bigger
and better containment of costs (Mossialos e Le Grand 2001).
The charges are a financial instrument, of explicit character which has as main purpose the
rationalization of healthcare search. However, in Portugal, this cost containment measure
has suffered successive raises and a widening to the different health sectors (Pinto e
Aragão 2003). Such fact will seem to us to collide with the Portuguese people’s right to a
free healthcare system, financed through taxes. Furthermore, in Portugal individuals are
included in two groups: exempt and not exempt; being that such fact could be the generator
of inequalities between the not exempted, due to their different ability to pay.
This work intended to evaluate the impact of charges implementation and existence in the
demand agents’ behaviour, regarding the healthcare professionals’ point of view.
The instrument of measure used was the inquiry created by the authoress of the paperwork;
which was submitted to a daily pre-test.
Although the results obtained with pre-test couldn’t be generalized to the population, it was
made an analysis of the inquired people’s opinion, concerning the charges` role in the
patients` behaviour. Thus the results showed that the majority of the healthcare
professionals agree with the existence of charges and defend that the same ones should
have a gradual character. Regarding the charges functions, the demand rationalizing is just
one of many, being that its role in the selection of the service to use and in the patients’
sensitization for the increased healthcare costs reveals itself of special importance.
Índice
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
IV
ÍNDICE Agradecimentos ................................................................................................................ …I
Resumo ................................................................................................................................ II
Índice .................................................................................................................................. IV
Índice de Figuras e Gráficos ............................................................................................. VI
Índice de Tabelas .............................................................................................................. VII
Introdução ............................................................................................................................. 1
PARTE I: REVISÃO DA LITERATURA
Capítulo 1- Justiça Distributiva
1.1 Conceito e Teorias da Justiça ....................................................................................... 8
1.1.1 Igualitarismo Qualificado ........................................................................................ 10
1.1.2 Utilitarismo ............................................................................................................... 13
1.1.3 Teoria Libertária ...................................................................................................... 15
Capítulo 2- Direito da Saúde e Caracterização do SNS
2.1 Direito Constitucional da Saúde em Portugal ........................................................... 18
2.2 A Natureza Mista do SNS Português ......................................................................... 23
2.3 Equidade e Solidariedade ........................................................................................... 27
2.4 Eficiência e Public Accountability ............................................................................... 32
Capítulo 3- Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
3.1 Especificidade do Bem “Cuidados de Saúde” ........................................................... 36
3.2 Características da Procura em Saúde ........................................................................ 41
3.3 Característica da Oferta e do Financiamento no Sector da Saúde ......................... 53
Capítulo 4- Taxas Moderadoras
4.1 Racionalização da Procura ......................................................................................... 62
4.2 Papel das Taxas Moderadoras.................................................................................... 67
4.2.1 Argumentos a Favor ............................................................................................ 72
4.2.2 Argumentos Contra ............................................................................................. 75
Índice
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
V
4.3 Efeito das Taxas Moderadoras na Procura de Cuidados de Saúde no Serviço de
Urgências ............................................................................................................................ 77
4.4 Efeitos das Taxas Moderadoras na Equidade de Acesso ......................................... 80
PARTE 2: ESTUDO DE INVESTIGAÇÃO
Capítulo 5- Metodologia de Investigação
5.1 Desenho do Estudo ...................................................................................................... 86
5.2 Hipótese de Trabalho .................................................................................................. 86
5.3 Local do Estudo ........................................................................................................... 87
5.4 Tipo e Técnica de Amostragem .................................................................................. 87
5.5 Selecção dos Participantes no Estudo ........................................................................ 87
5.6 Instrumento de Medida ............................................................................................... 88
5.7 Recolha de Dados ......................................................................................................... 89
5.8 Análise Estatística ........................................................................................................ 89
Capítulo 6- Pré-Teste: Análise Preliminar
6.1 Pré-Teste ....................................................................................................................... 90
6.2 Caracterização da Amostra do Pré-Teste ................................................................. 90
6.3 Resultados do Pré-Teste .............................................................................................. 92
6.4 Discussão dos Resultados do pré-Teste .................................................................... 100
Considerações Finais ........................................................................................................ 105
Referências Bibliográficas ............................................................................................... 110
ANEXOS
Anexo I.a : Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto: .................................................. 123
Anexo I.b: Decreto-Lei n.º 201/2007, de 24 de Maio ..................................................... 125
Anexo I.c: Decreto-Lei n.º 79/2008, de 8 de Maio .......................................................... 126
Anexo II: Portaria n.º 395-A/2007,.................................................................................. 128
Anexo III: Lei de Bases da Saúde ................................................................................... 130
Anexo IV: Questionário ................................................................................................... 154
Índice de Figuras e Gráficos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
VI
ÍNDICE DE FIGURAS E GRÁFICOS
Figura 1: Sistema de saúde com preço zero e com co-pagamento ………….….
69
Gráfico 1: Distribuição dos indivíduos pelos diferentes serviços/ especialidades
clínicas ……………………………………………………………………………...
91
Gráfico 2: Progressividade do pagamento das taxas moderadoras ......................
94
Gráfico 3: Implementação e existência das taxas moderadoras ………………...
97
Gráfico 4: Desempenho do SNS ………………………………………………....
98
Índice de Tabelas
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
VII
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1: Profissão dos indivíduos da amostra …………………………………..
91
Tabela 2: Valores da média, máximo, mínimo e desvio padrão relativos à
idade e anos de prática clínica ……………………………………………………
92
Tabela 3: Eficácia das taxas moderadoras no controlo da procura excessiva de
cuidados de saúde ………………………………………………………………...
92
Tabela 4: Diminuição da procura em diferentes serviços ……………………….
93
Tabela 4.1: Serviços em que a procura diminuiu ………………………………...
93
Tabela 5: Diminuição da procura pelos indivíduos de estrato sócio-económico
mais baixo ………………………………………………………………………..
94
Tabela 6: Principais funções das taxas moderadoras ………………………...….
96
Tabela 7: Causas do défice do SNS no desempenho das suas tarefas…………...
99
Introdução
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
1
INTRODUÇÃO
A Ética exige uma reflexão crítica sobre os comportamentos e um maior e melhor respeito
pela dignidade humana. Uma das questões basilares da Ética, senão mesmo a primeira, é a
da fundamentação da moral (Brito 2000). O conhecimento da Ética estimula a reflexão,
permite emitir juízos de valor mais correctos, aumenta a sensibilidade para detectar
problemas morais e melhora a capacidade para tomar decisões (Simões 2005).
Intimamente ligada à área da saúde encontramos a Bioética. Esta surge em 1971, sendo
Van Potter o primeiro a utilizar o termo Bioética. Contudo, é Hellegers o fundador do
primeiro instituto dedicado ao estudo da Bioética1. O objectivo desta nova disciplina era a
combinação dos conhecimentos da cultura científica com os conhecimentos da cultura
humanista (Martinez 2005). Pretendia-se, então, a construção de uma “ponte” entre duas
áreas de pensamento divergentes. Luís Archer define a Bioética como “expressão da
consciência pública da humanidade. É charneira entre o possível e o conveniente. Entre
tecnologia galopante e humanitude imprescindível.”2
Em Bioética não é possível decidir tendo uma certeza absoluta, é necessário actuar com
prudência, devendo ser tomadas decisões que se apresentem como as mais correctas após
um processo reflexivo intenso (Serrão 1996). Assim, para a tomada de decisões em
Bioética temos um conjunto de quatro princípios idealizados por Beauchamp e Childress
que, não sendo absolutos, são orientadores para a reflexão e a tomada de decisão. Os
princípios são:
Autonomia: respeito pela autonomia do doente e pelas suas escolhas conscientes,
livres e esclarecidas; é condição de quem é autor da própria lei;
1 A Bioética apresenta um nascimento bilocado (“bilocated birth”), pois terá surgido mais ou
menos ao mesmo tempo com Van Potter e Hellegers. Van Potter terá sido o primeiro a utilizar o
termo “bioética” numa publicação com o título “Bioethics: a bridge to the future”. Contudo, é
Hellegers o fundador do primeiro instituto universitário dedicado ao estudo da Bioética. Ver a este
propósito Martinez J L: De la Ética a la Bioética In Brito J H: Do Início ao Fim da Vida.
Publicações da Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa, Aletheia, Braga, 2005. 2 A este propósito ver Nunes R M: Bioética e Deontologia Profissional. Gráfica de Coimbra,
Colectânea Bioética Hoje, Coimbra, 2002.
Introdução
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
2
Beneficência: promover positivamente o bem do doente; alguns denominam por
princípio de “utilidade” ou de “proporcionalidade”;
Não maleficência: não fazer mal ao outro;
Justiça: considerar que todos os homens são iguais em direitos e na justa
distribuição de recursos da sociedade (Cabral 2003).
A principiologia de Beauchamp e Childress não dá uma resposta única para a resolução
dos problemas. Esta apresenta uma estrutura para a abordagem dos problemas,
representando uma framework para o pensamento e a reflexão. Não há uma hierarquia pré-
definida dos princípios, pelo que, de acordo com os problemas que emergem, devem ser
ponderados de forma diferente (Martinez 2005).
A dimensão ética da saúde foi durante muitas décadas reduzida ao plano da relação
interpessoal médico-doente. Porém, o desenvolvimento dos sistemas de saúde, a evolução
social que se caracteriza por uma procura de mais e melhores cuidados de saúde e o
aumento do número de intervenientes (Estado, seguradoras, empresas) implica uma
reflexão de carácter ético, onde se observem os valores e os princípios da Bioética em
conformidade com os valores inerentes a cada sociedade (Ramos 1994).
Um primeiro valor é o da dignidade humana; um segundo é o cuidado pela pessoa doente;
e um terceiro é o do rigor dos recursos financeiros, que são sempre escassos (Serrão 1996).
A dignidade da pessoa humana coloca-se como primeiro princípio ético, e nenhum outro
princípio se poderá sobrepor ao da dignidade da pessoa humana. Ela é pois considerada
pedra angular em todas as decisões que se relacionam com os cuidados de saúde (Parecer
14/CNECV/95, Melo 1998). Contudo, a actual escassez de recursos em saúde, não permite
que tudo possa ser fornecido aos doentes em matéria de cuidados de saúde. É necessária a
existência de um pacote básico de cuidados que esteja ao acesso de todos os cidadãos
(Gruskin e Daniels 2008). O princípio da justiça da Principiologia de Beauchamp e
Childress já enunciada está estreitamente relacionado com a distribuição de recursos em
saúde (Hsu et al 2008). Vários foram os autores que construíram teorias da justiça que
visam a distribuição da riqueza e o bem comum.
Introdução
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
3
Actualmente, as nossas políticas de saúde pretendem garantir uma igualdade equitativa de
oportunidades em que se discriminem positivamente os mais desfavorecidos. A igualdade
equitativa de oportunidades vai de encontro ao igualitarismo qualificado de Rawls.
Contudo, valores do utilitarismo e da teoria libertária devem também ser atendidos no que
se refere ao direito à saúde e à construção do anel básico de cuidados (Nunes 2003b). Isto
porque a contenção de custos é necessária (valor nomeadamente utilitarista) e as análises
de custo-benefício3, custo-utilidade
4 e custo-efectividade
5 são também pertinentes para as
escolhas que se realizam na área da saúde dada a pertinente escassez de recursos (Gruskin
e Daniels 2008). Por outro lado, a liberdade de escolha (conceito libertário) de doentes e de
prestadores deve ser atendida (Nunes 2003b).
Segundo o Professor Daniel Serrão (1996): “a atribuição de recursos escassos para o
financiamento de cuidados de saúde é uma questão eticamente muito difícil e será,
provavelmente, a primeira de todas as questões de ética dos cuidados de saúde no futuro
próximo”.
Num sistema de saúde que é considerado por muitos como estando “doente” é pertinente
que se reúnam esforços de modo a que as diferentes teorias da justiça sejam consideradas e
que princípios como equidade, solidariedade, efectividade, eficiência e accountability
sejam referência no sistema de saúde português (Nunes 2003b).
3 Segundo Campos o custo-benefício corresponde à forma de avaliação económica onde os custos e
as consequências são expressos em termos monetários. Assim é possível verificar qual das
alternativas maximiza a relação entre custos e benefícios. Ver Campos A C: Avaliação Económica
de Programas de Saúde. Colecção Cadernos de Saúde, nº 10, Escola Nacional de Saúde Pública,
Lisboa, 1986 (a). 4 Segundo Campos o custo utilidade corresponde à forma de avaliação económica semelhante ao
custo-efectividade, mas em que as consequências dos programas são medidas numa unidade física
combinada com elementos qualitativos como por exemplo os anos de vida ajustados segundo a
qualidade de vida (QALY’s). Ver Campos A C: Avaliação Económica de Programas de Saúde.
Colecção Cadernos de Saúde, nº 10, Escola Nacional de Saúde Pública, Lisboa, 1986 (a). 5 Segundo Campos o custo-efectividade corresponde à forma de avaliação económica em que os
custos são expressos em termos monetários mas onde algumas das consequências são expressas em
unidades físicas (ex: anos de vida ganhos, casos detectados). Campos A C: Avaliação Económica
de Programas de Saúde. Colecção Cadernos de Saúde, nº 10, Escola Nacional de Saúde Pública,
Lisboa, 1986 (a).
Introdução
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
4
Na área da saúde não há dúvida de que se pode falar na existência de um mercado (Matias
1995). Mercado com financiamento público e privado. Em muitos países europeus, o
problema que se coloca neste sector relaciona-se com a sustentabilidade do sistema de
saúde adoptado, já que os gastos com a saúde têm crescido nos últimos anos, e em países
como Portugal, tal crescimento ultrapassa já o PIB (Produto Interno Bruto)6.
Em Portugal, o SNS (Serviço Nacional de Saúde) absorve diariamente 23 milhões de
euros, segundo os valores inscritos no Orçamento de Estado de 2007. O financiamento
advém essencialmente dos nossos impostos (cerca de 91%). Contudo, aos elevados gastos
na saúde está também associado um elevado nível de desperdício, já que o mesmo ronda os
25% (Galope 2006).
Diversas razões têm sido apontadas para o aumento de gastos com a saúde. Contudo, na
generalidade, têm sido apontadas como razões principais: a inflação específica do sector
(mais elevada que a taxa de inflação geral), o desenvolvimento tecnológico, as
características demográficas e de morbilidade dos consumidores, e as suas expectativas e
comportamentos. Béresniak e Duru (1999) adicionam ainda outros factores como: o
surgimento de novos flagelos (o síndrome de imunodeficiência adquirida, cancro), o
grande desenvolvimento da demografia médica que incita à procura induzida e o
desenvolvimento inexorável de numerosas formas de esbanjamento de recursos.
Esta problemática da escassez de recursos patenteia-se nas sucessivas remodelações da
forma de financiamento que têm ocorrido nos países da OCDE (Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Económico), assim como nas crescentes medidas que têm
como objectivo a racionalização da procura de cuidados de saúde. Tais medidas são
adoptadas quer na ala da procura, quer na ala da oferta.
Assim, a introdução de novas formas de gestão, nomeadamente a empresarialização dos
hospitais, a introdução de novas formas de financiamento hospitalar, a regulação do uso de
tecnologias, o controlo dos investimentos na área da saúde e a introdução de taxas
6 Em 2004, os gastos com a saúde ultrapassaram pela primeira vez os 10% do PIB. Ver a este
propósito, Galope F: “Check-up” aos dinheiros do SNS. “Portugal, Saúde”, Visão, 23 de
Novembro; 2006: 56-58.
Introdução
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
5
moderadoras reflectem a necessidade dos governos limitarem os gastos na saúde (Pinto e
Aragão 2003).
Em Portugal, a introdução de taxas moderadoras surgiu com o objectivo de racionalizar a
procura. Tal facto é referido no Decreto-Lei n.º 173/20037 ao afirmar que estas se
apresentam como um “instrumento moderador, racionalizador e regulador do acesso à
prestação de cuidados (…) que garanta o reforço efectivo do princípio da justiça no
Sistema Nacional de Saúde”.
Porém, muitos autores têm revelado algum cepticismo acerca da eficácia deste instrumento
de contenção de custos, dado que esta medida de racionamento da ala da procura apresenta
quer argumentos a favor, quer, e não menos pertinentes, argumentos contra a sua
existência.
Em Portugal, este instrumento financeiro tem sofrido, nos últimos tempos, sucessivos
aumentos, ocorrendo também a introdução de novas taxas8 (internamento e cirurgia de
ambulatório). Tal facto sugere que estas constituam já uma fonte de receita num SNS que
se apresenta frágil e economicamente debilitado.
De facto o mercado da saúde apresenta características muito peculiares, tal como a relação
de agência, intimamente relacionada com a assimetria da informação. Esta relação de
agência coloca-nos perante a procura induzida, e que, por sua vez, nos coloca perante a
problemática de uma procura de cuidados que pode ter como sombra uma procura
determinada pelos agentes da oferta (Sorkin 1984). Assim, muitos autores sugerem que as
medidas de racionalização da procura deveriam ser concentradas no agente da oferta.
7 Decreto-Lei n.º 173/2003: Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde. Diário
da República, Série I-A, nº176 de 1 de Agosto de 2003. Este Decreto-Lei encontra-se nos anexos
deste trabalho. 8 O pagamento de taxa moderadora no internamento e em cirurgia de ambulatório teve início em
Abril de 2007. A este respeito ver Portaria nº395-A/2007 que se encontra em anexo neste trabalho.
Introdução
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
6
Assim, podemos questionar se será eticamente correcta a dissuasão do consumo de
cuidados de saúde, através de uma taxa moderadora que representa um segundo pagamento
dos cuidados, uma vez que já foram pagos por via de impostos, sendo que, a actual carga
fiscal dos portugueses é elevada e o rendimento disponível é baixo. Mais ainda, muitos
indivíduos acabam por realizar uma tripla tributação (impostos, taxa moderadora e
pagamento do seguro de saúde ou dedução no salário para o subsistema).
Também se pretende apurar neste trabalho se esta taxa de carácter regressivo não será
demasiado penalizadora para os mais pobres. A este respeito Lucas (1990) afirma que, ou o
regime de isenções é suficientemente vasto e protege um grande leque da população
limitando o papel deste co-pagamento enquanto fonte de receita, ou o regime de isenções é
mais restrito e obriga indivíduos de menores rendimentos a pagar, dilatando o seu papel
enquanto fonte de receita.
Desta forma, o objectivo principal deste trabalho é conhecer, na opinião dos profissionais
de saúde, qual o papel das taxas moderadoras no actual SNS. Também se pretende explorar
se as mesmas garantem a efectivação dos valores de equidade e solidariedade patentes no
nosso sistema de saúde português.
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
7
PARTE I
REVISÃO DA LITERATURA
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
8
CAPÍTULO 1
JUSTIÇA DISTRIBUTIVA
1.1 Conceito e Teorias da Justiça
O conceito de justiça tem sido utilizado com diversos sentidos. Platão oferece uma visão
da justiça como virtude universal, com dimensões psicológicas, éticas, políticas e jurídicas;
sendo que, a justiça exprime a “sujeição das distintas partes da alma e das várias classes
sociais da polis ao todo”. Assim, a justiça platónica é, tanto no indivíduo humano
(micropolis), como na sociedade política (macroanthropos), a conjugação e somatório das
várias virtudes morais (prudência, temperança e fortaleza) (Chorão 1991).
Por sua vez, Aristóteles apresenta um conceito de justiça considerando-a como uma virtude
particular ou universal de natureza exclusivamente social que diz respeito à repartição de
bens entre os homens, ou seja, pretende atribuir a cada um aquilo que lhe pertence segundo
um critério de igualdade. O Direito Romano consagrou o pensamento de Aristóteles
definindo a justiça como a constans et perpetua voluntas ius suum cuique tribuendi (“
constante e perpétua vontade de dar a cada um o que lhe é devido”). Tal definição de
justiça é também defendida por S. Tomás de Aquino (Chorão 1991).
Podemos assim afirmar que Platão tinha um conceito de justiça amplo, recobrindo virtudes
como a fortaleza, a prudência e a temperança. Por sua vez Aristóteles atribui-lhe um
significado mais restrito, concebendo-a como a virtude do “igual” com um cariz
fortemente social. Da matriz de pensamento aristotélica resulta o facto de facilmente
associarmos os conceitos de justiça e igualdade (Chorão 1991).
Na matriz aristotélica encontramos três conceitos de justiça: a distributiva, a comutativa ou
correctiva e a legal ou geral. A justiça distributiva regula as actuações da sociedade, ou da
autoridade que a representa, em relação aos indivíduos. Aristóteles afirma que este tipo de
justiça é a que se pratica na distribuição de honras, dinheiro ou qualquer outra coisa que se
reparta (Chorão 1991).
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
9
Rosseau (1986) na sua teoria do Contrato Social, manifesta uma clara preocupação com as
desigualdades sociais introduzidas pelo processo de socialização. Assim o autor, visando a
igualdade, defende, como critério de justiça distributiva, “a cada um segundo o seu próprio
trabalho”, superando os critérios já apresentados por pensadores da época, tais como “a
cada um segundo o seu status” e “a cada um segundo o seu mérito”.
Segundo Hsu et al (2008) a justiça distributiva consiste na maneira como os indivíduos e
as sociedades distribuem os benefícios e as obrigações de forma justa ou moral.
Facilmente verificamos que o conceito de justiça é um conceito amplo e vago e para lhe
dar “forma” várias correntes ideológicas propuseram os princípios materiais da justiça
(Nunes 2003b):
Princípio igualitarista: Afectação de bens em partes iguais a todas as pessoas. Por
exemplo a educação é um bem ao qual todos têm direito;
Princípio da necessidade: O acesso a determinados bens é realizado consoante as
necessidades individuais. Por exemplo a realização de uma ressonância magnética é
prescrita a indivíduos que apresentem necessidade de realização deste exame de
diagnóstico;
Princípio do mérito: O acesso a determinados lugares ou bens é efectuado de
acordo com o mérito próprio, tal aspecto pode ser verificado no acesso a um lugar
de chefia numa determinada empresa, em que o indivíduo é seleccionado pelo bom
desempenho
O esforço, trabalho: A repartição de bens é realizada de acordo com o trabalho, o
esforço, neste aspecto podemos englobar os indivíduos que trabalham em mais que
um local e que têm por tal motivo maiores rendimentos.
Contribuição social: Neste princípio é tida em conta a contribuição de cada cidadão
para a sociedade;
O mercado e a concorrência: As regras de mercado condicionam a repartição de
bens económicos e sociais.
No que se refere à saúde e à prestação de cuidados de saúde, além de se recorrer aos
princípios materiais da justiça, é também pertinente recorrer às teorias da justiça que
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
10
apresentam uma doutrina de pensamento bem formulada e com coerência interna (Nunes
2003b). De seguida serão exploradas algumas teorias da justiça distributiva, o
igualitarismo qualificado, o utilitarismo e a teoria libertária.
1.1.1 Igualitarismo Qualificado
O igualitarismo qualificado é uma teoria da justiça que comporta uma grande influência do
contratualismo de Rosseau e cuja lógica da aceitação da justiça como equidade deriva do
pensamento de Kant (Melo 2001).
John Rawls, um filósofo da justiça política e autor desta corrente de pensamento, propõe
uma ética política ao sugerir uma estrutura básica da sociedade em que se encontrem
distribuídos equitativamente os direitos e deveres. Para este autor, a justiça é tão
importante para a sociedade, como a verdade para a ciência, sendo a justiça definida como
equidade ou imparcialidade. Rawls (1993) considera que entre os indivíduos existem
conflitos de interesses, derivando daí a necessidade de se encontrar consenso, sendo que os
mesmos podem ser resolvidos com a ideia de “justice as fairness”. O igualitarismo defende
que o bem supremo é o cidadão, então há direitos individuais que não podem ser
sacrificados em prol da maioria. Assim John Rawls, no seu livro Uma Teoria da Justiça,
afirma: “cada membro da sociedade é concebido como possuindo uma inviolabilidade
baseada na justiça ou, como alguns dizem, nos direitos naturais que nem sequer em nome
do bem-estar de todos os outros poderá ser afectada”. A sociedade é concebida como um
empreendimento cooperativo, em que se procuram obter vantagens mútuas para os
cidadãos (Rawls 1993). O autor apoia a posição de Kant, pois o homem é visto como um
fim em si mesmo e não um meio.
Na sua teoria da justiça, Rawls apresenta dois princípios-chave:
1. Cada pessoa tem um igual direito a um sistema plenamente adequado de liberdade
e de direitos fundamentais;
2. As desigualdades sociais e económicas devem cumprir duas condições para
poderem ser admissíveis, devem estar ligadas a funções e posições abertas a todos
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
11
em condições de justa igualdade de oportunidades e devem servir para maior
benefício dos menos desfavorecidos (Ferreira 1992).
O primeiro princípio enunciado é o de igual liberdade e salvaguarda a liberdade de
expressão, consciência, associação, propriedade pessoal, proibição arbitrária, expropriação,
os quais são igualmente protegidos pelo Estado de Direito. Então este princípio, designado
princípio da liberdade, é assim a afirmação de uma cidadania autónoma, consciente de si e
dos limites do seu exercício e sob o domínio da Lei (Santos 2004).
O segundo princípio é designado princípio da igualdade e da diferença ou princípio
maximin pois há uma procura para a maximização da parte minimal. Rawls advoga este
segundo princípio apresentando argumentação nas linhas intuitiva e contratual. Com a
argumentação intuitiva afirma que as desigualdades só nos parecem justas se resultarem de
uma competição justa e, para tal, é necessário existir igualdade de circunstâncias. Na linha
contratual o autor apresenta a fábula filosófica, ou a posição hipotética intitulada “véu da
ignorância” (Melo 2001).
A posição hipotética ou posição original não é evidentemente pensada como uma história
concreta, muito menos como uma condição cultural primitiva. A posição original
representa uma situação imaginária que pressupõe que os indivíduos não têm qualquer
informação sobre a sua situação na sociedade, como por exemplo, a classe social ou o
poder económico (Santos 2004). Esta posição original ou hipotética diz que qualquer
cidadão aceitaria uma situação de partilha, se pensasse que poderia ser ele a pertencer a
uma classe mais desfavorecida. É aqui que entra a concepção contratualista da sociedade, o
“colocar-se no lugar do outro”. O “véu da ignorância” é um marco fundamental desta
teoria, pois coloca todos os indivíduos como uma espécie de “sujeitos universais” em que
seriam isentos de uma história ou interesses particulares e que chegam a um acordo
amplamente partilhado acerca dos princípios da justiça (Melo 2001).
O sistema visa assim atingir um “equilíbrio reflexivo”, definido por alguns autores como o
círculo virtuoso e segundo outros como o ciclo vicioso. Este equílibrio representa uma
síntese real e eficaz das convicções sobre a justiça e permite estabelecer os princípios de
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
12
justiça de uma sociedade bem ordenada, identificável com as democracias contemporâneas
dinamicamente perspectivadas (Ferreira 1992).
A teoria de Rawls tem recebido críticas, sendo uma delas a que afirma que esta apresenta
uma influência utilitarista9. Assim, se à partida se pensar que o pensamento rawlsiano
sustenta um conceito de equidade que permite uma discriminação positiva dos mais
desfavorecidos, este segundo postulado é atenuado por um realismo utilitarista. Esta
influência utilitarista revela-se no facto de que para Rawls não parece ser injusto o facto de
uma minoria (os mais desfavorecidos) obter vantagens superiores à média, convicto que
desta forma a sua situação seja melhorada (Santos 2004).
No que respeita à aplicação do segundo postulado à área da saúde, Le Grand10
(1988 cit
Porto 1995) considera que o próprio Rawls a teria rejeitado. Isto porque, apesar da saúde
ser incluída na lista dos bens essenciais, este é para Rawls um bem “material”, que não
pode ser distribuído da mesma forma que os bens “sociais” (rendimento, riqueza). Mais
ainda, o princípio maximin é um macro critério e não um micro critério, logo não deveria
ser aplicado à saúde, que é considerada uma área de nível micro. Todavia, e segundo Porto
(1995), o que se aceita é que a saúde é tão susceptível de uma política de distribuição de
recursos como o rendimento e a riqueza, e, por outro lado, que os critérios de justiça
devem ser aplicados a micro e macro situações, não existindo fundamentos para considerar
a saúde como uma microárea.
Assim, apesar das críticas mencionadas, a teoria da justiça de John Rawls aporta bases
fundamentais à busca de uma conceptualização do termo equidade. Basta destacar a
incorporação dos interesses colectivos e a preocupação com a diminuição das
desigualdades através das políticas de discriminação positiva em favor dos menos
favorecidos (Porto 1995).
9 A teoria utilitarista será abordada no próximo ponto. Esta teoria defende, de uma maneira geral,
que a distribuição de bens é correcta, e portanto justa, quando beneficia um maior número de
indivíduos possível. Ver a este propósito Cabral S R: Utilitarismo. Logos, Encicolpédia Luso-
Brasileira de Filosofia 5; Verbo, 1992: 362-65. 10
Ver a este propósito Porto S M: Justiça Social, Equidade e Necessidade em Saúde In Piola S,
Vianna S M: Economia da Saúde, Conceito e Contribuição para a Gestão da Saúde. IPEA, Brasília,
1995:123-140.
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
13
Para Rawls igualdade e liberdade resumem a humanidade, sendo um elemento
imprescindível ao outro. Estes valores, apesar de terem nascido de uma situação hipotética,
existem. E, apesar de ser difícil colocar em prática este consenso, é no regime democrático
que nos encontramos mais perto deste equilíbrio referido por Rawls, que chama a atenção
para a cidadania, peça fundamental no jogo democrático e na defesa da justiça como teoria
integral (Melo 2001).
1.1.2 Utilitarismo
O utilitarismo é uma corrente ética que engloba diversas doutrinas, defendidas quase
exclusivamente por autores anglo-saxónicos, e que têm em comum o facto de avaliarem as
acções segundo o carácter vantajoso ou não das suas consequências (Cabral 2003).
Podemos assim afirmar que o utilitarismo se apresenta como uma corrente de pensamento
teleológica ou consequencialista. Benthan é considerado o fundador desta corrente de
pensamento social e político, sendo a mesma posteriormente desenvolvida por John Stuart
Mill. A ideia central do utilitarismo é o princípio da utilidade ou o princípio da maior
felicidade, sendo que as acções são então definidas como boas ou más segundo o seu
efeito. Uma boa acção é aquela que proporciona utilidade ou felicidade para um maior
número de indivíduos (Kenny 1999, Mill 1991, Cabral 2003). Esta corrente
consequencialista, que tem por objectivo básico a distribuição de recursos de modo a
maximizar a utilidade agregada, considera que uma sociedade é correctamente ordenada, e
portanto justa, quando obtém a maior soma de satisfação para um maior número de
indivíduos, independentemente da sua distribuição entre os indivíduos pertencentes a esta
sociedade (Figueiredo 1996).
No utilitarismo a intenção moral do sujeito é ignorada, assim como a moralidade dos meios
de que se serve o sujeito para efectuar o acto, pois ao que unicamente se atende é à
consequência da acção (Cabral 1992, Cabral 2003). Nesta corrente de pensamento, que tem
como princípio fundamental the greater happiness of the greatest number, podemos
inscrever claramente a expressão “os fins justificam os meios”. Contudo, nem todos os
meios disponíveis são eticamente aceitáveis para se alcançar determinado objectivo, nem a
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
14
intenção do sujeito deve ser descurada. Outra das dificuldades encontrada por esta teoria é
o facto de, por vezes, se tornar difícil quantificar o bem ou felicidade fornecida por
determinado acto. Isto é facilmente perceptível pois a medição e comparação de utilidades
individuais é bastante difícil, visto que há variáveis altamente subjectivas e, portanto,
difíceis de quantificar (Botelho 1997, Cabral 2003).
Esta corrente teleológica encontra também problemas na sua antropologia que lhe está
subjacente e que a leva a adoptar a posição eudemonista e temporal ou ainda hedonista: “o
autêntico bem do Homem não consiste exclusiva ou principalmente no prazer, nem a
felicidade se pode definir prescindindo da plena razoabilidade do agir” (Cabral 2003).
Mais ainda, o utilitarismo não fornece quaisquer critérios para a justa distribuição de bens
e para a salvaguarda dos direitos legítimos das pessoas (Cabral 1992, Cabral 2003), não
configurando assim um verdadeiro objectivo de equidade. Porto (1995) afirma ainda que o
utilitarismo pouco pode aportar como teoria sustentadora do conceito de equidade.
Como defesa às críticas apontadas nos parágrafos anteriores, John C. Harsanyi11
afirma
que, quando se pretende a maximização da satisfação ou utilidade para um maior número
de indivíduos, este critério não é tão subjectivo como alguns autores apontam. Pelo
contrário, a comparação das funções de utilidade são o resultado da necessidade moral de
nos colocarmos no ponto de vista de um qualquer outro, pois requer que qualquer pessoa,
fazendo um juízo de valor moral básico, tente visualizar o que seria estar no lugar de um
outro membro da sociedade. Assim, ao admitirmos o que é mais útil para uma sociedade
ou para uma maioria, assumimos que as outras pessoas são tão reais como nós e que
partilham connosco uma humanidade comum12
apesar, das inegáveis diferenças individuais
que no específico pormenor existem entre nós.
Apesar das críticas, o utilitarismo é uma corrente de pensamento de grande influência na
justiça distributiva, cujos principais valores são então a eficiência e o bem público (Nunes
11
Ver a este propósito Santos P V: Consenso e Conflito no Pensamento de John Rawls, a Perversa
Ingenuidade do Liberalismo. Edição Colibri, Lisboa, 2004. 12
Segundo Harsanyi as preferências e funções de utilidade de todos os indivíduos humanos são
governadas pelas mesmas leis psicológicas básicas. Ver a este propósito Santos P V: Consenso e
Conflito no Pensamento de John Rawls, a Perversa Ingenuidade do Liberalismo. Edição Colibri,
Lisboa, 2004.
