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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS FACULDADE DE EDUCAÇÃO ANDREA RODRIGUES DALCIN PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

ANDREA RODRIGUES DALCIN

PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO

NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

CAMPINAS

2018

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ANDREA RODRIGUES DALCIN

"PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO

NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL"

Tese de Doutorado apresentada ao

Programa de Pós- Graduação em

Educação da Faculdade de Educação da

Universidade Estadual de Campinas para

obtenção do título de Doutora em

Educação, na área de concentração de

Educação.

Orientadora: Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira

O ARQUIVO DIGITAL CORRESPONDE À VERSÃO

FINAL DA TESE DEFENDIDA PELA ALUNA ANDREA

RODRIGUES DALCIN, E ORIENTADA PELA PROFA.

DRA. NORMA SANDRA DE ALMEIDA FERREIRA

CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

FACULDADE DE EDUCAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO

NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL

Autora: Andrea Rodrigues Dalcin

COMISSÃO JULGADORA:

Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira

Profa. Dra. Lilian Lopes Martin da Silva

Profa. Dra. Ana Lúcia Guedes Pinto

Profa. Dra. Cyntia Graziella Guizelim Simões

Giroto

Profa. Dra. Maria das Dores Soares Maziero

A Ata da Defesa assinada pelos membros da Comissão Examinadora, consta no processo de vida acadêmica do aluno.

2018

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À Ana Clara, filha querida, amada e sonhada; a razão do meu viver.

Ao Felipe, meu grande amor; minha outra metade.

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AGRADECIMENTOS Eis algumas palavras para iniciar esses agradecimentos: quatro anos de estudo,

dedicação, persistência e, sobretudo, a superação de limites, a aprendizagem em lidar com o

tempo e a ausência. Quantas noites em claro... Como o corpo sente dor... Como a mente

funciona de forma diferente quando está em plena exaustão.

Tais ações são vividas durante uma pesquisa acadêmica de tamanha extensão,

porém é possível lidar com elas e conseguir chegar até o fim do trabalho porque há pessoas

queridas, parceiras e especiais que com um simples gesto, uma palavra amiga, um olhar

afetuoso, um toque ou uma orientação mais técnica, apoia o pesquisador para que a conclusão

do trabalho possa se dar. São pessoas que vivem e veem as dores e as conquistas de um

processo de pesquisa, muitas vezes sem compreender a duração do tempo deste trabalho, as

idas e vindas, as reformulações e, nesse processo complexo, a satisfação e a superação.

Com isso, posso dizer que a conclusão deste trabalho só foi possível porque

pessoas queridas, parceiras e especiais estiveram ao meu lado e me ajudaram. Sozinha, eu não

teria conseguido! A cada uma, agradeço por todo apoio:

O que dizer da minha orientadora, Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira.

Agradecer é pouco. Não há palavras que expressem o que sinto quando penso em uma pessoa

generosa, amiga, compreensiva que, em meio a tantas atribuições acadêmicas e pessoais,

ainda encontra tempo para ouvir, conversar, aconselhar e... olhar nos olhos. Uma pessoa

generosa que, nas idas e vindas do texto elaborado nesta tese, sempre encontrava pontos a

serem aprimorados. Um olhar como nunca vi! O que posso dizer é que você Norma fez e faz

muita diferença na minha vida pessoal e profissional. Sua imensidão ensina o ser humano a

ser mais humano.

À Profa. Dra. Lilian Lopes Martin da Silva, por me indicar caminhos no momento

da qualificação, pela mensagem exata no instante preciso desde meu ingresso na universidade

e, principalmente, por fazer parte da minha história. Agradeço por toda confiança e pelo

carinho, sempre. Jamais esquecerei o seu olhar profundo e afetuoso. Um presente para mim...

Das Dores, ou melhor, Profa. Dra. Maria Das Dores Soares Maziero, sempre

amiga no Grupo ALLE/AULA, que conheci como estudante e hoje é uma grande professora,

pesquisadora e interlocutora. Ressalto que a interlocução se dá em todos os sentidos: na

leitura dos trabalhos, nas revisões do texto e normatização do trabalho, nas orientações, nas

indicações bibliográficas, mas também nas conversas, nas confidências, nas palavras de

incentivo e conforto. Como você é especial!

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Aos colegas do Grupo ALLE/AULA, por acompanhar esta pesquisa e trazer

contribuições diversas. Para sempre, minha gratidão, principalmente por fazer parte de um

grupo tão generoso, acolhedor e respeitoso. Mariana, entramos juntas, sofremos em parceria,

nos incentivamos diante de tantas demandas de trabalho e, não desistimos! Yara e Paula, que

acreditaram no meu trabalho desde o começo, antes mesmo do mestrado. Muito obrigada!

Renata pelo incentivo e pelas trocas de experiências que tivemos sobre o que é ser mãe em

meio ao desenvolvimento de uma pesquisa acadêmica. Seguir em frente, sempre!

Aos amigos e amigas da Diretoria Municipal de Educação e aos gestores das

escolas municipais de Cajamar que torceram para que este percurso fosse concluído. Destaco

o companheirismo de Juliana Costa, as conversas intermináveis com Claudinez e Andrea

Duarte que, nas adversidades e conflitos do dia a dia, compreenderam os meus momentos de

cansaço extremo. Uma parceria inestimável dessas três amigas.

À Sonia Edméia que desde o começo enxergou em mim potencialidades que eu

desconhecia e deu toda força para o ingresso na vida acadêmica. Agradecer é pouco...

À minha mãe, Angela, que com suas orações, sua força e coragem me ensinou a

não desistir. Minha força vem daí! Aos meus irmãos Paulo Roberto e Carlos Eduardo que, no

dia a dia em família sempre disseram: "Mas a faculdade ainda não acabou? Você vai escrever

de novo?". Agradeço cada um por compreender minha ausência e a falta de tempo que nunca

termina. No entanto, sei o quanto torcem por mim porque só vocês sabem como é toda minha

vida: pessoal, profissional e acadêmica. Sei o quanto querem uma mudança!

À minha filha Ana Clara, a quem chamo de minha vida, pois desde recém-

nascida, acompanha-me em cada jornada. Tão pequena, com apenas quatro anos, mas com um

coração gigante e a sensibilidade aflorada. Uma "pessoinha" que, quando me via cansada de

tanto ler e escrever dizia: "Mãe, trouxe minhas coisas para fazer ‘doutolado’ com você". É,

minha filha, você mostrou para sua mãe o que é vencer o sono e o cansaço, pois as

madrugadas afora foram para não abrir mão de estar ao seu lado.

Ao Felipe, exemplo de homem, de marido, de companheiro que, diariamente, me

ajudou fazendo com que eu tivesse a certeza de que tudo daria certo. As escolhas feitas por

mim foram compreendidas e respeitadas devido ao amor e a cumplicidade que temos um pelo

outro desde os seis anos de idade.

Finalmente, agradeço às professoras Flora, Letícia, Fernanda, Roseli, Tatiany e

aos gestores das escolas acompanhadas nesta pesquisa Catarina, Maria Marciana, Paulo e

Eunice que abriram as portas para que fosse possível o meu encontro com as práticas de

leitura presentes no fazer de cada um.

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O livro tem uma tensão interna, tem seu ritmo, tem a força de suas palavras e tem,

principalmente, sua beleza.

Graça Lima (1999)

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RESUMO

Segundo pesquisadores, autores, ilustradores e editores, a leitura do livro ilustrado pressupõe

a relação entre texto, imagem e suporte ao apreciar-se o uso de um formato; de um

enquadramento; da relação da capa com as guardas do livro e seu conteúdo; optar por uma

ordem de leitura entre as páginas do livro; apreciar os silêncios e as pausas da história;

relacionar a poesia ou a narrativa do texto verbal com a poesia e a narrativa da ilustração,

entre outros. Segundo esses sujeitos, tais aspectos são pensados intencionalmente no

momento da criação e da produção do livro ilustrado. Considerando estas operações que

constituem a leitura desse tipo de obra e que se cruzam com as orientações presentes em

programas oficiais e cursos de formação ancorados no texto verbal, este trabalho teve como

propósito conhecer e compreender as práticas de leitura do livro ilustrado na escola: quais,

como se configuram e o que as movimentam, tendo em vista os protocolos de leitura inscritos

no livro. A pesquisa traz como fontes e parceiras cinco professoras, do 1º ao 5º ano, que

lecionam em duas escolas no município de Cajamar/SP. Foram realizados vinte

acompanhamentos em sala de aula, sendo dez voltados à prática de leitura da literatura infantil

e dez sobre a prática de leitura do livro ilustrado de literatura infantil; cinco entrevistas

semiestruturadas com foco na experiência profissional e pessoal das entrevistadas; análise dos

discursos de cada professora sobre a prática de leitura, concepções de leitura, leitor, criança e

literatura infantil; análise de vinte e um livros ilustrados selecionados para o acervo do

trabalho de campo; estudo bibliográfico; busca realizada em bancos de pesquisa sobre teses e

dissertações a respeito dessa temática; diálogo formativo. Com a pesquisa tornou-se possível

conhecer e compreender que as práticas de leitura realizadas pelas professoras fora de suas

salas de aulas, sem a finalidade explícita de preparar atividades a serem desenvolvidas com as

crianças, mostraram-se enriquecedoras na diversidade de operações e na construção de

sentidos; compartilhadas nas falas, nos gestos, nos sentimentos e valores expressos; cruzadas

e imbricadas de conhecimento já dominados; mostraram-se, enfim, singulares. Todavia, em

sala de aula as práticas de leitura do livro ilustrado são parecidas com aquelas realizadas com

qualquer tipo de livro de literatura infantil, e a leitura que se mantém é aquela feita de um só

livro, na busca por uma única resposta. Uma leitura oralizada, coletivizada e interrompida. As

práticas de leitura com o livro ilustrado mantêm a tradição escolar em suas maneiras de fazer,

mas também produzem/fabricam outros estilos de ação. A tese visou contribuir para o campo

das práticas de leitura, bem como se aproximar das discussões sobre formação de professores

em leitura, orientando-se por contribuições teóricas advindas, principalmente, de Chartier,

Certeau, Linden, Nikolajeva e Scott.

Palavras-chave: Práticas de Leitura; Livros Ilustrados; Literatura Infantil; Formação de

Professores.

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ABSTRACT

According to researchers, authors, illustrators and editors, reading the illustrated book

presupposes a relationship among text, image and support when appreciating the use of a

format; of a framework; of a relationship with the cover, the guards of the book and its

contents; to opt for a reading order between the pages of the book; to appreciate the silences

and pauses of history; to relate the poetry or narrative of the verbal text with the poetry and

narrative of the illustration, among others. According to these subjects, such aspects are

thought intentionally at the time of the creation and production of the picture book.

Considering these operations that constitute the reading of this type of work and that relation

with the present orientations in official programs and courses of formation anchored in the

verbal text, this work has as purpose to know how the practices of reading of an illustrated

book of infantile literature take place in the school in view of the reading protocols inscribed

in the book. The research brings as sources and partners five teachers from 1st to 5th grade

who teach in two schools in the municipality of Cajamar / SP. As investigated operations,

twenty follow-ups were carried out in the classroom, ten of them focused on the practice of

reading children's literature and ten on the practice of reading the illustrated book of children's

literature; five semi-structured interviews with a focus on professional and personal

experience, in each teacher's discourses on reading practice, in reading, reader, child and

children's literature conceptions; analysis of twenty-one illustrated books selected for the

collection of this work; bibliographic study; research carried out in research banks on theses

and dissertations on this subject; training dialogue. With this research it became possible to

know that the reading practices carried out by the teachers, outside their classrooms and

without the explicit purpose of preparing for the children, showed themselves to be producers

in the diversity of operations and in the construction of meanings; they were shared in

speeches, in gestures, in feelings and expressed values; showed they were related and

interwoven of knowledge already dominated; they showed they were singular. In the

classroom, the reading practices of the illustrated book are similar to those done with another

type of children's book, and the reading that remains is made up of a single book in search of

the only answer. An oralized, collectivized and interrupted reading. Reading practices with

picture books keep the school tradition in their ways of doing, but they also produce/create

other styles of action. The research aims to contribute to the field of reading practices, as well

as to approach the discussions about teacher training in reading, guided by theoretical

contributions coming mainly from Chartier; Certeau; Linden; Nikolajeva and Scott.

Key words: Reading Practices; Illustrated Book; Children's Literature; Teacher Training.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Página do livro O personagem encalhado, 1ª ed................................... 21

Figura 2: Fachada da EMEB Jailson Silveira Leite............................................... 65

Figura 3: Fachada da EMEB Jailson Silveira Leite............................................... 65

Figura 4: Fachada da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo....................................... 66

Figura 5: Fachada da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo....................................... 66

Figura 6: Imagem da biblioteca da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo................. 68

Figura 7: Imagem da biblioteca da EMEB Jailson Silveira Leite......................... 70

Figura 8: Cantinho de leitura no refeitório da EMEB Jailson Silveira Leite........ 70

Figura 9: Cantinho de leitura em sala de aula da EMEB Profa. Odir Garcia

Araújo........................................................................................................

71

Figura 10: Murais de socialização da escrita das crianças......................................... 72

Figura 11: EMEB Jailson Silveira Leite - Corredor vazio......................................... 74

Figura 12: EMEB Jailson Silveira Leite - Exposição no corredor da escola............. 74

Figura 13: EMEB Jailson Silveira Leite - exposição na parede do refeitório............ 75

Figura 14: EMEB Jailson Silveira Leite - Murais na parede da sala de aula............. 75

Figura 15: Capa do livro Hora de sair da banheira, Shirley! de John Burningham.. 100

Figura 16: Livro Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak, 2ª ed. Figuração do

protagonista ao entrar em seu quarto........................................................

100

Figura 17: Livro Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak, 2ª ed. Início da

transformação do quarto em uma floresta mediante imaginação do

protagnista.................................................................................................

100

Figura 18: Livro Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak, 2ª ed. O quarto em

vias de transformação................................................................................

100

Figura 19: Livro Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak, 2ª ed. Floresta

imaginária do protagonista........................................................................

100

Figura 20: Imagens selecionadas de livros ilustrados para compor a exposição da

história: Um panorama do livro ilustrado no Brasil (2011)...................

102

Figura 21: Capa da obra A árvore generosa, 12ª ed., por Shel Silverstein (2006)..... 106

Figura 22: Capa da obra A árvore vermelha, 1ª ed., por Shaun Tan (2009).............. 106

Figura 23: Capa da obra Abra este pequeno livro, 1ª ed., por Jesse

Klausmeier/Suzy Lee (2013)....................................................................

106

Figura 24: Capa da obra A casa sonolenta, 16ª ed., por Audrey Wood/Don Wood

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(1999)....................................................................................................... 106

Figura 25: Capa da obra A princesinha medrosa, 2ª ed., por Odilon Moraes (2008) 106

Figura 26: Capa da obra Este chapéu não é meu, 1ª ed., por Jon Klassen (2013)...... 106

Figura 27: Capa da obra Fico à espera, 1ª ed., por Davide Cali/Serge Block (2007) 107

Figura 28: Capa da obra Gorila, 1ª ed., por Anthony Browne (2014)…...……….... 107

Figura 29: Capa da obra Hora de sair da banheira, Shirley!, 1ª ed., por John

Burningham (2011)...................................................................................

107

Figura 30: Capa da obra O gato, o cachorro, chapeuzinho, os ovos explosivos, o

lobo e o guarda-roupa da vovó, 1ª ed., por Diane/Christyan Fox

(2014)........................................................................................................

107

Figura 31: Capa da obra Onde vivem os monstros, 2ª ed., por Maurice Sendak

(2014)........................................................................................................

107

Figura 32: Capa da obra Vozes no parque, 1ª ed., por Anthony Browne (2014)....... 107

Figura 33: Capa da obra Orie, 1ª ed., por Lúcia Hiratsuka (2014)............................. 108

Figura 34: Capa da obra O túnel, 1ª ed., por Anthony Browne (2014)…….............. 108

Figura 35: Capa da obra Pedro e Lua, 1ª ed., por Odilon Moraes (2004).................. 108

Figura 36: Capa da obra Pequena coisa gigantesca, 1ª ed., por Beatrice Alemagna

(2014)........................................................................................................

108

Figura 37: Capa da obra Quero meu chapéu de volta, 1ª ed., por Jon Klassen

(2011)........................................................................................................

108

Figura 38: Capa da obra Se você quiser ver uma baleia, 1ª ed., por Julie

Fogliano/Erin E. Stead (2013)..................................................................

108

Figura 39: Capa da obra Uma chapeuzinho vermelho, 1ª ed., por Marjolaine Leray

(2012)........................................................................................................

109

Figura 40: Capa da obra Um bebê vem aí, 1ª ed., por John Burrningham/Helen

Oxenbury (2011).......................................................................................

109

Figura 41: Capa da obra Vovô, 1ª ed., por John Burningham (2012)………........…. 109

Figura 42: Livro Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray, p. 10-11........ 111

Figura 43: Cena do lobo ao colocar a bala na boca, p. 31........................................ 111

Figura 44: Imagens do lobo após engolir a bala, p. 32, 33 e 34....................... 112

Figura 45: História Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray, p. 35-36.... 112

Figura 46: Quarta-capa do livro Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine

Leray........................................................................................................

112

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Figura 47: Livro Um bebê vem aí, de John Brurningham/Helen Oxenbury, p. 9, 10,

11 e 12...............................................................................................

114

Figura 48: Livro A árvore generosa, de Shel Silverstein, p. 19-20.......................... 114

Figura 49: Páginas do livro A casa sonolenta que antecedem o início da história... 115

Figura 50: Livro A casa sonolenta, p. 5-6................................................................ 116

Figura 51: Livro A casa sonolenta, p. 7-8................................................................ 117

Figura 52: Páginas do livro que mostram o movimento da pulga ao longo da

história enquanto todos dormiam, p. 5, 7, 9, 11 e 13..............................

118

Figura 53: Página dupla do livro Este chapéu não é meu, com cenas que mostram

a passagem do tempo da narrativa e o chapéu de volta a seu dono, p.

31-32........................................................................................................

119

Figura 54: Página dupla do livro Fico à espera, p. 9-10 e p. 41-42......................... 125

Figura 55: Guardas iniciais do livro Quero meu chapéu de volta............................ 142

Figura 56: O encontro entre o urso e o coelho suscitou algumas considerações das

crianças, p 10....................................................................................

142

Figura 57: Gestos e expressão da professora no momento do clímax da história.... 147

Figura 58: Página sem o texto verbal. As crianças fazem a leitura da ilustração, p.

24-25........................................................................................................

148

Figura 59: Professora e crianças imitam o urso........................................................ 149

Figura 60: Gestos da professora para evidenciar força do urso................................ 149

Figura 61: Páginas que permitem a leitura da ilustração.......................................... 149

Figura 62: Guardas finais do livro Quero meu chapéu de volta............................... 152

Figura 63: A criança levanta para tocar a ilustração ao dizer o que estava

pensando..................................................................................................

152

Figura 64: Exploração da capa do livro, Ovo Novo................................................. 156

Figura 65: Organização das classes para o momento de leitura do 1º ao 5º ano...... 163

Figura 66: Momento de questionamentos das crianças............................................ 168

Figura 67: Livro Vozes no Parque, de Anthony Browne, 1ª edição, p. 2-3.............. 170

Figura 68: Crianças curiosas e atentas às ilustrações............................................... 172

Figura 69: Criança quer ver os detalhes da ilustração.............................................. 173

Figura 70: Algumas crianças se levantam para ver a imagem.................................. 175

Figura 71: Livro Fico à espera, de Davide Cali e Serge Bloch, 1ª edição, p. 46..... 180

Figura 72: Ilustração do livro Gorila, de Anthony Browne, 1ª edição, p. 28........... 181

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Figura 73: A ilustração dá pistas à leitura, complementando as informações dadas

pelo texto verbal, p. 29............................................................................

181

Figura 74: Hannah com o macaco e com o pai, p. 21 e 29....................................... 182

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Busca pela palavra-chave “livros ilustrados”........................................ 32

Quadro 2: Perfil dos sujeitos da pesquisa............................................................... 43

Quadro 3: Resultado da avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação

Infantil “Proposta Pedagógica consolidada”, 2015................................

46

Quadro 4: Resultado da avaliação dos Indicadores de Qualidade no Ensino

Fundamental quanto ao item “Prática Pedagógica e Avaliação”, 2015.

47

Quadro 5: Motivos da escolha profissional: a docência.......................................... 57

Quadro 6: Objetivos gerais do plano de ensino...................................................... 77

Quadro 7: Expectativa de aprendizagem ao longo dos anos................................... 78

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AEE Atendimento Educacional Especializado.

ALLE/AULA Alfabetização, Leitura, Escrita e Trabalho Docente na Formação Inicial:

contribuições de pesquisa.

ANA Avaliação Nacional da Alfabetização.

ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação.

APM Associação de Pais e Mestres.

BDTD Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações.

COLE Congresso de Leitura do Brasil.

CPU Central Processing Unit/Unidade Central de Processamento.

EJA Educação de Jovens e Adultos.

EMEB Escola Municipal de Educação Básica.

EMEF Escola Municipal de Ensino Fundamental.

EMEI Escola Municipal de Educação Infantil.

FCC Fundação Carlos Chagas.

FE Faculdade de Educação.

FVC Fundação Victor Civita.

HTPC Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo.

IBICT Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia.

MEC Ministério da Educação.

NDLTD Networked Digital Library of Theses and Dissertation.

OAI Open Archives Initiative.

PNC Parâmetros Curriculares Nacionais.

PISA Programme for International Student Assessment/Programa Internacional

de Avaliação de Estudantes.

PNAIC Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa.

PNBE Programa Nacional da Biblioteca Escolar.

PPP Projeto Político Pedagógico.

PROFA Programa de Formação de Professores Alfabetizadores.

PUC-RJ Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

SARESP Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo.

SESC Serviço Social de Comércio.

UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro.

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UFMG Universidade Federal de Minas Gerais.

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina.

UNICAMP Universidade Estadual de Campinas.

USP Universidade de São Paulo.

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SUMÁRIO

PALAVRAS INICIAIS DE UMA PESQUISA............................................................. 20

CAPÍTULO 1 - FIOS QUE TECEM, CRUZAM E CONSTITUEM A

PESQUISA.......................................................................................................................

26

1.1. Os caminhos, as interrogações e a escolha do objeto da pesquisa.............................. 27

1.2. O contexto da pesquisa na relação com outros trabalhos acadêmicos........................ 29

CAPÍTULO 2 – NOSSAS FONTES E NOSSO LUGAR DE PESQUISA.................. 37

2.1. Conhecer um grupo (as professoras): vozes que produzem sentidos......................... 40

2.2. Entrar no lugar a ser pesquisado (a escola): um caminhar que envolve tensões,

desafios e conquistas..........................................................................................................

59

2.2.1. Descobrir um lugar (a escola): suas maneiras de pensar e fazer as práticas de

leitura.................................................................................................................................

62

2.3. A presença do diálogo na entrevista........................................................................... 79

2.3.1. Esquadrinhar os diálogos: palavras que preenchem vazios..................................... 83

2.3.2. O movimento dialógico das entrevistas: entre o previsível e o

imprevisível.......................................................................................................................

86

2.3.3. Da entrevista ao diálogo formativo: a relação com o saber..................................... 92

CAPÍTULO 3 – PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO: AS

PROFESSORAS COMO ILUSTRES LEITORAS......................................................

95

3.1. Conceitos e definições sobre o livro ilustrado: o que temos a dizer?......................... 96

3.2. Livros ilustrados selecionados para pesquisa: intenções e provocações.................... 103

3.3. A leitura do livro ilustrado: algumas aprendizagens.................................................. 110

CAPÍTULO 4 - AS PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO EM

SALA DE AULA..............................................................................................................

127

4.1. Maneiras de olhar os modos de fazer.......................................................................... 128

4.2. Oper(ações) que constituem as práticas de leitura..................................................... 131

4.2.1. O planejamento da aula............................................................................................ 132

4.2.2. Critérios para escolha dos livros.............................................................................. 136

4.3. Cenas de leitura com o livro ilustrado em sala de aula.............................................. 138

4.3.1. O livro ilustrado: um objeto (des)conhecido nas práticas de leitura....................... 161

ESTE NÃO É O FIM, MAS UMA MANEIRA DE OLHAR PARA AS

PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO...............................................

184

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REFERÊNCIAS............................................................................................................... 192

ANEXOS........................................................................................................................... 203

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20

PALAVRAS INICIAIS DE UMA PESQUISA...

Fonte: Acervo da pesquisadora. Aula de leitura no 1º ano com o livro ilustrado Quero meu chapéu de volta.

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Comecemos nossas discussões por uma analogia entre as páginas que compõem

esta pesquisa e a reproduzida a seguir, que inicia o livro O personagem encalhado, de Angela

Lago:

Figura 1: Página do livro O personagem encalhado, 1ª ed..

Fonte: LAGO, 1995, s/p.

