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ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONVERSÃO DE ALUNOS DE OITAVA SÉRIE NA PERSPECTIVA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO ALGÉBRICOS Raquel Taís Breunig 1 Cátia Maria Nehring 2 Marta Cristina Cesar Pozzobon 3 Resumo: Neste texto, trazemos algumas conclusões parciais da pesquisa que discute a aquisição conceitual de conceitos algébricos na Educação Básica. Como referencial teórico definimos a Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Duval (2003) e os Conceitos Algébricos, principalmente nas Ideias da Álgebra de Coxford e Shulte (1995) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática (BRASIL, 1998). Analisamos uma Coleção de Livros Didáticos – Tudo é Matemática (2002), justificado pela sua grande adoção em nossa região e sendo o livro didático um grande definir das ações do professor. Temos como objetivo, neste artigo, analisar e refletir os procedimentos de conversão e tratamento dos Registros de Representação Algébricos, realizados por alunos. Duval (2003) salienta que, para que o aluno tenha uma apreensão conceitual significativa é necessário que este mobilize ao menos dois Registros de Representação Semiótica de um mesmo objeto matemático. Para tanto, elaboramos um protocolo com três situações de ensino, reorganizadas e que abrangem conceitos algébricos, do Livro Didático. Distribuímos noventa e cinco protocolos, na qual retornaram oitenta e dois, a quatro turmas de oitava série de três escolas distintas de Educação Básica. Analisamos estes protocolos considerando as possibilidades de conversão e tratamento dos registros algébricos e os procedimentos dos alunos, na perspectiva dos Registros de Representação Algébricos. Identificamos a não coordenação dos registros algébricos por parte dos alunos, sendo que estes, em sua maioria, possuem dificuldades no que tange à compreensão conceitual da Álgebra, bem como, em reconhecer e coordenar os diferentes registros de representação algébricos. Palavras-chave: Registros de Representação Semiótica, Ensino de Álgebra, Ensino Fundamental. Introdução Este trabalho está vinculado ao Projeto de Pesquisa – Propostas Curriculares de Matemática e Aquisição Conceitual na Perspectiva dos Registros de Representação. Tem como objetivo, relatar, analisar e, apresentar reflexões a respeito do Ensino de Álgebra no Ensino Fundamental, considerando a Teoria dos Registros de Representação Semiótica (DUVAL, 2003). Analisamos situações de ensino, apresentadas em uma Coleção de Livros Didáticos do Ensino Fundamental 4 , muito utilizado na região de nossa Instituição de Ensino, contemplando os 1 Acadêmica do Curso de Matemática – Licenciatura da UNIJUÍ e Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: [email protected]. 2 Orientadora Professora Doutora do Departamento de Física, Estatística e Matemática – DeFEM – e do Programa Pós-Graduação em Educação nas Ciências da UNIJUÍ. E-mail: [email protected]. 3 Co-Orientadora Professora Mestre do Departamento de Física, Estatística e Matemática – DeFEM da UNIJUÍ. E-mail: [email protected]. 91

ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONVERSÃO DE … · ser representada de diferentes maneiras, como, uma expressão algébrica, um gráfico ou tabela. As representações semióticas

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ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DE CONVERSÃO DE ALUNOS DE OITAVA

SÉRIE NA PERSPECTIVA DOS REGISTROS DE REPRESENTAÇÃO ALGÉBRICOS

Raquel Taís Breunig1

Cátia Maria Nehring2

Marta Cristina Cesar Pozzobon3

Resumo: Neste texto, trazemos algumas conclusões parciais da pesquisa que discute a aquisição conceitual de conceitos algébricos na Educação Básica. Como referencial teórico definimos a Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Duval (2003) e os Conceitos Algébricos, principalmente nas Ideias da Álgebra de Coxford e Shulte (1995) e nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática (BRASIL, 1998). Analisamos uma Coleção de Livros Didáticos – Tudo é Matemática (2002), justificado pela sua grande adoção em nossa região e sendo o livro didático um grande definir das ações do professor. Temos como objetivo, neste artigo, analisar e refletir os procedimentos de conversão e tratamento dos Registros de Representação Algébricos, realizados por alunos. Duval (2003) salienta que, para que o aluno tenha uma apreensão conceitual significativa é necessário que este mobilize ao menos dois Registros de Representação Semiótica de um mesmo objeto matemático. Para tanto, elaboramos um protocolo com três situações de ensino, reorganizadas e que abrangem conceitos algébricos, do Livro Didático. Distribuímos noventa e cinco protocolos, na qual retornaram oitenta e dois, a quatro turmas de oitava série de três escolas distintas de Educação Básica. Analisamos estes protocolos considerando as possibilidades de conversão e tratamento dos registros algébricos e os procedimentos dos alunos, na perspectiva dos Registros de Representação Algébricos. Identificamos a não coordenação dos registros algébricos por parte dos alunos, sendo que estes, em sua maioria, possuem dificuldades no que tange à compreensão conceitual da Álgebra, bem como, em reconhecer e coordenar os diferentes registros de representação algébricos. Palavras-chave: Registros de Representação Semiótica, Ensino de Álgebra, Ensino Fundamental. Introdução Este trabalho está vinculado ao Projeto de Pesquisa – Propostas Curriculares de