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
15
2003b). No que diz respeito à área da saúde, as estratégias utilitaristas estão presentes, por
exemplo, no rastreio do cancro da mama onde se visa o benefício (utilidade) de um vasto
número de indivíduos. Segundo o pensamento utilitarista e perante recursos que se
apresentam escassos, um sistema de saúde deve adoptar medidas que favoreçam largos
segmentos da população em detrimento de medidas que tenham como alvo grupos restritos
da população (Nunes 2003b). Esta doutrina permite justificar a penalização e exclusão de
indivíduos para obtenção de uma soma maior, cujos benefícios, em última instância, serão
apropriados pelos indivíduos que se encontrem numa situação favorável ao aumento da
utilidade marginal a ser obtida (Porto 1995).
1.1.3 Teoria Libertária
Nozick, na sua doutrina, ampara o imperativo categórico de Kant: “age para que cada
indivíduo, seja tratado como um fim em si mesmo e não como um meio” (Nozick 1988). A
ideia de que o ser humano é um ser racional, livre e com a possibilidade de formular um
plano de vida e com a inerente dignidade humana enquadra-se na teoria libertária (Nozick
1995).
A teoria libertária apresenta-se como uma corrente de pensamento que se opõe ao
utilitarismo, rejeitando o preceito da maximização da utilidade pela sociedade, e acusa
mesmo os utilitaristas de cometerem o erro metafísico de suporem que a sociedade é uma
entidade que experiencia “prazeres e dores” e que o seu bem estar deve ser maximizado
(Wolff 1996).
Opõe-se também ao igualitarismo de Rawls, na medida em que rejeita o pressuposto do
“véu da ignorância”, afirmando que a sociedade se desenvolve a partir do que já existe, ou
seja, os indivíduos vivem numa sociedade com uma cultura, história e tradição pré-
estabelecidas (Figueiredo 2006).
Assim a teoria libertária, que apresenta Nozick como o seu expoente máximo, defende que
cada indivíduo tem direito ao que possui, desde que a sua aquisição tenha sido legítima
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
16
(Nozick 1988). O direito à propriedade privada e a liberdade ética constituem os valores
nucleares desta teoria da justiça (Nunes 2002, Wolff 1996). Para os libertários a
participação do Estado deverá ser minimalista, ou seja, propõem um Estado mínimo
ultraliberal que tenha como função principal assegurar as liberdades individuais e dos
mercados (Porto 1995). Nozick (1988) na sua obra “Anarquia, Estado y Utopia” afirma
que o Estado mínimo ou mesmo ultramínimo é moralmente legítimo, sendo que qualquer
Estado mais extenso violará os direitos dos indivíduos. Este Estado mínimo trata os
indivíduos como detentores de direitos invioláveis com a dignidade que os constitui e não
observa os indivíduos como meios ou ferramentas que podem ser usados de determinada
maneira (Nozick 1988). Do mesmo modo, Nozick entende que a própria racionalidade é
uma componente crucial da imagem que a espécie humana possui, e não simplesmente
uma ferramenta para adquirir conhecimentos e aperfeiçoar as nossas vidas e a nossa
sociedade (Nozick 1995).
Nesta linha de pensamento podemos referir que os impostos só se justificam para bens que
a pessoa individualmente não pode realizar, como por exemplo, a defesa nacional. Neste
sentido, o pagamento de impostos para a educação ou saúde de terceiros é percepcionada
pelos libertários como ilegítima e moralmente inaceitável (Nunes 2003b), sendo que a
participação do Estado na saúde apenas se processa para os programas de saúde pública.
Assim, é utópico pensarmos que o Estado poderia redistribuir a riqueza, impedindo a
formação de uma classe social detentora de maior poder económico. Isto porque ao impor
mecanismos que permitam a transferência de rendimentos para as classes sociais mais
desfavorecidas economicamente, poder-se-á levar ao aflorar de outros problemas sociais
como o desemprego oculto, desmotivação para procurar trabalho e desmotivação da
poupança (Nunes 2004). Nozick (1988) defende que não há nenhuma entidade com
faculdade para controlar todos os recursos e definir como devem ser repartidos pelos
indivíduos da sociedade. O mesmo é salientado por Wolff (1996) ao afirmar que quando se
fala em justiça distributiva parece que pressupomos que existe uma grande quantidade de
recursos sociais num “pote social” à espera de serem distribuídos racionalmente por uma
autoridade. E na verdade tal “pote” não existe, apenas temos pessoas e associações de
pessoas, o mundo natural e o que as pessoas produzem.
Capítulo 1 – Justiça Distributiva
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
17
Os EUA são adeptos desta doutrina de justiça distributiva no que se refere às políticas de
saúde. Assim nesta área existe um mercado de livre escolha e de competição do próprio
mercado; havendo uma clara separação entre prestadores e financiadores. Nesta linha de
actuação cada indivíduo deve integrar-se num seguro de saúde. Um desses programas foi o
Medicare, introduzido em 1966 para assegurar a cobertura da população idosa (Barros
2006). Além deste, cerca de metade da população de baixos recursos ficou coberta pelo
Medicaid, programa financiado pelos governos federal e estadual. Apesar disto, cerca de
12% dos americanos não estão cobertos por qualquer seguro, sendo que deste grande grupo
fazem parte operários de baixos salários, empregados em tempo parcial e os seus
dependentes. Tal situação é preocupante, pois a saúde é para quem pode, ou seja, o poder
está no utilizador (Dunlop 199513
cit. Escoval 1999).
Facilmente verificamos que esta teoria sustentadora de um conceito de justiça distributiva é
demasiado penalizadora para aqueles que pela sua condição genética ou socio-económica
“ganharam” uma situação de doença ou pobreza.
13
Ver a este propósito Escoval A: Sistemas de Financiamento da Saúde, Análise e Tendências.
Edição de Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Lisboa, 1999.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
18
CAPÍTULO 2
DIREITO DA SAÚDE E CARACTERIZAÇÃO DO SNS
2.1 Direito Constitucional da Saúde em Portugal
São vários os conceitos de saúde que têm surgido ao longo do tempo; desde organizações a
peritos na matéria, todos têm apresentado conceitos que se podem dividir genericamente
em negativistas e positivistas. As definições negativistas surgem por oposição à doença,
estando cientificamente ligadas à biomedicina e ao modelo médico de intervenção14
. Por
outro lado despontam as visões positivistas15
, mais actuais e que perspectivam a saúde
como algo mais que a ausência de doença ou enfermidade. É o caso da OMS (Organização
Mundial de Saúde) que define a saúde como “um estado de completo bem-estar físico,
mental e social e não a mera ausência de doença ou enfermidade”. Esta visão é, como
facilmente verificamos, utópica e inatingível. Apesar da enorme vantagem de ser
abrangente, é, no entanto, excessivamente generalista, não permitindo aos profissionais da
saúde uma base para a prática clínica. Segundo o conceito da OMS, só em pequenos
estados de beaticidade e felicidade é que teríamos saúde. Contudo, esta é a definição de
saúde mais aceite actualmente (Larson 1991).
Esperança Pina (2003) considera que a saúde é um factor essencial à vida e um valor que
supera todos os outros ao longo da existência de cada indivíduo na criação de bem-estar, de
capacidade de trabalho e de felicidade pessoal.
14
O modelo médico define a saúde como a ausência de doença e não é sensível à saúde social e à
interacção saudável com os outros. Este modelo ignora as causas sociais das doenças e os costumes
sociais na definição de doença. O modelo médico negligencia também o impacto da Medicina
Preventiva. Ver a este propósito Larson J S: The Measurement of Health – Concepts and
Indicators. Greenwood Press, 1991. 15
O modelo holístico define a saúde de um indivíduo tendo em conta não só o aspecto físico, mas
também os aspectos mental e social da saúde. Neste modelo podemos enquadrar o axioma “O todo
é maior que a soma das partes”. A definição holística da saúde tornou-se quase sinónima da
definição de saúde avançada pela OMS. Ver a este propósito Larson J S: The Measurement of
Health – Concepts and Indicators. Greenwood Press, 1991.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
19
Podemos afirmar que o conceito de saúde é um conceito historicamente situado, e que nele
reflecte “os conhecimentos biológicos da época, a relação da pessoa com o corpo e o grau
de representação de cada função do corpo, bem como o entendimento da morte” (Parecer
14/CNECV/95).
O ser humano é frágil e finito, sendo a fragilidade circunstancial e temporal, a doença é
uma realidade inerente à condição humana. Como afirma Daniel Serrão (2003), “o homem
é hoje um ser social e vive num mundo que é artefacto da inteligência humana, sendo que
aqui radicam as mais importantes ameaças à saúde corporal”.
Perante sociedades fragmentadas, torna-se relevante que os direitos fundamentais sejam
consagrados na Constituição. Assim, o artigo 64º da Constituição da República Portuguesa
revela a presença do “direito à saúde”, afirmando: “Todos têm direito à protecção da saúde
e o dever de a defender e promover”16
. Este direito é uma expressão da dignidade humana
e está inscrito no quadro dos direitos positivos, na medida em que o próprio Estado o deve
incrementar e promover (Costa 2003). A dignidade humana é, pois, o princípio fundador
que, conduzindo à implementação dos direitos fundamentais (Gruskin e Daniels 2008), se
afigura como pedra angular da bioconstituição.
Podemos também expor que, perante o direito à protecção da saúde, existe um dever de
prestação (por parte do Estado) e um dever de defesa e promoção17
(por parte do
indivíduo). Há, pois, o dever e a responsabilidade dos cidadãos de promover e salvaguardar
a sua saúde (Serrão 2003, Esperança Pina 2003, Nunes 2005).
A Convenção Sobre os Direitos do Homem e a Biomedicina18
, no artigo 3º, ressalva a
existência deste direito defendendo a existência de um “acesso equitativo aos cuidados de
saúde”. No seu Acto Constitutivo, também a OMS situa a saúde dentro do quadro dos
16
Constituição da República Portuguesa, 5ª Revisão, 2001. Assembleia da República - Divisão de
Edições. (Publicação: Diário da República, nº 286 – I Série – A de 12.12.2001). 17
A este respeito, a Lei de Bases da Saúde afirma que “Os cidadãos são os primeiros responsáveis
pela sua própria saúde, individual e colectiva, tendo o dever de a defender e promover” (Base V).
Ver a este propósito Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de
Agosto, 1990. Esta Lei foi alterada pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o
novo regime jurídico da gestão hospitalar. Consultar os anexos deste trabalho. 18
Aprovada em Diário da República, nº 286 – I Série – A, nº2 de 03.01.2001.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
20
direitos humanos da paz e da segurança, defendendo que “o poder gozar do mais elevado
nível de saúde possível é um dos direitos fundamentais de cada ser humano sem distinção
de raça, religião, convicções políticas, condições económicas e sociais. A saúde de todos
os povos é fundamental para se alcançar a paz e a segurança e depende da plena
cooperação entre os indivíduos e os Estados” (Parecer 14/CNECV/95).
O “direito à saúde” é também invocado em documentos normativos como no Pacto
Internacional dos Direitos Sociais, Económicos e Culturais19
na Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial20
na Convenção sobre os Direitos
da Criança21
, entre outros. Mais recentemente, a Declaração Universal sobre Bioética e
Direitos Humanos22
no seu artigo 14º (Responsabilidade Social e Saúde) afirma que “A
promoção da saúde e do desenvolvimento social em benefício dos respectivos povos é um
objectivo fundamental dos governos que envolve todos os sectores da sociedade”.
A problemática da consagração do direito supramencionado surge com a crise do Estado
de bem-estar social. Em muitos países, o conceito de “Welfare State” de Bismark emergiu
após a 2ª Guerra Mundial23
e defende que a saúde não é apenas um direito individual, mas
19
Adoptada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2200A (XXI) da Assembleia-
Geral da ONU, de 16 de Dezembro de 1966. Aprovada para ratificação, pela Lei nº45/78, de 11 de
Julho. O artigo 12º deste Pacto refere que “Os Estados-Signatários no presente Pacto reconhecem o
direito da pessoa de gozar das melhores condições possíveis de saúde física e mental.”. 20
Adoptada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela resolução 2106 (XX) da Assembleia-
Geral da ONU, de 21 de Dezembro de 1965. Aprovada para adesão, pela Lei nº7/82, de 29 de
Abril. Numa das alíneas do artigo 5º são referidos os “direitos à saúde pública, a tratamento
médico, à previdência social e aos serviços sociais”. 21
Adoptada e aberta à assinatura, ratificação e adesão pela resolução nº44/25 da Assembleia Geral
da ONU, de 20 de Novembro de 1986. Aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia
da República nº20/90, de 12 de Setembro. O artigo 3º desta Convenção refere que “Os Estados
Partes garantem que o funcionamento de instituições, serviços e estabelecimentos que têm crianças
a seu cargo e asseguram que a sua protecção seja conforme às normas fixadas pelas autoridades
competentes, nomeadamente nos domínios da segurança e saúde, relativamente ao número e
qualificação do seu pessoal, bem como quanto à existência de uma adequada fiscalização.”. 22
UNESCO: Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, 2006. In www.unesco.pt 23
No período pós-guerra ocorreu um crescimento económico elevado que permitiu uma inigualável
expansão da despesa pública, contudo, o primeiro choque petrolífero dos anos 70 foi um bruto
despertar para uma infindável recessão económica. A este propósito ver Botelho L M: Equidade na
utilização de cuidados de saúde - estudo da lista de espera para a consulta externa de ginecologia
no Hospital Distrital de Aveiro. “Fórum dos Alunos”, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol.
15, n.º 2, Abril/Junho; 1997: 45-71.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
21
também um investimento social, já que a melhoria da saúde pública conduz a uma melhor
coesão social (Botelho 1997).
Por outro lado, os avanços tecnológicos e o envelhecimento da população favoreceram
uma procura de cuidados de saúde cada vez maior e mais exigente, o que deprimiu ainda
mais o “welfare state” (Rego et al 2002). O aparecimento de medidas de racionamento
está intimamente relacionada com este crescente aumento de gastos com a saúde.
Contudo, o “direito à saúde” é hoje, em conjunto com o “direito à educação”, um
elemento decisivo da democracia e do desenvolvimento. Em cada sociedade a sua
salvaguarda é tão importante como foi a liberdade em períodos de ditadura ou a igualdade
entre os homens perante a escravatura (Parecer 14/CNECV/95).
O direito constitucional da saúde é em Portugal garantido através do Serviço Nacional de
Saúde, de carácter universal e geral e, tendo em conta as condições económicas e sociais
dos cidadãos tendencialmente gratuito. O mesmo direito é também realizado pela criação
de condições económicas, sociais, culturais, e ambientais que garantam, designadamente, a
protecção da infância, da juventude e da velhice, e pela melhoria sistemática das condições
de vida e de trabalho, bem como pela promoção da cultura física e desportiva, escolar e
popular, e ainda pelo desenvolvimento da educação sanitária do povo e de práticas de vida
saudável (Artigo 64º da Constituição da República24
).
O Serviço Nacional de Saúde (SNS) é um conjunto ordenado e hierarquizado de
instituições e de serviços oficiais prestadores de cuidados de saúde, funcionando sob a
tutela do Ministro da Saúde (Estatuto do SNS 1993)25
e que apresenta uma gestão
descentralizada e participada (Artigo 64º da Constituição da República Portuguesa26
).
24
Constituição da República Portuguesa, 5ª Revisão, 2001. Assembleia da República - Divisão de
Edições. (Publicação: Diário da República, nº 286 – I Série – A de 12.12.2001). 25
Decreto-Lei nº 11/93: Estatuto do Serviço Nacional de Saúde. Diário da República, Série I-A,
nº12, de 15 de Janeiro de 1993. A este Decreto foram introduzidas alterações pelos Decretos-Lei
nºs 276-A/2007, Suplemento de 31 de Julho 2007; 223/2004, de 3 de Dezembro; 185/2002, de 20
de Agosto; 68/2000, de 26 de Abril; 157/99, de 10 de Maio; 401/98, de 17 de Dezembro; 97/98, de
11 de Março e 77/96, de 18 de Junho. 26
Constituição da República Portuguesa, 5ª Revisão, 2001. Assembleia da República - Divisão de
Edições. (Publicação: Diário da República, nº 286 – I Série – A de 12.12.2001).
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
22
O SNS, criado em Portugal em 1979 e que se associa ao artigo 64º da Constituição
Portuguesa, sofreu em 1989 uma revisão que substituiu a gratuitidade original pelo
“tendencialmente gratuito”. Tal alteração relaciona-se com o aparecimento das taxas
moderadoras que, aquando do seu advento, foram acusadas por muitos de
inconstitucionalidade. Em Portugal, com vista a assegurar o “direito à saúde”, incumbe
prioritariamente ao Estado (artigo 64º da Constituição da República):
“Garantir o acesso a todos os cidadãos, independentemente da sua condição
económica, aos cuidados da medicina preventiva, curativa e de reabilitação;
Garantir uma racional e eficiente cobertura de todo o país em recursos humanos e
unidades de saúde;
Orientar a sua acção com vista à socialização dos custos dos cuidados médicos e
medicamentosos;
Disciplinar e fiscalizar as formas empresariais e privadas da medicina, articulando-
as com o Serviço Nacional de Saúde, de forma a assegurar, nas instituições de
saúde públicas e privadas, adequados padrões de eficiência e de qualidade;
Disciplinar e controlar a produção, a distribuição, a comercialização e o uso dos
produtos químicos, biológicos e farmacêuticos e outros meios de tratamento e
diagnóstico;
Estabelecer políticas de prevenção e tratamento da toxicodependência”.
Sendo os recursos para a saúde limitados e sabendo-se que o que é possível oferecer
tecnicamente aos cidadãos de um país ultrapassa largamente os recursos disponíveis, torna-
se inevitável a realização de opções (Gruskin e Daniels 2008). Torna-se assim um
imperativo ético a realização de escolhas, escolhas essas que têm de ser fundamentadas de
modo a conseguir a exequibilidade deste direito. A resolução desta problemática apresenta
um carácter fortemente ético, na medida em que exige um processo reflexivo
fundamentado num conjunto de valores respeitantes à vida, ao bem-estar, à liberdade, à
não discriminação e à igualdade de oportunidades para todo e qualquer cidadão (Ramos
1994, Gruskin e Daniels 2008).
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
23
A alocação de recursos para a saúde, sendo um problema de natureza política, pertence
igualmente ao universo da justiça distributiva. Ao longo da evolução da humanidade tem-
se desenvolvido diferentes teorias de justiça para a afectação de recursos que visam o bem
comum e a partilha justa de bens.
O “direito à saúde” é considerado um direito civilizacional que garante a universalidade de
acesso a um “anel básico” de cuidados de saúde (Nunes 2003b). A existência do SNS de
carácter universal e geral consagra então o direito à protecção na saúde salvaguardado na
Constituição da República Portuguesa. Contudo, o Estado promove o acesso aos cuidados
de saúde tendo em conta os seus recursos humanos, técnicos e financeiros. A este respeito
a Base I, da Lei de Bases da Saúde27
, afirma que “O Estado promove e garante o acesso a
todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos limites dos recursos humanos, técnicos e
financeiros disponíveis”. Aqui enquadramos o célere axioma anglo-saxónico: “some health
for all than all health for some”. Assim, para a construção do “anel básico” é importante a
distinção entre necessidades (fundamentais) e preferências (comodidades), sendo que só as
primeiras deverão ter inclusão no mesmo de modo a construir um “anel” ao qual todos
tenham acesso (Nunes 2005).
2.2 A Natureza Mista do SNS Português
Todos os sistemas de saúde dos países da Europa ocidental permitem a coexistência do
sector público e do sector privado, adquirindo assim um carácter misto (Bentes et al 2004,
Campos 1986b). Matias (1995) refere que na prática a existência destes dois sectores
permite que se reúnam um sistema de cobertura universal e de maior eficácia na resolução
de problemas, o público, e um sistema de maior eficiência económica mas que permite a
exclusão social, o privado.
27
Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. Esta Lei encontra-se nos anexos deste trabalho.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
24
O sistema de saúde português é, em termos de constituição, “segmentado, laminado e
estratificado” (Nunes 2003b). Um sistema de saúde segmentado é um sistema global onde
coexistem dois ou mais níveis de prestação de cuidados havendo a garantia de que o
“mínimo básico” de cuidados é assegurado. Em Portugal temos subsistemas de saúde como
o caso da ADSE (Assistência na Doença aos Servidores do Estado) ou da ADMG
(Assistência na Doença aos Militares da Guarda) e ainda seguros de saúde (Multicare,
Advance Care, Medis). Pereira el al (2001) e Bentes et al (2004) referem que cerca de um
quarto da população tem acesso a uma segunda via de cobertura na saúde (seguros ou
subsistemas). Em 1998, 10% da população possuía já um seguro privado (Bentes et al
2004), sendo que esta percentagem tem aumentado nos últimos anos.
Os subsistemas são entidades que podem estabelecer com as unidades do SNS uma
concorrência saudável (Carreira 1999). Segundo Nunes (2003b), tal facto é desejável pois
quer os subsistemas quer a medicina liberal descomprimem o SNS, sendo que desta forma
poderá ser melhorada a eficiência global do SNS.
Porém, o documento 4/9728
apresentado pela Associação Portuguesa de Economia da
Saúde apresenta uma visão oposta ao afirmar que os subsistemas constituem uma
organização que vive nas franjas do SNS e que promove a discriminação, sendo que os
casos mais graves são remetidos de para o SNS. Consideram a existência de subsistemas
indesejável e sugerem mesmo uma alteração. Actualmente, as tendências mostram a
tentativa de não inclusão de novos trabalhadores nos subsistemas, como por exemplo na
ADSE, ficando estes apenas vinculados ao SNS.
Barros (2006) revela que os indivíduos que possuem cobertura por um subsistema, em
complemento do SNS, apresentam um melhor nível de saúde. De uma forma geral, os
indivíduos pertencentes a subsistemas têm uma maior utilização de consultas. Porém,
torna-se pertinente admitir também a presença de outros factores, como por exemplo, o
28
O documento 4/97 da Associação Portuguesa de Economia da Saúde “Financiamento da Saúde
em Portugal” é um resumo de um debate organizado pela referida associação que pretendia dar
resposta a um pedido de esclarecimento do Conselho de Reflexão sobre a Saúde. Neste documento
é abordado o tema do financiamento da saúde em Portugal.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
25
melhor nível de rendimento que está associado aos indivíduos pertencentes aos
subsistemas.
De acordo com Delgado (1999), o SNS não garante hoje condições de equidade e
solidariedade para todos os portugueses, sendo o nível de despesa privada o maior da
União Europeia. No que respeita aos serviços prestados pelo SNS, o que se verifica é que
este nem sempre apresenta a capacidade de resposta devida, sendo os cuidados dentários
um exemplo de uma fraca rede existente no SNS (Pinto e Aragão 2003). Assim, Pereira et
al (2001) referem que quem necessita de cuidados dentários tem, na maioria dos casos
(84,5%), de os pagar, sendo posteriormente tais despesas dedutíveis no IRS (Imposto sobre
o Rendimento de Pessoas Singulares).
Tal pressuposto é também apoiado pelo estudo realizado por Simões et al (2006) nos anos
de 1998/1999, o qual também afere que no sistema português há iniquidade a favor dos
indivíduos de maiores níveis de rendimento. Este estudo referente à equidade horizontal no
sistema de saúde português demonstra que os indivíduos de melhores rendimentos têm
mais facilidade em aceder aos cuidados de saúde. O mesmo estudo demonstra que apenas
18,93% das consultas de clínica geral foram efectuadas no sector privado; contudo, no que
respeita às consultas de cardiologia cerca de 50% das mesmas foram efectuadas no sector
privado. A distribuição nas consultas de cardiologia dever-se-á ao facto dos indivíduos de
melhor níveis socioeconómicos deterem mais seguros privados de saúde e mais
subsistemas de saúde. Desta forma, estes indivíduos recorrem mais rapidamente a uma
consulta privada, sem acederem em primeiro lugar a uma consulta de clínica geral (Simões
et al 2006). Os indivíduos que pertencem a um subsistema podem ter uma consulta numa
clínica privada com convenção, e caso não exista convenção, são reembolsados pelo
subsistema recebendo uma parte do valor da consulta e tratamentos.
Os resultados obtidos pelo mesmo estudo demonstram que a maioria das consultas de
clínica geral são efectuadas no sistema público. Tal resultado é justificado pelo facto de
estas consultas constituírem a principal via de acesso aos cuidados do SNS. No que se
refere ao facto de serem maioritariamente solicitadas por indivíduos de mais baixos
rendimentos, podemos justificar tal facto pela dificuldade que estes indivíduos apresentam
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
26
em aceder a uma consulta privada, muitas vezes de especialidade, por não estarem
vinculados a nenhum subsistema ou seguro privado de saúde. Apesar destes resultados, as
autoras afirmam que não existe iniquidade a favor dos indivíduos de baixo rendimento nas
consultas de clínica geral, uma vez que a sua utilização fica aquém da sua necessidade
(Simões et al 2006).
O SNS é o detentor da maior parte dos recursos envolvidos nos cuidados de saúde, sendo
que possui 80% das camas. Contudo, já em 1998, Portugal tinha gastos privados em saúde
na ordem de 2,6% do PIB, enquanto que a média europeia era de 1,8% do PIB. Assim, em
Portugal gasta-se muito no sector privado, apesar da vasta rede de cobertura do sector
público (Bentes et al 2004, Pinto e Aragão 2003, Pereira et al 2001).
A legislação contempla que a prática privada complementa a prestação pública onde esta
se apresentar mais deficiente, contudo a realidade revela o contrário. Por conseguinte, as
instituições privadas estão fortemente concentradas nas regiões onde o SNS é mais
extensivo. Isto também se deve ao facto de muitos hospitais terem contratos com as
instituições privadas para a realização de cirurgias, exames complementares de diagnóstico
e tratamentos de medicina física e reabilitação, o que implica que tais unidades privadas
coabitem em proximidade com as unidades públicas (Bentes et al 2004, Pereira et al 2001).
Giraldes (1997b) considera que a distribuição de camas no sector privado, concentrada
apenas nalguns distritos, agrava mais do que corrige as desigualdades existentes no sector
público no âmbito da saúde.
Deste modo, apesar de Portugal ser comummente considerado um país com um sistema de
saúde tipo SNS, ele opera numa “moda” não muito diferente de outros países, onde
coabitam o mercado público que fornece de forma tendencialmente gratuita os cuidados de
nível básico complementado pelo mercado privado (Pereira el al 2001).
No SNS a forma de pagamento a médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde é
feita por salário, o que não estimula à produtividade e eficiência. A maioria dos
profissionais tende também a acumular funções ao trabalhar no público e no privado, sendo
que tal acumulação se processa muitas vezes sem regras de natureza ética, deontológica e
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
27
económica (Delgado 1999, Pinto e Aragão 2003). Assim, devido em parte ao laxismo na
regulação, os médicos são muitas vezes motivados a fornecer o mínimo de cuidados no
SNS no sentido de acentuarem o potencial do mercado da prática privada (Pereira et al
2001). Segundo o parecer do CNECV (Comissão Nacional de Ética para as Ciências da
Vida), as instituições privadas são importantes para garantir a maleabilidade e o
dinamismo dos cuidados de saúde em todos os seus aspectos, contudo, é essencial que não
se tornem um instrumento à mercê dos efeitos perversos da competição, em que os
indivíduos mais carenciados são marginalizados (Parecer 14/CNECV/95).
Do mesmo modo, Delgado (1999) afirma que não há no sector público nem no privado
mecanismos que promovam a eficiência e a qualidade dos cuidados de saúde e há
indicadores evidentes de desperdício no sector público e elevados gastos no sector privado.
2.3 Equidade e Solidariedade
Antes da década de oitenta pouco se falava em equidade. Até aqui, os países que
abraçaram o “welfare State” concentravam as suas preocupações no aumento da
universalidade da cobertura e no alargamento do tipo de intervenções realizadas de forma
gratuita, sem terem em consideração as diferenças na utilização dos cuidados e dos
resultados em saúde. Contudo, com o aumento de gastos na área da saúde e o aparecimento
de restrições financeiras nesta área surgiram medidas que tinham como objectivo uma
distribuição dos recursos disponíveis mais justa e equitativa. Por outro lado a introdução de
co-pagamentos e taxas moderadoras agravou as preocupações com as desigualdades no
acesso aos cuidados de saúde (Campos 1991).
Segundo Pereira (1993) a equidade pode ser definida como a “distribuição justa de
determinado atributo populacional”. Nesta definição rapidamente verificamos que o
significado atribuído ao termo equidade depende fundamentalmente da forma como se
define a “justiça social”, e que esta, por sua vez, está associada a determinados juízos de
valor e à organização socioeconómica de um país (Giraldes 1997a, 1997b, Teixeira et al
2003, Hsu et al 2008).
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
28
O conceito de equidade em saúde é extremamente amplo, complexo e invariavelmente
controverso (Le Grand 1989), razão pela qual não existe uma teoria de equidade
consensualmente aceite. Por exemplo, uma sociedade pode reger-se tendencialmente por
valores utilitaristas e outra por valores libertários, logo o que é justo e equitativo numa
sociedade, não o será na outra.
Para Mulholland et al (2008) na lei dos direitos humanos o termo equidade é usado para
representar a igualdade com justiça. Para estes autores equidade é sinónimo de justiça
distributiva de bens na sociedade, tais como o acesso aos cuidados de saúde ou
simplesmente a sobrevivência.
Os princípios da equidade e da solidariedade constituem, em conjunto, uma garantia da
justiça social e da plena efectivação do direito à saúde (Teixeira et al 2003, Hsu et al 2008,
La Rosa-Salas e Tricas-Sauras 2008).
O princípio da equidade afirma a igualdade de todos os seres humanos em dignidade e
direitos, mas com prioridade para os mais desprotegidos (discriminação positiva). A
equidade, garantindo o direito inalienável de todos os cidadãos aos cuidados de saúde,
nega todas as formas de desqualificação que discriminam os cidadãos atingidos por
qualquer diminuição (Parecer 14/CNECV/95). O mesmo afirma a Lei de Bases da Saúde29
(Base II, 1.b): “É objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos
cuidados de saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem
como garantir a equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços”.
Actualmente a despesa social pública, designadamente a despesa em saúde, pode promover
a igualdade. Assim nas sociedades ocidentais a equidade é frequentemente considerada,
explícita ou implicitamente, um objectivo a atingir nas políticas de saúde adoptadas
(Giraldes 1997b, La Rosa-Salas e La Tricas-Sauras 2008).
29
Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. Esta Lei constitui o anexo III deste trabalho.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
29
Entre as definições do conceito de equidade, convém salientar a que discrimina o princípio
da equidade horizontal – tratamento igual para aqueles que na essência são iguais – da
equidade vertical – tratamento desigual para desiguais (Pereira 1993). Importante é
também referir que, por detrás do conceito supracitado, se encontra o princípio da
igualdade. Contudo, tais termos não são sinónimos, pois tratamentos iguais podem ser não
equitativos (Samuelson e Nordhaus 2005). Por exemplo, perante a mesma patologia em
dois indivíduos diferentes é administrada a mesma terapêutica, contudo há um que por
apresentar condições físicas superiores reage mais rápido à terapêutica. Aqui, tratamento
igual resultou em resultados desiguais, daí que seria mais equitativo se se proporcionasse
melhores cuidados ao paciente mais vulnerável.
Para muitos a equidade horizontal perde aplicabilidade na medida em que não existem
pessoas iguais nem situações iguais. Já a equidade vertical leva à adopção de medidas que
vão ao encontro dos mais desfavorecidos a nível socioeconómico, que são, sem dúvida, os
que apresentam piores indicadores de saúde. A equidade vertical harmoniza-se com o
“princípio maximin de Rawls”, ao discriminar positivamente os mais desfavorecidos. O
“princípio maximin” pode ser portanto uma das definições possíveis de equidade (Simões
et al 2006).
A transmutação da regra maximin em critério de equidade atribui assim aos mais
desfavorecidos a possibilidade estratégica de se protegerem de uma situação penosa: o
minimum minorum (“mínimo dos mínimos”) (Santos 2004). Tal equivale a dizer que todos
os cidadãos devem ter, à partida garantido, o mínimo indispensável de rendimento e
riqueza (“mínimo decente”), sendo que a sociedade lhes possibilita uma equitativa
igualdade de oportunidades (Simões et al 2006).
Pedro Pita Barros (2006) e Giraldes (1997a) sugerem a existência de sete conceitos
possíveis de equidade em saúde:
Igualdade de despesa per capita – a distribuição é equitativa quando realizada em
função do tamanho populacional;
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
30
Igualdade de recursos per capita – incorpora na distribuição realizada em base
populacional, correcções em função das diferenças de preço observadas em cada
região;
Igualdade de recursos para necessidades iguais – para obter distribuição equitativa
devem ser consideradas as diferentes necessidades sanitárias existentes,
efectuando-se correcções quer a partir do perfil demográfico, quer do
epidemiológico;
Igualdade de oportunidade de acesso para necessidades iguais – reconhece, para
além das diferentes necessidades determinadas pelos perfis demográfico e
epidemiológico, a existência de desigualdades no custo social do acesso. Assim, só
se verificará equidade quando os utentes em cada serviço suportarem os mesmos
encargos no acesso aos cuidados de saúde, quer em tempo perdido quer em
encargos com transportes.