O leitor deste trabalho, assim como aquele do livro de Ângela Lago, poderá

pensar: "Fui cair numa pesquisa assim...", pesquisa esta que tem como tema central conhecer

as práticas de leitura do livro ilustrado na escola. Cair em um livro ilustrado, cair em

pesquisas sobre livros ilustrados, cair nas leituras do livro ilustrado, cair na complexidade das

aulas de leitura do 1º ao 5º ano do ensino fundamental, pressupõe conhecer o que as minúcias

de um fazer nos reserva e nos permite enxergar sobre as práticas, usos e maneiras de

apropriação deste material. Nas palavras de Chartier,

[...] falta às enumerações dos livros impressos [...] uma questão central, a dos usos,

dos manuseios, das formas de apropriação e de leitura dos materiais impressos [...]

na história do impresso, entendida como história de uma prática cultural. Construí-la

supõe revalorizar criticamente duas tradições [...]. A primeira é antiga e lê os textos

ignorando seus suportes. Os textos que se prestam a escrever a história são tomados

como portadores de um sentido que é indiferente à materialidade do objeto

manuscrito ou impresso [...]. Uma história do ler afirmará, contra esse postulado,

que as significações dos textos, quaisquer que sejam, são constituídas,

diferencialmente, pelas leituras que se apoderam deles. Daí, uma dupla

consequência. Antes de mais nada, dar à leitura o estatuto de uma prática criadora,

inventiva, produtora, e não anulá-la no texto lido [...]. (CHARTIER, 2001, p. 77-78)

Nossas palavras iniciais se cruzam com as palavras de Chartier, pois em suas

pesquisas ele aponta o quanto falta conhecer sobre os estudos que discutem os usos, os

manuseios e a maneira de apropriação e leitura dos materiais impressos. Esse foi o estudo que

pretendemos fazer durante esta pesquisa considerando a leitura do livro ilustrado.

Cair nesta página permite ao leitor descobrir que nosso interesse nas práticas de

leitura não está carregado de juízo de valor entre uma prática melhor ou pior, entre o certo ou

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o errado, entre uma análise seguida de prescrição. O que intencionamos é cair em uma

pesquisa e ler, por exemplo, a história e as condições de produção de algumas práticas de

leitura.

O interesse por conhecer essas práticas surgiu durante o mestrado1, pós

estudarmos o polo da produção de livros de literatura infantil. Ao termos contato, neste

estudo, com o processo de criação do autor e ilustrador Odilon Moraes, bem como com os

ideários do mercado editorial acerca da produção literária, nos deparamos com um tipo de

obra intitulado por eles como livro ilustrado. Este tipo de livro vem sendo estudado,

principalmente, por pesquisadores estrangeiros como, por exemplo, Nodelman, Linden, Hunt,

Scott e Nikolajeva, os quais discutem a constituição e a relação entre texto, imagem e suporte

neste tipo de obra. No Brasil, as discussões acerca do livro ilustrado também apontam que a

leitura da imagem possui características que lhes são próprias, como um modo distinto de ver,

ler e interpretar seus significados simultaneamente, de modo total e particular, temporal e

atemporal, como aponta Oliveira (2011, orelha do livro in LINDEN, Para ler o livro

ilustrado), além de estabelecer um elo dependente e independente da palavra, tornando-se a

grande questão no estudo que relaciona a palavra escrita e a imagem narrativa nos livros.

Estudar o polo da produção nos permitiu o contato com obras que para o

autor/ilustrador, designer e editora pesquisados se constituíam como livros ilustrados. Foi

então que "caímos num livro assim..." e fizemos leituras para apreciar o uso de um formato,

de enquadramentos, da relação da capa com as guardas do livro e seu conteúdo, para optar por

uma ordem de leitura das páginas do livro, para relacionar a poesia ou a narrativa do texto

verbal com a poesia e a narrativa da ilustração, para apreciar os silêncios e as pausas da

história, como destaca Linden (2011, p. 8-9). Ao cairmos nesse tipo de livro, tais operações

chamaram nossa atenção sobre a sua leitura e fomentaram nossa curiosidade acerca de

conhecer a recepção dessas obras nas práticas de leitura na escola. Na época, nossa primeira

interrogação foi: se o livro é pensado no polo da produção desta maneira, será que no polo da

recepção há alguma modificação nas práticas de leitura, orientadas por programas oficiais e

cursos de formação? "Cair num livro assim" foi o disparador para "cairmos em nossa

pesquisa".

1 DALCIN, Andrea Rodrigues. Um escritor e ilustrador (Odilon Moraes), uma editora (Cosac Naify):

criação e fabricação de livros de literatura infantil. Campinas, SP: [s.n.]. Dissertação [mestrado] – Universidade

Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Orientadora: Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira.

Defesa: 05/02/2013.

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Nessa direção, com essa tese de doutorado, buscamos conhecer e compreender

tais práticas e, para isso, selecionamos duas escolas da rede municipal de Cajamar/SP e cinco

professoras, sendo uma de cada ano do ciclo I do ensino fundamental. Objetivamos, com isso,

conhecer como se dá a prática de leitura com um livro cujos autores intencionalmente criaram

textos e ilustrações com determinados propósitos, bem como por seus produtores, que pensam

os procedimentos de produção de livros que, segundo Chartier (2001, p. 97), "[...] não

pertencem à escrita, mas à impressão, não são decididas pelo autor, mas pelo editor-livreiro e

podem sugerir leituras diferentes de um mesmo texto".

Além disso, tínhamos uma hipótese sobre a escola: ela é redundante e repetitiva

em suas maneiras de desenvolver as práticas de leitura do 1º ao 5º ano. Seria possível

encontrar, na pesquisa de campo, práticas mais criativas, inventivas, diferentes do que

imaginávamos de antemão? Práticas que se transformam com o passar dos anos de

escolaridade e entre turmas de um mesmo ano? Práticas diversas em função da alteração de

suporte (impresso, tela, digitalizado etc.) e de gênero (livros de literatura infantil com

ilustrações e livros ilustrados)?

O grupo ALLE/AULA (Alfabetização, Leitura, Escrita e Trabalho Docente na

Formação Inicial: contribuições de pesquisa), no qual nossa tese de doutorado se insere, tem

buscado a construção de objetos de pesquisa relacionados às práticas de leitura, práticas de

escrita, história da literatura infantil, polo de produção do livro, polo de recepção da leitura,

formação de professores, entre outros. Temática sobre as práticas de leitura já desenvolvidas

por pesquisadores do grupo, como as de CARVALHO (2015)2, PLATZER (2009)

3, NEVES

(2003)4, MATOS (2001)

5 e SAVELI (2001)

6, trazem contribuições ao tema, cada qual em sua

singularidade.

A pesquisa a qual nos propusemos realizar, procurou se aproximar do campo da

História da Leitura ao detalhar como, em uma determinada época (2015), com um

determinado tipo de livro (livro ilustrado), em uma determinada comunidade de leitores (a

2 CARVALHO, Ana Carolina Pereira de. Posso dar uma ideia? Cada um pega o livro que quer... Sobre a

formação de leitores na sala de leitura. Dissertação de Mestrado: FE/UNICAMP, 2015. 3 PLATZER, Maria Betanea. Crianças leitoras entre práticas de leitura. Tese de Doutorado: FE/UNICAMP,

2009. 4 NEVES, Alexsandra Jane Andrade. Imagens, escola e leitura: encontro marcado. Dissertação de Mestrado:

FE/UNICAMP, 2003. 5 MATOS, Heloísa Andréia Vicente de. Práticas de produção da leitura no ensino fundamental. Dissertação de

Mestrado: FE/UNICAMP, 2001. 6 SAVELI, Esméria de Lourdes. Leitura na escola: as representações e práticas de professoras. Tese de

Doutorado: FE/UNICAMP, 2003.

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escola) é dado um modo de ler, de manusear o objeto livro, de relacionar texto, imagem,

suporte, enquadramento, silêncios, cores e tipografia textual, entre outros. Com relação à

formação de professores, esta pesquisa poderá se aproximar das discussões que se referem às

maneiras de pensar e exercer as práticas de leitura da literatura infantil, considerando o

cotidiano escolar, as experiências profissionais, a formação de professores, o processo de

planejamento, os critérios para escolha de livros, a organização da classe para o momento da

leitura e as maneiras, propriamente ditas, de ler os livros ilustrados.

No caso da pesquisa com as cinco professoras escolhidas para serem nossas

parceiras, tivemos o cuidado de estreitar os laços, construindo vínculos de respeito e

confiança, compartilhando nossas intenções de investigação, respeitando os ritmos e as

opiniões, visto que um trabalho intenso de pesquisa de campo seria realizado.

Na tentativa de concretizar tais proposições, esta tese foi idealizada em quatro

capítulos, cuja organização será apresentada a seguir.

O Capítulo 1, intitulado “Fios que tecem, cruzam e constituem a pesquisa”,

discute os caminhos e as interrogações que nos levaram à escolha do objeto de pesquisa –

conhecer e compreender as práticas de leitura dos livros ilustrados. Apresenta também o

contexto da investigação na relação com outros trabalhos acadêmicos que discutem, nos

últimos cinco anos, a prática de leitura de literatura infantil, de modo a situarmos nosso objeto

dentro do campo acadêmico, bem como nossas possíveis contribuições. A intenção deste

capítulo é compartilhar caminhos, experiências, discussões, interrogações (porque a pesquisa

sugere novas perguntas) e descobertas, pois esses fios cruzam as leituras, os leitores e os

livros que por nós foram investigados.

"Caímos" no Capítulo 2, intitulado “Nossas fontes e nosso lugar de pesquisa”,

cujos gestos, ações e categorizações constituidoras dos dados foram gerados pela combinação

de um grupo (as professoras), um lugar (a escola) e de práticas (a leitura). Marcamos, neste

capítulo, nosso referencial teórico com Certeau (2007, 2008 e 2010), que traz contribuições a

partir do uso da teoria do relato, compreendido como uma “arte de dizer” que possui intensa

bricolagem com a teoria das práticas – “arte de fazer” – na produção de narrativas, registros e

documentos que são interpretados a partir das práticas "comuns" que organizam as

caminhadas de uma pesquisa, ora regulares e ora sinuosas, contribuindo com o fundamento da

teoria das práticas cotidianas para extrair do seu ruído as maneiras de fazer e orientar o olhar

para as práticas de leitura dos professores com os livros ilustrados como táticas e estratégias.

Dialogamos também com a concepção do paradigma indiciário de Ginzburg (1989), que nos

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alerta para a importância de olhar as pistas, buscando cruzamentos entre elas para produzir

conhecimento. Com Chartier (2001, 2002, 2004), assumimos a perspectiva da História

Cultural, na qual a leitura é uma prática cultural, que movimenta gestos, valores, sentimentos,

conteúdos, habilidades, entre outros, em determinada comunidade de leitores. Discutimos

também a prática de leitura considerando o par "disciplina" e "invenção".

Neste capítulo, compartilhamos nossas operações, tensões e sentimentos entre os

sujeitos que compõem o jogo em uma entrevista (entrevistadora e entrevistados), sujeitos

esses singulares, que viveram essa experiência de entrevistar ou ser entrevistado, o que traz à

tona suas representações, neste caso de leitura, leitor, criança, literatura infantil, que mobiliza

gestos e expressões, que produz respostas dentro de uma dada situação. Neste movimento de

pesquisa, discutimos o momento em que a entrevista se transformou em um "diálogo

formativo", no qual o jogo de poder entre entrevistado e entrevistador se altera.

O Capítulo 3, “As práticas de leitura do livro ilustrado: as professoras como

ilustres leitoras”, insere as discussões sobre as práticas de leitura que foram realizadas pelas

professoras durante nossos "diálogos formativos". Nossa intenção foi compartilhar as

maneiras de ler, as formas de pensar, o entusiasmo vivido a cada página virada, as hipóteses

levantadas, os sentidos construídos e o deslocamento do papel de professora para o de leitora

de literatura infantil.

Por fim, "caímos" no Capítulo 4, intitulado “As práticas de leitura do livro

ilustrado em sala de aula”. Este capítulo objetivou conhecer como são essas práticas, que

marcas são fabricadas na prática de leitura neste tipo de obra. E, "fomos cair numa pesquisa

assim...".

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CAPÍTULO 1

FIOS QUE TECEM, CRUZAM E CONSTITUEM A PESQUISA

Fonte: Fotos tiradas pela pesquisadora durante a aula realizada com o livro ilustrado Um bebê vem

aí, de John Burningham e Helen Oxembury, com a turma do 2º ano.

Entre uma linguagem e outra (isto é, entre uma prática de pesquisa e outra; ou se

quiser, entre uma metodologia e outra) existem pontos de silêncio, vazios de

linguagem, vácuos de ângulos classificatórios, pontos de vista não perspectivados,

enunciados ainda a serem articulados. É neste lugar silencioso que reside o diferente,

que espera aquilo que não se repete, que mora o que não é costumeiro, que responde

o que se recusa a ser estudado ecolalicamente. Só aqui é possível produzir abalos;

provocar mudanças no que somos capazes de ver e dizer, dar alegres cambalhotas;

radicalizar nossas relações com o poder e o saber; partir as linhas; mudar de

orientação; desenhar novas paisagens; promover outras fulgurações. (CORAZZA,

2002, p. 125).

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1.1. Os caminhos, as interrogações e a escolha do objeto da pesquisa

A história das práticas culturais deve considerar necessariamente essas imbricações

e reconstituir trajectórias complexas, da palavra proferida ao texto escrito, da escrita

lida aos gestos feitos, do livro impresso à palavra leitora. (CHARTIER, 2002, p.

135-136)

Iniciamos o caminho da pesquisa de doutorado com os estudos realizados no

mestrado, que nos possibilitou conhecer a prática de criação e produção de livros pela visão

do autor e ilustrador Odilon Moraes. O corpus foi constituído por três obras publicadas pela

Editora Cosac Naify, escritas e ilustradas pelo referido autor: A Princesinha Medrosa (2ª

edição, 2008), Pedro e Lua (2004) e O Presente (2010). Tomamos como fontes documentais

entrevistas realizadas com o autor, com Isabel Lopes Coelho, na época editora do catálogo de

literatura infantojuvenil da Cosac Naify, e com Maria Carolina Sampaio de Araújo, designer

da editora no período da pesquisa. Além das entrevistas, tivemos como operações de pesquisa

as análises dos livros selecionados.

Escolhemos este autor, estas obras e esta editora devido à quantidade e à

qualidade das publicações de Odilon Moraes como ilustrador (cerca de oitenta, até o ano de

2012) e, a partir de 2002, também como escritor, o que lhe trouxe muitos prêmios e o

reconhecimento da crítica nacional.

Voltada ao polo da produção, a pesquisa de mestrado discutiu o trabalho de

fabricação de livros pela editora Cosac Naify, responsável por parte das publicações dos

livros de Moraes. Ressaltamos que a editora aqui citada despontou no Brasil como referência

em livros de arte, inscrevendo em seu processo de fabricação novas maneiras de pensar o

objeto livro7. Podemos dizer que esse foi outro ponto crucial que nos levou a interrogar na

tese de doutorado como seria a recepção desses livros em sala de aula, já que parecem existir

formas distintas de pensá-lo no polo da produção.

Odilon Moraes e a editora Cosac Naify comungam e partilham de uma concepção

em torno do que são o livro ilustrado, o leitor, a criança e a literatura infantil, num jogo em

que o leitor não é pré-determinado e a literatura infantil assume um compromisso com a

7 O cenário social, econômico e cultural, seis anos após a pesquisa realizada em campo, alterou-se. Atualmente,

encontramos outra realidade bem distinta daquela a que tivemos acesso no mestrado. Em 2015, Charles Cosac –

dono da editora Cosac e Naify – anunciou que estava “fechando as portas”. Muitas informações foram

veiculadas na mídia a esse respeito e, dentre elas, podemos citar a notícia “Editora Cosac Naify decide fechar as

portas depois de 18 anos de atividade”, disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/livros/editora-cosac-

naify-decide-fechar-as-portas-depois-de-18-anos-de-atividade-18187914>. Acesso em 30/12/2016. Neste

panorama, vivemos a pior crise da história do Brasil – desde 1930 não vemos recuo do PIB por dois anos

consecutivos – e um país com um alto nível de pobreza, apesar de suas dimensões continentais, no qual a cultura

da corrupção é denunciada a cada dia, em proporções cada vez mais amplas, e onde nove milhões de cidadãos

em idade de trabalhar encontram-se desempregados.

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literatura e a arte brasileiras, como linguagens que interrogam o mundo. Nessa direção, uma

concepção contemporânea dessa literatura é a da criança envolvida em um determinado tipo

de cultura, cujo entendimento do mundo torna-se poético ao buscar suas explicações para os

fatos, as ações e as coisas em geral. Considerada potente, a criança traz em si uma fábrica de

linguagem, se inscrevendo, como o poeta, na semente da palavra, na bricolagem precisa da

linguagem com a poesia; uma criança que se espanta, interroga e, ao fazer isso, espanta os

adultos (DALCIN, 2013).

Deparamo-nos, assim, com uma literatura criada e produzida para o campo da arte

e, no doutorado, investigamos as maneiras de ler essa mesma literatura infantil, porém tendo

no polo da recepção o campo pedagógico. Esses são dois campos distintos, que subsistem

simultaneamente e de formas diversas, como afirma Coelho:

O que se pode deduzir, diante das tendências que ela vem seguindo nestes três

séculos de produção, é que um dos primeiros problemas a suscitar polêmica, quanto

à sua forma ideal, teria sido o de sua natureza específica: a literatura infantil

pertencia à arte literária ou à área pedagógica? Controvérsia que vem de longe: tem

raízes na Antiguidade Clássica, desde quando se discute a natureza da própria

literatura [...] e, na mesma linha, se põe em questão a finalidade da literatura

destinada aos pequenos. Instruir ou divertir? Eis o problema que está longe de ser

resolvido. As opiniões divergem e em certas épocas se radicalizam. (2000, p. 46)

Para Coelho (2000), historicamente a literatura infantil vem sendo construída na

tensão entre ser ou não ser arte; ser ou não ser pedagogia; ter como finalidade a instrução, ou

ter como finalidade a diversão e a apreciação. Neste campo, Moraes (2011), em seus relatos,

defende a literatura infantil como arte pela capacidade de colocar seu leitor em situação de

espanto e de interrogação na relação com o texto, a imagem e o suporte.

A dissertação de mestrado trouxe como contribuição a definição atual sobre o

livro ilustrado como um objeto diferenciado dentro da produção de literatura infantil

contemporânea. Sua constituição convoca a relação entre texto, imagem e suporte, segundo

Moraes e a editora Cosac Naify, ancorados em estudos como, por exemplo, os de Linden

(2011, p. 9), no qual o livro ilustrado é considerado “[...] não apenas um objeto cujas

mensagens contribuem para a produção de sentido, mas um conjunto coerente de interações

entre textos, imagens e suportes”. Ainda sobre ele (o livro ilustrado), a pesquisadora destaca:

Até o momento, tratamos o livro ilustrado como um tipo de obra para criança que

comporta imagens. Pertencente ao domínio da literatura infantil, o livro ilustrado

pode ser considerado um gênero? É de observar, com Davis Lewis, que o livro

ilustrado pode acolher alguns gêneros sem constituir por si só um gênero

identificável: [...] o livro ilustrado não é um gênero [...]. O que encontramos no livro

ilustrado é um tipo de linguagem que incorpora ou assimila gêneros, tipos de

linguagem e tipos de ilustração. De fato, o livro ilustrado engloba vários gêneros

pertencentes às categorias da literatura geral. Nele encontramos tanto contos de fada

como histórias policiais ou poesias. (LINDEN, 2011, p. 29).

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Embora os livros dirigidos às crianças sempre tenham sido marcados por

ilustrações, o livro ilustrado pressupõe uma construção entre texto, imagem, suporte e todo o

projeto gráfico que o constitui, pois

[...] ler um livro ilustrado não se resume a ler texto e imagem. É isso, e muito mais.

Ler um livro ilustrado é também apreciar o uso de um formato, de enquadramentos,

da relação entre capa e guardas com seu conteúdo; é também associar

representações, optar por uma ordem de leitura no espaço da página, afinar a poesia

do texto com a poesia da imagem, apreciar os silêncios de uma em relação à outra...

Ler um livro ilustrado depende certamente da formação do leitor. (LINDEN, p. 8-9).

A leitura das obras classificadas como livros ilustrados, assim como também de

qualquer outro tipo de obra de literatura infantil, pressupõe apropriação, invenção e produção

de sentidos, como afirma Chartier (2001). Os livros convocam leituras no espaço de uma

página, na especificidade das obras, na relação com a "página dupla", nas imagens

"sangrando"8 em determinadas páginas, nos textos e nas ilustrações que se opõem, se repetem

ou se complementam, no ir e vir das páginas sem ter a obrigação de uma linearidade na

leitura, no ato de apreciar a materialidade em todos os elementos que evocam pistas para os

sentidos construídos pela leitura, na descoberta de um foco em uma cena que se constitui

apenas por imagem. Enfim, são leituras que parecem indicar que o livro se torna, pela

inventividade de seus projetos gráficos, um objeto sem fronteiras.

1.2. O contexto da pesquisa na relação com outros trabalhos acadêmicos

Até para que se possa estabelecer suas principais coordenadas; desenhar suas curvas

de visibilidade e de enunciação; reconhecer suas linhas de sedimentação e também

de fraturas; reordenar os percursos e manter os cursos; direcionar as luzes em outra

direção e conservar alguns focos lá onde já estavam; em poucas palavras, mapear o

terreno e cartografar as linhas do trabalho nele realizado. Assim é que vimos emergir

condições atuais de nosso percurso intelectual, das quais é chegada a hora de prestar

contas às/aos outras/os, que também investigam e pensam territórios teóricos, para

que a interlocução se estabeleça com os materiais aproveitáveis, e também se

processem sobre os resíduos a serem dejetados. (CORAZZA, 2002, 106).

Nos tempos atuais, nós pesquisadores nos utilizamos também de ferramentas de

busca que a internet oferece. Encontramos sites de grupos de pesquisas, de instituições de

fomento à pesquisa, revistas eletrônicas, bibliotecas digitais de universidades e o próprio

Google; enfim, estamos lidando com um novo suporte de texto – considerando seu tempo de

existência em relação ao impresso – que é a tela do computador, ou melhor, do notebook, do

tablet ou do celular, que permite “[...] usos, manuseios e intervenções do leitor infinitamente

8 Diz-se de uma imagem que ocupa a totalidade da página ou de uma dupla. (LINDEN, 2011, p. 164)

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mais numerosos e mais livres do que qualquer uma das formas antigas do livro”

(CHARTIER, 1998, p. 88). Cada leitor, para cada leitura que realiza, em cada circunstância, é

singular. No entanto, essa singularidade, ainda nas palavras de Chartier (1998, p. 92) “[...] é

atravessada por aquilo que faz que este leitor seja semelhante a todos aqueles que pertencem à

mesma comunidade”.

Nesse movimento, acessamos meios eletrônicos para inventariar um conjunto de

pesquisas em torno da produção de leitura, literatura infantil e livros ilustrados. Abrimos

páginas de bibliotecas de universidades, fizemos download de arquivos, às vezes três

simultaneamente, minimizamos a tela para abrirmos outra, lemos os trabalhos com um clique

na seta que muda cada página ou várias páginas, localizamos palavras-chave em todo o

conteúdo do texto que, para nós, apareciam grifadas e nos permitiam ir diretamente ao ponto

que precisávamos, ora salvávamos o texto, ora o imprimíamos. Fizemos grifos e anotações

nos próprios textos digitais, construímos nosso caderno com anotações de cada trabalho

localizado: título; natureza da dissertação de mestrado ou tese de doutorado; fragmentos da

pesquisa com identificação do número da página. Produzimos gestos que fazem parte do

universo do pesquisador contemporâneo: clicar, minimizar, fazer download, esperar o arquivo

baixar, grifar um texto digital com a ferramenta de realce, selecionar partes do texto e utilizar

a ferramenta de revisão para fazer anotações, salvar, imprimir. São gestos que mudam

[...] segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. Novas atitudes

são inventadas, outras se extinguem. Do rolo antigo ao códex medieval, do livro

impresso ao texto eletrônico, várias rupturas maiores dividem a longa história das

maneiras de ler. (CHARTIER, 1998, p. 77)

Esta é uma operação contemporânea de pesquisar, um modo virtual que não

necessita de deslocamento do pesquisador, como nos traz Ferreira (2014), mas que requer

outras ações que podem envolver uma busca mais simples ou avançada. A cada campo

acessado a tela se altera, outras informações surgem e o olhar a percorre, seleciona

informações e retoma dados, em uma leitura que não é linear, mas sobressaltada.

Nesse movimento de busca, nos deparamos com inúmeros trabalhos acadêmicos

que discutem as maneiras de fazer dos professores em sala de aula, suas práticas de leitura da

literatura infantil. Conhecer as pesquisas realizadas no campo acadêmico sobre essa temática

torna-se importante para situarmos o lugar que nossa pesquisa pode ocupar em diálogo com

outras já produzidas e para compreendermos a possível contribuição de nosso trabalho no

debate que envolve práticas de leitura em sala de aula, especialmente, do livro ilustrado.

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31

Realizamos uma busca na BDTD (Biblioteca Digital Brasileira de Teses e

Dissertações)9 do IBICT (Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia)

utilizando como palavras-chave “prática de leitura”, “recepção de leitura”, “livro ilustrado”,

“recepção do livro ilustrado” e “literatura infantil”, considerando os trabalhos realizados nos

últimos cinco anos.

