Upload
pris-cila
View
490
Download
6
Embed Size (px)
Citation preview
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 1/64
ROSAN E DE AN DRADE
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIA
olh ar es fora -deI-tiro
ecJu~ .::FAPESPEstccco liberdade
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 2/64
Copyright © Rosane de Andrade, 2002
© Fundacao Pi er re Verge r, Pave l Fr ic & Yvonna Fricova, Claudia Andujar , Magnum Photos,
Al exander Lavr ientiev, Museum of Modern Art (MoMA/New York) , J ean -Loup Piv in e
Rosane de Andrade, para as fotografias. Todos os direitos reservados
Preparacdo de texto Tereza Lourenco
Diagramacdo e composicdo Pedro Barros / Estacao Liberdade
Capa e scans de imagens Wildiney Di Masi / Es tacao Liberdade
Coordenacdo editorial Angel Bojadsen e Edi lberto Fernando Verza
Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (CIP)
Andr ade, Rosane de
Fotogra fia e antr opologia : o lhare s fo ra -dent ro /
Rosane de Andrade. - Sao Paulo: Estacao Liberdade ;
EDUC, 2002.
Apoio: FAPESP,
Bibliografia.
ISBN 85-7448-067-3 (Estacao Liberdade)
ISBN 85-283-0290-3 (EDUC)
1. Fotografia em ant ropologia 2. Mitologia afr icana
3. Verger, Pierre 1. Titulo.
02-6064 CDD-301
Indices para catalogo sistematico:
1. Antropologia e fotografia 301
2, Fotografia em antropologia 301
Todos os direi tos des ta edicdo reseruados
Editora Estacao Liberdadc Ltda
Rua Dona Eli sa , 116 01155-030 S;IO Pau lo - 51'
Tel. : (] 1) 3661-2881 Fax: (] 1) 3825-4239
e-mail: [email protected]
http.z'/www.estacaoliberdade.coIn.br
EDl,C - Editora da pec-sp
RuaMinistro Godoi, 1213
05015-001 Sao Pau lo - S l?
Tel. ( I]) 3873-3359 Fax: (I I) 3873-6133
e-mail: educ@puCSp,coIll,br
SUMARIO
Pref6cio 15
Apresentocco 17
o OBSERVADOR SELVAGEM 25
lntroducco
1 A M AQ UIN A D E R OU BA R A LM AS 33
F oto gr afia : a h is to ric r eb eld e d o a rt e 34
A m agia d o im agem 47
o o lh ar o n tr op ol cq ic o n o f ot og ra fia 52
l .c dr ce s d e a lm a 56
2 A V ISUAL ID ADE NA ANTROPOLOG IA 65
o p e rc ur so d o a nt ro po lo gi a v is ua l 66
R e pe ns an do a i ma gem 71
3 D E P IE RR EE DO U AR D L EO PO LD V ER G ER A
P IERREFATUMB IVERGER OJUOBA 75
Verger , 0 Iotoqrofo 76
Fatumbi , Q re na sc id o d e If6 83
O ju obc, os olhos do re i 86
P ie r re F a tumb i V e rg e r O j uo b 6 92
4 OLHARES FORA -DENTRO 11 3
Bibliografia 12 3
Cred it os fo tog r6 fi cos 13 1
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 3/64
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 4/64
AGRADECIMENTOS
Aos retratos da minha vida. Especialmente a minha mac,
pela sua disposicao para a vida. Aos novos e velhos amigos,
amores, loucos, chatos , artis tas, cient is tas, incul tos , sabios,
mestres e sacerdotes. Pessoas comuns, como fotografias
muito bem cuidadas, que permanecern e alimentam minha
historia e meu sonho de olhar para um mundo livre, justo e
mais humano.
Especialmente ,\ pessoa de CarmenJunqueira, que e comoo movimento da vida, generosa. Fornece sinais, alimenta
nossas fantasias com historias, mitos e lcndas dos pajes e
feiticeiros: cuidado ao ver 0 espirito do pavu, e sinal de
morte, e 0 ciume e um castigo que um pequeno passaro
deixou em nossos coracoes. Mas com golpes precisos de
mestre, ela nos estabelece limites, norrnas, enos enquadra
na comunidade. Carmen e ternperanca e pajelanca
R. deA.
A Editora Estacao Liberdade agradece a Pavel Fric e Yvonna Fricova, que
nos perrniti rarn gent ilmente a reproducao das fotografias de Guido Boggiani
contidas no livro de sua autoria Guido Boggiani: Photographer, Praga, Titanic,
1997, ISBN 85-85909-25-1.
As fotos de Pierre Verger incluidas nesta obra sao ongmanas dos livros
Orixas, LeMessager Photographies 1932-1962; Notas sobre 0culto aos orixas
e ioduns, sendo que todas tern copyright da Fundacao Pierre Verger, Salvador,
Bahia (www.pierreverger.org.br), e foram reproduzidas por acordo com a
rnesma, que se reserva todos os direitos.
Os Editores
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 5/64
o FOTOGRAFO
Dificil fotografar 0silencio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Nao se ouvia um barulho, ninguern passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma Festa.
Erarn quase quatro ciamanha
Ia 0Silencio pela rua carregando um bebado.
Preparei minha maquina.
o silencio era um carregador?
Estava carreganclo 0bebado.Fotografei esse carregador.
Tive outras visoes naquela maclrugacla.
Preparei minha maquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de urn sobrado.
Fotografei 0perfume.
Vi uma lesma pregada na existencia mais do que na pedra.
Fotografei a existencia deb.
Vi ainda um azul-perdao no olho de um mendigo.
Fotografei 0perdao.
Olhei uma paisage:n velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei 0sobre.
Foi dificil fotografar 0sobre.
Por fim eu enxerguei a Nuvem de calca.
Representou para mim que ela andava na aldeia de braces com
Maiakovski - seu criador.
Fotografei a Nuvem de calca e 0poeta.
Ninguem outro poeta no munclo faria uma roupa mais justa para
cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.
Manoel de Barros, 2000
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 6/64
PREFAclO
Quando nos Iancarnos na aventura de conhecer urna outra cultura,
nao podernos abrir mao das tradicoes antropologicas; elas nos dao dica s
importantes no caminho a seguir, mas e preciso ter cuidado para na o
transforrnar esse caminho em uma visao univoca.
Eu venho de uma geracao em que os grandes classicos cia antropolo-
gia deveriam ser aparatos essen cia i s em nossas pesquisas c, par muitas
vezes, em conversas longas e prazerosas com 0 amigo Darcy Ribeiro,
que ja havia escrito sobre os indios Kadiweu, discutiarnos se seria essa
a forma ideal para captar uma cultura. E lembro-me bem da sua Frase:"E preciso pensar se tanto aparato nao seria como colher um pe de
alface com um trator."
Nesse sentido a proposta de Rosane de unir 0olhar fotografico ao
olhar antropologico vem como uma lufada de vento no campo da antro-
pologia; nao como uma contribuicao teorica, mas como uma incitaca o
metodologica despertando-nos para uma reflexao. Como nos, ant rop6-
logos, olhamos 0outro? Fotografamos como olhamos?
Rosane nos diz, sem dizer diretamente, que fotografamos como vc-
mos, satisfazendo as teorias, e nao interessados realmente em nossos
povos, ambientes c classes. Ela nos explica:
- Olha, voce fotografa do jeito que voce velPorern, como e esse olhar para 0 outro? Com atencao? Com uma
cornunicacao ampla e dernocratica?
Observando 0desenvolvimento do seu trabalho, percebi que Rosane
descobriu que e possivel pensar a antropologia como uma comunhao de
tecnicas , visoes e expericncias possibi li tando-nos senti r 0imaginario do
artista, mas tambern 0imaginar io que nos fornece espaco e os parametros
na busca do conhecimento e da criacao.
Essa lufada de vento vem como uma advertencia nao so para os
antropologos, mas para todos nos que vivemos, vemos e ainda nao sa-
bemos como olhar para as mudancas, a diversidade de culturas, as desi-
15
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 7/64
FOTOG IW 'I A EANTROPO lOGI A
gualdades e as preconceitos. Rosane nos cobra sirn esse olhar, 0olhar
om cuidado, a olhar atento percebendo-se no outro, C0l110 a foto de
sua autoria nde ela se vE:no olho do cavalo. Ou entao quando ela se ve
na pessoa de Dona da Luz, que de mansinho revela as pequenos (CSOU-
ros e segreclos que enfeitam e m<UC,,1 m 0 pedaco de sel l rnundo. Irnagens
e simbolos carregudos de certezas, rernores e sonhos estao ali, cada qual
reinando soberan no proprio espaco, e apesar da profusao de coisas,
tudo parece necessario para compor 0dia-a-dia cia existencia.
A medida que as paginas sao folheadas, ocorre a metarnorfose, aquela
senhora fixa 0olhar em n6s, deixa cair os cabelos sobre os om bros e
comeca a se desdobrar, Numa danca de olhares desfllam a velha dona
de casa, a rnisteriosa bruxa a rnulher altiva, a coquete. : E como se lim
sopro magico transformasse mae em rnulher, serenidade em seducao.
E uma aventura fuscinanre olhar pelos olhos de Rosane e ser levada
pelas ondas de espanto e reverencia dlante do belo.
Agora sua rarefa como antropologa e , corn a rnesma intensidade de
suns fotografias, descobrir pesquisar Urn carninho de uniao desses OU1<l-
res, onde nos, assim como 0outre, nilo sejarnos:
"Urn pi! de alface arrancado por urn trator,"
Prof'Dr" Carmen funqueira
Al1u'op61og~ - PonLifki:! Unlversidade C:116Lic:1 de Sao Paulo
APRESENTAC;Ao
R o so n e de A n d r o de , C ov o lo , R ib e ir6 0 P ire" 1 99 9
A v id a, c om o a s im ag en s, n ao p ed e d in em ic a f am ili ar n er n d is po sic oe s g en eti ca s.
A v id a se m ostra com o im ag em an tes m esm o d e h aver urn a h isturia d e vid a. E la
p ed e p ri m e ; r am en te .p a r a s er vi sta, M es mo s e c ad a i mag em es tiv er d e fato p ren h e
d e s ig nif ic ad o5 e s uj eit a a u ma a na li se r ni nu cio sa . s e p ula rm os p ara 0 significado
s em a pr ec ia r a i ma gem, t er em os p er di do u rn p ra ze r q ue n ao p o d e s er r ec up er ad o n em
pe la meLhor d a s i n te rp r et ac ce s . I er er n os t ar n hem t ir ad e 0 p r az e r d a v i da que e s ta rn o s
c on tem p L an do . A e xi bi ~a o d e s ua h el ez a t or na -s a ir el ev a n t e p a ra s e u s ig n if ic a do .
Hil lman. 1997, p. 47
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 8/64
F O TO G RA F IA E A N TR O PO L OG IA
Discutir as diferencas e as relacoes entre arte e ciencia e uma tarcfa
difici l, mas a tentat iva de precisa-las parece-me desafiante e necessaria
no ambito social e antropologico. Para desenvolver essa relacao, optei
por unir a minha experiencia como fotografa com a vontade de funda-
mentar 0meu trabalho na antropologia. Percebi, entao, como as ima-
gens fotograficas contribuem e podem contribuir ainda mais para as
pesquisas etnograficas, se aprendermos a olhar e a observar com cuidado
as coisas do mundo. Ate entao, eram apenas as minhas imagens que eu
colocava em exposicao. 0 mundo acadernico era tao distante de mim
como a arte da ciencia, Mas serao tao distantes assim?
Ha vinte anos fotografo as diferencas do dia-a-dia, artistas e cientistas,
cidade e campo, pregos e plantas . Muito mais do que isso, 0exercicio de
fotografar ensinou-me a contemplar as coisas do mundo, a reparar no mo-
vimento da natureza e na natureza dos movimentos. Aprendi a observar as
pequenas coisas dentro cleum universo, os detalhes dentro ciaglobalidade.
Escolhi a antropologia, a fotografia e a desafiante tarefa de discutir
sobre antropologia visual. Tarefa dificil, pois as imagens "dialogarn' ' com
a realidade e com a representacao dessa realidade - as imagens tam-
bern sao observacoes esteticas e documentais da real idade. Ate que pon-
to a ciencia nao nasce dessa cornunhao? Como nao discutir sobre as
imagens nas ciencias sociais? Se a propria fotografia sobrevive, na sua
historia, do social, entao por que nao aperfeicoa-la no ambito das pes-
quisas etnograficas? Tarefa dificil , po is nao existe uma bibl iografia de
facil acesso na antropologia , tampouco a linguagem visual e legit imada
integralmente como conhecimento cientifico. Mas como viver sem ela?
Como nao discutir sobre ela?
Na verdade, rnais do que simplesmente questionar a visualidade na
antropologia , meu objet ivo e dissertar sobre a maneira como essas irna-
gens podern ser elaboraclas e analisadas posteriormente. E mais: como a
fotografia e a etnografia podem contribuir entre si; como os processos
de observacao da ciencia e da arte podem completar-se e nao atri tar-se.
E ainda mais: como essas mesmas imagens carregam significados trans-
parentes de ernocao, afetividade e religiosidade.
Foram precisos alguns anos para que eu entendesse os olhares cruza-
dos entre a fotografia e a antropologia. Meu processo de percepcao ao
fotografar assemelha-se ao observador na antropologia - olhar arnplo e
pequeno. Perceber 0outro, as diferencas do outro e registra-las, isso sern-
pre foi para mirn uma tarefa da fotografia . 0 antropologo e urn fotografo
que escreve aquilo que ve - e muito pouco fotografa. E a pergunta de
APRESENTAc ; Ao
Etienne Samain (987)' vem complementar a reflexao: "0 antrop6logo
nao pode esc rever com a imagem sobre 0assunto de sua disser tacao ou
tese de doutorado?"
Como dissertar sobre a fotografia , as Ciencias Sociais e os sentidos?
o homern e naturalmente rel igioso, como afirrna Mircea Eliade (996).
o homern carrega crencas, mitos, s imbolos que absorve de sua cultura e
de sua sociedade. E ele necessita encontrar um meio de expressar essa
religiosidade no tempo e no espaco. Sera que a linguagem visual tem a
autonomia de registrar e, ainda, de transrnitir as ernocoes de urn povo,
uma tr ibo ou uma pessoa? Como captar essas imagens, as imagens sagra-
das, no tempo e no espaco do outro? Retratar, fazer retratos, como fazia
Nadar, como faz Cartier-Bresson, como fez Pierre Verger: formas de con-
tribuir na dernonstracao de uma pesquisa. Um antropologo experimenta
da arte, cia religiao e da magia.
Escolhi, em rninha analise, Verger - Fatumbi e Ojuoba. Escolhi Pierre
Fatumbi Verger Ojuoba, exemplo da possibilidade de unir 0 artista, 0
etn6grafo e 0 religioso - sentimentos expressos nas imagens e tarnbem
nos seus textos. Escolhi Verger, po is seu trabalho representa um pouco
das minhas bus cas pessoais , religiosas e estet icas. Em suas fotografias,
podemos enxergar a delicadeza e a sutileza da luz envolvendo todos os
elementos enquadrados em plena harmonia. Essas imagens vern carre-
gadas, sobretudo, de urn sentimento de cumplicidade com 0objeto foto-
grafado: olhos que mergulham na magia do presente; olhos que
mergulharam em mitos, sonhos, lendas da religiao afro-brasileira.
Escolhi Verger principalmente porque de nos da a possibilidade de
compreender e reconhecer a nossa cultura, as nossas origens, e de en-
tender um POLCO rnelhor a cliversidade em nosso pais. Verger nos faz
viajar nas suas irnagens pelo nosso proprio mundo. Com auxilio de olhos
de estrangeiro, ele nos leva aver 0 diferente e, no diferente, a ernocao
de ser diferente; a viajar em nossa propria cultura e a conhecer um
pouco de nos mesmos. eis a funcao de um etnografo, urn pesquisador,
um investigador e um artista .
l. Etienne Samain: antrop6logo, professor do Departamento de Multimeios do Insti tuto de
Artes da Universidade Estadual de Campinas (Unicarnp).
2. Existem alguns nucleos em universidades de Ciencias Sociais que estao cmpenhados em
estudos e usos de iconograf ias, fotografias, f ilmes e videos como terna, como fontc do-
cumental na antropologia. Ha, por exernplo, 0Nucleo Audiovisual de Documentacao do
Laborat6rio de Pesquisa Social (Navedoc) da UFRJ.Cada grupo de imagens liga-se a regis-
tros pontuais, ensaios fotogriificos e a projetos de pesquisa que utilizarn a fotografia como
urn insrrumento ou terna de investigacao (Galano, 2000).
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 9/64
FO TOG I IA F IA E AN TRO PO lO G IA
Urn questionarnenro ciavisualidade na antropologia - aliada a lim a
vtsao estetica no momenta de elaboracao de suas imagens e, rnais do
que isso, a maneira de olhar essa realidade - pode transcender 0signi-
ficado comum, tornando-se algo alern cia cultura de uma sociedade, dos
costumes de umatribo, de lima cidade, de umapessoa. Um antropologo
pode escrever visualrnenre sobre a alma; urn anrropologo pocle escrever
sobre e com as irnagens.
Asfotos selecionadas para compor este trabalho sao imagens de pes-
soas que aliararn 0ate de fazer fotografias com 0saber ciaantropologia.
Os crirerios de escolha foram os J11eSmOSue aprendi ao forografar Dona
da Luz da Paz, como ela diz que se chama, nurna experiencia que foi
para rnim mais do que urn registro Essa pessoa tinha e tern urna aura
que eu queria conhecer, tinha urn olhar que estava alern daquUo que
aparentava ser. Eu queria ve-la rnais profundarnente, saber 0 que eJa
pensava e como era a seu mundo. Ela era e e urn universo, que nem as
palavras nem as imagens podem narrar,
Sobre Dona ciaLuz, registre-se que ela instirulu em Curitiba a "Dia de
bencao dos anirnais", quando passaros, gatos, cavalos, leoes e elefantes
(qu 0dono do circa teve de levar a prar;a cia cldade, diante da intirnacao
de Dona da Luz), todos juntos sao abencoados por um padre nas pracas
publicas. Acreclita em Allan Kardec, jesus Cristo e Iemanja. Imagine 0
quanto perdemos quando nao utilizamos todas as possibilidades, a pala-
vra, a imagem e as sentidos para captar 'a!guem assirnl Urn processo
lento, com cornpreensao e paixao par lima pessoa tao ram e delicada,
foi um carninho possivel para que ell pudesse entender sua transforrna-
r;ao e seus segredos, E e com carinho que apresento estas imagens, urna
forca que nao aparece sirnplesmenre. e precise captura-la e conquista-la,
Fotos 6, pp. 21·24:Rosene de Andrade, Dono do Luz , Curil i bo o 1999
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 10/64
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 11/64
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 12/64
FOTOGRAFIA E ANTROPOlOGIA
A hist6ria do pensamento humano e repleta de comparacoes e refle-
xoes entre os olhos e 0espirito, os olhos e 0saber, os olhos que contem-
plam a beleza divina, os olhos que se chocam com a realidade e diante
da qual tambern permanecem indiferentes, desavisados. Fique de olbo
neles, nos olbos da alma!
Com 0olbo clinico somos capazes de diagnosticar, com olbo de lince
vemos longe e, com olbos magicos, enxergamos atraves das portas. Isso
sem perigo de pegarmos um olbo gordo e acabarmos no olho da ruav
Do erudito ao popular, a visao ref1ete a alma do homem e espelha 0
mundo em que vive. Janela da alma, espelho do mundo, como afirma
Marilena Chaui:
Porque cremos que a vis ao se faz em nos pelo fora e , s imul taneamente ,
se faz de nos para fora, olhar e , ao mesmo tempo, sair de si e trazer 0
mundo para dentro de si. Porque estamos certos de que a visao depende
de nos e se origina em nossos olhos, expondo nosso interior ao exterior
C ..) Crenca que su sten ta os chamados "testes pro jetivos" da p sicologia,
onde se espera que a con sciencia, lancando -se qual p rojetil atraves do s
o lhos, pro jete no fo ra 0seu dentro. (Chau i, 1989, p . 33)
E com base nessa tenue relacao entre a visao do observadar e a coisa
observada que podemos estabelece r pa rale los entre a ant ropologia e a foto-
grafia, e tambern mostrar como a imagem elaborada com determinados
cuidados complementa essa comunhao, Essa imagem acontece quando 0
observador esta atento as coisas que observa. A experimentacao de certos
sentimentos que 0 outro nos desperta em momentos da pesquisa pode
transformar-se num apoio irnportante para a antropologia e pa ra um conhe-
cer mais aprofundado do grupo. Da mesma forma , a fotografia , como urn meio
de expressao, pode nos fornecer uma visao arnpliada das coisas alheias.
Para Levi-Strauss (962), esse perceber 0mundo imediato, sintetico, e
um pensar selvagem, nao domesticado. Essa e a atencao que os povos
indigenas mantern, por exemplo, com as plantas, sendo capazes de classi-
ficar um grande nurnero delas simplesrnente pela vontade de descobrir,
1. Expressoes de linguagem incluidas no Nuvo Dicionario Aurelio (2000) que fazcm parte da
filosofia popular: OLIOS NELE, cuidado, vigi15ncia; OLHOS DA ALMA, aquilo que distingue, guia,
esclarece, OLHO CU"ICO, tendencia para acertar no diagnostico, OLHO IlF LNCE, vista agudissima;
OLHO MAGICO, dispositive circular dotado de pequcnu lcrue que pcrmite enxergar atravcs das
portas, OLHO GOIUJO, cobica, inveja, olho grande; OLIO IJA I{[JA, cxpulsao, lugar indctcrrninado
para onde se manda alguem.
o O B SE RV A DO R S ll VA G EM
pela uontade de conhecer. A natureza nao existe para servir e SCI' domi-
nuda pelo homem. Em uma sociedade indigena, a significacao nasce
dessa relacao espontanea, assim como a arte, os mitos, os objetos, os
ritos, a cura e 0 saber.
Para esse autor , 0olhar selva gem e 0de um bricoleur, que transforma
o objeto e a realidade - olhos que nao se cegaram para 0comum, que
ainda podem enxergar reparando, transforrnando a realidade em obra,
em outro significado que nao seja s6 funcional e pratico.
Com que olhos deveriamos retratar aqueles que enxergam com cui-
dado as coisas do mundo? Que maneira de olhar deveriamos lancar
aqueles que veern e reparam ness as coisas? Poderiamos dizer: com olbo
de lince, com olbos da alma! Uma das repostas seria a do texto do livro
Le Vayeur absolu, de Evgen Bavcar (992), fot6grafo esloveno cego
desde os 11 anos de idade.
Quando discernia ainda alguns bocados de luzes e de cores, estava
feliz por que v ia ainda: guar do a lernbranca muito v iva desses momen tos
de adeu ses ao mundo visiv el. Mas a monocromia invadiu minha ex isten-
cia e devo fazer um esforco para conservar a paleta das nuancas, para
que 0mundo escape ,\ monoton ia e ,\ tr ansparencia. Dou co res aos ob je-
tos, as pessoas que apreenclo: conheco uma mulher cuja voz e tao azul
que cia consegue colocar 0 azul sobre um clia que eu sei ser cinza cle
outono.
Encontrei um pintor que tinha voz vermelho-escura, e 0 acaso quis
que ele gostasse clesta cor ... 0 que vem a ser portanto urn olhar? I:
talvez a soma de toclos os sonhos, cuja parte de pesadelo se esquece,
quando a genre pocle por-se a olh:ir diferentemente.. (Bavcar, apud
Samain, 19$)8 ,pp . 12-3)
E possivel, entao, a um olhar ser selvagem, olhos que percebem com
os sentidos 0obje to, sua caca, sua vida, sel l me io e sua genre? Util izando-
se dos sentidos, lim antrop6logo, urn etnologo, lim fotografo, lim artista
podem mergulhar sem cerimonia nem medo na historia c na vida de sua
presa, de sell objeto. Podem, assim, tatear seus habitos, seu jeito, sua lin-
guagem, e decifrar seus simbolos, os quais se misturarn aos nossos e
que , par isso, deverao ser codifi cados.