Igualdade de utilização para iguais necessidades – considera não só a distribuição
da oferta, mas também outros factores condicionantes da procura. Deverá efectuar-
se uma discriminação positiva em favor dos grupos regionais ou sociais com menos
predisposição para a utilização dos serviços de saúde ou disponibilidade para
utilizar os serviços de saúde. Aqui enquadram-se, por exemplo, as visitas
domiciliárias.
Igualdade de satisfação de necessidades marginais – parte do pressuposto de que as
necessidades mantêm a mesma ordem de prioridades nas diferentes regiões. A
equidade seria atingida se, com o aumento ou diminuição de recursos, o aumento
ou cobertura das necessidades fosse o mesmo em todas as regiões;
Igualdade nas condições de saúde ou igualdade de resultados – este conceito tem
por objectivo alcançar iguais indicadores de saúde entre distritos ou regiões. Tem
como ponto central os resultados obtidos e pressupõe a existência de uma política
intersectorial, tratando-se sem dúvida de um objectivo utópico.
Le Grand (1989) considerou que a maioria dos conceitos de equidade, por representarem
variações de uma mesma ideia ou objectivo, podem ser sintetizados em três conceitos:
tratamento igual para iguais necessidades, igualdade de acesso e igualdade de saúde.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
31
Pereira (1991) assinala três objectivos de equidade na política de saúde portuguesa:
“Acesso a bens que promovam a saúde (implícito na Constituição);
Acesso igual a cuidados do SNS para iguais necessidades (Lei do SNS – Lei n.º
56/79, de 15 de Setembro);
Igual oportunidade de acesso a cuidados de saúde, quer sejam públicos ou privados
(Programa do Governo de 1987).”
Em Portugal, a equidade constitui uma forma de abordagem voltada essencialmente para a
oferta de cuidados e de serviços de modo a que todos os consumidores, apresentando
iguais necessidades, tenham encargos idênticos para acederem à prestação. Actualmente, é
perceptível a existência de uma política de discriminação positiva em favor dos mais
desfavorecidos e uma tentativa da diminuição das desigualdades que resultam de factores
que estão fora do controlo dos indivíduos. Tal objectivo é defendido na Lei de Bases da
Saúde30
, na Base XXIV, ao afirmar como característica do SNS “garantir a equidade no
acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os efeitos das desigualdades económicas,
geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados”.
Para além deste benefício dos segmentos mais vulneráveis, a equidade também diz respeito
ao “acesso geográfico” e à própria aquisição de tecnologia. Assim todas as inovações
tecnológicas devem ser criteriosamente avaliadas de forma a saber se a sociedade as pode
suportar, e não devem representar factor social directo ou indirecto de discriminação
(Parecer 14/CNECV/95). Contudo, para muitos autores o objectivo mais importante da
equidade em saúde é a igualdade de acesso (Travassos 2008).
No que se refere à equidade de acesso, o artigo 3º da Convenção sobre os Direitos do
Homem e a Biomedicina31
afirma que “as Partes tomam, tendo em conta os recursos
disponíveis, as medidas adequadas com vista a assegurar, sob a sua jurisdição, um acesso
equitativo aos cuidados de saúde de qualidade apropriada”.
30
Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. Consultar o anexo III deste trabalho. 31
Aprovada em Diário da República, nº 286 – I Série – A, nº2 de 03.01.2001.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
32
Quanto ao financiamento equitativo, Nunes (2003a) sugere que tal facto pressupõe a
existência de solidariedade no financiamento. Segundo o Parecer 14/CNECV/95, a
solidariedade apresenta-se como “princípio ético fundamental da vida em sociedade”,
tendo especial pertinência na questão do financiamento e prestação de cuidados de saúde,
sendo que confirma o princípio da equidade.
Em Portugal, o financiamento dos cuidados de saúde é realizado através da solidariedade
na forma compulsiva e, mais recentemente, através dos co-pagamentos (Nunes e Rego
2002). Os impostos apresentam um carácter único (IVA - Imposto sobre o Valor
Acrescentado ou Agregado - a 20%), proporcional/ progressivo (desconto para a ADSE de
1,5% do vencimento), progressivo (IRS) e regressivo (IRC - Imposto sobre o Rendimento
de Pessoas Colectivas).
O problema actual coloca-se com a dupla tributação dos cidadãos para a obtenção de
cuidados de saúde quando necessários. Tal facto é pertinente dada a elevada carga fiscal no
nosso país, assim como o crescimento do valor dos co-pagamentos (Nunes e Rego 2002).
Esta situação é ainda mais delicada quando existe uma tripla tributação no caso dos
indivíduos que possuem um subsistema ou seguro privado de saúde.
2.4 Eficiência e Public Accountability
A eficiência é, em conjunto com a equidade, um dos objectivos económicos fundamentais
do sistema de saúde português (Pereira 1991, Pereira 1993). Segundo Giraldes (1997a) “se
o conceito de equidade é o eticamente mais nobre por se basear num princípio de justiça
social, o conceito de eficiência é o mais pragmático por resultar da evidência da escassez
de recursos”.
A eficiência engloba quer a eficiência técnica quer a eficiência económica. A eficiência
técnica atinge-se quando, com a combinação de um conjunto de recursos, se obtem o
resultado desejado ao menor custo possível (Pereira 1993). A noção de eficiência técnica é,
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
33
então, uma noção de “ausência de desperdício”32
. Contudo, esta noção não apela aos custos
da produção, apenas ao mínimo de recursos. A eficiência económica pressupõe a obtenção
do máximo de bem-estar para todos os indivíduos. Assim uma afectação de recursos é
economicamente eficiente se já não é possível encontrar uma reafectação de recursos que
aumente o bem-estar/satisfação de um dos agentes sem piorar o de nenhum outro33
(Pereira
1993).
Muitas vezes confunde-se o termo de eficiência com o de efectividade, contudo, têm um
significado diferente. O termo efectividade remete para o impacto de um agente ou
programa em relação a toda a população alvo a que é aplicado na prática (Giraldes 1997a).
Podem existir casos de tratamentos efectivos, mas não eficientes. A não eficiência ocorre
então quando se utilizam terapêuticas ou tecnologias mais dispendiosas em vez de meios
menos onerosos e que são igualmente efectivos. Por exemplo, se em vez de se utilizar um
analgésico genérico se recorrer a um de determinada marca comercial, estamos perante
uma utilização efectiva mas não eficiente.
Em Portugal, a melhoria da eficiência na utilização de recursos torna-se uma meta a atingir
pois, tal como afirma Nunes (2003b), “em Portugal, na saúde não se gasta pouco, gasta-se
é mal”. E na verdade o combate ao desperdício é uma prioridade, uma vez que este ronda
os 25%.
Torna-se um imperativo a tentativa para a convergência de dois factores aparentemente
incompatíveis: a qualidade na prestação de cuidados de saúde e a optimização da utilização
de recursos. É também imperativo ético a realização de escolhas, dado que o SNS apenas
pode suportar um anel básico de cuidados. Na prática, e pressupondo uma eficiência
económica máxima do sistema público de saúde, a igualdade equitativa de oportunidades
32
A eficiência técnica é assim uma medida da produção de resultados por unidade de recursos
utilizados como, por exemplo, o nº de consultas por médico. Ver a este propósito Pereira J:
Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos. Associação Portuguesa de Economia da
Saúde, Documento de trabalho 1, Lisboa, 1993. 33
A eficiência económica pressupõe a existência de eficiência técnica. Não é correcta, todavia, a
proposição inversa: um serviço de saúde que prestasse cuidados ao menor custo possível, mas com
baixos índices de qualidade seria tecnicamente eficiente mas não economicamente eficiente. Ver a
este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos. Associação
Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho n.º 1, Lisboa, 1993.
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
34
justifica o estabelecimento de prioridades, desde que ninguém seja discriminado
negativamente (Nunes e Rego 2002, Rego 2008).
A utilização dos recursos e a prestação dos cuidados de saúde devem ser feitos de forma
transparente de modo a contribuirmos para uma sociedade mais justa e equilibrada.
Segundo Nunes (2003b), “as decisões na saúde devem ser a todos os níveis, pautadas por
uma nova cultura, a cultura da responsabilidade”. Tal responsabilidade envolve a public
accountability, ou seja, a prestação de contas. O conceito anglo-saxónico de accountability
resume a obrigação de políticos, gestores, profissionais de saúde ou qualquer outra classe
envolvida ampliarem a visibilidade das acções desempenhadas, disponibilizando
informação sobre procedimentos, custos e benefícios perante a sociedade. Desta forma, e
segundo Gruskin e Daniels (2008), qualquer procedimento efectuado pode ser devidamente
explicado e justificado.
Há três níveis da implementação da accountability (Nunes 2003b):
“Macro - Assembleia da República, Governo e outras instituições democráticas:
- Procedimentos explícitos para a afectação de recursos, transparentes e estruturados;
- Orçamento global para a saúde;
- Intervenção de associações de defesa do consumidor e de representantes de minorias;
- Estímulo do debate público, incluindo a participação de grupos de doentes.
Meso - seguradoras, serviços de saúde:
- Procedimentos públicos, explícitos e detalhados, para avaliar os serviços de saúde;
- Relatórios públicos pormenorizados;
- Auditorias internas e externas sistemáticas;
- Procedimentos de queixa justos.
Micro - profissionais de saúde:
- Uma política institucional de consentimento informado, livre e esclarecido;
- A prática clínica baseada na evidência;
- Protecção adequada da privacidade individual;
- Ausência de situações de conflito de interesses.”
Capítulo 2 – Direito da Saúde e Caracterização do SNS
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
35
Segundo Pinto e Aragão (2003) a public accountability, a implementação de planos de
investimento efectivos e a utilização de incentivos adequados aos profissionais de saúde
constituem importantes medidas para o combate ao desperdício.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
36
CAPÍTULO 3
SAÚDE E CUIDADOS DE SAÚDE: ESPECIFICIDADES DO SECTOR
3.1 Especificidade do Bem “Cuidados de Saúde”
O mercado da saúde apresenta características peculiares dado que, de um lado, se
apresentam recursos limitados e, de outro, uma procura e um desejo ilimitados de mais e
melhores cuidados de saúde. A conjugação destes dois factores conduz à
indispensabilidade das escolhas, que envolve não só o que deve ser feito, mas também, e
não menos importante, o que se deixa de fazer (Gruskin e Daniels 2008). Assim, face ao
“mito” segundo a qual “a saúde não tem preço”, é necessário tomar consciência do facto de
que a sociedade não destina e não pode destinar senão uma parte dos recursos a este
objectivo. Estes recursos escassos devem ser distribuídos em condições óptimas, sendo que
para tal se torna necessária a intervenção da Economia da Saúde (Cotta 1991).
Campos (1988) afirma que a área económica tem vindo a intervir positivamente na área da
saúde dado que, recorrendo a análises económicas, podemos efectuar escolhas entre
alternativas em função de prioridades e obedecendo ao primado do interesse social sobre o
individual34
. A Economia da Saúde pode ser definida como o “ramo do conhecimento que
tem por objectivo a optimização das acções de saúde, ou seja, o estudo das condições
óptimas de distribuição de recursos disponíveis para assegurar à população a melhor
assistência à saúde e o melhor estado de saúde possível, tendo em conta meios e recursos
limitados” (Del Nero 1995). Campos (1985) vai mais longe ao afirmar que a Economia da
Saúde “é uma disciplina, um corpo de pensamento reconhecido e não é um mero saco de
ferramentas”, antes é um modo de pensar que tem a ver com a consciência da escassez, a
imperiosidade das escolhas e a necessidade de elas serem precedidas da avaliação dos
34
A ciência económica tem contribuído para a Economia da Saúde, enquanto subdisciplina, das
seguintes formas: através da transferência de conceitos (custo de oportunidade, custo benefício,
custo efectividade, análise de função de produção), transferência de técnicas e metodologias de
análise e contribuição para uma maneira de pensar económica. Há portanto um vínculo entre a
ciência da Economia e a Economia da Saúde. Ver a este propósito Campos A C: Economia da
Saúde, da autonomia científica aos conteúdos de ensino. Estudos de Economia 8; 1988: 327-344.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
37
custos e das consequências das alternativas possíveis, com vista a melhorar a repartição
final dos recursos.
Pedro Pita Barros (2006) refere que a Economia da Saúde estuda a afectação de recursos
no sector da saúde. Nesta linha de pensamento, Campos (1988) salienta o contributo da
Economia da Saúde para o desenvolvimento da ciência económica. Isto porque a
Economia da Saúde permitiu o acesso a uma área de actividade que revela características
próprias e de certa complexidade e grande mutabilidade, uma vez que o bem “saúde” não é
passível de ser submetido a uma análise económica simples, como qualquer outro bem.
O mercado da saúde atende a três características fundamentais (Matias 1995):
“o objecto da escolha, que neste caso consiste no bem cuidados de saúde;
o comportamento do agente da procura, que é o doente;
o comportamento do agente da oferta, que são os profissionais de saúde,
nomeadamente os médicos”.
O que acontece no mercado da saúde deve-se ao facto dos agentes de mercado exibirem
comportamentos diferenciados relativamente ao que acontece noutros mercados, dado que
estamos perante um bem que apresenta diversas especificidades (Sorkin 1984).
Assim sendo os cuidados de saúde são um produto de natureza francamente diferente
quando comparados com outros produtos existentes num mercado normal. O consumo
deste bem faz-se com o objectivo de restabelecer um estado de saúde (Pestana 1996). Ou
seja, trata-se de um bem sem utilidade intrínseca (por si só não proporciona utilidade) e
cujo consumo está sempre relacionado com um estado de necessidade por parte do agente
da procura, o doente. Se, numa situação hipotética, fosse possível desligar os cuidados de
saúde do objectivo de proporcionar saúde, assistiríamos à ausência de procura para o bem,
uma vez que o consumo deixaria de proporcionar qualquer utilidade para o consumidor
(Matias 1995).
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
38
Outra das características do bem cuidados de saúde é referente ao esgotamento do
consumo, pois a função utilidade atinge-se muito mais rapidamente no consumo de
cuidados de saúde do que no consumo de qualquer outro bem (Matias 1995).
A não homogeneidade do consumo dos cuidados de saúde é um facto, na medida em que,
quando nos referimos a cuidados de saúde, podemos incluir no rol serviços tão diferentes
como: medicamentos, consultas médicas, internamentos, tratamentos de fisioterapia35
, etc
(Matias 1995, Esperança Pina 2003). Contudo, esta não homogeneidade implica a
interdependência. Por exemplo, o doente com uma entorse da tíbio-társica vai a uma
consulta médica de urgência, é-lhe efectuada uma radiografia para o despiste de fractura.
Como forma de tratamento tem que tomar medicação e fazer fisioterapia. Há, então, uma
diversidade de cuidados de saúde que se coadunam para o diagnóstico e tratamento de uma
determinada patologia.
A saúde é nas sociedades democráticas, em que exista subjacente um conceito de
solidariedade social, um bem de mérito. Isto porque se trata de um bem de consumo
individual cuja utilização dá origem a benefícios superiores aos gozados pelo próprio
indivíduo (Giraldes 1997a, Pereira 1993). Numa sociedade em que a teoria libertária seja
um primado, no limite, não existem bens de mérito. Na definição de bem de mérito está,
portanto, implícito o conceito de solidariedade social (Giraldes 1997a). O conceito de bem
de mérito remete-nos para a existência de externalidades. Donaldson e Gerard (1993)
definem externalidades (spillovers) como o efeito positivo (benefícios) ou negativo
(prejuízos) provocado noutros indivíduos pela produção ou consumo de determinado bem,
e cujo efeito sobre os outros está fora do controlo individual.
35
Esperança Pina refere que os cuidados de saúde têm atingido níveis incomportáveis para a
maioria dos pacientes. Se concebermos que uma visita ao médico envolve a consulta, as despesas
dos exames complementares, a aquisição de medicamentos, o doente teria de despender de
centenas de euros, não falando em internamento ou intervenções cirúrgicas. A este respeito ver
Esperança Pina J A: A Responsabilidade dos Médicos, 3ª edição. Lidel, 2003.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
39
Atendendo à definição de externalidades realizada no parágrafo anterior, facilmente se
vefifica que estas estão presentes no contexto da saúde. Assim, pelo facto de um indivíduo
beneficiar de determinados cuidados de saúde (efeito interno), tal consumo tem muitas
vezes um efeito externo para com outros indivíduos ou mesmo para com a sociedade,
sendo que a terceira parte recebe um benefício ou suporta um prejuízo sem ter efectiva e
explicitamente efectuado qualquer escolha (Lucena et al 1996, Pestana 1996). A vacinação
é um exemplo positivo da situação aludida. As externalidades podem ser agrupadas em três
categorias de acordo com o seu tipo: externalidades associadas com doenças contagiosas,
externalidades associadas com a produção de informação relevante36
e externalidades
decorrentes do comportamento individual37
. De acordo com os mesmos autores, na
presença de externalidades, o livre funcionamento do mercado não actua de modo
satisfatório, pois os indivíduos no seu processo de tomada de decisão não incorporam todos
os benefícios e custos das suas decisões (Lucena et al1996).
De acordo com Jacobsson et al (2005) os indivíduos revelam-se mais preocupados com as
externalidades em saúde quando os problemas são mais graves. As autoras afirmam que o
altruísmo aumenta à medida que a severidade da doença também vai aumentando.
No que se refere à saúde, a quantidade de bens públicos38
é escassa. As campanhas de
informação para a educação ambiental podem ser consideradas como bem público, uma
vez que o consumo do bem em causa não envolve exclusividade (impossibilidade de
excluir um indivíduo particular) e tem como atributo a não rivalidade (o consumo de um
36
Segundo Lucena et al (1996) diz respeito ao facto da produção de informação beneficiar um
conjunto amplo de agentes e não apenas aqueles que gerem essa informação. Ver a este propósito
Lucena D, Gouveia M, Barros P P: O que é diferente no sector da saúde? “Em Foco”, Revista
Portuguesa de Saúde Pública, vol. 14, n.º 3; 1996. 37
Segundo Lucena et al (1996) diz respeito ao facto do comportamento individual ter implicações,
positivas ou negativas, sobre outros agentes, para além das partes envolvidas numa transacção. Ver
a este propósito Lucena D, Gouveia M, Barros P P: O que é diferente no sector da saúde? “Em
Foco”, Revista Portuguesa de Saúde Pública, vol. 14, n.º 3; 1996. 38
No domínio da saúde, a quantidade de bens públicos é menor do que à partida se poderia pensar.
Praticamente, apenas se devem considerar como bens públicos puros as medidas contra a poluição
ambiental e a erradicação de doenças contagiosas. No entanto, existem diversos serviços com
características de bem público, pelo facto de ser ineficiente excluir determinados indivíduos do seu
consumo. Há que assinalar ainda, que não se deverá confundir a referência habitual aos cuidados de
saúde como um “serviço público” com o conceito económico de bem público. Ver a este propósito
Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos. Associação Portuguesa de
Economia da Saúde, Documento de trabalho 1, Lisboa, 1993.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
40
indivíduo não reduz a quantidade disponível para outros membros da sociedade) (Giraldes
1997a, Pereira 1993).
Lucena et al (1996) salientam que há um forte juízo de valor sobre tudo o que se relaciona
com o sector da saúde. Este juízo de valor deriva de factores como: o reconhecimento das
limitações e a capacidade do consumidor para fazer as escolhas mais apropriadas, o forte
desejo da sociedade em promover uma maior redução das desigualdades no consumo do
bem “saúde”, e, por último, o facto de existirem externalidades. Estas impelem a que os
indivíduos atribuam valor pelo facto de outros receberem cuidados de saúde.
O contexto de incertezas em que a maioria das decisões da saúde são tomadas constitui
uma especificidade dos cuidados de saúde. Podem identificar-se três tipos de incertezas: a
incerteza quanto ao momento em que o indivíduo necessita de cuidados de saúde dada a
imprevisibilidade da doença (momento da ocorrência); incerteza quanto à quantidade de
cuidados necessários e custos monetários envolvidos de acordo com a dimensão do
problema; a incerteza do médico quanto ao tratamento que deve prescrever face ao quadro
clínico e quanto á forma do doente reagir ao tratamento prescrito (Lucena et al 1996). É
este conceito de incertezas que explica em grande parte a importante, e mais ou menos
generalizada, intervenção do Estado no financiamento da saúde (Gonçalves 2003,
Donaldson e Gerard 1993).
Tacitamente nos dois parágrafos anteriores foi feita referência à assimetria de informação.
Tal circunstância está patente na situação clínica corrente, na medida em que o consumidor
tem comummente menos informação acerca da sua situação clínica que o prestador dos
cuidados de saúde (Cardon e Hendel 2001). Logo, a decisão sobre o melhor tratamento é
incumbida ao prestador de cuidados. Aqui podem gerar-se mecanismos de procura
induzida (“supplier – induced demand”), ou seja, o agente da oferta pode levar o agente da
procura a consumir mais cuidados do que seria necessário (Barros 2006, Rego 2008,
Sorkin 1984). Assim, os agentes da oferta influenciam a procura de cuidados de saúde, isto
porque os profissionais de saúde, nomeadamente os decisores clínicos, têm a capacidade de
artificialmente criar procura para os seus serviços. Desta forma, assiste-se à realização de
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
41
uma consulta adicional, a uma cirurgia que não era estritamente necessária ou a mais um
exame de diagnóstico (Barros 2006, Rego 2008).
Este excesso de consumo pode também relacionar-se com o risco moral39
presente do lado
dos consumidores. Tal facto demonstra que há uma tendência para que as pessoas
consumam mais do que normalmente fariam, já que não pagam um preço que reflicta os
verdadeiros custos dos recursos utilizados, dada a existência de um sistema de cobertura
(SNS ou seguro) (Pauly 2004, Donaldson e Gerard 1993). Há também risco moral por
parte dos prestadores, sendo que tal facto se relaciona com insensibilidade ou
desconhecimento por parte destes relativamente aos custos que os cuidados de saúde
acarretam para o Estado, levando a prescrever exames complementares de diagnóstico e
tratamentos que não seriam estritamente necessários à luz da melhor evidência científica
(Rego 2008). Por outro lado, a forma de pagamento aos prestadores também se poderá
relacionar com o risco moral do lado da oferta, uma vez que, o pagamento ao acto está
associado à tendência dos médicos para a prestação de cuidados em excesso (Donaldson e
Gerard 1993, Rodriguez et al 2008).
3.2 Características da Procura em Saúde
Em qualquer mercado coabitam o lado da oferta e o lado do consumo e o mercado é,
simplesmente, um mecanismo de ajuste entre ambos os lados, que permite uma troca de
bens ou serviços sem que seja necessária a intervenção do governo (Donaldson e Gerard
1993).
39
Tradução directa do inglês moral hazard, por vezes também designado por “abuso do segurado”.
Trata-se de uma forma de comportamento racional que se observa quando os consumidores
aumentam a sua utilização de cuidados de saúde devido ao facto de não terem de suportar o custo
total dos tratamentos. Contudo há autores que dão pouca relevância ao fenómeno, dado que a
grande fatia dos gastos em saúde está dependente de prescrição médica e não da iniciativa do
consumidor. Ver a este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos.
Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho 1, Lisboa, 1993.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
42
O objecto de transacção no mercado da saúde consiste nos próprios cuidados de saúde, que
apesar de apresentarem características específicas, são um bem económico sujeito às leis
da procura (Pestana 1996). Assim, para a compreensão deste mercado será feita uma breve
referência às características do mercado normal.
A procura de um bem ou serviço pode ser definida como “a quantidade de bem ou serviço
que as pessoas desejam consumir num determinado período de tempo” de acordo com as
suas possibilidades económicas (Iunes 1995). Deste modo cada indivíduo, face a opções
alternativas, realiza as suas escolhas segundo os seus gostos e preferências procurando o
máximo de satisfação, maximizando a utilidade do bem (Donaldson e Gerard 1993, Cillis e
West 1984). De acordo com Frank (2006) cada indivíduo faz uma análise de custo-
benefício nas suas escolhas ao analisar as seguintes questões: “devo comprar o produto?”,
“posso pagar por ele?” e “que bens poderia adquirir com o mesmo valor?”.
No modelo tradicional, o consumidor define as suas escolhas e combina tal facto com o
rendimento disponível. O consumidor possui informação acerca dos produtos que deseja
consumir, o que é designado por princípio da “soberania do consumidor”.
Há assim diferentes factores que afectam a procura, tais como: preço40
, rendimento41
,
preferências, o preço de bens sucedâneos e complementares42
e a qualidade percebida
sobre um bem ou serviço e a população (Frank 2006, Neves 1996, Mc Connel e Brue
40
Segundo o modelo tradicional da procura, a variável preço constitui o factor da procura mais
evidente. Assim mantendo-se os restantes factores constantes, existirá uma relação inversa entre o
preço do produto e a quantidade procurada. Com o aumento de preço, o consumidor fica mais
pobre e diminui o rendimento disponível para a aquisição do produto (efeito rendimento) ou passa
a comprar outros produtos (efeito substituição). A este propósito ver Neves J L: Introdução à
Economia, 3ª edição. Verbo, Lisboa, 1996. 41
No que respeita ao rendimento podemos considerar a existência de diferentes tipos de bens. Os
bens considerados “normais” são aqueles que vêm a sua procura aumentar quando o rendimento do
indivíduo aumenta; os bens “inferiores” são aqueles que vêm a sua procura diminuída com o
aumento de rendimentos por parte do indivíduo. A este propósito ver Frank R H: Microeconomia e
Comportamentos, 6ª edição. Trad. Mª do Carmo Seabra, Mc Graw Hill, Lisboa, 2006. 42
Segundo o modelo tradicional, se os bens forem sucedâneos, o aumento de preço num deles
reduz a sua procura e aumenta a quantidade procurada do bem sucedâneo. Caso se tratem de bens
ou serviços complementares o aumento de preço de um bem ou serviço reduzirá a quantidade
procurada dos bens ou serviços normalmente consumidos em conjunto. Ver a este propósito
Samuelson P, Nordhaus W: Economia, 18º edição. Trad. Elsa Fontainha e Jorge Pires Gomes, Mc
Graw Hill, Lisboa, 2005.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
43
2001). Um sistema baseado no preço formado livremente no mercado apresenta diversas
vantagens, sendo que o preço representa uma medida de valor e actua como mecanismo
regulador da procura e da oferta (Pinto e Aragão 2003). O que acontece na saúde é que se
“prescindiu” durante muitos anos do factor “preço” no momento do seu consumo, o que
pode dificultar a valoração deste bem.
Na área da saúde, a procura é influenciada por diversas particularidades que estão
directamente relacionadas com as especificidades do mercado da saúde, especificidades já
elucidadas na temática anterior. Arrow43
(1963, cit. Iunes 1995) define como
características peculiares:
no que respeita ao consumidor a sua procura é irregular e imprevisível, uma vez
que este desconhece qual o momento em que irá adoecer;
a procura de cuidados de saúde ocorre em circunstâncias anómalas, ou seja, quando
o indivíduo está doente, o que poderá comprometer a racionalidade da decisão;
dada a ignorância do consumidor, torna-se necessária a existência de uma ligação
de confiança entre o agente da procura e o agente da oferta;
nesta relação de confiança depreende-se que o conselho do prestador é dissociado
de interesse próprio (existência de uma relação de agência perfeita);
a ética médica condena a propaganda e a competição entre médicos no que diz
respeito aos bens e serviços disponíveis;
a relação agente da procura / agente da oferta é assimétrica no que respeita à
informação.
Podemos afirmar, com base nas características apresentadas, que a procura de cuidados de
saúde é imprevisível, não depende da vontade do indivíduo nem dos seus recursos. A
procura em saúde é determinada pela percepção que o indivíduo tem de necessidade, e do
reconhecimento da presença de um problema de saúde (Mulholland et al 2008). Contudo, é
o agente da oferta o que possui mais conhecimento da situação clínica do indivíduo.
Pestana (1996) defende que a ignorância do consumidor sobre o seu estado de saúde, bem
como relativamente ao efeito dos cuidados médicos, é a causa da assimetria de informação,
43
Ver a este propósito Iunes R F: Demanda e Demanda em Saúde, In Piola S, Vianna S M:
Economia da Saúde: Contribuição para a Gestão da Saúde. IPEA, Brasília, 1995.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
44
sendo esta a responsável principal pela existência do fracasso no mercado de cuidados de
saúde. Esta assimetria de informação leva à criação de uma relação de agência, ou seja, o
indivíduo delega uma parte das decisões no profissional de saúde.
Esta relação de agência é “omnipresente e imperfeita”, estigmatizando designadamente o
comportamento do agente da procura, o qual tem necessidade de transferir as suas decisões
para o agente da oferta (Matias 1995). Segundo o mesmo autor, o encontro destes dois
agentes no mercado resulta num equilíbrio instável, em que quer o preço quer a quantidade
podem ser influenciados pela oferta. Isto é, parece estar em causa o conceito de procura
induzida. Ou seja, o agente da oferta pode conduzir a que o doente receba mais cuidados
que o necessário (Rego 2008).
No que se refere ao conceito de “necessidade”, este conceito admite que o indivíduo não
tem consciência do seu estado de saúde, sendo o profissional de saúde quem define se o
doente necessita ou não de cuidados. O conceito de necessidade44
é, no mercado da saúde,
conflituoso com o de soberania do consumidor. Portanto, necessidade é uma definição
exógena determinada pelos prestadores de cuidados de saúde (Pestana 1996). Por sua vez,
a “procura” é um conceito que está centrado sobre a liberdade e autonomia de escolha do
consumidor. Desponta ainda o conceito de “utilização de cuidados de saúde”, que diz
respeito ao consumo efectivo de cuidados de saúde.
Do exposto verifica-se que a quantidade de serviços considerada como necessária é, com
certeza, diferente da procurada. Do mesmo modo, as necessidades não são facilmente
estabelecidas entre prestadores de cuidados já que não existe um padrão que defina
claramente o que é “boa saúde”, não existe um conhecimento perfeito das condições de
saúde da população e não existe um conhecimento perfeito da capacidade das intervenções
44
Segundo Pereira, não há na literatura uma definição única de necessidade. Contudo, é muitas
vezes utilizada uma taxionomia que permite a distinção de três tipos de necessidades: necessidades
sentidas, necessidades expressas e necessidades normativas. As necessidades sentidas são aquelas
que são identificadas pelos indivíduos e as expressas são as que se referem à procura de cuidados
de saúde pelos utentes. As normativas são aquelas que são definidas e identificadas pelos
profissionais de saúde. Ver a este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e
Conceitos. Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho 1, Lisboa, 1993.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
45
(Iunes 1995, Pauly 2004). Isto leva-nos a afirmar que “necessidade” não deve ser vista
como um conceito absoluto, mas antes relativo e dinâmico (Matias 1995).
Na saúde verifica-se a existência de ausência de soberania do consumidor, que está
aglutinada ao contexto de incertezas relativamente à saúde e à doença. Numa situação em
que o consumidor deseja comprar uns óculos novos ou comprar uma caixa de lentes de
contacto para o próximo mês, ele pode prever os gastos envolvidos e gerir os seus recursos,
ou poderá mesmo adiar a sua aquisição se os recursos disponíveis não lhe permitirem a
compra. Contudo, na grande maioria dos itens relacionados com doença, não é possível
fazer uma previsão e esta surge muitas das vezes de forma inesperada (Donaldson e Gerard
1993).
E porque existem incertezas na procura e possibilidade de perdas económicas
significativas, a sociedade recorre aos seguros de saúde, privados45
ou públicos46
(Barros
2006, Donaldson e Gerard 1993). Tal facto pode levar à má utilização de recursos,
distorcendo a procura, já que no momento de utilização o indivíduo está disposto a obter os
benefícios do pagamento do seguro (Pauly 2004, Farnsworth 2006).
Outro conceito importante de se explorar é o conceito de elasticidade da procura. A
elasticidade é definida como a medida do grau de correspondência de uma variável
dependente (procura, oferta) a alterações numa das variáveis que a determinam (por
exemplo preço, rendimento, nível de instrução). Para a avaliação da elasticidade apenas
uma das variáveis independentes pode ser alterada, sendo que os restantes factores devem
45
Um seguro de saúde não é mais do que a transferência das responsabilidades financeiras
associadas a cuidados de saúde a uma terceira entidade, a troco de um pagamento fixo, o
denominado prémio de seguro. Assim o consumidor quando necessita de cuidados de saúde apenas
paga uma pequena fracção do custo dos cuidados no momento do consumo. O seguro privado
cumpre a primeira função assinalada cobrando prémios de seguro tipicamente relacionados com as
características de risco do segurado. Ver a este propósito Barros P P: Economia da Saúde:
conceitos e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006. 46
O seguro público recolhe os fundos necessários para o pagamento aos prestadores através dos
impostos ou de outro sistema contributivo, tipicamente compulsório, sendo o pagamento do
indivíduo determinado pelo nível de rendimento. A adesão a um sistema público pode ser garantida
pela capacidade coerciva do Estado. Ver a este propósito Barros P P: Economia da Saúde:
conceitos e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
46
manter-se constantes47
. No domínio da saúde podemos falar de dois tipos de elasticidade: a
elasticidade da procura relativamente ao preço, que corresponde à alteração percentual na
quantidade procurada em relação à alteração de preço; e a elasticidade da oferta
relativamente ao rendimento dos prestadores, que corresponde à alteração na quantidade
oferecida em relação à alteração percentual no rendimento dos prestadores (Pereira 1993).
A elasticidade da procura relativamente ao preço, é na saúde, considerada como sendo uma
procura inelástica ou rígida, pois a quantidade procurada varia menos que
proporcionalmente em relação à alteração do preço.