Matemática e Aquisição Conceitual na Perspectiva dos Registros de Representação. Tem como

objetivo, relatar, analisar e, apresentar reflexões a respeito do Ensino de Álgebra no Ensino

Fundamental, considerando a Teoria dos Registros de Representação Semiótica (DUVAL, 2003).

Analisamos situações de ensino, apresentadas em uma Coleção de Livros Didáticos do

Ensino Fundamental4, muito utilizado na região de nossa Instituição de Ensino, contemplando os

1 Acadêmica do Curso de Matemática – Licenciatura da UNIJUÍ e Bolsista PIBIC/CNPq. E-mail: [email protected]. 2 Orientadora Professora Doutora do Departamento de Física, Estatística e Matemática – DeFEM – e do Programa Pós-Graduação em Educação nas Ciências da UNIJUÍ. E-mail: [email protected]. 3 Co-Orientadora Professora Mestre do Departamento de Física, Estatística e Matemática – DeFEM da UNIJUÍ. E-mail: [email protected].

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Registros de Representação (RR) e os conceitos de Álgebra. O Livro Didático tem sido o

principal instrumento de referência para muitos professores de Matemática no momento de

pensar e elaborar seus planos de aula. Este fato, infelizmente, não tem contribuído

significativamente para a apreensão conceitual de Matemática. Várias pesquisas5 discutem o

ensino e a aprendizagem de conceitos algébricos, considerando que professores e alunos têm

identificado dificuldades em relação ao ensinar e aprender conceitos algébricos. Coxford e Shulte

(1994), identificam que a necessidade maior dos alunos é com a compreensão sólida dos

conceitos algébricos e a capacidade de usar o conhecimento em situações novas e às vezes

inesperadas.

Trazemos neste artigo uma discussão em relação ao ensino de Álgebra e a Teoria dos

Registros de Representação Semiótica (DUVAL, 2003), bem como, as Dimensões da Álgebra,

propostas pelos documentos oficiais e, as transformações entre os RR. Posteriormente, trazemos

uma análise das situações de ensino, que abrangem conceitos algébricos, e das proposições dos

alunos, considerando o aporte teórico dos Registros de Representação Semiótica.

Ensino de Álgebra e a Teoria dos Registros de Representação Semiótica

Considerando as dificuldades em relação ao ensinar e aprender conceitos algébricos, é

possível afirmar que, em muitas salas de aula, os alunos continuam sendo treinados para

armazenar informações e para desenvolver a competência no desempenho de manipulações

algorítmicas (COXFORD; SHULTE, 1994). Fato este que infelizmente ainda ocorre em muitas

salas de aula, prejudicando o desempenho e o aprendizado significativo dos alunos,

principalmente em relação ao Ensino de Álgebra.

A Teoria dos Registros de Representação Semiótica de Duval (2003), tem sido relevante

instrumento de pesquisa em relação à aquisição e organização de situações de ensino e

aprendizagem de conceitos matemáticos, considerando-se a necessidade de apreensão conceitual

significativa dos conceitos matemáticos, especificamente no ensino da Álgebra.

Duval (2003), salienta em sua Teoria que, diferente de outras áreas do conhecimento, em

Matemática, nem tudo é perceptível ou observável através de objetos concretos, ou seja, os

conceitos e conteúdos são abstrações desencadeadas por processos de generalização, com a

4 Coleção de Livros Didáticos Tudo é Matemática de Luiz Roberto Dante (2002), vale ressaltar que, as situações de ensino propostas no protocolo constam no Livro Didático de sétima série desta coleção. 5 LOPES JUNIOR, 2006; VIZOLLI, 2006; JACOMELLI, 2006; KEPPKE, 2007, entre outros.