E 0que fez Roger Bastide, que se viu dividido entre lima atitude de
grande envolvimento e 0desejo de fazer uma pesquisa objetiva. Afirrna,
pOI' exemplo, que "0 soci6logo que quer compreender 0 Brasil t em que
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 13/64
se tornar urn poeta" (995). Embora nao tenha realizado muitas viagens
e prolongadas pesquisas, defendia uma metodologia de trabalho de campo
segundo a qual 0pesquisador nao deveria se colocar do lado de fora da
experiencia social de seus pesquisados, mas vivencia-la e integrar-se a
eta. Defendia uma ernpatia entre sujeito e objeto, quase que uma trans-
ferencia, urn autoconhecimento atraves do outro, ou seja, 0 conheci-
mento dos pr6prios sentimentos atraves da observacao do OLltro.Paraete, 0 etn6grafo e aquele que deve ser capaz de viver em si pr6prio a
principal cultura que estuda, se a sociedade tern preocupacoes religio-
sas, deve rezar junto com ela. Afirma, ainda, que foi preciso mudar toda
a sua cornpreensao 16gicaem suas pesquisas:
o OBSERVADOR SE lV AGEMFOTOGRAF IA E ANTROPO lOG I A
o fot6grafo e, pois, uma categoria de observador que se po de reali-
zar, imediata e inteiramente, no vazio verbal, mas nao no visual C ..). Ele
fotografa 0 que ve, muitas vezes sem compreender, mas sem por isso se
sentir frustrado por uma compreensao intelectual que, alias, nao busca
em estado, em prime ira instancia. Diferente do etn6logo, que ressente
penosamente este estado de h ipersensorial idade desprov ida de palavras
C.. ). (Maresca, 1998 , p . 142)
Eu abordava 0 candornble com uma mentalidade moldada por tres
secu los de car tesian ismo. Devia deixar-me penetrar por uma cul tura que
nao era minha. Devia portanto converter-me a uma outra mentalidade.
A pesquisa cientifica exigia de mim a passagem previa pelo ritual de
iniciacao, (Bastide, 1945)
A pesquisa etnografica tern mostrado como a compreensao da reali-
dade e tambern composta por sensacoes e sentimentos a maneira de
Claude Levi-Strauss, que na narracao de sua prime ira viagem ao Brasil
revela 06dio e 0amor pelo pais atraves de percepcoes sensoriais. E uma
forma de narrar aproximando a antropologia da arte, da literatura e da
poesia:
Esse novo tratamento dado a antropologia provoca, assim, uma ver-
dadeira revolucao epistemol6gica, que corneca pelo olhar e por uma
maneira diferente de olhar. E preciso compreender que, como afirma
Bastide (972), "eu sou mil possiveis em mim; mas nao posso me resig-
nar a querer ser apenas urn deles".
E com base ness a metodologia da observacao participante - 0 su-
jeito comungando com 0objeto - que podemos relacionar a antropo-
logia com 0processo fotografico ou com 0processo da criacao na arte.
Sera que 0 observador, na fotografia e na antropologia, e movido pela
mesma intencao de apreender do objeto tudo 0que se pode enxergar?
Volta-se a questao da tenue relacao - que podemos entender como
a comunhao nao s6 do sujeito e do objeto, do observador e da coisa
observada, mas dos sentimentos e dos sentidos, relevantes na elabora-
cao de algumas pesquisas. Surge, entao, uma nova questao. como narrar
tais sentimentos e sensacoes, como decifra-los? As formas narrativas sao
muitas, e varias delas sao capazes de expressa-los e transmiti-los, como,
por exemplo, a imagem fixa obtida pela fotografia. 0 objetivo do foto-
grafo nao se limita as irnagens e este nao tern limites na sua busca de
conhecer seu objeto. Mas alguns sociologos afirmam que a fotografia
trabalha 0visual e nao 0conceito:
o Brasi l desenhava-se na minha imaginacao como feixes de palmei -
ras torneadas escondendo arquite turas bizarras, tudo isto banhado num
cheiro de incensador, pormenor olfativo introduzido subrepticiamente,
ao que parece, pela homofonia inconscientemente apreendida da s pala-
vras "Brasil" e "brasido", 0que de qualquer modo explica que hoje, para
alern de qualquer experiencia adqui rida , eu pense no Brasi l em primeiro
lugar como um perfume queimado . (Levi -Strauss, 1955, p. 54)
Sobre a etnografia, na mesma obra Tristes tr6picos (p. 70), Levi-Strauss
declara que somente como etn6grafo pode tranquilizar seu apetite in-
quieto pelo conhecimento. A diversidades de culturas, usos e costumes
s6 pode ser observada e reconciliada pela etnografia, rnais do que pela
filosofia.
Nesse sentido, e com esse "ver com olhos livres? que urn sujeito pode
cacar suas imagens, suas palavras, sua ciencia. Nao e preciso ser selvagem
para pensar seluagem? Necessita-se de urn olhar unico e singular, urn
processo solitario na tentativa de se redescobrir no outro e 0outro em si
mesmo - uma permissao ao inconsciente, ao imaginario e a "loucura",
2. Frase presente em pichacao an6nima nos muros da PUC-SP.
3. Grifos do texto da tese de doutorado de Dorothea Voegcl le Passetti (1999), referente ao
fil6sofo Bergson na visao de Levi-Strauss: "Bergson e , portanto, um fil6sofo de gabinete C..)
que, em certos aspectos, pensa como urn selvagern", ()que comprova que "nao e necessa-
rio ser selvagem para pensar selvagem" Cp.320).
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 14/64
Rosene de Andrnde, Vercorn o l hos l i vr e " Sao Pau lo , 1998
A lo uc ura h um an a e fo nte d e 6 dio , c ru eld ad e, b arb arie, c:e gu eira. M as s em as
desordens da afetividade e as irrupcoes do imaqinario. e sem a loucura do
i mp os si ve l, n ao h av er ia elan, c ri a~ ao , i nv en ~a o amo r, p oe si a.
Morin, .1999, p. 7
o OBSEIWADOR mV" 'G~M
Para Morin, a afeiividade nos ilurnina enos cega, mas entre 0homo
sapiens e 0 homo demens existe urna fronteira nitida: sao do is p6Jos.
Define-se homo unicarnente como sapiens; oculta-se dele a aferividade,
separando-a da razao inteligente (1999, p. 53),
o hornern necessira do caos para criar orderu, e isso rnerece uma
pesquisa aprofundada na questao da genese do olhar, tanto para a arte
como para a ciencia. A loucura do olhar, a olhar inconsciente, o olhar
que sacraliza mereceriarn ser objetos de pesquisas futuras.
Diaries, anotacoes e correspondencias sao documenros que, ~lsve-
zes, conseguern flagrar e arquivar registros da percepcao: sao as reservas
passionais do anista (Salles, 1998, p. 90). Nesse sentido, podernos refletir
sobre a percepcao do antropologo e 0 rnornenro de estabelecer l imites
para sua afetividade quando, por exemplo, ele forografa au escreve
Claude Levi-Strauss, em urna ent revista publicada na Polba deS.Paulo
(27.6.1999), conduzida par Beatr iz Perrone-Moises, novarnente declarna a
lernbranca, em Iinguagem rnarcada pela visualidade, os momenta vivi-
dos durante a pesquisa no Brasil.
(. .. ) nao era a floresta arnazonica, ert! mals 0 campo, uma especle de
f loresta seca- e de repente, rnoruado no cavalo, vi no solo lim campo
de abacaxis selvagens . Bastava incllnar-se bern baixo. sern desrnontar,
para arrancar cs frutos e come-los, E urna das sensacoes gustatlvas e
olfatlvas que fica ram, porque nao era como 0 abacaxi que conhecemos,
era urn abacaxi com urn cheiro de framboesa absolutarnente extraordina-
rio. rEt muuos e muiros outros chelros, mencicnei esse arenas como
exernplo.; hll alnda a cheir o do fu 1 1 10 , cheiro de Fumo de rolo em toda
parte. Alias, era 0 que eu fumava, em folhas de rnilho, que davarn ao
tabaco u!n saber e urn cheiro multo, multo paniculares, que tarnbem
f icou. H1i tambern a pinga . .. ( . .. ) ha muitos mod os de ser anrropologo e
de tornar-se antropologo.
A fotografia, no entanto, e apenas Lima imitacao, urna reproducao:
regist ra paisagens, aconreci rnentos, sern chegar ao que eles rea lmente sao,
afirma Levi-St rauss, Para ele , nao podernos falar de arte , pols fotografia nao
e arte, e mecinica e documental. Eis0velho dialogo entre fotografia e
arte: a pintura nao pode ser substiruida pOl' urn processo que nao tern
l inguagem propria. Mas a fotografia mudou 0componamento do mundo!
Assim como a anrropologia, a fotografia rem urn observador partici-
pante que escava detalhes e fareja com seu olhar 0alvo e 0 objeto de
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 15/64
F010GIW'lA EANTROPOLOGIA
suas lentes e de sua interpretacao, Mas, essencialmenre, ver com olhos
lrvres e possuir urn olhar estrangeiro, urn olhar de espanto e uma "von-
tade de conhecer", como a dos "indiosKarnaiura.
Os Karnaiura tern um modo peculiar de observar as coisas, reparando
com vagar nos detalhes, como se buscassern qualidades: cheiram, apal-
pam, testarn a saber. E urn exarne lento, cuidadaso, no qual os senudos
apurados sao exigentes e nao deixam que 0 tempo corra livre, ordenan-
do e definindo ritmos e llmites. 0 tempo parece solidario, com vonrade
de conhecer.
E posslvel, rarnbem, que esse usa profunda dos sentidos estimule a
criatividade mltica, arnpliando as registros da irnaginacao, permitinda
enxergar uma riqueza de relacces, sernelhancas e oposicoesescondidas
na aparente insignifidincia das coisas materials mais corriqueiras.
(Iunqueira, 1999)
A MAaUINA DE ROUBARALMAS
C laudio Andu ja r , Yonomoml, 1998
A m aq uin a f oto grM ic a n ao v io la , n em m es mo d om in a, a mb ora 0 f u r ; : i l crer , penet re,
i rw ad a, d is to rc a. e xp lo re e , u sa nd o a r ne ta fc ra e m s ua f or ca m ax im a, a ss as sin e,
Sontag, 1981, p. 13
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 16/64
FOTOGRAFIA: A HISTORIA REBELDE DA ARTE
A invencao da fotografia mediante fixacao de uma imagem em uma
placa, iodada, (mica, rara e cara como uma j6ia provocou as rnais diver-
sas reacoes. Espanto, naqueles que desconheciam 0processo da carnara
escura - urn instrumento que possuia lentes que projetavam as ima-
gens, favorecendo aqueles que ate entao s6 podiarn fixa-las por rneio de
desenhos e pinturas. Medo, nos artistas que tinharn como funcao regis-
trar a hist6ria atraves da arte de pintar retratos da aristocracia. Indigna-
cao, em alguns intelectuais que terniarn a contaminacao da fotografia na
"arte pela arte".
Joseph Nicephore Niepce 0765-1833) nao pode acompanhar 0reco-
nhecimento de seu invento, pois morreu antes; e Louis-Jacques Mande
Daguerre 0787-1851), continuador e criador do daguerre6tipo, espera
ate 1839 para ter sua criacao reconhecida na Academia de Ciencias e
Artes, no Instituto Frances, e isso gracas ao Fisico Arago, que defende
brilhantemente a tese na Camara dos Deputados, dizendo:
Quando os inventores de um novo instrumento 0aplicarn a observa-
<;:aoda natureza, 0 que eles esperavam da descoberta e sempre uma
pequena fracao das descobertas sucessivas, em cuja origem esta 0 instru-
mento. (Benjamin, 1996, p. 93)
Em pleno romantismo e em meio a grandes transforrnacoes sociais e
econornicas, a fotografia j{lnasce instigante, provocando reacoes contra-
rias de artistas e intelectuais. Uma mudanca acentuada na sociedade
corneca a acontecer. Ha uma busca compulsiva por fazer-se retratar nos
estudios fotograficos e poder admirar a sua propria imagem, ocasionando
urna democratizacao do retrato, bem mais barato que pinturas a 6leo, ate
entao um privilegio da aristocracia e da burguesia. Nesse entremeio,
alguns pintores mediocres transformam-se em fot6grafos retratistas e en-
riquecem com 0novo modismo narcisico. Essa e umas das principals
razoes da fotografia sofrer discriminacao: 0 fato de industrializar e
comercializar a arte.
A partir desse momento, a sociedade imunda precipitou-se, como um
unico Narciso, para contemplar sua imagem trivial no metal e uma loucura,
um fanatismo extraordinario apoderou-se de todos aqueles novos adorado-
res do sol. (Charles Baudelaire, apudRosemblum, 1984, p. 38, trad. da autora)
A MAQUINA DEROUBAR ALMAS
Baudelaire e um dos criticos mais radicals da fotografia. Ele faz ques-
tao de separar a pintura da fotografia, afirrnando ser a fotografia um
produto da industria tecnol6gica.
Estou convencido de que os progressos mal aplicados da fotografia
contribuiram muito, como alias todos os progressos puramente matcriais,
para 0 empobrecimento do genio artistico frances, ja tao raro (...). Disso
decorre que a industria, ao irromper na arte, se lorna sua inimiga mais
mortal e que a confusao das Juncoes impede que cada uma delas seja
bem realizada (...). Quando se permite que a fotografia substitua algumas
das funcoes da arte, corre-se 0 risco de que ela logo a supere ou corrom-
pa por inteiro gracas a alianca natural que encontrara na idiotice da mul-
tidao, :E portanto necessario que ela volte a seu verdadeiro dever, que e 0
de servir ciencias e artes, mas de maneira bem humilde, como a tipogra-
fia e a estenografia, que nao criaram nem substituiram a literatura. c . . . )que seja finalmente a secretaria e 0 caderno de notas de alguem que
tenha necessidade em sua profissao de uma exatidao material absoluta,
ate aqui nao existe nada melhor. Que salve do esquecimento as ruinas
oscilantes, os livros, as estampas e os manuscritos que 0 tempo devora, (...)
e que necessitam um lugar nos arquivos da memoria, seremos gratos a ela e
iremos aplaudi-Ia. Mas se the for permitido invadir 0dominio do impalpavel
e do imaginario, tudo 0que s6 e valido porque 0homern the acrescenta a
alma, que desgraca para n6s. (Dubois, 1994, p. 29)
Afixacao de imagens atraves do daguerre6tipo quebrou um paradigma
das artes plasticas: a obsessdo da semelbanca. Para alguns, contrariando as
afirrnacoes de Baudelaire, a fotografia e a libertacao da arte de copiar a
realidade, ela contribui e influencia na continuidade das artes visuais.
Nesse sentido, e superior a pintura, afirma Andre Bazin (979), pois
alcanca com objetividade a realidade, sendo um decalque do real.
o desenvolvimento da industria, concomitantemente ao aprirnora-
mento da tecnica da fotografia, transformou conceitos e valores, sobre-
tudo da burguesia. Surge assim uma nova consciencia da realidade e
urna apreciacao desconhecida da natureza. Exige-se exatidao cientifica e
uma reproducao fielda realidade em obras de arte, 0que desperta olha-
res para a fotografia.
Seria a fotografia uma nova forma de artc ou um auxilio para a
ciencia? 0 publico adrnirava as c6pias exatas da natureza, e os pinto-
res realistas, por sua vez, censuram a imagmacao como algo subjetivo.
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 17/64
F O TO G AA F IA E A N TR O PO lO G IA
A necessidade de reproduzir as cores e as forrnas reais pas ou a ser
urna meta dos artistas realistas.
Com a revolucao industr ial, ver if ica-se Lim enorrne desenvolvimento
das ciencias em seus vartos campos; surge naquele proeesso de transfer-
macao economica, social e cultural uma serie de lnvencoes que viriarn
influtr decisivarnente nos rurnos cia hlstoria rnoderna. A fotografia, uma
das Invencoes que ocorre naquele contex to, teria Limpapel fundamental
enquanto possib ll idade inovadora de in formar;a<) e conhecimento, instru-
mente de apolo a pesqulsa nos diferenres campos da ciencia e tarnbem
como forma de expressso artistica. (Kossoy, 1989, p, 14)
Na decada de 1840, Fox Talbot (1800-1877) cornpoe a forografla nos
moldes da pintura, mas tambern utillza a carnara para captar fragmentos da
realidade. Corneca a fotografar insetos, conchas, plantas e flares para as
botanicos, e esses registros historicos dao a fotografia urn vaLorcientifico,amenizando, em parte, a rivalidade com a pintura. Essas imagens sao
registradas na publicacao do Iivro de Talbot The Pencil of Nature (1842).
A pintura, par sua vez, tarnbern tentou aproximar-se da realidade.
o hornern voltou-se para a terra, as belezas do corpo e da natureza. A arte
romou-se mais realista, libertando-se dos temas religiosos, 0 interesse
pela realidade exterior desviou 0 artista daarte irnaginativa para leva-lo
a natureza. 0 interesse sensual pela luz estabeleceu urn padrao que se
firmou nos impressionisms. Delacroix pintavaseus quadros baseando-se
em fotografias. Monet percebia a paisa gem utilizando-se de uma lingua-
gem visual marcacla peJa leirura da luz. Assim, a fotografia entra na arte
com pinceladas suaves, fingindo copiar a realidade e dando aos artistas
da epoca a possibilidade de enxergar mais do que a irnagern real. Exis-
tern quadros de Claude Monet que ilustram os efeitos da luz e como eles
pod ern rnudar a aparencia de urn objeto De certa forma, ilustrarn tam-
bern a teoria de Rene Descartes: a observacao direta freqiientemente nos
ilude e nunca podernos estar certos de que as colsas sao como parecem
(cf. Magee, 1998, p. 86).
Sobre as irnpressionistas, jung cementa:
o fasdnio que sennam pela t er ra e pela natureza em tao profundo que foi
praticarnenre 0fator deterrninante cia evolucao cia arte visual ( . .. ). Os t1ltimos
grandes representantes da arte sensorial , a arte do ins tante que passa, a arte
cia luz e do ar, foram os irnpressionistas do seculo XIX. Cjung, 1964, p. 246)W i ll ia m H en ry F ox T al bo t, &Iomcol Specimen, 1839
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 18/64
fOTOGRI\fIII E ANT~Of'OlOGlA
Com 0passar do tempo, uma explosao de produtos, recni as e pro-
cessos produziu uma mudanca significativa nas formas de aplicacao das
lmagens fotograficas, que a partir desse momenta vinharn carregadas de
Informacoes do mundo, a que alterou tanto as atitudes publicas quanto
a percepcao da realidade. Foi atribuido a forografia 0peso de expressar
oreal, sendo a foro vista como lima especie de prova, necessaria e
suficiente, que atesta a existencia daquilo que e vista.
Classificada par alguns ora como urn simples instruroento de uma
memoria documental do real, ora como pura criacao imaglnaria, a foto-
grafia assume 0 papel de auxiliar a memoria.
( . .) photography , from being merely another way of procuring or making
i ma ge s o f things alrea dy seen by our eyes, has become a m ea ns of ocu lar aware-
ness of things that our eyes can never see directly (..,) it has effected a very
complete revolution in the ways we use our eyes and ( . ..) inthe kinds ofthings
our minds permit our eyes to [ellus. ( Ivinsjr. , apudRosenblum, 1998, p. 244)
Gaspard-Felix Tournachon (1820-1910) torna-se Nadar aos 20 anos, ja
rnunido de luzes artiflciais, sai fotografando as subterraneos das catacumbas
de Pa ri s. Voando num balao, conseguiu mostrar LUna cidade de LIm ponto jarnais
vista. Fotografou ainda as chamadas aberracoes, como hermafrodhas e ana-
tornias patologicas, Era rambem pintor (caricarurista) e urn dos grandes retra-
ti stas da epoca. como Etienne Carjat (1877), Este retratou e captou a alma de
grandes personagens de seu tempo, como Baudelaire, registrando ern fotos roda
a angiisua eo mau humor cia escriror. A prop6sito, Baudelaire, rnesrno criti-
cando a fotografia , sol ici ta varias vezes que Nadar e Carjat facam seu ret rato.
Com a superacao cia tecnica e 'l im maier dornlnio cia luz, a cornerciali-
zacao dos retratos comeca a e sofi ticar. Criarn-se cenarios nos estudios
- colunas que saern de tapetes, palrneiras e [ardins -, rnesclando cada
vez mais realidade e ficcao. Mas algurna coisa, apesar de todos esses
artificios, rnantinha uma relacao de fidelidade com a pessoa rerratada,
como coloca Benjamin ao descrever urn retrato in fan til de Kafka:
o menino de cerca de sets anos e representado nurna especie de
paisagem de jardim de inverno, vest ido com urna roupa de crianca, mul to
apertada, quase humllharue, sobrecarregada de rendas, No fundo, erguern-
se as palmeiras im6veis. E, para tornar esse aco lchoado arnbiente tropical
a inda rnais abafado e sufocanre, 0modele segura na mao esquerda urn
chapeu ext raordinariarnente grande, com abas largas, do i ipo usado pelos
Etienne Coriol, QlOrIe s B a ud e/ p or E , 1a7 B
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 19/64
Fo il l~Nodor , Sam l> Ikrnhordl, 1877
40
I I MAaUINI \ DE ROUBARAlMAS
espanh6is. 0 menlno feria desaparecldo nesse quadro se sells olhos 10-
cornensuravelrncnte mstes nao dorn inassern essa paisagern felta sob me-
dida para eles. Em sua tristeza, esse retrato contrasta com as pnmeiras
fetografias, em que as hornens ainda nao lancavarn no rnundo, como 0
[overn Kafka, urn olhar perdido e desoladc. Havia l ima aura em torno
deles, Limmeio que atravessado por seu o lhar lhes d < 1 V 3 urna sensacao de
plenitude e seguranca, (Benjamin, 1996, p, 98)
Mas, ao que parece, Franz Kafka nao conseguiu superar 0 trauma. Ii0que revela em Limacon versa com janouch.
Mostrei unrrserie dessas rows a Kafka e disse-lhe brincando: "Por
rnais au menos duas coroas, e posslvel fazer corn que alguern (1 foiografe
sob [ados os angulos. I~0conheee a tt mesrno auromarlco!".
"Voce quer dizer 0engane a u mesrno automatico" - replicou Kafka
com 11mleve sorriso. Protesiel: "Par que diz isso? 0 aparelho nao conse-
gllt: mentir!", Kakfa lnclinou a cabeca sobre 0 ombro: "De onde voce
tirou isso? A foiografla concenrra seu olhar sabre 0 superficial, desse
modo obscurece a vida secreta que brilha atraves dos con tornos dns
coisas num [ogo de luz e sornbra. Nao se pede captnr isso, nem ruesruo
com a auxllio das lcntes mais poderosas. Devemos nos aproxlrnar dessa
vida interim pe ante pe..." (Dubois. 1994, p, 44)
o que Kafka argurnerua e por que, em sell texto, ete descreve suus perso-
nagens com uma vida interior. Ha uma aura, l ima narrativa marcuda pelu
visualidade, como fotografias, Embora tome 0 mundo mais precise ell'
informacoes e conhecimento, a fctografia nao e urna copia quimlcnmente
revelada cia realidade, nao e arenas sell registro documental e cientifico.
E urna realidade revelada, resgatada, atingida e, para alguns, ate roubada.
Em surna, 0 que e aura? E urna [igUf<l singular, composta de elementos
espaciais t: temporals: a apari~ao unica de uma coisa distantc, por mats
proxima que ela este]a , Observar, em repouso, nurna tarde de verite, lima
cadeia de moruanhas no horizontc, ou urn galho que projeta SU~ sornbra
sabre nos, are que 0nstarue au a hera participem de sua rnanifestacao, significa
respi rar a aura dessa montanha, desse galho , (Benjamin, 1996, p . 101)
o forografo registra e docurnenta, mas isso nao irnplica que as Irna-
gens sejam despldas de valores estericos, Representarao sernpre wn rneio
41
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 20/64
F010GRAFIA E ANWOPOlOGIA
de informacao, de conhecimento, e conterao sempre urn valor documental
e iconografico (Kossoy, 1989).
Foi com a uniao desses dois segmemos - 0 regis tro socia l e 0artistico
- que a fotografia aparece com urna linguagem pr6pria, defendida por
rnovimenros como photo Secession, na revista Camera Work(1903/1917),
liderados pela fot6grafo americana Alfred Stieglitz 0864-1946). Ele re-
rrata a cidade de Nova Iarque e 0 movimento das ruas rnesclado poruma beleza estetica quase pict6rica, influenciado, em parte, pelo rnovi-
mento anterior dos pictoralistas.'