A inelasticidade da procura de cuidados de saúde relaciona-se com o facto de a maioria dos
Estados que têm subjacente o princípio do “Welfare State” possuir um SNS de carácter
universal e geral tendencialmente gratuito (Rodriguez et al 2008). A gratuitidade do bem
no momento da utilização estimula um consumo do bem superior ao necessário. Aqui
verificamos a presença do risco moral no consumo (Matias 1995). Há autores que
consideram que quanto mais o utente “sentir” que paga, menor será o risco moral do lado
da procura (Pauly 2004, Farnsworth 2006, Rodriguez et al 2008).
Contudo, apesar da maioria dos estudos apontarem que a procura de cuidados de saúde é
inelástica dadas as características específicas dos cuidados de saúde, já aludidas neste
trabalho, Lucas (1990)48
demonstra no seu estudo que os grupos sociais mais
desfavorecidos apresentam alguma sensibilidade às variações de preços, indicando que
estão dispostos a trocar os cuidados de saúde por outros bens se for caso disso.
47
A elasticidade da procura pode ser unitária quando uma alteração de 1% no preço de um produto
implica uma alteração na quantidade procurada igualmente de 1%, no sentido inverso, ou seja, a
percentagem de variação da quantidade é exactamente igual à percentagem de variação no preço. A
procura pode também ser inelástica ou rígida quando a quantidade procurada varia menos que
proporcionalmente em relação à alteração do preço, por exemplo, uma alteração de 1% no preço
implica uma alteração em sentido inverso na quantidade procurada de 0,8%. A procura pode ainda
ser elástica quando a quantidade procurada varia mais que proporcionalmente em relação à
alteração do preço, por exemplo, a uma alteração de 1% no preço de um produto, ocorre uma
alteração em sentido inverso de 1,5% na quantidade procurada. Ver a este propósito Iunes R F:
Demanda e Demanda em Saúde, In Piola S, Vianna S M: Economia da Saúde: Contribuição para a
Gestão da Saúde. IPEA, Brasília, 1995. 48
No que se refere à subutilização de cuidados de saúde pelos trabalhadores manuais, embora não
esquecendo factores de índole cultural, parece legítimo associar esta subutilização à existência de
taxas moderadoras. Ver a este propósito J S: Taxas moderadoras e equidade na utilização de
cuidados de saúde primários. “Em foco”, Revista Portuguesa de Saúde Pública, n.º 1; Lisboa, 1990:
17-27.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
47
Donaldson e Gerard (1993) asseveram que para que o mercado da saúde funcionasse com
uma eficiência máxima e a menores custos teriam de existir ausência de incertezas,
inexistência de externalidades, um conhecimento perfeito49
, consumidores livres na sua
escolha e existência de numerosos e pequenos produtores50
.
Mas, tal mercado não existe. Então as características do bem “cuidados de saúde”
(nomeadamente o risco e o contexto de incertezas associados à doença) num mercado sem
regulação acentuariam os problemas de deseconomias51
de pequena escala, de risco moral
e de selecção adversa52
(Cardon e Hendel 2001). Assim sendo, e tendo também em conta a
existência de externalidades e de assimetria de informação e a necessidade de certificação
dos profissionais de saúde, o Estado apresenta uma intervenção no sector da saúde que se
processa de forma mais profunda que na maioria dos outros sectores da economia, apesar
de, menos questionada na razão da sua existência (Escoval 1999, Lucena et al 1996,
Donaldson e Gerad 1993).
49
O conhecimento perfeito permitiria ao consumidor, neste caso ao paciente, determinar que
decisões tomar para manter ou melhorar o deu estado de saúde, pois teriam um conhecimento pleno
da sua situação clínica. Ver a este propósito Rego G: Gestão Empresarial dos Serviços Públicos,
uma aplicação ao sector da saúde. Tese de Doutoramento, Vida Económica, 2008. 50
A existência de muitos e pequenos produtores favoreceria a competição entre eles, o que
acarretaria maior eficiência. Ver a este propósito Rego G: Gestão Empresarial dos Serviços
Públicos, uma aplicação ao sector da saúde. Tese de Doutoramento, Vida Económica, 2008. 51
A economia de escala ocorre quando as grandes companhias distribuem o seu custo fixo entre
todos os seus produtos e assim conseguem uma diminuição do custo por unidade de produto. Diz-
se que existem economias de escala quando os custos médios de produção duma actividade
diminuem à medida que o volume de produção vai aumentando. A desvantagem da existência de
economia de escala é a tendência para a formação de monopólios que passam a determinar
sozinhos o preço de mercado, já que não têm concorrentes, e o consumidor não tem escolha. A
“deseconomia de escala” ocorre quando aumenta o custo médio do produto com o aumento do
volume de produção. Isto pode mesmo ocorrer numa grande firma quando há perdas de eficiência
devido ao menor controlo sobre a produção ou ao maior distanciamento entre administrativos e
empregados. No mercado de seguros de saúde podem surgir deseconomias de escala dado que se
indivíduos de alto risco adquirirem seguros, o valor do prémio aumenta em geral, sendo que os
indivíduos de baixo risco rejeitariam o seguro. Isto significa um custo médio final por unidade de
produto maior. Assim o custo final de seguro será maior para o consumidor. Ver a este propósito
Donaldson C, Gerard K: Economics of Health care Financing. Mc Millan, London, 1993 e Barros P
P: Economia da Saúde: conceitos e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006. 52
Segundo Cardon e Hendel a selecção adversa é considerada a principal causa para a falha no
mercado da saúde. Ver a este propósito Cardon J H, Hendel I: Assymmetric information in health
insurance, evidence from the National Medical Survey. Rand J Econ., vol. 32, nº3, Autumn,
2001:408-27.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
48
O sector da saúde, em todos os países desenvolvidos, tem sido objecto de importante
intervenção e regulação do Estado, com amplitudes e graduações diversas, com base em
diferentes sistemas organizativos e igualmente diversos modelos de financiamento
(Gonçalves 2003).
Em Portugal, o papel regulador do Estado revela-se, por exemplo, na regulação dos preços
(preço dos medicamentos), na quantidade de médicos (numerus clasus de estudantes de
Medicina) e qualidade dos profissionais de saúde (exigência de qualificações adequadas)
(Pinto 1995).
Para além da função reguladora do Estado, este pode assumir a função de prestador ao
fornecer inúmeros bens e serviços neste sector, tais como hospitais, centros de saúde,
programas de vacinação, entre muitos outros (Barros 2006). O papel do Estado pode ainda
ser mais extensivo ao assumir-se como financiador. Tal papel é desempenhado através da
recolha de impostos para em troca assumir a responsabilidade financeira das despesas em
cuidados de saúde, quer fornecendo directamente esses cuidados quer pagando a terceiros
o fornecimento desses cuidados (Barros 2006). A Lei de Bases da Saúde53
(Base VI –
Responsabilidade do Estado) afirma que “Os serviços centrais do Ministério da Saúde
exercem, em relação ao Serviço Nacional de Saúde, funções de regulamentação,
orientação, planeamento, avaliação e inspecção.”.
Matias (1995) no seu documento de trabalho “O Mercado de Cuidados de Saúde” aborda a
questão que se refere em saber que entidade deverá ser prestadora de cuidados de saúde, se
o Estado ou seguros de saúde. De acordo com este autor, apela-se que o Estado seja
responsável pela provisão de cuidados de saúde. Isto porque um serviço público de saúde,
tipo o SNS no caso português, tem como mais valia a não exclusão de nenhum cidadão.
Contudo, no caso português o papel do Estado enquanto prestador tem vindo a atenuar-se
com a empresarialização da gestão hospitalar. É de salientar que a nova forma de gestão
surgiu dada a baixa eficiência que o SNS foi apresentado ao longo dos últimos anos.
53
Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei nº27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. A este propósito consultar o anexo III deste trabalho.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
49
De uma forma sucinta podemos referir que a procura de cuidados de saúde é influenciada
pelos custos implícitos no consumo de cuidados de saúde, pela oferta, por factores
culturais e demográficos e pela forma de financiamento dos cuidados de saúde (Rego
2008). Os custos implícitos no consumo de cuidados de saúde constituem um factor
determinante do nível de utilização, já que, embora o seu preço possa ser nulo no ponto de
consumo, existem outros custos associados ao consumo dos cuidados, nomeadamente o
tempo exigido pelos tratamentos54
e as perdas de rendimento monetário em consequência
do tratamento médico, que vão ser integrados no processo de decisão do consumidor
(Pestana 1995, Sorkin 1984, Cillis e West 1984).
Após verificarmos as características gerais da procura de cuidados de saúde, esta mesma
procura é em si influenciada pela oferta devido à já referida procura induzida. O fenómeno
da procura induzida55
surge com Roemer e Robert Evans e está estritamente ligado à
protecção social (Rego 2008, Barros 2005). Este pode explicar-se de diversas maneiras
(Beresniak e Duru 1999):
“o aumento da demografia médica dá lugar a formas mais ou menos directas de
publicidade;
a concorrência profissional incita ao tratamento médico mais completo do paciente;
a forte densidade médica nas grandes cidades constitui um apelo directo ao
consumo de cuidados de saúde;
os hospitais públicos ou privados atraem a população na proporção da sua
capacidade;
54
O preço de tempo corresponde à estimativa monetária do valor do tempo perdido pelo
consumidor para utilizar os serviços de saúde. No cálculo do preço de tempo dever-se-á incluir
tanto o tempo de permanência no local de atendimento como o tempo de deslocação para esse
local. O conceito reflecte a ideia de que os preços monetários não constituem a única barreira de
acesso aos serviços de saúde. Ver a este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de
Termos e Conceitos. Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho 1,
Lisboa, 1993. 55
Os trabalhos iniciais sobre a indução da procura são devidos a Shain e Roemer (1959) e Roemer
(1961) que encontraram uma forte correlação entre a disponibilidade de camas hospitalares e a sua
utilização, sendo sugerida a explicação de que se um hospital tinha a cama vazia tenderia a
preenchê-la. Evans (1974) apresentou a ideia de que o médico tem uma desutilidade pelo facto de
induzir a procura. Assim, um médico ao decidir a quantidade de indução da procura que realiza tem
em conta o benefício marginal (maior rendimento), mas também um custo marginal (menor
utilidade). Ver a este propósito Barros P P: Economia da Saúde: conceitos e comportamentos.
Livraria Almedina, Coimbra, 2006.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
50
a informação da população sobre as possibilidades crescentes da medicina é cada
vez maior.”
Outro dos factores que influencia a procura é a vertente cultural. Na verdade, os indivíduos
de classes mais desfavorecidas apresentam uma taxa de hospitalização superior à média56
e
os indivíduos de classe mais favorecidas economicamente são os responsáveis pelo maior
consumo de cuidados em ambulatório e menor em cuidados hospitalares (Lucas 1990).
Os factores demográficos são também uma das causas que pode influenciar a procura,
sendo este agente bem visível nos países desenvolvidos, em que o envelhecimento da
população está ligado ao aumento das despesas em saúde. Por último, referimos o modelo
de financiamento de cuidados de saúde como factor que afecta a procura (Beresniak e Duru
1993), sendo que tal factor será analisado de forma detalhada na próxima temática.
De um modo geral os economistas utilizam três modelos fundamentais para estudar a
procura no campo da saúde: o modelo tradicional, o modelo de Grossman e o modelo
comportamental de Andersen. De forma sucinta, podemos afirmar que o modelo
tradicional analisa o consumo de cuidados de saúde à semelhança de outros bens
económicos, isto é, em função do preço, rendimentos, gostos. Através dos estudos
empíricos, este modelo conclui que à medida que o preço aumenta o consumo diminui e
que, com a existência de seguros, o consumo aumenta à medida que aumenta o grau de
cobertura (Farnsworth 2006, Gravelle e Siciliani 2008). No que respeita ao rendimento,
quanto maior o seu valor, maior o encorajamento para o consumo de cuidados de saúde.
Relativamente ao “preço de tempo”, este é muitas vezes tão ou mais importante que os
pagamentos directos (Sorkin 1984).
56
Este índice de internamento mais elevado nos indivíduos de baixo rendimento relaciona-se
provavelmente com o facto destes indivíduos recorrerem aos serviços de saúde numa fase mais
tardia da doença e recorrerem menos frequentemente aos cuidados preventivos. A este propósito
Lucas J S: Taxas moderadoras e equidade na utilização de cuidados de saúde primários. “Em foco”,
Revista Portuguesa de Saúde Pública, n.º 1; Lisboa, 1990: 17-27.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
51
O modelo de Grossman trata a saúde como um stock e considera a saúde como um
processo de produção conjunto, requerendo contribuição quer do indivíduo quer de
consumo de bens e serviços apropriados, denominados de cuidados médicos. Assim, a
saúde é vista como um bem de consumo, um bem de investimento. Uma vez que a saúde
não depende somente dos serviços e cuidados de saúde, o próprio indivíduo vai investindo
na sua própria saúde, sendo que contribuem para este “stock de saúde” factores como:
idade, alimentação, rendimento, habitação e educação. Este capital humano irá depreciar-se
ao longo da vida devido ao próprio envelhecimento e como resultado das nossas acções
(Cillis e West 1984, Barros 2006). O bem saúde é interpretado como um bem duradouro
que produz um fluxo desejado que se designa por “tempo saudável livre de doença”. Como
resultado, a partir de um determinado período, os indivíduos consomem mais cuidados de
saúde para compensarem a depreciação que esta vai sofrendo (Sorkin 1984).
O modelo de Grossman pressupõe um conjunto de decisões simultâneas para o indivíduo:
afectar o tempo entre trabalho e lazer, dividir o tempo restante de lazer na produção de
saúde e do bem de consumo puro, dividir o rendimento gerado entre bens intermédios para
a produção de saúde e do bem de consumo puro, investir em saúde para o período seguinte.
Com o investimento em saúde, o indivíduo altera o número de dias saudáveis no período
seguinte, isto é, faz-se a endogeneização do tempo máximo disponível para dedicar a lazer
ou ao trabalho. A restrição total de tempo disponível num período é afectada pelas decisões
do indivíduo relativamente ao seu “stock de saúde”. Esta característica significa que o
investimento em saúde aumenta o rendimento potencial do indivíduo (Barros 2006).
A apoiar este modelo existem alguns estudos que demonstram o efeito de alguns agentes
no stock de saúde no indivíduo, como por exemplo, os que revelam o efeito negativo do
tabaco no nível de saúde. A este respeito Giraldes (1997a) procura explicar a diferença na
esperança média de vida entre homens e mulheres recorrendo ao modelo de Grossman. O
aumento de contactos médicos está associado a um aumento na esperança de vida e,
conclui que, só por si, um incremento de 30% nesta variável tem um impacto de 0,4 anos
na esperança média de vida à nascença, o que não será de desprezar (Giraldes 1997a). Este
aumento de contactos médicos no sexo feminino está associado às consultas de
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
52
acompanhamento durante a gravidez, parto e puerpério e à realização de rastreios do
cancro da mama e colo do útero (Gary e Qwens 2008).
O modelo comportamental de Andersen é um modelo muito dinâmico, não normativo e
não matemático que tem dado um forte contributo para a investigação científica. Este
modelo procura explicar o como e porquê da utilização de cuidados de saúde, tendo sofrido
alterações ao longo dos tempos.
Numa primeira fase, o modelo apresentou factores de predisposição demográficos (idade,
sexo, antecedentes de doença) que se relacionavam com a estrutura social e com os valores
desenvolvidos relativos à saúde e à doença, e com as atitudes face aos serviços de saúde.
Surgiam também os factores facilitadores, quer por parte da família, quer por parte da
comunidade, nos quais se incluíam: existência de seguros de saúde, acesso ao médico,
preço dos serviços de saúde (Sorkin 1984).
Quando surgia a necessidade de receber cuidados de saúde (sentida pelo indivíduo),
desencadeava-se um comportamento que relacionava a necessidade com os factores
anteriores e que levava à efectiva utilização ou não dos cuidados de saúde. Deste modo
existia uma ordem causal, em que os factores de predisposição eram exógenos e continham
variáveis que não estavam directamente associadas a uma razão específica para o consumo
de cuidados de saúde. A componente dos factores facilitadores abrangia variáveis que
permitiam ao indivíduo obter cuidados de saúde, sendo, então, condições necessárias mas
não suficientes para a sua utilização. Por fim, os factores de necessidade eram os grandes
preditores de utilização (Sorkin 1984). Este modelo afirma por exemplo que o factor
predisponente “tamanho da família” está associado a um maior consumo de cuidados, caso
se tratem de famílias numerosas.
Este modelo sofreu várias alterações após esta fase inicial aqui apresentada, alterações que
numa última fase assentam sobre as políticas de saúde que combinam as características do
sistema de prestação e as características da população de risco. O preditor passa a ser os
resultados em saúde (melhoria da saúde e qualidade de vida), sendo que os objectivos de
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
53
equidade, eficiência e efectividade dos sistemas de saúde deixaram de ser um fim em si
mesmo para serem um meio estrutural para aquele fim (Sorkin 1984).
Podemos assim afirmar que os três modelos aqui apresentados, ainda que de forma
abreviada, sugerem que a procura de cuidados de saúde é influenciada por diversos
factores entre os quais se destacam rendimento, custos dos cuidados de saúde, oferta de
serviços, políticas de saúde e cobertura dada pelo sistema ou seguro de saúde (Rego 2008).
3.3 Característica da Oferta e do Financiamento no Sector da Saúde
“O problema da gestão da saúde situou-se, até ao século XVIII, no âmbito da filosofia da
moral aplicada, relativa aos deveres de cada um para consigo próprio e aos deveres de cada
um para com os outros. Face ao sofrimento humano, a Igreja e outras instituições, movidas
pela compaixão, fizeram do cuidado dos doentes uma das suas iniciativas de maior alcance
social. Contribuíram, assim, de modo decisivo para a noção da responsabilidade social na
gestão da saúde. Com a civilização industrial, surgem preocupações com a higiene pública,
pelo que se torna pertinente a intervenção do Estado” (Parecer 14/CNECV/95).
As estruturas de assistência médica passam a ser uma preocupação dos governos somente
após a 2ª Guerra Mundial, quando a política social entende que os cuidados de saúde
devem ser um atributo da cidadania. É a partir dos anos 50 e 60 que os gastos públicos com
a saúde passam a crescer em largas proporções, especialmente no conjunto das economias
desenvolvidas (Medici 1995).
O financiamento da saúde é hoje uma das questões mais complexas que se colocam nos
países da OCDE, seja qual for o sistema de saúde. Segundo Simões (2006) esta questão é
também complexa no nosso país dado que as despesas com a saúde representam 10% do
PIB e crescem a ritmo acelerado, superior ao da riqueza produzida. Pelo que se não forem
tomadas as medidas adequadas os gastos com a saúde irão aumentar. E, em terceiro lugar,
a questão é complexa porque as despesas dos cidadãos no sector privado representam já
24% da despesa total em saúde.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
54
De acordo com o grau de intervenção do Estado, em relação ao financiamento e provisão
dos cuidados de saúde, Medici (1995) considera que os sistemas de saúde podem ser do
tipo assistencialista, providencialista e universalista. Os de tipo assistencialista ocorrem,
fundamentalmente, em países muito pobres, dependentes de ajudas externas, voltados
sobretudo para a prestação de cuidados para os grupos mais desfavorecidos, sendo que as
classes com mais possibilidades têm que procurar os cuidados no mercado. Os recursos são
financiados pelos impostos e há uma pré-alocação dos mesmos.
Os de tipo providencialista são também não universais, sendo o seu financiamento baseado
nas contribuições que os trabalhadores fazem, habitualmente para fundos de seguros muito
ligados às empresas, o que deixa sem cobertura os que se apresentam no desemprego. Aqui
a prestação pode ser pública ou privada (Medici 1995, Esperança Pina 2003). Este tipo de
sistemas está presente nos EUA.
Por último, referimos os sistemas do tipo universalista que cobrem toda a população e
apresentam uma forte intervenção do Estado. São financiados pelos impostos e
contribuições sociais, sendo que a prestação é essencialmente pública, cobrindo
teoricamente toda a população em igualdade de condições (Medici 1995, Esperança Pina
2003).
De um modo geral, podemos definir dois grandes grupos de sistema de saúde: sistemas
tipo Serviço Nacional de Saúde e sistemas de Mercado de Livre Concorrência (Escoval
1999, Medici 1995). Nos sistemas tipo Serviço Nacional de Saúde a cobertura é universal,
o financiamento assenta em impostos ou em contribuições obrigatórias e a prestação é
efectuada em instituições públicas. Nestes países a contribuição compulsiva é normalmente
progressiva sendo que desta forma é permitida uma transferência de recursos dos saudáveis
para os doentes e dos ricos para os pobres (Donaldson e Gerard 1993). Existe gratuitidade,
ou quase gratuitidade, no momento do consumo de cuidados (Esperança Pina 2003). Na
prática não existe nenhum sistema de SNS puro, a tendência é para o decréscimo do papel
do Estado (exemplo: Reino Unido e Portugal).
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
55
Os sistemas de Mercado de Livre Concorrência assentam, sobretudo, no facto dos serviços
e recursos serem privados, lucrativos ou não lucrativos, geridos com autonomia, e o acesso
à prestação de cuidados de saúde não é universal. Aqui operam as forças de mercado,
sendo o seu financiamento maioritariamente privado e através de fundos sociais (Escoval
1999). Normalmente a gestão dos fundos financeiros é tripartida. Podem existir um ou
vários organismos seguradores e o sistema financiador pode ser parcialmente prestador.
Contudo, a realidade mostra que não existe na prática um sistema puramente baseado no
mercado de livre concorrência. Na verdade, torna-se necessário que o Estado garanta a
regulamentação da qualidade dos cuidados (acreditação dos profissionais de saúde e das
instituições prestadoras), que desenvolva programas de saúde pública e que preste cuidados
aos mais desfavorecidos (Donaldson e Gerard 1993). Este sistema desenvolveu-se nos
países mais liberais, com uma acentuada economia de mercado, por exemplo nos EUA. A
complicação é que aparecem importantes franjas da população sem qualquer sistema de
protecção na doença, ou em que esta é parcial (Escoval 1999).
Se à forma de financiamento juntarmos a forma de prestação, poderemos dividir os países
da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) em três grupos
(OCDE 1992):
Financiamento misto através de seguros privados e segurança social com prestação
essencialmente privada (Holanda);
Financiamento através de um sistema de segurança social em que a prestação é
assegurada por prestadores públicos e prestadores independentes (Alemanha,
Bélgica, França e Luxemburgo);
Financiamento através de impostos e de contribuições sociais onde a prestação é
assegurada por serviços públicos (Espanha, Reino Unido, Dinamarca, Grécia,
Irlanda, Itália e Portugal).
Em países como a Holanda, em que existe um seguro social obrigatório, é permitido o
opting-out57
, o que leva a que muitos indivíduos de rendimentos elevados troquem o
57
O opting-out remete para a possibilidade do cidadão optar por sair do âmbito da protecção do
seguro social público. No caso do sistema português corresponderia à saída da protecção do SNS e
à adesão a um plano de promoção da saúde e protecção da doença num seguro privado. A este
propósito ver Nunes R, Rego G: Prioridades na Saúde. Mc Graw Hill, Portugal, 2002.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
56
seguro social obrigatório pelo seguro privado. Tal medida pode levar à limitação do factor
redistributivo de recursos.
Um outro factor com influência decisiva no financiamento relaciona-se com a concepção
de partilha de riscos. Num modelo de mercado “puro” o que existe é uma relação entre
utilizador (agente de procura) e prestador (agente da oferta) em que teríamos um utilizador
que paga pelos serviços prestados directamente ao prestador, sem que haja uma qualquer
partilha de risco. No entanto, em muitos países desenvolvidos há uma partilha de risco
assegurada por uma rede de seguros públicos ou privados, portanto, o que havia a
privilegiar era sobretudo a redistribuição de recursos financeiros. Deste modo, em vez de
confiarem num sistema em que são os utilizadores a pagar aos prestadores total e
directamente, privilegiaram uma organização formal do sistema de financiamento em que a
organização financeira paga aos prestadores e a relação bilateral torna-se trilateral. Com
este modelo introduz-se a noção de terceiro pagador, que, não raras vezes, introduz
imperfeições e ineficiências na forma da provisão dos cuidados de saúde (Dunlop58
et al
1995 cit. Escoval 1999). No modelo trilateral, o financiador possui um duplo papel, o de
mobilizador de recursos e o de pagador aos prestadores. A organização financiadora obtém
as suas receitas através de impostos, de contribuições para esquemas de segurança social
ou de prémios de seguros, pagos por todos os cidadãos (Escoval 1999).
Existem ainda outros tipos de agrupamentos que permitem classificar os cuidados de
saúde. Segundo Escoval (1999) qualquer definição adoptada nunca é exaustiva, uma vez
que os países adoptam normalmente combinações entre todos os tipos definidos. O que se
procura muitas vezes é a componente dominante para que tal agrupamento seja permitido.
A forma como cada país financia o seu sistema de saúde surte efeito no comportamento
dos seus actores: doentes, profissionais de saúde, indústria farmacêutica e companhias de
seguro.
58
Ver a este propósito Escoval A: Sistemas de Financiamento da Saúde, Análise e Tendências.
Edição de Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Lisboa, 1999.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
57
Em Portugal, de acordo com a Lei de Bases da Saúde (Base XII)59
, o sistema de saúde é
constituído pelo SNS e por todas as entidades públicas que desenvolvam actividades de
promoção, prevenção e tratamento na área da saúde, bem como por todas as entidades
privadas e por todos os profissionais livres que acordem com a primeira prestação de todas
ou de algumas daquelas actividades.
Segundo a Lei de Bases da Saúde60
(Base XXVI), o SNS é tutelado pelo Ministro da Saúde
e é administrado a nível de cada região de saúde pelo conselho de administração da
respectiva administração regional de saúde. De acordo com a mesma Lei (Base XXXIII)61
,
o SNS é financiado pelo Orçamento de Estado através do pagamento dos actos e
actividades efectivamente realizados segundo uma tabela de preços que consagra uma
classificação dos mesmos actos, técnicas e serviços de saúde. Contudo, os serviços e
estabelecimentos do SNS podem cobrar as seguintes receitas: “o pagamento de cuidados
em quarto particular ou outra modalidade não prevista para a generalidade dos utentes; o
pagamento de cuidados por parte de terceiros responsáveis, legal ou contratualmente,
nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades seguradoras; o pagamento de cuidados
prestados a não beneficiários do SNS quando não há terceiros responsáveis; o pagamento
de taxas por serviços prestados ou utilização de instalações ou equipamentos nos termos
legalmente previstos; o produto de rendimentos próprios; o produto de benemerências ou
doações e o produto da efectivação de responsabilidade dos utentes por infracção às regras
de organização e de funcionamento do sistema e por uso doloso dos serviços e do material
de saúde”.
59
Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. 60
Lei nº 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. 61
A Base XXXIII da Lei n.º 48/90 foi alterada pela Lei n.º 27/ 2002. Lei n.º 48/90: Lei de Bases da
Saúde (publicada no Diário da República, I série, 24 de Agosto de 1990) foi alterada pela Lei n.º
27/2002, de 8 de Novembro de 2002, que também aprova o novo regime jurídico da gestão
hospitalar. O anexo III deste trabalho apresenta a Lei de Bases da Saúde com as respectivas
alterações efectuadas pela Lei nº 27/2002, de 8 de Novembro.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
58
Segundo Bentes et al (2004) estes pagamentos cobrados nos estabelecimentos de saúde
representam cerca de 8% da receita do SNS e 20% da receita dos hospitais.
O financiamento das unidades de saúde pode ser retrospectivo ou prospectivo. O
financiamento por orçamento retrospectivo (histórico) é realizado com base no histórico
dos gastos. Esta forma de financiamento não entra em linha de conta com a produtividade e
tem sido a base de financiamento dos hospitais públicos tradicionais. Também não
incentiva à eficiência por parte dos prestadores, não correndo os mesmos qualquer risco.
Tal situação pode ser penalizadora em situação de défice crónico e para quem quer fazer
mais e melhor (Rego 2008, Barros 2006).
No recurso a métodos prospectivos, a produção e os preços são negociados previamente
entre o poder político (financiador) e os agentes (unidades de saúde). O financiamento por
orçamento prospectivo é baseado no que se pretende fazer, há um compromisso para a
realização de um conjunto de actividades, e estimula por isso a produtividade. Aqui há uma
estratégia de gestão diferente, muito voltada para os aspectos da eficiência que podem ser
ganhos quer pelo prestador, quer pelo financiador. Lima (2000b)62
conclui que, após a
implementação do método prospectivo em Portugal, aumentou o número de admissões
para cirurgias e, tendo em atenção que o número de camas se manteve constante, houve
então um aumento da produtividade. Tal facto, permite uma distribuição mais equitativa de
recursos por mais indivíduos.
A base para o financiamento são os grupos de diagnóstico homogéneo (GDH)63
. Tal
conceito representa um “Sistema de Classificação de Doentes tratados em hospitais de
62
O estudo de Lima analisa o impacto do sistema de financiamento hospitalar no período de 1985-
1994. Este estudo revela que apesar de apesar de coabitarem os dois sistemas de financiamento
(retrospectivo e prospectivo), com a implementação do modelo prospectivo ocorreu uma
diminuição do tempo de internamento e consequentemente um aumento do número de cirurgias
programadas. Ver a este propósito Lima M E: The financing systems and the performance of
portuguese hospitals. Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de Trabalho nº4,
2000 (b). 63
A espiral crescente dos custos hospitalares levou à procura de sistemas de pagamento que
contivessem este crescendo de custos. Uma solução adoptada num dos programas federais dos
EUA, o Medicare, foi o de converter o financiamento em pagamento prospectivo baseado em
grupos de diagnóstico homogéneo. Ver a este propósito Barros P P: Economia da Saúde: conceitos
e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
59
agudos em classes clinicamente coerentes e similares do ponto de vista do consumo de
recursos. Estas classes são definidas a partir de um conjunto de variáveis que caracterizam
clinicamente os doentes e que explicam os custos associados à sua estadia no hospital”
(IGIF), sendo os doentes agrupados, segundo o diagnóstico, numa das categorias de GDH.
Em 1990 foram publicados e definidos preços base para os GDH, contudo a sua aplicação
prática enquanto forma de pagamento só foi utilizada mais tarde. Os GDH foram
introduzidos paulatinamente de forma a permitir uma adaptação gradual das unidades de
saúde à nova metodologia. Se em1997 apenas 10% do orçamento hospitalar era realizado
através dos GDH, em 2001 já era de 40% (Lima 2000a). Assim, actualmente, assiste-se à
substituição do modelo público integrado, com base no financiamento retrospectivo, por
um modelo público contratual que favorece o financiamento prospectivo. O incentivo à
implementação deste modelo advém, por um lado, da possibilidade de poder alcançar o
interesse dos utentes de modo mais satisfatório, e, por outro, de os contratos serem um
instrumento de planeamento através do qual se pode promover um financiamento mais
adequado (Nunes e Rego 2002).
O financiamento baseado nos GDH permite aferir quais as unidades de saúde, por serviço
prestado, que ministram os melhores cuidados de saúde, assim como a monitorização
contínua dos diversos processos, por comparação, a partir da análise das unidades que
apresentem os melhores resultados. Um dos objectivos do programa de classificação de
doentes em grupos de diagnósticos homogéneos é o de “financiar o internamento
promovendo uma distribuição racional dos recursos financeiros pelas instituições e criando
incentivos para aumentar a eficiência, sem pôr em risco a qualidade dos cuidados
prestados” (IGIF). Contudo, neste tipo de financiamento verifica-se o perigo da ocorrência
de práticas de “desnatagem” (“cream skiming” ou “hidden action”), ou seja, o perigo da
“escolha dos doentes” mais lucrativos64
(Nunes e Melo 2007, Rego 2008). Outra das
64
Práticas de desnatagem e de selecção adversa podem ocorrer quando o prestador, o hospital ou
uma companhia de seguros discriminem doentes pelo elevado custo associado ao seu tratamento.
No sector da saúde aquilo que importa evitar é a discriminação infundada de doentes no SNS pelo
custo ou pela gravidade da doença. Ver a este propósito Nunes R, Melo H: A nova carta dos
direitos dos utentes In Nunes R, Brandão C: Humanização da Saúde. Associação Portuguesa de
Bioética, Serviço de Bioética e Ética Médica da FMUP, Colectânea Bioética Hoje XIII, Gráfica de
Coimbra, 2007.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
60
desvantagens deste método é a possibilidade dos hospitais tentarem maximizar as suas
receitas líquidas classificando os doentes em grupos que ofereçam maior pagamento65
.
O impacto do financiamento prospectivo e da sua implementação ficou aquém das
expectativas, apesar das inegáveis melhorias na produtividade quando comparado com o
método retrospectivo (Rego 2008). Assim, dando continuidade à forma de pagamento
existente e tendo em conta o desenvolvimento de hospitais SA (Sociedades Anónimas,
actualmente EPE – Entidades Públicas Empresariais), a partir de 2003 surge um novo
instrumento de pagamento, o contrato-programa. Este instrumento financeiro conduz
claramente a uma melhor organização e planeamento dos cuidados de saúde a prestar e dos
serviços de saúde a desenvolver pelas unidades de saúde (Rego 2008).
Por conseguinte, o regime de financiamento definido para as unidades de saúde integradas
no sector empresarial do Estado determina que o pagamento dos actos e actividades é
realizado através de contratos-programa a celebrar com o Ministério da Saúde. Estes
contratos “deverão estabelecer os objectivos, as metas qualitativas e quantitativas da
actividade produzida, os preços e os indicadores de avaliação de desempenho dos serviços
e do nível de satisfação dos utentes” (Despacho nº701/2006). Os contratos-programa
baseiam-se em princípios de gestão criteriosa, qualidade na prestação de cuidados de saúde
e cumprimento de metas a alcançar de acordo com os recursos disponíveis (Despacho n.º
721/ 2006)66
.