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necessidade das representações semióticas para que ocorra uma verdadeira apreensão e “evolução

do pensamento matemático”. Esta afirmação pode ser exemplificada por uma função, que pode

ser representada de diferentes maneiras, como, uma expressão algébrica, um gráfico ou tabela.

As representações semióticas utilizadas em Matemática são classificadas por Duval (2003),

em quatro tipos de registros distintos: Língua Natural, Figuras Geométricas, Sistemas de Escritas,

e Gráficos Cartesianos. Sendo que, a partir da Teoria dos Registros de Representação Semiótica

(DUVAL, 2003), e as Dimensões da Álgebra (BRASIL, 1998), organizamos os seguintes

registros algébricos: Registro Aritmético (RA) – a linguagem algébrica é usada para expressar ou

traduzir padrões numéricos e geométricos; Registro Funcional (RF) – são expressas relações e

variáveis; Registro de Equações (REq) – as letras são entendidas como incógnitas; Registro

Estrutural (RE) – a letra assume a dimensão de símbolo abstrato; Registro da Língua Materna

(RLM) – as situações são apresentadas na língua natural; Registro Figural (RFig) – envolve

figuras geométricas e gráficos (RG); Registro Numérico (RN) – envolve tabelas ou sequência de

números.

Essa diversidade de representações semióticas possibilita a transformação entre os registros,

podendo ser denominada em dois tipos distintos de transformações das representações

semióticas: o Tratamento e a Conversão, diferenciados entre si no quadro abaixo. Transformação

De uma representação semiótica em uma outra representação semiótica

Permanecendo no mesmo sistema:

Tratamento

Mudando de sistema, mas conservando a referencia

aos mesmos objetos: Conversão

Quase sempre, é somente este tipo de transformação que chama a atenção porque ele corresponde a procedimentos de justificação. De um ponto de vista “pedagógico”, tenta-se algumas vezes procurar o melhor registro de representação a ser utilizado para que os alunos possam compreender.

Este tipo de transformação enfrenta os fenômenos de não-congruência. Isso se traduz pelo fato de os alunos não reconhecerem o mesmo objeto através de duas representações diferentes. A capacidade de converter implica a coordenação de registros mobilizados. Os fatores de não-congruência mudam conforme os tipos de registro entre os quais a conversão é, ou deve ser, efetuada.

(Duval, 2003, p. 15)

Nessa ótica, Duval (2003), propõe que a compreensão em Matemática supõe a coordenação

de ao menos dois RR Semiótica. Sendo possível afirmar ainda que, ... a apreensão conceitual dos objetos matemáticos somente será possível a partir da coordenação, pelo sujeito que aprende, de vários registros de representação. Ou seja, quanto maior for a mobilidade com registros de representação diferentes do mesmo objeto matemático, maior será a possibilidade de apreensão deste objeto. (DAMM, 1999, p. 143-144).

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Percebemos nesta afirmação a importância dos RR Semiótica e das transformações entre

eles, no ensino de Matemática, permitindo que ocorra uma melhor compreensão do objeto

matemático, estabelecendo um vínculo entre o aprender e entender Matemática, através da

conversão entre os registros, ou seja, compreender o objeto matemático, em suas diferentes

dimensões.

Como contribuição ao ensinar e aprender conceitos algébricos é importante que o professor,

com um “olhar” de gestor das ações de ensino, considere o aporte teórico dos Registros de

Representação Semiótica de Duval (2003), explorando as atividades de Conversão e Tratamento

dos registros na organização e reorganização de situações de ensino. Esta exploração pode

possibilitar o aprendizado do aluno, fazendo com que ele construa um significado concreto, no

que tange ao ensino de Álgebra (COXFORD; SHULTE, 1994). Ainda é fundamental considerar a

afirmação dos autores, em relação às dimensões da Álgebra, sendo estas estruturadoras na

compreensão dos conceitos algébricos.

A partir das dimensões, propostas nos Parâmetros Curriculares Nacionais – Matemática

(BRASIL, 1998) e por Coxford e Shulte (1994), também entendemos ser importante propor aos

alunos, situações de ensino que os estimulem a identificar e utilizar os diferentes registros, no

tratamento e conversão, a partir da compreensão dos conceitos. A identificação dos registros

algébricos e a compreensão do tratamento e conversão destes, nos possibilitou a análise da

Coleção de Livros Didáticos, enfatizando os conceitos algébricos, a qual é destacada por Nehring

e Pozzobon (2009). Esta análise contribuiu para elaboração de um protocolo que abrange a

proposição de situações de ensino, considerando as possibilidades de exploração e as proposições

dos alunos, enfatizando as transformações entre os registros.