Encontramos algumas dificuldades como, por exemplo, resumos que não dispõem

de todas as informações de busca das quais necessitávamos: objetivo, perspectiva teórica

assumida, procedimentos metodológicos e contribuições do trabalho. Com isso, para melhor

compreensão de pesquisa, realizamos outra operação, que foi a leitura do sumário em seus

títulos e subtítulos, geralmente itens bem construídos e tecidos pelo fio que compõe toda a

pesquisa e que nos ajudam a situar-nos melhor sobre as intenções e os resultados de cada

trabalho.

Tomando a palavra-chave “prática de leitura”, foi possível em uma primeira busca

encontrar 2.005 dissertações de mestrado e 789 teses de doutorado10

. Devido ao volume desta

produção acadêmica, optamos por aprofundarmos nossa busca nos assuntos “leitura” e

“prática de ensino”. Em “leitura”, encontramos 178 dissertações e 65 teses, e em “prática de

ensino”, nos deparamos com 23 dissertações de mestrado e 3 teses de doutorado.

Desse conjunto de pesquisas, lemos os títulos e resumos dos trabalhos buscando

aproximações com nossas intenções de pesquisa e, ao final, selecionamos aqueles que

diretamente abordavam “a recepção da leitura de literatura infantil na escola” e “o ensino da

leitura de literatura”.

9 O portal assim a define: “A Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD) tem por objetivo

integrar, em um único portal, os sistemas de informação de teses e dissertações existentes no país e disponibilizar

para os usuários um catálogo nacional de teses e dissertações em texto integral, possibilitando uma forma única

de busca e acesso a esses documentos. O IBICT coleta e disponibiliza apenas os metadados (título, autor,

resumo, palavra-chave etc.) das teses e dissertações, sendo que o documento original permanece na instituição de

defesa. Dessa forma, a qualidade dos metadados coletados e o acesso ao documento integral são de inteira

responsabilidade da instituição de origem. A BDTD utiliza as tecnologias do Open Archives Initiative (OAI) e

adota o modelo baseado em padrões de interoperabilidade consolidado em uma rede distribuída de bibliotecas

digitais de teses e dissertações. Nessa rede, as instituições de ensino e pesquisa atuam como provedores de dados

e o IBICT opera como agregador, coletando metadados de teses e dissertações dos provedores, fornecendo

serviços de informação sobre esses metadados e expondo-os para serem coletados por outros provedores de

serviços, em especial pela Networked Digital Library of Theses and Dissertation (NDLTD), da Virginia Tech

University http://www.ndltd.org. [...] Permite ao usuário consultar o repositório BDTD para realizar buscas

simples ou avançadas, recuperando resultados resumidos ou detalhados e ter acesso ao repositório de origem da

tese ou dissertação para leitura, impressão ou download do arquivo”. Disponível em

<http://www.ibict.br/informacao-para-ciencia-tecnologia-e-inovacao%20/biblioteca-digital-Brasileira-de-teses-e-

dissertacoes-bdtd>. Acesso em: 04/01/2017. 10

Fonte:

<http://bdtd.ibict.br/vufind/Search/Results?lookfor=pratica+de+leitura&type=AllFields&daterange%5B%5D=pu

blishDate&publishDatefrom=2010&publishDateto=2015>. Acesso em: 04/01/2017.

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Da quantidade de pesquisas que levantamos ao utilizarmos a busca pela palavra-

chave “prática de leitura”, precedida dos assuntos “leitura” e “prática de ensino da literatura”,

foram selecionadas 14 dissertações e 2 teses ligadas a essa temática, como os de SILVA

(2015), LESSA (2015), FILANDRA (2015) e OLIVEIRA (2013), por exemplo.

Como nosso propósito é a leitura dos livros ilustrados de literatura infantil,

empreendemos nova busca e outra seleção, acrescentando as palavras-chave “recepção de

leitura” e “literatura infantil”. Nesse movimento, encontramos 205 dissertações de mestrado e

84 teses de doutorado. Em seguida, selecionamos alguns estudos para dialogar com o nosso,

sendo 2 dissertações de mestrado e 2 teses de doutorado que abordam as questões da leitura

literária na escola e o papel do professor (CUNHA, 2015), as práticas de leitura entre leitores

escolares e leitores contemporâneos (OCTÁVIO, 2014), assim como as mediações da

literatura no contexto escolar (NAGAMINI, 2012), por exemplo.

Em “literatura infantil”, reunimos 523 dissertações de mestrado e 176 teses de

doutorado, o que nos possibilitou destacarmos 9 trabalhos para compor nosso corpus de

estudo da produção acadêmica, por discutirem o uso da literatura nos anos iniciais

(BARROSO, 2015), o texto literário na formação inicial do leitor (GENEROSO, 2014), as

práticas de leitura literária (PEREIRA, 2014), a criação e fabricação de livros em literatura

infantil (DALCIN, 2013), entre outros.

Na terceira busca ao BDTD, utilizamos a palavra-chave “livros ilustrados”, tendo

sido encontrados mais 23 dissertações de mestrado e 11 teses de doutorado, das quais

selecionamos 5 pesquisas.

Quadro 1: Busca pela palavra-chave “livros ilustrados”.

Autor(a) Título Universidade Grau Ano

1 Eliette

Aparecida

Aleixo

Palavras e imagens que

tecem histórias:

ilustrações/escritores e a

criação literária para a

infância

UFMG Doutorado 2014

2 Silvana

Ribeiro Gili

Livros ilustrados: textos e

imagens

UFSC Mestrado 2014

3 Luiza

Ferreira de

Souza Leite

Modos de ser e ler: a poética

dos livros ilustrados

UERJ Doutorado 2013

4 Marilia

Forgearini

Nunes

Leitura mediada do livro

imagem no ensino

fundamental: letramento

visual, interação e sentido

UFRGS Doutorado 2013

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5 Jorge

Alberto

Paiva da

Costa

O design da ilustração no

livro ilustrado brasileiro

contemporâneo

ANHEMBI Mestrado 2012

Fonte: dados coletados e organizados pela pesquisadora.

Com essas buscas ao BDTD, foi possível constatar uma diversidade de olhares

para diferentes objetos de investigação, por diferentes pesquisadores dos programas de pós-

graduação. Em sua grande maioria, os trabalhos objetivam discutir, analisar, investigar,

descrever, interpretar, compreender, estudar, caracterizar, problematizar e observar as práticas

de leitura do texto literário em sala de aula no ensino fundamental I, ora especificados por

seus respectivos anos – 2º ano, 5º ano, do 1º ao 5º ano – ora indicados com a nomenclatura de

“anos iniciais” ou, no caso de pesquisas realizadas no 6º, 7º, 8º ou 9º anos, às vezes também

especificadas como “anos finais do ensino fundamental”. Além dessa etapa da educação

básica, a educação infantil também compõe o locus de observação dos pesquisadores.

A diversidade de olhares presente nas pesquisas encontradas tangencia o polo da

produção em relação à materialidade e suporte do objeto livro, assim como o polo da

recepção, que discute as práticas de leitura voltadas para a formação do aluno-leitor; as

relações entre textos, entre alunos e professores; a construção coletiva das práticas de

letramento literário; os processos de apropriação e de recepção; as necessidades e preferências

de leitura.

Do lado do professor, o enfoque envolve a compreensão e a caracterização das

crenças, concepções, saberes e sentidos que ele manifesta sobre a leitura, literatura infantil,

formação da criança leitora e formação docente, como traz Martins (2011), por exemplo.

Discutir o papel do professor-mediador de leitura é outro objetivo que emerge em

algumas pesquisas, cujas ações se desenrolam na seleção do livro a ser lido, no tipo de leitura

realizada e no papel decisivo que exerce na formação da criança leitora e na constituição do

leitor escolar contemporâneo. Um dos trabalhos deixa evidente que, além da “função

mediadora”, o professor possui uma “função formativa”, como podemos ver no excerto

abaixo:

O estudo investiga os saberes dos professores das séries iniciais do Ensino

Fundamental sobre a literatura. Ao pensarmos sobre a influência do professor como

aquele que tem papel decisivo no ensino de leitura e reconhecendo a função

mediadora e formativa desse profissional, buscamos compreender quais os saberes

que detém sobre a literatura. (SANTOS, 2014, resumo).

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Quando o foco são as crianças, o interesse dos pesquisadores como, por exemplo,

o de Samori (2011), se volta à apropriação da leitura pelo leitor infantil, análise de suas

impressões de leitura, discussão sobre a produção de culturas infantis a partir do contato delas

com a literatura infantil e com o livro como objeto cultural, o que compõe outro conjunto de

objetivos elencados pelos pesquisadores. São aqueles que dão lugar e vez às vozes das

crianças e que buscam compreender o papel que a escola exerce em suas proposições de

leitura e, ainda, o que as crianças produzem, criam e inventam enquanto leem.

As propostas para educação literária trazem como objetivos de pesquisa analisar

os significados da literatura no contexto escolar, discutir a recepção de leitura e a diversidade

de situações de ensino, descrever a organização do trabalho com a literatura infantil, explorar

a rotina das turmas envolvidas na pesquisa, analisar a aplicação de um trabalho de literatura

na promoção do letramento literário e na formação do aluno leitor, como os de Silveira

(2014), Badnasco (2014), Dupont Ló (2011), entre outros.

Independente do objetivo evocado em cada pesquisa, temos trabalhos que

ocorrem em escolas públicas, tanto municipais quanto estaduais e, ainda que em um

percentual bem menor, em escolas particulares. Algo comum que encontramos entre as

pesquisas foi a disponibilidade e o interesse das professoras em aceitar compartilhar suas

concepções e práticas, bem como suas representações das crianças como seres que interagem,

constroem conhecimentos e vivenciam no cotidiano escolar expressões literárias. Tais

aspectos nos aproximam destes trabalhos.

Quando olhamos para o conjunto de objetivos que discutem o "livro ilustrado

contemporâneo" no polo da produção, notamos o interesse dos pesquisadores em definir esse

tipo de obra, em investigar o lugar que as ilustrações ocupam nessa produção, considerando

seu papel narrativo; em compreender como o design está presente na composição da

ilustração e como se desenvolve; em discutir a qualidade literária a partir do projeto gráfico;

em propor uma abordagem do livro que estabeleça conexões entre texto, imagem e suporte,

como os de Costa (2012), Dalcin (2013), Aleixo (2014) e Gili (2014), por exemplo.

Além disso, buscando compreender o leitor em seus esquemas de leitura

(CARVALHO, 2015), ampliando o conceito de práticas de leitura para além daquelas

identificadas nas escolas (PLATZER, 2009), revendo modos de lidar com a presença ou

ausência da literatura infantil na escola (NEVES, 2003), os trabalhos realizados no grupo

ALLE/AULA também se aproximam de nossa tese de doutorado e permitem a construção de

um olhar mais denso e compartilhado coletivamente.

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35

Do ponto de vista metodológico, encontramos estudos – de natureza qualitativa –

que se ancoraram no tipo de pesquisa etnográfica, pesquisa-ação, pesquisa participante,

estudo de caso, entre outras. Em nosso trabalho – uma pesquisa de caráter qualitativo –

tentamos construir uma postura em relação ao material de estudo considerando o conteúdo das

entrevistas e dos "diálogos formativos", as práticas de leitura dos professores com o livro

ilustrado e as práticas de leitura com este tipo de livro em sala de aula, sem juízo de valor e de

avaliação com critérios de certo ou errado. Também assumimos uma visão metodológica de

operações de pesquisa que buscam olhar as práticas de leitura em sua produção, no ir e vir de

se ater aos detalhes para construir um cenário e uma representação do nosso objeto de estudo

em sua contradição, complexidade e ambiguidade.

Na busca pela compreensão entre cruzamentos e tensões, entre imposição e

movimento de criação, olhamos para as práticas de leitura dos professores com os livros

ilustrados, como táticas e estratégias (CERTEAU, 2007). Consideramos as práticas das

professoras, tensionadas entre a produção de conhecimento e suas experiências com as

prescrições previstas no material ou em orientações dadas nos cursos de formação. Nessa

direção, as condições de produção de situações vividas na sala de aula - constituídas como

práticas que são criadoras de usos ou de representações e que não se reduzem às vontades dos

produtores de discursos e de normas - parecem trazer contribuições às maneiras de olhar para

o fazer do professor não como mera reprodução daquilo que vem pelas prescrições e

normatizações oficiais e que tampouco são pensadas como produtos de mera ignorância ou

ausência de saber dos professores.

Do ponto de vista teórico, os trabalhos localizados no levantamento bibliográfico

apontam para uma diversidade que remete a estudos de teóricos como os da educação, da

linguística, da pragmática, do discurso literário, da linguagem, da teoria histórico-cultural, da

psicologia cognitiva, da psicogênese da língua escrita, da pesquisa narrativa, da estética da

recepção, da análise de conteúdos, da psicologia social, da sociologia da infância, da história

oral. Nosso trabalho insere-se neste conjunto, considerando que a perspectiva assumida por

nós é a da História Cultural (CHARTIER, 2004) – em que os campos da linguística, da

literatura, da sociologia, da antropologia, da pedagogia etc. se cruzam e se completam –, na

qual as práticas configuram-se como uma rede em que as ligações são tensas e transitam entre

disciplina e invenção11

, constituídas por clivagens culturais abstratas que criam as distinções.

11

A disciplina é um dispositivo que busca criar representação e controle. A invenção é uma tática que ameniza e

subverte, mas que não é livre e inédita. São duas categorias não antagônicas, mas geridas a par e manejadas em

conjunto “[...] a fim de mostrar que todo dispositivo que visa criar repressão e controle provoca táticas que

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Nessa perspectiva, substituímos a caracterização global e unitária das formas culturais por

uma apreensão também entendida por nós como complexa, que tenta construir sentidos para

tais cruzamentos e tensões, na forma de bricolagem (CERTEAU, 2007).

Nesta perspectiva, reconhecemos a multiplicidade das práticas de leitura, que são

sempre diversas e singulares, no interior, por exemplo, dos acontecimentos fugidios, instáveis

e móveis que habitam a sala de aula, bem como focamos nos sujeitos que dão sentidos e

movimentam estas práticas.

De acordo com Ferreira,

[...] temos defendido em nosso grupo de pesquisa que somos leitores do nosso

vivido, dos acasos, dos achados, dos buscados, dos registrados, dos caminhos já

percorridos. Somos sujeitos, donos de um olhar, educado cultural e academicamente,

mas nem por isso “fechado” em si mesmo, em busca de algo já previsto, calculado,

aplicável a partir do teorizado a priori. Temos insistido em nosso grupo que,

conforme Cardoso (1988), somos sujeitos que cortamos contínuos, que escavamos,

que perscrutamos, que nos colocamos na posição de indagar o mundo. “Não é o

olhar que (pensa), que põe questões no mundo” (CARDOSO, 1988, p. 350), como

não é o mundo que se impõe ao olhar. É o mundo que se pensa porque ele é

constantemente aerado e fermentado, escavado pelo pensamento e pela penetração

do olhar. Metamorfose alquímica entre vidente e visível, entre sujeito e o que se

olha. (FERREIRA, 2014, p. 41)

As pesquisas que focalizam a escola e seus espaços de leitura, como a biblioteca e

a sala de leitura, trazem uma discussão acerca da importância desses lugares como

fundamentais na formação de leitores e denunciam suas condições precárias, a má formação

dos profissionais envolvidos na promoção de leitura, ou o domínio de vários saberes sobre a

literatura (COSTA, 2015, resumo). Problemas na distribuição de livros enviados para as

escolas pelas políticas públicas e a falta de um espaço próprio para leitura são outros aspectos

abordados e discutidos pelas pesquisas. Conforme Oliveira (2011, resumo), a ausência desses

espaços "[...] interfere diretamente nas práticas pedagógicas que visam o letramento literário

dos alunos".

Os trabalhos localizados aproximam-se da nossa tese quando discutem práticas de

leitura; quando elegem o livro ilustrado como objeto de estudo; quando põem em questão

práticas pedagógicas em sala de aula. Muitos deles focam nas práticas de leitura em sala de

aula de escolas públicas, como o que pretendemos fazer em nossa pesquisa. Ao olhar para as

práticas de leitura cotidianas escolares desenvolvidas pelas professoras, nosso trabalho junta-

se aos já existentes, diferenciando-se, porém, quanto ao enfoque principal, que é o trabalho

com o livro ilustrado.

amenizam ou subvertem, e, inversamente, que não existe produção cultural livre e inédita que não empregue

materiais impostos pela tradição, pela autoridade ou pelo mercado e não esteja submetida à vigilância ou censura

de quem tem poder sobre as palavras e as coisas”. (CHARTIER, 2004, p. 16-17).

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37

CAPÍTULO 2

NOSSAS FONTES E NOSSO LUGAR DE PESQUISA

Fonte: Fotos tiradas pela pesquisadora na aula realizada com o livro ilustrado Vozes no Parque

com a turma do 3º ano.

Caminhar e/ou escrever é o trabalho sem trégua, pela força do desejo, sob as esporas

de uma curiosidade ardente que nada poderia deter. [...] Tudo começa com o gesto

de separar, de reunir, de transformar em “documentos” certos objetos distribuídos

de outra maneira. Esta nova distribuição cultural é o primeiro trabalho. Na realidade,

ela consiste em produzir tais documentos, pelo simples fato de recopiar, transcrever

ou fotografar estes objetos mudando ao mesmo tempo o seu lugar e o seu estatuto.

Este gesto consiste em “isolar” um corpo [...], e em “desfigurar” as coisas para

constituí-las como peças que preencham lacunas de um conjunto [...]. Longe de

aceitar os “dados”, ele os constitui. O material é criado por ações combinadas, que

recortam o universo em uso [...] e que o destinam a um reemprego coerente

(CERTEAU, 2010, p. 81 – grifos do autor).

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As condições em que esta pesquisa se constituiu são permeadas pela curiosidade

que apreende o desejo de caminhar, investigar, conhecer e escrever – ações essas que

movimentam as operações deste trabalho com veemência e intensidade – sobre a

multiplicidade das práticas de leitura da literatura infantil e, em especial, a do livro ilustrado

de literatura infantil, considerando uma realidade que é móvel, fugidia e instável no cotidiano

escolar12

, mais precisamente, na sala de aula.

No século XIX, Eça de Queirós, brindou-nos com uma célebre frase que pode

relacionar-se com o sentido da palavra “curiosidade” para este trabalho; para este autor, “a

curiosidade, instinto de complexidade infinita, leva por um lado a escutar atrás das portas e

por outro a descobrir a América”. Deparamo-nos, nesta tese de doutorado, com outra maneira

de dizer, talvez menos romanceada e mais complexa. Para nós, o pesquisador, constantemente

inquieto e provocado por suas interrogações, hipóteses, dúvidas e postulados, se vê em um

emaranhado de incertezas, construções, desconstruções e reconstruções, em busca daquilo que

desconhece. Não quer apenas saber o que está atrás da porta. Quer, à maneira de Certeau

(2010), enveredar por um emaranhado de rede de significados, pelas pistas e os vestígios

deixados pelas professoras, além da porta.

Uma curiosidade – movida por operações investigativas – na busca por um grupo

(as professoras), um lugar (a escola) e por práticas (a leitura) (CERTEAU, 2010) -,

discutiremos sobre as operações realizadas em cada movimento investigativo ao longo de toda

tese e, sobretudo, evidenciaremos gestos, ações e categorizações que constituíram os dados

que, com efeito, foram gerados pela combinação deste grupo, deste lugar e destas práticas.

Apoiada por esses ideários utilizados por Certeau, diante de sua maneira de ler a

história cultural e social constituída no entrecruzamento de disciplinas e métodos para captar

cada momento histórico em sua multiplicidade e contradições, exploramos:

[...] com respeito e uma espantosa delicadeza os caminhos obscuros, não para julgar

uns aos outros, nem para apontar o domínio da verdade e do direito legítimo, mas

para aprender com o passado como um grupo social supera um eclipse da sua crença

e chega a obter benefício das condições impostas para inventar sua própria

liberdade, criar para si um espaço de movimentação (GIARD, 1995, p. 7).

Nesse movimento, que pode nos ajudar a conhecer as práticas, propomos algumas

maneiras de pensá-las em seu cotidiano e, para distinguir maneiras de fazer, pensar estilos de

12

Olhar para o trabalho de leitura na perspectiva da teoria das práticas cotidianas no interior da escola é uma

concepção que dialoga com os princípios desta pesquisa por fazer coexistir uma história documentada com outra

não documentada que, em seu cruzamento, possibilita à escola tomar forma material e ganhar vida como nos traz

Rockwell e Ezpeleta (2007, p. 134), além de "[...] extrair de seus ruídos as artes de fazer compreendidas como as

astúcias de seus consumidores [...]"(CERTEAU, 2007, p. 17) que, no caso desse trabalho, são as professoras e as

crianças.

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39

ação e fazer uma teoria das práticas, supomos que o ponto de partida seja do tipo tático -

diante daqueles que detêm o poder - e estratégico, perante aqueles que são os mais fracos,

considerando três níveis: modalidades da ação, formalidades das práticas e tipos de

operação especificados pelas maneiras de fazer. De acordo com Giard (2007, p. 20-21),

pensar nesses três níveis não significa construir um modelo geral para colocar neste molde um

conjunto de práticas, pelo contrário, significa especificar “esquemas operacionais” e procurar

se, entre eles, existem categorias comuns que possam explicar o conjunto de práticas.

Abordam-se, então, modos de operação ou esquemas de ação e não diretamente “o sujeito que

é seu autor ou seu veículo” (CERTEAU, 2007, p. 38). As modalidades da ação são próprias

de cada sujeito; a formalidade das práticas é pautada em operações que obedecem às regras e,

por sua vez, deve haver uma lógica para elaborar uma primeira formalização teórica. No caso

da escola, desdobram-se na organização de uma rede que dispõe de documentos, formações,

pautas, avaliações, prazos, planejamentos, entre outros. A figura do professor insere-se nesse

cotidiano como alguém que produz cultura em suas táticas e estratégias, entre seus pares e

com as crianças, considerando toda a maquinaria que formaliza as ações escolares. Assim, os

tipos de operação especificados pelas maneiras de fazer constituem as mil práticas pelas quais

os usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural

(CERTEAU, 2007, p. 41).

As contribuições de Certeau (2007, p. 153) quanto ao uso da teoria do relato – arte

de dizer – e da teoria das práticas – arte de fazer –, apontam para a construção de narrativas e

de dados na forma de bricolagem que é movimentada no interior do comum que habita o

cotidiano.

Tal como Certeau (2010), a construção da tese de doutorado busca uma narrativa

com os acontecimentos e dados produzidos por nós. Dados que são traços recolhidos e

decifrados, organizados em um presente que também já é passado, a partir de operações de

separar, isolar, reunir e criar combinações possíveis dentro do limite desta tese.

Olhamos pistas, sinais e indícios (GINZBURG, 1989) que podem nos ajudar a

compreender os modos de pensar e fazer as práticas de leitura compostas e justapostas,

cruzando combinações, analogias e relações de significado (PESAVENTO, 2005) que

auxiliam na compreensão dos modos de pensar e fazer as práticas de leitura dos professores

com o livro ilustrado.

O conceito de representação num sentido particular e historicamente determinado

é importante para nosso trabalho. As representações do mundo social são sempre

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40

determinadas pelos interesses do grupo que as forjam, embora construídas de forma a aspirar

à universalidade de um diagnóstico fundado na razão. Daí, para cada caso, o necessário

relacionamento dos discursos proferidos com a posição de quem os utiliza (CHARTIER,

2002, p. 17).

Esta é a paisagem na qual se desenha a pesquisa, cujo caminhar inscreve seus

passos, sobretudo em campo heterogêneo e diferenciado como são a escola, a sala de aula, os

professores e as crianças. Destacando a inventividade na pesquisa, Giard (2008, p. 19)

manifesta em sua escrita que Certeau recusava-se a “[...] deixar aprisionar na prática de um

único modelo ou a consentir na preeminência desse modelo, [...] tinha um gosto inveterado

pela experimentação controlada na ordem do pensável”. A partir dessas considerações, vemos

que as condições impostas para um trabalho acadêmico são necessárias e trazem benefícios

que nos permitem, enquanto pesquisadores, criar um espaço de movimentação, de invenção,

de multiplicidade, a depender das escolhas que desencadeiam um caminhar na pesquisa. No

caso deste trabalho, além das ações já arroladas acima, as operações de compor cenas,

combinar fatos, cruzar informações, bem como descrever, relatar e contar13

o que constitui as

práticas de leitura dos livros ilustrados nos ajudará a conhecer e interpretar as condições em

que tais práticas se produzem. Assim, Certeau (2007, 2010) e Chartier (2001, 2002, 2004)

serão nossos aportes teóricos e metodológicos para interpretação e conhecimento das práticas

de leitura dos livros ilustrados, na escola.

2.1. Conhecer um grupo (as professoras): vozes que produzem sentidos

Vozes vivas e diversas que se aprovam, se comovem, se lembram; vozes que se

lastimam, respondem e se contradizem. Vozes que revelam sem pretensão, com

palavras do cotidiano, práticas comuns. Vozes de mulheres que revelam a vida das

pessoas e das coisas. Vozes, simplesmente vozes (GIARD, 2008, p. 224)

Na diversidade de vozes que compõem esta pesquisa, que tece histórias vivas

sobre as práticas de leitura de literatura, na experiência leitora e nas concepções que,

inconscientemente ou não, organizam o trabalho docente, encontramos a constituição ou a

construção de uma cumplicidade entre pesquisador e professores que, mais do que meras

fontes, são sujeitos ordinários (comuns) que procedem a operações próprias, que inventam,

13

O dicionário Houaiss traz as seguintes definições para essas ações que, aqui, consideramos como de pesquisa.