As linhas de produção no ano 2007 foram as seguintes: internamento, ambulatório médico
e cirúrgico, consultas externas (primeiras e subsequentes), atendimentos urgentes, sessões
de hospital de dia, dias de doentes crónicos, serviço domiciliário, dias de permanência em
Lar (IPO) (Ministério da Saúde 2006). A valorização dos actos e serviços efectivamente
prestados assenta numa tabela de preços base a fixar anualmente pelo Ministro da Saúde.
Os representantes do Ministério da Saúde na outorga dos contratos-programa são a ARS
65
Este fenómeno é muitas vezes denominado de “DRG- creep” . Ver a este propósito Barros P P:
Economia da Saúde: conceitos e comportamentos. Livraria Almedina, Coimbra, 2006. 66
Publicado no Diário da República – II Série, nº8, de 11 de Janeiro de 2006.
Capítulo 3 – Saúde e Cuidados de Saúde: Especificidades do Sector
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
61
(Administração Regional de Saúde) e o IGIF (Instituto de Gestão Informática e Financeira
da Saúde) 67
(Despacho n.º 721/ 2006).
67
Às ARS compete acompanhar a execução dos contratos-programa, em especial na vertente
operacional, e promover uma articulação eficiente e multifuncional com as restantes unidades de
saúde do SNS. Ao IGIF compete acompanhar a execução dos contratos-programa, em especial na
vertente da consolidação financeira, através do acesso e arquivo de dados, informações e
documentos que considerar necessários e apropriados, bem como auditorias periódicas. Ver a este
propósito Despacho n. º721/2006 (2ªsérie), Diário da República, Série II, nº8, de 11 de Janeiro de
2006.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
62
CAPÍTULO 4
TAXAS MODERADORAS
4.1 Racionalização da Procura
Quando os países adoptaram um sistema de saúde de cobertura universal, esperava-se uma
diminuição na despesa pública com a saúde. Contudo, os prognósticos falharam e a
situação oposta tornou-se real (Mateus 1996).
A situação de enfraquecimento económico que muitos países da velha Europa atravessam,
como o que presentemente permeia o nosso país, tem agudizado os dilemas que se
apresentam ao sistema de saúde. O controlo dos gastos alcançou uma importância
crescente na política de saúde actual (Pinto e Aragão 2003).
O aumento de custos na área da saúde pode explicar-se de diversas formas (Beresniak e
Duru 1999, Parecer 14/CNECV/95, Medici 1995, Mateus 1996, Galope 2006):
Pelo aparecimento constante de novas técnicas que suscitam a especialização
crescente dos médicos e o desenvolvimento de novos medicamentos sem que os
mais antigos sejam retirados do mercado;
Pelo aumento da procura de saúde das populações que beneficiam cada vez mais de
seguros de doença públicos ou privados, e cuja taxa de envelhecimento é crescente
(o que aumenta a frequência das patologias crónicas e degenerativas que se
apresentam bastante onerosas);
Pela evolução do modo de vida que se traduz na afectação de uma parte dos
recursos cada vez mais reduzida à alimentação e cada vez mais elevada ao lazer e à
saúde;
Pelo aparecimento de novos flagelos (SIDA, cancro)68
;
68
Em 2005, o SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirira) e o cancro foram responsáveis por
70% dos gastos dos hospitais em medicamentos. Ver a este propósito Galope F: “Check-up” aos
dinheiros do SNS. “Portugal, Saúde”, Visão, 23 de Novembro; 2006: 56-58.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
63
Causas decorrentes da própria sociedade, tais como o aumento das doenças devido
à poluição, o aumento do número de alcoólicos, fumadores e de consumidores de
drogas;
Pelo aparecimento da Medicina Preventiva que gera uma procura premente por
parte do público (duplicação de exames com a realização de exames anuais ou
semestrais e o alargamento do plano de vacinação);
Pelo grande desenvolvimento da demografia médica, responsável pela procura
induzida;
Pela forte medicalização dos problemas sociais, associada à falta de estruturas de
acolhimento adequadas (centros de dia, lares, instituições de acolhimento);
Pelo desenvolvimento inexorável de numerosas formas de esbanjamento de
recursos.
Perante tal cenário, tornou-se necessário adoptar medidas de controlo ou de contenção de
custos, tais como o racionamento explícito (limitação das despesas em itens precisos, como
por exemplo, o controlo na aquisição de tecnologia) ou implícito (limitação no Orçamento
para a Saúde, existência de listas de espera, a triagem de pacientes no serviço de urgência),
ou a maior comparticipação dos consumidores nos custos de saúde (como por exemplo o
pagamento de taxas moderadoras). O objectivo destas medidas é aumentar a eficiência dos
serviços, sem que haja prejuízos na eficácia ou na efectividade (Pinto e Aragão 2003).
Os co-pagamentos constituem uma medida explícita do lado da procura adoptada na
Europa, sendo que nesta modalidade os consumidores pagam, no momento de consumo,
uma proporção das despesas com cuidados de saúde (Miguel e Costa 1997). Segundo
Medici (1995), muitos autores defendem que com os co-pagamentos há uma mudança no
comportamento dos indivíduos pois permite que valorizem mais o que consomem.
Contudo, segundo o mesmo autor, os co-pagamentos apresentam carácter regressivo, pois
os indivíduos mais penalizados são os que dispõem de menores recursos.
Outras das medidas explícitas adoptadas do lado da procura são a redução ou racionamento
dos benefícios fiscais e os tectos máximos. Nesta última, o Estado estabelece um tecto a
partir do qual não comparticipa, como acontece por exemplo, nos genéricos.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
64
Do lado da oferta ocorreu também um maior controlo dos investimentos e uma maior
limitação na despesa. Assim, com a existência de um limite no orçamento (medida
implícita do lado da oferta), os hospitais vão procurar evitar o desperdício e escolher as
inovações técnicas ou terapêuticas que apresentem uma boa relação custo-eficácia
(Beresniak e Duru 1999). Os limites orçamentais têm sido talvez a mais comum e eficaz
das medidas adoptadas pelos políticos de saúde na Europa para controlar os encargos.
Estes são facilmente implantáveis em sistemas tipo SNS ou no sector hospitalar dos
sistemas de seguro-doença (Campos 1990). Segundo a OCDE (1992), o orçamento é uma
condição necessária para assegurar uma contenção duradoura das despesas, apesar de não
ser suficiente. Associada a esta medida surge também o controlo do número de camas
hospitalares. Isto porque, segundo a lei Roemer (década de 60), “a bed build is a bed
filled”, e, na verdade, o que se verifica é que quanto maior for a oferta maior será a
procura. A limitação do aumento do número de camas hospitalares constitui um meio fácil
e eficaz de controlar a oferta de cuidados. Em termos práticos, verifica-se que quantos mais
hospitais ou clínicas existirem numa dada região, maior é o número de pacientes
hospitalizados, já que se dilatam os critérios de admissão ao internamento (Pereira 1993,
Beresniak e Duru 1999, Pauly 2004).
A introdução de novas formas de gestão hospitalar, a que também se tem assistido em
Portugal, nomeadamente a empresarialização dos hospitais e a subsequente introdução de
novos mecanismos de financiamento hospitalar (nomeadamente a introdução do contrato-
programa) têm conduzido a ganhos de eficiência (Álvares 2005), o que também representa
uma medida de contenção de custos explícita do lado da oferta.
Associada ao controlo de investimentos surge a regulação do uso de tecnologias. Estas vão
sendo introduzidas paulatinamente no país, sendo que cada vez mais se deseja adoptar
tecnologias cuja eficácia seja comprovada e que tragam real benefício para a sociedade
(Nunes e Rego 2002). Os métodos para a avaliação da tecnologia médica vão desde a
análise clínica e epidemiológica até à económica, mas todos obedecem ao objectivo de
facultar informações aos decisores confrontados com as limitações orçamentais crescentes
(Campos 1990).
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
65
Podemos ainda salientar o limite do número de estudantes de Medicina e de médicos no
nosso país como uma medida que visa o controlo na oferta. O numerus clausus para o
acesso às faculdades de Medicina está presente no nosso país e representa também uma
medida de contenção de custos explícita do lado da oferta (Pinto e Aragão 2003). Em
países como Itália, onde não existiam restrições no acesso às faculdades, existem cerca de
50 000 médicos no desemprego (Medici 1995, Rochaix 1990). As razões que movem os
governos são mais fortemente as de limitar o acréscimo de gastos induzidos por novas
gerações de clínicos que as preocupações de lhes manter rendimentos tradicionalmente
elevados (Campos 1990).
A forma de pagamento aos profissionais de saúde também pode ser considerada como um
mecanismo gerador de maior ou menor eficiência, regulador da oferta e potenciador de
maior ou menor nível de qualidade. No que se refere à remuneração dos prestadores,
existem três modelos: o pagamento ao acto69
, a capitação70
e o salário. Os dois primeiros
correspondem a uma ideologia liberal e o pagamento por salário diz respeito a uma
ideologia de igualdade de acesso a todos os tipos de cuidados para toda a população.
O pagamento ao acto incentiva a produtividade. Contudo, poderá haver perdas na prática
de actos com a melhor qualidade (Rodriguez et al 2008). Estimula o consumo de
medicamentos e os actos com recurso a tecnologia, existindo liberdade total do utente para
escolher o seu médico. Pode surgir uma tendência para a prestação de um grande número
de consultas ainda que de pouca qualidade. A capitação não permite o acesso directo a
especialistas, e tende assim a melhorar a distribuição geográfica de prestadores. O médico
é incentivado a inscrever muitos doentes na sua lista e a minimizar tempo e trabalho para
cada doente, o que se pode traduzir numa perda de qualidade, havendo o risco de
ocorrerem práticas de desnatagem. Também há o risco de ocorrência de uma duplicação do
69
Sistema de remuneração que consiste do pagamento por cada acto prestado, de acordo com uma
tabela pré-estabelecida. Ver a este propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e
Conceitos. Associação Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de trabalho n.º 1, Lisboa,
1993. 70
Sistema de remuneração onde o médico ou instituição de saúde recebem um pagamento fixo por
utente inscrito na sua lista, independentemente da quantidade de serviços a prestar. Ver a este
propósito Pereira J: Economia da Saúde, Glossário de Termos e Conceitos. Associação Portuguesa
de Economia da Saúde, Documento de trabalho n.º 1, Lisboa, 1993.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
66
número de consultas pelo escasso tempo que cada consulta tenderá a demorar (Pereira et al
2001, Rodriguez et al 2008).
O salário permite que os médicos reduzam as suas actividades sem que isso lhes acarrete
qualquer custo. Se o trabalho é acumulável com a prática privada, há uma tendência para
dedicar mais interesse a esta última, e o desvio de doentes para o sector privado (Pereira et
al 2001, Delgado 1999). Em princípio garante a toda a população o mesmo tipo de
cuidados, mas não cultiva a relação médico-doente. Esta é também a forma de pagamento
geradora de menores ganhos de eficiência (Pereira et al 2001).
A maioria dos países opta por sistemas mistos na forma de remuneração pois desta forma
poderão moderar a tendência para tratamentos excessivos e atenuar algumas dificuldades
do regime de salário.
A regulação da prática médica e a existência de guidelines terapêuticas é igualmente um
mecanismo que visa o controlo da oferta na medida em que quer a limitação nas
prescrições quer a existência de normas respeitantes aos procedimentos, respectivamente,
tendem a garantir a eficácia, a eficiência e a efectividade do pessoal médico e conduzem a
uma padronização dos cuidados (Rochaix 1990, Rodriguez et al 2008).
Por fim salientamos uma medida implícita que parece ter surtido grande impacto na
procura de cuidados de saúde é a triagem de pacientes no serviço de urgência. Na verdade,
o “Manchester Protocol”71
adoptado em Portugal parece ter desencorajado as falsas
urgências (Pinto e Aragão 2003).
71
A Triagem de Manchester, como é designada em Portugal, define que a cada paciente admitido
no serviço de urgência seja atribuída uma cor que corresponde à gravidade da sua situação. As
cores são vermelho, laranja, amarelo, verde e azul que correspondem, respectivamente, às situações
de emergente, muito urgente, urgente, pouco urgente e não urgente. Ver este propósito Pinto C G,
AragãoF: Health Care Rationing in Portugal, a retrospective analysis. Associação Portuguesa de
Economia da Saúde, Documento de Trabalho nº1, 2003.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
67
4.2 Papel das Taxas Moderadoras
Como já foi referido, o crescimento exponencial dos gastos com a saúde ocorridos nas
últimas décadas levou a que os governos adoptassem medidas de contenção de custos.
Segundo Medici (1995), Donaldson e Gerard (1993), as distorções que levam ao aumento
dos gastos na saúde e ao potencial excesso de procura devem-se essencialmente a dois
factores: ao comportamento dos utilizadores, pela quase ausência de custos que têm de
suportar no acto de consumo de cuidados, e ao comportamento dos prestadores. Desta
forma assistimos a um “risco moral” dos prestadores que encoraja o “risco moral” dos
doentes. Na verdade, se não existissem medidas de racionamento impostas pelo governo,
quer os prestadores quer os utentes não tinham qualquer incentivo para economizar no
tratamento (Mossialos e Le Grand 2001).
O “risco moral” dos prestadores pode resultar de uma simples falta de conhecimento dos
custos associados ao tratamento ou resultar da forma de pagamento aos médicos em que,
tal como já foi referido anteriormente, o pagamento ao acto incentiva para a indução da
procura já que os médicos poderão prestar cuidados em excesso (Sorkin 1984).
Como também já foi referido anteriormente, o problema dos sistemas gratuitos ou
tendencialmente gratuitos, relaciona-se com o risco moral na utilização de cuidados de
saúde, que tendem a ser superiores ao necessário (Farnsworth 2006). Se o doente fosse um
consumidor soberano, a quantidade de serviços adquiridos seria aquela em que o benefício
marginal igualasse o custo marginal72
. Se não existisse qualquer esquema de cobertura de
riscos, o resultado do mercado seria a aquisição da quantidade ao preço (Campos 1990,
Donaldson e Gerard 1993).
72
O custo marginal corresponde ao acréscimo ou custo adicional no custo total, resultante do
incremento de uma unidade no volume de produção. Em economia, o termo marginal significa
“extra”, “adicional”. Ver a este propósito Frank R H: Microeconomia e Comportamentos, 6ª
edição. Trad. Mª do Carmo Seabra, Mc Graw Hill, Lisboa, 2006.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
68
Uma das medidas racionalizadoras adoptada na Europa foi a introdução de co-pagamentos,
quer sob a forma de co-financiamento directo, quer sob a forma de dissuasores ao consumo
suposto desnecessário (taxas moderadoras). O objectivo mestre da introdução dos co-
pagamentos, dos quais as taxas moderadoras são exemplo, é então a diminuição deste
“risco moral” do lado da procura, observável em qualquer situação onde o terceiro pagador
cobre os riscos (Del Nero 1995, Mossialos e Le Grand 2001).
Segundo Mossialos e Le Grand (2001), os problemas que advêm do “risco moral” podem
ser reduzidos, através da realização do co-pagamento pela utilização do serviço de saúde
público, uma vez que este reflecte uma parte dos custos dos cuidados médicos prestados.
Segundo os mesmos autores, os co-pagamentos poderão ter dois efeitos: a redução da
procura de cuidados “fúteis” ou “desnecessários” e o aumento das receitas para a prestação
de cuidados de saúde.
Pereira (1993) define co-pagamento como uma parte proporcional ou fixa do custo total de
determinada prestação de saúde, paga pelo utente, sendo as taxas moderadoras um dos
exemplos mais comuns.
A lógica do co-pagamento prevê que todo e qualquer serviço deveria ser em parte custeado
pelo consumidor. A teoria subjacente é que todos devem ser responsáveis directamente (e
não apenas por via fiscal) pelo financiamento dos sistemas de saúde. Tal prática, modifica
o comportamento dos indivíduos e permite que valorizem o que consomem. Assim, as
taxas moderadoras são clarificadoras do mercado pois, apesar do valor a desembolsar pelo
utente no acto de consumo de cuidados de saúde ser bastante inferior ao preço real do
serviço prestado, essa taxa adquire a natureza de um “preço”, o que de algum modo aclara
o mercado.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
69
O modelo teórico subjacente a esta inibição de consumo por intermédio da aplicação de um
“preço” é representado por Campos (1990), através da seguinte representação gráfica:
Fig. 1- Sistema de saúde com preço zero e com co-pagamento.
Fonte: Campos A C: Taxas Moderadoras, Dissuasão e Restrição. Crise da solidariedade ou crise do
sistema de financiamento? “Em foco”: Revista Portuguesa de Saúde Pública n.º 1; Lisboa, 1990:
13-17.
De acordo com este autor, se o doente fosse soberano nas suas opções de consumo de
cuidados de saúde, a quantidade de serviços adquiridos seria aquela em que o seu benefício
marginal (BM)73
igualasse o custo marginal (CM). Numa situação em que não exista um 3º
pagador, ignorando os efeitos externos, o resultado do mercado será a aquisição da
quantidade Qm de cuidados ao preço P1. Se o sistema 3º pagador cobrir todos os gastos
(ou seja, o preço no acto de consumo é zero) a tendência será para que o utilizador
consuma o montante Qs. Este facto vai gerar uma perda de eficiência e uma
correspondente perda de bem-estar social representadas pelo triângulo XYQs. Se passar a
existir um pagamento no acto de consumo e se esse pagamento corresponder a 50%
admite-se, então, que a quantidade procurada passe para Qs`, reduzindo-se a ineficiência
do sistema demonstrada pelo triângulo XY`0.
73
O benefício marginal corresponde ao benefício gerado pela produção de uma unidade de um
determinado bem. Ver a este propósito Ver a este propósito Frank R H: Microeconomia e
Comportamentos, 6ª edição. Trad. Mª do Carmo Seabra, Mc Graw Hill, Lisboa, 2006.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
70
Este raciocínio apresenta, porém, grandes limitações, dado que na prática existem diversas
variáveis insusceptíveis de serem avaliadas ou controladas em termos absolutos e
definitivos. É o caso dos níveis de externalidades, das opções individuais e dos limites
orçamentais para a saúde.
Lucas (1990) define a taxa moderadora como uma taxa reserva, isto é, uma taxa cujo
rendimento serve para financiar uma actividade específica do governo, neste caso a
prestação de cuidados de saúde, e que desempenha habitualmente um papel marginal
enquanto fonte de receitas para o Estado.
As taxas moderadoras apresentam como principal objectivo a redução do consumo
considerado excessivo, procurando desta forma evitar o consumo supérfluo de cuidados de
saúde (Grabka et al 2006). Porém, o risco da taxa moderadora é o de baixar a
resolubilidade do sistema, uma vez que o agente da procura não sabe muitas vezes
diferenciar se necessita ou não de cuidados de saúde, e o arbítrio pode inibir, para quem
não pode pagar, o consumo necessário (Pauly 2004). Não restam dúvidas que os co-
pagamentos apresentam um carácter regressivo, penalizando mais as pessoas de baixos
recursos (Medici 1995).
A Lei de Bases da Saúde74
afirma que as taxas moderadoras surgem com o “objectivo de
completar as medidas reguladoras do uso de serviços de saúde” e “constituem também
receita do Serviço Nacional de Saúde” (Base XXXIV). Por sua vez, o Decreto-Lei n.º
173/200375
considera o pagamento da taxa moderadora como um meio que permite
introduzir “um princípio de justiça social no próprio acesso”.
Em Portugal as taxas moderadoras foram adoptadas em 1981 em alguns serviços tais
como, por exemplo, na realização de exames complementares de diagnóstico (excluindo os
74
Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei n.º27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. 75
Decreto-Lei n.º 173/2003: Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde.
Diário da República, Série I-A, n.º176 de 1 de Agosto de 2003. Este Decreto-Lei encontra-se nos
anexos deste trabalho.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
71
realizados numa situação de internamento) e em tratamentos de Fisioterapia. Em 1995
representavam 1% das receitas dos estabelecimentos de saúde (Pereira et al 2001).
Actualmente, e segundo a Portaria n.º 395-A/200776
, as taxas moderadoras são cobradas na
realização de exames complementares de diagnóstico e terapêutica, em qualquer consulta
médica, na admissão ao serviço de urgência e na admissão para cirurgia de ambulatório77
.
O pagamento da taxa moderadora em cirurgia de ambulatório é devido à intervenção
cirúrgica78
.
Foram igualmente inseridas taxas moderadoras no internamento79
. Assim, todos os
episódios de internamento ocorridos após 1 de Abril de 2007, foram alvo de cobrança de
taxa moderadora80
(IGIF- Circular Normativa). Em internamento a taxa moderadora
apenas é cobrada nos 10 primeiros dias de internamento81
, o que salvaguarda o pagamento
de taxa após os 10 dias, evitando que a despesa ultrapasse os 51 Euros (valor
correspondente a 10 dias de internamento).
Dada a divergência de opiniões no que envolve a implementação das taxas moderadoras,
seguidamente será feita uma abordagem dos principais argumentos, quer a favor, quer
76
Os valores de taxa moderadora fixados pela Portaria 395-A/2007, de 30 de Março sofreram uma
actualização de 2,1% pelo que os seus novos valores foram aprovados pela Portaria n.º1635/2007,
de 31 de Dezembro. 77
Por cirurgia em ambulatório entende-se: a intervenção cirúrgica programada, realizada sob
anestesia geral, locorregional ou local que, embora habitualmente efectuada em regime de
internamento, pode ser realizada com permanência do doente inferior a vinte e quatro horas; Ver a
este propósito o artigo 5º da Portaria n.º 395-A/2007. A taxa moderadora da cirurgia em
ambulatório é de 10,20 Euros. A este respeito consultar Portaria n.º 1637/2007 de 31 de Dezembro. 78
Por intervenção cirúrgica entende-se: um ou mais actos operatórios com o mesmo objectivo
terapêutico e ou diagnóstico, realizado por cirurgião em sala operatória, na mesma sessão, sob
anestesia geral, locorregional ou local, com ou sem a presença de anestesista. Ver a este propósito o
artigo 5º da Portaria n.º 395-A/2007, que se encontra nos anexos deste trabalho (anexo II). 79
Por internamento entende-se: o conjunto de serviços que prestam cuidados de saúde a indivíduos
que, após serem admitidos, ocupam cama (ou berço de neonatologia ou pediatria) para diagnóstico,
tratamento ou cuidados paliativos, com permanência de, pelo menos, vinte e quatro horas; Ver a
este propósito o artigo 5º da Portaria n.º 395-A/2007 (anexo II do trabalho). 80
A Circular Normativa nº1 de 16/04/2007 do IGIF é um documento informativo que esclarece o
modo como deve ser realizada a contagem dos dias de internamento e o momento da cobrança da
referida taxa. 81
O valor da taxa moderadora por dia de internamento é de 5,10 Euros (nos primeiros dez dias). A
este respeito consultar Portaria n.º 1637/2007 de 31 de Dezembro onde são apresentados os valores
das taxas moderadoras em vigor.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
72
contra a sustentabilidade e operacionalidade deste instrumento financeiro. Dificilmente são
levados a cabo estudos que medem o impacto dos co-pagamentos na procura de cuidados
de saúde em Portugal (Pereira et al 2001), daí que se torne mais complicada a análise do
impacto deste tipo de co-pagamento na procura e oferta de cuidados de saúde.
4.2.1 Argumentos a Favor
No que se refere à racionalização da procura podemos afirmar que a existência de “um
preço” no momento da utilização dos cuidados de saúde incentiva os consumidores a
ponderarem conscientemente os benefícios e custos esperados do consumo de
determinados cuidados. Tal facto poderá permitir que os cuidados desnecessários
diminuam, havendo uma maior efectividade e controlo dos gastos.
No que se refere à dissuasão do consumo, Barros (2006) e Lucas (1990) referem que, num
estudo americano apresentado por Newhouse em 1993, em que eram atribuídos às famílias
diferentes planos de seguros, as famílias cujo co-pagamento por parte dos indivíduos era
mais elevado foram as que consumiram menos cuidados de saúde, sendo as famílias que
apresentavam planos de saúde com melhor cobertura as que consumiam mais cuidados de
saúde. Portanto, este estudo apresenta como conclusão que o co-pagamento tem um efeito
considerável no nível das despesas médicas – sendo que com co-seguro variável de 95%
até gratuito, as despesas médicas aumentam em 50%. Deste estudo experimental sai a
grande conclusão de que os preços e a taxa de co-seguro são elementos que influenciam de
forma importante a procura de cuidados médicos. Esta conclusão é também apoiado por
Barros (2006) pois este autor afirma que, embora seja habitual o argumento de que a saúde
não tem preço, a estimação de funções procura permite evidenciar que as pessoas,
enquanto consumidoras de cuidados médicos, também reagem aos incentivos económicos
ditados pelos preços, tal como na generalidade dos sectores. De modo similar à análise
microeconómica habitual, existem outros factores, para além do preço, que afectam a
procura.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
73
Os estudos de Goldman et al (2007)82
e Page et al (2008),83
que analisam o impacto do
aumento do custo dos medicamentos para o utente e a aquisição dos mesmos, concluem
que o aumento do valor a desembolsar pelo utente, portador de uma doença crónica,
acarreta um decréscimo no consumo de medicamentos ou leva à prática de uma terapia
medicamentosa descontínua. Estes estudos revelam que também no sector da saúde se
verifica sensibilidade à alteração de preço, ou seja, a procura não se mantém inelástica ou
rígida perante as alterações de preço.
Também Winkelmann (2004) 84
e Grabka et al (2006)85
referem nos seus estudos que a
introdução ou aumento de co-pagamentos reduziu o número de consultas médicas, não
apresentando, contudo, referências quanto à existência de segmentos da população mais
afectados pela introdução ou aumento dos co-pagamentos. Do mesmo modo, Giraldes
(1997a) afirma que a elasticidade da procura, à partida, não é significativa no sector da
saúde, uma vez que se trata de um bem de primeira necessidade. Contudo, os mais pobres
alteram o seu comportamento perante o pagamento de taxa moderadora, ocasionando
graves problemas de equidade.
82
Este estudo apresenta uma revisão bibliográfica, para a qual os autores seleccionaram 132 artigos
de um total de 923. Os artigos seleccionados analisavam a associação entre as prescrições médicas
e as medidas de contenção de custos tais como co-pagamentos, benefícios fiscais e limites nas
prescrições (tectos máximos) e o impacto da sua implementação no sector da saúde. Ver a este
propósito Goldman D P, Joyce G F, Zheng Y: Prescription drug cost sharing: associations with
medication and medical utilization and spending and health. JAMA: the journal of the American
Medical Association, vol. 298, n.º1, Jul; 2007: 61-69. 83
Este estudo também apresenta uma revisão bibliográfica, para a qual se seleccionaram 7 artigos
de um total de 61. O objectivo foi o de explorar o impacto do aumento dos custos para os idosos na
aquisição de medicamentos. A este propósito ver Page R L, Barton P, Nair K: Effect of cost-
sharing for prescription medications on health outcomes in older adults, a critical review of
literature and potential implications for managed care. Consult Pharm, vol 23, n.º1 Jan; 2008: 44-
54. 84
O estudo de Winkelmann revela que a reforma do sistema alemão permitiu analisar o efeito do
aumento dos co-pagamentos na realização de consultas médicas. Ver a este propósito Winkelmann
R: Co-payments for prescription drugs and the demand for doctor visits-evidence from a natural
experiment. Health Economy, vol. 13 n.º11, Nov.; 2004: 1081-1089. 85
O estudo de Grabka, Schreyogg e Busse analisa o impacto da introdução do co-pagamento de 10
Euros aquando do primeiro contacto com o médico após 1 de Janeiro de 2004. O estudo compara o
número de contactos médicos no ano 2003 e 2004 (antes e após a introdução do co-pagamento).
Ver a este propósito Grabka M M, Schreyogg J, Busse R: The impact of co-payments on patient
behaviour: evidence from a natural experiment. Med Klin, vol. 15 n.º 6, Jun; 2006: 476-483.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
74
Do lado da oferta também poderá ocorrer racionalização, na medida em que os
profissionais de saúde se tornam mais responsáveis e conscientes no momento da
prescrição, isto porque sabem que o consumidor tem que pagar uma parte dos custos na
utilização de cuidados e compra de medicamentos (Mateus 1996). Este argumento
pressupõe que os profissionais de saúde actuam como agentes perfeitos, ou seja, na
ausência de “procura induzida”.
Outro dos argumentos a favor da implementação das taxas moderadoras é o aumento das
receitas no sector da saúde. Tal facto é referido na Lei de Bases da Saúde ao afirmar que as
taxas moderadoras “constituem receita do Serviço Nacional de Saúde”. Pereira (1987)
salienta que estudos realizados no estrangeiro mostram que a introdução ou aumento dos
preços é uma medida relativamente eficaz se se pretenderem aumentar as receitas, embora
estas aumentem sempre em menor percentagem que os preços. Este facto contribui ainda
para uma maior autonomia dos sistemas locais de saúde, dada a retenção das receitas no
ponto da colecta.
O facto do utente “pagar” no acto de consumo, permite muitas vezes que este se torne mais
exigente na qualidade dos serviços prestados (Mateus 1996). Isto porque o doente sente
que está a pagar duplamente pelo serviço prestado (impostos e taxa moderadora). As taxas
moderadoras apresentam também a vantagem de serem de fácil implementação e de fácil
compreensão.
Por último referimos ainda que, pelo facto do valor da taxa ser diferenciado consoante o
serviço prestado permite que o agente da procura avalie de forma mais correcta qual o
serviço a que deve recorrer, sendo que, por exemplo, o valor da taxa moderadora de uma
consulta de urgência ao ser cerca de quatro vezes mais elevado que o de uma consulta no
centro de saúde pode desencorajar o utente de recorrer às urgências.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
75
4.2.2 Argumentos Contra
No que respeita à acção racionalizadora dos co-pagamentos, a Associação Portuguesa de
Economia da Saúde (1997)86
considerou que é significativa a componente de co-
pagamento já existente pelo que o seu aumento não deve ser já encarado como um meio de
financiamento dos cuidados de saúde. A mesma Associação sugere que seria mais eficaz a
introdução de incentivos e penalizações aos prestadores que o aumento das taxas
moderadoras. Isto porque o médico pode induzir a procura de cuidados, sem ser ele,
todavia, quem paga a taxa moderadora. Não é portanto de estranhar que, muitas vezes, o
consumo de medicamentos e o uso de meios complementares de diagnóstico dependam
também do comportamento do médico. Giraldes (1997b) corrobora esta opinião ao revelar
que o número de médicos é mais elevado nos locais onde existe um maior número de
camas, sendo também nestes locais que ocorre um maior consumo de cuidados per capita.
Apesar do aumento das receitas, as taxas moderadoras apresentam também custos de
administração. Pereira (1987) refere que se deve considerar que um sistema de taxas
moderadoras tem os seus próprios custos de administração, embora estes raramente sejam
contabilizados. Eles tenderão a ser mais elevados quanto mais complexo for o sistema de
isenções e quando se tratar da introdução de novas taxas. Também Mossialos e Le Grand
(2001) afirmam que a implementação de sistemas de co-pagamento tendem a ser
complexas e dispendiosas.
A ignorância do consumidor leva a que por vezes possa existir um adiamento ou
transferência de cuidados. Ou seja, por desconhecimento da gravidade da situação, nada
garante que a parcela de cuidados que é reduzida seja a parcela desnecessária ou inútil. Do
mesmo modo um adiamento de cuidados, pelo facto do indivíduo considerar que não
necessita no momento, pode levar a que posteriormente os cuidados prestados sejam mais
dispendiosos, caso a situação apresente maior gravidade (por exemplo os indivíduos não
utilizam consultas de clínica geral e mais tarde recorrem às urgências hospitalares,
86
O documento 4/97 da Associação Portuguesa de Economia da Saúde “Financiamento da Saúde
em Portugal” diz respeito a um resumo de um debate organizado pela referida associação que
pretendia dar resposta a um pedido de esclarecimento do Conselho de Reflexão sobre a Saúde.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
76
necessitando já de internamento). A este exemplo podemos referir o estudo de Page et al
(2008) que demonstra que no caso de doentes crónicos, o aumento do preço dos
medicamentos pode conduzir à prática descontínua ou não adesão da terapia
medicamentosa, o que poderá favorecer a ocorrência de maior número de consultas e
internamentos. Também Pauly (2004) refere que a maioria dos estudos revelam que a
existência de co-pagamentos pode reduzir o consumo de medicamentos em casos não
essenciais e essenciais.
Este adiamento de cuidados é mais frequente em indivíduos pertencentes a um estrato
sócio-económico mais desfavorecido. Isto porque, o valor a desembolsar como taxa
moderadora pode não levar os cidadãos com nível sócio-económico mais confortável a
alterar, duma forma significativa, as suas decisões sobre o tipo de cuidados de saúde, a
quantidade e a oportunidade de os consumir. Por outro lado, o contrário se passará com os
grupos sociais mais desfavorecidos. Quanto menor o rendimento do cidadão, mais adverso
o efeito das taxas moderadoras sobre a utilização de cuidados de saúde. Taxas moderadoras
independentes do nível de rendimento do utilizador têm a natureza de taxas regressivas e
como tal não garantem a equidade, isto é, idêntico tratamento dos contribuintes com
semelhante capacidade tributária (Lucas 1990). Assim sendo, as taxas moderadoras
poderão gerar desigualdades apesar do vasto regime de isenções previsto na Lei87
.