Proposições das situações de ensino

A partir da análise dos Livros Didáticos, selecionamos três situações de ensino, propostas

no Livro Didático de sétima série de Dante (2002) – Tudo é Matemática, que manifestam com

maior ênfase os conceitos algébricos e necessitam da conversão dos RR Algébricos. Estas

atividades de ensino estruturaram um protocolo, aplicado a quatro turmas de oitava série do

Ensino Fundamental de três escolas distintas da Educação Básica da região noroeste do Estado do

Rio Grande do Sul. O objetivo deste procedimento era analisar os processos dos alunos, sob a

ótica dos RR Semiótica e das Dimensões da Álgebra, considerando o tratamento e conversão

realizados.

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O protocolo foi proposto a oitenta e dois alunos, mediante a conversa prévia com os

professores responsáveis pelas turmas. Quem aplicou o protocolo, foi o professor da turma,

acompanhado do bolsista da pesquisa, no primeiro semestre de 2009. Após este momento foi

realizada a análise dos procedimentos considerando o quadro teórico assumido pela pesquisa,

identificando quais os tratamentos adotados pelos alunos e que tipo de dificuldade estes

tratamentos desencadeavam a atividade de conversão. Passamos a apresentar as situações de

ensino e a análise das mesmas.

QUADRO 1 – Situação de ensino 1

Em geral, ao fazerem experimentos os cientistas elaboram um gráfico com os dados obtidos e depois procuram descobrir uma fórmula que corresponda a esse gráfico: Faça o mesmo para cada gráfico abaixo, escreva uma fórmula correspondente, dando o valor de y em função de x.

a) b)

Fonte: Livro Didático, p. 123.

A situação de ensino um envolve três tipos de RR: RLM, RG e o RF. O RLM sugere

situações-problema através da língua portuguesa, como pode ser observado em seu enunciado. É

necessário que o aluno interprete e compreenda o enunciado, identificando o que é e o que define

uma função, entendendo x como variável independente e y como variável dependente. O RG

representa a planificação das coordenadas no plano cartesiano, sugere a escrita da fórmula

solicitada no enunciado, sendo necessária a identificação das coordenadas representadas nos

planos para a formação da função, reconhecendo e identificando as variáveis dependentes e

independentes. O RF, que define as letras como variáveis, é a solução do problema, sendo

necessária a coordenação dos registros para que este ocorra.

É significativo destacar que apenas vinte alunos realizaram a conversão do RG para o RF.

Dentre estes, dez obtiveram sucesso na atividade de conversão no RG do item A, nove realizaram

a conversão entre os registros nos gráficos dos itens A e B e, em um caso identificamos uma

dificuldade em relação à identificação das ordenadas e abscissas.

Na figura 1 o aluno A realiza a conversão do RGRF nas duas situações apresentadas (A

e B), ou seja, do RG para o RF, porém, identificando no item A a variável x como dependente.

Identificamos em outro protocolo, que o aluno B também realiza corretamente a conversão do

RGRF no item A, no entanto, percebemos que no item B o aluno não obteve êxito em sua

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resposta, pois não identificou o coeficiente linear, registrando a função como sendo yx 3 ,

prejudicando a conversão para o RF. Em um terceiro protocolo, percebemos que o aluno C

também realizou a conversão do RGRF, porém possui dificuldades em reconhecer as

ordenadas e abscissas, bem como definir a variável dependente e independente. Num quarto

protocolo, identificamos que o aluno D realizou a conversão do RGRLM, ou seja, o aluno

identificou a existência de uma regularidade ao escrever que x é o dobro de y, porém não

conseguiu afirmar algebricamente sua proposição, ou seja, possui dificuldades em reconhecer as

ordenadas e abscissas, porém, demonstra compreender as dimensões das letras como incógnita e

variável, utilizando-se do RLM.

Figura 1: Conversão do RG RF nas atividades A e B Figura 2: Tratamento numérico do RG

Observamos ainda que dos demais alunos, onze não resolveram a situação de ensino e

cinqüenta e um alunos realizaram apenas um tratamento numérico do RG, identificando os

valores de x e y (figura 2). Percebemos que estes alunos não entendem as letras como varáveis,

demonstrando que existe dificuldade na coordenação do RLMRGRF.