Em Paris, as fotos de Eugene Atget (1857-1927) documentavam 0
coridiano parisiense. Segundo afirma Walter Benjamin, ele foi 0primeiro
a desinferar a atmosfera sufocante difundida pela fotografia convencional,
especializada em retratos,
(...)as fOlOS parisienses de A lg er - sa o precursoras da fotografia surrealista, a
vanguarda do uruco destacarnento verdadeirarnente expressive que 0sur-
realismo conseguiu por em rnarcha C..) . Ele saneia essa atmosfera, pur if ica-a:
corneca a libertar 0 01 jeto da sua aura, consistindo 0 rneriro mais incontes-
tavel da moderna escola fo tograflca , (Benjamin, 1996 , p . 101)
A fotografia passa a ser urn rneio de expressao Individual, mas ram-
bern urn instrumento de conhecimento das diversidades do mundo, e
fOt6grafos como Henri Cartier-Bresson, Anare Ker tesz, Werner Bishop,
Alexander Rodchenko e Pierre Verger encontrarn-se no rneio dessa
dualidade: a criap5.o e a docurnenracao
(...) a forografla e urn duplo resrernunho: por aqul lo que ela nos rnos tra da
cena passada, irreversivel, ali congelada fragmentariamente, e por aquilo que
nos informa acerca de seu aura r C ..) e Lim tesremunho segundo urn filtro
cultural, ao rnesmo tempo que e Limacriacao a partir de um vislvel fotograflco,
Toda fo tografia rep resenra 0 testernunho de urna cria~.l!o.Por OUtrO lado, ela
r ep re sem ar a s em p re a c ri ao ;a ode urn testernunho. (Kossoy, 1999, p. 33)
1, "Pictoralism was an instrument that enabled the aesthet ic photograph to be regarded as a
persuasive expression ofpersonal temperament and choice, Despite misguided attempts to
emulate tradi tonal painting and works of graphic art, despite disagreements about the
qualities that give [he photographic prints their unique character. and despite many images
mat now seem hackneyed and uninspired, H body of fOrceful work was created under the
banner of aesthet ic photography. Both the seriousness of purpose and the efforts by the
rnovernem ro erase the division between the way cri tics and public viewed images made
entirely by hand and those produced by a machine have continued to be vital concepLS
that still engage photographers and graphic artist alike." (Rosenblum, 1984, p. 332)
42
(
Eugene Aigel. Prosfflulo, Poris. 1920
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 21/64
A direito.
A1exo~der Rod(hen~o, Relrolo de rnlnho rna". 1924
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 22/64
Carlo", de vlsltc, Budapes t . . , H ung r io , 1874
46
A MAGIA DA IMAGEM
Hay religlones en las que 13representacion del mundo esta prohibtda
(usurpacion del poder de un Dios creador de todas las casas). Pensandolo
bien , es muy pos ihle que Fotagrafar sea anlmana de! diablo y c a m disparo
un pecudo, (Gerard Castel lo Lopes, apud Fontcuberta, 1997 , p . 21)
As prirneiras fotos produzidas pelo daguerreotipo erarn tao perfeitas
que a nitidez assustava as pesso8s. Tinharn a impressao de que os peque-
nos rostos humanos que apareciaru 1 1 < 1 irnagern erarn capazes de ve-las
(Benjamin, 1996, p. 95). A tecnica ou 0processo mecanico da fotografia,
que para muiros era Iria e insensivel, passou a ser LIm misterio cheio de
maglas. Quando mergulharnos profundamerue e m LIm a imsgem percebe-
mos que ali nao exisie urn mere registro da realidade, mas sim uma CUl11-
plicidade do autor com 0 objeto Fotografaclo. E e desses extremes que
sobrevive a fotografla. a recnica rnais exara pode dar a s suas criacoes urn
valor maglco que' urn quadro nunca terri para n6s, afirma Benjamin.
Essa magia preocupava ate a alta cupula do clero. A forografla etransgressors e pecadora, tao perigosa e diab61ica que foi condenada por
reproduzir a natureza - e s6 poderia ser conternplada pelos olhos abencoa-
dos dos pintores. E . isso que diz 0[ornal alernao tetpziger Anzeiger(l855),
inspirado pela opiniao hostil cia Igreja er n relacao a invencao da fotografia:
Fix:u eferneras irnagens de espelho nao e somente uma impossibi-
lidade, como 11 ciencia alerna 0 provou irrefutavelmente, como um pro-
jete sacrilege. 0 hornem foi feito a sernelhanca de Deus, e a Irnagern de
Deus n~o pode ger I1xada per nenhurn mecanisme humane, No maximo,
o p ro pr io < lr lJ sl a divino, movido par urna Insplracao celeste, poderia
a trever- se a reproduzi r esses t race ao rnesrno tempo divines e hurnanos,num momenta de suprema solenidade, obedecendo a s direirizes supe-
r tores, cia seu genio, e sem qualquer artificio mecanico. (Freund, 1974,
p. 67, irad. cia aurora)
Esse texro - rnuito interessante ao analisarmos 0desenvolvimento da
historia da fotografia e as declaracoes de diversos fotografos - os quais
afirmam que, instant~s.,antes do "clique", essa "inspiracao celeste" cicada
no texto surge como urna visao lntuitiva all vtsionarta,
Os fot6grafos sao por natureza pecadores (Fonrcuberra). E precise
sernpre tomar muuo cuidado com lima camara. Ela revela e incornoda.
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 23/64
FOTOGRAFIA E ANTROPOlOGIA
Mas ira a fotografia alem do que mostra a realidade? Ou alern da palavra,
ou melhor, do registrado? 0 ato fotografico e visionario?
En otras lat itudes y s ituaciones cul tur ales, e l acto fo tografico ha s ide
considerado una mani festaci6n de la luz , una revelaci6n de 10 sobrenatural.
Y la consecuencia de todo ella pod ria ser, par ejemplo, Robert Leverant,
autor de Zen in the Art a/Photography (969), que d ice que " la fotografia
tambien es una busqueda de Dios". (Fontcuberta , 1997, p. 28)
Esse encantamento outorgado a fotografia justifica 0horror que os
primitivos tinham em deixar-se fotografar, 0mesmo temor vindo dos
espelhos que refletem a imagem, mas nao a retem, A fotografia, no
entanto, e espelho da mem6ria: imobiliza nossa imagem para sempre.
EI temor a que la imagem nos robe el alma se halla enormemente
extendido, inc luso mas alia de la supersticion y la magia negra ( ... ). En el
Congo, por ejemplo, algunas tribus da habla bantu se servien de unos
fetiches antropom6rficos que lIevan un pequeno espejo en la zona del
ombl igo cuya mision consis te jus tamente en arr ancar y apri sionar el a lma
del enemigo invocado. c...) Pero la fotografia inmobiliza nuestra imagem
para s iempre ( .. .). Una inmobil izaci6n y apr isionamiento que nos acercara
ineluctablemente a la idea de la muerte. (Ibidem, p. 30)
Qual seria a razao do verdadeiro temor provocado pela fotografia?
Sera que a forca da imagem nos contamina, podendo assim dar passa-
gem a sonhos e mitos?Desse modo, como diz Benjamin, a imagem passa
a ser um meio de comunicacao no nivel da oralidade:
Pel a primeira vez no processo de reproducao da imagem, a mao foi
liberada das responsabi lidades arti st ic as mais importan tes, que agora ca-
biam unicamente ao olho. Como 0 olho apreende mais depressa do que
a mao desenha, 0processo de reproducao das imagens experimentou tal
aceleracao que cornecou a situar-se no mesmo nivel que a palavra oral.
(Benjamin, 1996, p . 167)
Para Andre Breton, 0fantastico e carregado de real, mas podemos
inverter isso: quando se trata de fotografia, sao as coisas reais que
irradiam 0fantastico. 0 real e 0fantastico estao interligados na fotogra-
fla e identificam-se.
,I
A MAQUINA DE ROUI1ARALMAj
Tudo se passa como s«, peranrc a imugcm fotogr. if ica, a vis:[o cmpir icu
s~ desdobrasse numa visao onirica. aruilog.. a isso a que Rimbaud cha-
mava vidcncia, e nao de todo estranha ao que as videntcs chamarn ver
uma segunda visao, como e costume dizer-se, uma visao que, por ul-
timo, viesse revelar as belezas ou segredos ignorados da primeira. Cer-
tamente nao fo i par acaso que as tecnicos sentiram a necessidade de
inventar , para preencher a insuficicncia do verba ver, a verbo "visionar" .(Morin, 1970 , p . 23)
Com a industrializacao praticada em larga escala, a fotografia pcrdeu
em qualidade artistica como uma obra (mica, mas ganhou em populari-
dade com 0advento de rnaquinas mais baratas e de facil manuseio;
"tirar" fotografias tornou-se um habito em festas, aniversarios, casamen-
tos, viagens, batizados. Todas essas imagens nos levarn a resgatar 0pra-
zer do instante, do momento presente e do ausente, daquilo que passou,
mas que permanece na memoria. Olhamos para fotografias para resgatar
o passado no presente. Tirarnosfotografiaspara nos apropriarmos do obje-
to que desaparecera. Existe uma magia quando imortalizamos as pes-soas e 0tempo nas fotos. Para as tribos urbanas, fotografias sao como
provas de sua existencia, de sua identidade e hist6ria.
No filme de ficcao cientifica Blade Runner, 0cacador de andr6ides
(982), as fotografias construiam a hist6ria das personagens, pois os
andr6ides eram criados pelo homem a sua sernelhanca. Sem identidade e
com um tempo Iimitado de vida, erarn na verdade iludidos atraves das
imagens de uma familia que nunca existiu, de amigos de infancia, de
escolas, de aniversarios que nunca existiram. As fotografias eram provas
de continuidade e, ao mesmo tempo, mem6ria da sua pr6pria historia.
Isso os fazia acredijar serem humanos e nao criaturas da genialidade
hurnana. Mas se tratava apenas de uma representacao, de uma realidade
que nunca existiu. Faz-se uma analise de nossa sociedade que "ve ou nao
ven nas imagens todas as possibilidades de vida e de identidade. A vida
moderna ensiha como viver sendo muitos, necessitando-se ser um s6.
Amaisbanal das fotografiasdetern ou apela para uma presen<;a.Guarda-
mos em nossas carteiras e em nossas casas imagens de santos, de bichos,
da familia, bem C O ! ! 1 0 imagens daqueles que gostariamos de ser, idolos,
her6is, objetos de des.s:jo.Recorremos as fotografias para fazer presente 0
que ou quem esta ausente. Nossa identidade individual depende da me-
moria - e a fotografia e uma atividade fundamental para 0contorno
dessa identidade, seja para a auto-afirmacao, seja para 0conhecimento.
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 24/64
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIA
o fot6grafo luta por deixar pontos vivos na imagem, mantendo a
fidelidade e a autenticidade naquilo que enxerga.
Por outro lado, ha uma especie de agressividade no ato de retratar:
fotografar uma pessoa e ve-la como ela pr6pria nao se ve jamais. Implica
transforrna-la num objeto que se pode simbolicamente possuir. Para
assegurar-se de alguma coisa, ou mesmo para preserva-la, aeaba esvaziando-ade toda v ida . E por isso que a camara tem sido tomada como uma repre-
sentacao sublimada de uma arma de fogo. Em ingles, to shoot significa
tanto "clicar" quanto "atirar".
Neste universo de coisas em desaparicao, os individuos procuram
desesperadamente deixar marcas . Pois a cidade moderna, antes da catas-
trofe, era como urn interior. Os homens se sentiam em casa nela. Em todo
lugar, deixavam suas impressoes digitais, Os objetos traziam os sinais
daqueles que as possuiarn. Al i era f acil ident if icar. (Br issac , 1999 , p. 471)
Sobre isso, Susan Sontag (981) afirma que a fotografia e urn inventa-
rio da mortalidade. As pessoas e as coisas tern uma idade especifica desuas vidas, momentos rnais tarde, ja terao dispersado e continua do no
curso de seus destinos independentes.
Lernbrancas: para Henri Bergson, urn fil6sofo do tempo, e do presen-
te que parte 0 chamado, ao qual a lernbranca responde. A Iernbranca
vern, de uma certa forma, libertar a alma do corpo, que tern acao cons-
tante no presente, mas urn presente com imediato passo para 0futuro.
Olhar fotografias e semelhante a congelar por instantes 0 tempo. Foto-
grafar e tarnbem assim. E esse e 0encantamento, 0fascinio no momenta
do clique. 0 ato de acionar 0botao de uma maquina fotografica e 0
unico em que 0tempo interno esta de acordo com 0tempo externo.
Aqui lo que a fo tografia r eproduz ate 0 infini to s6 acon teceu uma vez:
ela repete meeanicamente 0 que nunca mais podera repetir -se existencial-
mente. Nela 0 aeonteeimento nunca se transforma noutra coisa: ela remete
sempre 0 corpus de que necessito para 0 corpo que vejo: ela e 0 Parti-
cular absolute, a Contingencia soberana, impenetravel e quase animal, 0
Tal (tal foto e nao a foro), em suma, a Tyehe, a Ocasiao, 0 Eneontro, 0
Real, na sua inf at igavel expressao. Para clesignar a real idade, 0 buclismo
diz sunya, 0 vazio, mas, ainda melhor, tatbata, 0 Iato de ser esse, de ser
isso, tat, em sanscrito, significa isso e lembro 0 gesto de uma crianca que
apon te qualquer coisa como 0 declo e d iz : Ta, Da, < ; '4 ( . . . ) .
A MAQUINA DEROUBAR ALMAS
Contudo, eu persistia; uma outra voz, a mais forte, levav a-me a negar
o comentario sociologico: perante cer tos fa tos, eu preferia ser selvagem,
sem cul tur a. (Barthes, 1984 , p . 21)
Barthes tarnbern afirma que olhar fotografias foi a razao maior para
pensar as fotografias, que 0espectador das imagens e tarnbem urn inter-
prete, urn investigador apaixonado dessa realidade: "Como urn especta-
dor, eu s6 me interessava pela Fotografia por 'sentimento'; eu queria
aprofunda-la, nao como uma questao (urn terna), mas como uma ferida:
vejo, sinto, portanto noto, olho e penso." (Ihidem, p. 30)
Susan Sontag declara em seu livro Ensaios sobre fotografias (981)
que sua vida divide-se em duas partes: antes de ver certas fotografias e
depois, quando passou a entender seus significados:
( ... ) quando fitei aquelas fotografias, algo se rompeu. Acertava-me a um
limite que nao era apenas 0de horror; sent i-me i rrevogavelmente ma-
goada, f erida , mas uma parte de meus sent imentos comecou a enri jecer-se;
algo morreu; algo ainda ehora. ( . .. )A imagem perfura. A imagem anestesia.(Sontag, 1981 , p. 20)
Italo Calvino, em seu conto "Aventura de urn fot6grafo", descreve 0
personagem de Antonino Paraggi como urn apaixonado pela fotografia
que ve a foto como urn meio de eternizar os instantes do mundo:
- Para quem quer aproveitar tudo 0que passa na sua f rente - exp licava
Antonino c.J, 0 unico modo de agir C0111 coerencia e t irar pelo menos uma
foto pOI' minuro desde quando abre os olhos de manha ate quando vai clormir .
S6 ass im os ro los de fi lme eons ti tui r: lo um di.irio f ie! de nossas jornadas,
sem que nada fique excluido. Se eu fosse me meter a forografar, iria ate 0
11mnesse caminho, a cus ta de perder a razao com isso. (Calvino , 1998, p . 55)
Pensandona aventura de ser fotografo, nao poderia deixar de relaciona-
la com a aventura de ser antropologo, e perguntar qual seria a diferenca
entre elas. Seria uma busca de significados mais cientificos, mais minucio-
sos e "reais"? Ou a busca cia beleza enquadrada em uma luz e uma
composicao bern 'dis~ribuidas? Sera que a fotografia e a antropologia nao
sao resultado dessas duas buscas?
Urn etn6logo fot6grafo deve lidar com esses temores. A obtencao de
uma imagem atraves da carnara e uma conquista clo fot6grafo, e ela se
51
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 25/64
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIA
cia mediante urna visao formal C geral permitida, para so depois entrar
na inforrnalidade e em algo privado. Ele deve saber entender que essa
magia de fotografar e um temor para quem e fotografado, e um fascinio
para quem se ve espelhado e se assusta com as nossas interpretae,:()es.
o OLHAR ANTROPOLOGICO NA FOTOGRAFIA
A imagem fotografica, exatamente porter nascido modificando com-
portamentos e provocando questoes ontol6gicas, carregara sernpre 0
estigma de ser a realidade congelada no tempo e fruto da imaginacao e
cia interpretacao do autor. Sejam quais forem as questoes nascidas dessa
dualidade, a propria historia cia fotografia vern carregada de reflexoes e
equivocos, gerando desinformacao a respeito da imagem e de sua apli-
cacao, especial mente nas investigacoes e nas pesquisas,
Equivocos ocor rem pela desinfonnac. to conceitual quanto aos funda-mentos que regcm a express .to fotografica , 0 que os leva a estacionar
apenas no plano iconografico , sem perceber a ambiguldade das informa-
cocs contidas nas representacoes fotograficas, Resulta de tal desconheci-
mento, ou despreparo, 0 ernprego das imagens do passado apenas como
ilustracocs dos textos: 0potencial do documento nao e explorado, suas
inforrnacoes nao sao decodificadas, posto que, nao raro, se encontram
alern da propria imagem. (Kossoy, 1999, p. 20)
A investigacao ant ropol6gica, por exernplo, nasce junto com a neces-
sidade de artistas fot6grafos documentarern 0mundo desconhecido.
A sociedade deixa de retratar-se individualrnente para se reconhecerculturalmente nas fotografias e conhecer no outro seus costumes e habi-
tos, como afirrna Gisele Freund 0974, p. 82).
Uma outra questao: se a imagem fotografica nasce da observacao de
uma realidade que esta contida em urna estrutura cultural, ela vem carre-
gada de significados, de fragmentos que deverao ser moldados em um
relato unico e revelaclor. A imagern comunga com 0 texto para nos fazer
mel hor compreencler e elaborar uma analise desses significados.
o que se fotografa e a imagem do outro, e a imagem nao-verbal
tende a ser rnais carregada do ponto de vista emocional do que aquilo
que se expressa verbalrnente (Collier Jr., 1973, p. 22). A imagem e mais
52
A MAQUINA DEROUBAR ALMAS
(explicita, c a esse respeito Patricia Hitchcock, fotografa experiente em
campos de pcsquisa, afirrna que devemos aprender que nao sao todas as
pessoas que querem ser rctratadas, sendo preciso enxergar 0que elas
gostam de vel'. E mais:
Em algumas cul tu ras, fo tos ele pessoas que mor reram afasuun a ass i s-
tcncia. Numa cid.ide do norte da lndia, a s mulhcres se escondem para se
protegerem dos estranhos. Um m.uido pode fica I' muito aborrecielo sc
VOCl- mostrar urn retr.uo ela mulher dele :1 homens estr:lI1hos :1 f.rmilia
Mesmo em cielaeles oncle mocas podem d. incar for a ell ' casa em oCIs ic)es
ell' testa, os mais velhos nao gostam que fotos ell' suas filha-, dane.indo
sejam mostradas ao publ ico. As mops nao danc.un em publ ico, (Col lierl r.,
1973 , p . 23)
Mesmo que 0recurso audiovisual seja empregado sis tematicamente
nas pesquisas antropologicas, usa-se porern uma camara nao como urn
instrumento tecnico de investigacao, pois nao existe urn conhecimento
tecnico e muito menos um criterio de analise das imagens. Alern de
ilustrativa, a fotografia tornou-se uma parceira do trabalho de campo,
urn recurso imprescindivel para qualquer pesquisa. Assim como a antro-
pologia, ela ordena culturalmente os dados, os fragmentos da realidade,
atraves da observacao. Nesse sentido, tanto a escrita como a imagem
estao amarradas ao contexto cultural: "0 hornern e urn animal arnarrado
a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como
sendo essas teias e sua analise" (Geertz, 1978, p. 15).
Seguindo esse pensamento, podemos dizer que a imagem resgatada
pelo fot6grafo signi fica para 0antropologo nao so a esterica que a com-
poe, mas a historia , it cultura, 0que se opoe, em parte, :1 intencao de seu
autor. Mas nao seria um ponto de complernentacao, ja que podemos dar a
imagern um signi ficado que contribua para as pesquisas, para as invest iga-
coes e - pOI' que nao? - para 0 entendimento de nos mesrnos?
Com os desenvolvimentos tecnicos que perrnitirarn rcproducoes mais
nitidas, mais rapidas, as imagens fotograficas passararn a fazer parte do
nos so cotidiano. Mesmo que nem olhemos para elas, as imagens se
confundern. com 'a .realidade, banalizando-a, vivernos com elas, sern
entende-las.
Diante dos clientes ell' um cafe, alguem elisse justamente: - "Olhe
como sao apugados, as imagens slo mais vivas que a s pessoas". Uma das
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 26/64
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIA
marcas do nosso mundo talvez seja essa inversao. vivernos segundo urn
imaginario generalizado. Vejarn os Estados Unidos tudo ai s t C, e ranslonna
em imagens: s6 existem, s6 se produzem e s6 se consomem imagens (. ..).
o que caracteriza as sociedades d itas avancadas e que hoje essas socie-
dades consomem imagens e nao crencas, como as do passado, sao, por-
tanto, mais liberais, menos fanaticas, mas tambern mais falsa s (rnenos
autent icas ). (Barthes, 1984 , p . 173)
Aprendemos aver apenas 0 que praticamente precisamos ver. Atra-
vessamos nossos dias com viseiras, observando apenas uma fracao do
que nos rodeia. Os homens modernos nao sao bons observadores e 0
uso de uma maquina fotografica pode auxiliar sua percepcao. No caso
da antropologia, 0 ato de fotografar pode dar uma visao global e uma
observacao detalhada.
Somente a sensibilidade humana pode abrir os "olhos" da carnara de
forma significativa para a antropologia. Para compreendennos a funcao da ca-
mara nas pesquisas, enrretanto, precisamos primeiramente voltarnossa aten-
cao para os fen6menos da observacao humana. (Col lier J r. , 1973 , p. 4)
Assim como na fotografia, as tensoes entre dualidades sempre existi-
ram na antropologia e, muitas vezes, por causa delas, solucoes foram
gerada~. 0co,~poe a a~ma, 0 uno e 0 diferente, a compreensao do "por
dentro e do por fora , a neutralidade e a participacao sao confrontos
que acompanham a pratica da antropologia.
o a~trop610go e urn observador integrante do objeto de estudo
(Lapla~tme, 1:8.8,. p. 185). Nao e testemunha objetiva observando obje-
tos, mas urn sujeito observando outros sujeitos, portanto, uma pessoa
narrando sobre outras pessoas. E esse e 0 grande desafio do antropologoa partir do seculo xx: ser urn observador participante e integrante do
campo de pesquisa. Esse fazerlsaber foi desenvolvido sobretudo atraves
da visao, segundo Bronislaw Malinovski.?
A condicao basica para urn anrropologo e fazer/saber, ser urn observa-
dor - urn observador clooutro e de si mesmo. Nesse sentido, 0 cuida-
clo cle preservar os dados e os resultados coletados 0 distancia desse
sentir, embora seu sentimento possa estar representado na imagem
2. Malinovski afi rma que 0 etnc' i ro d '.'. d: . oogo eve vivencrar c expcrimcnrar a cultura da populacao
que ~stui.,I. A socicdade tern que ser pesquisada como urna total idade no momcnro emque e observ.idn •
54
A MAQUINA DEROUBAR ALMAS
fotografica, por exernplo. Mas que tipo cle observacao 0etn6logo fot6-
grafo deve ter para narrar visualmente 0 verdadeiro quadro da vida, da
sociedade?
o etnologo" nao pocle carregar ideias preconcebidas ou preconcei-
tuosas. Cabe a ele colocar uma ordem, transformar 0 que e tido como
urn mundo sensacional, selvagem e desconhecido em uma comunidade
govern ada por leis e principios. Portanto, 0 olhar do antropologo e de
urn observador participante (Malinovski), que, alern cia coleta minuciosa
de dados e da compilacao de documentos, olha cautelosa e diretamente
para os instantes. Olha cada comportamento na rotina de trabalho, deta-
lhes como 0 cuidado com 0 corpo, a maneira clepreparar comida, 0 tom
de conversa, a vida social em volta do fogo, hostilidades e simpatias
entre eles... Observa apurando todos os sentidos, observa ouvindo, E urn
participante em todos os sentidos.
Essa cumplicidade entre observador e objeto observado pode desper-
tar momentos fundamentais e de grande apoio nas pesquisas. Da mesma
forma, a maneira de olhar na fotografia pode nos fornecer uma visao
ampliada das coisas - urn dado pode estar em forma de vapor etereo:
Por caminhos diversos, a antropologia e a fotografia alimentaram-se
de uma mesma fonte: a observacao. Existe, porem, uma distincao entre
registrar ever. Mas, afinal, como podemos diferenciar 0 ato de produzir
uma imagem etnografica e "tirar" fotografias? Como observar atentamente
e captar nao uma imagem ilustrativa, mas a representativa de emocoes,
afetos e sensibilidade do observado? Essa diferenca corneca na atividade
de olhar, no exercicio clo olhar, e sao esses processos perceptivos que
aproximam a arte de fotografar e a antropologia - ou as distanciam:
"quando se convive urn pOLlCOcom ambas, percebe-se que a distancia
que as separa e a mesma que as aproxima" (Leopoldo e Silva, 1992,
p. 141).