Estudos citados por Donaldson e Gerard (1993), sobre o impacto da introdução de uma
taxa moderadora nas consultas de ambulatório para beneficiários da Medicaid da
Califórnia, revelam que houve uma diminuição do nível de consultas e um subsequente
aumento na procura hospitalar, o que acarretou um acréscimo da despesa global. Também
Beresniak e Duru (1999) afirmam que o aumento das taxas moderadoras, em 1972, no
Estado da Califórnia, conduziu a uma diminuição de 8% na procura de consultas e a um
aumento de 17% no nível de hospitalização entre as populações mais desfavorecidas,
apesar da insignificante quantia do valor a desembolsar como taxa moderadora.
87
O regime de isenções em Portugal está aprovado nos Decretos-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto
e 201/2007, de 24 de Maio. Para a análise destes decretos consultar os anexos deste trabalho.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
77
Quanto ao regime de isenções, este não garante o objectivo da justiça social de Rawls, isto
porque a inelasticidade da procura por parte dos mais favorecidos não permite a libertação
de recursos para os menos favorecidos (Pereira 1987). Aqui surgem duas opções, ou existe
um vasto regime de isenções, e nesse caso tornam o sistema caro e as receitas
insignificantes, ou as isenções são limitadas e selectivas não garantindo o objectivo de
justiça social (Lucas 1990).
Em síntese podemos verificar que estes argumentos revelam, de uma forma genérica, a
controvérsia gerada em torno da temática das taxas moderadoras. Defendidas por uns,
contestadas por outros, a verdade é que ao principal objectivo da sua implementação
(racionalização da procura e aumento de receitas, segundo a Lei de Bases da Saúde)
surgem inúmeros contra argumentos que reduzem o propósito para o qual foram criadas.
Como fonte de receitas, o seu contributo é baixo e, quanto mais amplo o regime de
isenções, menor será o seu contributo ou os não isentos tenderão a pagar mais, sendo que
dos não isentos fazem parte inúmeras famílias com dificuldades económicas. No que
concerne à redução da procura, as taxas moderadoras vêem o seu efeito condicionado, pois
os indivíduos de maiores recursos mantêm uma procura inelástica, sendo as classes menos
favorecidas as mais penalizadas. Em último caso temos também o papel do profissional de
saúde que, devido à relação de agência, pode influenciar a própria procura de cuidados de
saúde. Mossialos e Le Grand (2001) afirmam que a maioria dos autores que têm estudado a
operacionalidade dos sistemas de co-pagamentos se revelam cépticos em relação aos seus
resultados práticos.
4.3 Efeito das Taxas Moderadoras na Procura de Cuidados de Saúde no
Serviço de Urgências
O serviço de prestação de cuidados de saúde, cujo valor de taxa moderadora é mais
elevado, é as urgências. Assim sendo, o seu valor é de 3,60 Euros, 8,20 Euros ou 9,20
Euros se se tratar de uma consulta de urgência num centro de saúde, num hospital distrital
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
78
ou central (Portaria 1635/2007)88
, respectivamente. Contudo, até à implementação da taxa
moderadora, surgiam neste serviço indivíduos que não necessitavam verdadeiramente de
uma consulta de urgência. A realidade é que muitos viam neste sector uma “porta de
entrada no SNS”; outros recorriam a este serviço por uma forma de comodismo, evitando o
tempo de espera por uma consulta de medicina geral e familiar e tendo a possibilidade de
realizar exames complementares de diagnóstico de forma rápida e gratuita (Pereira et al
2001).
A apoiar tal facto, Botelho (1997) no seu estudo “Equidade na Utilização de Cuidados de
Saúde – estudo da lista de espera para a consulta externa de ginecologia no Hospital
Distrital de Aveiro” conclui que as urgências surgem como válvula de escape da lista de
espera, sendo referida por 13% das pessoas como a forma de conseguirem uma cirurgia
mais rápida. Por outro lado, há situações em que o utente necessita de uma consulta de
urgência mas não recorre à mesma. Como afirma Pereira (1987), “o que acontece é que
devido à ignorância do consumidor nada nos garante que seja a parcela da procura
“desnecessária” que venha a ser moderada com a aplicação das taxas moderadoras”
A procura de serviços de urgência pode ser classificada em três categorias (Barros89
1992,
cit. Castilho 2003): urgências verdadeiras90
, urgências do ponto de vista individual91
e
falsas urgências92
.
88
O valor das taxas moderadoras vigentes no SNS está aprovado pela portaria n.º1631/2007, que
entrou em vigor a 1 de Janeiro de 2008. Ver Portaria n.º1635/2007, Diário da República, Série I,
nº251, 31 de Dezembro de 2007. 89
Ver a este propósito Castilho A: Taxas Moderadoras, Influência no Acesso ao Serviço de
Urgência. “Ciência e Técnica”, Revista Sinais Vitais, n.º 21; 1998: 15-18. 90
Corresponde às situações que necessitam de tratamento imediato e que devem ser tratadas no
serviço de urgência. Ver a este propósito Castilho A: Taxas Moderadoras, Influência no Acesso ao
Serviço de Urgência. “Ciência e Técnica”, Revista Sinais Vitais, n.º 21; 1998: 15-18. 91
Diz respeito a situações que do ponto de vista médico não necessitariam de ser tratadas num
serviço de urgência, mas que, por desconhecimento do próprio utente relativamente à gravidade do
seu estado de saúde, levam a que opte pela procura do serviço de urgência; Ver a este propósito
Castilho A: Taxas Moderadoras, Influência no Acesso ao Serviço de Urgência. “Ciência e
Técnica”, Revista Sinais Vitais, n.º 21; 1998: 15-18. 92
Pode ser definida como as situações em que o indivíduo sabe que não necessita de recorrer ao
serviço de urgência, mas que por comodidade ou preferência opta por recorrer a este serviço. Ver a
este propósito Castilho A: Taxas Moderadoras, Influência no Acesso ao Serviço de Urgência.
“Ciência e Técnica”, Revista Sinais Vitais n.º 21; 1998: 15-18.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
79
Castilho (1998) apresenta um estudo realizado no Serviço de Urgência do Hospital do
Arcebispo de São Crisóstomo, em Maio de 1997, com uma amostra de 145 indivíduos,
onde se pretendia averiguar se o pagamento de taxa moderadora limitava de forma
consistente a procura de cuidados de saúde no serviço de urgência. Este estudo refere que,
apesar da legislação prever um vasto regime de isenções, existe uma percentagem
considerável da população (22,68%) que refere ter limitado o acesso ao serviço de urgência
em consequência do pagamento da taxa moderadora, o que traduz eventualmente alguma
iniquidade no acesso. População esta provavelmente pertencente a famílias de rendimento
baixo-médio com mais de 2 ou 3 filhos, sendo que, do total da amostra, 55,9% eram
isentos. No que respeita ao principal motivo de recorrência ao serviço de urgência, foi
apontada a doença súbita seguida pela doença com alguns dias de evolução, revelando
estes dados que muitos indivíduos recorrem ao serviço de urgência sabendo que a situação
não o justifica (17,9% reconhecem que o seu quadro clínico não tem necessidade de ser
tratado no serviço de urgência) e que apenas 8,3% da amostra total procurou cuidados
noutro local.
Este estudo conclui que a introdução de taxas moderadoras não limitou de forma
consistente a procura de cuidados no serviço de urgência. Apesar disso, este mesmo
trabalho perde alguma aplicabilidade no momento presente pois o valor a desembolsar há 9
anos numa consulta de urgência era bastante inferior ao actual.
Pereira (1987) apresenta uma opinião antagónica à conclusão do estudo apresentado por
Castilho, pois considera que, pelo contrário, apenas nos serviços de urgência se notou uma
significativa redução na utilização. Também Carapinheiro e Pinto (1987)93
consideram que
a implementação das taxas moderadoras foram responsáveis pelo desencorajamento de
falsas urgências. É de salientar que, como já foi referido no primeiro ponto deste capítulo,
nos serviços de urgência foi introduzida a Triagem de Manchester que também poderá ter
contribuído positivamente para o desencorajamento das falsas urgências.
93
In Mateus C: Vertical and Horizontal Equity in the Finance of Health Care Services – a
comparative study of user charges in Denmark, Portugal and United Kingdom. Associação
Portuguesa de Economia da Saúde, Documento de Trabalho n.º 2, 1996.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
80
4.4 Efeitos das Taxas Moderadoras na Equidade de Acesso
A equidade, conceito intimamente ligado ao de justiça distributiva acarinhado numa
sociedade, é reconhecida como uma das grandes preocupações dos sistemas de saúde
actuais, estando consagrada em diplomas internos como por exemplo na Lei de Bases da
Saúde94
(Base II).
Como foi referido anteriormente, a equidade vertical pressupõe que para se obterem iguais
resultados é necessária a aplicação de tratamentos diferentes perante necessidades que se
apresentam similares, mas em que uma delas, face a situações adversas (por exemplo
desnutrição), requer um acréscimo de cuidados. A equidade vertical harmoniza-se com o
“princípio maximin de Rawls” ao discriminar positivamente os mais desfavorecidos
(Simões et al 2006).
De acordo com Mateus (1996) “é no acto do consumo que se pode falar de equidade (…)
em termos de acesso”. Ora, a partir do momento em que existem grupos sociais que
tendem a limitar a sua procura pelo facto de terem de pagar uma taxa moderadora, pode
afirmar-se à partida que existe alguma iniquidade no acesso. Parece-nos lógico que as taxas
moderadoras, idênticas para todos os grupos sociais, têm um efeito diverso sobre a procura
de cuidados de saúde dos diferentes grupos sociais. Quanto menor o rendimento do
indivíduo, maior será o efeito adverso das taxas moderadoras sobre o seu orçamento.
Beresniak e Duru (1999) e também Lucas (1990) revelam que os estratos sociais de mais
baixo nível sócio-económico são os que apresentam maior tendência para adoecer, tal facto
pode ser entendido se aceitarmos o modelo de Grossman, em que a saúde é vista como um
stock. Assim, indivíduos de mais baixo nível sócio-económico têm menores recursos para a
construção do referido stock (Nunes e Rego 2002).
94
Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei n.º27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. Esta Lei é apresentada no anexo III deste trabalho.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
81
Barros (2006) sugere igualmente a existência de uma relação entre menores rendimentos e
pior estado de saúde, e assim sendo, são os indivíduos de menores rendimentos que
pagarão mais frequentemente a taxa moderadora, dada a maior necessidade de recorrerem
aos serviços de saúde.
Desta forma verificamos que, além do facto da distribuição da doença ser mais
desfavorável aos grupos de mais baixo rendimento, são estes que carecem de mais
cuidados e os que menos têm possibilidades de pagar as taxas moderadoras (Barros 2005).
Neste mesmo estudo, este autor apurou que são também os trabalhadores de estratos
sociais mais desfavorecidos os que consomem, proporcionalmente às suas necessidades,
menos cuidados de saúde. Tal argumento é também defendido pelas autoras do estudo
“Equidade Horizontal no Sistema de Saúde Português, Sector Público vs Sector Privado”.
Paralelamente, Beresniak e Duru (1999) e Lucas (1990) salientam a existência de uma
sobreutilização dos cuidados pela classe intermédia. A razão deve-se, no seu entender, ao
facto de, contrariamente às classes mais elevadas, as classes intermédias não terem
barreiras psicológicas que lhes inibam o consumo do serviço público de saúde (não
receiam perder o seu prestígio no caso de utilizarem os serviços públicos de saúde) e, ao
contrário das classes mais baixas, as taxas não constituem um obstáculo económico capaz
de lhes racionar a procura.
No caso da subutilização de cuidados de saúde pelos trabalhadores manuais, embora não
esquecendo os factores de natureza cultural, parece legítimo associar esta subutilização às
dificuldades geográficas de acesso aos consultórios e farmácias e à existência de taxas
moderadoras (Beresniak e Duru 1999). Como ficou demonstrado no já referido estudo de
Newhouse, a gratuitidade dos cuidados gera maior consumo de cuidados de saúde, assim
como a participação dos agentes da procura nos custos leva a uma redução da utilização.
Do exposto, podemos concluir que as taxas moderadoras podem gerar alguma iniquidade
no acesso aos cuidados de saúde, apesar do vasto regime de isenções. A Base XXXIV95
95
Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. A Lei nº 48/90 é apresentada no anexo III deste trabalho.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
82
refere que “são isentos os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os
financeiramente mais desfavorecidos, nos termos da lei”.
Em Portugal, a legislação96
tentou salvaguardar a equidade de acesso ao garantir a isenção
de pagamento aos grupos mais desfavorecidos, quer em saúde (doentes crónicos), quer
economicamente. Numa breve análise do regime de isenções, verificamos que, por
exemplo, um casal com 2 ou 3 filhos e que tenha como rendimento mensal 900 Euros não é
isento do pagamento de taxa moderadora. Assim o valor a desembolsar por este casal será
o mesmo que o de um casal com um rendimento superior. Portanto, o pagamento da taxa
moderadora terá mais impacto para o primeiro.
No sentido de contribuir para uma maior justiça social, o Governo introduziu também uma
redução de 50% nas taxas moderadoras a suportar pelos utentes com idade igual ou
superior a 65 anos (Decreto-Lei n.º 79/2008)97
e que não estavam isentos do pagamento da
taxa moderadora. O motivo de tal redução deve-se ao facto dos indivíduos desta faixa
etária apresentarem maior dependência dos serviços de saúde.
Lucas (1990) propõe a transformação de taxas moderadoras regressivas em taxas
moderadoras proporcionais. Uma tal solução significaria que o Estado subsidiaria os gastos
de saúde na razão inversa do nível de rendimento do consumidor. O consumidor de cada
nível social confrontar-se-ia com um preço que o obrigaria a maior racionalidade no seu
consumo de cuidados de saúde. Segundo o mesmo autor, deste modo teríamos mais
equidade e mais eficiência. Em contrapartida, os consumidores da classe média e alta
passariam a comparar mais amiudadamente a qualidade obtida nos serviços públicos pelo
preço da taxa proporcional com a qualidade dos serviços privados, correspondentes
também a um determinado preço, o que levaria à fuga destes consumidores.
Contudo, aos argumentos de Lucas podemos objectar que não se pode exigir que sejam os
mais ricos a pagar mais pela saúde, porque o Estado não pode fazer nenhuma diferenciação
96
O regime de isenções em Portugal está aprovado nos Decretos-Lei 173/2003 de 1 de Agosto, e
201/2007 de 24 de Maio. Ambos os decretos são apresentados em anexo. 97
A este propósito consultar Decreto-Lei n.º 79/2008. Diário da República, Série I, nº89, 8 de Maio
de 2008. Consultar anexo I.c do trabalho.
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
83
entre os cidadãos. Essa diferenciação é feita já no sistema fiscal. O primeiro tipo de
redistribuição existente vai dos indivíduos saudáveis para os doentes, sendo que esta
redistribuição é aceite por todos, dadas as incertezas existentes no contexto da saúde
(Jacobsson et al 2005). Como o sistema de saúde português é financiado via fiscal,
apresentando este um carácter progressivo, há já uma redistribuição adicional dos
indivíduos que apresentam maiores rendimentos para os que apresentam menores
rendimentos (Barros 2006).
Lucas (1990) considera que a eventual abolição completa das taxas moderadoras, em
relação a todo e qualquer bem ou serviço de saúde prestado pelo Estado, seria geradora de
mais ineficiência pois conduziria a um aumento do consumo, o que também não será
desejado. O autor conclui, então, que o pagamento das taxas moderadoras é uma medida de
contenção de custos perfeitamente suportável pelos cidadãos.
Barros (2006) sugere que, em vez da utilização de taxas moderadoras, o governo poderia
aumentar os impostos. Ou seja, utilizando um aumento nos impostos em lugar da taxa
moderadora, existiria uma igual receita fiscal, em média, mas estável. Assim, os cidadãos
isentos de taxa moderadora não são afectados, os que pagam taxa moderadora ficam livres
da incerteza de quebra do rendimento e deste modo geram-se menores desigualdades
sociais. Este autor considera a taxa moderadora como um instrumento de redistribuição
pouco adequado.
Finalmente, Pereira (1987) coloca o acento tónico no comportamento individual, já que em
termos de ciência económica e de política de saúde “o recurso a taxas moderadoras não é
senão uma operação pouco clara em que se move o alvo para que a bala lhe acerte”.
Em suma, na primeira parte deste trabalho pretendeu-se evidenciar as características dos
cuidados de saúde, que tornam este bem detentor de características tão específicas. Por
outro lado, objectivou-se demonstrar as teorias da justiça subjacentes à distribuição deste
bem assim como as características do sistema de saúde português. No final da primeira
parte abordou-se a problemática do aumento de gastos na área da saúde, que têm ocorrido
não só em Portugal mas em toda a Europa, e as medidas de contenção de custos adoptadas
Capítulo 4 – Taxas Moderadoras
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
84
de forma a obter uma distribuição mais justa e equitativa de um bem: os cuidados de saúde.
Como medida racionalizadora, as taxas moderadoras têm assumido uma importância
crescente dado o seu alargamento a diferentes áreas e os seus sucessivos aumentos. Na
segunda parte deste trabalho pretende-se conhecer qual a opinião dos profissionais de
saúde acerca do impacto deste instrumento financeiro na procura de cuidados de saúde.
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
85
PARTE II
ESTUDO DE INVESTIGAÇÃO
Capítulo 5 – Metodologia da Investigação
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
86
CAPÍTULO 5
METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO
5.1 Desenho do Estudo
O presente estudo visa avaliar o papel das taxas moderadoras na procura de cuidados de
saúde. Assim, com vista a explorar a influência deste co-pagamento num mercado onde os
recursos se anunciam escassos e a procura ilimitada, será efectuado um estudo descritivo
do tipo transversal.
O instrumento utilizado foi um questionário elaborado pela autora, o qual foi
posteriormente sujeito a um pré-teste. O pré-teste tem como objectivo avaliar a eficácia e a
pertinência do respectivo instrumento estatístico e verificar os elementos seguintes: se os
termos utilizados são facilmente compreensíveis e desprovidos de equívocos, se a forma
das questões utilizadas permite colher as informações desejadas, se o questionário não é
muito longo e não provoca desinteresse ou irritação e se as questões não apresentam
ambiguidade (Fortin 1999).
5.2 Hipótese de Trabalho
Após a revisão da literatura, conjectura-se que as taxas moderadoras são um mecanismo de
racionamento que poderá levar a uma diminuição da procura. Contudo, nada parece
garantir que a parcela de cuidados que não é prestada seria desnecessária dada a ignorância
do consumidor. Por outro lado, é com certeza nas classes sociais mais desfavorecidas
economicamente que a procura tenderá a diminuir. Assim torna-se pertinente conhecer se a
implementação das taxas moderadoras não afecta negativamente os princípios de justiça e
de equidade, valores sobre os quais assenta o SNS.
Capítulo 5 – Metodologia da Investigação
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
87
5.3 Local do Estudo
O estudo será realizado nos hospitais públicos centrais do país, nomeadamente no Hospital
de S. João, no Porto, nos Hospitais da Universidade de Coimbra e no Hospital de Santa
Maria, em Lisboa, e em centros de saúde das mesmas cidades e que aceitem participar no
estudo. Caso não seja obtido o consentimento da Direcção dos respectivos hospitais para a
realização do estudo, serão seleccionados outros hospitais centrais do país.
5.4 Tipo e Técnica de Amostragem
Os hospitais foram seleccionados por razões de conveniência dado o elevado número de
potenciais participantes que apresentam. Assim o critério utilizado para a selecção dos
hospitais que constituem a amostra foi a dimensão dos mesmos. O facto de se situarem em
diferentes regiões poderá permitir averiguar se existem diferentes opiniões acerca do papel
das taxas moderadoras nos cuidados de saúde nas diferentes áreas regionais.
Dentro dos hospitais a amostra será aleatória, sendo constituída pelos profissionais que se
encontram a desempenhar funções aquando da distribuição dos questionários e que aceitem
participar no estudo.
5.5 Selecção dos Participantes no Estudo
A população de estudo envolve todos os profissionais de saúde que exerçam a sua
actividade nos hospitais seleccionados para o estudo e que aceitem participar no mesmo.
Critérios de Exclusão
Serão excluídos os indivíduos que exerçam a sua actividade há menos de um mês no sector
público. Tal facto relaciona-se com o seu menor contacto com o ambiente hospitalar e
possivelmente com este tema. Dado que de forma indirecta se pretende avaliar a influência
Capítulo 5 – Metodologia da Investigação
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
88
das taxas moderadoras no comportamento dos utentes, procuram-se profissionais que
estejam já sensibilizados em relação ao pagamento da taxa moderadora.
Consentimento
O consentimento para a realização do estudo deverá ser dado em primeira-mão pela
Direcção Hospitalar, após ser efectuado o respectivo pedido. Aquando da distribuição dos
questionários deverá ser também dado o consentimento pelos responsáveis de medicina, de
enfermagem e de fisioterapia dos respectivos serviços.
Todos os intervenientes neste estudo deverão ser informados sobre os objectivos e
finalidades do mesmo, esclarecidos acerca da contribuição de cada participante e do
carácter voluntário dessa participação, assim como será dada a garantia de
confidencialidade dos dados obtidos.
5.6 Instrumento de Medida
O instrumento de medida utilizado neste estudo é um questionário criado pela autora após
revisão da literatura, o qual foi posteriormente submetido a um pré-teste. O questionário é
constituído por sete perguntas de resposta fechada, sendo deste modo um questionário
curto e de resposta rápida. Todas as questões são referentes à temática das taxas
moderadoras, procurando averiguar a opinião dos profissionais de saúde acerca da
influência das taxas moderadoras na procura de cuidados de saúde. As questões 6 e 7
referem-se ao SNS (ver anexo IV).
O tempo médio necessário para preencher o questionário é de 5 minutos, não sendo
necessária qualquer supervisão durante o preenchimento.
Capítulo 5 – Metodologia da Investigação
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
89
5.7 Recolha de Dados
A investigadora deverá deslocar-se ao local para a distribuição e recolha dos questionários,
após ser obtida a autorização da Direcção dos respectivos hospitais e centros de saúde para
a realização do estudo.
O questionário será aplicado num único momento, uma vez que se trata dum estudo
transversal.
5.8 Análise Estatística
Para a análise estatística será utilizado o Stastical Package for the Social Sciences (SPSS),
versão 14.0 para Windows.
Na descrição e caracterização da amostra serão utilizadas as medidas estatísticas de
tendência central e de dispersão.
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
90
CAPÍTULO 6
PRÉ-TESTE: ANÁLISE PRELIMINAR
6.1 Pré-Teste
Para a realização do pré-teste, o questionário elaborado pela autora foi distribuído a 19
profissionais de saúde, aos quais se solicitou o seu preenchimento e a realização de uma
apreciação crítica do mesmo. Foi pedido aos indivíduos da amostra que avaliassem a
extensão e objectividade do questionário, a linguagem utilizada bem como a
compreensibilidade e pertinência das questões.
Como resultado da apreciação crítica não foram sugeridas quaisquer alterações ao
questionário.
Apesar dos resultados relativos ao preenchimento dos questionários não serem conclusivos
nem significativos, dado o pequeno número da amostra, foi feita uma análise elementar das
respostas dadas pelos inquiridos, que nos permitiu realizar a caracterização da amostra do
pré-teste e fazer uma simples análise da opinião dos inquiridos acerca da temática
abordada no questionário. Para a análise estatística recorreu-se ao SPSS, versão 14.0 para
Windows.
6.2 Caracterização da Amostra do Pré-Teste
A amostra do pré-teste é constituída por 19 profissionais de saúde, dos quais 4 são
médicos, 7 são enfermeiros e 8 são fisioterapeutas (tabela 1), que desempenham funções
em serviços hospitalares ou centros de saúde do nosso país.
Os indivíduos da amostra desempenham as suas funções em diferentes serviços/
especialidades, como se pode verificar no gráfico 1.
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
91
Tabela 1- Tabela relativa à distribuição dos indivíduos da amostra do pré-teste pela
profissão.
Profissão N %
Fisioterapeuta 8 42,1%
Enfermeiro 7 36,8%
Médico 4 26,1%
Total 19 100%
Gráfico 1- Gráfico relativo à distribuição dos indivíduos pelos diferentes serviços/
especialidades clínicas.
A média de idades dos indivíduos é de 33 anos, sendo 51 e 23 o máximo e o mínimo de
idade, respectivamente. No que se refere à experiência clínica a média de anos é de 10,
sendo o máximo e o mínimo de 32 e 1, respectivamente (tabela 2).
26,3%
10,5%
36,8%
15,8%
5,3% 5,3%
Bloco Operatório
Cuidados Primários
Fisioterapia Medicina Interna
Ortopedia Urgências
N
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
92
Tabela 2 – Valores da média, mínimo e máximo e desvio padrão relativos à idade e
anos de prática de clínica.
Média
Máximo
Minímo
Desvio padrão
Idade 32,79 51 23 11,287
Anos de
experiência 9,95 32 1 10,91
Total 19 19 19 19
6.3 Resultados do Pré-Teste
No que respeita à primeira pergunta do questionário apenas 10,5% concorda totalmente
que as taxas moderadoras são um instrumento eficaz no controlo da procura excessiva de
cuidados de saúde, sendo também que a mesma percentagem de indivíduos discorda
totalmente no que respeita à eficácia das taxas moderadoras na racionalização da procura
de cuidados de saúde (tabela 3). A maioria dos indivíduos da amostra do pré-teste
concorda parcialmente que as taxas moderadoras representam um instrumento de
racionalização do consumo(tabela 3).
Tabela 3 – Tabela relativa à questão “Concorda que as taxas moderadoras são um
instrumento eficaz no controlo da procura excessiva de cuidados de saúde?”.
N %
Concordo totalmente 2 10,5
Concordo parcialmente 8 42,1
Discordo parcialmente 7 36,8
Discordo totalmente 2 10,5
Total 19 100
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
93
Relativamente à pergunta 2, apenas 36,8 % dos indivíduos da amostra consideram que a
procura de cuidados de saúde diminui com a implementação das taxas nos serviços de
saúde públicos, sendo que, destes 36,8% da amostra, 57,1% considera que tal redução
ocorreu nos serviços de urgência (tabela 4 e 4.1).
Tabela 4 – Tabela referente à questão “Poderão existir serviços em que a procura de
cuidados de saúde tenha efectivamente diminuído?”.
N %
Sim 7 36,8
Não 12 63,2
Total 19 100
Tabela 4.1 – Tabela referente à alínea da questão anterior “Se sim, qual?”.
N %
Cuidados primários 1 14,3
Exames Compl. Diag. 1 14,3
Fisioterapia 1 14,3
Urgências 4 57,1
Total 7 100
A questão 3, que se refere à equidade de acesso aos cuidados de saúde, revela que 31,6%
dos inquiridos consideram que pelo facto da taxa moderadora apresentar um carácter
regressivo poderá inibir os indivíduos de menores recursos de recorrerem aos serviços de
saúde (tabela 5). A maioria dos indivíduos concorda parcialmente com a proposição de que
o pagamento da taxa moderadora poderá inibir os mais pobres de recorrerem aos serviços
de saúde. A pergunta 4 do questionário corrobora a ideia subjacente, uma vez que 47,4%
dos inquiridos (9 indivíduos) consideram que o pagamento da taxa deveria apresentar um
carácter progressivo (gráfico 2).
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
94
Tabela 5 – Tabela respeitante à pergunta “Sabendo que o pagamento da taxa
moderadora não é diferenciado consoante o nível sócio-económico do indivíduo, os
estratos sociais mais desfavorecidos economicamente poderão ter reduzido a procura
de cuidados de saúde em casos em que estes seriam necessários?”.
N %
Concordo totalmente 6 31,6
Concordo parcialmente 9 47,4
Discordo parcialmente 2 10,5
Discordo totalmente 2 10,5
Total 19 100
Gráfico 2 – Gráfico relativo à questão “Concorda que o pagamento das taxas
moderadoras deveria ser diferenciado (progressivo), ou seja, o seu valor deveria
variar consoante o rendimento do indivíduo?”.
36,8%
5,3%
47,4%
36,8%
5,3%
5,3%
N
Concordo
Totalmente
Concordo Parcialmente
Discordo Parcialmente
Discordo Totalmente
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
95
Como se pode verificar na tabela 6, os indivíduos da amostra do pré-teste consideram
como funções “muito importantes” das taxas moderadoras o seu papel na racionalização da
procura de cuidados de saúde (47,4%), o seu papel enquanto instrumento que conduz a
uma maior prudência por parte do utente na selecção do serviço a utilizar (42,1%) e o seu
papel enquanto forma de sensibilização para os utentes de que os cuidados de saúde
apresentam um custo elevado, sendo o custo da taxa moderadora de valor simbólico
(36,8%). Com uma avaliação de “importante”, 36,8% dos profissionais de saúde da
amostra consideraram a função das taxas moderadoras enquanto forma de sensibilização
para os utentes de que os cuidados de saúde apresentam um custo elevado, sendo o valor
da taxa moderadora simbólico. Como função de carácter “médio” os inquiridos apontam o
papel da taxa moderadora enquanto fonte de receita/ financiamento do SNS (57,9%).
Relativamente às características das taxas moderadoras apresentadas no questionário,
57,9% dos indivíduos considera que o aumento da exigência dos utentes na qualidade dos
serviços prestados (“Um instrumento que permite aos utentes um aumento da exigência na
qualidade de serviços prestados”) não constitui função das taxas moderadoras (tabela 6). É
de salientar que não foi sugerido por nenhum inquirido outra função das taxas moderadoras
na opção “Outra. Qual?”.
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
96
Tabela 6 – Tabela que se refere à questão: “Considera que, neste momento, as
principais funções das taxas moderadoras no nosso SNS são:”.
Função
Muito
importante
Importante Média Não
representa
função
N % N % N % N %
A racionalização da procura de cuidados
de saúde.
9 47,4 3 15,8 3 15,8 4 21,1
Total N=19; %=100
Uma fonte de receita/ financiamento
para o SNS.
4 21,1 2 10,5 11 57,9 2 10,5
Total N=19; %=100
Um instrumento económico que permite
às unidades de saúde um aumento da
autonomia financeira.
2 10,5 6 31,6 5 26,3 6 31,6
Total N=19; %=100
Um instrumento que permite aos utentes
um aumento da exigência na qualidade
de serviços prestados.
3 15,8 3 15,8 2 10,5 11 57,9
Total N=19; %=100
Um instrumento que os governos
utilizam no sentido de transferir para o
utente uma maior responsabilização pelo
custo de cuidados de saúde.
4 21,1 6 31,6 5 26,5 4 21,1
Total N=19; %=100
Uma forma de sensibilização para os
utentes de que os cuidados de saúde
apresentam um custo elevado, sendo a
taxa moderadora simbólica.
7 36,8 7 36,8 5 26,3 0 0
Total N=19; %=100
Um utensílio que conduz a uma maior
prudência por parte do utente na
selecção do serviço a utilizar.
8 42,1 6 31,6 3 15,8 2 10,5
Total N=19; %=100
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
97
Através da análise do gráfico 3 verificamos que 47,4% dos profissionais de saúde (9
indivíduos) concordam com a implementação das taxas moderadoras, sendo que nenhum
indivíduo discorda totalmente da sua implementação. Cerca de 31,6% dos indivíduos (6
indivíduos) concordam parcialmente com a implementação e existência das taxas
moderadoras e 21,1% (4 indivíduos) discordam parcialmente.
Gráfico 3 – Gráfico referente à questão “De uma forma geral concorda com a
implementação e existência das taxas moderadoras?”.
No que refere à avaliação do nosso SNS, a maioria dos profissionais de saúde considera
que o seu funcionamento é não satisfatório, como ilustram o gráfico 4 e a tabela 7. Cerca
de 36,8% dos indivíduos consideram o seu funcionamento satisfatório e apenas 5,3% o
considera bom. A classificação de muito bom apenas foi atribuída por 10,5% dos
inquiridos.
47,4%
21,1%
31,6%
47,4%
21,1%
31,6%
discordo parcialmente
concordo parcialmente
concordo totalmente
De uma forma geral concorda com a implementação e existência das taxas moderadoras?
47,4%
21,1%
31,6%
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
98
Gráfico 4 – Gráfico respeitante à pergunta “Na sua opinião, o desempenho do SNS na
resolução dos problemas que actualmente existem é:”.
A maioria dos inquiridos aponta como falhas muito importantes do SNS a má organização
nas instituições (63,2%), a má gestão dos recursos existentes (52,6%) e a falta de recursos
humanos (47,4%), como se pode verificar na tabela 7. Como falha de carácter médio
destacam-se as políticas de saúde, que segundo 31,6% dos inquiridos são inadequadas.
São de destacar os aspectos “escassez de meios técnicos” e a “falta de empenho e
desmotivação dos profissionais para fazer mais e melhor” pelo facto destes itens
alcançarem maior cotação na alínea “não constitui causa”. Assim, 42,1% e 36,8% dos
indivíduos da amostra consideram que não são a escassez de meios técnicos nem a falta de
empenho dos profissionais, respectivamente, os factores responsáveis pelo funcionamento
deficitário do SNS (tabela 7). É de referir também que nesta questão nenhum indivíduo
enumerou outra causa para algum défice no funcionamento do SNS, para além das
enunciadas pela autora no questionário.
Mau
Não satisfatório
Satisfatório
Bom
Muito bom
Na sua opinião, o desempenho do SNS na resolução dos problemas de saúde que actualmente existem é:
36,8%
42,1%
10,5%
5,3%
5,3%
42,1%
5,3%
5,3% 10,5%
42,1%
5,3%
5,3%
36,8%
10,5%
42,1%
5,3%
5,3%
Mau
Não satisfatório
Satisfatório
Bom
Muito bom
Na sua opinião, o desempenho do SNS na resolução dos problemas de saúde que actualmente existem é:
36,8%
10,5%
42,1%
5,3%
5,3%
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
99
Tabela 7 - Tabela relativa à questão “Na sua opinião quais as principais causas de
algum défice do SNS no desempenho das suas tarefas?”