Descrever: representar alguém, algo ou a si mesmo no seu todo ou em detalhes e fornecer uma descrição

objetiva, sistemática e abrangente. Relatar: expor e narrar. Contar: relatar o enredo ou detalhes de história, caso,

conversa etc. Nessa direção, as representações das práticas cotidianas de leitura serão expostas, narradas,

relatadas em seu enredo de forma objetiva, sistemática e abrangente. Disponível em:

<https://houaiss.uol.com.br/pub/apps/www/v2-3/html/index.htm#3>. Acesso em: 12/12/2016.

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como Certeau trata (2007, p. 97), “[...] trilhas na selva da racionalidade [...]” e “traçam

trajetórias [...] aparentemente desprovidas de sentido porque não são coerentes com o espaço

construído, escrito e pré-fabricado onde se movimentam”, neste caso, a escola.

Desde o início fomos bem recebidos pela gestão da escola (diretor, assessor

pedagógico e, no caso de uma das escolas, assistente de direção), apresentamos nosso Projeto

de Pesquisa inicial e compartilhamos os motivos da escolha dessas professoras e escolas. O

primeiro critério para escolha das professoras foi em relação ao vínculo com a Diretoria de

Educação na prefeitura de Cajamar. São professoras de cargo efetivo na rede, aprovadas em

concurso público há no mínimo cinco anos14

, com exceção de uma contratada por tempo

determinado15

que seria desligada da rede no final do ano por não ser titular de cargo16

. Assim

sendo, este critério que havíamos levantado anteriormente com relação ao fato de o professor

ser efetivo na escola foi alterado devido a essa situação.

O segundo critério para escolha dessas professoras foi em relação ao tempo de

trabalho. O grupo pesquisado constitui-se de um total de cinco professoras do ensino

fundamental da rede pública do município de Cajamar, Estado de São Paulo, das quais três

possuem mais de dez anos de experiência nesta rede. A cumplicidade entre pesquisadora e

professoras se deve ao fato de esta já trabalhar com três delas há mais de oito anos. Mas,

deve-se destacar que esta relação de trabalho se dá considerando os diferentes papéis

desempenhados pela pesquisadora, que também atua como supervisora de ensino17

na rede em

que as professoras trabalham, aspecto esse que marca posições hierárquicas diante da cultura

constituída na rede em relação ao acompanhamento, monitoramento e avaliação dos trabalhos

e das práticas realizadas na e pela escola. Esse aspecto configura-se como uma condição de

produção que traz limitações e possibilidades para geração de dados. Com duas das cinco

professoras, o contato foi inicial, porque uma foi contratada por meio de processo seletivo no

14

Em 2011, foi realizado um diagnóstico socioeconômico no município de Cajamar pelo Instituto Natura e pelo

IDECA – Instituto de Desenvolvimento Educacional, Cultural a Ação Comunitária. No relatório final, a

rotatividade de professores foi um destaque, pois ocorria em função da busca por melhores condições de trabalho

em cidades próximas, o que revelou a necessidade de se investir em plano de carreira, na revisão do estatuto do

magistério e nas questões relacionadas a transporte (INSTITUTO NATURA, 2011, p. 21). Devido a essa

situação, ser professor efetivo foi um critério para a escolha das professoras. 15

Os professores contratados por meio de processo seletivo têm vínculo garantido por seis meses, podendo tal

vínculo ser prorrogado por mais seis, não ultrapassando o máximo de doze meses, conforme a Lei nº 1175 de 6

de setembro de 2005, Artigo 3º. 16

As professoras que exerciam a docência nas três classes de 4º ano da escola encontravam-se em condição de

substituição de professoras efetivas que estavam de licença médica e afastamento para exercerem outras funções.

Como não há possibilidade de ter um professor efetivo nessas condições, realizamos o acompanhamento na

classe de uma professora contratada. 17

A pesquisadora atua como supervisora de ensino da rede municipal de Cajamar desde 2003 até a presente data.

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ano de 2015, e a outra, professora já aposentada, ingressou por meio de concurso público

também no referido ano. No entanto, ambas possuem mais de dez anos de docência.

No contexto dessa pesquisa, o tempo de experiência em uma mesma rede pode

gerar as performances (CERTEAU, 2007) a partir dos “saberes antigos” que foram

construídos diante das relações estabelecidas na escola e com o órgão central18

; nas conexões

com as teias que tecem a formação continuada e sua estrutura que, ao longo do tempo, pouco

se alterou ou se transformou19

; no contato com os materiais didáticos produzidos pela rede20

ou programas elaborados pelo governo estadual como, por exemplo, o Ler e Escrever, e no

tempo de atuação dentro de um mesmo ano no ensino fundamental. São professoras do ensino

fundamental que aceitaram participar de momentos formais de entrevista semiestruturada com

questões abertas, em momentos informais da pesquisa de campo, ao longo de 2015.

Ressaltamos que cada uma das professoras atua em anos diferentes do ensino

fundamental, de modo que a pesquisa foi realizada com uma professora do 1º ano, 2º ano, 3º

ano, 4º ano e 5º ano, contemplando assim os anos iniciais dessa etapa da educação básica. Por

outro lado, ainda que em papéis hierarquicamente distintos, é preciso considerar que vínculos

afetivos e profissionais têm sido construídos entre nós, assim como os diálogos realizados em

diferentes momentos do processo, e o acompanhamento diante das maneiras de fazer e de

pensar os estilos de ação de cada professora (CERTEAU, 2007, p. 20).

Podemos dizer que a receptividade demonstrada pelas professoras quanto a

participarem da pesquisa foi unânime, o que contribuiu e muito para a qualidade do trabalho,

condição sine qua non colocada por nós.

O terceiro critério de escolha foi a condição de representatividade deste grupo de

professoras em relação à coletividade da rede escolar, seguindo as ideias de Queiroz (1991):

A escolha de informantes, num projeto de pesquisa, raramente é deixada ao acaso;

eles representam sempre uma coletividade, e as coletividades são sempre

internamente diferenciadas, estruturadas segundo a idade, o sexo, a instrução [...].

Admitir a importância de tais diferenciações equivale a afirmar que provavelmente

18

Referimo-nos aos profissionais que atuam na Diretoria Municipal de Educação – Supervisão de Ensino,

Psicopedagogos e Assistentes Pedagógicos – responsáveis pelas formações e acompanhamentos do trabalho do

professor em sala de aula em parceria com a equipe técnica da escola. 19

Como Supervisora de Ensino, participo das formações realizadas em rede desde 2003, por isso torna-se

possível trazer essa informação. 20

Com o processo de formação continuada em Língua Portuguesa, os professores da rede de Cajamar

construíram Sequências Didáticas de Leitura com foco nas habilidades desenvolvidas antes, durante e depois da

leitura do texto As sequências didáticas são um conjunto de atividades ligadas entre si, planejadas para ensinar

um conteúdo, etapa por etapa. Organizadas de acordo com os objetivos que o professor quer alcançar para a

aprendizagem de seus alunos, elas envolvem atividades de aprendizagem e de avaliação. (AMARAL, 2015).

Disponível em: <https://www.escrevendoofuturo.org.br/conteudo/biblioteca/nossas-

publicacoes/revista/artigos/artigo/1539/sequencia-didatica-e-ensino-de-generos-textuais>. Acesso em:

12/12/2016.

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elas influem tanto nos aspectos formais quanto no conteúdo das informações

veiculadas (QUEIROZ, p. 105-106).

Essas professoras que fazem parte do nosso trabalho apresentam diferenças e

aproximações em relação a toda a rede quanto a: (1) gostos e preferências de leitura; (2)

formação acadêmica e continuada; (3) faixa etária; (4) concepções do que é objeto de estudo

deste trabalho; (5) práticas em sala de aula com o Programa Ler e Escrever. São professoras,

sujeitos de sua condição histórica e cultural, que compartilham valores, gostos, gestos e

práticas. Essas professoras são vistas como representação do "ser professor" e não como

indivíduos abstratos e homogêneos.

As informações originadas das anotações realizadas no diário de campo, das

transcrições das entrevistas e das observações das aulas acompanhadas que, por sua vez,

foram gravadas em vídeo e, posteriormente, assistidas e transcritas, permitiram a construção

de um quadro que caracteriza cada professora quanto à faixa etária, nível de escolaridade e

tempo de experiência:

Quadro 2: Perfil dos sujeitos da pesquisa

Nome21

Idade22

Formação acadêmica Tempo de

experiência

como

professora

Tempo de

atuação

na escola

Classe

que

leciona

Neusa 51 anos Pedagogia, Pós-Graduação

em Psicopedagogia e Pós-

Graduação em Educação

Infantil.

31 anos 8 meses 1º ano

Laura 51 anos Normal Superior e

Pedagogia.

10 anos 9 anos 2º ano

Flávia 42 anos Pedagogia, Pós-Graduação

em Educação Infantil.

12 anos 10 anos 3º ano

Rosana 38 anos Pedagogia e

complementação em Arte.

11 anos 7 meses 4º ano

Carina 31 anos Pedagogia 13 anos 8 anos 5º ano

Fonte: dados coletados e organizados pela pesquisadora.

21

Destacamos que os nomes verdadeiros das professoras foram substituídos por nomes fictícios para preservar a

identidade. 22

As idades, o tempo de experiência e o tempo de atuação das professoras correspondem ao ano em que a

pesquisa de campo foi realizada (2015).

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Na leitura deste quadro, primeiramente, destacamos quanto à faixa etária que há

uma heterogeneidade no que diz respeito à data de nascimento das professoras, em alguns

casos de décadas, verificando-se uma diferença de vinte anos entre a professora mais jovem

(31 anos) e aquela com a maior idade (51 anos). Reflexos dessa diferença etária podem ser

observados em nuances de trechos das entrevistas que complementam as informações do

quadro. Enquanto a professora Neusa (51 anos), por exemplo, tornou-se professora por

determinação do pai e pela permissão do marido, a professora Carina (31 anos) não seguiu o

desejo de sua família, que era vê-la formada em Direito, ingressando no campo da Pedagogia,

como vemos nos depoimentos a seguir:

Fui lá conversar com meu marido e ele deixou! [...]. Mas, eu falo que foi meu pai

que determinou isso em mim, porque quando fui fazer a 1ª Comunhão, [...] o

catequista foi na minha casa [...] fazer uma entrevista com os pais e entregar o livro

da catequese. Aí, ele pegou e perguntou para o meu pai o que o meu pai queria que

ele escrevesse na contracapa do livro que ele ia me entregar [...]. Aí meu pai colocou

que [...] ele esperava... eu não me lembro muito bem, mas no final terminava assim:

“que ele gostaria muito que eu fosse professora”. Então, ele determinou que eu fosse

professora e estou até hoje! (NEUSA, entrevista, 28 de set. 2015).

[...] Na verdade, [...] concomitante com o magistério, eu fiz um técnico em

Administração de Empresas e, do técnico em Administração de Empresas, eu acabei

fazendo um ano de faculdade de Administração e acabei vendo que não era isso que

eu queria. Tranquei a faculdade! Na verdade, era mais por anseio da minha família.

Meu pai queria que eu tivesse formada em Direito. Era da vontade dele! Minha irmã

mais velha acabou seguindo e eu dei uma rebelada, [...] sempre gostei de estar

inserida dentro de práticas de escola, fui voluntária por dois anos na Educação de

Jovens e Adultos no primeiro ano da faculdade de Pedagogia. Então, acabei

decidindo fazer a Pedagogia e, na verdade, eu descobri que gostava muito [...].

Então, eu acabei me rebelando e fazendo a faculdade de Pedagogia e vim pra

Cajamar nesse ato de rebeldia para mostrar que eu conseguiria viver a minha vida

como professora, porque até então, a minha família não era a favor. Na verdade,

meu pai queria que fizéssemos Direito e eu não quis. Não me dou com Direito! [...]

Prefiro fazer algo que eu goste e aí de 2002 para 2003 eu acabei tomando a decisão

final: eu vou mudar, não quero fazer a faculdade de Administração de Empresas,

tranquei a faculdade e comecei Pedagogia. (CARINA, entrevista, 23 de out. 2015).

Além da constatação da variedade entre faixas etárias, percebemos que as

professoras apresentam o tempo de experiência muito parecido, com exceção da professora

Neusa (31 anos). Destacamos também que há professoras que já foram gestoras de escolas ou

que, atualmente, trabalham com crianças na educação infantil. Este é o caso das professoras

Flávia e Neusa.

[...] começou a história de professora, depois fui assessora, [...] participei de um

seletivo para fazer parte da equipe do AEE23

e aí eu fui pro AEE em 2010 e fiquei

no AEE até 2012, quando eu recebi o convite para trabalhar na direção. Trabalhei

como diretora [...]. Depois eu optei novamente por voltar pra sala de aula e voltar

para o Vinícius Couto de educação infantil e no Odir permaneci como professora

23

Atendimento Educacional Especializado.

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das séries iniciais e estou até hoje na docência. (FLÁVIA, entrevista, 22 de out.

2015)

Eu fui diretora de escola municipal por 12 anos em Santana de Parnaíba. Fui diretora

de uma escola particular porque tive uma escola particular por 4 anos. E fui

assistente e diretora de escola também estadual... [...] Tenho uma trajetória bem

enrolada, porque vai perpassando pela vida, pelas salas de aula e a gente vai se

aprimorando com o tempo. (NEUSA, entrevista, 29 de set. 2015).

O Quadro 2 informa ainda que o tempo de atuação das professoras na mesma

escola, varia – duas delas trabalham lá há meses, enquanto que as outras três, já trabalham há

anos. Essa variação pode interferir na construção de vínculos com as crianças que ultrapassam

determinado ano escolar, como explica a professora Laura do 2º ano:

Nove anos!24

Eu peguei aqui três crianças só de uma família, irmãos, parentes! O

bom é isso! [...] É um vínculo! [...] Tem alunos que eram pequenininhos que eu dei

aula que hoje estão no Tenente25

, no Garrido26

, são alunos assim que, às vezes, eu

saio na rua ou encontro, sabe? Isso é gostoso, né! Essa questão dessa afinidade [...]

(entrevista, 28 de set. 2015).

A permanência de um grupo de professores por um tempo maior (Laura, Flávia e

Carina), possibilita o compartilhamento de dispositivos dos campos pedagógico,

administrativo, formativo e relacional, produzindo certa ideia de pertencimento coletivo a este

lugar. Como dispositivos, entendemos,

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos, instituições,

organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas,

enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas. Em suma, o

dito e o não dito são os elementos do dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode

tecer entre estes elementos (FOUCAULT, 2000, p. 244).

Uma partilha de dispositivos que se referem aos discursos, à organização da

instituição escolar, às proposições de metas, conteúdos e habilidades que estão enunciados no

Projeto Político Pedagógico27

da escola, bem como às ações, expressões e gestos que se

configuram como não ditos, apesar de vividos.

24

Referindo-se ao tempo que está na mesma escola. 25

Escola Estadual Tenente Marques localizada no Distrito do Polvilho/Cajamar/SP. 26

Escola Estadual Profa. Ana Maria Garrido Orlandin localizada no Distrito do Polvilho/Cajamar/SP. 27

De acordo com Veiga, “ao construirmos os projetos de nossas escolas, planejamos o que temos intenção de

fazer, de realizar. Lançamo-nos para diante, com base no que temos, buscando o possível. É antever um futuro

diferente do presente. [...] Nessa perspectiva, o projeto político-pedagógico vai além de um simples agrupamento

de planos de ensino e de atividades diversas. O projeto não é algo que é construído e em seguida arquivado ou

encaminhado às autoridades educacionais como prova do cumprimento de tarefas burocráticas. Ele é construído

e vivenciado em todos os momentos, por todos os envolvidos com o processo educativo da escola. O projeto

busca um rumo, uma direção. É uma ação intencional, com um sentido explícito, com um compromisso definido

coletivamente. Por isso, todo projeto pedagógico da escola é, também, um projeto político por estar intimamente

articulado ao compromisso sociopolítico com os interesses reais e coletivos da população majoritária. É político

no sentido de compromisso com a formação do cidadão para um tipo de sociedade”. (VEIGA, 2002, p. 1).

Disponível em: <http://pep.ifsp.edu.br/wp-content/uploads/2015/01/PPP-uma-constru%C3%A7%C3%A3o-

coletiva.pdf>. Acesso em: 12/12/2016.

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No entanto, a apropriação desses dispositivos políticos, pedagógicos e

administrativos não parece estar diretamente relacionada ao tempo de permanência na

instituição. A ausência coletiva no monitoramento e na avaliação desses aparatos – Projeto

Político Pedagógico, por exemplo – a não discussão desses aparatos entre a coletividade e a

mera observância burocrática aos princípios determinados por esses documentos têm limitado

o conhecimento dos professores a respeito das normas, escolhas, planejamentos, concepções -

como se pode inferir pela leitura dos depoimentos das professoras. Nessa direção, o PPP da

escola não é acessado e não foi apropriado pelos sujeitos "ordinários" no cotidiano escolar

como sendo produção de saberes e de cultura, modos de subjetivação e identidade dos que ali

trabalham. O que se destaca para este grupo é o estudo e a aplicação de projetos e programas

oriundos do governo estadual ou de empresas privadas até mesmo pelo fato de as formações e

“cobranças” de rede focarem tais propostas.

Entre a ordem de criação e daquilo que é imprevisível, parece que este grupo de

professoras segue a ordem da prescrição e da previsibilidade, priorizando os projetos de rede

como podemos observar nos depoimentos abaixo:

Entrei aqui em fevereiro desse ano. Tenho pouco conhecimento do trabalho

desenvolvido pela escola. Então assim, para mim, o que eu tenho de mais

conhecimento com o trabalho de leitura é o Trilhas28

que é um projeto e as outras

leituras que a gente faz diariamente. Daí tá dentro da proposta, né... (NEUSA,

entrevista, 28 de set. 2015)

Pesquisadora: Mas, como é que a leitura está presente no PPP?

Laura: Agora não sei te dizer! (LAURA, entrevista, 28 de set. 2015)

Pesquisadora: A escola tem algum projeto de leitura? A leitura aparece no PPP da

escola?

Flávia: Eu tenho até vergonha de dizer, mas não aparece e se aparece eu não vi ele

atualizado. Pode ser até que tenha, mas eu não vi. E eu também não tive muito

acesso a esse documento, inclusive até cheguei pedir até porque a gente começou a

escrever esse trabalho e aí ficou meio parado no ar. (FLÁVIA, entrevista, 28 de out.

2015)

Tem a leitura, inclusive, a deleite é todos os dias. Agora no PPP da escola eu não

sei! Não sei, mas acho que eu já deveria ter ido ver! É porque é passado para a

gente, [...] no HTPC [...] para trabalhar tal coisa. Eu sigo o Ler e Escrever mesmo. A

proposta está aí, se está aí é para a gente trabalhar. [...] Então, agora tá pedindo

contos e tem que trazer para trabalhar narrativas, tem que sistematizar muita

narrativa [...]. Enfim, é isso! (ROSANA, entrevista, 30 de set. 2015)

Os programas se sobrepõem ao pensar/fazer na escola, mas o coletivo e a parceria

dão o tom do cotidiano pedagógico, aproximam as professoras de um modo anunciado de

fazer, enquanto que desconhecer o PPP parece ser algo que se propaga para além desse grupo.

28

Trilhas é um projeto de leitura que está na rede desde 2009, sob a coordenação de formadores externos

vinculados a um instituto.

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No ano de 2015, dezessete escolas de educação infantil e dezesseis escolas do

ensino fundamental realizaram uma avaliação institucional utilizando os Indicadores de

Qualidade na Educação29

, que incluía, dentre oito dimensões que constituem a qualidade da

escola, a verificação sobre a consolidação (ou não) do PPP da escola. Apenas duas escolas de

educação infantil da rede não possuem um PPP consolidado - indicado pela cor vermelha - e,

nas escolas do ensino fundamental, como mostra o Quadro 4, essa quantidade é a mesma. As

escolas aqui pesquisadas encontram-se nos Quadros 3 e 4, sendo que a EMEB Jailson Silveira

Leite foi avaliada com o PPP consolidado como mostra o Quadro 3, enquanto que na EMEB

Profa. Odir Garcia Araújo o PPP é considerado como não conhecido por todos, como retrata o

Quadro 4.

Quadro 3: Resultado da avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação Infantil “Proposta

Pedagógica consolidada”, 2015.

Fonte: arquivo de dados da rede de ensino da pesquisadora.

Quadro 4: Resultado da avaliação dos Indicadores de Qualidade no Ensino Fundamental quanto ao

item “Prática Pedagógica e Avaliação”, 2015.

Fonte: Arquivo de dados da rede de ensino da pesquisadora

Quanto à formação acadêmica, nota-se que cada uma dessas professoras possui

graduação em Pedagogia, visto que esta é a exigência mínima para ingressar no município de

Cajamar, atendendo assim à legislação em vigor30

. Uma delas destaca a necessidade de se

especializar em um determinado segmento da educação básica devido à formação

“abrangente” oferecida pelos cursos de Pedagogia. Flávia relata, em sua entrevista, o desejo

de se especializar para qualificar sua atuação docente.

[...] Eu senti a necessidade de fazer uma pós-graduação em educação infantil porque

a Pedagogia deu a formação nos anos iniciais, mas os anos iniciais ficaram muito

29

Esta avaliação foi realizada junto ao processo de formação dos Diretores de Escola, em parceria com o

Instituto Votorantim. Nesse processo, houve mobilização da comunidade escolar e a organização de comissões

em cada escola, comissões estas que se responsabilizaram por avaliar as dimensões da escola que compõem os

indicadores. O resultado da avaliação de cada comissão foi compartilhado em plenárias realizadas em cada

escola e socializado nos encontros de formação na Diretoria de Educação. Formadores e Supervisores de Ensino

acompanharam todo o processo desenvolvido. Na avaliação, a cor verde corresponde à consolidação do item

avaliado; a cor amarela retrata que o item avaliado foi parcialmente alcançado, e a cor vermelha indica a

inexistência do item avaliado na escola. 30

Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e Lei nº

13.005, de 25 de junho de 2014 que aprova o Plano Nacional de Educação – 2014/2024.

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abrangentes. Eu comecei na educação infantil e agora quero me especializar

(FLÁVIA, entrevista, 22 de out. 2015).

São profissionais formadas em universidades particulares ao longo das décadas de

1990 a 2000, com exceção da professora Neusa, cuja formação inicial deu-se nos anos 1980.

Em conexão aos contextos, neste caso formativos, pesquisas realizadas31

mostram que nas

décadas de 1980 e 1990 os cursos de formação inicial apontam, nas palavras de Schön (1983,

1987 apud GARRIDO e CARVALHO, 1999, p. 149), para uma fragmentação das disciplinas

e falta de conexão entre teoria e prática, resultantes do afastamento entre pesquisas realizadas

na universidade e o trabalho desenvolvido nas escolas, que se constituem como “[...] um

modelo de racionalidade técnica que configura os currículos universitários de formação do

professor” (GARRIDO e CARVALHO, 1999, p. 190).

Segundo esse paradigma, as práticas docentes, como ciência aplicada, decorrem da

teoria: nada mais são do que aplicações de modelos teóricos. A relação entre teoria e

prática tem sentido único e não dialógico. A escola e o saber aí ministrado não

constituem o objeto privilegiado de estudo do pesquisador. Essa postura traz como

corolário o desprestígio da profissão de professor, confinado a ser mero executor de

propostas desenvolvidas por especialistas, mero consumidor de pesquisas e de

políticas definidas de cima para baixo (GARRIDO e CARVALHO, 1999, p. 190).

Segundo esses estudos, nossas professoras participaram deste contexto de

formação como figuras que, supostamente, centralizariam, posteriormente, seu ensino na

transmissão do saber pelo adulto e o controlaria para verificação do conteúdo. No entanto, as

entrevistas e os depoimentos dados a esta pesquisa mostraram que as professoras não são

formatadas em um contexto de formação inicial como também não são sujeitos abstratos e

vistos em sua passividade diante desta formação. Relatos voltados ao processo de

alfabetização mostraram, especialmente, práticas pedagógicas diversas entre essas

professoras. As práticas pautadas no construtivismo32

em oposição ao uso da cartilha, por

exemplo, mostram uma aproximação que pressupõem uma professora que quer se apresentar

31

Artigo: Reflexão sobre a prática e qualificação de formação inicial docente – Elsa Garrido e Anna Maria

Pessoa de Carvalho da FE/USP – 1999. O estudo descreve as características que marcaram a interação professor-

licenciandos, facilitando o processo de (re)construção e (re)formulação das representações e das práticas

docentes (trecho do resumo). 32

As pesquisas de Ferreiro e o termo construtivismo foram divulgados no Brasil no início da década de 1980. O

nome da pesquisadora passou, então, a se relacionar ao construtivismo, campo de estudo inaugurado pelas

descobertas de Jean Piaget (1896-1980) na investigação dos processos de aquisição e elaboração de

conhecimento pela criança e o modo como esta aprende. As pesquisas de Ferreiro - que estudou e trabalhou com

Piaget - concentram o foco nos mecanismos cognitivos relacionados à leitura e à escrita, porém ressaltamos que

o construtivismo não é um método, como muitos consideram. Tanto as descobertas de Piaget como as de

Ferreiro levam à conclusão de que as crianças têm um papel ativo no aprendizado. Elas constroem o próprio

conhecimento – daí a palavra construtivismo. Disponível em:

<http://educarparacrescer.abril.com.br/aprendizagem/emilia-ferreiro-306969.shtml>. Acesso em: 12/12/2016.