3. ETNOLOGA ramo da antropologia que estuda a culture das populucoes primitivas; ETNOGRAFIA
descricao material de um povo / parte integrande da etnologia. Utiliza-se as tres denomina-
cocs (antropologo, etn6grafo e etn6logo) sem distincoes na dissertacao.
4 . Foi assirn que Edward R.Tylor, urn dos classicos da antropologia , def in iu a alma vista pelos
primitives: ··U.l11aenue imagem scm corpo por natureza, uma especie de vapor, pelicula
ou sornbra , causa. da vida e do pensarncnto no individuo que habi ta; possui independen-
ternentc a conscicncia e a vontade do seu possuidor corporal anterior ou atual , sendo
capaz de deixar 0corpo muito atr{ls de si para ir velozmente de urn l ugar a outro; na
rnaioria dos casos, e invisivcl e intangivel, mas manifesta tambcm Iorca f isica e aparece
especi al mente aos mortais, em estado de sono ou vig il ia, como fantasma separado do
corpo que habita; finalmente, pode penetrar no corpo de outros individuos, animais e
rnesmo coisas, tornando posse dell 'S e nclcs int luindo" (1871 e 1958).
55
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 27/64
FO TOGR AFI A E AN l1 ! O PO LOGI A
Sao esses laces e essas brechas que ligam a anrropologia e a fotogra-
ria, 0observad r participante a observacao do artista. Ambos sao pro-
cessos que apontarn para solucoes ou para problemas nus investigacoes
e nas pesquisas. Isto porque
L') vernos que aqullo que a obra nos mostr; est1 neb, mas apon ta para alern
dela, pols n ao e ru en de rn os a o bra de arte como urna eXIXJsi{,-'ilo objetiva, amaneira de uma teoria descri tlva clo r eal, mas senumos que isso que para 0
meio dela nos e apontado esta multo proximo de n6.~,quando nao E ' . s l : i em nos,
A relacao estenca nos compromete porque a cria910 artisuci s6 rode ser eruer»
dlda nos (em1QS d e u ma pa.tidpa~'iio. (,..) No eruan to, s e PO I 'r n e io da ob ra d e a rt e
se d : ' 1 ~Iapreensao cia realidade, podernos dlzer que ai se encontrarn, ao
rnesrno tempo, uma consrataeao e urn problema. (ibidem, p, 142)
Em urn anigo publicado em Cadernos de Antropotogia e Imagem
(n. 2 , Howard Becker afirrna que geralrnenre distinguimo ciencia e
arte, mas que as duns logicas esrao aprisionadas em carninhos que 010
podem se misturar, Devernos tram-las, no enranto, mais como cornple-meniares do que como opostas.
Percebernos que, desde 0inicio, os fot6grafos tem lim interesse es-
pecial por lugares disrantes, povos exoticos, urn interesse pelo rnundo
social. A sociedade quer ver outras culturas e a ciencia quer saber mais
sobre elas, Na verdade. a fotografia ajuda a aprofundar a analise anrro-
pologica, quando bern feira esteticarnente, podendo assim facilirar a in-
rerpretacao e analise de alguns significados do objeto esrudado.
LADROES DE ALMA
M as 0 qu e e Fa ze l' f ot og r af ia s ? Re t ra ta r? E r n urn artigo da revista lmagens,
Ana Maria de Niemeyer afirrna que herdarnos uma perspectiva euro-
centrica, fria e violema na forma de retratar alguns povos. Antigarnente,
a ernografia preocupava-se apenas em focal' 0 objeto de sen esrudo,
neutralizando-o, para que nenhurn elernenro interferisse no processo
de analise, As imagens feitas em 1939 de urna rnulher de Fofa, na Africa
Oriental, ilustra bern esse distanciamento, Que muLher e essa da Africa
Oriental? Qual seu meio e seu comportarr~ento diante de algumas situa-
~oes? Que sensacoes essas irnagens podern transmltir?
Lldio Ciprioni, Muther de Foro.
Alrico Oriental, 1939
Vejarnos as fmos de Indios que Guido Boggiani, forografo e etn6grafo,
observou, participativamente, e registrou na aldeia dos Kadiweu. Com
auxilio da camara fotografica (934), registrou e documentou nao 56 as
pinturas feitas na pele das mulheres indigenas dessa aldeia, mas OUlrOS
elementos que perrnltissern aprofundar urna analise.
As fotografias erarn tiradas no habitat natural, no meio cia selva, masI
muitos dos modelos p rmaneciarn [moveis, talvez peJos temores que a
maquina fotografica provocava. Aquela "coisa" rnandada pelos deuses
dificultava a elaboracao das imagens, mas isso nao impediu que Boggiani
perrnanecesse entre 0 Kadiweu durante anos
0;7
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 28/64
FCTOGRAFIA f ANHOf'OlOGIA
A qualldade superior dos reiratos urados por Boggian; d[1 uirnbem a
entender seu estaturo no rnelo dos indios, suas relacoes mutua s. A des-
confiunca dos selvagens para com a objeto estranho e 0 medo de perder
sua alma cedendo sua lmagern ao outre, dlf lcultarn 0 oflcio de retrausta a
muucs fotogrufos, (Fric & Fricova, 1997, p. 27)
. - - . . . . .
o retracesnao sao apenas Un1 documenro de urna alcleiaindlgena, mas deuma comunidade real, viva; a o p SSCXlS m urn arnbiente lnt imo e humane.
A imagem cia "india c m a pinrura sobre a pele. fotografada por
Boggiani, revela nao 56 a pintura, mas urns naturalidad ao exibi-la,
como e vivenciada. Os simbolos e os desenhos tern para 0 grupo urn
valor sentimental, sendo Limarnanifestacao ciavida, dos rnltos que fazern
parte da pratica cultural. A foro cia indio revela a alrivez e a deterrnina-
~a o cia tribe.o olhar de Boggiani eternizou a alma indigena, a cultura, a arte na
pele dos Kadiweu, aruando como antropologu, fot6grafo e artista. M<lS
GUIdo Boggiool,
• Velhode cobelo bronco,Iribo Chomccccc,
, A ile do Paroguol, 1896
I
A d l re n o .
Guido B099ioni, M uJher lovern
pmtccic, Nob,leque,
Molo Grosso do S w l , 1897
A M AO UIN A D E R OU BA R A LM AS
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 29/64
GU ido Bo991on l , l o a r ", .~rio-,mb o Chomococo, Alto do Poroguoi. 1896
sera mesrno que a carnara nao pode tambern captar a alma para rnelhor
transrnlt ir e sentir uma cornunidade?
( . .. ) a objeto que nos ve e 0 mundo que ospensu. A coisa a ser foiogra-
fsda quer ser csptada diretamente, violada ali mesmo, lluminada no seu
deta lhe, na sua qualidade fr acta l. Serne que uma colsa quer ser forografada,
quer tornar-se irnngern, e que nao e para dura r, e p:JX~1elhor desapurecer,
Criar uma imagem conslsie em if retirando do objeio todas as dlrnensoes,
uma a uma: 0 peso, 0 relevo, 0 perfume, a profundidade, a tempo, a
conunuidade e, Ii! daro, 0senLido. (Baudrillard, 1997, p. 30)
Afotografia comofeitico foi 0 tl tulo que Laymen Garcia dos Santos
deu it exposicao de fotograflas que Claudia Andujar realizou, em 2000, no
Museu da Irnagern e do Sorn CMlS) , em S ao P au lo , e assirn a apresenta:
(..J D~Ifulgurdncia t da ardencla do mundo do outro, a processo fotogra-
[jeD filln1 irnagens do outre mundo. Trata-se de urn mundo em gestacao,
SUH forca eruretanro e bastan ie para apossar-se da cflmara que nele pene-
Ira, contagia-la e convene-la, ntio em instrurnento de descoberta e explo-
ra\,:ilo. Em feitico para 0nosso encantamento, (MIS, 2000)
A fotografa declara que ficou entre as Yanornarni durante muitos
anos, criando urn acervo de rnilhares de negativos, que considera urna
mina replera de imagens de urna hist6 ria, de uma culrura e de urna
comunidade, Trata-se de urn trabalho estetico, cientifico e cheio de
signlflcados.
Face c?mo as Yanornarni, que st ilo elaborando sells mhos, ju stifi-
cando-os, r et rabalhando cont lnuamente a oralidade de sua hist6ria, paraajusta-Ia ao novo, aos tempos de hoje. Uma bricolagern de adaptacao e
atuallzacso dos tempos dos mitos primordia is. Sern esse passado, a sua
h lsro ria, a br icolagem cal rla no vazio, E t por isso que a rnernorla rem
fun~ao vital no prccesso de adaptacao e elaboracao do novo, (...) Meu
trabalho ainda nao encon trou sua forma deflnirlva, que na verdade creio
q~e nao existe, Como as rnitos se adaptam, incorporam novas Irnagens e
tornarn novas fo rrnas, passarn pela r ranscod iflcacao (das imagens) para
se arualizar, numa brlcolagern uirtual lnflnira. (Andujar, 1998, p. 11)
1 ' \ 1
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 30/64
fO l' OGAA f . .. . E Ho I lRO l 'O l OG lA
Nada melhor para ilustrar esses sentirnentos do que as imagens de
Claudia Andujar, acompanhadas do texto do rnito Yanomami:
. . . . ~ j ; . .: : . - "
..... ..- _
£
~ 1
C loud la Andu ja r , YanamQmr, 1998
o invisivei
Quando se toma pela prime ira vez a
p6 da aware yakoanahi, as espiriros
xapir ipe cornecarn a chegar are voce. Prt-
meiro, ouvem-se de longe seus camas de
alegria, renues COmo zurnbidos de rnos-
qultos. Depois, quando os olhos estao
morrendo , comeeam-se aver Iuzes cint l-
lames que trernern nas alturas, vindas de
todas as direcoes do ceu, Aos poueos, as
espiriros se revelarn, avsneando e recuan-
do corn passes de danca rnultos lentos,
( .. .) Suas cabecas sao cobertas de phi rnu-
las brancas de gaviao e suas bracadeiras
cheias de rabos de amra e de papagaio.
Dancam em circulo, sern pressa , mas, de
repente, armadas com grandes "espadas",
pattern ao meio sua coluna vertebral. Cor-
tam sua"cabeea e sua lingua. Serue-seen-
tao uma dar intensa e voce desrnain. Sell
envelope corporal fica no chao mas os
xapi rite voam para longe, levando as par-
tes do seu corpo irnaterial. Deitarn-nas
em seus espelhos, nas costas do Cell, e
plntarn-nas com u ru cum , R a sp a rn SUII lin-gua e a cobrem de plurnulas bran cas.
Mals tarde, recornpoern seu corpo, mas
ao contrarlo:juntarn a cabeca no Iugar do
traseiro e as pernas no lugar des braces.
Uma vez virado do avesso, voce pode
responder aos espiritos e irnitar seus
cantos, voce pode ser urn xama, (Davi
Kopenawa Yanornami, apud Andujar,
19~8, p. 6 6)
C laud io AnduJa r , Y c nomQml . 1 9 98
,
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 31/64
A VISUALIDADE NA ANTROPOLOGIA
Pierre Verger, Porto Prin.dpe, Hoill , )948
As p a la v ra s na o passam d e im ag e n s d a ma te ri a.
A p ai xo na r- se p or e La s Ii a pa ix on ar -s e p er u rn q ua dr o.
F r an ci s B a co n , 1 9 92
A I 'LSUAl lDAOE NA IINTROI'Ol .OGIA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 32/64
o PERCURSO OA ANTROPOLOGIA VISUAL
Apesar de todas as tensoes e duvidas geradas pelo invento do
daguerre6t ipo, houve urn rapido desenvolvimento tecnol6gico da ima-
gem fixa. A fotografia ficou barata, m6vel e rapida, introduzindo uma
nova vlsao para 0 entendimento humano. E, principalmente, perrnitiu-
nos enxergar a realidade das pessoas e das coisas com urna visao muito
rnais legitimada do que a pintura, embora, COmoafima Collier, os criticos
possarn alegar [ustamente que, as vezes, esta aceitacao do real isrno in-
discutivel da camara e mais mistica do que real. A rnaquina pam muitos
nao pede mentir (Collier jr., 1973, p. 5).
Com a decadencia do fazer retratos de farnilias burguesas (900),
alern da evolu~ao da tecnica e da sirnplificacao dos procedimentos fotogra-
ficos, a fotografla pode entrar na vida de cada individuo. Nesse sentido,
ela passa a ser uma forma de descoberta do cotidiano, do social. Os
rep6rteres-fot6grafos registram uma serie de fotos selecionadas e edita-
da s que mostram om mundo ate entao desconhecido. Por exemplo, Eugene
Atget forografa as prost itutas de Paris; Alfred Stiegl itz , 0 rransporte: ePaul Strand sai pelo mundo buscando outros povos.
Alias, desde sua invencao, a fotografla e os fotografos fizerarn-se
presentes na vida social e em festas populares. Muiros artistas - como
Man Ray, Brassai, Doisneau - participavam de festas como fonte de
suas criacoes, e outros fot6grafos apenas documentavam e testemunha-
varn as multiplas faces dessas festas (Iezequel, 1996).
Foi exatamente nesse cenario de intensa vida social, e par ser teste-
munha dessa oerdade, que surgiu a fotografia em serie, A aposta de urn
excentrico e rico frequentador de hip6dromos pede basear-se em foto-
grafias quando eie contratou Eadweard Muybridge pam registrar 0galo-
pe de urn cavalo, Muybridge (1872) engenhosarnente colocou dozecamaras, uma ao lado cia ou-
tra, e as fez disparar em urn
tempo sincronizado, criando
uma sequencia de imagens e,
consequenrernente, uma ante-
cipacao da Jinguagem cinema-
tografica. Ele provou que, em
urn memento determinado do
galope, urn cavalo mantern as
quarro patas no : : f .
Muybridge nao s6 elabo-rou uma fotografia sequencial,
mas tambem nos fez repen-
sar sobre a nossa percepcao
cia realidade: "S e a camara nos
rnostra assirn, assirn deve ser"
(Guamer! 1997, p. 148). Ainda
Muybricige, em 1887, publicou
onze volumes do Animal
Locomotion, com vinte mil
foros com estudos de todos
~ . - - = ~ ~ · B ~ · . ~. ~ _ ~ _ ~. ~ : . J . I
E a dw 8<J rd Mu y b ri dg . ., C a po d a S d oo ti ll c AmeriCll'i), 1878
FOTOGRAFIA E ANTROPOlOGIA A VISUALIDADENA ANTROPOlOGIA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 33/64
os movimentos possiveis dos animais e dos homens - urn trabalho que
rnais tarde seria utilizado para investigacoes cientificas.
o metodo de Muybridge foi utilizado depois pelo frances jules-Etienne
Marey, que mostrou para a Academia de Ciencias de Paris, em urn rolo
de papel celul6ide, a sequencia de vinte imagens de urn corpo em mo-
vimento, disparadas por segundos, dando inicio ao processo da carnara
de filmar. Alguns anos depois, 0fisiologista Felix Regnault combinou sua
investigacao de diferentes grupos etnicos com 0registro visual. Os mo-
vimentos - como () j eito de caminhar, trepar em arvores - foram filma-
dos e documentaclos para estudos posteriores.
Podemos dizer que neste periodo, por volta de 1890, inicia-se a uti-
lizacao clos recursos visuals na etnografia, mas a consagracao do conhe-
cimento desses recursos vem mesmo com a projecao publica do filme
dos irrnaos Lurniere. Foram documentadas as cenas mais corriqueiras,
como a saida clostrabalhadores da fabrica de automoveis Peugeot, aguar-
dando em fila 0momenta de bater 0 ponto, Foi 0maier espet.iculo:
multidoes queriam vcr exatamente essa trivialidade, 0cotidiano, ccnas
"rea is" de gente andando pelas ruas, tomando banhos de mar e movi-mentando-se em comboios a entrar em estacoes.
Depuis Louis Lumiere, :1qui on doit l'invention, en 1895, du cinematogra-
phe et ~ qui l'on doit aussi la realisation des premiers documents filmes
d'ethonographie, les specialistes des sciences de l'homme ont peu it peu delaisse
ce moyen procligieux d'analyse du mouvement et d'enregisrrernent du "temps".
Auspectable des innombrables etudes de Muybridge mises ainsi en f ilm,
i l se degage une certaine ethique de lar echerche que les anthropologues ont
presque totalernent ouhliee depuis. (Godelier , 1976, p. 106).
Sem duvida, essas sao imagens que mostram urn forte acento etno-grafico, com registros de urna antropologia urbana. Recorria-se a camara
fotografica para mostrar as condicoes das favelas de Nova Iorque, e
camaras armadas com flashes de p6lvora registravam cenas de banditismo,
interiores das casas e escolas (Collier Jr., 1973, p. 6)
Na verdade, nao foi sornente a descoberta de urn mundo desconheci-
do que atraiu multidoes, nao foi apenas 0cotidiano das ruas, mas sim as
imagens que encantaram e encantam 0mundo:
C..) 0 que atraiu as primeiras ruultidoes nao foi a saida duma fabrica , ou
urn comboio a entrar numa estacao (bastaria ir ate a estacao ou ate a
fabrica), mas uma imagem do comboio, uma imagem da saida da fabrica.
Nao era pelo real, mas pel a imagem do real que a multidao se comprimia
as portas do "Salon Indien", Lumiere t inha conseguido sent ir e explorar 0
encan to da imagem cinematograflca . (Morin, 1970, p. 21)
Lurniere teve a intuicao genial de fazer das imagens mais comuns urn
espetaculo, aumentando duplamente a impressao de realidade da foro-
grafia, dando as coisas um movimento natural. E nesse momenta que a
obtencao da mais apurada fidelidacle dessa realidade pode orientar as
aplicacoes cientificas. E aqui cabe a reflexao de Morin: "A tecnica e 0
sonho andarn, de nascenca, a par. Em nenhum momenta da sua genese
e do seu desenvolvimento se pode confinar 0 cinemat6grafo ao campo
exclusive do sonho ou da ciencia" (1970, p. 16).
A imagem vive essa dicotomia entre 0 fantastico e 0 real. Nesse sen-
tido, pode-se afirrnar que a imagem nunca podera dizer algo do mundo,
que ela nao tem a objetividade necessaria para compor urn discurso
cientifico.
A relatividade no decorrer da recepcao da imagem, evidentemente
lastimavel no campo da pesquisa cientifica, e pelo contrario parte inte-
g rante do d ispos it ivo art is tico. Quando se faz fotografia arti srica , ou p in-
tura , n .io representa incornodo 0 faro de 0 receptor atribuir toda s as
slgnificacoes que quer naquilo que esta vendo: mergulhamos, nesse
memento, no dominio da sub je tividade e da sens ibi lidacle, nao do discur -
so racional. (Darbon, 1998, p. 108)
Toda imagem tem necessariarnente um autor; arras da camara existe
o observador. 0aptrop6logo nao e urn autor? Ele nao trabalha 0inespe-
rado e0
novo com0
mesmo carater da arte. Nao pode usar os meiosvisuais, porque, diferentemente cia razao da ciencia, "a obra de arte tem
a final idade de agradar, proporcionar prazer, excitando nossa irnagina-
cao a ponto de nos levar a sentimentos e percepcoes dantes insuspei-
tados" (Leopoldo e Silva, 1992, p. 142).
o ternor das Ciencias Sociais e exatamente ate onde 0campo das
producoes materiais e utilitarias, artisticas e esteticas, definidas pela
enorme visualidade, foi verdadeiramente contemplado e pensado en-
quanta canal expressivo das culturas humanas (Samain & Solha, 1987).
Mas se pensarmos na visualidade como registro e na visualidade da
antropologia, 0filme, por exernplo, e urn testemunho e urn docurnen-
Q
FOTOGRAFI A E ANTROPOLOG IA
I
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 34/64
tario da realidade vivida, tornando-se urn instrumento poderoso para a
mem6ria coletiva. Atraves das imagens, podemos aproximar mais as
lernbrancas e as sensacoes daquilo que vivemos e estamos vivendo
(Pollak, 1989, p. 11).
Continuando 0percurso da hist6ria, a fotografia passou a ser a ilustra-
cao cientifica e documental para as academias de ciencias da Europa. Em
1900, a arqueologia introduz a fotografia nao s6 como urn meio ilustrativo,mas como ferramenta na coleta de dados de campo. Durante os anos
seguintes, 0filme e a fotografia foram instrumentos para investigacoes -
como ados aborigenes australianos por Baldwin Spencer. Mas0primeiro
filme etnografico foiNanook of the North, de 1922,sobre a vida dos esqui-
m6s, feito por Robert J . Flaherty, que nao se considerava etn6grafo mas
cineasta; mesmo criticado por suas inovacoes na forma de filmagem, foi
considerado 0pai do cinema etnografico (Guarner, 1997,p. 149).
Filmes etnograficos sao real izados desde 0 inicio do seculo, sendo
class icos , na decada de v inte, os real izados por Robert Flaherty. Nanook
of the North, 0famoso de Flaherty sobre a vida dos esquimos, aparece em1922, mesmo ana em que e publicado Argounatas do Pacifico Ocidental,
de Malinowski (oo.). Os dois autores inves tem na ten ta tiva de reconst ru-
cao da sociedade como totalidade articulada e integrada, dotada de sen-
t ido proprio. Para ambos , a h is t6 ria deveria emergi r do proprio material
de pesquisa, e 0 impor tante era cap tar 0chamado ponto de vista do
nativo. (Caiuby, 1998, p. 115)
Paralelamente, a arte fotografica era utilizada pela etnografia em
estudos extensos de recuperacao de culturas indigenas e registros de
nOVasculturas.
Quais os recurs os especiais da carnara que tornam a fotografia de
grande valor para a antropologia? A carnara e um instrumento automatico,
mas urn dos rna i s s ensiveis as atitudes do seu operador. Como 0gravador
de fita , ela documenta mecanicamente, mas a sua rnecanica nao limita,
necessariarnente, a sensibilidade do observador humano - ela e urn
inst rumento que exige sele tividade. ( . .. ) Quais as l imi tacoes da carnara?
Fundamentalmente, sao as limitacoes dos homens que a usam. (Collier
Jr., 1973, p. 5)
REPENSANDO A IMAGEM
Com a evolucao tecnica, 0aparecimento do Formatode 16 mm e de
maquinas fotograficas rnais leves, a utilizacao dos recursos visuais tornou-
se mais sistematica nas mvestigacoes socioculturais. Os pioneiros na apli-
cacao desses recursos em pesquisas e analises foram Margaret Mead e
Gregory Bateson.
Entre 1936 e 1938, aproximadamente, Mead e Bateson elaboraram
urn trabalho sem precedentes na historia das Ciencias Sociais. Eles pro-
curaram, atraves de recursos fotograficos, entender 0carater dos bali-
neses. Mas, antes de utilizara linguagem visual, ficarammeses observando
na perspectiva de uma antropologia tradicional. Observaram e anotaram
a-maneira de ser do povo de Bali, mas entenderam que as descricoes
verbais jamais alcancariam aquilo que uma apreensao visual do ethos
balines chegaria a desvendar e a dizer (Sarnain & Solha, 1987). Seus
objetivos eram claros: nao queriam apenas pesquisar os costumes
balineses, mas como "as pessoas vivem, cornportam-se, comem, dan-
earn, dormem, entram em transe e incorporam essa abstracao a qual
chamamos de cultura" (Becker, 1996).
o trabalho de pesquisa era aprofundar os estudos da esquizofrenia
em criancas. Escolhem Bali para investigar, principalmente 0 transe como
comportamento cultural institucionalizado. 0 diretor da Clinica de De-
senvolvimento Infantil, Arnold Gesell (945), tarnbem utilizou a fotogra-
fia no dia-a-dia de muitas criancas para cstudos de comportamento e
desenvolvimento social, 0que influenciou profundamente a psicologia
infantil. Mas, como afirma Collier, seu trabalho nao se compara ao de
Bateson e Mead. Estes utilizaram mais de 6 mil metros de filme e 25mil
fotos - que resultaram num livro com 759 fotografias, chamado Balinese
Character. A Photographic Analysis (942).
Esse livro constitui uma autentica revolucao metodol6gica na tecnicas
de coleta de dados e consolidara 0status da fotografia como ferramenta
na investigacao cultural. Seu conteudo evidencia a importancia das ex-
periencias corporais, da gestualidade, dos olhares e dos jogos do pr6prio
povo balines (Guarner, 1997, p. 150).
Mesmo com 0interesse na elaboracao das pesquisas, Mead e Bateson
cuidavam desse povo como individuos a partir de urna observacao parti-
cipativa. Uma pesquisa que vem de uma compreensao e aprendizado,
resultado dessa observacao e empatia. Antropologia aplicada nao e apenas
um meio de ver c registrar c um modo de participar e perceber 0outro.