QUADRO 2 – Situação de ensino 2

Encontre três pares ordenados que sejam solução da equação 5 yx . A seguir, represente graficamente essa equação no plano cartesiano.

Fonte: Livro Didático, p. 217.

A situação de ensino dois envolve quatro RR: RLM, REq, RF e o RG. O RLM pode ser

observado na situação de ensino por meio do enunciado. O REq define as letras como incógnitas

com intuito de resolver a equação 5 yx presente no enunciado. O RF, que define as letras

como varáveis, é o registro intermediário à conversão para o RG. A mobilização/coordenação

destes registros determina a solução da situação.

Cabe destacar que somente quatro alunos realizaram a conversão do REq RF (figura 3)

e destes, apenas um realizou a conversão do RF RG (figura 4).

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Figura 3: Conversão do REq RF Figura 4: Conversão do REq RF RG

Na figura 3 o aluno A realiza somente a conversão do REqRF, porém não realiza a

conversão do RFRG, em razão da não coordenação dos RR simbólico e gráfico, ou seja, o

aluno não consegue identificar as abscissas e as ordenadas no plano cartesiano. Na figura 4, o

aluno B, ao realizar a conversão do REqRFRG, demonstra compreender as dimensões das

letras como incógnita e variável coordenando os RR envolvidos na situação.

Observamos que os demais alunos, ou seja, os outros setenta e oito alunos realizaram um

tratamento numérico no REq. Compreendemos que estes alunos entenderam as letras x e y apenas

como incógnitas. Estes mesmos alunos atribuíram às incógnitas apenas valores discretizados, ou

seja, alguns números inteiros isolados, desconsiderando o conjunto dos números reais, isto é, não

exploram o que acontece com os valores intermediários aos números selecionados. Como

podemos observar na figura 5.

Figura 5: Tratamento numérico no registro de equações

QUADRO 3 – Situação de ensino 3 Na engenharia pesquisa-se quanto uma mola se alonga em função da massa de um corpo preso a ela. Examine os valores da tabela e o gráfico abaixo em um experimento com determinada mola.

Considerando estas informações, responda as questões abaixo: a) Escreva uma fórmula que relacione o alongamento (a) com a massa (p). b) Quantos centímetros essa mola alongaria se fosse colocado nela um corpo de 2,5 kg? E um corpo de 5 kg? c) Escreva com suas palavras o que significa a fórmula da questão a. d) Caso o comprimento inicial dessa mola fosse 10 cm, qual seria a fórmula que forneceria o comprimento total da mola, em função da massa do corpo, após o alongamento.

Fonte: Livro Didático, p. 123.

A situação de ensino três envolve cinco diferentes RR algébricos: RLM, RFig, RG, RF e o

REq. O RLM é o ponto de partida dos tratamentos necessários à resolução da situação de ensino,

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sendo necessário que o aluno compreenda as informações do gráfico, da figura, e da tabela para a

solução dos itens. A partir do enunciado é apresentado o RFig, que sugere simplesmente a

imagem de uma mola. Precisamos, enquanto professores ter um cuidado especial neste tipo de

imagem, pois ela só ilustra o enunciado, não podendo ser considerado um RR. O RG representa a

planificação das coordenadas no plano cartesiano, que também está explícito no enunciado,

contendo a relação entre o alongamento da mola e a massa do corpo preso a ela. É necessário que

o aluno compreenda esta relação, ou seja, entenda que o alongamento da mola depende da massa

do corpo preso a ela. Identificamos o RN, explícito através da tabela constante no enunciado,

contendo a relação numérica entre o alongamento e a massa, na qual o aluno também pode

estabelecer relações, identificando as regularidades existentes. Feita esta análise do enunciado

principal, pode-se analisar o item A da situação de ensino.

No item A é solicitada a escrita de uma fórmula que relacione o alongamento (a) com a

massa (p), sendo necessário um pensamento funcional para compreender o que o RLM solicita,

entendendo o que compõe uma função e que as letras assumem as dimensões de variáveis,

dependente (a) e independente (p). É necessária a mobilização do RLM, RFig, RG e RN,

explícitos no enunciado principal, para o RF, que define as letras como variáveis, e é solução

deste item.

No item B, é preciso determinar quantos centímetros essa mola se alongaria se fossem

colocados nela um corpo de 2,5 Kg e um de 5 Kg. É necessário compreender o RLM explícito no

enunciado, realizando o tratamento numérico da tabela (RN), dando continuidade à seqüência.