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49

ao outro (pesquisadores, colegas, etc.) como ativa, que busca aliar-se a uma concepção de

ensino atual e mais "moderna" e não agregada a seu curso de formação inicial:

Comecei alfabetizar com a história do construtivismo e nunca peguei uma cartilha

para alfabetizar. [...] Mesmo na época que usava cartilha! Eu cheguei para a diretora

e falei que não iria trabalhar com cartilha e que eu queria um 1º ano, uma sala de

alfabetização, para trabalhar as experiências, [...] colocar em prática o que eu estava

vendo nos cursos que eu fazia relacionados ao construtivismo (NEUSA, entrevista,

28 de set. 2015).

Suas práticas e discursos, na escola, são imbricadas pelas suas experiências no

contexto de sua formação inicial e continuada, nas escolhas dos livros, nas finalidades de

leitura propostas para seus alunos e nos usos da literatura infantil como material para

alfabetizar:

Eu gosto de trabalhar alguns para [...] alfabetização, não vou falar que não! Esse ano

não coloquei em prática não, mas já trabalhei muito para alfabetizar, para a criança

aprender a ler e a escrever, [...] e não para ela aprender a produzir porque é

diferente! Eu vejo uma diferença muito grande nisso! [...] A bota do bode, que é um

livro antigo, [...] só tem frases, então o Eliardo França e a Mary França, eles

trabalham muito em cima das frases e tem as ilustrações. E como são frases curtas

dos livros, todos os livros deles são assim. A gente tá trabalhando a parte da

formação das sílabas, das frases, das palavras, [...] são palavras curtas para estar

trabalhando e que vai fazendo com que a criança vá ampliando o repertório dela para

alfabetização (NEUSA, entrevista, 28 de set. 2015).

Modos de pensar e fazer produzidos a partir de suas experiências cotidianas na

escola e de sua formação inicial e continuada, em que as concepções – de alfabetizar, de ler

livros de literatura, de ensinar a linguagem – põem em movimento as suas práticas, o que

rompe com a ideia de que o professor “faz errado” ou “não sabe fazer”, não estuda, não

compreende as teorias pedagógicas. É a história de práticas contadas em forma de relato,

organizado em uma “trama compreensível” (CHARTIER, 2009, p. 11):

Então, eu geralmente leio para deleite, [...] mas são histórias curtas e sempre tem um

objetivo pedagógico, né! [...] E, nessa questão da reescrita, eu leio para eles textos

pequenininhos, [...] com o objetivo que eles aprendam, por exemplo, [...] guardar a

leitura, [...] para eles poderem fazer a reescrita. Porque é como eu falei: “A minha

preocupação é que eles saiam todos alfabetizados”. Então, esse é meu desespero!

[...] E essa preocupação minha, talvez os professores se preocupem mais em fazer

por deleite porque, como eu falei, como eu era uma professora de 5º ano, então eu

fico achando que tenho que chegar no final do ano com as pessoas todas

alfabetizadas, todas pelo menos com o conhecimento do 3º ano. (LAURA,

entrevista, 28 de set. 2015).

O compromisso com a alfabetização é bastante forte para essas professoras, como

a crença no poder da leitura e da escrita. Essa visão orienta uma diversidade de jeitos – mais

ou menos prazerosos, com mais ou menos textos, com mais ou menos literatura, com livros

mais finos, livros mais grossos –, porém compartilha a importância dada à iniciação da

criança à sociedade escriturística.

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Em seus depoimentos, as professoras convocam um discurso ligado também às

práticas pautadas nos métodos (modos de ensinar) com os quais se alfabetizaram como

alunas, misturadas/amalgamadas em novas orientações: um texto poético (como objeto de

leitura e aprendizagem); uma reescrita (produzida a partir das palavras das crianças e não de

uma "devolução" memorizada do texto lido); noção de facilidade de leitura (pelo tamanho do

texto/curto); uma determinada sequência didática (com textos, frases, palavras, sílabas). Com

isso, constroem em uma tensa relação entre o pensar e o fazer, uma valorização de um certo

ensino de língua para as crianças:

[...] depois da produção vai uma interpretação de texto, depois da interpretação de

texto a gente faz a correção [...]. Normalmente eu olho, só naquelas situações mais o

que é de ortografia, né, mais críticas ali na hora. Depois eu seleciono um, digito com

foco naquela dificuldade [...] arrumando os outros erros de acordo com o que foi

passado aqui para mim [...]. Eu aprendi e levei pra outra escola também. [...] Se você

é cobrado de tal maneira, você vai agir de tal maneira. [...] Você tem que fazer o que

é cobrado, até porque, [...] eu tenho avaliação que vem. [...] Você tem que trabalhar

todas as áreas porque se não a criança vai mal você não trabalhou, entendeu?

(ROSANA, entrevista, 30, de set. 2015).

Atualizada, nas orientações oficiais sobre o ensino de Língua Portuguesa, e

cobrada em diferentes avaliações (PISA, SARESP, ANA, Prova Brasil), esta professora traz

da cultura escolar a ideia de que produção gera leitura, interpretação, correção, trabalho

ortográfico e análise linguística feita pela professora com a classe, amplia a visão de que a

aprendizagem de leitura e escrita não é só em Língua Portuguesa.

Essas professoras convivem com as discussões da ANFOPE (Associação

Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação) que orientam as diretrizes para a

formação inicial de educação básica, em cursos de nível superior, desde 200133

. Participam de

cursos em que, conforme texto do X Encontro Nacional (2000), foram reafirmados os

princípios básicos para cursos de formação de professores34

:

Os cursos de formação de professores terão sua estrutura organizada de forma

a superar as dicotomias entre teoria x prática, pensar x fazer, trabalho x

estudo. Conceber os cursos de formação dos profissionais da educação como

momentos de produção coletiva de conhecimento, buscando para isso novas formas

de organização curricular nas várias instâncias de formação, em particular nas

Licenciaturas cuja estrutura atual fragmenta e separa, no tempo da formação e

no espaço curricular, as disciplinas "de conteúdo específico" das disciplinas

"de conteúdo pedagógico e educacional", teoria e prática, pesquisa e ensino,

trabalho e estudo. (ANFOPE 2000, p. 38 apud Documento para subsidiar discussão

na audiência pública regional – Recife, 21/03/2001, p. 4-5, grifos nossos)

33

ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação). Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/ANFOPE.pdf>. Acesso em: 05/12/2016. 34

Documento para subsidiar discussão na audiência pública regional – Recife, 21/03/2001. Disponível em:

<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/Recife.pdf>. Acesso em: 05/12/2016.

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Em um campo de disputa teórica, pedagógica, didática, entre outros, essas

professoras marcam seus discursos sobre a leitura para deleite, sobre a alfabetização na

perspectiva construtivista e sobre a correção que seleciona aspectos comuns para serem

discutidos com a classe, dentre outros aspectos.

Além da formação inicial, as formações continuadas também são presença

importante para essas professoras, conforme lemos no trecho a seguir:

Se entendemos que a formação profissional é um processo de ensino e

aprendizagem, que aprender exige uma elaboração pessoal, que essas elaborações

são marcadas pelas experiências anteriores de quem aprende – pois determinam o

repertório de conhecimentos com o qual o indivíduo se aproxima das novas

informações, organiza-as e estabelece relações entre elas – não há outra alternativa a

não ser tratar o professor em formação como sujeito ativo e singular. (PROFA –

Programa de Formação de Professores Alfabetizadores: Guia de orientações

metodológicas gerais, 2001, p. 26)

O PROFA – oferecido pelo MEC – ou Programa Letra e Vida – este oferecido

pela Secretaria do Estado de São Paulo no horário oposto ao de trabalho do professor é um

divisor de águas para essas professoras. Todas elas participaram – entre os anos de 2002 a

2005 – desses programas, ajustando o seu modo de fazer ao proposto por eles. Nesses cursos,

as competências individuais das professoras foram desenvolvidas com uma formação que

envolvia tomada de decisões, procedimentos e atitudes diante do uso do conhecimento

disponível. Provavelmente, esses programas sejam os grandes orientadores das práticas de

leitura dessas professoras que presenciamos ao longo do trabalho. A partir das formações

realizadas neste programa, as discussões passaram a constituir, no ano de 2006, os HTPCs das

escolas, não no formato dos encontros de formação, mas no uso de recortes do programa que

dialogassem com as principais demandas das escolas.

Outra formação de grande amplitude nesta rede e que, praticamente, obteve a

participação de todos os professores do 2º ao 5º ano, por ocorrer em horário de trabalho, foi o

“Estudar pra Valer! Leitura e produção de textos nos anos iniciais do ensino fundamental” –

oferecido pelo município –, entre os anos de 2005 a 2008, e que tinha como proposta:

O Projeto Estudar pra Valer! visa principalmente à formação de professores e

gestores educacionais. Acreditamos que, com as capacitações, com a vivência em

sala de aula dos diversos projetos propostos e com o acompanhamento, os

professores se fortalecem para criar os próprios projetos de ensino. [...] Não há uma

receita ou um caminho único para se elaborar um projeto de leitura e escrita. Mas há

princípios: há uma visão de criança como sujeito capaz de produzir conhecimento,

uma concepção de língua como prática social e o entendimento de que o processo de

aprendizagem não é um ato solitário, mas se dá na interação entre pessoas, grupos e

objeto de conhecimento. Assim, não basta a presença da escrita na sala de aula; é

preciso desenvolver um trabalho significativo com os alunos e com essa escrita.

(ESTUDAR PRA VALER! Orientações para o professor – Módulo Introdutório,

2005, pp. 94-95).

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Um terceiro projeto que parece ter "influenciado" essas professoras é o "Projeto

Trilhas" – oferecido pelo município entre os anos de 2009 a 2016 – para professores de

educação infantil e 1ºs anos. Em seu Caderno de Apresentação (2011, p. 1), a proposta é

descrita como um conjunto de materiais elaborados para instrumentalizar e apoiar o trabalho

docente no campo da leitura, escrita e oralidade, com o objetivo de inserir as crianças no

universo letrado. Os materiais se dividem em Trilhas para ler e escrever textos, Trilhas para

abrir o apetite poético e Trilhas de jogos.

Denominado “carro chefe” da rede municipal de Cajamar, o Programa Ler e

Escrever – do Governo Estadual de São Paulo – passou a ser obrigatório a partir do ano de

2015 para todos os professores responsáveis por classes do 1º ao 5º ano. Este programa traz

um modelo de ensino e de aprendizagem como “[...] produto de uma atividade mental por

parte de quem aprende, que organiza e integra informações e novos conhecimentos aos já

existentes, construindo relações entre eles” (GUIA DE PLANEJAMENTO E

ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS – Professor Alfabetizador – 1º ano, 2014, p. 18). Assim como

o Programa Letra e Vida, encontramos no Ler e Escrever um modelo de ensino ancorado na

resolução de problemas, no qual o aluno, no esforço de realizar a tarefa proposta, coloca em

jogo o que sabe para aprender o que não sabe, convocando a articulação entre a “[...] ação do

aprendiz, a especificidade de cada conteúdo a ser aprendido e a intervenção didática” (GUIA

DE PLANEJAMENTO E ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS – Professor Alfabetizador – 1º ano,

2014, p. 18).

A concepção de alfabetização presente no Guia de Planejamento e Orientações

Didáticas – Professor Alfabetizador – 1º e 2º anos, traz como objetivo maior que todos os

alunos tornem-se leitores e escritores competentes. A escrita, para este programa, é vista

como sistema de representação que se constitui por meio da linguagem, nas diversas situações

que a constituem. Assim, a aprendizagem do sistema de escrita e da linguagem escrita em

seus diversos usos sociais compõem os ideários desse material.

A partir do 3º ano, não encontramos mais a concepção de alfabetização no

Programa Ler e Escrever, mas um texto que discorre sobre as práticas sociais de leitura e

escrita na escola – também presente no 2º ano. O ler é definido como atribuir significado,

considerando a decifração como uma das inúmeras competências envolvidas na leitura. Além

disso, propósitos de leitura são evidenciados, e os usos da escrita estão associados a várias

situações e intenções comunicativas. Subentende-se, então, que a alfabetização deva se dar até

o final do 2º ano. Destacamos que as Assistentes Pedagógicas de Alfabetização e Língua

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Portuguesa da rede municipal de Cajamar realizam formações mensais com todos os

professores, em horário de trabalho, tendo como foco o caderno deste programa.

Os depoimentos das professoras trazem nuances da importância que o Programa

Ler e Escrever exerce em sua formação e indícios de que tais programas vão compondo um

modo de fazer na escola. Por diversas vezes, foi possível inferir uma preocupação com as

competências, com os usos sociais de leitura e de escrita, na defesa da representação do aluno

como um ser ativo que constrói conhecimento em mediação com o professor.

Nos anos de 2014 e 2015 (período desta pesquisa), as professoras participaram

das formações realizadas pelo PNAIC (Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa) que

traz como princípios e estratégias formativas a prática da reflexividade35

, a mobilização de

saberes docentes36

, a constituição da identidade profissional37

, a socialização38

, o

engajamento39

, a colaboração40

. Preconiza, ainda, uma formação docente crítica, reflexiva e

problematizadora, capaz de respeitar os profissionais da educação e potencializar uma nova

cultura formadora (PNAIC, p. 37).

Apesar dessas professoras terem participado de todos esses programas e

demonstrarem maior ou menor familiaridade com todos eles, em 2015, efetivamente, elas

participaram de mais um: o Projeto Trilhas, Programa Ler e Escrever, PNAIC e é nesse

emaranhado de concepções e práticas que elas produzem/produziram seu modo de ser

professora e suas práticas cotidianas em sala de aula, tendo sido seus discursos e práticas de

35

É uma capacidade que, segundo Houpert (2005), deve ser exercitada e constituir a prática cotidiana do

professor, já que favorece as decisões tomadas em sala de aula e ajuda a antecipar atos cognitivos dos alunos. É

uma atividade que deve estar fundamentada em análise de ferramentas conceituais construídas a partir de estudos

científicos. A alternância entre prática/teoria/prática parece ser o caminho para lidar com essa estratégia

formativa a partir da análise de práticas em sala de aula. (PNAIC: formação de professores no pacto nacional

pela alfabetização na idade certa, 2012, p. 13). 36

Considera os saberes já construídos pelos professores sobre sua profissão, mas ao mesmo tempo, precisa

compreender que tais saberes podem ser modificados, melhorados, trocados, ratificados, reconstruídos, refeitos

ou abandonados. Dar voz ao professor, trazer à tona seu saber sobre a escola, o fazer pedagógico e o mundo para

confrontá-los, estudá-los e analisá-los constituem essa mobilização. (PNAIC: formação de professores no pacto

nacional pela alfabetização na idade certa, 2012, p. 14) 37

Define o professor como uma pessoa que, antes de tudo, tem emoções, vivências e experiências. As vivências

vêm sendo difundidas como sendo mal-sucedidas e as experiências nem sempre têm sido respeitadas (PNAIC:

formação de professores no pacto nacional pela alfabetização na idade certa, 2012, p. 15) 38

Capacidade de desenvolver múltiplas formas de comunicação, visto que o professor não trabalha sozinho, mas

há interações com os pais, alunos, diretores e pares. (PNAIC: formação de professores no pacto nacional pela

alfabetização na idade certa, 2012, p. 19). 39

Destaca-se pelo gosto em continuar a aprender, reavivando o entusiasmo pelo que faz. Assim, valorizar o

conhecimento e o saber contribui para o engajamento do profissional em diferentes espaços pessoais e

profissionais. (PNAIC: formação de professores no pacto nacional pela alfabetização na idade certa, 2012, p.

18). 40

Vai além da socialização, ao romper com o individualismo. Busca-se, nas formações, um aprendizado

coletivo, em que está em jogo o respeito, a participação, a solidariedade, a apropriação e o sentimento de

pertencimento (PNAIC: formação de professores no pacto nacional pela alfabetização na idade certa, 2012, p.

19).

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leitura e de leitor "forjados" na/por esses programas. Embora elaborados em anos distintos,

todos os programas citados trazem em comum a perspectiva de alfabetização como

letramento, texto como unidade do ensino, leitura como fruição ou deleite, entre outras. Os

programas, de uma forma mais generalizada, apresentam em seu conjunto aspectos e

referenciais teórico-pedagógicos que mais se aproximam do que se distanciam.

A formação acadêmica e continuada, o grau de exigência do concurso público41

,

informações obtidas durante as observações em sala de aula e as entrevistas realizadas são

informações concretas que mostram que todas as professoras possuem Ensino Superior

completo, e duas delas Pós-Graduação lato sensu, além de participação em diferentes

programas de formação.

A formação inicial e continuada que se fez também com as parcerias na escola são

importantes para o modo de ser dessas professoras. No entanto, sabemos que essas

professoras têm história pessoal e familiar que também produzem sentidos para sua formação

profissional. A trajetória de vida e/ou o ambiente familiar de cada uma delas permitem

concepções e práticas construídas numa relação dialética entre o indivíduo, seu meio, sua

cultura, sua família etc. As concepções ligadas à leitura, por exemplo, podem ilustrar um

pouco desta formação que se faz ao longo da vida, histórico-culturalmente.

Minha vontade, na verdade, era ser jornalista, porque eu sempre gostei muito de ler

e escrever a vida toda. Então, minha vida foi em função de leitura. Eu aprendi a ler

em casa com o gibi do Pato Donald’s, do Tio Patinhas. [...] Minha mãe tem pouca

leitura, [...] acho que só estudou até o 2º ano primário e meu pai também. Depois,

meu pai fez aquele MOBRAL [...]. E eu sempre gostei muito de ler e escrever. [...]

Então, minha experiência como leitora, para mim, sempre foi muito boa, sempre

gostei muito, muito mesmo de ler. (NEUSA, entrevista, 29 de set. 2015)

Essa professora atribui à leitura uma representação de "gosto", centralidade e

importância que parecem ocupar sua "vida toda". Filha de pais com pouca escolaridade e que

tiveram pouco contato com a leitura, esta professora vivenciou em casa, provavelmente, um

discurso de valorização da leitura enunciado por pessoas distanciadas dessa prática, mas que a

ajudaram nesta aprendizagem. Assim, encontramos pessoas com pouca escolaridade e com

pouco contato com a leitura, mas que se tornam as responsáveis pela formação do gosto leitor

41

De acordo com o Edital nº 4 de 2006 – ano de ingresso de algumas professoras – a 1ª etapa foi constituída de

provas objetivas e a 2ª etapa envolveu a avaliação de Títulos (Mestrado e Doutorado). Já o Edital nº 1 de 2014 –

ano de ingresso de uma das professoras pesquisadas – as etapas do concurso foram as seguintes: prova objetiva,

exame psicológico, prova de títulos (Mestrado e Doutorado) e teste prático, apenas para àqueles que disputam

vagas no cargo de Professor Intérprete de Libras. Nota-se que produção escrita, entrevista e prova prática para

outros cargos de professores, como o caso daqueles que atuam no ensino fundamental, não fizeram parte desses

concursos. Disponível em:<https://www.pciconcursos.com.br/concurso/prefeitura-de-cajamar-sp-175-vagas> e

<http://www.agrobase.com.br/concursos/2014/concurso-publico-de-cajamar-sp-edital-001-2014/>. Acesso em:

12/12/2016.

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de uma criança que, atualmente, é uma das professoras pesquisadas, a qual manifesta em seu

discurso uma postura que reforça esse valor positivo associado à leitura.

No relato de suas trajetórias pessoais, as professoras revelam a frequência em suas

preferências de leitura, ainda que afirmem que não liam com frequência, ou que preferiam ler

para suas crianças em sala de aula e até mesmo ler para adquirir conhecimentos de vida,

alimentação, nutrição, relações e comportamento.

Agora você me pegou! [...] Eu não era muito de ler. Eu gosto de ler para minhas

crianças. [...] Agora, ler, ler mesmo, eu gosto muito de ler livros que me ensinem

alguma coisa, não o pedagógico assim, mas assim... tudo o que fala sobre

alimentação, que fala sobre a vida ou que traga algum conhecimento para mim, eu

gosto. (LAURA, 29 de set. 2015)

Eu gosto de estar lendo o que eu vou trabalhar em sala de aula [...]. Para mim, [...] o

que eu gosto de ler... Ah! Sempre livros que saem assim... para o meu

comportamento para me relacionar com outra pessoa, essas coisas [...], como você

se comportar melhor ou para retomar um relacionamento... eu gosto de ler sobre

isso. (ROSANA, 30 de set. 2015)

São professoras que veem na leitura fonte de conhecimento para ensinar a ler para

crianças, ou como desenvolvimento profissional. De qualquer modo, a leitura é uma prática

valorizada: é importante ler para as crianças em sala de aula.

No entanto, há outro polo, o das professoras que gostam de ler...

Desde pequenininha eu leio. [...] E sabe que eu lembro da cartilha, não estou

lembrando dos livros [...]. Eu lembro dos livros que comecei a ler a partir da 5ª série

[...]. Porque a gente tinha a série Vaga Lume, a gente tinha o livro para ler que a

professora indicava. [...] A questão leitora o que me marcou foi na época que meu

tio [...] me chamava, para ficar lá com ele e ele já falava: abra o jornal e vamos ler!

E eu comecei a ler a Folha de São Paulo e ele ia me ensinando a ler, assim, a

entender o jornal. [...] Ele foi o divisor de águas na leitura de mundo, leitura do

mundo e para o mundo. [...] Isso eu tinha 13 ou 14 anos. [...] Hoje eu gosto de

leituras que acrescentem em meu comportamento humano, que me desenvolvam,

que me façam melhor. E eu gosto também [...] da questão cultural. Esse trabalho

cultural tem que tá no comportamento e na atitude do professor [...]. Então, eu

sempre gostei de trazer esse tipo de abordagem. E para isso você tem que ter uma

leitura, você tem que ter um conhecimento, você tem que fazer uma busca.

(FLÁVIA, 22 de out. 2015)

Eu tenho uma experiência leitora até que boa. Uma coisa que o meu pai nunca negou

foram livros. Na minha casa, a gente sempre teve acesso aos livros desde os mais

clássicos até os [...] de uma qualidade mais simples, mas nós tínhamos o acesso, e a

cidade de onde eu vim tinha uma biblioteca de um acervo muito bom. Então, nós

tínhamos a carteirinha da biblioteca municipal, então, semanalmente, meu pai nos

levava e tinha esse processo de fazer o empréstimo de livros e devolver depois.

Minha mãe era muito rígida, então tinha a questão de que além de ler tinha que

guardar o resumo. Então, ela lia os livros antes e depois falava: “deixa eu ler para

ver se esse resumo ficou bom”. Então, começamos a leitura meio que por obrigação,

mas depois começou-se a criar o gosto pela leitura... Hoje ainda tenho o gosto. [...]

O que eu sinto mais falta na correria do dia-a-dia é a leitura por prazer porque a

gente lê livros muito técnicos. Então, você vivencia outras práticas: a obrigação de

você se instruir, a obrigação de você se formar. Então, a leitura prazerosa acaba se

tornando mais pra época de recesso, feriado, férias... no dia-a-dia [...] não dá tempo!

[...] Gosto de ler livros de teóricos, gosto de ler livros de filosofia, gosto de ler

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Nietzsche, Comenius que fala de um amor pela educação de forma inicial, a didática

em si inicial. Então, assim, toda vez que eu desanimo da questão educacional recorro

a ele. [...] É uma leitura que no meu modo de ver me traz prazer. Então as leituras

filosóficas fazem parte do meu repertório. (CARINA, entrevista, 23 de out. 2015)

O acesso a livros desde a mais tenra idade – o que não anula a possibilidade de

indivíduos que tiveram acesso a livros mais tardiamente também gostarem de ler; um

mediador nos momentos de leitura – geralmente alguém da família e não da escola; um

espaço com livros que podem ser emprestados e compartilhados – no caso a biblioteca da

cidade – e, mais ainda, os gestos, a frequência, a exigência, o tempo, a construção de um tipo

de gosto (livros teóricos, livros técnicos, livros filosóficos) são pistas que nos permitem fazer

conjecturas acerca das situações que convocam a ação que envolve o gostar de ler dessas

professoras. Elas destacam a questão da mediação na leitura, que pode ocorrer na escola, mas

também na família. A diversidade na formação leitora dessas professoras nos permite inferir

que elas estão imersas na cultura dos livros e da leitura considerando a importância da leitura

na relação com os gestos, formas de ler, tipos de leitura, suportes de textos compreendidos

aqui enquanto representações do valor da literatura e de ser leitor. Em seus depoimentos, elas

valorizam esse modo de ver e lidar com a literatura, destacando esses (e não outros) aspectos.

De fato, pesquisas em grande escala, como por exemplo, Retratos do Brasil42

têm

apontado para os hábitos de leitura dos livros pela população brasileira, traçando o

comportamento leitor, as condições de leitura e de acesso ao livro, seja ele impresso ou

digital. Muito do que a pesquisa aponta tem relação com os depoimentos das professoras,

como, por exemplo, o de Flávia e Carina, que destacaram a importância da mediação da

família em seu processo de construção como leitoras e na formação do gosto pela leitura.

Neusa se considera ávida leitora, ainda que os pais possuam baixa escolaridade.