71
FOTOGRAFIA E ANTROPOlOGIA A VISUALIDADENA ANTROPOlOGIA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 35/64
We tried to shoot what happened normally and spontaneously, rather
than to decide upon the norms and then get Balinese togo through these
behaviors in suitable lighting. We treated the cameras in the field as
recording instruments, not as devices for illustrating our thesis. (Bateson
& Mead, 1942)
Depois desse trabalho, ambos continuaram a utilizar a fotografia:
Mead em seu interesse continuo pe!o desenvolvimento infantil e Bateson
no estudo da comunicacao nao-verbal. Mas nenhum outro trabalho
nessa proporcao de invest igacao fotografica foi fei to desde 1942; 0que
existe sao referencias ocasionais ao uso da camara (Collier Jr., 1973, p. 9).
Por exemplo, Edward Hall estudou por fotografias 0significado do uso
do espaco, "proxemics' (966). Ray Birdwhistell recorreu a fotografia
para estudar os gestos e as posturas culturais padronizadas, aos quais
chamou cinesica. Paul Byes, fot6grafo profissional , esta trabalhando
para compreender a funcao do fot6grafo e do investigador - urn en-
tendimento da relacao do sujeito da antropologia e da fotografia.
Os antropologos aceitaram em parte a util izacao da fotografia como
ilustracao de uma cultura, mas nao confiam nos mecanismos da rnaquina,
na maneira distorcida da visao e da percepcao humanas. Varias sao as
reflexoes a respeito da falta de importancia dada a linguagem visual na
antropologia. Margaret Mead, que elaborou sua pesquisa aplicando os
recursos visuais, coloca algumas observacoes. nao podemos minimizar 0
fato de que fotografar exige cornpetencia, habilidade e treinamento mai-
or que simplesmente escrever no diario e gravar. E, neste sentido -
continua -, e onde esta a "nossa criminosa negligencia'' . Nao 0fazemos
por acreditar nos altos custos de tempo e dinheiro.
John Collier, por sua vez, colabora como fot6grafo em varias pes-
quisas etnograficas e passa defini tivamente para antropologia quando
seus estudos sao dedicados aos novos metodos fotograficos e as for-
mas de aplicacao em trabalhos interculturais de campo. Suas pesqui-
sas foram da orla maritima do Canada as reservas dos indios navajos.
o autor afirma que os antropologos se sentem frustrados em relacao a
fotografia, pois algumas imagens tern inumeras referencias e, pela falta
de urn metodo de analise e de leitura, fica quase impossivel organizar
todos os seus dados. Na verdade, afirma, a mem6ria do filme substitui
o livro de anotacoes e registra situacoes dificeis de descrever textual-
mente.
7?
Urn antropologo contou-me 0que sentia a respeito da fotografia. Nao
e que a fotografia nao seja boa. Ela e otima. Asfotografias sao 0mais puro
realismo. Content tudo. Temos aperfeicoado tecnicas para compilar dados
verbals, mas 0 que podernos fazer com fotografias? Esta e sem duvida a
dificuldade. Uma fotografia pode corner mil rcfcrencias. E, 0que e mais
desconcertante, a maioria das fotografias e prova de urn minuto de tempo
- de urn centesimo de segundo da realidade. (Collier J r . , 1973, p. 9)
Etienne Samain, por seu turno, pondera que a antropologia visual
tende a ficar confinada ao registro de atividades corporais (posturas e
movimentacoes espaciais de participantes durante urn ritual) ou materiais
(trabalhos artesanais e atividades esteticas), quando de fato poderia contri-
-buir a um redimensionamento de campos aparentemente mais abstratos,
como 0parentesco, a politica, a economia, a organizacao social e mesmo
a ideologia.
Nessa linha, e possivel amp liar ainda mais 0alcance da antropologia
visual e afirrnar que ela pode contribuir para a identiflcacao e 0reconhe-
cimento de sentimentos, ernocoes, sensacoes, e, como afirma Geertz,
dentro de um contexto pr6prio para que esses gestos sejam melhor in-
terpretados. A integracao c\as linguagens visual e escrita pode favorecer
o melhor entendimento dos significados culturais, tornando as investiga-
coes e as pesquisas mais completas.
Para ilustrar essa assertiva, selecionei aspectos da obra de Pierre Verger,
ilustre pesquisador da cultura afro-brasileira.
73
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 36/64
DE PIERRE EDOUARD LEOPOLD VERGER
A PIERRE FATUMBI VERGER OJUOSA
PierreVerger,AURHetrolo, Bohle, 1946
N ao s omes riDS quem esco lhe r nos .
s ao e le s q ue m n os e sc olh em .
P ie rr e V e rg e r
DE ~IERJ lE~DOI .JAROt tOF'OLD VERGER11 P I E R R E fl\TUMSI V E R G E R OJL!osA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 37/64
VERGER, 0 FOTOGRAFO
Pierre Edouard Leopold Verger nasceu em Paris, em 4 de novembro
de 1902, de uma familia burguesa de origem belgo-alema, Sentiu de
perto a morte com a perda da mae e do irmao em urn acidente de carro,
Talvez por refletir 0estilo boernio e burgues em que vivia seu irmao, sua
opcao foi viajar e enconrrar seu proprio estilo e identidade.
Descobre a fotografra e se apaixona. Parte viajando pels Europa em
1932, com uma rnochila, uma rnaquina RolIeiflexe usando qualquer rneio
de transporte. Viaja durante quinze anos, passando POI' : America do Norte,
Poliaesia, Extremo Oriente, Africa, Caribe, Antilhas e, finalmente, Brasil.
Pierre vergertern participacaoativa como fot6grafo na Europa, em 1930;
epoca em que a fotografia estavaern plena euforia criativa e uma geracao
de novas fot6grafos preocupava-se em registrar e documentar a vida social
e cultural do munclo. Surgem names como Pierre Verger, Pierre Boucher,
Emetic Feger e Denise Bellon que em Paris criararn a agenda de fotos
Alliance Photo 0934-1940), intensificando a rnovimento de fot6grafos
como Robert Frank, Robert Capa, David Seymour, Henri Cartier-Bresson,que mats tarde criararn a Magnum Photos (947). Esses fotografos tinham
interesses e preocupacoes jornal ls ticas e documentais, com particular aten-
~ao para as formas de vida das pessoas, seus olhares, seus costumes, seus
cultos, seus mitos, ere, Henri Cartier-Bress~n, por exernplo, pesquisou e
Investigou varies paises, como fez Verger. Ambos buscavarn urn sentido
investigative e social nas fotografias, uma nova forma de ver 0mundo,
uma observaeao que os fizesse sentir participantes do mundo.
A Segunda Guerra Mundial, entreranto, interrompe esse processo e
essa uniao dos fot6grafos na Franca. Filmes e camaras eram alvos diretos
do nazismo, e os fot6grafos dispersaram-se conquistando novas formas
de trabalho. Mas, para quase [ados des, 0objetivo major era uma buscahumanistica e - par que nao? - antropologica, como foi depois mos-
trado em suas imagens, as quais cantribuiram para enriquecer 0entendi-
menta da vida social e cultural de varies povos,
Par volta de 1958, artistas publicarn livros das imagens obtidas em
suas viagens. Robert Frank publica LesAmericains e, quase na mesrna
epoca, Pierre Verger e Werner Bishop lancarn fotografias no livro From
Incas toIndians, todos editados par Robert Delpire.
Verger, como reporter forograflco, trabalha nas melhores publlcacoes
nnmdials, tendo a oportunidade de sentir e apreender outras culturas,
Na passagem par jornais e revistas, tem a oporrunidade de conhecer e
rerratar outros povos. Trabalhando para a Parts Soir (1934), VJaJ<1 ao
redor do mundo: Estados Unidos, japao, China e outros: para a Daily
Mil7"Or(Londres, 1935-1936), val a Indochina; para a agencia Ailiance Photo
(937), faz varias coberturas fotograficas, para a Life (1937), e correspon-dente de guerra na China; para a Match (Londres, 1938), faz varias repor-
tagens no Vaticano. Trabalha ainda para Argentina Libre (1941-1942),
[ornal anarquista, para ElMundo Argentino (942), revista especializada
em fotogrsfias, e para 0Cruzeiro (Brasil, 1946). lDados biograflcos ex-
traidos da revista Afro-ASia (Luhning, 1998/99).]
Pierre Verger, N ov e O n e< lM . • cS !< ld os U ni do ., 1 93 4
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 38/64D E P IU I! ( ~ O OU A RO L E O P O L D V E R G E R A P I E R RE F A T U M B I V 1 'R G E R o J u o e A
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 39/64
Pier re Verger . Xcnllai, C h in o. 1 93 7
Nas imagens do periodo de 1933a 1946,exi ria urn interesse de Verger
na leitura da Iuz e dos contrastes, preocupacoes esteticas que nao 0dis-
tanciavarn do carninho de etnologo. Desde essa epoca, como observarnos
nas imagens, 0 registro dos costumes, dos habitos de negros em diversas
cidades do mundo demonstram seu interesse pm esse povo, A editora e
fotografa Arlete Soares a r u m a que, a partir de 1946,ele deixa de fazer foro-
graflas e trata as irnagens apenas como registros da cultura afro-brasileira.
Na verdade, nao seria uma comunhao do fot6grafo e do etn6grafo?
Vergerviaja para a AfricaOcidental no periodo de 1935-1936 e descobre
a cultura ioruba, seu interesse e tanto que 0caminho da fotografia 0 trans-
formaria, tambem, em antropologo e pesquisadar. Somente em 1946, quan-
do chega em Salvador, e que ele descobre a relacao que a tomaria urn
grande conheceder da cultura afro-braslleira. Corneca com os retratos do
povo baiano, seus gestos, habitos e costumes - contando tarnbern com a
visao dos desenhos de seu amigo e tambern estrangeiro Carybe, argentino
de nascirnento, que reune em desenhos os mites da cultura afro-brasileira,
81
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 40/64
P i e rr e Ve r g er , So l v od o r , B ' o s ;l , 19 4 6 - 196 2
/
FATUMBI, 0 RENASCIDO DE IFA
Na revista 0 Cruaeiro, Verger publico-u, com rextos de Gilberta Freyre,
uma serie de reportagens (mais de 110 ireportagens realizadas, 80 publi-
cadas) sabre aexistencia, na Costa Ocidental da Africa, Nigeria e Benin,
de descendentes de traficantes negreiro.s e de ex-escravos retornados do
Brasil. As cinco reportagens com 0 titurlo "Acontece que sao baianos"
foram publicadas em agosto de 1951 e republicadas por Freyre em
Problemas brasileiros de antropologta (1'959) e, ainda, em Bahia e baianos
(1990). Segundo Alberto da Costa e il""a (999):
Embora lmpressas num acastan.hado escuro, as FOLeserurn excelentes,
e algumas, cornovedoras. ( .. .) Ja as prosas de Freyre rrunsformaram-se nn-
quele fino ensaio, "Acontece que sao baianos...", induido em Problemas
b ras ue tr o s d e an tr opo l og t a. 0 que esurpreendente t: que tenha de escrito
pdginns tao aferuosarnente verdadeeiras sabre descendentes de braslleiros
no golfo de Benin, asagudas au arruoros (como sa o conhectdos ria lgeria),
sern ter estado [arnais naquela p~LI-[edo mundo, e com base apenas nas
imagens e Informacoes trazidas po r Pierre Verger(..J
o olhar curtoso de Verger sabre a h urnanidade e 0amor pelo desco-
nhecido 0 tornam urn pesquisador ern etnografia, sendo considerado
doutor pela Academia na Universidade 50rborme (966) sem nem mesmo
ter LIma formacao acadernica. Isso porque Verger observa atenta e inten-
sarnenre a cultura, sobretudo a africa na. Com urn olhar fotografico e
antropologico, elabora lima das primeiras einografias - Notas sobre 0
culto aos Orixas e voduns (1957, 1998) - e urn trabalho considerado
como irnportante investigacao cientif ca: Pluxo e refluxo do trdfico de
escrauos entre 0 Golfo do Benin e a Ba&ia de Todos os Santos, dos seculos
XVII a XIX (1968, 1987).
o fot6grafo Verger conquista a mundo e descobre-se etnologo quan-
do perrnanece na Africa par vinte anoes esrudando e pesquisando a cul-
tura e a religiao africanas. Nasce Pierre Fatumbt Verger. Aprende entao
as rotas dos navies negreiros, observa, rrabalha, fotografa ... Apoiado
pelo Instirut Francais d'Afrique Noire <Ifan), recebe uma bolsa de escu-
dos e pesquisas, e Theodor Monad, ciiretor do instituto e tambern seu
amigo, exige que codas as anotacoes e os escudos sejam escritos,
A antropologa Juana dos Santos, em Salvador, declara, em depolmeruo
no video Verger: mensageiro entre doiis mundos (1998), que ele era um
83
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIADE P IERRE EDOUARD LEOPOLD VERGER A P IERRE FAIUMS I VERGER OJUOBA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 41/64
"fucador" de arquivos. Ele nao era fundamentalmente antropologo, era
urn etn6grafo; foi 0primeiro a mostrar a similaridade do ferramental do
sacerdote Shang6 africano com 0brasileiro.
Fatumbi foi mui to importan te, po is inic iou os estudos sobre 0trafico de
negros entre Africa e Bahia, mostrando que existe uma relacao forte e uma /
continuidade marcante de brasileiros no Benin, assim como de africanos
na Bahia. Jorge Amado, na nota introdut6ria do livro de Verger (999), diz:
Na Africa, quem quiser saber dele deve perguntar por Fatumbi, titulo
que the derarn ialorixas e babalaos e que ele incorporou a seu nome,
po is a personalidade do professor e do pesquisador, homem da Univers i-
dade e do livro, se fizera mais rica de humanismo, e ele tornou-se ho-
mem igualmente, ou sobretudo , do peji , da camarinha, da roda-de-fe ita.
Na Africa, ensinou e aprendeu nao apenas a rota completa dos navios
negreiros, ainda mais a trajet6ria do misterio. Fez-se feitic eiro: Pierre
Fatumbi Verger. (p. 5)
o historiador Luis Vianna Filho afirrna ser admiravel 0trabalho de
Fatumbi pelo aspecto hist6rico e social da escravatura na Bahia, funda-
mental para a cornpreensao da formacao de uma sociedade profun-
damente mesclada culturalmente. Mais admiravel ainda foi a dedicacao
que Pier re Verger dell as suas pesquisas, com extensa bibliografia.
Gilberto Freyre, em texto publicado pela revista 0 Cruzeiro e arqui-
vado no acervo da Fundacao Pierre Verger, rcssalta:
[Verger sahe] juntar a simpatia pelos assuntos que estuda, a capacidade
de considera-los com a distancia necessaria a objetividadc cientif ica. Ao
que se deve acrescentar ainda outra condicao, ra ra em e tnologos e antro-
p61ogos profissionais: a de ser Pierre Verger um horncm livre. Livre decompromissos rigidamente acadernicos . L ivre das ligacoes burocra tica-
mente universitarias. Livre de obrigacoes para com esta ou aquela orto-
doxia cientifica. Dai a frescura de suas paginas de divulgador e, ,I S vezes,
revelador de culturas exo ticas. Dai 0 seu encanto artistico que, nas suas
fotografias, se junta a cxatidao - exatidao que lhes da categoria de
documentos cientificos - sem os prejudicar ou comprorneter. CApud
Luhning, 1998-1999, p. 322)
"Podernos estudar cern anos com 0que Pierre Verger s6 nos apontou
como pistas", declara Milton Guran, fot6grafo e antropologo, autor de
Agudas, os brasileiros do Benin. E acresccnta: "a cornpilacao historio-
grafica c total, plena e de maior competencia em cima dos traficos dos
negros; 0trabalho fei to no livro Fluxo e refluxo de escrauos , todos os docu-
mentos possiveis estao la" (video Verger:mensageiro entre dais mundosi.
Sua tarefa como etn6grafo e observador foi tambern a de escrever e
anotar todas as suas experiencias por exigencia do Ifan e de sell amigo
Monocl. A relacao de Verger com a cultura negra aos POLCOS ultrapassa 0
interesse intelcctual. Mais do que um observador participante, segue os
passos de seu amigo c tambern etn6grafo Roger Bastide: cnvolvc-se no
candomble, em que e aceito e iniciado, passando a exercer funcoes nao
mais como um olhar "para fora", mas como um participar "por dentro".
Em Ketu (Daorne), c iniciado como babalao (pai do segredo), sacerdote
de 1m (dono da adivinhacao e do destine). Ele se torna Faturnbi -
"renascido pelo 1f{\" :Pierre Fatumbi Verger.
Em uma carta dirigida ao sell amigo George Metraux, tarnbem antro-
pologo, Verger declara:
Enconu«! sua carta no retorno de Kcrou, onde eu cheguei Pierre
Verger e de onde voltei Pierre Faiumhi Verger, 0 que signific«: "If :! me
entregou ao mundo." E por dcrnais presuncoso, pois se em meu compor-
tarnento resta alguma coisa de infantil isto torna tudo natural, e alern
d isso quando voce tern selenta anos , eu tere i nao mais que vinte. Ademais
rompi assim as ultimas rela coes com 0 que ainda tinha de minha familia
e, se mais tarde me aconteccr de mentir a urn profuno, terei mesmo mais
restr icao mental a fazcr C lhe declarar: "Se isto nao e verdade, que eu nao
me chamc m. ii s Pierre Verger" . t Apud Luhning, 1998-99, p. 316)
Fatumbi afirrna que muito do conhecimento catalogado foi na sua
maioria coletado na Africa. Af irma ainda que nao se interessava, na epoca,
em assimilar a cultura afro, e talvcz por isso mesmo tenha conseguido
faze-lo.
Cid Teixei ra, h is toriador, em depoimento no video Verger:mensageiro
entre dais mu ndos, diz:
Na sua obra Fluxo e refluxo, 0 que encontrarnos e a historia do con-
trabando de escravos. Formalmente, 0 Brasi l nao poderia ter r ecebido
nenhum cscravo. Porem, boa parte das fortunas da epoca foi feita dos
negocios de escravos, entre os tra ficantes da Africa e da Bahia.
D E P IE R RE E D OU A RU L E OP O LU V E RG E R A P IE RR E f A T UM 8 1 V E RG E R O Ju o8 A
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 42/64
o.JUOBA, OS OLHOS DO REI
Pierre Verger chegou ao Brasil em 5 de agosto de 1946,sob indicacao
do etn6logo Roger Bastide. Fez de Salvador sua nova residencia estabe-
lecendo vinculos com 0 candornble e contatos com os terreiros mais
famosos da Bahia, ganhando a confianca dos iniciados e dos babalaos
(pais do segredo) .Co~e<;a a concentrar ,seus estudos e sua vivencia na cultura yoruba
nos dois lados, Brasil e Africa, passando aos poucos de fot6grafo para
escritor, antrop6logo e historiador. Muitos intelectuais de Salvador pas-
sam < ~ estabelece r com ele laces forte s de amizade: 0escritor Jorge Amado,
o fotografo Mario Cravo , 0artista plastico Carybe e muitas pessoas liga-
das ao candornble, que permaneceriam em sua vida ate 0final.
Exist ia um encantamento do estrangeiro . Muitos se enamoraram da Bahia,
tendo uns fi cado para sempre , como Fatumbi Verger, arti st as, aventu reiros
rel igio sos e c ient ista s. De Darwin a Levi -St rauss, de Bastide a Verger, todos
de alguma forma manifestaram magia e sentimentos , como expressou Charles
Darwin em carta enviada a uma amiga (apudVerger, 1981):
o dia pas sou encantadoramente. Encanto , ent re tanto, e uma palavra
fraca para expressar os sentimento s de um natu ralista, que, pela pr ime ira
vez, andou numa floresta b rasileira. A elegancia das gr amineas, a singu -
larid ade das plantas parasitas, a beleza das flo res, 0 verde lustroso da
fo lhagem , mas acima de tudo a exuber ancia da vegetacao, causaram-me
admirucao . Uma mistu ra paradoxa! de ru ido e silencio invade as par tes
mais sombrias da floresta. 0 zunido dos insetos e tao grande que pode
ser ouvido mesmo de uma cmbarcacao ancorada a algumas centenas de
jardas da costa; entre tanto, nas reentrancias da mata parece reinar um
silencio universal. Para quem gosta de h ist6r ia natu ral, um d ia como esse
carrega consigo um prazer mais profundo do que qualquer outro que
possa esperar exper imentar novamen te. ( p. 3)
Pierre Fa tu,mbi Verger pe rmanece em Salvador, fazendo via gens a lte r-
n~das para a Africa Ocidental e descobrindo, a cada dia mais, os ritos, os
rrutos e a religiao, as hist6rias e a visualidade do povo afro-brasileiro.
Em relacao a sua c: 't f> re, muitos a irmavam que ele nao acreditava em
nada, di~ia-s~ racionalista, frances e europeu dernais para crer em al-
guma corsa E di A I '0 que IZ rete Soares: "gostava que os outros acredi-
tassem mas como ele me" 11 di ,- .SI 0 i zi a, nao cre io na minha propria sombra"'.
Ja Antonio Riserio, antropologo e escri tor, afirrna: "ele tinha uma relacao
ritual com candomble, cumpria todas as obrigacoes, os gestos, mas uma
crenca, em ultima analise, nao".
Uma de suas grandes obras e Dieux d'Afrique (995), que revela
profundamente 0culto dos Orixas e Voduns da cultura yoruba. Seguindo
a mesma linha de pesquisa, surgem outras publicacoes, como 0livro
Orixas (981) e Notas sabre a culto dos orixas e ooduns (999). Essas sao
obras que Theodor Monod classifies como integrantes de um dossie
monumental.
Fatumbi observou e participou tao intensamente desta religiao que 0
t ermo "observacao part icipante" parece "tecnico" demais para qua lifi car
quem se envolveu e se inseriu tanto na vida da comunidade e na cultura
afro-brasileira.
Em seu pr6prio depoimento, Verger nao se considerava um pesquisa-
dor, afirmava que nao tinha a seriedade, 0rigor, a curios ida d e e a von-
tade de perguntar dos pesquisadores. Afirrnava que "todas as perguntas
parecem inuteis". Mas se tornou um grande observador e um investiga-
dor rigoroso, que mais tarde se transformaria em diretor da Recherche
Scientifique c le Pari s. Embora com resi st encia ao munclo acadernico, c riou
um estilo pr6prio cle pesquisar e cle fazer ciencia.
A mesma postura era clefendida por Roger Bastide: 0etn6logo cleve
tornar-se par te integrante cia socieclacle observada. Ao contrar io de Verger,
a producao cleBastide tinha objet ivos academicos, mas nao excluia a pa rtic i-
pacao clireta no candomble. Sobre 0observador participante, Bastide afirma:
Os soc i6 logos nor te -ameri canos inventa ram urn termo para des ignar
uma tecnica de pesquisa, que consiste justamente em identificar-se ao
mcio que .se estuda. E a obser vacao par ticip ante. Mas Pier re Verger e
mais que um observador participante, porque a palavra "observador"
esboca, de qualquer modo, uma cer ta barreir a, e desdob ra 0 etn6grafo,
de modo multo desagrad{lvel, em "hornem de fora" e "homem de den-
tro" . 0 conhecimento em Pierre Verger c fr uto do amor e da co rnunh.Io .
(Apud Verger, 1995, t rad, da aurora)
Verger percorreu arquivos clo Rio de Janeiro, cia Bahia, da Nigeria, do
Benin, cia Franca em busca de informacoes sobre os chamaclos "agudas"
(brasileiros retornaclos para a Africa). Fez muitos amigos, participou de
festas, frequentou casas e nelas comeu feijao com leite de coco, peixe
com pirao, feijoacla e cozido. Ouviu hist6rias de clescendentes, de mhos,
87
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 43/64
Pierre Verger, (guns, Porto Novo, 1949-1954P,err. Verger, Eg' lf ls , Porto Novo, 1949-1954
8 8
FOTOG IWIA f ANTI IC lPOLOGIA D E P I ER Il E E D OU AR D l tO PO LO V ER GE R A p, ERJIE F A T U M B I V ERG ER O J Ll aM
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 44/64
pals e av6s. Teve acesso a documentos de familia, a forografias e cartas
andgas (Costa e Silva, 1999).
Muitos que 0 conhecerarn, e dele se tornaram amigos, afirmarn que
essa simpatla e ernpatia deram para 0renascido de Ifa (Fatumbi) rodas
as Informacoes e as revelacoes desse povo, Mas reria Verger licenca para
fotografar todos os rituals?
Pai Balbina, babalorixa, responde: "dizern que quem tira fotos sao os
eguns [espiritol e por iS50 nao saern nas fotos, mas nas fotos de Verger
aparecern todos os eguns" (video Verger: mensageiro de dais mundcs).
E, ainda, neste sentido, Milton Guran afirrna que se ele [eve acesso a
esses segredos e miros e porque soube guards-los.