Função
Muito
Importante
Importante Média Não
constitui
causa
N % N % N % N %
Escassez de recursos perante uma
procura crescente e exigente de
cuidados de saúde.
7 36,8 2 10,5 3 15,8 7 36,8
Total N=19; %=100
Falta de recursos humanos.
9 47,4 2 10,5 3 15,8 5 26,3
Total N=19; %=100
Escassez de meios técnicos.
4 21,1 7 36,8 0 0 8 42,1
Total N=19; %=100
Políticas de saúde inadequadas
6 31,6 4 21,1 6 31,6 3 15,8
Total N=19; %=100
Má organização nas instituições.
12 63,2 4 21,1 1 5,3 2 10,5
Total N=19; %=100
Má gestão dos recursos existentes.
10 52,6 6 31,6 1 5,3 2 10,5
Total N=19; %=100
Falta de empenho e desmotivação dos
profissionais para fazer mais e melhor.
5 26,3 4 21,1 3 15,8 7 36,8
Total N=19; %=100
Falta de regulação e controlo nas
instituições.
6 31,6 5 26,3 3 15,8 5 26,3
Total N=19; %=100
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
100
6.4 Discussão dos Resultados do Pré-Teste
Relativamente à primeira pergunta do questionário, em que se pretendeu abordar a opinião
dos profissionais de saúde no que se refere à eficácia das taxas moderadoras na
racionalização de cuidados de saúde, apenas 10,5% concordam totalmente com a eficácia
deste instrumento financeiro. A mesma percentagem discorda totalmente com este
argumento, sendo que a maioria (42,1%) apenas concorda parcialmente com a eficácia das
taxas moderadoras.
Também Giraldes (1997b) afirma que a elasticidade da procura não é significativa no
sector da saúde, uma vez que se trata de um bem de primeira necessidade. Contudo, a
autora salienta que há algumas excepções, como o caso das urgências hospitalares ou o dos
exames complementares de diagnóstico onde as taxas moderadoras são mais caras. Nestas
situações são os mais pobres que irão alterar o seu comportamento, diminuindo a procura.
Como seria de esperar, e de acordo com a questão anterior, a maioria dos inquiridos
(63,2%) considera que a procura de cuidados de saúde não diminuiu nos diferentes
serviços com o pagamento da taxa moderadora. Uma menor percentagem (36,8%)
concorda com a ocorrência de uma diminuição da procura, sendo que desta percentagem
metade dos indivíduos defendem que esta redução ocorreu nos serviços de urgência.
Do mesmo modo, Pereira (1987) considera que apenas nos serviços de urgência se notou
uma significativa redução na procura de cuidados com a implementação das taxas
moderadoras.
Em relação à equidade de acesso, 47,4% da amostra (a maioria) concorda parcialmente que
os indivíduos de menores recursos económicos poderão ter diminuído a procura de
cuidados de saúde, sendo que 31,6% concorda totalmente com esta ideia. Assim na questão
em que se pretende saber se este co-pagamento deveria ser progressivo, 47,4% dos
inquiridos defende a diferenciação do seu valor consoante os rendimentos.
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
101
Como defendem Giraldes (1997b), Lucas (1990) e Barros (2006), o carácter regressivo das
taxas moderadoras é mais penalizador para os indivíduos de menores recursos, que são
também os que mais tendem a adoecer, e, portanto, a necessitar de mais cuidados de saúde.
O pagamento progressivo é defendido por Lucas (1990) pois, segundo o autor, nestas
circunstâncias o consumidor de cada nível social iria deparar-se com um preço de taxa
moderadora que poderia ser realmente racionalizador, dado que estava adaptado ao seu
rendimento. Todavia, esta medida acarretaria o perigo de “fuga” dos mais ricos para os
serviços privados, dado que iria existir uma comparação mais amiúde entre o sector
público e privado, não assegurando desta forma a redistribuição. Barros (2006) também se
opõe ao pressuposto da progressividade das taxas moderadoras, dado que, por via fiscal, há
já progressividade no pagamento quando ocorre uma transferência de recursos dos estratos
sociais mais ricos para os mais pobres.
Ao contrário do que seria de esperar, dada a opinião dos indivíduos da amostra à primeira
pergunta do questionário, a função racionalizadora das taxas moderadoras foi considerada
como muito importante por 47,4% da amostra, apesar de 21,1% afirmar que a
racionalização da procura não se apresenta como função das taxas moderadoras.
No que diz respeito ao papel das taxas moderadoras no financiamento do SNS, a maioria
considerou que estas apresentam um papel de carácter médio na formação de receitas deste
organismo (57,9%). A este propósito a Lei de Bases da Saúde98
salienta como principais
funções das taxas moderadoras a racionalização da procura e o aumento das receitas (Base
XXXIV). Segundo Galope (2006), o pagamento das taxas moderadoras constitui 1% das
receitas para o SNS, ou seja, já não é totalmente negligenciável num sector onde o
consumo diário atinge os 23 milhões de euros.
É de salientar também que a maioria dos inquiridos (57,9%) considerou que as taxas
moderadoras não permitem aos utentes um aumento da exigência dos cuidados prestados.
98
Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. Esta Lei é apresentada nos anexos do trabalho.
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
102
Tal facto contrapõe o defendido por Mateus (1996), pois esta autora considerou que o
pagamento da taxa moderadora poderia tornar o utente mais exigente, uma vez que este
sente que paga no momento do consumo.
Cerca de 36,8% dos profissionais de saúde concordam que a taxa moderadora pode
constituir uma forma de sensibilização para os utentes de que os cuidados de saúde têm um
preço, sendo o valor da taxa simbólico, considerando assim a sua função “muito
importante”. A mesma percentagem de indivíduos (36,8%) considera esta função como
“importante”. Desta forma verificamos que 63,2% da amostra considera como papel
“muito importante” ou “importante” da taxa moderadora, a sensibilização dos utentes para
os elevados custos dos cuidados de saúde. A apoiar este facto 42,1% e 31,6% da amostra
considera como função “muito importante” e “importante”, respectivamente, o facto das
taxas moderadoras conduzirem a uma maior prudência na selecção do serviço a utilizar.
A corroborar estas concepções, Lucas (1990) defende que a abolição das taxas
moderadoras seria geradora de mais ineficiência, pois conduziria a um aumento do
consumo de cuidados de saúde consequentemente. O autor discorda da sua abolição total,
uma vez que considera o seu pagamento perfeitamente suportável pelos cidadãos.
No que respeita à questão 5, a maioria dos inquiridos (9 indivíduos) concorda totalmente
com a implementação das taxas moderadoras, sendo que nenhum indivíduo discorda
totalmente da sua existência. Tal facto parecer-nos-à controverso, uma vez que a maioria
dos participantes na amostra de pré-teste colocou dúvidas acerca da eficácia deste
instrumento enquanto racionalizador de um excesso de procura. De forma idêntica, Pereira
(1987) sugere que o recurso às taxas moderadoras se trata de uma operação pouco clara e
que coloca dúvidas relativamente à sua eficácia. Todavia, a amostra terá contemplado, na
sua opinião, outras funções das taxas moderadoras, nomeadamente, a sensibilização dos
utentes para o custo dos cuidados de saúde e a alteração do comportamento do consumidor,
já que este será mais prudente na escolha do serviço a utilizar, dada a diferença de
pagamento consoante o serviço que utiliza. Nesta última função poderemos falar do
recurso às urgências, que foi considerado, ao longo de muitos anos, como a “porta” de
entrada no SNS. Actualmente, como o valor da taxa moderadora é mais alto nas consultas
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
103
deste serviço, este aspecto poderá ser dissuasor da recorrência às urgências. Outra função
que também deverá ser tida em conta será a transferência de uma maior responsabilização
para os utentes sobre os seus cuidados de saúde, através dos co-pagamentos, o que de
alguma forma se interliga com o conceito de empowerment bem presente na prestação de
cuidados de saúde de hoje.
No que diz respeito à avaliação do SNS, a maioria dos indivíduos considera que este
apresenta um desempenho não satisfatório, seguida por 36,8% que o avaliam como
satisfatório. A classificação de mau é apenas atribuída por 5,3% e a de muito bom por
10,5% dos inquiridos.
Tal opinião é corroborada por Delgado (1999), já que este afirma que o SNS não garante
hoje condições de equidade e solidariedade, e nem sempre apresenta uma resposta
adequada para os problemas apresentados.
Como causas muito importantes para o défice de funcionamento do SNS, os profissionais
de saúde apontam a má organização nas instituições, a má gestão de recursos e a falta de
recursos humanos. De carácter médio destacam-se as políticas de saúde, que segundo
31,6%, são inadequadas.
Também Beresniak e Duru (1999) salientam o desenvolvimento inexorável de numerosas
formas de esbanjamento de recursos na saúde, o que nos remete para problemas na gestão e
utilização desses mesmos recursos. Desta forma, em Portugal, ao longo dos últimos anos,
têm sido introduzidas novas formas de gestão, nomeadamente, a empresarialização dos
hospitais, a introdução de novas formas de financiamento hospitalar e a regulação do uso
de tecnologias.
De uma forma geral podemos afirmar que os resultados do pré-teste vão de encontro aos
resultados dos estudos analisados ao longo deste trabalho. Assim podemos dizer que,
apesar da maioria dos inquiridos aprovar a existência das taxas moderadoras, estes revelam
algum cepticismo acerca da sua eficácia enquanto instrumento dissuasor de consumo
excessivo de cuidados de saúde. Consequentemente atribuem outras funções a este co-
Capítulo 6 – Pré-Teste: Análise Preliminar
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
104
pagamento, tais como o seu papel na sensibilização dos utentes acerca dos elevados custos
dos cuidados de saúde, e numa melhor selecção do serviço de saúde a utilizar.
A nossa amostra aceita também que as taxas moderadoras são mais penalizadoras para os
mais pobres, defendendo assim que estas deveriam tomar um carácter progressivo.
No que se refere ao SNS, a maioria dos profissionais atribui-lhe uma avaliação negativa,
apontando como principais falhas a má gestão e a falta de organização nas instituições de
saúde. Tal facto é também apoiado pela maioria dos autores estudados ao longo deste
trabalho, que consideram o SNS como “doente” e detentor de um elevado nível de
desperdício (25%), resultante essencialmente das deficientes formas de gestão e
organização no sector da saúde.
Considerações Finais
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
105
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O direito à saúde representa hoje uma verdadeira conquista civilizacional (Nunes 2003).
Em Portugal, o Estado Providência criou um sistema de cobertura universal, geral e
gratuito. Porém, o aparecimento das taxas moderadoras impeliu a uma revisão
constitucional, dada a inconstitucionalidade que este tipo de co-pagamentos parecia
apresentar. Assim, em 1989, o artigo 64º da Constituição Portuguesa, que estipulava que o
SNS era “geral, universal e gratuito”, passa a definir o SNS como “geral, universal e
tendencialmente gratuito” (Pereira 1991).
O cenário de crise económica que se atravessa na Europa, associado ao aumento
exponencial de gastos na área da saúde, levou a que se dissipassem políticas e medidas de
contenção de custos nesta área (Mossialos e Le Grand 2001). Deste modo, surgiram
medidas de carácter implícito como as listas de espera, a triagem de pacientes nos serviços
de urgência e o transplante de órgãos (Rodriguez et al 2008); e outras de carácter explícito
como o numerus clausus no acesso às faculdades de Medicina, a regulação do mercado
farmacêutico, a limitação na aquisição de tecnologia e a implementação de co-pagamentos
(Pinto e Aragão 2003).
Como já foi referido ao longo deste trabalho, as taxas moderadoras inserem-se no conjunto
de medidas explícitas adoptadas na Europa que visam a contenção de custos na área da
saúde. Este instrumento financeiro, considerado como “moderador, racionalizador e
regulador” (Decreto-Lei n.º 173/2003)99
da procura, tem sofrido sucessivos aumentos ao
longo dos últimos anos. Para além disso expandiu-se, afectando já serviços como o
internamento e a cirurgia de ambulatório. Tendo em atenção estes factos, rapidamente se
verifica que este pagamento é já considerado como uma fonte de receita. A Lei de Bases da
99
Decreto-Lei n.º 173/2003: Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde. Diário
da República, Série I-A, nº176 de 1 de Agosto de 2003. Este Decreto-Lei encontra-se nos anexos
deste trabalho.
Considerações Finais
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
106
Saúde considera mesmo as taxas moderadoras “receita do Serviço Nacional de Saúde”
(Base XXXIV)100
.
A problemática desta situação relaciona-se com o facto dos portugueses efectuarem já a
sua tributação para o sistema de saúde por via fiscal e pelo facto de muitos portugueses
realizarem também uma tripla tributação. Os portugueses gastaram, em 2007, cerca de
71,14 milhões de euros em taxas moderadoras. Tal quantia parecer-nos-á avultada se
considerarmos os elevados encargos fiscais que afectam as famílias portuguesas.
Tal como foi analisado neste trabalho, o preço do produto e o rendimento disponível do
agente da oferta condicionam a procura. Assim sendo os co-pagamentos serão dissuasores
da procura, apesar de se tratar de um bem de primeira necessidade. A este respeito, foram
enumerados diversos autores ao longo deste trabalho que apoiam a ideia de que o agente da
procura (o utente) reage às alterações de preço; ou seja, comprova-se que a procura de
cuidados de saúde não se apresenta como inelástica ou rígida, como outrora foi
considerada (Barros 2006).
De uma maneira geral, o regime de isenções, presente no nosso país, protege os indivíduos
mais debilitados economicamente (por exemplo, os desempregados inscritos nos centro de
emprego) ou que não têm capacidade para pagar (por exemplo, as crianças) e ainda aqueles
que padecem de determinadas doenças crónicas associadas a gastos mais avultados como
sejam os indivíduos com diabetes, Parkinson, esclerose múltipla, paramilóidose, doença de
Hansen, entre outros (Decreto-Lei nº173/2003)101
. Há ainda uma redução de 50% no valor
da taxa moderadora para os indivíduos com idade igual ou superior a 65 anos, dada a maior
dependência de cuidados de saúde que esta faixa etária apresenta (Decreto-Lei 79/2008)102
.
100
Lei n.º 48/90: Lei de Bases da Saúde. Diário da República, I série, 24 de Agosto, 1990. Esta Lei
foi alterada pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro, que também aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar. 101
Decreto-Lei n.º 173/2003: Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde.
Diário da República, Série I-A, nº176 de 1 de Agosto de 2003. 102
Decreto-Lei n.º 79/2008. Diário da República, Série I, nº89, 8 de Maio de 2008. Este Decreto-
Lei é apresentado no anexo I.c deste trabalho.
Considerações Finais
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
107
Para além deste leque de isenções, a não progressividade dos co-pagamentos afecta
negativamente os mais pobres. Ou seja, há indivíduos não isentos cujos rendimentos são
baixos. O valor de 9,20 Euros de taxa moderadora numa consulta de urgência terá com
certeza um papel diferente sobre o indivíduo que possui 450 Euros ou 1000 Euros de
rendimento. Desta forma, o carácter regressivo das taxas moderadoras coloca em causa a
equidade de acesso, apesar de alguns argumentarem que a progressividade é já efectuada
via impostos.
Apesar de alguns autores como Grabka et al (2006) e Page et al (2008) demostrarem nos
seus estudos que os co-pagamentos diminuem a procura, e de Lucas (1990) considerar as
taxas moderadoras uma medida de contenção de custos perfeitamente suportável pelos
cidadãos, autores como Pereira (1987) apresentavam dúvidas acerca da sua eficácia. Em
síntese, podemos afirmar que as taxas moderadoras são dissuasoras do consumo. Contudo,
dada a ignorância do consumidor, nem sempre é a parcela do consumo “desnecessário” que
é regulada. Parecer-nos-á mais lógico que aqueles que mais racionalizam o seu
comportamento são os mais pobres, o que corrobora o estudo de Lucas (1990). Tal facto
coloca questões de natureza ética, na medida em que também são os mais pobres os que
apresentam mais dificuldade na construção do stock de saúde (Giraldes 1997b).
No que se refere aos resultados obtidos no pré-teste do questionário, verificámos que a
maioria dos inquiridos (47,4%) considera que o pagamento das taxas moderadoras deveria
ser progressivo. Contudo, a progressividade poderia impulsionar a saída dos indivíduos de
maiores rendimentos para o sector privado e, tal como sugere Lucas (1990), os problemas
de redistribuição seriam acentuados. A este respeito os resultados do pré-teste opõem-se ao
sugerido pelos autores estudados ao longo da realização deste trabalho. Isto porque
nenhum defende a progressividade no pagamento de taxas moderadoras. Barros (2006)
sugere a abolição das taxas e um aumento dos descontos fiscais, o que asseguraria uma
maior contribuição para o sector da saúde e, dada a proporcionalidade dos descontos, os
mais pobres não seriam penalizados.
No que respeita ao desempenho do SNS, a maioria dos indivíduos da amostra do pré-teste
(42,1%), consideram que este é não satisfatório. Como principais causas para este
Considerações Finais
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
108
desempenho negativo apontam a má organização nas instituições e a má gestão de
recursos. A corroborar esta opinião, autores como Pereira et al (2001), Nunes (2003),
Nunes e Rego (2002), entre outros, salientam também a má gestão dos recursos como
causa para a ineficiência do SNS perante os problemas na área da saúde que hoje se
apresentam.
Aos 23 milhões de euros gastos diariamente está associado um nível de desperdício que
ronda os 25% (Galope 2006). O combate ao desperdício é actualmente uma prioridade,
sendo que actualmente se torna pertinente a convergência de dois factores: a qualidade na
prestação de cuidados de saúde e a optimização da utilização de recursos (Nunes e Rego
2002). Assim, se se diminuísse o desperdício no sector público, não seria necessário, muito
provavelmente, sobrecarregar as famílias portuguesas com taxas moderadoras tão elevadas.
A relação de agência existente no mercado da saúde e a sua patente procura induzida
aniquila a soberania do consumidor no que diz respeito à quantidade de serviços prestados.
Mais ainda, no SNS a forma de pagamento aos médicos (que podem induzir a procura)
assim como a acumulação da prática em serviços públicos e privados são, segundo
Delgado (1999), causas de ineficiência de um sistema de mercado misto em que os agentes
da oferta tendem a potenciar as qualidades do serviço privado. Assim sendo, a procura não
depende somente do agente da procura, mas também dos agentes da oferta através da
indução dessa mesma procura. Por este motivo as medidas racionalizadoras de carácter
explícito deveriam ser mais concentradas no lado da oferta.
Podemos então concluir que, no sentido de se aumentarem as receitas no sector da saúde
deveriam ser implementadas medidas que garantam um aumento da eficiência (melhor
gestão dos recursos). No que se refere às medidas racionalizadoras, deverão ser acentuadas
sobre o lado da oferta, dado que num mercado com características tão peculiares, o agente
da oferta pode “manipular” o comportamento do agente da procura. Poderia ser também
alterada a forma de pagamento aos profissionais, no sentido de se sentirem estimulados a
produzir. Em Portugal o pagamento ao acto já se encontra implementado em serviços como
o SIGIC (Sistema Integrado de Gestão de Intervenções Cirúrgicas), em que os
profissionais recebem ao acto, dependendo o seu valor do tipo de cirurgia.
Considerações Finais
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
109
Quanto às taxas moderadoras, os seus sucessivos aumentos colocam problemas de
equidade de acesso, pelo que os valores de justiça social tenderão a ser abalados. Assim,
quando se tornar necessário aumentar as receitas no sector da saúde, as políticas deverão
atender a outras medidas de contenção de custos.
Verifica-se a necessidade de mais estudos que avaliem o impacto destes co-pagamentos no
comportamento dos consumidores em Portugal, para que as futuras medidas de
racionalização não ponham em causa valores de solidariedade, equidade e justiça, que se
apresentam como pilares do nosso SNS.
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122
ANEXOS
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
123
ANEXO I.a : Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto:
Taxas moderadoras no acesso à prestação de cuidados de saúde
Artigo 1.º
Taxas moderadoras
1 – O acesso às prestações de saúde no âmbito do Serviço Nacional de Saúde implica o
pagamento de taxas moderadoras nos casos seguintes:
a) Na realização de exames complementares de diagnóstico e terapêutica em serviços de
saúde públicos ou privados convencionados, com excepção dos realizados no regime de
internamento;
b) Nos serviços de urgência hospitalares e centros de saúde;
c) Nas consultas nos hospitais, nos centros de saúde e em serviços de saúde públicos ou
privados convencionados.
2 – O valor das taxas é aprovado por portaria do Ministro de Saúde, sendo revisto e
actualizado anualmente tendo em conta, nomeadamente, o índice de inflação.
3 – As taxas moderadoras constantes da portaria prevista no número anterior não podem
exceder um terço dos valores constantes da tabela de preços do Serviço Nacional de Saúde.
Artigo 2.º
Isenções
1 – Estão isentos do pagamento das taxas moderadoras referidas no artigo anterior:
a) As grávidas e parturientes;
b) As crianças até aos 12 anos de idade, inclusive;
c) Os beneficiários de abono complementar a crianças e jovens deficientes;
d) Os beneficiários de subsídio mensal vitalício;
e) Os pensionistas que recebam pensão não superior ao salário mínimo nacional, seus
conjugues e filhos menores, desde que dependentes;
f) Os desempregados, inscritos nos centros de emprego, seus conjugues e filhos menores,
desde que dependentes;
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
124
g) Os beneficiários de prestação de carácter eventual por situações de carência paga por
serviços oficiais, seus conjugues e filhos menores;
h) Os internados em lares para crianças e jovens privados do meio familiar normal;
i) Os trabalhadores por conta de outrem que recebam rendimento mensal não superior ao
salário mínimo nacional, seus conjugues e filhos menores, desde que dependentes;
j) Os pensionistas de doença profissional com o grau de incapacidade permanente global
não inferior a 50%;
l) Os beneficiários do rendimento social de inserção;
m) Os insuficientes renais crónicos, diabéticos, hemofílicos, parkinsónicos, tuberculosos,
doentes com sida e seropositivos, doentes do foro oncológico, doentes paramiloidósicos e
com doença de Hansen, com espondilite anquilosante e esclerose múltipla;
n) Os dadores benévolos de sangue;
o) Os doentes mentais crónicos;
p) Os alcoólicos crónicos e toxicodependentes, quando inseridos em programas de
recuperação, no âmbito do recurso a serviços oficiais;
q) Os doentes portadores de doenças crónicas, identificadas em portaria do Ministro da
Saúde que, por critério médico, obriguem a consultas, exames e tratamentos frequentes e
sejam causa potencial de invalidez precoce ou de significativa redução da esperança de
vida;
r) Os bombeiros;
s) Outros casos determinados em legislação especial.
2 – A prova dos factos referidos nas alíneas do n.º 1 faz-se por documento emitido pelos
serviços oficiais competentes;
3 – Para os efeitos previstos no número anterior, os termos e as condições de apresentação
do documento são definidos em despacho do Ministro da Saúde.
4 – Todos os utentes, incluindo os beneficiários de subsistemas de saúde ou aqueles por
quem qualquer entidade, pública ou privada, seja responsável, estão sujeitos ao pagamento
de taxas moderadoras, excepto os que estão isentos nos termos do n.º 1.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
125
5 – A isenção do pagamento de taxas moderadoras relativas aos dadores benévolos de
sangue depende da apresentação de uma declaração dos serviços oficiais competentes, da
qual conste, pelo menos, a menção de duas dádivas no ano anterior.
Artigo 3.º
Norma revogatória
1 – São revogados os Decretos-Leis n.ºs 54/92, de 11 de Abril, e 287/95, de 30 de Outubro.
2 – Mantêm-se em vigor, até serem substituídos por outros, os regulamentos que fixam os
valores das taxas moderadoras emitidos ao abrigo da legislação anterior agora revogada.
______________________________________________________________
ANEXO I.b: Decreto-Lei n.º 201/2007, de 24 de Maio
As taxas moderadoras têm como objectivo completar as medidas reguladoras do uso dos
serviços de saúde.
O legislador entendeu que os grupos populacionais sujeitos a maiores riscos e os
financeiramente mais desfavorecidos ficariam, ao contrário dos demais, isentos do
pagamento daquelas taxas.
O Decreto-Lei nº173/2003, de 1 de Agosto, que estabelece o regime das taxas moderadoras
no acesso à prestação de cuidados de saúde, deu cumprimento ao previsto na lei de Bases
da Saúde e definiu os grupos populacionais beneficiários da isenção do pagamento de taxa
moderadora.
As vítimas de violência doméstica estão, sem dúvida, sujeitas a maiores riscos, já que a
violência doméstica é o tipo de violência que ocorre entre membros de uma mesma família
ou partilham o mesmo espaço de habitação.
Abordar o problema é delicado, combatê-lo é muito difícil. É verdade, no entanto, que a
promoção de uma cultura de cidadania contra a violência doméstica e a protecção das
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
126
vítimas impõem medidas concretas, designadamente a maior facilidade no acesso aos
cuidados de saúde.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº48/90, de 24 de Agosto, e
nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 198º da Constituição, o Governo decreta o
seguinte:
Artigo único
Alteração ao Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 2º
1-…
l) As vítimas de violência doméstica
2- …
3- …
4- …
5- …
_________________________________________________________________________
ANEXO I.c: Decreto-Lei n.º 79/2008, de 8 de Maio
O Decreto-Lei nº 173/2003, de 1 de Agosto, actualizado pelo Decreto-Lei nº201/2007, de
24 de Maio, que estabelece o regime das taxas moderadoras no acesso à prestação de
cuidados de saúde, deu cumprimento ao previsto na Lei de Bases da Saúde e definiu os
grupos beneficiários de isenção de pagamento de taxas moderadoras.
No sentido de contribuir para uma maior justiça social e não pondo em causa a
racionalização da utilização dos cuidados de saúde, o Governo introduz uma redução de
50% nas taxas moderadoras a suportar pelos utentes com idade igual ou superior a 65 anos,
já que estes são, por norma, os que revelam especial dependência dos cuidados de saúde.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
127
Esta medida é agora possível pelo efeito positivo alcançado na gestão das finanças públicas
e, em particular, do Sistema Nacional de Saúde.
Assim:
No desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pela Lei nº 48/90 de 24 de Agosto, e
nos termos da alínea c) do nº1 do artigo 198º da Constituição, o Governo decreta o
seguinte:
O artigo 2º do Decreto-Lei nº173/2003, de 1 de Agosto, na redacção conferida pelo
Decreto-Lei nº 201/2007, de 24 de Maio, passa a ter a seguinte redacção:
Artigo 2º
1- …
2- Sem prejuízo do nº1, os utentes com idade igual ou superior a 65 anos beneficiam
de uma redução de 50% do pagamento das taxas moderadoras referidas no artigo 1º
do presente decreto-lei e no artigo 148º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.
3- (Anterior nº2)
4- (Anterior nº3)
5- A prova do facto referido no nº2 faz-se através da apresentação de documento de
identificação civil.
6- Todos os utentes, incluindo os beneficiários de subsistemas de saúde ou aqueles
por quem qualquer entidade, pública ou privada, seja responsável, estão sujeitos ao
pagamento de taxas moderadoras, excepto os que estão isentos nos termos dos nº 1
e 2.
7- (Anterior nº5)
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
128
ANEXO II: Portaria n.º 395-A/2007,
de 30 de Março
Ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de
Agosto, e do artigo 148.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de Dezembro:
Manda o Governo, pelo Ministro da Saúde, o seguinte:
1.º É aprovada a tabela das taxas moderadoras a qual consta do anexo à presente
portaria e que dela faz parte integrante.
2.º Sem prejuízo do estabelecido entre os serviços e estabelecimentos que integram o
Serviço Nacional de Saúde e entre estes e outras entidades, as taxas moderadoras devem
ser cobradas no momento da realização dos exames complementares de diagnóstico e
terapêutica, da admissão na urgência, da apresentação do utente na consulta e da admissão
para cirurgia de ambulatório. No caso de taxa devida por internamento, a cobrança deverá
ocorrer no momento em que a instituição considerar mais adequada à sua organização
interna.
3.º Excepcionam-se do disposto no número anterior as situações em que o exame ou
análise só é feito na sequência da realização de um outro a que correspondeu o pagamento
da taxa moderadora; neste caso, sendo realizado um novo exame ou análise na sequência
do primeiro, o pagamento da taxa moderadora do segundo só é feito após a realização
deste.
4.º Para efeitos da alínea b) do n.º 1 do artigo 148.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de
Dezembro, o pagamento da taxa moderadora em cirurgia de ambulatório é devido por
intervenção cirúrgica.
5.º Para efeitos da presente portaria, deve entender-se por:
a) Internamento: o conjunto de serviços que prestam cuidados de saúde a indivíduos
que, após serem admitidos, ocupam cama (ou berço de neonatologia ou pediatria) para
diagnóstico, tratamento ou cuidados paliativos, com permanência de, pelo menos, vinte e
quatro horas;
b) Cirurgia de ambulatório: a intervenção cirúrgica programada, realizada sob
anestesia geral, locorregional ou local que, embora habitualmente efectuada em regime de
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
129
internamento, pode ser realizada com permanência do doente inferior a vinte e quatro
horas;
c) Intervenção cirúrgica: um ou mais actos operatórios com o mesmo objectivo
terapêutico e ou diagnóstico, realizado(s) por cirurgião(ões) em sala operatória, na mesma
sessão, sob anestesia geral, locorregional ou local, com ou sem presença de anestesista.
6.º Não é devido o reembolso da taxa moderadora cobrada se o utente não
comparecer no momento da concretização do acto por motivos que lhe são imputáveis.
7.º As isenções previstas no artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 173/2003, de 1 de Agosto,
que dependem da existência de diagnóstico de determinada doença ou situação de saúde,
apenas se consideram existir a partir do referido diagnóstico e apenas relativamente aos
actos subsequentes.
8.º Para cumprimento do disposto no n.º 2.º, os serviços e estabelecimentos que
integram o Serviço Nacional de Saúde ou que têm contrato ou convenção com o Serviço
Nacional de Saúde devem providenciar os meios para a efectiva cobrança das taxas
moderadoras, designadamente através de terminais de pagamento automático e, nos casos
de pagamento posteriores, providenciar a possibilidade de pagamento através de
Multibanco. Devem, ainda, proceder a uma correcta e suficiente identificação do utente, no
momento em que a taxa é devida, de modo a evitar outros procedimentos administrativos
ou judiciais de cobrança, que podem redundar num custo superior à própria taxa
moderadora.
9.º É revogada a Portaria n.º 219/2006, de 7 de Março.
10.º A presente portaria entra em vigor no dia 1 do mês seguinte ao da sua
publicação.
__________________________
Nota: Nesta portaria estavam descritos os valores das taxas moderadoras,
contudo, não são aqui apresentados uma vez que já não se encontram em vigor. Os
valores em vigor são os aprovados pela Portaria n.º 1637/2007 de 31 de Dezembro.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
130
ANEXO III: Lei nº48/ 90, de 24 de Agosto
Lei de Bases da Saúde
(Com as alterações introduzidas pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro)
A Assembleia da República decreta, nos termos dos artigos 164.º, alínea d), 168.º, n.º 1,
alínea f), e 169.º, n.º 3, da Constituição, o seguinte:
CAPÍTULO I
Disposições gerais
Base I
Princípios gerais
1 - A protecção da saúde constitui um direito dos indivíduos e da comunidade que se
efectiva pela responsabilidade conjunta dos cidadãos, da sociedade e do Estado, em
liberdade de procura e de prestação de cuidados, nos termos da Constituição e da lei.
2 - O Estado promove e garante o acesso de todos os cidadãos aos cuidados de saúde nos
limites dos recursos humanos, técnicos e financeiros disponíveis.
3 - A promoção e a defesa da saúde pública são efectuadas através da actividade do Estado
e de outros entes públicos, podendo as organizações da sociedade civil ser associadas
àquela actividade.
4 - Os cuidados de saúde são prestados por serviços e estabelecimentos do Estado ou, sob
fiscalização deste, por outros entes públicos ou por entidades privadas, sem ou com fins
lucrativos.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
131
Base II
Política de saúde
1 - A política de saúde tem âmbito nacional e obedece às directrizes seguintes:
a) A promoção da saúde e a prevenção da doença fazem parte das prioridades no
planeamento das actividades do Estado;
b) É objectivo fundamental obter a igualdade dos cidadãos no acesso aos cuidados de
saúde, seja qual for a sua condição económica e onde quer que vivam, bem como garantir a
equidade na distribuição de recursos e na utilização de serviços;
c) São tomadas medidas especiais relativamente a grupos sujeitos a maiores riscos, tais
como as crianças, os adolescentes, as grávidas, os idosos, os deficientes, os
toxicodependentes e os trabalhadores cuja profissão o justifique;
d) Os serviços de saúde estruturam-se e funcionam de acordo com o interesse dos utentes e
articulam-se entre si e ainda com os serviços de segurança e bem-estar social;
e) A gestão dos recursos disponíveis deve ser conduzida por forma a obter deles o maior
proveito socialmente útil e a evitar o desperdício e a utilização indevida dos serviços;
f) É apoiado o desenvolvimento do sector privado da saúde e, em particular, as iniciativas
das instituições particulares de solidariedade social, em concorrência com o sector público;
g) É promovida a participação dos indivíduos e da comunidade organizada na definição da
política de saúde e planeamento e no controlo do funcionamento dos serviços;
h) É incentivada a educação das populações para a saúde, estimulando nos indivíduos e nos
grupos sociais a modificação dos comportamentos nocivos à saúde pública ou individual;
i) É estimulada a formação e a investigação para a saúde, devendo procurar-se envolver os
serviços, os profissionais e a comunidade.