Por outro lado, embora a pesquisa Retratos do Brasil indique a importância do grau de

escolaridade dos pais na formação de leitores, o depoimento de Neusa é um exemplo de

contestação de tal resultado de pesquisa, não sendo possível generalizar esse aspecto. A

motivação dos brasileiros para ler, conforme o resultado da pesquisa, "respingam" e ecoam

42

Pesquisa promovida pelo Instituto Pró-Livro e realizada pelo Ibope Inteligência (edição 2015) que, por sua

vez, destaca as seguintes finalidades: Avaliar impactos e orientar políticas públicas do livro e da leitura, tendo

por objetivo melhorar os indicadores de leitura do brasileiro. Promover a reflexão e estudos sobre os hábitos de

leitura do brasileiro para identificar ações mais efetivas voltadas ao fomento à leitura e o acesso ao livro.

Promover ampla divulgação sobre os resultados da pesquisa para informar e mobilizar toda a sociedade sobre a

importância da leitura e sobre a necessidade de melhorar o “retrato” da leitura no Brasil. (Instituto Pró-Livro e

Pesquisa Retratos do Brasil, 2016, grifos dos pesquisadores).

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nos depoimentos das professoras: o gosto, a atualização cultural e o conhecimento geral são

apontados por elas como os principais fatores que motivam a leitura.

Outro tema de investigação envolve os motivos que levaram essas profissionais a

atuarem como professoras. Nas respostas coletadas nas entrevistas, diante da questão: “O que

levou você a ser professora?”, identificamos histórias bem distintas, ainda que "o sentido do

que somos depende das histórias que contamos e das que contamos de nós mesmos (...), em

particular das construções narrativas nas quais cada um de nós é ao mesmo tempo, o autor, o

narrador e o personagem principal" (LARROSSA, 1999, p. 52).

Nessa direção, segue abaixo o Quadro 5:

Quadro 5: Motivos da escolha profissional: a docência.

Professoras Motivos que levaram à docência

Neusa O que a levou a fazer magistério foi a falta de opção, pois nunca havia

pensado em ser professora. Há uma tentativa em justificar que o

contato com boas professoras também foi determinante nessa escolha.

Laura O motivo da escolha pela docência deu-se quando a professora, ainda

pequena, observava a mãe, que era inspetora de alunos, atuando com

crianças. Além disso, reporta-se aos bons professores do tempo em

que estudava.

Flávia Enveredou pela docência em função dos filhos e pelo fato de seu

trabalho anterior – área financeira – ser muito massacrante. Na

realidade, a professora gostaria de ter sido jornalista.

Rosana O que determinou a escolha pela carreira do magistério foi o gosto

por lecionar, bem como o apoio de colegas de trabalho, aqui no caso,

de uma diretora de escola.

Carina A escolha deu-se pelo gosto em dar aula advindo de experiências

vividas em estágios durante o curso de Pedagogia.

Fonte: dados organizados pela pesquisadora.

Em seus depoimentos, essas professoras destacam a importância do mediador para

suas escolhas. O contato com colegas e com bons professores com os quais conviveram ao

longo de sua vida torna evidente a valorização de outro educador como referência. Nossas

professoras se situam como sujeitos que optaram por uma carreira profissional pouco

valorizada socialmente e de grande complexidade no cotidiano escolar43

. Nossas professoras,

43

Pesquisas realizadas pela Fundação Victor Civita (FVC) e a Fundação Carlos Chagas (FCC) trazem dados

sobre a discussão em torno de "ser professor". Apenas 2% dos estudantes que concluem o ensino médio têm,

como primeira opção no vestibular, graduações relacionadas à sala de aula, como a Pedagogia ou outra

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58

em outra direção, se mostram como aquelas que fizeram uma escolha por essa profissão,

movida pela vocação, influência da família, diversidade de relações que marcaram o percurso

escolar, experiências na infância ou na adolescência relacionadas ao universo educacional,

necessidade de sobrevivência e busca pela inserção no mercado de trabalho.

Rosana e Carina justificam sua escolha pela vocação ou gosto pela profissão:

Eu gosto, sempre gostei muito, mas o que mais me fez mesmo ir atrás... Eu

trabalhava em uma escola que a diretora me deu muito apoio... “vai fazer

magistério”, insistiu, insistiu e eu acabei indo fazer. Aí hoje é o que eu gosto e o que

pretendo fazer mesmo (ROSANA, entrevista, 30 de set. 2015)

[...] Como eu gostava da questão de criança, sempre gostei de estar inserida dentro

de práticas de escola, fui voluntária por dois anos na Educação de Jovens e Adultos

no primeiro ano da faculdade de Pedagogia. Então, acabei decidindo fazer a

Pedagogia e, na verdade, eu descobri que gostava muito da Pedagogia. [...] Eu acho

que tem o poder muito grande e decisivo na vida das crianças, talvez não 100%

delas, mas boa parte delas. (CARINA, entrevista, 23 de out. 2015)

Um “gosto” pela profissão construído nas relações com o outro que apoiou e/ou a

incentivou à procura pela docência; as experiências durante a formação em Pedagogia, que

possibilitaram novas descobertas; o poder decisivo na vida das crianças – o que nos parece ser

novo em termos de justificativa para a escolha da profissão – o poder de ensiná-las, marcam o

gosto construído e constituído pela profissão.

De qualquer modo, a escolha da profissão em si não tem um único motivo, mas

uma pluralidade que se mistura ao longo da trajetória de cada professora. Pode ser o exemplo

de uma mãe professora; da diretora de uma escola; pode ser pela condição como mãe, mulher

casada, com filhos:

A minha formação inicial é voltada para a Pedagogia. Antes disso, eu até comecei a

fazer Administração, mas foi um curso que eu não me identifiquei e, no fundo, eu

queria ser jornalista, eu queria fazer comunicação social, mas não rolou! Então, a

Pedagogia veio e eu me identifiquei com o curso. A minha área de trabalho era a

parte comercial envolvendo banco, envolvendo financeiro e aí quando eu decidi pela

Pedagogia foi em função dos meus filhos e foi em função de eu mudar um pouco,

porque essa questão financeira é muito massacrante, é muito pesada, né, é muito

capitalista. E eu percebi que, na educação, eu conseguiria uma brecha, até porque eu

sempre formei meus colegas em treinamento no banco, aí eu que treinava. Bom, aí

eu entrei na Pedagogia, eu me formei e, nesse meio tempo, eu comecei a atuar...

(FLÁVIA, entrevista, 22 de out. 2015)

Os depoimentos apontam para o fato de que a escolha da profissão docente não é

livre de pressões e, às vezes, de imposições sociais, econômicas, culturais. A necessidade de

mudança devido ao nascimento dos filhos, a impossibilidade de atender seu desejo de ser

licenciatura. Deste estudo resultou uma publicação realizada por Tarduce, Nuneso e Almeida (2010) que mostra

que há certa rejeição dos estudantes à carreira docente, justificada pela falta de identificação pessoal, condições

sociais e financeiras precárias, influência familiar e às próprias experiências escolares dos alunos, entre outras.

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59

jornalista, a falta de opção, como é o caso de Neusa, "empurram" as pessoas para a profissão

ser professor. Para Nóvoa,

Esta profissão precisa de se dizer e de se contar: é uma maneira de a compreender

em toda a sua complexidade humana e científica. É que ser professor obriga a

opções constantes, que cruzam a nossa maneira de ser com a nossa maneira de

ensinar, e que desvendam na nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser.

(NÓVOA, 1997, p. 10)

Os relatos são carregados de vestígios que indicam o pertencimento dessas

professoras a uma comunidade professoral – ser professor – que se identifica pelas

concepções, experiências, trajetória pessoal e profissional, além dos dados biográficos. Uma

comunidade que tem um habitus44

próprio do ser professor que envolve a valorização da

qualidade de uma boa aula, o gosto pela docência, o poder diante da formação das crianças, o

apoio dado por outro profissional. Nessa direção,

Tínhamos apreciado esses entrecruzamentos de experiências e vozes, esses relatos

de momentos e lugares, esses gestos que vinham de tão longe, fragmentos de vida

cujos segredos e astúcias poéticos teciam o pano de um tempo logo perdido,

efêmeras invenções dos “heróis obscuros” do ordinário, “artes de fazer” que

compõem sem palavras uma “arte de viver”. (GIARD, 2008, p. 29)

2.2. Entrar no lugar a ser pesquisado (a escola): um caminhar que envolve tensões,

desafios e conquistas

[...] Caminhante, não há caminho,

se faz caminho ao andar [...]. (Trecho do poema "Cantares", Antônio Machado)

Entremos agora na escola, por autorização da Diretoria Municipal de Educação

(Anexo 1). Embora a pesquisadora esteja trabalhando há vinte e quatro anos neste município,

dos quais quinze anos na Diretoria de Educação, o processo para entrada no campo de

pesquisa foi difícil e tenso. Entre os questionamentos enfrentados estavam aqueles levantados

pela Diretoria: a difícil separação entre a função de supervisora de ensino e o papel da

pesquisadora, tendo sido sugerido que o trabalho fosse realizado em outro município; a

44

A noção de habitus tem várias propriedades. Ela é importante para lembrar que os agentes têm uma história

individual, de uma educação associada a determinado meio, além de serem o produto de uma história coletiva

[...]. [...] Não é um destino [...], trata-se de um sistema aberto de disposições que estará submetido

constantemente a experiências e, desse modo, transformado por essas experiências (BOURDIEU, 2011, p. 58, 62

e 65). Para Chartier, existem muitas definições de habitus na obra de Bourdieu que apontam para esquemas de

percepção, juízo, apreciação e ação inscritos no corpo pelas experiências passadas, permitindo atos de

conhecimento prático. Nessa definição, há uma vontade de distanciar-se de algo muito conceitual, constituindo-

se, então, o habitus como algo que está no corpo incorporando esquemas que permitem um conhecimento

prático, algo não reflexivo (CHARTIER, 2011, p. 120-121).

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60

contribuição do projeto para a rede e sua importância para a formação de professores, entre

outros.

Orientada pelas ideias de Bakhtin (2010, p. 21) como “[...] condicionado pela

singularidade e pela insubstitutibilidade do meu lugar no mundo” e sua “certeza” de que

aprender é estar na relação com o outro, na busca e/ou redirecionamento de caminhos neste

lugar, adotamos o diálogo, a argumentação, a clareza de objetivos, as intenções e insistimos

em conseguir autorização para a realização da pesquisa.

Com o deferimento do órgão central à nossa solicitação, redigimos um termo de

responsabilidade a fim de que a pesquisa de campo não fosse realizada em horário de trabalho

da pesquisadora, destacando assim a carga horária utilizada, dias e horários para pesquisa e

para o trabalho, compondo um cronograma entregue à Diretoria de Educação para controle o

que, nas palavras da Diretora de Educação, significaria um “resguardo” para que não

houvesse problemas futuros para ambas as partes. São situações que mostram que, conforme

Brait (2005, p. 94) “[...] o dialogismo diz respeito ao permanente diálogo, nem sempre

simétrico e harmonioso, existente entre os diferentes discursos que configuram uma

comunidade, uma cultura, uma sociedade”.

Após esse processo e de posse da autorização para o desenvolvimento da

pesquisa, realizamos todo o trâmite para aprovação do Projeto de Pesquisa no Comitê de Ética

da UNICAMP: anexamos o termo de consentimento livre e esclarecido dos professores

(Anexo 2) e dos pais de alunos menores de idade (Anexo 3), a autorização para uso de

imagem de adulto (Anexo 4) e criança (Anexo 5), a autorização para coleta de dados (Anexo

6), o roteiro de entrevista45

(Anexo 7). Após o parecer aprovado e consubstanciado pelo

Comitê de Ética e Pesquisa da UNICAMP (Anexo 8) e o retorno às aulas, iniciamos os

primeiros contatos com as escolas.

Fazendo uma analogia com o que Certeau, Giard e Mayol (2008) levantam a

respeito das narrativas de um percurso de pesquisa ao desenvolverem uma visão sócio

histórica das artes de fazer a partir de “micro histórias” que transitam da esfera privada – a

cozinha e a alimentação – à esfera pública – a prática do bairro e suas maneiras de fazer –

destacamos, novamente, que apesar de o pesquisador ter uma intenção e um planejamento, há

situações e/ou momentos da pesquisa que são alterados. Assim, a analogia se faz pertinente,

pois se para Certeau, Giard e Mayol (2008, p. 219) “cada refeição exige a capacidade

45

Era condição para aprovação do projeto no Comitê de Ética que o roteiro de entrevistas fosse enviado, por isso

pensamos em questões disparadoras de diálogos e conversas sobre concepções, práticas e histórias de vida de

sujeitos culturalmente constituídos e historicamente situados.

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61

inventiva de uma mini estratégia para fazer mudança [...]”, o movimento de pesquisa

previamente organizado também carrega em si uma mini estratégia. Neste caso, a professora

do 4º ano por não ser efetiva na rede foi escolhida por nós seguindo a sugestão dos gestores

da unidade escolar pesquisada.

Feito isso, tivemos um primeiro contato com as professoras, no qual apresentamos

os mesmos materiais compartilhados com os gestores, porém a discussão do projeto foi mais

detalhada e incluiu slides com os resultados da pesquisa realizada no mestrado, que foram

determinantes para esta continuidade no doutorado. Além disso, a curiosidade sobre como

seriam feitos os acompanhamentos em sala de aula apareceu nas indagações das professoras,

bem como questões relacionadas ao processo de fotos e filmagens. Tais interrogações e

comentários foram registrados no diário de bordo, a fim de redefinir a forma de atuação da

pesquisadora.

Eu nunca permiti que me filmassem em toda minha vida... Nem nos aniversários da

minha filha (CARINA, 24 de ago. 2015).

Minha voz é horrível! Não tem como você só fazer anotações ao invés de filmar?

(NEUSA, 25 de ago. 2015).

Gente! Eu nunca fui filmada, ainda mais para uma coisa tão importante assim. Será

que vou conseguir? E se eu ficar nervosa? (ROSANA, 24 de ago. 2015)

Operar com cautela, cuidado, respeito, compartilhamento e compreensão fez toda

diferença para que as professoras adquirissem confiança e se sentissem mais seguras.

Esclarecemos o quanto seria difícil registrar a aula sem a gravação e/ou filmagem,

considerando que estaríamos conhecendo o que se produz nas práticas de leitura, sem

julgamentos de certo ou errado, o que, por sua vez, já tranquilizou as professoras, cuja

experiência mostrou que as poucas vezes em que alguém entrou em sala de aula para

acompanhar um trabalho, fez julgamentos. Além disso, combinamos que a professora não

apareceria na filmagem, apenas sua voz, até que se sentisse mais à vontade, pois

precisaríamos também conhecer os gestos, as pausas, as expressões que constituem a prática

de leitura e isso só seria possível com a filmagem. Enfim, novamente recorremos ao

“excedente de visão” quando pensamos na consciência da pesquisadora em relação ao outro:

O excedente da minha visão contém em germe a forma acabada do outro, cujo

desabrochar requer que eu lhe complete o horizonte sem lhe tirar a originalidade.

Devo identificar-me com o outro e ver o mundo através de seu sistema de valores,

tal como ele o vê; devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu lugar,

completar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que ocupo, fora dele;

devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o acabe, mediante o excedente da

minha visão, de meu saber, de meu desejo, de meu sentimento. (BAKHTIN, 1988, p.

414 apud BRAIT, 2005, p. 216-217)

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62

As ponderações das professoras acionaram operações de pesquisa que envolveram

a identificação do pesquisador com o outro e apuraram nosso olhar. Nessa direção, colocar-se

no lugar do outro e, simultaneamente, assumir o nosso lugar na pesquisa é condição para que

se crie um ambiente propício para o trabalho. Considerar as falas, interpretar seus sentidos, ter

sensibilidade para o conhecimento do grupo em um tempo que não é só cronológico, inspira

parcerias, uma construção coletiva e recíproca de conhecimento:

Tranquilo, vamos fazer esse trabalho sim! Gosto de participar disso até porque a

leitura é muito importante na minha vida (NEUSA, 30 de ago. 2015)

Não tem como negar esse pedido para a Andréa. Vamos aprender muito! (CARINA,

31 de ago. 2015)

Nem tenho o que pensar! Me sinto privilegiada por fazer parte desse estudo. Não é

para qualquer um! (FLÁVIA, 31 de ago. 2015)

Nem pensei em dizer não! Até porque conheço seu trabalho. (LAURA, 31 de ago.

2015)

Essa é minha primeira experiência desse tipo. Tenho certeza que vai ser muito

importante para mim. (ROSANA, 31 de ago. 2015)

O processo inicial foi moroso e envolveu a leitura e discussão do projeto de

pesquisa; o recebimento das autorizações assinadas pelos pais e professoras; reuniões com

professoras e pais de alunos46

. No final, a pesquisa envolveu todas as crianças nas aulas de

leitura, mas tivemos o cuidado de filmar e/ou fotografar apenas aquelas de quem recebemos

autorização escrita dos pais. Ainda assim, para preservar a imagem de todas as crianças,

optamos por filmá-las de costas ou de lado, ou utilizamos o efeito de rosto censurado,

respeitando assim o posicionamento dos pais e a regulamentação que atualmente rege as

pesquisas.

2.2.1. Descobrir um lugar (a escola): suas maneiras de pensar e fazer as práticas de

leitura

Coexiste, contudo, com esta história e existência documentada, outra história e

existência não documentada, através da qual a escola toma forma material, ganha

vida. Nesta história, a determinação e presença estatal se entrecruza com as

determinações e presenças civis de variadas características. A homogeneidade

documentada decompõe-se em múltiplas realidades. Nesta história não-

documentada, nesta dimensão cotidiana, os trabalhadores, os alunos e os pais se

46

Tivemos 116 famílias que autorizaram as filmagens ou fotos, e 23 famílias que não autorizaram o uso de

imagem para a pesquisa.

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63

apropriam dos subsídios e das prescrições estatais e constroem a escola.

(ROCKWELL e EZPELETA, 2007, p. 134, grifo da autora)

O excerto acima se configura como um princípio que utilizamos para caracterizar

as escolas em que as professoras, sujeitos dessa pesquisa, atuam. A identidade e a hegemonia

que constituem cada instituição se faz presente em diferentes documentos produzidos por ela

(a escola) e pela rede de ensino, tais como o Projeto Político Pedagógico, as Normas de

Gestão e Convivência, o Regimento Comum das Escolas Municipais de Cajamar, as atas de

reuniões de Conselho de Escola e Associação de Pais e Mestres (APM), os planejamentos, o

currículo, sínteses de HTPC (Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo), entre outros. No

entanto, acreditamos que a escola é uma instituição potente contra a hegemonia, quando

olhamos para uma realidade não documentada e multifacetada nas mais distintas realidades.

São prescrições, imposições e controle de um sistema que ao serem apropriados por seus

usuários permitem a inventividade e o uso de táticas.

Não há prática educativa, como de resto nenhuma prática, que escape a limites.

Limites ideológicos, epistemológicos, políticos, econômicos, culturais. Creio que a

melhor afirmação para definir o alcance da prática educativa em face dos limites a

que se submete é a seguinte: não podendo tudo, a prática educativa pode alguma

coisa. Esta afirmação recusa, de um lado, o otimismo ingênuo de quem tem na

educação a chave das transformações sociais, a solução para todos os problemas; de

outro, o pessimismo igualmente acrítico e mecanicista de acordo com o qual a

educação, enquanto supra-estrutura, só pode algo depois das transformações infra-

estruturais. (FREIRE, 2001, p. 47)

Nessa perspectiva, olhamos a caracterização das escolas para além de um espaço

em que se reproduz conhecimento, pois a entendemos como lugar de formação e produção.

Desse ponto de vista, utilizamos a teoria das práticas cotidianas (CERTEAU, 2007, p. 17),

“[...] para extrair do seu ruído as maneiras de fazer [...]”, utilizando como operações de

pesquisa a observação, em conexão a certa busca e interpretação do que pode ser observado

na escola. Para tanto, não estaremos lidando com verdades absolutas segundo a visão da

pesquisadora, mas com representações que podem nos ajudar a “decifrar o pergaminho”

(CERTEAU, 2008), buscando compreender a organização, os princípios e as práticas das

escolas.

Nessa direção, observamos a escola considerando as discussões sobre as práticas

cotidianas no par "disciplina e invenção", ao olharmos o seu projeto que sugere as maneiras de

pensar e fazer dos sujeitos diante do que está prescrito, pois a disciplina e a invenção existem

porque a escola se situa no cruzamento de duas dinâmicas culturais: de um lado temos a

invenção e a expressão da cultura compartilhada pela maioria e, do outro, encontramos a

vontade disciplinante e o projeto da cultura dominante (CHARTIER, 2004, p. 23), que dita o

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64

que necessita ser feito para que as crianças aprendam. É preciso ressaltar que disciplina e

invenção não são conceitos que utilizamos em oposição, mas geridos a par devido à pressão

do coletivo e à disciplina imposta pela instituição, que possibilita diferentes cruzamentos e

relações, pois

Nossas categorias de saber são muito rústicas e nossos modelos de análise por

demais elaborados para permitir-nos imaginar a incrível abundância inventiva das

práticas cotidianas. É lastimável constatá-lo: quanto nos falta ainda compreender dos

inúmeros artifícios dos “obscuros heróis” do efêmero, andarilhos da cidade,

moradores dos bairros, leitores e sonhadores, pessoas obscuras das cozinhas. Como

tudo isso é admirável (CERTEAU, GIARD, MAYOL, 2008, p. 342)

Amparada na visão proposta por Certeau, ampliamos para um desejo de conhecer

e compreender os inúmeros artifícios que compõem as práticas cotidianas, especificamente as

da escola. Muito se fala sobre essa instituição: seu papel, suas dificuldades, seus desafios, a

falta de algo e os dados estatísticos que compõem sua identidade ou seu ranking. Todavia,

quando estamos ancorados na perspectiva que envolve a teoria das práticas cotidianas,

buscamos conhecer para além daquilo que está documentado. Olhamos também para o não-

dito, que se expressa nos diferentes sons, na variedade de gostos, no cheiro dos diferentes

odores, no caminhar tocando coisas e pessoas (ALVES, 2001, p. 17) constituído, muitas

vezes, como invenção. Olhamos para as práticas, mobilizadoras de sentidos do fazer

cotidiano47

.

Em nossa pesquisa, operamos a partir das seguintes fontes: Projeto Político

Pedagógico, fotos, entrevistas, informações e impressões registradas em diário de bordo,

experiências de trabalho da pesquisadora enquanto supervisora de ensino desta rede.

São duas as escolas municipais de Cajamar/SP que compõem esse escopo, por não

ter sido possível realizarmos a pesquisa em apenas uma devido aos anos oferecidos. A

primeira escola, EMEB Jailson Silveira Leite, por exemplo, tem 19 anos de existência,

enquanto que a segunda, EMEB Profa. Odir Garcia Araújo tem 21 anos, um “tempo de vida"

bastante próximo. Inicialmente, essas escolas eram denominadas Escola Municipal de

Educação Infantil ou Escola Municipal de Ensino Fundamental, sendo que, posteriormente,

passaram a ser Escola Municipal de Educação Básica, atendendo à legislação imposta pelo

47

Para que esses olhares tornem-se possíveis, destacamos duas informações importantes quanto ao vínculo que a

pesquisadora possui com as duas escolas: na EMEB Jailson Silveira Leite a pesquisadora é diretora efetiva desde

2004, porém nunca atuou diretamente na gestão por estar afastada como supervisora de ensino da rede. Somente

em 2015, a pesquisadora atuou como supervisora dessa unidade escolar concomitantemente à pesquisa de

campo. Já na EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, a pesquisadora atuou como supervisora de ensino durante 7 anos

– de 2007 a 2013 – presenciando inúmeras trocas na gestão da escola devido à complexidade da escola e à falta

de apoio e infraestrutura, conforme relatos dos antigos gestores. Fonte: registros realizados nos termos de visita

da supervisão após cada acompanhamento semanal e/ou quinzenal feito nas escolas.

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65

Decreto de 200848

. Na EMEB Jailson Silveira Leite49

, temos em atendimento crianças de 4 a 6

anos50

, sendo que esta última faixa etária constitui a classe de 1º ano. Eis a escola apresentada

por sua fachada:

Figura 2: Fachada da EMEB Jailson Silveira Leite

Fonte: foto tirada pela pesquisadora.

Figura 3: Fachada da EMEB Jailson Silveira Leite.

Fonte: foto tirada pela pesquisadora.

Na Figura 2, é possível visualizar árvores e jardim, fruto de um trabalho coletivo

desta escola:

Cuidar de jardim e de bicho dá trabalho, tem que dividir as tarefas e, mesmo assim,

precisamos do tempo para as aulas. Nem tudo dá tempo de ser feito, mas mesmo

assim fazemos da melhor forma possível porque isso a criança gosta. (Professora da

escola, opinando durante as discussões que foram realizadas em comissões para a

avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação, 2015)

O interior da escola está assim estruturado: seis salas de aula, um almoxarifado,

dois sanitários para crianças, uma secretaria, um laboratório de informática, uma biblioteca,

uma sala de professores, um sanitário para adultos, uma cozinha e um refeitório. No espaço

48

Decreto nº 3.896, de 26 de novembro de 2008, dispõe sobre a transformação das EMEFs ou EMEIs em

EMEBs. 49

Escola localizada em Jordanésia, Distrito de Cajamar/SP. Atende, aproximadamente, 310 crianças. Possui uma

diretora de escola e uma assessora pedagógica que atuam na gestão. Há doze professoras que são efetivas na

escola e, no caso do 1º ano, a escola conta, ainda, com professores de Arte e Educação Física. Todas as

professoras possuem Graduação em Pedagogia e uma possui Pós-Graduação. Das doze professoras, três se

encontram afastadas, sendo que duas estão exercendo a função de assessora pedagógica em outras escolas.