Como observador, iniciou-se na religiao, decifrou ritose mitos, Farumbi
nao era uma pessoa religiosa: seu interesse erarn as pessoas, suas histo-
rias, seu contexte cultural, sua arte, sua religiao e sell cotidiano, Mas
percebeu que era precise tornar-se um deles e que sua inicia~o seria
essencial para a continuidade de sells trabalhos nas sociedades de culro
dos orixas, Tornou-se amigo de Mae Senhora, sua futura mae-de-sante,
em Salvador. A lyalorixa (zeladora des orixas) a entronou como Ojuoba
(as olhos do rei, olhos de Xango) e ele passa a ser zelador da Casa
Branca. do Engenho Velho - lie Axe Opo Afonji.
o L ie A x . e Opo Afonjae a casa de Xango, a Orixa da justlca, que com
a Casa Branca do Engenho Velho e 0Gantois, em Salvador, torna-se a
casa rnatriz do culro do candornble no Brasil. A mais antiga data de 1830,
fundada por Eugenia Anna dos Santos, mae Aninha, filha de negros
africanos da nacao Grund. Com 0 falecimento de mole Aninha, assume
Mae Senhora, com quem Verger aprendeu como oga, zeiador da casa,
quase todos os rnitos e os rituals do candornble no Brasil- aprendizado
que dividiu com as alternadas idas e vindas da Africa, onde tarnbern
mantinha relacoes com babalaos de Benin e recebera tarnbem a perrnis-
sao de conhecer os seus segredos. Jorge Amado (apud Verger, 1999)
coma:
No terreiro do AxeOpe Afonj<i ,Mlk Senhora, a inesqueclvel, seruada
emseu trono de rainha, proclarnou-o quobft, osolhos deXang6, aquele
que rude enxerga e rudo sabe, Nas casas de santo da Bahia Iez-se Figura
familiar, 0 rnestre de rodos nos, 0 igual de cada urn no respeito e a
cordialidade da vibracao dos atsbaques. Professor , pesquisador , fotografo,
escri tor , na Bahia de e Pierre Parumbl Verger Ojuoba, (p, 5)
Farurnbi conseguiu alguns dos segredos que sao rransmltidos pelos
babalaos aos seus discipulos, Essa transmissao oral do conhecimento e
considerada na tradicao ioruba veiculo do axe, do poder e da forca. As
curas de alguns males sao elaboradas mediante manipulacoes com plan-
tas, que apenas funcionarn se canradas e acompanhadas de palavras
"magicas",
o sistema ioruba de classificacao botanica, por exemplo, usa dife-
rentes caracteristicas para identificacao das plantas: 0 cheiro, a cor, a
textura de Sl1aS folhas, a reacao <10 toque, Dessa pesquisa e de uma
investigacao com as ervas surgiu 0 livre E w e , 0 usa da plantas na soc ie-
dade iorubd (1995), de Pierre Verger.
Durante quase quarenta anos, Verger se envolveu com 0 poder das
plantas rnedicinais, coletando dados relatives tanto a s atribuicoes curari-
vas quanto a adivinhacao, Ele elabora pesquisas com objetivos ernobo-
tanicos e segundo as significacoes religiosas ditadas por I f a , aquele que
e pal da adivinhacao. Uniu assim as duas areas de conhecimento. Os
babalaos, pm meio da oralidade, passavam as sells segredos e a utilizacao
corre ta das ervas usando pequenos versos. Com a ajuda de M ae Senhora
e de Olga de Alaketu, Verger formou urn herbaria de cerca de 150 plan-
tas da flora baiana, Tudo foi cientificarnente identificado e classificado
pelo Departamento de Botanica do Institute de Biologia da Universidade
Federal da Bahia. Finalrnerue, depois de um escudo linguistico e
etnoboianico, 0referido livre foieditado. Seu trabalho fornece urna pre-
ciosa base para fururas pesquisas na fitologia.
As receitas que se seguern foram retiradas desse livro, para ilusrrar
como Fatumbi reuniu segmentos t50 distantes e tarnbem tao pr6ximos
- a ciencia e a religii'i.o~, no intuito de melhor cornpreender a saber
cultivado no candornble (d.Verger, 1995, p. 259, trad. da au tora),
R EiC Etr AP AR A T RA T AR " , , , s O N I ..
Folha de BAPHlA NlTlDA, Leguminosae papilionoideae
Sabao-da-costa
Moer as folhas com sabao-da-costa. Colocar tudo em agua.
Pronunciar a encantaeao. 0 padente deve romar a prepar:a~ao e
lavar 0 rosto com ela.
Irosun, deixe-me dormir sempre,
Irosan, deixe-me acordar sempre bern.
Voce trabalha para aquele que nao pode dormir, e par isso ele
dormira,
F OT OG RA FIA E ANTROl'OlOGIAD E P IE RR E ~ DO UA I\ D l tO PO ID V El ', GE R A P IE RR E F A TU Mi lI V ER GE ~ O JU OE VI
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 45/64
REoerrA PARA CURAf1 0 RaIMATleMO
Folha de 'ESAMUM INJ)ICUM, Pedaliaceae (gergellm)
Polha de CELTIS NllIGRJF0L1A, Ulmaceae
Raiz de K l C E L A AflRICANA, Btgnoruaceae
QAHCINfA KOLA, Guttiferae
Pilar tudo. Desenhar a odu em lyerosun, pronunciando a
encantacao. 0paciente deve tamar a preparacao com acaca quente.
E k U ernpre cum do reumatismo. Aape dlz que nao vai demorar
at' Ie near curado. Pandora sernpre mara a reurnatisrno. Or6gb6
deve leva-lo e deixar que venha a cum.
Verger mane em Salvador, como queria, e seria impossivel falar de
tad as as suas obras e artigos, urna quantidade que a Fundacac Pierre
Verger (que fica, hoje, onde era a sua casa em Salvador) tern reunido e
recolhido no mundo todo. Ao ver as imagens nas obras de Verger, senti-
mos a alma do povo, do hornern, do afrieano incorporado no sagrado,
pereebemos a que Roland Barthes chama de punctum na fotografia, em
seu livro Camara clara (984). As imagens forarn expostas no mundo
inteiro e selecionadas pelos olhos do antrop61ogo, artista, etnologo,
babalao, fi lho de Xang6: Pierre Farumbi Verger Ojuoba A sacralidade ecapturada pelas suas lentes e pela sua alma.
PIERRE FATUMBI VERGER o.JUOBA
Como definiriamos esse olhar participante presence nas fotos de
Pierre Verger? A llberdade que ele capta, a forma de ser e estar de urn
povo e uma raga, 0 jeito de sentar, a posrura no trabalho, no lazer, nosseus cultos sao naturalmente expostos com urna sincronicidade impe-
cave] de observador e observado, convidando-nos a entrar sern ceri-
mania na imagern.
As caracterisdcas e as arquetipos dos orixas estao na obra Orixds, deuses
iorubas na it/rica e no NovoMundo (1981), livro publicado sabre as
deuses africanos e a influencia no eandombl€! no Brasil , Salvador, e em
Cuba. Totalmeme ilustrado com 259 fotografias, rnostra cada passo de
uma iniciacao, as rituais, as roupas, as ferramentas, as dancas e, princi-
palmente, as classiflcacoes que apenas as anotacoes de urn etn6grafo
poderiam detectar. Como narrar a altivez, a forca e 0olhar guerreiro de
urn Xango? Os retratos dos onxas sao narrativas e descricoes visuais
representattvas de cada orixa. Essas imagens sao estudos, sao a historia
contada visualmente de cada lenda e de cada mito, As fotograftas forta-
lecem e legitimam a linguagem escrita; sem elas, nao saberiarnos como eurn Xang6.
A rnensagern veiculada pela imagem fotograflca, percebida como uma
gravacao tang lvel da realidade, torna-se a prova material cia presenca do
etnografo em campo - a evidencia de "ter estado" - ao demonstrar que
a autor vivenciou e representou a realldade rotahzante de OULro universe
social. Dessa forma, 0 usc da imagem serve como urn recurso ret6rico que
legitimaa veracidade do texto ant ropologlco. (Bl ttencour t, 1998, p. 198)
D E P IU RE ~ OO u. o. lW LiOPOLD \ 'l :R GE R A P lE R ~E FMUMBI VERGER OJUOBA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 46/64
P i e rr e Ve r g e r, Xang6. ! len in , Afr ica , ,I dOlo
C.l
XANG6 - sANGO
FWACJ \O : Oranian e Yamase
Esp05J\S; Ola, Oxum e Oba
SiMBOLO: urn machado com duas laminas, estilizado, que seus
eleguns trazern quando em transe. Associa-se ao simbolo de Zeus,
em Creta.
Testernunho de elegancia e maneiras galantes, existe urna hlst6ria
que nos diz como seduziu Oia-Iansa, mulner de Ogum.
"Entre os clientes de Ogum, 0 ferreiro, havia Xango, que gostava
de ser elegaote,
a ponto de trancar seus cabelos como as de uma rnulher,
Havia feito furos nos 16bulos de suas orelhas,
onde usava sempre argolas,
Ele usava colares de contas.
Ele usava braceletes,
Que elegancial
Este homern era Igualrnente poderoso pelos seus talismas,
Era guerreiro par profissao,
Nao fazia prisioneiros no decurso de sua batalhas (rnatava todos
as seus inimigos)
Par essa razao, Xango e saudado:Rei de Kosso, que age com independencial"
Xango e viril e atrevido, violento e justicetro, castiga os mentirosos,
os ladroes e os. malfeitores.
o arqueupo de Xang6 e aquele das pessoas voluntariosas e energi-
cas, altlvas e consciences de sua importancfa real ou suposts. C ..) nilo
toleram a merior contradicao, ( ...J Possuem urn elevado sentido c ia su a
propria dignidade e das suas obrlgacoes, 0que as leva a se comportarem
com urn mlsro de severidade e benevolencia C.) urn profunda e constante
sentirnento de justlca (Verger, 198). p. 140-l).
FOTOGAAFIA E ANlROI'QlDGiA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 47/64
Na serie de fotografias que ilustram a figura de Xango, as imagens
nao sao apenas urn documento do cenario das arividades de urn ritual.
o enquadramenta e a forca do movirnento congelado do brace e 0olhar
desafiante frontal e direto para a c:amara nos passa exatamente a arque-
tipo deflnido par Verger: voluntarlcso, energetico e consciente de sua
forca e seducao, Essas irnagens nao 56 cumprem uma tarefa esretica do
observador enquanto for6grafo, mas tarnbem a tarefa basica do antropo-
logo de registrar diretamente os observados, nas arividades diarias e
ritualisticas dentro da cornunidade. Registrar, documental', Y r 0 redo e
o detalhe foi a rnarca do trabalho de Verger, como mostram as suas
imagens.
Xango, Sango, historicamente, se tornou a "rei de Oy6", depots de
destronar seu rneio-irmao Dada-Ajaka, que era calma e pacifico, diferente
de Xang6, que tinha urn carater violento e imperioso. Seu nome esta
sernpre associado a forca, sabretudo ao poder que diflcilmenre e centes-
tado, Ii ! um autoritsrio e poderoso.
Orixa do raio e do trovao, castiga as malfeitores e ladroes com envio
do raio, mas utiliza suas armas apenas para faze! justica. Uma casa atin-
gida par ele e marcada, e seus proprieulrios devern pagar pesadas rnul-
tas para as sacerdotes do orixa, que vern procurar nos escornbros pedras
de raios par ele lancados Essas pedras sao colocadas sabre urn pilao de
madeira esculpida, consagrada a Xango, Tais pedras sao consideradas
ernanacoes desse orixa e conrern sell poder, Por isso, toda imagem leva
a associar Xang6 a firmeza da rocha duro e esravel.
As ferramentas de Xango, 0 proprio Verger descreve em Iinguagem
visual e escrita:
o slrnbolo de . ang6 e ° rnachado de duns l :iminas est il izado , ose
(OX(), que seus elegLln trazem nas ruaos quando em transe. Lemhra a
simbolo de Zeus, em Creta. Esse oxe parece SCI' a estillzacto de urn
personagem carregando a fogo sabre a cabeca, este fogo e , ao mesmo
tempo, 0 duple maehado e lembra, de certa forma, a cerimonia charnada
ajere. na qual os iniciados de Xango devem canegar na cabeca uma jaffa
chela de fUfOS, deruro da quaJ queima um fogo vivo. Eles nao se seruem
incomodados peresse fardo ardente, dernonstrando, atraves dessa prova,
que 0 transe nso e sirnulado. (Verger, 1981, p. 135)
P ie rr e Ve r g er . Efegun de X o ng o. S en m , Africo, s/ dolo
fQTOGlW '1A E ANTROPO lOG lA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 48/64
Xango e sedutor, figura vaidosa e sensual, e teve tres esposas. AI;
lendas contam que ele Ia frequenternente a casa do ferreira Ogum e dele
era fregues, Vlvia sempre muito bern-arrurnado e lancava olhares sedu-
teres para Iansa, mulher de Ogum. Iansa, apaixonada, sal da casa do
marido para ficar com a sedutor Xango Mais tarde, nas suas andancas ,
ele se encontra com Oxum na mara e fica fascinado par sua beleza e
vaidade. Tenta conquista-la de todas as formas e persegue-a incessante-
mente, Dizem as lendas que Exu controls a furia de Xango quando ele
tenta violentar OXUlTI.
Existem outras versoes: Xango, com sua sensualidade e elegancia,
prosta-se aos pes de Oxum. E, ainda. a domina dora Oxurn controla
Xango, fazendo-o dorrnir aos seus pes.
As dancas dos eleguns de Xango sao acornpanhadas par tres tocadores
de batao Os hornens e as mulheres formam grupos separados; as prirnei-
ros, na parte exterior ciaroda e as mulheres, na parte inferior. As dancas
seguem a rirmo dos atabaques (batas), As rnulheres inclinarn a corpo e
dancam com pequenos passos, com as braces caidos ao longo do corpo.
Os hornens dancarn com passos rnais largos e deslizantes, como des-
creve Verger. Inclinarn 0 corpo com mais energia e a braces descem
violenrarnente. Chegam a dar passos mais acrobaticos, acocoram-se e
levantam novamente, rodopiando. Os passes sao marcados pelos sons
do atabaque, sons que, em urn tom agudo e nervoso, seeo e breve,
contribuem para as dancas terern urn cararer vivo e arrebatador. A ves-
timenta tradicional usada em urn elegun possuido e urn grande avental
(bante) feiro de pele de carneiro (comida das oferendas), coberio de
biizios, passando sabre urna porcao de xales (iyeri) amarrados na cintu-
ra e ea indo livremente.
Aornc:
Pierre Verger.
Urn trio de rambor balO.
Benet, Afrlco. s/ deto
Abo,,,o:
Pierre Verger.
Dan<;o de .,I.!,g~n de
Xongo, Sanin , Africa,
, / d olo
DE ~lfRRE ~ DO UAR D l EO P OL D V E RG E R A P IE R RE F Ai UM B I V £ RG E R o J u o e A
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 49/64
Adm~:
P i er re V e rg e r.
Oon ,o de e Ieg "n de
XongO, Benin. Africo.
$/ dote
Aboixo:
P i e rr e V e r g er .
Don,o de eleg"n de
Xong6. Benin. Afri"".II dole ....;.;;_
Na Bahia, Xango e 0mais popular dos orixas, e sua popularidade etao grande que em algumas regioes seu nome e utilizado para designa-
~ao de [ado culto. E sincretizado com SaoJeronimo, no Brasil.
Assirn como Xang6, Ox6ssi e Ogum possuern alguns mites que tam-
bern sao difundidos no Brasil , A figura de Ox6ssi e quase desparecida na
Africa; segundo Verger, ele foi culruado apenas em Keto, onde recebeu a
titulo de rei. Esta nacao, porern, foi invadida e destrulda, no seculo XIX,
por tropas do rei Daorne, e seus habitarue , consagrados a este orixa,foram vendidos e transformados em e cravo no Brasil e em Cuba. Oxossi
e considerado deus cia caca, Ode, e tem como lrmaos Ogum e Exu,
filhos de lemanji.
Oxossl aprendeu com 0 trmao a nobre arte da caca,
sern a qual a vida e rnuho mais dilleil.
Ogum ensinou Oxossl a defender-se por 5i pr6prio
e ensinou Ox6ssi a cuidar cia sua genre.
Agora Ogwn podla vol tar tranquilo para a guerra.
Ogum fez de Ox6ssi 0 provedor.
Ox6ssi e i rmao de Ogurn.
Ogum e a grande guerreiro.
Ox6ssi e 0 grande cacador,
(Prandi, 2001, p. 112)
As caracterlsticas que diferem Oxossi de Ogum estao nas lendas enos
rnitos narrados por Verger. Ogum e urn orixa da guerra, do cornbate e da
cornpetlcao. As pessoas de Ogurn sao violentas, impulsivas e briguentas,
ogu~, 0valente guerreiro,
o homem loueo dos rnusculos de aco:
Ogurn, que tendo agua em casa,
Lava-se com sanguel
(Verger & Sampaio, ]981, p. 16)
Essa unpetuosidade e autoridade de Ogurn sao adquiridas nas suas
conquistas como chefe do exercito de sua cidade-Estado, em invasoes aos
reinos vizinhos, Ele saqueava as Estados derrotados. E protetor do com-
batentes. Diz a lenda que Ogum era ferreira e por isso [em como simbolos
a espada, as armas, a metal e 0 ferro - elementos que simbolizam ainda
com rnais forca seu ternperarnento duro, vigoroso e lnflexivel.
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 50/64
:&
Pierre Verger. fled';' de 0.65:51, ta~ador do oJdeio, B<!nln, A fn ca • • / doto
103
FdlOGMFiA E ANTKOPOLOG IA
Ogum Y e e e ! Esta e a saudacao para esse orixa, que, depots de perceber
D E P IE Rl lE ~ DO UA AO L tO PO lO V ER GE R A PlfRR,- FATUM 51 V £ RG ER OJUoaA
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 51/64
sua pr6pria violencia, larnentou-se e arrependeu-se. E aflrrna a lenda
que, urn dia, ao sentir que ja vivera bastante e conquistara terras para 0
seu povo, baixou entao a espacla e enterrou-se sob a terra. Ogum tornara-
se urn orixa.
Ainda de acordo com as descricoes de Verger, as rnovirnentos de
Ogum diferem multo dos de Oxossi; ele afirrna que, quando OgUIn e
manifestado no corpo em transe de seus iniciados, estes dancam com armarcial, agitando sua espada e procurando urn adversario para golpear.
E sempre Ogum quem desfila na Irente, abrindo carninho para os OlItrOS
orixas ..
Ox6ssi e responsavel pela caca, e age diferente de Ogum. Tern grande
poder de luta, mas se utiliza da observacao, da quietude e do seu arco
com urna (mica flecha para cacar em nome da sobrevlvencia. As lendas
contarn que Ox6ssi, certeiro e com uma (mica f lecha, rnatou urn passaro
gigante enviado pelas feiticeiras que nao forarn convidadas para a Festa
dos inhames que Olefin, rei de Ife, of erecia todo ana cornemorando a
colheita. E por i550 seu sirnbolo e 0 arco e flecha, ofa e darnata, E urn
orixa das rnatas e florestas como Ogum, mas sua caracterisrica e sersolitario e independente. A sua luta e para alimental' seu povo e ter 0
que comer, e nao com finalldades politicas e de poder, como Ogum.
E tradicionaJmente associado a Lua, por ser a noite ideal para a caca.
Os movimentos corporais nas dancas dos mhos de Ox6ssi reprodu-
zem a postura fis ica de urn caeador a espreita na floresta, evitando barulho
e de olhos e ouvidos extrema mente atentos aos rnovimenros da caca, Os
filhos de Ox6ssi, quando incorporados, parecern estar cautelosamenre
a espreita de urn animal, vasculhando 0 chao em busca de seus rastros:
rnovimentam-se sem fazer barulho, retesam 0arco e atirarn a flecha, dando
lim grito de alegria quando 0 alvo e akancado. A pontaria e sempre
perfeita. A saudacao e OM Ar6!
A sequencia de imagens desse rituals no Brasil, principalmeme em
Salvador, faz-nos refletir sobre a preservacao dessa culrura pela reli-
giao, Os africanos que vierarn para c a criararn lima maneira de sobrevi-
ver a submissao causada pelo trafico de escravos, rnantiverarn a
integridacle de Individuo, a identidade e a dignldade de urn povo. Re-
sistiram as mudancas bruscas e adversas de cultura, por meio princi-
palmeme do culto as divindades e de criativas adaptacoes de costumes
brasilelros.
Pier re Verger , F e st a d e OX65S i , B e ni n, s / d ot o
o olhar de Verger certamente foi fundamental para urna outra nova
visao da cul tura afro-brasi le ira eaf ricana, porque abriu e crlou lima nova
forma de ;s pessoas olharem. Quando Verger comecou a fmografar, a
grande maloria Ol inda nao estava acosrumada a enxergar 0Iado estetico
da cul tura africana e afro-brasi le ira , 0 seu est ilo fo rograflco , que rnos tra-
va sempre 0 vivo, a momenta esporuaneo e nunca ° arti£idalmente ar-
r anjado , se cornp lernenta com 0estllo escrito, das legendas e das fotos.
(Luhntng, 1998-99, p. 351)
Tanto nas suas fotografias como nos videos, Africa e Bahia unern-se.
As cores do video sao rarnbem as paginas dos livros. Deste modo, as
correlacoes hist6ricas entre as duas culturas ficarn transparentes nos
movimentos das imagens ou nas linhas dos ilvros.
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 52/64
Pierre Verger, ' (emenid monifesl'odo em condombles de 8"hlo , Salvador, Brtlsil . s / dolo Pier reV erger , T'an.~,Po r to P r i n ci p e , Hc l tl , 194B
F O TO G RA F IA E A N TR O PO L OG IA
sobre a pele, sem uma finalidade estetica funcional. Fatumbi Verger
D E P IE R RE E D O U AR D L E OP O LD V E RG E R A P IE R RE F A TU M BI V E RG E R O JU O BA
preender melhor 0que 0outro tern a dizer para outros que querem ver,
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 53/64
Ojuoba, 0renascido, os olhos de Xango e zelador da casa de candomble.
o que teria de tao sagrado?
A sacralidade estaria no entendimento de ser muitos possiveis, de ser
interdisciplinar e estar aberto para 0entendimento do outro. 0 homem
e naturalmente religioso, afirma Mircea Eliade, e isso se exprime exata-
mente "nesse olhar", "nessa maneira de observar" 0mundo e perceber
em cada coisa a manifestacao do sagrado. Ojuoba fazia de suas fotoshierofanias, e por isso afirmava que as fotografias mostram 0que nao
somos capazes de ver.
Cada ato fotograflco seu era uma manifestacao dessa sacralidade;
trazia, para as imagens, as hierofanias.
A pedra sagrada, a arvorc sagrada nao sao adoradas como pedra ou
como arvore , mas justamente porque sao hierofanias , porque " revelam"
algo que ja nao e nem pedra, nem arvore, mas 0sagrado, 0ganz andere.
(El iade, 1996 , p. 18)
Quando questionado sobre as suas diferencas e as da sociedade onde seintegrou, respondia: "nao somos nos que escolhemos, sao des que esco-
lhem voce". E ainda sobre essas questoes, os editores e os organizadores de
sua exposicao de fotografias no mundo todo - "Lemessager" - enfatizarn.
Face <Ides quest ions que l 'on voudrait fondamentales , Pierre Verger
joue entre une fausse hurnilite de ne rien etre, de ne rien savoir et une
profonde humilite devant les choses de la vie qu'il n'a jamais voulu
expliquer par les sciences de son rnonde car ilsavait qu'expliquer c'etait
prendre, reduire et peut-etre tuer. (Piv in e Leon , apudverger 1999 , p . 203)
A antropologia vem se abrindo para novas metodologias e para pra-
ticas de pesquisa, e a antropologia visual, em especial, vern discutindo 0
quanta a narrativa da visualidade fornece muito mais que dados: ela e
parte integrantc do nosso cntendimento.
A imagcm, hoje, nao pode mais estar separada do saber cientifico.
A antropologia nao dispensa os recursos visuais - e nao sao recursos
apenas como urn suporte de pesquisa, mas imagens que agem como urn
meio de comunicacao e expressao do comportamento cultural .
A antropologia visual nao almeja, dentro dos novos padroes de pes-
quisa, apenas esclarecer 0saber cientifico, mas humanisticamente com-
ouvir e sentir.
Na busca de uma nova identidade, Pierre Verger se descobriu Pierre
Fatumbi Verger Ojuoba. Com olhar multicultural, um homern de multi-
plas faces confessa que, depois dos anos que viveu recusando as coisas
de que nao gostava, a vida cornecou a tomar uma certa forma.