Ou, mobilizar o RF (item A), para o REq, que define as letras como incógnitas, para então,

atribuir valores a elas.

O item C solicita, ao aluno, que registre o significado do RF obtido no item A, sendo

necessário que ele faça a conversão do RF para o RLM, expressando através da língua portuguesa

o significado da “fórmula”.

O item D solicita ao aluno que determine uma função que represente o comprimento total

da mola, em função da massa do corpo, considerando o comprimento inicial de 10 cm. É

necessário compreender que o RLM sugere um pensamento funcional, entendendo que o

comprimento inicial é um valor fixo, e que este assume a função de coeficiente linear na função a

ser determinada. È necessário relacionar o RFig, RG e RN, realizando então, a mobilização

destes registros para o RF, encontrando a função 103 pa .

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Através desta análise inicial identificamos a conversão dos RLM, RFig, RG e RN para o

RF, do RF para o REq, e do RF para RLM, sendo que estas mobilizações determinam a solução

da situação de ensino. Nas tabelas, abaixo destacamos, os procedimentos adotados pelos alunos.

Dos oitenta e dois alunos, dezessete não responderam à situação de ensino. Destes dezessete

alunos, dois escreveram que não sabiam fazer a situação.

Número de alunos Itens resolvidos 17 0 16 1 15 2 12 3 22 4

Total de alunos 82 Relação de alunos e quantidade de itens resolvidos

Dentre os dezesseis alunos que responderam apenas a um item, nove responderam o item A,

e sete responderam o item B. Cinco alunos responderam os itens A e B, três responderam os itens

A e C, seis responderam os itens B e C, e um respondeu aos itens B e D, compondo o total de

quinze alunos que responderam dois itens. Entre os doze alunos que responderam três itens, cinco

responderam aos itens A, B e C, cinco responderam aos itens A, B, e D, e dois responderam aos

itens A, C e D.

A tabela abaixo relaciona o número de alunos que responderam aos itens A, B, C e D. As

questões A e B foram respondidas pelo maior número de aluno, já o item D, teve o menor índice.

Item Número de alunos A 51 B 53 C 38 D 30

Número de alunos que responderam a cada item

Dentre os cinqüenta e um alunos que realizaram o item A, apenas um realizou a conversão

do RLM, RFig, RG e RN para o RF (figura 6). Dois alunos chegaram ao RF generalizando o RN,

identificando a regularidade presente na tabela. Nestes três casos podemos perceber que os alunos

conseguiram desenvolver um pensamento funcional, entendendo a dimensão das letras como

variáveis dependente e independente. Dezoito alunos perceberam a regularidade existente, porém

apenas realizaram o RLM, expressando a regularidade na língua portuguesa. Nove alunos,

tentaram realizar a conversão para o RF, porém não tiveram sucesso, escrevendo a função na

forma yxcm 33 . Entendemos que estes alunos em geral, entenderam que o alongamento

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depende da massa, identificando algebricamente ou não, as dimensões das letras como variáveis,

mas não possuem clareza no significado de dependência entre as variáveis. Dois alunos apenas

perceberam a regularidade numérica, enfatizando, por exemplo, que a cada quilograma

acrescentado a mola aumenta três centímetros, porém não conseguiram generalizar esta

informação, através do RF ou do RLM. Um aluno fez apenas o tratamento numérico da tabela,

listando os valores da massa vezes três. Outro aluno entendeu através do RLM o processo que

ocorre com a mola, porém não conseguiu generalizar, ou seja, escrever algebricamente através do

RF, pois ele escreveu que “se o peso da massa fosse 7,5 Kg a mola se alongaria para 22,5 cm”.

Dez alunos entenderam as letras como variáveis, porém não compreenderam o significado do RF,

bem como, não conseguiram generalizar o RFig, RG ou RN, pois observamos procedimentos do

tipo: pa , 31 p , papa 33 ou pa . Observamos ainda, que quinze alunos não

conseguiram realizar a conversão entre os registros, pois não entenderam as dimensões das letras,

conseqüência , de não identificarem nenhuma regularidade nos registros que antecedem este item,

pois todos escreveram a relação apaaap 1246622 . Um aluno demonstrou não

ter compreendido a situação de ensino, pois realizou a subtração entre Kg5 e Kg3 .