Diante disso, há três professoras que são responsáveis por duas classes, trabalham o dia todo na escola. 50% do

corpo docente reside no município de Cajamar e os outros 50% moram nos municípios vizinhos – Jundiaí e

Francisco Morato. (PPP da Escola, 2013, p. 7 e 10). 50

De acordo com alguns autores que discutem o conceito de criança na perspectiva da Sociologia da Infância

(CORSARO, 2011, p.15; ALANEN, 2010, p. 767; JENKS, 2005, p. 259), as crianças são agentes ou atores

sociais em seu próprio direito, sendo ativos e criativos ao produzirem suas próprias e exclusivas culturas infantis,

enquanto contribuem para a produção das sociedades adultas. Pensar nessa perspectiva significa assumir que a

criança como protagonista é potente, possuidora de história de vida, autobiógrafa, reflexiva e capaz.

Corroborando esta visão, trazemos também o conceito de criança que está posto em documentos oficiais e que

estabelece uma bricolagem com os conceitos evidenciados acima: “Sujeito histórico e de direitos que, nas

interações, relações e práticas cotidianas que vivencia, constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca,

imagina, fantasia, deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona e constrói sentidos sobre a natureza e a

sociedade, produzindo cultura” (Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, 2010, p. 12).

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externo há um parque que possui três tipos de brinquedos: gira-gira, balança e escorregador,

bem como um espaço cimentado.

A foto reproduzida na Figura 3 indica a não atualização do nome da escola desde

o ano de 2008, de EMEI para EMEB Jailson Silveira Leite, além de deixá-lo parcialmente

escondido e coberto pelas folhas das árvores e por uma espécie de telhado feito para abrigar

as crianças da chuva.

A outra escola, denominada de EMEB Profa. Odir Garcia Araújo51

, oferece cursos

do 2º ao 9º anos e, por isso, lá tivemos a oportunidade de acompanhar as quatro professoras.

Compõe-se de doze salas de aula, ampla biblioteca, almoxarifado, sala de coordenação

pedagógica, sala de direção, sala de professores, laboratório de informática, cozinha, pátio

coberto, quadra de esportes, secretaria, sala do Atendimento Educacional Especializado

(AEE) e zeladoria. Um detalhe interessante é que no PPP da escola (2013, p. 30) há uma

informação que diz: “[...] há espaço para o parque infantil, horta e jardim”. O espaço existe,

mas segundo a diretora da escola, carece de investimento e organização de uma rotina para

seu uso com sentido e aprendizagem para as crianças.

Apresentamos a entrada da escola52

:

Figura 4: Fachada da EMEB Profa. Odir Garcia

Araújo.

Figura 5: Fachada da EMEB Profa. Odir Garcia

Araújo.

Fonte: PPP da escola

Fonte: PPP da escola.

Podemos notar que em relação à fachada, a EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, por

outro lado, destaca seu nome em um suporte azul localizado acima do muro (Figura 4) e em

51

A escola está localizada no Distrito do Polvilho, município de Cajamar/SP, atendendo, aproximadamente, 857

estudantes, distribuídos entre os diferentes cursos oferecidos, sendo: ensino fundamental ciclos I e II, EJA e

AEE. A gestão é composta por uma diretora de escola, um assistente de direção e uma assessora pedagógica.

Conta com trinta e sete professores, que se dividem em polivalentes e nas diversas áreas de conhecimento e

quatro professores adjuntos, que atuam em substituições. A grande maioria possui Pedagogia e Pós-Graduação.

Grande parte do grupo é morador em Cajamar, mas muitos moram em Osasco, São Paulo e Franco da Rocha. 52

As fotos são datadas, portanto quaisquer modificações ocorridas nos espaços após o período de consulta aos

PPPs, de 2013, e a pesquisa de campo desenvolvida em 2015, não foram consideradas nessa pesquisa.

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67

sua entrada (Figura 5), seguida de uma frase: “O futuro começa aqui!”. São formas distintas

de lidar com a identidade da escola, de fazer esta escola ser conhecida pelo nome que tem e

pela história que possui.

As fotos também remetem a representações distintas de escola, pelos portões que

exibem e que marcam uma forma de acolher quem chega. São portões coloridos ou em cores

únicas – o branco, o bege –; portões que travam automaticamente, ou que se fecham com

cadeados; pintados, enferrujados ou descascados; grandes ou pequenos. Portões que convidam

a entrar neste espaço escolar.

As cores das escolas também representam sua identidade. Por questões de custo e

padronização, as escolas são pintadas com uma única cor, quando financiadas pela Diretoria

Municipal de Educação, desconsiderando, muitas vezes, o gosto estético das crianças53

:

Eu queria que minha escola fosse colorida porque fica mais bonita. (Criança 1,

pesquisa realizada durante a avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação,

2015)54

Podia ter uns desenhos na escola e mais cores para ela ficar mais alegre. (Criança 2,

pesquisa realizada durante a avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação,

2015)55

Eu queria muito um parque porque na escola a gente só fica na sala ou na quadra

jogando bola. (Criança 3, pesquisa realizada durante a avaliação dos Indicadores de

Qualidade na Educação, 2015)56

Na minha escola podia ter planta, flor e bichinho para a gente cuidar. A escola

colorida fica diferente e mais bonita. (Criança 4, pesquisa realizada durante a

avaliação dos Indicadores de Qualidade na Educação, 2015)57

Essa escola parece um hospital, tudo bege, não tem nada, tá tudo descascando, tá

feio! (Criança 5, conversa informal entre criança e pesquisadora, 2015)58

As vozes das crianças apontam uma potência observadora que remete para outros

gostos e preferências. Uma escola mais particular e próxima da representação do mundo

infantil marcada por elementos da natureza e de brincadeiras, esteticamente colorido,

conforme vemos nas Figuras 4 e 5. Quando financiadas pela APM e discutidas no Conselho

de Escola com projeto incluso no PPP, as cores se alteram. São muros, com desenhos feitos

53

Não intencionamos entrar em discussões como essas, apresentamos apenas os fatos que, no cotidiano escolar

produzem sentidos e caracterizam a identidade de uma escola. 54

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. 55

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. 56

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. 57

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. 58

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora.

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por crianças e jovens; formas geométricas construídas pelos adultos responsáveis por atuarem

na infraestrutura da escola. Entre desenhos e formas geométricas no muro da EMEB Profa.

Odir Garcia Araújo, encontramos a representação de uma pessoa lendo o livro impresso

(Figura 4), o que parece indicar a importância dada à leitura – na forma de discurso – pelos

responsáveis por este espaço. A leitura ali estampada pode ser estendida a outros "lugares

praticados" da escola.

Nas duas escolas há o espaço da biblioteca.

Figura 6: Imagem da biblioteca da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo.

Fonte: PPP da escola (2013).

Na EMEB Profa. Odir Garcia Araújo (Figura 6) o espaço é amplo, com seis

prateleiras para livros e seis mesas redondas, com suas respectivas cadeiras. As janelas são

amplas, o que deixa o espaço claro pela luz do sol que entra, e bem arejado. Há cortinas que,

quando fechadas, deixam o lugar aconchegante e confortável. Praticamente não há livros de

literatura nas prateleiras, que se ocupam de guardar livros didáticos de todas as áreas de

conhecimento, do 2º ao 9º ano.

No PPP, a biblioteca é assim descrita:

A primeira sala é a biblioteca que atualmente é inoperante, o acervo está bagunçado,

há um depósito de livros didáticos, não há um responsável por cuidar da biblioteca

[...]. Muitos poderiam se perguntar como uma estrutura assim seria capaz de trazer

qualidade ao ensino público? Pois bem, essa é uma pergunta que sempre entravou

muitos avanços, não só aqui mas acreditamos que em variadas escolas [...].

Acreditamos na mudança de atitudes. [...] Será que é preciso alguém

especificamente para cuidar da sala de informática ou da biblioteca? Ou será que

todos nós podemos cuidar? Acreditamos que na segunda pergunta está a nossa

resposta. Precisamos coletivizar o ambiente escolar, onde todos se comprometam a

fazer o seu trabalho com qualidade [...]. É nesse foco que a gestão escolar tentará

quebrar a anomia individualista que em muitos casos persiste no funcionalismo

público. (PPP, 2013, p. 31-32)

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69

O PPP da escola aponta para uma denúncia que pode ser estendida à realidade de

muitas outras escolas: a falta de condições de funcionamento, responsabilidade dos órgãos

oficiais, ou ainda aquelas dificuldades oriundas da própria escola para manter o espaço e o

uso das bibliotecas escolares organizados e alimentados por livros. O documento propõe um

trabalho ao ser assumido coletivamente com o compromisso de promover a qualidade para

todos os usuários.

As professoras revelam também a precariedade ou a falta de um acervo de livros

para um trabalho efetivo com a leitura:

Não tinha acervo. O que aconteceu é que a biblioteca está com poucos livros, né? Eu

não sei o que aconteceu, porque o Itaú tinha doado um monte de livros para a escola

[...]. (LAURA, entrevista, 29 de set. 2015)

Os acervos já foram melhores. Hoje eu sinto que está a desejar e isso dificulta muito.

Porque tem dois aspectos aí: o acervo e o acervo acessível. Tem duas ações: tem

acervo e quando se tem acervo ele também tem que estar acessível. [...] Não que as

coisas sejam fechadas e trancadas, mas uma certa fluidez, uma certa quantidade, até

na sala a gente não tem aquele acervo e a gente tem um grupo com muitos

professores e eu não posso chegar e [...] pegar essa quantidade de livros para ficar

uma quantidade de tempo comigo [...] (FLÁVIA, entrevista, 22 de out. 2015)

Não tem, pelo menos até quando eu fui lá na biblioteca para estar olhando, não tem.

(ROSANA, entrevista, 30 de set. 2015)

O acervo é bem precário, muito precário. Eu tenho um acervo próprio de uso que eu

guardo dentro do meu armário, que eu empresto pras colegas e as crianças, na

verdade, eu faço o empréstimo de livros semanal... Então, se a gente não tem um

acervo bom... acho que eu devo ter um acervo de 80 ou 90 livros de empréstimo

para as crianças. (CARINA, entrevista, 23 de out. 2015)

Muito bom! Muito bom, mesmo! (NEUSA, entrevista, 29 de set. 2015)

Ausência de acervos, acervos precários, acervos que já foram melhores, acervos

que "somem", acervos inacessíveis, acervos emprestados, acervos próprios das professoras,

enfim, esta é a "realidade de nossas bibliotecas escolares", ilustrada pelas professoras da

EMEB Profa. Odir Garcia Araújo.

A EMEB Jailson Silveira Leite parece ser exceção em relação a esse aspecto,

conforme depoimento da Profa. Neusa, ao afirmar que o acervo é farto, com diferentes livros,

todos numerados e catalogados. Na Figura 7, podemos observar que o espaço da biblioteca é

pequeno.

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70

Figura 7: Imagem da biblioteca da EMEB Jailson Silveira Leite.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora.

Vemos também que há livros em caixas encapadas com papel azul e outros que

são colocados diretamente nas prateleiras. Alguns estão acessíveis, colocados na altura das

crianças, e outros não, por estarem próximo ao teto da sala. Globo terrestre, papéis cortados,

caixa com jogos matemáticos e de alfabetização, colchões, CPU de computadores, pasta com

arquivos da escola são alguns outros objetos que compõem esse espaço.

Se acreditamos na condição primeira de dar livros “à mão cheia” (como queria o

poeta Castro Alves)59

, se acreditamos que ter acesso a livros é condição fundamental para a

formação do leitor, o que identificamos pelos depoimentos das professoras é uma crítica

antiga em relação à escola: faltam livros. No entanto, para lidar com essa situação que

caracteriza a escola, as professoras utilizam táticas para superar tal precariedade. Elas formam

um acervo próprio, no qual há compra de livros pela própria professora ou pelos pais das

crianças. São livros que permanecem trancados dentro dos armários das professoras ou que

são expostos nos cantinhos de leitura – quando existem – em sala de aula ou fora dela

(Figuras 8).

Figura 8: Cantinho de leitura no refeitório da EMEB Jailson Silveira Leite

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora.

59

“Oh! Bendito o que semeia/ Livros... livros à mão cheia.../ E manda o povo pensar!/ O livro caindo n’alma/ É

germe – que faz a palma,/ É chuva – que faz o mar”. (Poema “O livro e a América”, Castro Alves)

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71

Geralmente, com esses livros são realizados empréstimos para leitura, conforme

relato das professoras60

. O “cantinho de leitura” (Figura 8) está assim presente na EMEB

Jailson Silveira Leite, enquanto que na EMEB Profa. Odir Garcia Araújo o mesmo material

que o organiza se apresenta em sala de aula (Figura 9).

Figura 9: Cantinho de leitura em sala de aula da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora.

São espaços que sugerem organizações próprias, com livros separados em

bolsinhas plásticas, constituindo um painel fixado na parede, seja da sala de aula (Figura 9) ou

em outro espaço como, por exemplo, o refeitório da escola (Figura 8).

As imagens dos “cantinhos de leitura” remetem a um lugar para ler, sendo que as

maneiras de pensar e fazer a organização desse lugar se dão segundo orientações de

documentos oficiais como, por exemplo, os Parâmetros Curriculares Nacionais e o

Programa Ler e Escrever. Talvez, por isso, em diferentes escolas, o material que organiza

esse “canto” é praticamente o mesmo (Figuras 8 e 9), composto por bolsas onde os livros são

encaixados.

Para as salas que não possuem seus “Cantinhos da Leitura”, as professoras

declaram usar outras estratégias, como é o caso da professora Neusa:

Eu não tenho cantinho assim porque na minha sala não cabe nada, mas tem esses

livros... na verdade esses livros eu não tenho não no meu cantinho, na minha caixa.

Mas eu tenho as caixas de leitura, as minhas pastas e tenho uns livros que eles levam

para ler durante a semana [...]. (NEUSA, entrevista, 29 de set. 2015).

São estratégias distintas para exposição e circulação dos livros, mas com a mesma

finalidade: oferecer acesso aos livros, divulgá-los e compartilhá-los entre as crianças. São

60

Discutiremos as práticas de leitura no capítulo 4.

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estratégias que parecem orientadas pelos cursos de formação continuada ou pelos documentos

oficiais dirigidos aos professores nas últimas décadas.

Durante as observações em sala de aula, encontramos muitos objetos (material

escolar e brinquedos) dispostos em armários (em média de três a quatro por sala), em cestos

ou caixas de papelão, cobertos por sacos de lixo até o teto. Armários novos, velhos, alguns

encapados com papel laminado ou com desenhos de Walt Disney. Armários com portas, sem

portas, quebrados, largos e estreitos, grandes e pequenos. Vários tipos de armários. Todos em

uma mesma sala para guardar materiais de papelaria, como folhas de sulfite, pastas, lápis de

cor, giz de cera, cola, tesoura, brinquedo e material da professora. Uma diversidade que

"padroniza" o espaço escolar, como lugar de "guardados", de cadeiras, mesas, lousa e paredes

enfeitadas.

As paredes das classes estão repletas de cartazes com os nomes das crianças,

quadro numérico até 100, reta numérica até 50, alfabeto, listas de palavras “essas eu não erro

mais”, calendário, meses do ano, dias da semana, parlendas, painéis com o nome do ajudante

do dia e grandes murais de cortiça com os termos da adição, subtração, multiplicação e

divisão. A decoração do espaço escolar parece atender às orientações dadas em cursos de

formação, presentes nos documentos oficiais das três últimas décadas, para se constituir como

ambiente de letramento e ambiente matematizador. Um modo de colocar as crianças imersas

no ambiente letrado, através da exposição às letras e números.

Diferentemente das classes observadas por nós, vimos também paredes vazias em

uma das salas (Figura 10), sem as produções culturais da escola, sem as marcas do que se faz

e do que se imagina ser o ambiente propiciador da aprendizagem. Murais que não inventam

diante de uma disciplina imposta. Silenciam a vida que ocorre em sala de aula e os sujeitos

que produzem cultura (escolar).

Figura 10: Murais colocados em sala de aula para publicar as produções das crianças.

Fonte: PPP da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, 2013.

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73

Assim, dentro da mesma escola há diferentes formas de organização ou não dos

espaços em que a leitura circula, as quais, na forma de "apagamento" ou de adesão ao PPP,

produzem práticas distintas e diferentes modos de estar na escola:

Esse é um dos problemas da unidade: mostrar o processo de aprendizagem e não tão

somente o produto final. O ambiente alfabetizador deve constituir numa ferramenta

que contribua na aprendizagem e o letramento, seja dentro ou fora da sala de aula. O

material selecionado deve estar relacionado com a cultura de letramento de maneira

que possibilite aos alunos constituírem e ampliarem seu próprio conhecimento. Esse

ambiente não deve ser só de aparência, mas funcional para o aluno, é aquele

ambiente em que há uma cultura letrada, com livros, textos, imagens, um mundo de

escritos que circulam socialmente [...] e outras situações do cotidiano. (PPP da

EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, 2013, p. 33)

Na EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, os espaços são constituídos por mesas e

cadeiras para as crianças e para a professora, janelas que ocupam toda a parede, mas com

vidros tão pequenos que quase não ventilam! Apesar de haver ventiladores cujo motor e giro

veloz produzem barulho, o calor continua, pois não há vento, não há brisa... Há cortinas

escuras, claras e com desenhos, que ficam abertas para refrescar a sala, mas não há vento.

Cortinas escuras que ficam fechadas para o sol não bater nas crianças, e o ventilador não

funciona. Faz calor... Muito calor!

O suor escorre pelo rosto das crianças, as garrafas d’água – cada uma de um

modelo – são os objetos mais tocados por elas; folhas de caderno ou de sulfite transformam-se

em leques, pois o ar da classe é abafado e quente. A porta permanece quase sempre fechada,

pois lá fora há o barulho de outras classes, do sinal de outros intervalos, de outras crianças que

“correm no corredor”.

Os corredores das escolas, compreendidos como locais em que todos circulam, se

encontram, conversam e apreciam o que está exposto em suas paredes, também podem trazer

cruzamentos em relação às práticas que estão dentro das salas de aula. No que diz respeito às

reflexões quanto aos espaços de aprendizagem da escola, um dos PPPs aponta que:

[...] as paredes das salas de aula, do corredor e do refeitório ficam repletas de

atividades dos alunos que revelam ideias e valores. Essas manifestações estão

relacionadas à apropriação do espaço da escola por meio de textos ou de desenhos, é

uma forma de os alunos exprimirem as suas marcas neste espaço e, portanto, de se

identificarem com ele. [...] Os cartazes são substituídos de acordo com os conteúdos

trabalhados por cada professor, priorizando o que foi mais significativo para sua

sala. (PPP da EMEB Jailson Silveira Leite, 2013, p. 49-50)

Se o PPP orienta e incentiva o uso das paredes da escola, as imagens mostram

como os princípios acima citados se cruzam com esses espaços: há, por exemplo, corredores

silenciosos, quase vazios, a representação do nada (Figura 11).

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Figura 11: EMEB Jailson Silveira Leite - Corredor quase vazio.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora, 2015.

Mas também encontramos painéis produzidos coletivamente por adultos e

crianças, evidenciando o trabalho com a arte (Figura 12).

Figura 12: EMEB Jailson Silveira Leite - Exposição no corredor da escola.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora, 2015.

São as paredes da escola que ganham cores e painéis feitos por alunos, mas que

também trazem cartazes, organizados pelos professores, representando a cultura escolar

(Figura 13).

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75

Figura 13: EMEB Jailson Silveira Leite - exposição na parede do refeitório.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora, 2015.

E, por fim, encontramos salas de aula repletas de cartazes, com caixas e mais

caixas que abrigam materiais pedagógicos e diversos brinquedos (Figura 14).

Figura 14: EMEB Jailson Silveira Leite - Murais na parede da sala de aula.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora, 2015.

O PPP das escolas, uma de nossas fontes de pesquisa, traz informação sobre a

comunidade escolar (família, funcionários, gestores), informações sobre as relações

interpessoais61

, resultados das avaliações de aprendizagem62

, os projetos que envolvem a

comunidade, os colegiados63

e a Proposta Pedagógica da escola, que se subdivide em

61

Para levantar esses perfis, foram respondidos questionários com questões abertas e fechadas envolvendo

aspectos econômicos, culturais, formativos e pedagógicos. 62

Foram utilizados os resultados de avaliações internas da rede e externas, como Saresp e Prova Brasil. 63

Os colegiados envolvem o Grêmio Estudantil para escolas de ensino fundamental, a APM (Associação de Pais

e Mestres e Conselho de Escola), porém destacamos que, de acordo com os PPPs, a gestão da escola tem

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diretrizes da Diretoria de Educação, Marco Referencial, objetivos e metas, plano de trabalho

da gestão, monitoramento e avaliação do PPP, anexos administrativos e Planos de Ensino

elaborados por disciplina do currículo escolar, sob a responsabilidade do professor a cada ano.

A leitura – foco de nosso interesse – é abordada no Plano de Ensino de Língua

Portuguesa de maneira muito parecida nas duas escolas de nossa pesquisa.

A EMEB Jailson Silveira Leite, que possui o 1º ano do ensino fundamental,

subdivide seu Plano de Ensino em três itens que foram definidos pela equipe técnica da

Diretoria de Educação no ano de 2013: objetivos gerais, expectativas de aprendizagem e

conteúdos. Na área de Língua Portuguesa, com foco na leitura, os objetivos traçados foram os

seguintes:

Entender a concepção de alfabetização na perspectiva do letramento.

Propiciar aos estudantes que participem de práticas sociais mediadas pela

linguagem (oral e escrita) nos seus diferentes usos, nas esferas discursivas e

seus gêneros textuais.

Oferecer aos alunos textos bem escritos e de boa qualidade literária.

Possibilitar aos alunos inúmeras oportunidades de desenvolver

procedimentos e estratégias de leitura, no sentido do aluno ir tomando

consciência de que no processo de ler, prevê seleção, antecipação, verificação

e inferência, mesmo que seja por meio de um ledor. (PPP da EMEB Jailson

Silveira Leite, 2013, pp. 105-106)

O conjunto de objetivos aqui apresentados indica um processo de alfabetização

ancorado na perspectiva do letramento, considerando os usos sociais da leitura e da escrita por

meio do trabalho com os mais variados gêneros textuais, conforme as últimas orientações

"oficiais" para esta etapa escolar. Concomitante a isso, tem-se a oferta de textos bem escritos e

de boa qualidade literária, através dos quais se espera que as crianças desenvolvam

habilidades ou operações mentais.

Quando olhamos para o campo das expectativas de aprendizagem, a leitura

aparece como uma subdivisão da língua escrita, como traz o PCN de Língua Portuguesa

(1998). Nesse campo, a escola espera que as crianças aprendam:

Ler, com ajuda e/ou autonomamente, apoiando-se em conhecimentos sobre ao

assunto do texto e as características do portador/suporte e do gênero textual.

Saber manusear e nomear diferentes portadores/suportes textuais.

Estabelecer relações entre o título e o texto, ou entre as imagens e o texto lido em

voz alta pelo professor ou de forma autônoma.

Localizar informações explícitas no texto.

dificuldade de reunir os membros devido aos diferentes horários disponíveis de cada um; foram também

apontadas como dificuldade a resistência dos professores para participar, devido à falta de tempo e por acharem

que estes colegiados “[...] não servem para nada”. A participação dos membros dos colegiados nas reuniões é

mínima, como indica a caracterização do PPP das escolas, mas uma das escolas aponta que, mesmo não

participando, os membros procuram saber o que ficou definido e como podem contribuir. (PPPs das escolas,

2013).

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77

Explicitar o assunto do texto lido pelo professor ou de forma autônoma.

Inferir informações de texto lido pelo professor e seus conhecimentos de mundo.

Ler texto ajustando o falado ao escrito ou apoiando-se nas ilustrações.

Relacionar o gênero à situação comunicativa e suporte em que circula

originalmente.

Estabelecer conexões entre os textos e os conhecimentos prévios, vivências,

crenças e valores.

Fazer inferências e antecipações, baseando-se em elementos contextualizadores

do texto.

Estabelecer relações entre as imagens e o corpo do texto.

Apreciar histórias e poemas lidos.

Apreender o assunto do texto, lendo ou ouvindo leitura alheia. (PPP da Escola,

2013, pp. 106-107)

São habilidades - como manusear, localizar, explicitar, inferir, selecionar, fazer

contextualização - entendidas como importantes de serem aprendidas e ensinadas para o

domínio previsto de leitura e escrita para o 1º ano. O Plano de Ensino desta escola nos

oferece, portanto, os objetivos de leitura na sua interface com a escrita, mas por outro lado

não traz nenhum projeto, especialmente sobre leitura. Traz um registro de interesses e práticas

em conformidade com os PCNs de Língua Portuguesa.

O Plano de Ensino da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, que atende classes do 2º

ao 5º ano, traz os seguintes objetivos gerais, organizados em forma de quadro:

Quadro 6: Objetivos gerais do plano de ensino.