Pierre Fatumbi Verger Ojuoba: um homem e urn observaclor de muitos
olhares. Olhares para a memoria e as lernbrancas que 0faziam chorar:saudades das rabanadas que sua mae fazia quando crianca.
p. 116:
Jeon-Loup Pivin .
PierreVerger, Bahia, Brasil, 1992
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 54/64
f O rOO1 lA F 1A E i lN T ROl 'O l OGl A
Olhar para o mundo e uma condi-
O l HARES FOAA- DENTRQ
As imagens de Duane Michals estao em forma de foto-historia au
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 55/64
(;3.0; compreende-lo por rneio desse
olhar e uma busca eterna, instiganre e
fascinante, Fascinante porque e pela
coaternplacao da beleza do rnundo que
nos encantamos enos apaixonamos.
Instigante porque a vontade de mer-
gulhar em seu desconhecido pode noslevar ao diferente e transforrnar 0que
estarnos .viciadas a enxergar,
Afinal, os hornens sao do mundo e
estao com todas as coisas desse m.undo
- e essas coisas sao pr6prias para ser
cheiradas, tocadas e vistas. "Ser e apa-
recer coincidern-se. Os seres vivos sao
sujeitos e objetos - percebendo e sen-
do percebidos - ao mesmo tempo"
(Arendt, 1991).
Para detectar a aparente, apenasolhamos, e exatarnente nesse ponro
nos enganamos. onde esta 0ser? Essa
e urna angustia para rnuitos fot6grafos,
a depoimemo de Duane Michals, fot6-
grafo norte-america no, revela multo
bem essa rnelancolia:
c . . . ) que idiota fui eu ao acreditar que
seria tao fki l. Eu confundi as aparenclas
de autornoveis, arvores e pessoas com
realidade eacredi te i que uma Iotografla
dessas aparencias serla necessariarnenre
uma fotografla delas, E urna verdade me-
lancollca ° Jato de que eu rumca serei
capaz de fotografar as coisas da realidade
e, portanto, so poderei Ialhar. Eu sou urn
reflexo fotografando OlltIOS reflexoscorn
seus reflexes . .. Fotografar a r ealidade e
fotograJar 0 nada. (MIchals , 1976, t rad.
daaurora)
D u o ne M i ch ol s, A mone chef/a po,,, 0 oru;;i; ; ,
MaIM, Novo lerque, 1969
' "
fotos sequenciais que narrarn, par exemplo, uma certa continuidade no
tempo. Elas nos mostram, assirn como fez Andujar com as indios
Yanamamis, os simbolos visivels de urna realidade invislvel.
De urn olhar resulta urna imagem, e 0 olhar fotografico e a forma
apreendida, Registra-se a que apareruernente somes ..A antropologia da
forma pela palavra, mase uma ciencia do olhar, e e pelo 01h..T que
chegamas ao outro,esteja ele proximo au distanre. Mas como decifrarnas imagens e nas palavras 0que aparentemente somes e 0que de faro
somas? Como olhar para aquila que nao aparecer
Se observamos atentamente, fazernos parte do rnundo e nao apenas
estamos nele. Quante mais mergulhamos naquilo que enxergarnos, rnais
conhecernos do objeto e de nos mesmos. Tecemos nossas conclusoes
pelos fragmentos e pelos reconesTecemos urn olhar por fotografias
Tecernos urn saber pela antropologia.
Fotografiae antropologia tern a rnesrno instrumento, a mesrna inten-
1,;3.0: atlngir 0 alvo e 0 objeto, Na verdadeye na maneira de olhar que
nasce a diferenca, e na maneira de olhar que estabelecernos relal,;ao com
o objeto. Mas sera que nao e 0mundo que se apresenta para n6s? Seraque nao sao todas as coisas que exibem seus rostos, suas formas, seus
forrnatos e cores? Entao, se pensarmos dessa forma, nao existe diferenca:
o que e necessaria e escutar cada coisa, cheira.r,tocar e reparar: "Urnobjetopresta testernunho de si mesrno na irnagern que oferece, e sua profundi-
dade esta nas complexidades dessa imagem" (Hillman, 1999, p. 15).
Como registrar essa complexidader Para Platao, a nossa alma nao esta
separada da alma do mundo, estarnos aprisionados no mundo e 0 rnun-
do em n6s. Uma maneira de nos libertarrnos e pelo irnaginario, pelo
inconsciente e pela !oucura. E talvez por isso necessiternos da arte.
A antropologia, nesse momento,e urn dos principals instrumentos das
cierrcias hurnanas, mas como os antropologos registram 0que veern?E qual a rnetodologia adotada hoje nas pesquisas de campo? Nao existe
mais tantos povos exoticos, mas sim rnisruras e mesdas de ragas, de
generos e metr6poles. A antropologia aplicada, afirma Margaret Mead
~1962), nao e apenas urn rneio de ver eregistrar as coisas do mundo. E
um modo de participar das rnudancas constantes de uma culturae tarnbem
de discutir sobre a afetividade humana e as sentimentos, porque, se uma
culrura condena alguma coisa au comportamemo que e Intensarnente
praticado denrro de lim grupo, surgirao cada vez mais individuos violentos
e crirninosos, retratos de uma sociedade decadente.
F O TO G RA F IA E A N TR O PO L OG IA
As coisas sao, antes de possuirem urn significado. Uma arvore, uma
O LH ARES FO R A -D EN TRO
na obscuridade das nossas cavernas, acreditando ser a verdade cartesiana,
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 56/64
borboleta, uma pedra simplesmente sao. Sao anteriores ao significado
que estabelecemos, embora nelas possam ser encontrados diversos sig-
nificados ou funcoes que pouco lhes interessam.
Nao posso deixar de colocar, em minhas consideracoes finais, refle-
xoes, referencias de obras preciosas, frutos de pessoas que tern uma
observacao realmentefantastica.Como0poema de Fernando Pessoa/Alberto
Caeiro (em "Guardador de rebanhos", XL):
Passa uma borboleta por diante de mim
E pela a primeira vez no Universo eu reparo
Que as borboletas nao tern cor nem movimento,
Assim como as flores nao tern perfume nem cor.
A cor e que tern cor nas asas da borboleta,
No movimento da borboleta 0movimento e que se move,
o perfume e que tern perfume no perfume da flor.
A borboleta e apenas borboleta
E a flor e apenas flor.
Perdemos a relacao com 0tempo e seu direcionamento. Observar,
contemplar as coisas do nosso meio, isso requer tempo. Para saborea-
las, e preciso parar, 0que e quase impossivel diante do imediatismo das
nossas necessidades diarias. Vidamoderna,fugaz e efernera, como dizia
Baudelaire (1997).
A modernidade e 0 movimento de ideias e praticas nao usuais no
tempo; e impossivel estabe!ecer 0moderno temporalmente, pois tudo
tem no presente uma oposicao que se transforma em futuro. E esse e 0
movimento do moderno: presente dinarnico, com nova consciencia do
tempo, exaltando 0atual e 0transit6rio.
o caos da vida p6s-moderna, ou qualquer nome com que se denomi-na a isso que vivemos atualmente, nao existe com as mesmas propostas
do moderno, mas, pela passividade do pensamento humano, na condi-
cao de acomodamento que 0desenvolvimento da tecnologia nos pro-
porcionou, facilitando a inforrnacao e a cornunicacao, mas nao 0
conhecimento e a sabedoria.
Esse caos e gerado pelo excesso de rnudancas e significados, mas
tambern por falta de mudanca e ausencia de significados. No pos-moder-
nismo perdernos a identidade, somos imagens mirando outras imagens,
como 0mundo platonico no qual a verdade esta fora da caverna. Vivernos
11 6
cientifica, 0unico meio de transcendermos a vida e a morte.
Todas as distancias que os homens criaram em torno de si foram
ditadas por urn temor do contato. As pessoas trancam-se em casas que
ninguern pode adentrar, somente nelas sentem-se mais ou menos seguras.
o medo do ladrao nao se deve unicamente a seu prop6sito de roubar,
mas tambem ante seu toque subito, inesperado, saido da escuridao. A maotransformadora em garra e 0simbolo que sempre se emprega para repre-
sentar esse medo. (Canetti, 1995)
Acredito que essas reflexoes sobre fotografia e antropologia se encai-
xam nesse sentido. Na verdade, as tribos modernas tern 0mesmo temor
dos primitivos, do ladrao de almas. Nao se ver em nenhuma imagem e
nao se identificar e de certa forma um alivio. As imagens, em contrapar-
tida, possibilitam essas distancias, nao e preciso tocar nem sentir para ser
agarrado de subito por uma fotografia.
A fotografia e moderna, nasce na modernidade, faz a modernidade a
cada ato fotografico, eta identifica0
detalhe na massa. Criaidentidade etambern a destr6i. E, nesse ponto, e born relembrar 0que Charles
Baudelaire afirma sobre 0 comportamento da sociedade na epoca do
surgimento da fotografia. Visionario e critico, radicalizou ao responsabi-
lizar a fotografia pela banalizacao da arte.
Nao temos mais0controle clanossa pr6pria imagem. Com a cultura de
massa e a sociecladede consumo, perdemos identiclade.Positivamente,a arte
passou a ser reproduzida, podemos ver Monalisa pelas suas reproducoes.
Pela Internet podemos ate fazer amor, sem 0perigo clasdoencas contagio-
sas!A imaginacao nunca foitao desenvolvida e ao mesmo tempo formatacla.
Arte difundida, a fofografiae 0meio, a mensagem, a comunicacao, a infor-
macae, e e tarnbem a negacao clarealiclade.E c6pia da imagemda imagem,do virtual, do produzido e do estereotipado, do light, do diet, do saudavel,
do politicamente correto e vestido, do eficiente e eficaz,da qualidade total.
o ideal moderno nao e a busca de uma unidade, de autenticidade,
singularidade. Ao contrario. Como posso obter uma imagem igual ,\ de
meu vizinho? Como posso ser aceito pelas estruturas sociaisc pelos movi-
mentos de massa?
Afinal, como ver uma fotografia? Como enxergar nas imagens sua
aura? Mas e preciso ver as imagens? Sera que nao basta apenas elas
existirem? E, ainda, como fazer antropologia visual?
11 7
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIA
Quando percebemos enos atentamos para urn objeto com determi-
e
OLHARESFORA-DENTRO
do rnundo alguma coisa produzida pelo sistema, que e exterior a
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 57/64
nado reparo e cuidado, estamos identificando-o, trazendo dele 0dife-
rente, captando sua aura, tornando-o unico, Por urn instante, a fotografia
faz 0 moderno e cria 0 passado. Em urn instante, 0 que era moderno,
portanto inexistente, identifica-se, delimita-se, e marcado e recortado
pelo artista da fotografia, e, logo depois, perde-se nas reproducoes, nas
copias e no reconhecimento social.
Nas palavras de Baudelaire, critico feroz da reprodutibilidade e davulgarizacao que a fotografia poderia causar a arte, a singularidade nas-
ce da observacao cuidadosa do artista. Talvez ele nao imaginasse que
agora, quase cern anos depois, com a velocidade e0ritmomaisacelerados,
o seculo das imagens e das reproducoes trouxesse a arte mais pr6xima
daqueles que nao podem ir a museus, teatros e cinemas. Quem sabe a
fotografia nao seja urn metodo para observarmos 0mundo? Quem sabe
podera tornar-se urn fldneur das coisas do mundo?
A busca das imagens deixou de ser uma busca de fatos, mas tambern
uma fragmentacao desses fates. Na multiplicidade, elas estao cada vez
mais se perdendo. Hoje, nao se sabe onde esta0original, nao se tern mais
a proximidade com a realidade, nao existe ponto fixo. A realidade eindetectavel, Asimagens sao profecias de uma epoca e hoje nao passam
de reflexos em vidros sem ponto de referencia. Sao multiplas imagens
refletindo varias realidades.
Nao estariam as imagens caminhando para urn processo novo da
arte? Ou ate seguindo uma proposta do pr6prio espirito do moderno,
perdendo a forma concreta, a ideia de autoria? Para alguns, 0 autor
acaba no momenta da criacao, ou melhor, nao existe autor, apenas uma
funcao-autor, mesmo assim, nao seria indispensavel que esse autor per-
manecesse constante em sua forma, pois poderia sua obra, seu texto,
cair no anonimato murrnurio (Foucault, 1994).
Com a mesma linha de pensamento, 0 sociologo Pierre Bourdieutambern coloca que uma obra nao tern autor porque ela e 0criador sao
produto das estruturas socials; depende do reconhecimento do sistema
social para se tornar obra, portanto, nao existe autoria, obra unica e
singularidade na criacao.
Esses pensadores conternporaneos seguem 0mesmo estilo do
estruturalista Marcel Duchamp, que defendia a tese cia clesnecessi-
clacle de urn sujeito criaclor por tras cle uma obra. A maquina nao
necessita de autor ou cle origem; tudo esta pronto. 0 individuo por
tras de urn ready-made simplesmente nao faz nada alern de coletar
esse individuo e maior do que ele.
o sociologo frances Jean Baudrillard coloca com clareza, em A arte
da desaparicdo (1997), que vivernos imagens das imagens, urn mundo
de simulacros no qual ninguern sabe onde elas comecam ou terminam.
Estarnos indo para uma ausencia completa de imagens. Nao existe mais
o espelho, a tela. Asimagens sao apenas imagens.
Eu ainda colocaria como contraponto as palavras de Baudelaire,quando ele diz sobre 0artista:
Nao: Poucos homens sao dotados da faculdade de ver; ha ainda me-
nos homens que possuem a capacidade de exprimir. Agora, a hora em
que os outros estao dormindo, ele esta curvado sobre sua mesa, lancando
sobre uma folha de papel 0mesmo olhar que ha pouco dirigia as coisas,
lutando com seu lapis, sua pena, seu pincel, lancando agua do copo ate
o teto, limpando a pena na camisa, apressado, violento, ativo, como se
temesse que as imagens the escapassem, belicoso, mas sozinho e deba-
tendo-se consigo mesmo. Eas coisas renascem no papel, natura ise, mais
do que naturals, belas, mais do que belas, singulares e dotadas de uma
vida entusiasta como a alma do autor. (Baudelaire, 1988, p. 173)
As manifestacoes do homem sao inumeras, advindas do poder, da
posse, do desejo descontrolado que a sociedade moderna estabelece.
No cotidiano, acontecem pelas ruas, nos muros grafitados, nos "loucos"
que andam pela cidade, nos pastores ambulantes fazendo suas prega-
coes como uma maneira do homem chegar rnais pr6ximo de sua alma,
de sua "felicidade".
Mas que manifestacao humana aproxima-se do proprio homem? Ou
chega mais pr6ximodo divino?Como percebe-lo se, como obrasde criacao,
buscamos 0nosso criador?Seexiste urn artistaclessaobra e, qualquer que
seja seu nome, ele nos deu a consciencia, 0poder de observacao, de per-
cepcao cia realidade, da existencia,do sentirsagrado?E como perdura-lo na
mem6ria, em obra, em arte e religiao?
o homem torna-se admiravel a partir do momento em que contempla;
admirado e perplexo diante da natureza, ele e capaz de criar, sem de
fato entender 0sol, a lua... Espantado, contempla e cria com tamanha
perfeicao que torna-se criador, e seus sentidos passam a ser tambern
seus instrumentos, transformados em pincers, canetas, reguas - instru-
mentos de elaboracao do mundo.
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIA
Questiona-se se Pierre Verger era urn antrop6logo, mas nao se pode
OLHARESrORA·DEN1RO
medo, por esse motivo e que as pessoas te rn mesmo de ficar sozinhas,
Ele pensou: Do que e que eu tenho medo? Nao hC I nada, exceto eu
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 58/64
negar que, com sua arte e seus pr6prios metodos de pesquisa, ele mostrou-
nos urn rnundo que desconheciarnos, e rna is completamente quando
trouxe para dentro de cada imagem 0 seu sentimento e a sua relacao
sagrada com 0universo afro-brasileiro.
o art ista, e c laro, realmente revela 0incomum no comum. Essa e a
ta refa - nao distinguir e separar 0comum e 0 incomum, mas enxergar 0
comum com olho incomurn da intensificacao divina. (Hillman, 1999)
A intensif icacao divina , segundo Hil lman, comporta 0oculto, 0invisi-
vel, 0 transparente; retrata 0encontro do homem consigo mesmo e com
o mundo em que vive. Os fatos sao amarrados por dentro e por fora.
Nao e possivel afirmar que a fotografia tern uma autonomia para
registrar os estados da alma, mesmo porque esses estados nao sao uni-
versais, esses sent imentos nao sao unicos, Mas imagens contextualizadas
podem trazer para a ciencia descobertas inesperadas,
"Le bon Dieu est dans ledetail", afirma Flaubert, 0 que nos remete a
filosofia panteista de Giordano Bruno, urn cosmologo visionario que ve
o mundo como urn universo infinito composto por varies mundos, em-
bora nao possa afirmar que ele seja totalmente infinito, porque cada urn
deles e em si finito; infinito e Deus, por.que esta em todas as coisas
(Calvino, 1998).
Para Mircea Eliade, a visao do homem acerca da realidade esta ligada
a descoberta do sagrado, de certa forma desqualificando 0 significado
dos objetos e das coisas comuns. A consciencia do mundo real e signifi-
cativo s6 e constituida pela sacralizacao das coisas.
Talvez seja 0 momenta de questionar 0 individuo nesse oceano
globalizado . Talvez seja 0momenta de descobrir por onde anda a nossa
identidade. Alern da sociedade, do grupo, 0 homem existe s6. E por
estar vivendo, hoje, urn caos, como definem alguns antropologos e soci6-
logos, 0homem recorre aos mitos para obter uma certa ordem. Acredito
que, como nos mitos cle criacao clo Upanishad, 0 homem precisa olhar
para si mesmo e se perguntar novamente;
Ele olhou em volta e nada viu, a nao ser ele mesmo. Em seguida, no
inicio gritou: eu sou ele! Dai 0substantivo EU. E esse 0motivo por que
mesmo hoje, quando interpelada, uma pessoa declara inicialmente "sou
eu" e, em seguida, diz outro nome pelo qual e conhecido. Ele estava com
mesmo, c ai dcsapareccu seu medo ( ... ). Ele se sentia infe liz, e por esse
motive que as pessoas nao se sentem felizes sozinhas. Ele queria uma
companhei ra . Tornou-se tao grande quanto urn homem e uma mulher
abracados. E dividiu esse corpo , que era ele mesmo, em duas partes;
dessa separacao surgiram marido e mulher. E, entao, ele se deu conta do
EU verdadeiro, EU sou a criacao, pois a retirei de mim mesmo: dessemodo, ele se tornou a sua criacao. Em verdade, aquele que conhece isso
sc torna a criacao e 0 criador . (Campbell , 1997)
Nesse scntido, Canetti nos define como gotas que 56 contam quando
mergulhadas no todo, as gotas s6 contam quando nao se pode rna is
conta-las: individuos e massa.
Alem das ondas, no entanto, hi ainda um outro elemento multiple
que e parte do mar, as gotas. Estas, porern, estao isoladas, sao apenas
gotas, nao vinculadas entre si, sua pequenez e seu isolamento possuem
algo impotente. Sao quase nada e despertam um sentimento de compai-xuo no observador. Mergulha-se a mao na agua, erga-se a mao nova mente
e conternplam-se as gotas escorrendo isoladas e debe is por ela. A com-
paixao que se sente e como se elas fossem pessoas desesperadamente
56s. As gotas so contam quando nao se pode mais coma-las, quando se
dissolvem novamente no todo. (Canett i, 1995)
Entencler se a fotografia e urn documento cia rea lidade e discuti r so-
bre a sua pr6pria existencia, sua hist6ria e sua magia. Nao foi 0 objetivo
deste livro enfocar ? "real ou nao real" na imagem fixada pela fotografia
no ambito da antropologia, mas a maneira do sujeito observar essa rea-
lidade, fotografanclo-a.Como utilizar os sentidos, as emocoes do sujeito que fotografa e as
do fotografado?
o antrop61ogo precisa conhecer a arte cle fotografar, a arte de lidar
com seu corpo e a arte de lidar com as emocoes. Precisa olhar-sc, olhares
fora-dentro, dentro-fora.
12 1
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 59/64
BIBLIOGRAFIA
AGUIRRE, A. (Org.), Cultura e identidad cultural. Barcelona: Bardenas, 1997.
ALMEIDA, Cleide Rita. 0bumano, lugar do sagrado. Sao Paulo: Olho d 'Agua, 1996.
ANDUJAR, Claudia. Yanomami. Sao Paulo: DBA, 1998 .
ARCARI, Antonio. Afotografia. as formas, os objetos, 0homem. Sao Paulo: Mart ins
Fontes, 1980.
ARENDT, Hannah. A vida do esp iri to : 0pensar, 0querer, 0julgar. Rio de Janeiro:
Relurne Dumara, 1992.
ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepcdo visual: uma psicologia da visao criadora. Sao
Paulo: Pioneira, 1989.
AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas: Papirus, 1993.
BACHELARD, Gast6n. A poetica do devaneio. Sao Paulo: Mart ins Fon tes, 1996.
BACON, Francis. Ensaios. Lisboa: Guimaraes, 1992.
BALANDIER, Georges. Poder em cena . Brasilia: UnB, 1985.
BARROS, Manoel de. Ensaios fotogrdficos. Sao Pau lo: Record, 2000.
BARTHES, Roland. A cdmara clara. Rio de Janeiro : Nova Frontei ra , 1984.
___ .06bvio e 0obtuso. Rio de Janeiro : Nova Frontei ra , 1990 .
BASTIDE, Roger. Imagens do Nordeste mistico em branco e preto. 0cruzeiro. Rio
de Janeiro : 1945.
___ . Anatomie d'Andre Gide. Paris: Presses Universitaires de France, 1974.
___ .0candomble na Bahia. Sao Paulo: Cia . Edi to ra Nacional , 1976 .
___ . Antropologia aplicada. Sao Paulo: Perspectiva, 1979.
___ .A s religioes africanas no Brasil: contr ibuicao a uma sociologia das interpene-
t racoes de civi lizacoes, Sao Pau lo: Pionei ra , 1985.
___ . Os orixas, hist6ria dos deuses que vieram da Africa. Planeta, ed. especial , n. 1 ,
maio/1996.
BATESON, Gregory & MEAD, Margaret. Balinese Character: A Photographic Analysis.
Nova Iorque: Academy of Sciences , 1962 .
BAUDELAIRE, Charles. Photography. In: NEWHALL, Beaumont (Org.). Photography:
Essays & Images. Nova Iorque: The Museum of Modern Art, 1981.
12 3
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIA
___ . Opintorda oida moderna, a modcrnidade de Baudelaire. S:IOPaulo: Paz e
Terra, 1988.
BIBLIOGRAFIA
___ . Scis propostas para 0proximo milenio. Sao Paulo: Companhia das Letras,
1998.
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 60/64
___ . Sobre a modernidade. Sao Paulo: Paz e Terra, 1997.
BAUDRILLARD, Jean. A arte da desaparicdo. Rio de Janeiro: UfRJ, 1997.
BAVCAR, Evgen. Le Voyeur absolu. Paris: Seuil , 1992.
BAZIN, Andre . The Ontology of Pho tographic Image. In : PETRUCK, Pen inah R. The
Camera Viewed. Writtings on Twentieth-Century Photography. Nova Iorque: Dutton,
1979.
BECKER, Howard S. Balinese Character : uma analise fotografic» de Gregory Bateson
e Margaret Mead. Cadernos de Antropologia e Imagem. Antropologia e fotografia,
n. 2. Rio de Janeiro: Programa de Pos-Graduacao em Ciencias Sociais/Nucleo de
Antropo logia e Imagem, 1996 .
BECKS-MALORNY, Ulrike. Kandinsey : em busca da abstracao, Lisboa: Benedikt
Taschen, 1995.
BELLOUR, Raymond. Entre-imagens. Campinas: Papirus, 1997.
BENJAMIN, Walter. Petite Histoire de la photographie. In: . L 'Homme, le langage
et la culture. Essais. Par is: Dcnoe! Gonthier, 1971.
___ . A obra de arte no tempo de suas tecnicas de reproducao, In: . Magia
e tecnica, arte epolitica: ensaios sobre l itera tu ra e hist6ria da cul tu ra . Sao Pau lo:Brasiliense, 1996
BERGSON, Henri. Materia e memoria: ensaio sobre a relacao do corpo com 0 espi-
ri to. Sao Paulo: Mart ins Fon tes, 1990.
BITTENCOURT, Luciana Aguiar. Algumas consideracoes sobre 0 uso da imagem
fotografica na pesquisa antropol6gica. In: FELDMAN-BIANCO, Bela & MOREIRA
LEITE, Miriam. Desafios da imagem, fotografia, iconograf ia e video nas Ciencias
Sociais. Campinas: Papirus, 1998, p. 197-212.
BLADE RUNNER, CA<;;:ADORDE ANDR6IDES (filme) . Direcao de Ridley Scott . Dis-
t ribuidora: Warner Home Video, EUA, 1982. 117 min., 35 mm.