2 - A política de saúde tem carácter evolutivo, adaptando-se permanentemente às
condições da realidade nacional, às suas necessidades e aos seus recursos.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
132
Base III
Natureza da legislação sobre saúde
A legislação sobre saúde é de interesse e ordem públicos, pelo que a sua inobservância
implica responsabilidade penal, contra-ordenacional, civil e disciplinar, conforme o
estabelecido na lei.
Base IV
Sistema de saúde e outras entidades
1 - O sistema de saúde visa a efectivação do direito à protecção da saúde.
2 - Para efectivação do direito à protecção da saúde, o Estado actua através de serviços
próprios, celebra acordos com entidades privadas para a prestação de cuidados e apoia e
fiscaliza a restante actividade privada na área da saúde.
3 - Os cidadãos e as entidades públicas e privadas devem colaborar na criação de
condições que permitam o exercício do direito à protecção da saúde e a adopção de estilos
de vida saudáveis.
Base V
Direitos e deveres dos cidadãos
1 - Os cidadãos são os primeiros responsáveis pela sua própria saúde, individual e
colectiva, tendo o dever de a defender e promover.
2 - Os cidadãos têm direito a que os serviços públicos de saúde se constituam e funcionem
de acordo com os seus legítimos interesses.
3 - É reconhecida a liberdade de prestação de cuidados de saúde, com as limitações
decorrentes da lei, designadamente no que respeita a exigências de qualificação
profissional.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
133
4 - A liberdade de prestação de cuidados de saúde abrange a faculdade de se constituírem
entidades sem ou com fins lucrativos que visem aquela prestação.
5 - É reconhecida a liberdade de escolha no acesso à rede nacional de prestação de
cuidados de saúde, com as limitações decorrentes dos recursos existentes e da organização
dos serviços.
Base VI
Responsabilidade do Estado
1 - O Governo define a política de saúde.
2 - Cabe ao Ministério da Saúde propor a definição da política nacional de saúde,
promover e vigiar a respectiva execução e coordenar a sua acção com a dos ministérios que
tutelam áreas conexas.
3 - Todos os departamentos, especialmente os que actuam nas áreas específicas da
segurança e bem-estar social, da educação, do emprego, do desporto, do ambiente, da
economia, do sistema fiscal, da habitação e do urbanismo, devem ser envolvidos na
promoção da saúde.
4 - Os serviços centrais do Ministério da Saúde exercem, em relação ao Serviço Nacional
de Saúde, funções de regulamentação, orientação, planeamento, avaliação e inspecção.
Base VII
Conselho Nacional de Saúde
1 - O Conselho Nacional de Saúde representa os interessados no funcionamento das
entidades prestadoras de cuidados de saúde e é um órgão de consulta do Governo.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
134
2 - O Conselho Nacional de Saúde inclui representantes dos utentes, nomeadamente dos
subsistemas de saúde, dos seus trabalhadores, dos departamentos governamentais com
áreas de actuação conexas e de outras entidades.
3 - Os representantes dos utentes são eleitos pela Assembleia da República.
4 - A composição, a competência e o funcionamento do Conselho Nacional de Saúde
constam da lei.
Base VIII
Regiões autónomas
1 - Nas Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira a política de saúde é definida e
executada pelos órgãos do governo próprio, em obediência aos princípios estabelecidos
pela Constituição da República e pela presente lei.
2 - A presente lei é aplicável às Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, que devem
publicar regulamentação própria em matéria de organização, funcionamento e
regionalização dos serviços de saúde.
Base IX
Autarquias locais
Sem prejuízo de eventual transferência de competências, as autarquias locais participam na
acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, intervêm na definição das linhas
de actuação em que estejam directamente interessadas e contribuem para a sua efectivação
dentro das suas atribuições e responsabilidades.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
135
Base X
Relações internacionais
1 - Tendo em vista a indivisibilidade da saúde na comunidade internacional, o Estado
Português reconhece as consequentes interdependências sanitárias a nível mundial e
assume as respectivas responsabilidades.
2 - O Estado Português apoia as organizações internacionais de saúde de reconhecido
prestígio, designadamente a Organização Mundial de Saúde, coordena a sua política com
as grandes orientações dessas organização e garante o cumprimento dos compromissos
internacionais livremente assumidos.
3 - Como Estado membro das Comunidades Europeias, Portugal intervém na tomada de
decisões em matéria de saúde a nível comunitário, participa nas acções que se
desenvolvem a esse nível e assegura as medidas a nível interno decorrentes de tais
decisões.
4 - Em particular, Portugal defende o progressivo incremento da acção comunitária
visando a melhoria da saúde pública, especialmente nas regiões menos favorecidas e no
quadro do reforço da coesão económica e social fixado pelo Acto Único Europeu.
5 - É estimulada a cooperação com outros países, no âmbito da saúde, em particular com os
países africanos de língua oficial portuguesa.
Base XI
Defesa sanitária das fronteiras
1 - O Estado Português promove a defesa sanitária das suas fronteiras, com respeito pelas
regras gerais emitidas pelos organismos competentes.
2 - Em especial, cabe aos organismos competentes estudar, propor, executar e fiscalizar as
medidas necessárias para prevenir a importação ou exportação das doenças submetidas ao
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
136
Regulamento Sanitário Internacional, enfrentar a ameaça de expansão de doenças
transmissíveis e promover todas as operações sanitárias exigidas pela defesa da saúde da
comunidade internacional.
CAPÍTULO II
Das entidades prestadoras dos cuidados de saúde em geral
Base XII
Sistema de saúde
1 - O sistema de saúde é constituído pelo Serviço Nacional de Saúde e por todas as
entidades públicas que desenvolvam actividades de promoção, prevenção e tratamento na
área da saúde, bem como por todas as entidades privadas e por todos os profissionais livres
que acordem com a primeira a prestação de todas ou de algumas daquelas actividades.
2 - O Serviço Nacional de Saúde abrange todas as instituições e serviços oficiais
prestadores de cuidados de saúde dependentes do Ministério da Saúde e dispõe de estatuto
próprio.
3 - O Ministério da Saúde e as administrações regionais de saúde podem contratar com
entidades privadas a prestação de cuidados de saúde aos beneficiários do Serviço Nacional
de Saúde sempre que tal se afigure vantajoso, nomeadamente face à consideração do
binómio qualidade-custos, e desde que esteja garantido o direito de acesso.
4 - A rede nacional de prestação de cuidados de saúde abrange os estabelecimentos do
Serviço Nacional de Saúde e os estabelecimentos privados e os profissionais em regime
liberal com quem sejam celebrados contratos nos termos do número anterior.
5 - Tendencialmente, devem ser adoptadas as mesmas regras no pagamento de cuidados e
no financiamento de unidades de saúde da rede nacional da prestação de cuidados de
saúde.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
137
6 - O controlo de qualidade de toda a prestação de cuidados de saúde está sujeito ao
mesmo nível de exigência.
Base XIII
Níveis de cuidados de saúde
1 - O sistema de saúde assenta nos cuidados de saúde primários, que devem situar-se junto
das comunidades.
2 - Deve ser promovida a intensa articulação entre os vários níveis de cuidados de saúde,
reservando a intervenção dos mais diferenciados para as situações deles carecidas e
garantindo permanentemente a circulação recíproca e confidencial da informação clínica
relevante sobre os utentes.
Base XIV
Estatuto dos utentes
1 - Os utentes têm direito a:
a) Escolher, no âmbito do sistema de saúde e na medida dos recursos existentes e de
acordo com as regras de organização, o serviço e agentes prestadores;
b) Decidir receber ou recusar a prestação de cuidados que lhes é proposta, salvo disposição
especial da lei;
c) Ser tratados pelos meios adequados, humanamente e com prontidão, correcção técnica,
privacidade e respeito;
d) Ter rigorosamente respeitada a confidencialidade sobre os dados pessoais revelados;
e) Ser informados sobre a sua situação, as alternativas possíveis de tratamento e a evolução
provável do seu estado;
f) Receber, se o desejarem, assistência religiosa;
g) Reclamar e fazer queixa sobre a forma como são tratados e, se for caso disso, a receber
indemnização por prejuízos sofridos;
h) Constituir entidades que os representem e defendam os seus interesses;
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
138
i) Constituir entidades que colaborem com o sistema de saúde, nomeadamente sob a forma
de associações para a promoção e defesa da saúde ou de grupos de amigos de
estabelecimentos de saúde.
2 - Os utentes devem:
a) Respeitar os direitos dos outros utentes;
b) Observar as regras sobre a organização e o funcionamento dos serviços e
estabelecimentos;
c) Colaborar com os profissionais de saúde em relação à sua própria situação;
d) Utilizar os serviços de acordo com as regras estabelecidas;
e) Pagar os encargos que derivem da prestação dos cuidados de saúde, quando for caso
disso.
3 - Relativamente a menores e incapazes, a lei deve prever as condições em que os seus
representantes legais podem exercer os direitos que lhes cabem, designadamente o de
recusarem a assistência, com observância dos princípios constitucionalmente definidos.
Base XV
Profissionais de saúde
1 - A lei estabelece os requisitos indispensáveis ao desempenho de funções e os direitos e
deveres dos profissionais de saúde, designadamente os de natureza deontológica, tendo em
atenção a relevância social da sua actividade.
2 - A política de recursos humanos para a saúde visa satisfazer as necessidades da
população, garantir a formação, a segurança e o estímulo dos profissionais, incentivar a
dedidação plena, evitando conflitos de interesse entre a actividade pública e a actividade
privada, facilitar a mobilidade entre o sector público e o sector privado e procurar uma
adequada cobertura no território nacional.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
139
3 - O Ministério da Saúde organiza um registo nacional de todos os profissionais de saúde,
com exclusão daqueles cuja inscrição seja obrigatória numa associação profissional de
direito público.
4 - A inscrição obrigatória referida no número anterior é da responsabilidade da respectiva
associação profissional de direito público e funciona como registo nacional dos
profissionais nela inscritos, sendo facultada ao Ministério da Saúde sempre que por este
solicitada.
Base XVI
Formação do pessoal de saúde
1 - A formação e o aperfeiçoamento profissional, incluindo a formação permanente, do
pessoal de saúde constituem um objectivo fundamental a prosseguir.
2 - O Ministério da Saúde colabora com o Ministério da Educação nas actividades de
formação que estiverem a cargo deste, designadamente facultando nos seus serviços
campos de ensino prático e de estágios, e prossegue as actividades que lhe estiverem
cometidas por lei nesse domínio.
3 - A formação do pessoal deve assegurar uma qualificação técnico-científica tão elevada
quanto possível tendo em conta o ramo e o nível do pessoal em causa, despertar nele o
sentido da responsabilidade profissional, sem esquecer a preocupação da melhor utilização
dos recursos disponíveis, e, em todos os casos, orientar-se no sentido de incutir nos
profissionais o respeito pela vida e pelos direitos das pessoas e dos doentes como o
primeiro dever que lhes cumpre observar.
Base XVII
Investigação
1 - É apoiada a investigação com interesse para a saúde, devendo ser estimulada a
colaboração neste domínio entre os serviços do Ministério da Saúde e as universidades, a
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
140
Junta Nacional de Investigação Científica e Tecnológica e outras entidades, públicas ou
privadas.
2 - Em particular, deve ser promovida a participação portuguesa em programas de
investigação no campo da saúde levados a efeito no âmbito das Comunidades Europeias.
3 - As acções de investigação a apoiar devem sempre observar, como princípio orientador,
o de que a vida humana é o valor máximo a promover e a salvaguardar em quaisquer
circunstâncias.
Base XVIII
Organização do território para o sistema de saúde
1 - A organização do sistema de saúde baseia-se na divisão do território nacional em
regiões de saúde.
2 - As regiões de saúde são dotadas de meios de acção bastantes para satisfazer
autonomamente as necessidades correntes de saúde dos seus habitantes, podendo, quando
necessário, ser estabelecidos acordos inter-regionais para a utilização de determinados
recursos.
3 - As regiões podem ser divididas em sub-regiões de saúde, de acordo com as
necessidades das populações e a operacionalidade do sistema.
4 - Cada concelho constitui uma área de saúde, mas podem algumas localidades ser
incluídas em áreas diferentes das dos concelhos a que pertençam quando se verifique que
tal é indispensável para tornar mais rápida e cómoda a prestação dos cuidados de saúde.
5 - As grandes aglomerações urbanas podem ter organização de saúde própria a estabelecer
em lei, tomando em conta as respectivas condições demográficas e sanitárias.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
141
Base XIX
Autoridades de saúde
1 - As autoridades de saúde situam-se a nível nacional, regional e concelhio, para garantir a
intervenção oportuna e discricionária do Estado em situações de grave risco para a saúde
pública, e estão hierarquicamente dependentes do Ministro da Saúde, através do director-
geral competente.
2 - As autoridades de saúde têm funções de vigilância das decisões dos órgãos e serviços
executivos do Estado em matéria de saúde pública, podendo suspendê-las quando as
considerem prejudiciais.
3 - Cabe ainda especialmente às autoridades de saúde:
a) Vigiar o nível sanitário dos aglomerados populacionais, dos serviços, estabelecimentos e
locais de utilização pública para defesa da saúde pública;
b) Ordenar a suspensão de actividade ou o encerramento dos serviços, estabelecimentos e
locais referidos na alínea anterior, quando funcionem em condições de grave risco para a
saúde pública;
c) Desencadear, de acordo com a Constituição e a lei, o internamento ou a prestação
compulsiva de cuidados de saúde a indivíduos em situação de prejudicarem a saúde
pública;
d) Exercer a vigilância sanitária das fronteiras;
e) Proceder à requisição de serviços, estabelecimentos e profissionais de saúde em casos de
epidemias graves e outras situações semelhantes.
4 - As funções de autoridade de saúde são independentes das de natureza operativa dos
serviços de saúde e são desempenhadas por médicos, preferencialmente da carreira de
saúde pública.
5 - Das decisões das autoridades de saúde há sempre recurso hierárquico e contencioso nos
termos da lei.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
142
Base XX
Situações de grave emergência
1 - Quando ocorram situações de catástrofe ou de outra grave emergência de saúde, o
Ministro da Saúde toma as medidas de excepção que forem indispensáveis, coordenando a
actuação dos serviços centrais do Ministério com os órgãos do Serviço Nacional de Saúde
e os vários escalões das autoridades de saúde.
2 - Sendo necessário, pode o Governo, nas situações referidas no n.º 1, requisitar, pelo
tempo absolutamente indispensável, os profissionais e estabelecimentos de saúde em
actividade privada.
Base XXI
Actividade farmacêutica
1 - A actividade farmacêutica abrange a produção, comercialização, importação e
exportação de medicamentos e produtos medicamentosos.
2 - A actividade farmacêutica tem legislação especial e fica submetida à disciplina e
fiscalização conjuntas dos ministérios competentes, de forma a garantir a defesa e a
protecção da saúde, a satisfação das necessidades da população e a racionalização do
consumo de medicamentos e produtos medicamentosos.
3 - A disciplina referida no número anterior incide sobre a instalação de equipamentos
produtores e os estabelecimentos distribuidores de medicamentos e produtos
medicamentosos e o seu funcionamento.
Base XXII
Ensaios clínicos de medicamentos
Os ensaios clínicos de medicamentos são sempre realizados sob direcção e
responsabilidade médica, segundo regras a definir em diploma próprio.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
143
Base XXIII
Outras actividades complementares
1 - Estão sujeitas a regras próprias e à disciplina e inspecção do Ministério da Saúde, e,
sendo caso disso, dos outros ministérios competentes, as actividades que se destinem a
facultar meios materiais ou de organização indispensáveis à prestação de cuidados de
saúde, mesmo quando desempenhadas pelo sector privado.
2 - Incluem-se, nomeadamente, nas actividades referidas no número anterior a colheita e
distribuição de produtos biológicos, a produção e distribuição de bens e produtos
alimentares, a produção, a comercialização e a instalação de equipamentos e bens de saúde,
o estabelecimento e exploração de seguros de saúde e o transporte de doentes.
CAPÍTULO III
Do Serviço Nacional de Saúde
Base XXIV
Características
O Serviço Nacional de Saúde caracteriza-se por:
a) Ser universal quanto à população abrangida;
b) Prestar integramente cuidados globais ou garantir a sua prestação;
c) Ser tendencialmente gratuito para os utentes, tendo em conta as condições económicas e
sociais dos cidadãos;
d) Garantir a equidade no acesso dos utentes, com o objectivo de atenuar os efeitos das
desigualdades económicas, geográficas e quaisquer outras no acesso aos cuidados;
e) Ter organização regionalizada e gestão descentralizada e participada.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
144
Base XXV
Beneficiários
1 - São beneficiários do Serviço Nacional de saúde todos os cidadãos portugueses.
2 - São igualmente beneficiários do Serviço Nacional de Saúde os cidadãos nacionais de
Estados membros das Comunidades Europeias, nos termos das normas comunitárias
aplicáveis.
3 - São ainda beneficiários do Serviço Nacional de saúde os cidadãos estrangeiros
residentes em Portugal, em condições de reciprocidade, e os cidadãos apátridas residentes
em Portugal.
Base XXVI
Organização do Serviço Nacional de Saúde
1 - O Serviço Nacional de Saúde é tutelado pelo Ministro da Saúde e é administrado a
nível de cada região de saúde pelo conselho de administração da respectiva administração
regional de saúde.
2 - Em cada sub-região existe um coordenador sub-regional de saúde e em cada concelho
uma comissão concelhia de saúde.
Base XXVII
Administrações regionais de saúde
1 - As administrações regionais de saúde são responsáveis pela saúde das populações da
respectiva área geográfica, coordenam a prestação de cuidados de saúde de todos os níveis
e adequam os recursos disponíveis às necessidades, segundo a política superiormente
definida e de acordo com as normas e directivas emitidas pelo Ministério da Saúde.
2 - As administrações regionais de saúde são dirigidas por um conselho de administração,
cuja composição é definida por lei.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
145
3 - Cabe em especial ao conselho de administração das administrações regionais de saúde:
a) Propor os planos de actividade e o orçamento respectivo, acompanhar a sua execução e
deles prestar contas;
b) Orientar, coordenar e acompanhar a gestão do Serviço Nacional de Saúde a nível
regional;
c) Representar o Serviço Nacional de Saúde em juízo e fora dele, a nível da região
respectiva;
d) Regular a procura entre os estabelecimentos e serviços da região e orientar, coordenar e
acompanhar o respectivo funcionamento, sem prejuízo da autonomia de gestão destes
consagrada na lei;
e) Contratar com entidades privadas a prestação de cuidados de saúde aos beneficiários do
Serviço Nacional de Saúde na respectiva região, sem prejuízo de acordos de âmbito
nacional sobre a mesma matéria;
f) Avaliar permanentemente os resultados obtidos;
g) Coordenar o transporte de doentes, incluindo o que esteja a cargo de entidades privadas.
Base XXVIII
Coordenador sub-regional de saúde
Ao coordenador sub-regional de saúde cabe coadjuvar a administração regional no
exercício das suas funções no âmbito da sub-região e exercer as funções que o conselho de
administração da administração regional nele delegar.
Base XXIX
Comissões concelhias de saúde
As comissões concelhias de saúde são órgãos consultivos das administrações regionais de
saúde em relação a cada concelho da respectiva área de actuação.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
146
Base XXX
Avaliação permanente
1 - O funcionamento do Serviço Nacional de Saúde está sujeito a avaliação permanente,
baseada em informações de natureza estatística, epidemiológica e administrativa.
2 - É igualmente colhida informação sobre a qualidade dos serviços, o seu grau de
aceitação pela população utente, o nível de satisfação dos profissionais e a razoabilidade da
utilização dos recursos em termos de custos e benefícios.
3 - Esta informação é tratada em sistema completo e integrado que abrange todos os níveis
e todos os órgãos e serviços.
Base XXXI
Estatuto dos profissionais de saúde do Serviço Nacional de Saúde
1 - Os profissionais de saúde que trabalham no Serviço Nacional de Saúde estão
submetidos às regras próprias da Administração Pública e podem constituir-se em corpos
especiais, sendo alargado o regime laboral aplicável, de futuro, à lei do contrato individual
de trabalho e à contratação colectiva de trabalho.
Alterado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro (Aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).
2 - A lei estabelece, na medida do que seja necessário, as regras próprias sobre o estatuto
dos profissionais de saúde, o qual deve ser adequado ao exercício das funções e delimitado
pela ética e deontologia profissionais.
3 - Aos profissionais dos quadros do Serviço Nacional de Saúde é permitido, sem prejuízo
das normas que regulam o regime de trabalho de dedicação exclusiva, exercer a actividade
privada, não podendo dela resultar para o Serviço Nacional de Saúde qualquer
responsabilidade pelos encargos resultantes dos cuidados por esta forma prestados aos seus
beneficiários.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
147
4 - É assegurada formação permanente aos profissionais de saúde.
Base XXXII
Médicos
1 - Ao pessoal médico cabe no Serviço Nacional de Saúde particular relevo e
responsabilidade.
2 - É definido na lei o conceito de acto médico.
3 - O ingresso dos médicos e a sua permanência no Serviço Nacional de Saúde dependem
de inscrição na Ordem dos Médicos.
4 - É reconhecida à Ordem dos Médicos a função de definição da deontologia médica, bem
como a de participação, em termos a regulamentar, na definição da qualidade técnica
mesmo para os actos praticados no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, estando-lhe
também cometida a fiscalização do exercício livre da actividade médica.
5 - A lei regula com a mesma dignidade as carreiras médicas, independentemente de serem
estruturadas de acordo com a diferenciação profissional.
6 - A lei pode prever que os médicos da carreira hospitalar sejam autorizados a assistir, nos
hospitais, os seus doentes privados, em termos a regulamentar.
7 - Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podem contratar para
tarefas específicas médicos do sector privado especialmente qualificados.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
148
Base XXXIII
Financiamento
1 - O Serviço Nacional de Saúde é financiado pelo Orçamento do Estado, através do
pagamento dos actos e actividades efectivamente realizados segundo uma tabela de preços
que consagra uma classificação dos mesmos actos, técnicas e serviços de saúde.
Alterado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro (Aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).
2 - Os serviços e estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde podem cobrar as
seguintes receitas, a inscrever nos seus orçamentos próprios:
a) O pagamento de cuidados em quarto particular ou outra modalidade não prevista para a
generalidade dos utentes;
b) O pagamento de cuidados por parte de terceiros responsáveis, legal ou contratualmente,
nomeadamente subsistemas de saúde ou entidades seguradoras;
c) O pagamento de cuidados prestados a não beneficiários do Serviço Nacional de Saúde
quando não há terceiros responsáveis;
d) O pagamento de taxas por serviços prestados ou utilização de instalações ou
equipamentos nos termos legalmente previstos;
e) O produto de rendimentos próprios;
f) O produto de benemerências ou doações;
g) O produto da efectivação de responsabilidade dos utentes por infracções às regras da
organização e do funcionamento do sistema e por uso doloso dos serviços e do material de
saúde.
Base XXXIV
Taxas moderadoras
1 - Com o objectivo de completar as medidas reguladoras do uso dos serviços de saúde,
podem ser cobradas taxas moderadoras, que constituem também receita do Serviço
Nacional de Saúde.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
149
2 - Das taxas referidas no número anterior são isentos os grupos populacionais sujeitos a
maiores riscos e os financeiramente mais desfavorecidos, nos termos determinados na lei.
Base XXXV
Benefícios
1 - A lei pode especificar as prestações garantidas aos beneficiários do Serviço Nacional de
Saúde ou excluir do objecto dessas prestações cuidados não justificados pelo estado de
saúde.
2 - Só em circunstâncias excepcionais em que seja impossível garantir em Portugal o
tratamento nas condições exigíveis de segurança e em que seja possível fazê-lo no
estrangeiro, o Serviço Nacional de Saúde suporta as respectivas despesas.
Base XXXVI
Gestão dos hospitais e centros de saúde
1 - A gestão das unidades de saúde deve obedecer, na medida do possível, a regras de
gestão empresarial e a lei pode permitir a realização de experiências inovadoras de gestão,
submetidas a regras por ela fixadas.
2 - Nos termos a estabelecer em lei, pode ser autorizada a entrega, através de contratos de
gestão, de hospitais ou centros de saúde do Serviço Nacional de saúde a outras entidades
ou, em regime de convenção, a grupos de médicos.
3 - A lei pode prever a criação de unidades de saúde com a natureza de sociedades
anónimas de capitais públicos.
Aditado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro (Aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
150
CAPÍTULO IV
Das iniciativas particulares de saúde
Base XXXVII
Apoio ao sector privado
1 - O Estado apoia o desenvolvimento do sector privado de prestação de cuidados de
saúde, em função das vantagens sociais decorrentes das iniciativas em causa e em
concorrência com o sector público.
2 - O apoio pode traduzir-se, nomeadamente, na facilitação da mobilidade do pessoal do
Serviço Nacional de saúde que deseje trabalhar no sector privado, na criação de incentivos
à criação de unidades privadas e na reserva de quotas de leitos de internamento em cada
região de saúde.
Base XXXVIII
Instituições particulares de solidariedade social com objectivos de saúde
1 - As instituições particulares de solidariedade social com objectivos específicos de saúde
intervêm na acção comum a favor da saúde colectiva e dos indivíduos, de acordo com a
legislação que lhes é própria e a presente lei.
2 - As instituições particulares de solidariedade social ficam sujeitas, no que respeita às
suas actividades de saúde, ao poder orientador e de inspecção dos serviços competentes do
Ministério da Saúde, sem prejuízo da independência de gestão estabelecida na Constituição
e na sua legislação própria.
3 - Para além do apoio referido no n.º 2 da base XXXVII, os serviços de saúde destas
instituições podem ser subsidiados financeiramente e apoiados tecnicamente pelo Estado e
pelas autarquias locais.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
151
Base XXXIX
Organizações de saúde com fins lucrativos
1 - As organizações privadas com objectivos de saúde e fins lucrativos estão sujeitas a
licenciamento, regulamentação e vigilância de qualidade por parte do Estado.
2 - A hospitalização privada, em especial, actua em articulação com o Serviço Nacional de
Saúde.
3 - Compreendem-se na hospitalização privada não apenas as clínicas ou casas de saúde,
gerais ou especializadas, mas ainda os estabelecimentos termais com internamento não
pertencentes ao Estado ou às autarquias locais.
Base XL
Profissionais de saúde em regime liberal
1 - Os profissionais de saúde que asseguram cuidados em regime de profissão liberal
desempenham função de importância social reconhecida e protegida pela lei.
2 - O exercício de qualquer profissão que implique a prestação de cuidados de saúde em
regime liberal é regulamentado e fiscalizado pelo Ministério da Saúde, sem prejuízo das
funções cometidas à Ordem dos Médicos, à Ordem dos Enfermeiros e à Ordem dos
Farmacêuticos.
Alterado pela Lei n.º 27/2002, de 8 de Novembro (Aprova o novo regime jurídico da
gestão hospitalar e procede à primeira alteração à Lei n.º 48/90, de 24 de Agosto).
3 - O Serviço Nacional de Saúde, os médicos, os farmacêuticos e outros profissionais de
saúde em exercício liberal devem prestar-se apoio mútuo.
4 - Os profissionais de saúde em regime liberal devem ser titulares de seguro contra os
riscos decorrentes do exercício das suas funções.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
152
Base XLI
Convenções
1 - No quadro estabelecido pelo n.º 3 da base XII, podem ser celebradas convenções com
médicos e outros profissionais de saúde ou casas de saúde, clínicas ou hospitais privados,
quer a nível de cuidados de saúde primários quer a nível de cuidados diferenciados.
2 - A lei estabelece as condições de celebração de convenções e, em particular, as garantias
das entidades convencionadas.
Base XLII
Seguros de saúde
A lei fixa incentivos ao estabelecimento de seguros de saúde.
CAPÍTULO V
Disposições finais e transitórias
Base XLIII
Regulamentação
1 - O Governo deve desenvolver em decretos-leis as bases da presente lei que não sejam
imediatamente aplicáveis.
2 - As administrações regionais de saúde devem ser progressivamente implantadas,
podendo, numa fase inicial, abranger só parte da zona total ou parte dos serviços
prestadores de cuidados.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
153
Base XLIV
Regime transitório
As convenções celebradas com profissionais do Serviço Nacional de Saúde mantêm-se
transitoriamente, nos termos dos respectivos contratos, em condições e por período que
vierem a ser estabelecidos em diploma regulamentar.
Base XLV
Entrada em vigor
A presente lei entra em vigor 30 dias após a sua publicação.
Aprovada em 12 de Julho de 1990.
O Presidente da Assembleia da República, Vítor Pereiro Crespo.
Promulgada em 31 de Julho de 1990.
O Presidente da República, Mário Soares.
Referendada em 3 de Agosto de 1990.
O Primeiro-Ministro, Aníbal António Cavaco Silva.
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
154
ANEXO IV: Questionário
Caro(a) Profissional de Saúde:
O presente questionário, que se destina à realização da tese de mestrado em Bioética na
Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, irá permitir analisar as questões mais
pertinentes que rodeiam a temática das taxas moderadoras no nosso SNS.
A amostra deste estudo será constituída por médicos, enfermeiros e fisioterapeutas que
exerçam a sua actividade em hospitais públicos de Portugal e unidades de centros de saúde.
Dado que só com a sua preciosa colaboração me será possível concretizar o ambicioso
objectivo atrás mencionado, agradeço-lhe desde já a atenção e o tempo dispensados no
preenchimento deste questionário.
Os dados aqui contidos são absolutamente confidenciais e anónimos.
O meu muito obrigado
Ana Patrícia Barbosa
(aluna do VI Mestrado em Bioética)
NB: Contacto para o caso de existirem dúvidas:963110664
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
155
QUESTIONÁRIO
Local onde exerce a sua actividade _________________________________________
Profissão _________________________ Idade _____ N.º anos de prática clínica _____
Serviço hospitalar em que trabalha ____________________________
1. Concorda que as taxas moderadoras são um instrumento eficaz no controlo da procura
excessiva de cuidados de saúde (exames de diagnóstico, urgências).
(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)
Concordo totalmente
Concordo parcialmente
Discordo parcialmente
Discordo totalmente
Não sei
Não tenho opinião sobre o assunto
1.1- Poderão existir serviços de saúde, em que a procura de cuidados de saúde
“desnecessários” tenha efectivamente diminuído?
Sim____ Não____
Se sim, qual (s)? _________________
2. Sabendo que o pagamento da taxa moderadora não é diferenciado consoante o nível
sócio-económico do indivíduo, os estratos sociais mais desfavorecidos economicamente
poderão ter reduzido a procura dos cuidados de saúde em casos em que estes seriam
necessários?
(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)
Concordo totalmente
Concordo parcialmente
Discordo parcialmente
Discordo totalmente
Não sei
Não tenho opinião sobre o assunto
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
156
3. Concorda que o pagamento das taxas deveria ser diferenciado (progressivo), ou seja, o
seu valor deveria variar consoante o rendimento do indivíduo?
(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)
Concordo totalmente
Concordo parcialmente
Discordo parcialmente
Discordo totalmente
Não sei
Não tenho opinião sobre o assunto
4. Considera que neste momento as principais funções das taxas moderadoras no nosso
SNS são:
Enumere somente as questões que considere como funções das taxas moderadoras. Atribua a
classificação da seguinte forma: 1- (Função) Muito importante; 2- Importante; 3- Média.
Aos itens que não considere constituírem qualquer função não atribua qualquer classificação.
A racionalização da procura de cuidados de saúde
Uma fonte de receita/ financiamento para o SNS
Um instrumento económico que permite às unidades de saúde um aumento da autonomia
financeira
Um instrumento que permite aos utentes um aumento da exigência na qualidade de
serviços prestados
Um instrumento que os governos utilizam no sentido de transferir para o utente uma
maior responsabilização pelo custo de cuidados de saúde
Uma forma de sensibilização para os utentes de que os cuidados de saúde apresentam um
custo elevado, sendo a taxa moderadora simbólica
Um utensílio que conduz a uma maior prudência por parte do utente na selecção do
serviço a utilizar, por exemplo, não recorre directamente às urgências onde a taxa é mais
elevada se o caso não o justificar
Não sei
Não tenho opinião sobre o assunto
Outro. Qual?
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
157
5. De uma forma geral concorda com a implementação e existência das taxas
moderadoras?
(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)
Concordo totalmente
Concordo parcialmente
Discordo parcialmente
Discordo totalmente
Não sei
Não tenho opinião sobre o assunto
6. Na sua opinião o desempenho do SNS na resolução dos problemas de saúde que
actualmente existem é:
(assinale com um x a opção que corresponde à sua opinião)
Excelente
Muito bom
Bom
Satisfatório
Não satisfatório
Mau
Não sei
Não tenho opinião sobre o assunto
Anexos
IMPLICAÇÕES ÉTICAS DAS TAXAS MODERADORAS FACE À ESCASSEZ DE RECURSOS EM SAÚDE
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7. Na sua opinião quais são as principais causas de algum deficit do SNS no desempenho
das suas tarefas?
Enumere somente as questões que considere como causas responsáveis por alguma falha do
SNS. Atribua a classificação da seguinte forma: 1-(Causa) Muito importante; 2- Importante;
3- Média.
Aos itens que não considere constituírem qualquer causa não atribua qualquer classificação.
Escassez de recursos perante uma procura crescente e exigente de cuidados de saúde
Falta de recursos humanos
Escassez de meios técnicos
Políticas de saúde inadequadas
Má organização nas instituições
Má gestão dos recursos existentes
Falta de empenho e desmotivação dos profissionais para fazer mais e melhor
Falta de regulação e controlo nas instituições
Não sei
Não tenho opinião sobre o assunto
Outro. Qual?