Figura 6: Conversão do RLM, RFig, RG, RN RF Figura 7: Solução por Regra de Três

Observamos no item B que a maioria dos alunos realizou corretamente os procedimentos de

conversão do RF para o REq, realizando o tratamento do mesmo, substituindo a letra

correspondente à massa da mola, por seus respectivos valores. Dentre os cinqüenta e três alunos

que responderam este item, dois apenas destacaram os valores, consequência de não terem

realizado corretamente o RF solicitado no item A. Um aluno, já destacado anteriormente, por

realizar uma subtração entre as massas do corpo, realizou uma adição entre as massas. Seis

alunos destacaram apenas “achar” que o resultado seria pa , 19,5 Kg ou 6 Kg, através da

multiplicação do três pelo dois, ou ainda, que “o corpo de 2 Kg aumentaria 4 cm e o corpo de 5

Kg aumentaria 6 cm... não sei isso, não me lembro”, bem como, apenas dar uma resposta

algébrica. Entendemos que estes alunos não obtiveram sucesso neste item, pois não realizaram

corretamente a conversão para o RF no item A. Quarenta e quatro alunos, responderam

corretamente este item, ignorando alguns equívocos, tais como, a multiplicação de números

100

decimais. Dentre estes alunos, observamos que quatro alunos realizaram uma regra de três para

solucionar este item (figura 7), chegando também a uma resposta numérica, os demais,

realizaram a multiplicação, ou seja, o tratamento do REq, ou deram continuidade à tabela do

enunciado principal, encontrando corretamente a solução, registrando o resultado no protocolo

através do RN ou do RLM.

No item C observamos que dos trinta e oito alunos que responderam a este item, seis não

haviam solucionado o item A. Dois destes alunos por sua vez, responderam que “é um gráfico de

massa de alongamento, com números em vez de letras”, não existindo uma compreensão da

situação de ensino. Os demais alunos compreenderam a situação de ensino, porém, não tiveram

um pensamento funcional, pois não conseguiram realizar o RF, recorrendo ao RLM para

representar que a cada quilograma acrescentado à mola, esta se alongará três centímetros (figura

8). Os trinta e dois alunos restantes realizaram o RLM corretamente, cada um utilizando

linguagem própria.

Figura 8: RLM Figura 9: Conversão do RLM, RFig, RG, RN RF

Percebemos no item D que dos trinta alunos que o responderam, apenas cinco realizaram a

conversão do RLM, RFig, RG e RN para o RF, entendendo a medida inicial da mola como o

coeficiente linear da função, identificando o pensamento funcional, como podemos observar na

figura 7. Oito alunos não compreenderam o que compõe uma função e que o número dez assume

a função de coeficiente linear, pois usaram o mesmo procedimento do item A. Observamos em

dois casos que os alunos realizaram uma multiplicação e uma divisão, formando uma nova tabela,

realizando o tratamento numérico, porém incorreto, deixando explícito, que não houve uma

compreensão em relação ao coeficiente linear, fazendo com que não se realizasse a conversão

para o RF. Em seis protocolos observamos que os alunos apenas colocaram respostas como, 3,5

Kg, 40 pa , não deixando explícito qual o processo utilizado para esta solução, entendendo

que apenas foram realizados tratamento numéricos. Cinco alunos se expressaram através do

RLM, não sendo possível identificar o significado desta solução. Outros quatro protocolos

também não explicitam uma solução concreta, destacamos que entre estas, uma utiliza o RLM

para expressar a multiplicação do coeficiente linear três pelo número dez, entendendo que ele

101

considerou a função inicial pa 3 , com p igual a dez. Outro aluno registrou, também através

do RLM, que com o peso de dez quilos, a mola chega ao seu comprimento total, além de um caso

em que apenas registrou-se que o alongamento é igual a dez centímetros. Nestes casos

entendemos que os alunos não possuem uma compreensão de que a fórmula solicitada consiste

em um RF, ou, entendem apenas a Álgebra como a substituição de letras por números.

Estas análises nos possibilitaram a percepção das dificuldades encontradas pelos alunos em

reconhecer e mobilizar os diferentes RR de um mesmo objeto matemático, inerente ao conceito

algébrico. Observamos ainda que os alunos, em sua maioria, entendem a Álgebra como sendo a

substituição de letras por números, ou seja, compreendem as letras apenas como incógnitas,

desconsiderando a noção das letras como variáveis. Sendo que o reconhecimento e a conversão

entre os diferentes RR Algébricos permitem ao aluno reconhecer diferentes formas de representar

um objeto matemático, adquirindo uma aprendizagem de Álgebra mais sólida e rica em

significados (BRASIL, 1998), ou seja, uma apreensão conceitual mais significativa.