BONI , Jose de. Verde lente. fot6grafos brasi le iros e a natu reza . Sao Pau lo : Empresa
das Artes, 1996.
BOURDIEU, Pierre & BOLTANSKI, Luc. Un Art Moyen: essai sur les usages sociaux
de la photografie. Pari s: Minu it , 1965.
BRADBURY, Malcolm & MCFARLANE, James. Modernismo: guia geral: 1890-1930.
Sao Pau lo: Companhia das Letras, 1999 .
BRISSAC, Peixoto N. As imagens e 0 outro. In: NOVAES, Adauto (Org.l. 0 desejo.
Sao Paulo: Companhia das Letr as, 1999.
CAIUBY, N. Sylvia. 0 uso da imagem na ant ropologia. In : SAMAIN, Et ienne (Org .) .
ofotografico. Sao Paulo: Hucitec , 1998.
CALVINO, Italo. Os amores dificeis. Sao Pau lo: Companhia das Letras, 1998.
CAMPBEL, Joseph. 0 poder do mi to . Sao Pau lo: Palas Athena, 1992 .
As mascaras de Deus, v. 2, Mitologia Oriental. Sao Paulo: Palas Athena,
1995.
o u{Jodo passaro seluagern. Rio de janeiro: Rosas do Tempo, 1997.
CANETTI, Elias. Massa e poder. Sao Paulo: Companhia das Let ras, 1995 .
CAPRA, Fritjot. Tao da fisica. um paralelo entre a fisica modern a e 0 misticismooriental. Sao Paulo: Cultr ix, 1975.
CARTIEI{-BRESSON, Henri. L'Imaginaire d'apres nature, catalogo. Par is, 1984.
CARYBf:, Hector. As sete portas da Bahia: textos e desenhos de Carybe. Rio de
janeiro: Record, 1976.
CHAU!, Marilena. janela da alma, espelho do mundo, In: NOVAES, Adauto (Org.). 0
olhar. Sao Pau lo: Companhia das Let ras, 1989 .
COLLIER jr., john. Antropologia uisual: a fotografia como metodo de pesquisa. Sao
Paulo: Edusp, 1973.
COOPER, J. C. Yin e Yang: t aoismo. Sao Pau lo: Mart ins Fontes , 1981.
CORTAzAR, julio. Blow-up e outras bistorias. Lisboa: Europa-America, 1966.
___ . Fenetrcs sur l'insolite. Le Nouuel Obseruateur, Special Photo. Par is: 1977.
COSTA E SILVA,Alberto da. Prefacio. In: GURAN, Milton. Agudas, os brasileiros do
Benin. Rio de janei ro: Nova Frontei ra /Gama Filho, 1999.
DAlmON, Sebastian. 0 etn61ogo e sua imagens. In: SAMAIN, Etienne (Org.). 0
fotografico. Sao Paulo: Huci tec, 1998.
DEBRAY, Regis. Manifestos midiologicos. Petropolis: Vozes, 1995.
___ . Vida e morte da imagem. Petropolis: Vozes, 1996.
DELEUZE, Gilles. Conuersacoes. Sao Paulo: Ed itor a 34, 1992.
___ . Bergsonismo. Sao Pau lo: Edi tor a 34, 1999 .
DUBOIS, Phi ll ippe. 0 atofotografico. Campinas: Papirus, 1994.
DURANT, Will. A bistoria dafilosofia. Rio de janei ro : Record, 1997 .
ELIADE, Mircea. Irnagens e simbolos, ensaio sabre 0 simbolismo magico-religioso.
Sao Pau lo: Martins Fon tes, 1996.
___ . 0 sagrado e 0profane. a essencia das r el igloes. Sao Paulo: Mart ins Fon tes,
1996.
___ . M efistofele: e 0 androg ino . comportamentos religiosos C valores espirituais.
Sao Pau lo: Mart ins Fontes , 1998.
___ . Tratado da bistoria das religioes. S,IOPaulo: Martins Fontes, 1998.
12 5
FOTOGRAFIA E ANTROPOLOGIA
FELDMAN-BIANCO, Bela & MOREIRA LEITE, Miriam (Orgs.). Desafios da imagem:
fo tografia, iconografia e v ideo nas Ciencias Socia i s. Sao Paulo: Pap irus , 1998 .
BIBLIOGRAFIA
HILLMAN, James. 0 c6digo do ser: urna busca do carater e da vocacao pessoal. Rio
de Janeiro : Objetiva , 1997 .
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 61/64
FONTCUBERTA, Joan. EIbeso dejudas.fotografia y uerdad. Barcelona: Gustavo Gili,
1997.
FOUCAULT, Michel. Las Meninas. In: . As palavras e as eoisas. Sao Paulo:
Mart ins Fon tes, 1992, p . 19-31.
FRANCE, Claudine. Cinema e antropologia. Sao Pau lo : Unicarnp, 1998 .
___ . Do filme etnografico it antropologia .filmica. Campinas: Unicamp, 2000.
FRANK, Robert. The Americans: Photographs . Nova Iorque: Grove Press , 1959 .
FREUND, Gisele. Lafotograf ia como documento social. Barcelona: Gus tavo Gi li ,
1974.
FREYRE, Gilberto. Problemas brasileiros de antropologia. 2. ed. rev. e aumentada.
Rio de Janeiro : Jose Olympic, 1959.
___ . Bahia e baianos. Textos reunidos por Edson Nery da Fonseca. Salvador:
Fundacao das Artes/EGBA, 1990 .
FRICOVA, Yvonna & FRIC, Pavel. Guido Boggtani, fot6grafo. Praga: Nakladatelsti
Titanic, 1997
FRIZOT, Michel (Org.), The New History of Photography. Colonia: Konemann, 1998.
GALANO, Ana Maria . In ic iacao a pesqu isa com imagens . In : FELDMAN-BIANCO,
Bela & MOREIRA LEITE,Miriam (Orgs.). De sa fi os d a imagem: fotografia, iconografia
e video nas Ciencias Socia is . Campinas: Pap irus , 2000 .
GALASSI, Peter. Before Photography: Pain ting and the Invent ion of Pho tography.
Nova Iorque: Museum of Modern Art, 1981.
GEERTZ, Clifford. A interpretacdo das eulturas. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 1978.
___ . Works and Lives: The Antrophologist as Author. Stanford: Stanford University
Press, 1988.
GIDDENS, Anthony. As consequencias da modern ida de. Sao Pau lo : Unesp , 1991.
GODELIER, Maurice. Outils d'Enquete et d'analyse antbropologique. Paris: Francois
Maspero, 1976.
GUARNER B., Comunicacion visual atraves de las imageries. In: AGUIRRE, A. (Org.).
Cultura e identidad cultural. Barcelona: Bardenas, 1997.
GURAN, Milton. Agudds, os "brasileiros" do Benin. Rio de Janeiro: Gama Filho/Nova
Fronteira, 1999.
___ . Notas de pesquisa sobre iniciacao e 0trabalho fotografico de Pierre Fatumbi
Verger no Benin. Cadernos de Antropologia e Imagem, n. 7, v. 2. Antropologia e
Imagem. Rio de Janeiro : 1998.
HALL, Edward T. The Hidden Dimension. Garden Ci ty : Doubleday, 1966.
HARBUTT, Charles. Travelog: I don't Take Pictures, Pictures Take Me. Nova Iorque 1987.
___ . Cidade & alma. Sao Paulo: Studio Nobel, 1999.
HOLBORN, Mark (Org.), Aperture. Wester Spaces, n. 98. California: Aperture
Foundation, 1985.
IVINS Jr., William M. Prints and Visual Communication. Cambridge: Harvard University
Press, 1953.
JEZEQUEL, Herve. A fotografia nas festas populates. Cadernos de Antropologia, n. 2.
Antropologia e fo tografia. Rio de Janeiro : Programa de Pos-Graduacao em Cieri -c ias Socia is/Nucleo de Antropologia e Imagem, 1996, p . 127-34.
JUNG, Carl Gustav. 0 homem e seus sirnbolos. Rio de Janei ro: Nova Fron te ira , 1964 .
JUNQUEIRA, Carmen. Shamans and Sorcerers. In: GEZA, Kezoi (Org.). Menyeruwa.
Honorary Studie s to L. Boglar' s 70th Anniversary. Festal Yearbook. Szimbi6zus,
8. Yearbook of Department of Cultural Anthropology, Budapeste, pp. 150-158,
1999.
___ . Antropologia indigena: uma in troducao, Sao Paulo: Educ, 1999 .
KANDINSKY, Wassily. Do espiritual na arte. Sao Paulo: Mart ins Fon tes, 1990 .
KOSSOY, Boris. Fotograjia e hist6ria. Sao Paulo: Atica, 1989.
___ . Real idades eficcoes na tramafotograf ica. Sao Paulo: Atelie Editorial , 1999.
LAO TSE. 0 livro do camirzho perfeito. Sao Paulo: Pensamento, 1997 .
LAPLANTINE, Francois. Aprender antropologia. Sao Paulo: Brasiliense, 1988.
LE GOFF, Jacques. Por amor as cidades. conversacoes com Jacques Lebrun. Sao
Paulo: Unesp, 1997 .
LEMINSKI, Paulo. Zen e a fotografia. Palest ra na V Semana Nacional da Fotografia,
Curi tiba , 1986, publ icada em Espaco Aberto, Curi tiba , 1989.
LEPOLDO E SILVA,Franklin. Bergson, Proust: tens6es do tempo. In: NOVAES, Adauto
(org.), Tempo e bistoria. Sao Pau lo: Companhia das Letr as, 1992.
LEVI-STRAUSS, Claude, Tristes tr6picos. Sao Pau lo: Mart ins Fon tes 1955.
___ . La Pensee sauvage. Paris: Librair ie PIon, 1962.
___ . Mito e Significado: perspect ivas do homem. Lisboa: Ed icoes 70, 1978.
LIPOVESTSKY, Gilles. A era do vazio. Lisboa: Relogio d'Agua, 1983.
LUHNING, Angela. Pierre Fatumbi Verger e sua obra: homenagem. Afro-Asia-
Reuista do Centro de Estudos Afro-Orienta is, n. 21-22, p. 315-53. Salvador: Centro
de Estudos Afro-Orientais, FFCH/UFBA, 1998-1999.
MACHADO, Arlindo. A i lu s do e s pe c ul ar : inrroducao a fotografia. Sao Paulo: Brasiliense,
1984.
MAGEE, Bryan. Historia da filosofia. Sao Paulo: Loyola, 1998.
12 7
fOTOGRAflA E ANTROPOLOGIA
MALINOVSKI, Bronislaw. Uma teoria cientifica cia cultura. Rio de Janeiro: Jo rge
Zahar, 1962.
PRAN])I, Regmaldo. Mitologia dos orixds. S~10Paulo: Companhia dus let ras, 2001.
PRANDI, Rcgmaldo & PIEI{UCCI, Antonio Flavio. A real idade social das rel igioes no
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 62/64
___ . Os argonautas do Pacifico Ocidental. urn relato do empreendimento e da
aventura dos nat ivos nos arquipelagos da Nova Guine, Melanesia. Col . Os Pensa-
dores. Sao Paulo: Abr il Cu ltur al , 1976.
___ . Magia, ciencia e religido. Lisboa: Edicoes 70, 1988.
MARESCA, Silvain . Olhares cruzados : ensaio comparative ent re as abordagens foto-
grafica e etnografica. In: SAMAIN, Etienne (Org.), Ofotogrdfico. Sao Paulo: Hucitec,
1998.
MERLEAU-PONTY, M. 0uisiuet eo inuisiuel. Sao Paulo: Pcrspectiva, 1971.
___ . Sign os. Sao Pau lo : Martins Fontes , 1991.
MICHALS, Duane. Deal Dreams. Nova Iorque: Addison House, 1976.
MOISES-PERRONE, Beatriz. Entrevista com Claude Levi-Strauss. Folha de 5Paulo,
Maisl, 27/6/1999.
MORIN, Edgar. 0cinema 011 0bomem imaginario. Lisboa: Moraes, 1970.
Cul tura de massas no seculo xx. Vol. 1 - Neurose. Rio de Janeiro: Forense
Universitaria, 1997.
___ . Amor, poesia, sabedoria. Sao Pau lo: Bert rand Brasi l, 1999.
MUSEU DA IMAGEM E DO SOM (MIS). Catalogo da Expos icao Afotografia como
feitico, captando 14m outro mundo mundo do outro. Fotos de Claudia Andujar ,
Harald Schultz e A. Frisch, 19/4/2000.
NANOOK OF THE NORTH (fi lme-documentario). Di recao de Robert Flaherty. Prod .
Revillon Freres. Nova Iorque, 1922, 70 min, p&b, 35 mm.
NIEMEYER, Ana Maria. Rimas urbanas: fa las sobre mult icul tur al ismo em Bolonha e
Paris. Revista Imagens, n. 7, mai./ago. 1996. Campinas. Unicamp, 1996,1'1' .88-96.
NOVAES, Adauto (Org.). 0olbar. Sao Paulo: Companhia das Let ras, 1989 .
NUNES, Benedito. lnt roducdo a f ilosof ia da arte. Sao Paulo: Atica, 1991.
OITICICA, Jose filho. A ruptura dafotografia nos anos 50- catalogo. Rio de Janei-
ro: Funarte, 1984.
ORTEGA Y GASSET, Jose. La rebelion de las massas . Madri: Union Editorial , 1984.
PASSETTI, Dorothea Voegelle. Minuscule incomensurauel. Claude Levi-Strauss, an-
tropologia e arte. 1999. Tese (doutorado em Antropologia) - Faculdade de Cieri-
c ias Socia is , Pont if ic ia Univers idadc Cat61 ica de Sao Paulo, Sal ! Paulo.
PESSOA, Fernando. Obra poetica. Rio de Janeiro: Nova Aguilar , 1994 .
PLATAO. Timeu e critias ou a Atldntida. Sao Paulo: Hernus , 1981 .
- __ . Dialo[!,os. Sao Pau lo: Nova Cul tur al , 1987 .
POLLAK, Michael. Memoria, esquecimento, silencio. Estu dos bistoricos, v. 2, n.3, p.
3-15. Rio de janeiro: FGV, 1989.
12 8
Brasil. Sao Pau lo: Hucitcc , 1996.
RIBEIRO, Darcy. Kadiuieu, ensaios ctno l6gicos sobre 0 saber, 0 azar c a belcza.
Petropolis: Vozes, 1980.
ROSENBLUM, Naomi. A World History ofPhotography. Nova lorque: Abbeville Press,
1984.
RUSSELL,Bertrand. Nosso conhecimento do mundo exterior: estabelecimento de urn
campo para estudos sobre 0metodo cient ifico ern fi losofia. Sao Paulo: Edusp,
1966
SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado. processo de criacao art ist ica. Sao Paulo:
Annablume, 1998.
SAMAIN, Etienne & SOLHA, Helio. Antropo logia visual, mi to e tabu. Cadernos de
textos de Antropologia Visual. Rio de Janeiro : Museu do Indio, se t/1987.
SAMAIN, Etienne (Org.). Ojotogr(iji'co. Sao Paulo: Hucitec , 1998 .
SANTAELLA, Lucia & NOTH, Winfried. Imagem. cogn icao, semiot ica, midia. Sao
Paulo: I luminuras, 1998.
SANTOS, Laymcrt Garcia dos. Tempo de ensaio. Sao Paulo: Companhia das Letras,
1989
SCHAEFFER, Jean-Marie. A imagem precaria. sobre 0 dispositive fotografico. Cam-
pinas: Papirus, 1996.
SCHARf, Aoran. Art and Photography. Baltimore: Penguin, 1974.
SEMPIUNI, Andrea. Multicult uralismo. Bauru: Eusc, 1999.
SOCRATES. Col. Os Pensadores. Sao Paulo: Abri l Cu ltura l, 1975
SONTAG, Susan. Ensaios sobre fotografia. Rio de Janeiro: Arbor, 1981 .
SOUZA, Jose Cavalcanti (Org.) Ospre-socraticos, vida e obra. Col. Os Pensadores.
Sao Paulo: Abri l Cul tu ra l, 1980
SPINOZA, Benito. Pe/~salllel/tos metafisicos. Col. Os pcnsadores. Sao Paulo: Abril , 1979.
STIEGLITZ, Alfred. Camera Work: The Complete llustrations 1903-1917. Colonia:Diane Publishing, 1996.
THOREAU, Henry David. in Wildness i s the Preserua tion o fthe World Fotos de El iot
Porter. Sao fr ancisco: Arrowood Press, 1989 .
TYLOR, Edward Burnett. Primitioc Culture. Nova Iorque: I larper, 1958.
VANLlEI{,Henri. Philosopbie de fapbotograpbie. Paris: Les Cahiers de b Photoihraphies,
1983
VASQCEZ, Pedro Como jClzerj(J/ogmjlci Pcrropolis: Vozes, 1986
___ . Fotograjia, n:flcxo c rcflcxoes. Porto Alcgre: L&Pl\j, 1986
FOTOGRAFIA E ANTROPOlOGIA
VERGER: MENSAGEIRO ENTRE DOIS MUNDOS (documentario). Di recao de Lula
Buarque de Hollanda. Rotei ro de Marcos Bernstein. Brasil , Conspi racao Filmes,
GlobosatiGNT-Net/Sky, Gege Produc;:6es,1998, 82min color ., 35mm. Linguas fala-CREDITOS FOTOGRAFICOS
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 63/64
das: portugues, ioruba, mina, fon e f rances.
VERGER, Pierre; BISCHOF, Werner; FRANK, Robert. From Incas to Indians. Parisi
Nova Iorque: R. Delpi re /Universe Books , 1956.
VERGER, Pierre & SAMPAIO, Eneas Guerra. Lendas dos Orixds. Salvador: Corrupio,
1981.
VERGER, Pierre. Notes sur Ie cul te des Orixa et Vodun a Bahia. La Baie de Tous lesSa ints au Bresil et a l 'Ancienne Cote des Esclaves en Af rique, serie Mernoires de
l 'Ins ti tut Francais d'Afr ique Noire , n. 51. Dakar: IFAN, 1957 .
___ . Noticias da Bahia- 1850. Salvador: Corrupio, 1981.
. Orixas: deuses iorubas na Africa e no Novo Mundo. Salvador: Corrupio,
1981.
___ . Fluxo e rejluxo do trafico de escravos entre 0Golfo do Benin e a Bahia de
Todos os Santos. Salvador: Corrupio, 1987.
Dieux d'Afrique. Paris: Revue Noire, 1995.
Le Messager. Photographs 7932-7962. Paris: Revue Noire, 1996.
___ . Notas sobre 0cul to aos orixds e uoduns . Sao Paulo: Edusp, 1998.
___ . E we: 0uso das plantas na sociedade ioruba. Sao Paulo: Companhia das
Letras, 1999.
WENDERS, Wim. Preservar 10 que va a desaparecer: la fotografia como memoria. EI
Correo de fa Unesco, Madr id, abri l de 1988 .
WESTON, Brett. Voyage of the Eye. Nova Iorque: Apertur e, 1975.
WESTON, Edward. The Daybooks of Edward Wes ton . Nova Iorque: Aperture , 1996.
17: Rosane de Andrade, Cavalo, Ribeiroo
Preto, 1999
21: Rosane de Andrade, Dona do L u z ,
Curitiba, 1999
22: Rosane de Andrade, Dona do Lu z ,
Curitiba, 1999
23: Rosane de Andrade, Dona do L u z ,
Curitiba, 1999
24: Rosane de Andrade, Dona do L u z ,
Curitiba, 1999
30: RosanedeAndrade, Vercom o lhos l i vres ,
Sao Paulo, 1998
33: Claud ia Andu ja r, Y an om a mi , 1 9 98
37: William Henry Fox Talbot, Botanical
S pe ci me n, 1 83 9
39: Etienne Carjat, Cha rl e s Ba u de l ai re ,
1878
40: Felix Nadar, Sarah Be r nha rd t , 1 87 7
43: Eugene Atget, Prosti tu ta , Paris, 1920
44: Henri Cartier-Bresson, Arena, Valencia,
Espanha, 1933. Magnum Photos
45: Alexander Rodchenko, Retratod e m in ha
mae, 1924. Col. Alexander Lavrientiev
44: Cor toes de vis ita, Budopeste, Hungr ia,
1874. Col. do autora
57: LIdia Cipriani, M ulh er d e F ofa , Africa
Oriental, 1939. Revi sta Imagens , n. 7,
p. 88-9, artigo deAna Maria Niemeyer
58: Guido Boggiani, Ve lh o d e c a be l o b r an c o,
t ri b o Chama c o co , Alto do Paraguai,
1896. Col. Fric & Fricova
59: Guido Boggiani, Mulher jovem pintado,
Nabileque, Mota Grosso do Sui, 1897.
Col. Fric & Fricova
60: Guido Boggiani, iooto, serio, tr ibo
Chamacoco, Alto do Paraguai, 1896.Col. Fric & Fricova
62: Claudia Andujar, Y an om a mi , 1 9 98
630: Claudia Andujar, Y an om a mi , 1 9 98
63b: Claudia Andujar, Y an om am i, 1 99 8
64: Claudia Andujar, Y a nom am i, 1 9 98
65: PierreVerger,Porto Principe,Haiti, 1948.
Col. Fuodocoo Pierre Verger, Salvador
66: Alfred Stieglitz, Th e Te rm i na l, Nova
lorque, 1892. MaMA, Nova lorque
67: EadweardMuybridge, Capo do Scientific
Am er ic an , 1 8 78
75: PierreVerger,Auto-retrato, Bahia, 1946.
Col. Fundocco Pierre Verger, Salvador
77: Pierre Verger, Novo Orleans, Estados
Unidos, 1934. Col. Fundocco Pierre
Verger,Salvador
78: PierreVerger, Nova lorque, EstadosUni-
des, 1934. Col. Fundccco PierreVerger,
Salvador
79: Pierre Verger, Moon, Burk ina Faso,
1936. Col. Fundocco Pierre Verger,
Salvador
80: PierreVerger,Xangai, China, 1937. Col.
Fundccco Pierre Verger, Salvador
81: PierreVerger,Salvador,Brasil, 1946-1962.
Col. Fundccoo PierreVerger,Salvador
82: PierreVerger,Salvador,Brasil, 1946-1962.
Col. Fundocco PierreVerger, Salvador
88: PierreVerger, Eguns , Porto Novo, 1949-
1954. Col. Fundccoo Pierre Verger,Salvador
89: PierreVerger, Eguns , Porto Novo, 1949-
1954. Col. Fundocco Pierre Verger,
Salvador
93: Pierre Verger, E le gu n d e Xang6, Benin,
Africa, s/d. Col. Fundccco PierreVerger,
Salvador
94: PierreVerger,Xang6, Benin, Africa, sid
Col. Fundccoo Pierre Verger, Salvador
97: Pierre Verger, E le gu n d e X an g6 , Benin,
Africa, s/d. Col. Fundocco PierreVerger,
Salvador
fOTOGRAflA E ANTROPOlOGIA
990: Pierre Verger, Um trio de tambor bore.
Benin, Africa, s/d. Col. Fundocco Pierre
Verger, Salvador
105: Pierre Verger, F es ta d e Oxossi, Benin,
Africa, s/d. Col. Fundocco PierreVerger,Salvador
5/17/2018 ANDRADE, Rosane - Fotografia e Antropologia - Olhares Fora-Dentro - slidepdf.com
http://slidepdf.com/reader/full/andrade-rosane-fotografia-e-antropologia-olhares-fora-dentro-55b07d8e30104 64/64
99b: Pierre Verger, Donco de e/egun de
Xang6, Benin, Afr ica. Col. Fundocoo
Pierre Verger, Salvador
1000: Pierre Verger, Donee de e/egun de
Xang6, Benin, Africa. Cal. Fundocco
Pierre Verger, Salvador
100b: Pierre Verger, Donee de e/egun de
Xang6, Benin,Africa, s/d. Col. FundoccoPierre Verger, Salvador
102: PierreVerger,Ogum, Benin, Africa, s/d.
Col. Fundocoo Pierre Verger, Salvador
103: PierreVerger, E/ede de Oxossi, cocodor
d a a / de ia , Benin, Africa, s/d. Col. Fun-dccco Pierre Verger, Salvador
108: Pierre Verger, Yemanio mandestada
em candomb/ed a B ah ia , Salvador,Brasil,
sid. Col . Fundccco Pie rre Verger,
Salvador
109: PierreVerger,Transe, Porto Principe, Haiti,
1948. Col. Fundccco Pierre Verger,
Salvador
112: Jean-Loup Pivin, Pierre Verger, Bahia,
Brasil, 1992
114: Duane Michals, A morte chega para a
cncid, 1969. MoMA, Nova lorque
136: Rosanede Andrade, Gata, Brasil, 1999