Considerações parciais

Nossa centralidade foi analisar os procedimentos dos alunos à luz da Teoria dos Registros

de Representação Semiótica dos conceitos algébricos. Consideramos o protocolo como um todo,

ou seja, analisamos as três situações de ensino que o compõe. Identificamos e entendemos quais

as dificuldades reais dos alunos em relação ao reconhecimento, utilização e mobilização dos RR

Algébricos, trabalhando com as atividades de tratamento e conversão. Damm (1999), afirma que

a apreensão conceitual dos objetos matemáticos somente será possível com a coordenação, pelo

sujeito que aprende, de vários RR, entendemos a importância dos alunos reconhecerem e

mobilizarem as diferentes representações de um mesmo objeto matemático, para uma apreensão

conceitual significativa.

Fatos como, o registro de um aluno na qual destaca que “aprendeu a fazer gráficos, mas não

tirar a fórmula dele”, ou mesmo, realizar a conversão do RF para o RLM, que consiste em,

apenas, escrever o que foi registrado algebricamente, evidenciam que os alunos continuam sendo

“treinados” para armazenar informações e para desenvolver a competência no desempenho de

manipulações algorítmicas (COXFORD; SHULTE, 1995). Além desses fatos, podemos observar

que os alunos, em sua maioria, optaram por realizar um tratamento numérico nos registros

explicitados nas análises.

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Tais aspectos são reflexos das opções metodológicas utilizadas pelos professores em sala de

aula. Sendo estas, muitas vezes, determinadas pelos Livros Didáticos, sem um apoio teórico de

fato, que poderia contribuir significativamente para o desempenho das aulas e aquisição

conceitual por parte dos alunos.

Portanto, acreditamos na importância de o professor de Matemática considerar em seus

planejamentos e, elaboração/reorganização de situações de ensino, a Teoria dos Registros de

Representação Semiótica. Possibilitando ao aluno uma construção e compreensão de conceitos

matemáticos, especificamente, conceitos algébricos, através da coordenação e mobilização de

diferentes RR, pois a compreensão em Matemática implica a capacidade de mudar de registro

(DUVAL, 2003). É importante que o aluno compreenda de fato as diferentes formas de

representar um objeto matemático, bem como as possibilidades de conversão entre os RR, para

que este tenha uma aprendizagem significativa em relação ao Ensino de Álgebra.

Referências BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Secretaria de Educação. Brasília: MEC, SEF, 1998. (Anos Finais do Ensino Fundamental) COXFORD, A. F.; SHULTE, A. P. As idéias da álgebra. Traduzido por Hygino H. Domingues. São Paulo: Atual, 1994. DAMM, R. F. Registros de Representação. In: MACHADO, S. D. A. (et al.). Educação Matemática: uma introdução. – São Paulo: EDUC, 1999. DANTE, L. R. Tudo é Matemática. 1ª Edição. São Paulo: SP, Editora Ática, 2002. (7ª série). DUVAL, R. Registros de Representações Semióticas e Funcionamento Cognitivo da Compreensão em Matemática. In: MACHADO, S. D. A. (Org). Aprendizagem em matemática: registros de representação semiótica. Campinas, SP: Papirus, p. 11-33, 2003. JACOMELLI, K. Z. A linguagem natural e a linguagem algébrica: nos livros didáticos e em uma classe de 7ª série do ensino fundamental. Florianópolis / SC, 2006. Dissertação (Programa de Pós – Graduação em Educação Científica e Tecnológica). Universidade Federal de Santa Catarina. KEPPKE, C. L. Álgebra nos Currículos do Ensino Fundamental. São Paulo/ SP, 2007. Dissertação (Mestrado Profissional em Ensino de Matemática). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. LOPES JUNIOR, D. Função do 1º Grau: um estudo sobre seus registros de representação semiótica por alunos da 1ª série do Ensino Médio. Campo Grande/ MS, 2006. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Educação). Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. NEHRING, C. M.; POZZOBON, M. C. C. A intervenção docente no ensino de álgebra: atividades de livro didático e registros de representação. In: Anais do X Encontro Gaúcho de Educação Matemática. UNIJUI/RS, 2009. VIZOLLI, I. Registros de Alunos e Professores de Educação de Jovens e Adultos na Solução de Problemas de Proporção – Porcentagem. Curitiba/ Paraná, 2006. Tese de Doutorado (Programa de Pós-Graduação em Educação). Universidade Federal do Paraná.

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