Objetivos gerais64

Apreciar e compreender textos do universo literário levando-se em conta os fenômenos de

fruição estética, de imaginação e de lirismo, assim como os múltiplos sentidos que o leitor

pode produzir durante a leitura.

Participar de situações de leitura/escuta de textos destinados à reflexão e discussão acerca de

temas sociais relevantes.

Produzir e compreender textos orais e escritos com finalidades voltadas para a reflexão de

valores e planejamento sociais, participando de situações de combate aos preconceitos e

atitudes discriminatórias.

Compreender e produzir textos destinados à organização e socialização do saber

escolar/científico e à organização do cotidiano escolar e não escolar.

Compreender e produzir textos orais e escritos de diferentes gêneros, veiculados em

suportes textuais diversos e para atender a diferentes propósitos comunicativos,

considerando as condições em que os discursos são criados.

Fonte: PPP da escola, 2013, p. 87-100.

Neste plano, os objetivos são elaborados, sem gradação ou diferenciação, para

todo o ciclo I do ensino fundamental e pensados pelas suas finalidades, práticas e suportes

64

Os objetivos gerais são exatamente os mesmos do 2º ao 5º ano.

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distintos, conforme orientação da Proposta Curricular de Cajamar, Caderno de Língua

Portuguesa do Ensino Fundamental, bem como dos cursos de formação continuada oferecidos

pela rede municipal.

A escola tem vinte e sete expectativas de aprendizagem65

do 2º ao 5º ano, sendo

que doze delas não se repetem nos diferentes anos, constituindo-se como expectativas apenas

para o 3º, 4º e 5º anos. Geralmente, a repetição de conteúdos ocorre entre o 2º e 3º ano, 4º e 5º

ano, e se dá ora sem gradação de aprendizagens, ora indicando que, a cada ano, um desafio

diferenciado deve ser dado às crianças. Eis alguns exemplos: “identificar a sequência

temporal dos fatos relatados, para compreender o texto em questão” é uma expectativa que

perpassa todos os anos, conforme o PPP da escola. Já o trabalho com poemas busca

diferenciar as aprendizagens esperadas com este gênero nos diferentes anos, como podemos

ver no Quadro 7:

Quadro 7: Expectativa de aprendizagem ao longo dos anos.

2º ano 3º ano 4º ano 5º ano

Identificar a rima e a

disposição de versos

e estrofes, bem como

as repetições de

palavras, para

conhecer e apreciar a

especificidade da

linguagem poética.

Identificar a relação

entre sonoridade das

palavras, sentidos do

poema, para conhecer

e apreciar a

especificidade da

linguagem poética.

Relacionar

repetições,

sonoridade e os

sentidos do poema

para conhecer e

apreciar a

especificidade da

linguagem poética.

Relacionar o uso da

aliteração como

recurso expressivo

do poema, para

conhecer a

especificidade da

linguagem poética.

Fonte: PPP da escola, 2013

A compreensão dessas aprendizagens a serem desenvolvidas pelas professoras

com os alunos pode ser exemplificada pelas anotações feitas em uma das aulas realizadas pela

professora Flávia:

Professora: [...] Agora, deixa eu fazer uma pergunta: nesse poema... ele tem

rimas?

Crianças: Algumas.

Professora: Tem versos?

Crianças: Sim.

Professora: Quantos versos têm?

Crianças: (começam a contar).

Professora: Quem já contou não fala ainda.

65

Fonte: PPP da EMEB Profa. Odir Garcia Araújo, 2013.

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79

Crianças: (continuam contando).

Professora: Contaram? Vocês lembram o que são versos?

Criança 1: Parte do poema.

Professora: Fala um verso: qual o primeiro verso? Vocês contaram?

Criança 2: Tem dezesseis.

Trecho da aula realizada pela professora Flávia (3º ano) com o livro “Ou isto, ou aquilo” de Cecília

Meireles, poema “Tanta tinta”, 19 out. 2015.

Uma prática que parece estar diretamente ligada às expectativas registradas no

PPP que, por sua vez, são parecidas e até mesmo iguais àquelas existentes na Proposta

Curricular do município. Uma prática que deve estar mais ligada ao material do programa Ler

e Escrever (livro) utilizado na sala de aula. De qualquer modo, a presença dessas expectativas

tanto no PPP como nas atividades do programa reforça que são essas orientações ativas no

ensino, trabalhadas conforme a compreensão da professora, ainda que participe dos cursos de

formação continuada, porém com o desconhecimento do PPP.

Dentro dessa maquinaria, a escola produz suas culturas e suas formas de ler, mais

atreladas a programas e ao material de uso na sala de aula, do que ao PPP de cada escola, que

apresenta uma proposta que deveria ser assumida por todos.

Seguir, portanto, o PPP para conhecer a frequência de leitura, os tipos de leitura e

os livros acessíveis às crianças na sala de aula mostra diversas limitações. Fora do PPP, a

leitura acontece dentro das condições de trabalho promovidas entre professora e alunos, como

vemos no trecho:

Pesquisadora: Você gosta de ler?

Criança: Eu não gosto de ler.

Pesquisadora: Por quê?

Criança: Porque eu conheço esse livro aqui e já estou enjoado. Também não

gosto dessas histórias que têm desenhos que parece de criancinha. Eu queria

ver uns livros diferentes, sei lá... que a gente pudesse descobrir as coisas... aí

seria legal!

Conversa realizada com uma criança do 4º ano, 21 set. 2015.

2.3. A presença do diálogo na entrevista

O que criou a humanidade foi a narração (PIERRE JANET, L’évolution de la

mémoire et la notion du temps, 1928, p. 261, apud CERTEAU, 2007, p. 199)

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80

Espaços vazios: a sala de aula ou a sala da assessoria pedagógica da escola, num

momento de HTPC66

das professoras, com duração aproximada de 1h20m a 1h40m. Nossos

espaços e nosso tempo! Aproveitamos um lugar conveniente no tempo possível que nos fora

possibilitado. Outros espaços vazios: a sala de estar da residência de uma das professoras,

2h20m madrugada adentro... Outro espaço e outro tempo que nos fora apresentado. Lugar

silencioso, onde apenas as vozes da entrevistadora e da entrevistada ecoavam.

Algumas interrupções nos espaços: o sinal do intervalo, a entrada de pessoas, um

momento de abrir e fechar a porta, crianças conversando do lado de fora, mesas e cadeiras que

se arrastavam no andar de cima, a fumaça da cafeteira e o barulho da água acabando. Em

meio a todo esse movimento, expectativas, receios, curiosidades. De um lado, provavelmente,

a entrevistadora, com a apreensão já esperada: será que a professora se sentirá à vontade

durante a entrevista? Será que as respostas nos ajudarão a desvendar pistas? Será que o

gravador funcionará? De outro, a entrevistada, com outras angústias: o que será que

acontecerá nessa entrevista? O que ela vai me perguntar? E se eu não conseguir responder? O

que podemos dizer é que na entrevista o poder encontra-se na entrevistada, porque não

acessamos com antecedência o que será dito e nem controlamos a forma como será dito.

Terminamos o encontro... Agradecimentos, sorrisos, saudações e entrevistadora e

entrevistada tomam seus rumos. Os diálogos foram gravados, então, “[...] se torna o

documento, o registro fiel, a fonte de dados, o material a ser descrito, analisado, categorizado”

(SILVEIRA, 2002, p. 119). Nossos olhares, as mãos entre os cabelos, os lábios trêmulos, os

sorrisos, as pausas e respirações, o nervosismo comum a este momento, o coração acelerado,

a leveza e descontração, a antecipação de possíveis perguntas ou respostas foram embora! Eis

a entrevista e, no caso dessa pesquisa, nossos diálogos formativos sobre leitura. Uma

operação de pesquisa para

Ganhar a confiança no diálogo, para que aflorassem aos lábios lembranças, receios,

reticências, todo um não-dito dos gestos de mão, decisões e sentimentos que

presidem em silêncio ao cumprimento de tarefas do cotidiano. Essa maneira de “dar

a palavra” às pessoas ordinárias correspondia a uma das principais intenções da

pesquisa, mas ela exigia na coleta das conversas uma atenção nunca diretiva e uma

capacidade de empatia fora do comum. (GIARD, 2007, p. 26).

Essa breve narração está constituída por operações, tensões e sentimentos entre os

sujeitos que compõem esse jogo (entrevistadora e entrevistados), sujeitos esses singulares,

que viveram essa experiência de entrevistar ou ser entrevistados; que trazem à tona suas

representações, neste caso de leitura, leitor, criança, literatura infantil; que mobilizam gestos e

66

Hora de Trabalho Pedagógico Coletivo.

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expressões; que produzem respostas dentro de uma dada situação e que elaboram perguntas

com intencionalidade. De certa forma, é dentro desse cenário que a experiência foi vivida e

produzida. Um cenário produzido em meio às relações hierárquicas.

Sabemos que muito do já dito foi perpassado pelas posições que ocupavam

pesquisadora e professoras. Um dizer marcado pela imagem do que se gostaria de mostrar um

em relação ao outro. Informações, impressões e ideias foram "moldadas" no dizer de cada

uma na relação entre pesquisadora e pesquisadas.

Segundo Ferreira (2001, p. 81), em entrevistas o processo de interlocução não

pode ser considerado como natural ou transparente, uma vez que é sempre intermediado pela

imagem que entrevistador e entrevistado têm de si mesmos, das instituições a que pertencem,

da situação comunicacional em que estão inseridos. Há um "comprometimento" implícito

entre os envolvidos naquilo que dizem, numa combinação do que o interlocutor supostamente

quer ouvir com aquilo que o outro "pode" dizer, criando-se um espaço para precaução em

relação às críticas que possam vir, tornando possível assinalar convicções e restrições

adequando-se ao grau de informação etc. Desse modo, atentar-se para as condições de

produção dos depoimentos colhidos nessa pesquisa significa, entre outros aspectos, interpretá-

los não apenas pelos seus conteúdos dizíveis – o que as professoras falaram – mas como

discurso, espaços de conflitos e argumentos (FERREIRA, 2001, p. 81-82).

Temos agora cinco entrevistas que serão “esquadrinhadas” e “dissecadas” a fim de

olharmos para os desvios, à procura de nexos aparentemente não existentes, visto que não

estamos atrás de verdades absolutas, mas de coerência e lógica nas práticas de leitura que, por

sua vez, não se produzem de forma isolada de outros contextos. Descobrir os nexos e analisá-

los, extrair questões, enunciados, palavras, buscar compreender os sentidos e seus

cruzamentos é o que nos propomos com essa operação de pesquisa que, em seu interior, traz

tantas outras ações.

Para chegarmos ao momento descrito acima, há todo um movimento anterior de

cuidado com a preparação e a organização da entrevista. Elaboramos, assim, um roteiro que

não se impõe, mas orienta o diálogo, pois o pesquisador tem um foco, tem intenções e, neste

jogo de representações, negociações e retiradas estratégicas, as maneiras de pensar vão sendo

tecidas neste espaço de experiência. Nessa direção, as entrevistas semiestruturadas, ou

melhor, nossos diálogos, trouxeram um conjunto de questões pré-definidas, abertas e

"invocadoras de práticas desenvolvidas em seus contextos de ensino" (ZEN e SILVEIRA,

2014, p. 141), porém mantendo a autonomia da pesquisadora para incluir outras a partir do

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interesse, da curiosidade, da necessidade de explicações e/ou maiores detalhamentos no

decorrer da entrevista, aspectos que demandam agilidade e atenção da pesquisadora.

As narrativas que constituem nossas entrevistas transformaram-se em

documentos. São as nossas fontes que, na perspectiva da teoria do relato, serão olhadas e

interpretadas. As experiências e representações de criança, leitor, leitura da literatura infantil

e, dentro desse campo, as do livro ilustrado, além das histórias únicas vividas pelas

professoras nas mais diversas experiências, serão acessadas para que entrem em uma

bricolagem com as práticas em sala de aula, em diálogos constantes. Para tanto, buscamos

arrolar as memórias de “sujeitos de experiência” (LARROSSA, 2004, p. 160) para nos ajudar

a conhecer as práticas de leitura a que nos propomos. Sujeitos esses que são afetados pelas

prescrições e organizações de um sistema que detém o poder, mas que com suas táticas,

engenhosidades e astúcias consegue driblar esse dono de um querer e poder, considerando

seus conhecimentos sobre as possíveis brechas e suas experiências. Para Larrossa,

O sujeito da experiência é um sujeito ex-posto. Do ponto de vista da experiência, o

importante não é nem a posição (nossa maneira de pôr-nos), nem a o-posição (nossa

maneira de opor-nos), nem a im-posição (nossa maneira de impor-nos), nem a pro-

posição (nossa maneira de propor-nos), mas a exposição, nossa maneira ex-por-nos,

com tudo o que isso tem de vulnerabilidade e de risco. Por isso é incapaz de

experiência aquele que se põe, ou se opõe, ou se impõe, ou se propõe, mas não se

ex-põe. É incapaz de experiência aquele a quem nada lhe passa, a quem nada lhe

acontece, a quem nada lhe sucede, a quem nada lhe toca, nada lhe chega, nada lhe

afeta, a quem nada lhe ameaça, a quem nada lhe fere. (LARROSSA, 2004, p. 161)

Nesse sentido, as lembranças das professoras, bem como seus pensamentos e

conhecimentos, tornaram-se “ex-postos”, pois os diálogos estabelecidos entre nós e essas

gentis colaboradoras, trouxeram à tona descobertas, dúvidas, reflexões, incertezas, novos

olhares... As professoras parecem ter sido afetadas num movimento de entrevista que se

transforma em diálogo formativo (onde o poder se desloca do entrevistado para o

entrevistador) capaz de convocar novos olhares diante de algo já estabelecido. Construímos

diálogos, talvez antes impensados, e narrativas que reverberaram não só as práticas de leitura

literária, mas também quem éramos, naquele momento, que representações trazíamos e a que

golpes recorríamos. Fomos, deste modo, construindo uma apresentação de nós mesmas, um

modo pelo qual gostaríamos de ser vistas pelo outro.

As perguntas giraram em torno de alguns tópicos, que foram tecendo histórias a

serem complementadas por outras, se constituindo em novas combinações e novos

reempregos. Indagamos, por exemplo: qual é e como foi sua experiência profissional? Como

se deu sua formação acadêmica? Quais experiências possuem e como elas se constituíram ao

longo do tempo? Qual motivo foi determinante para a escolha da profissão docente? Como é

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sua experiência leitora? E quanto as suas aulas de leitura com as crianças: como planeja,

como escolhe os livros, quais são os critérios de escolha? A literatura infantil possui uma

diversidade de livros quanto à sua configuração, suporte e gênero. Você conhece ou já se

relacionou com os livros ilustrados? Se sim, de que forma isso aconteceu? Se não, que tal

olharmos um pouco para este tipo de livro e dialogarmos sobre ele?

As entrevistas gravadas e transcritas67

nos permitiram retomar e fabricar, com

base nelas, eixos temáticos sobre as formas de pensar e fazer as práticas cotidianas de leitura

literária. Ao lermos as entrevistas, selecionamos as representações e os sistemas de coerência

que constituirão nossas discussões, daí a importância de trazer como foco o objeto de análise,

as operações de pesquisa na relação com o que dizem e por que dizem sobre leitura.

2.3.1. Esquadrinhar68

os diálogos69

: palavras que preenchem vazios

Dançar sobre a corda é de momento em momento manter um equilíbrio, recriando-o

a cada passo graças a novas intervenções; significa conservar uma relação nunca de

todo adquirida e que por uma incessante invenção se renova com a aparência de

“conservá-la”. A arte de fazer fica assim admiravelmente definida, ainda mais que

efetivamente o próprio praticante faz parte do equilíbrio que ele modifica sem

comprometê-lo. [...] Seria uma inventividade incessante de um gosto na experiência

prática. (CERTEAU, 2007, p. 146, grifos do autor).

Eis um desafio da pesquisa: a operação de esquadrinhar diálogos e construir novas

fabricações e recriações, num processo que se modifica, porém sem tirar a autoria dos sujeitos

cujas vozes foram evidenciadas e ouvidas. Ao mesmo tempo em que essa operação ocorre por

parte do pesquisador, manter um equilíbrio e conservar o dito e o não-dito para que a

inventividade dialogue com a autoria dos sujeitos se constitui como um campo pantanoso, no

qual pisamos com cautela e cuidado, justamente por ainda não termos nos permitido vivenciar

esse processo. Destacamos que não houve dificuldades na realização das entrevistas

propriamente ditas, porém algumas situações que compõem a entrevista trouxeram desafios.

Citamos aqui as falas inconclusas e as ideias a serem completadas pelas professoras, o que

67

As transcrições foram entregues às professoras para leitura e comentários sobre o conteúdo de registro. 68

Tomamos como base o texto de Zen e Silveira (2014), intitulado de O que fizemos com O Texto na sala de

aula? Relatos de professoras gaúchas, no qual a partir do movimento realizado com as entrevistas-conversas,

foram sendo construídos eixos que extraíssem das falas pontos cadentes e suas ressignificações na dimensão da

formação docente. No caso desta tese, também pensamos em eixos para construção de perguntas abertas, mas

nosso foco está nas temáticas produzidas a partir desses eixos. 69

Na perspectiva bakhtiniana, o diálogo é uma das formas da interação verbal que, por sua vez, é compreendida

como um acontecimento durante o ato de fala no qual os sentidos se produzem em relação a algo e com o outro.

Encontra-se na relação com o sujeito que compõe o grupo carregado de ideologia, vivência e experiência. A

enunciação é o produto da interação entre dois indivíduos; palavras são ditas e procedem de alguém dirigindo-se

para alguém (BAKHTIN, 2012, pp. 116-117). Nesse universo, nenhuma voz jamais falará sozinha, pois a

natureza da linguagem é inelutavelmente dupla (TEZZA, 2005, p. 211).

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demanda atenção e agilidade do entrevistador para que a ideia crie um corpo e se configure

como uma fonte a ser esquadrinhada. Deste modo, nos lançamos a esse desafio: esquadrinhar

os diálogos realizados durante as entrevistas para situá-los dentro de um contexto70

.

Nessa direção, o esquadrinhamento significou extrair pontos considerados

essenciais sobre as falas das professoras. Tais pontos foram ressignificados e organizados

diante do que se pretendeu com a pesquisa, a fim de que pudéssemos compreender a maneira

de pensar das professoras sobre, no caso desta tese, a leitura. As entrevistas possibilitaram a

criação de cinco eixos e suas respectivas temáticas71

. No entanto, para não tornar o trabalho

extenso em relação a essa operação de pesquisa, escolhemos um eixo e duas temáticas que o

compõem como forma de explicitar esse fazer do pesquisador. Os demais eixos são abordados

ao longo dos demais capítulos e seus respectivos subtítulos junto às operações de pesquisa e

análise realizadas.

O critério para esta seleção foi esquadrinhar os diálogos presentes no eixo

"experiências leitoras das professoras". Para esse eixo escolhido, "fabricamos" as seguintes

temáticas: 1) diálogos entre a leitura e o gosto por ler de tudo: isso é possível?; 2) a professora

leitora de literatura infantil para as crianças: e as suas e outras leituras?; 3) a leitura entra,

permanece e atravessa a vida: perspectiva da psicologia comportamental e social; 4) a leitura

e as relações familiares: como nos tornamos leitores sendo que a família não é leitora?; 5)

leitura e profissão: as tensões de um grupo72

.

As duas temáticas escolhidas para o esquadrinhamento foram: 1) "gosto por ler";

2) "ser professora leitora para crianças". As escolhas se deram pelo fato de estas serem

questões reincidentes nas falas das professoras Neusa, Laura e Rosana, como se pode ver a

seguir:

Continuo gostando muito de ler... gosto muito! Leio tudo o que cai na minha mão,

tudo, tudo, tudo, tudo... de caixinha e bula de remédio a jornal. [...] Adoro ler

revista... Veja, para mim, me faz uma falta danada, ultimamente não dá, né... (risos).

[...] Gosto de todos os tipos de livros e todos os tipos de leitura e leio bastante, leio

direto! Gosto de ler gibi! Nossa! Sou apaixonada por gibi! A Turma da Mônica....

acham que sou louca... fora a idade... fico rindo das histórias! [...] Então, minha

experiência como leitora sempre foi muito boa, sempre gostei muito, muito mesmo

70

Não pretendemos discutir, neste momento, aspectos voltados à leitura. Esse movimento será realizado em

conexão às práticas. Nossa proposição é trazer diálogos para fabricarmos as operações de pesquisa. 71

Chamamos de eixo a ideia central que deu sustentação a cada bloco de assuntos da entrevista/diálogos

realizados. Esses eixos ficaram assim organizados: os sujeitos da pesquisa (formação e experiência profissional);

experiência leitora do professor; aulas de leitura a partir do discurso do professor (objetivos, práticas, acervo,

critérios para escolha dos livros); concepção e representação de leitura, de literatura infantil, de leitor, de criança;

o que é ler literatura. 72

Os discursos arrolados em cada eixo constituirão uma bricolagem com as práticas de leitura das professoras.

Por esse motivo, não aprofundaremos nossas discussões nesse capítulo.

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de ler. Sempre li muito para os meus alunos, é minha paixão ler e fazer com que eles

escrevam (risos). (NEUSA, entrevista, 29 de set. 2015)

Eu gosto de ler para minhas crianças. Então, hoje eu li e, quando vejo que algumas

crianças não se prenderam, eu fico chateada porque [...] eu gosto de ler para eles,

né? Então, quando eu parava em alguma situação que eles estavam esperando,

nossa! Eles ficavam ansiosos para o outro dia. (LAURA, entrevista, 29 de set. 2015)

Eu gosto de estar lendo o que eu vou trabalhar em sala de aula com eles mesmos. Eu

pesquiso antes, eu vou atrás. (ROSANA, 30 set. 2015)

.

Suas falas remetem às representações sobre as finalidades e motivações para

leitura, espaço em que ler é tudo. Lê-se diferentes gêneros e suportes. Ler porque isto é:

paixão antiga; ler para rir aparentemente à toa; ler para formar escritores a partir das leituras

ouvidas. Ao esquadrinhar esses diálogos em eixos e temáticas organizadas com essa

intencionalidade, acessamos, por exemplo, o que é ler para essas professoras, suas

representações e motivações para leitura e como consideram a prática de ler para si e para

outros.

Ler é uma prática prazerosa, boa, gostosa, divertida. É paixão, é trabalho para

preparação das aulas. Na escola, lê-se para que os alunos tenham assunto para escrever,

porque eles se prendem à história, para que eles queiram desenvolver o enredo, para criar

expectativas.

Para a professora Neusa, em sua vida adulta o ler é dissociado do escrever, mas na

escola, em sua prática, as duas competências aparecem em decorrência e como moeda de

dupla face. Talvez porque ela tenha a concepção de que para ser um bom escritor deve-se ler

muito. Parece que o que está em jogo, para ela, é esse tipo de experiência leitora, que mantém

viva a atenção das crianças e que lhe dá satisfação pessoal. Aqui, a vida se entrelaça à

docência no ato de ler.

Para mim, no meu ponto de vista, o que eu gosto de ler... Ah! Sempre livros que

saem assim... para o meu comportamento para me relacionar com outra pessoa, essas

coisas... Então, eu gosto sempre de estar procurando esse tema... Como você se

comportar melhor ou para retomar um relacionamento... (ROSANA, 30 set. 2015)

Ler é visto pelas professoras apenas pelos seus aspectos positivos, como, por

exemplo, levar o aluno a se comportar melhor ou retomar um relacionamento. Ler é bom!

Mas as falas apontam também para as limitações do dia a dia, para a leitura deleite, fruição:

“O que eu sinto mais falta na correria do dia a dia é a leitura por prazer, porque a gente lê

livros muito técnicos” (CARINA, 23 out. 2015).

As falas das professoras apontam, portanto, duas grandes representações da

leitura. Aquela que é deleite, gosto, um acompanhamento do enredo com entusiasmo e

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interesse. E aquela que é pragmática, que ajuda na preparação das aulas, na melhoria da

escrita do aluno, na resolução dos problemas pessoais, na construção de um saber técnico.

Uma leitura que é vista como "ensinamento", possibilidade de aprender pelo livro

– mudanças de comportamento; conquistas/conservar um relacionamento; interesse

técnico/profissional etc. –, que não é tão valorizada pelas professoras porque tomam o lugar

de outras leituras consideradas por esse grupo como mais importantes para sua experiência: a

leitura prazerosa. Quando os relatos retratam a leitura profissional, há palavras que a

antecedem e/ou precedem que indicam a impressão acima citada: “então”, “mas assim”,

“assim”, “porque”. No entanto, a dualidade constitui os relatos, pois ao mesmo tempo em que

essas leituras “tomam o tempo” de outras, aparece, no caso da professora Carina, o gosto por

ler livros teóricos e filosóficos voltados à educação.

2.3.2. O movimento dialógico das entrevistas: entre o previsível e o imprevisível

Cada entrevista foi feita de acordo com um plano bem flexível, dando lugar a muita

liberdade e espontaneidade à entrevistada, inclusive para dar vazão às suas

associações de ideias [...]. (CERTEAU, GIARD e MAYOL, 2008, p. 223)

Considerando o excerto acima, encontramos, no caso dessa pesquisa, uma

interrogação que busca saber o que a professora considera ao escolher um livro para ler em

sala de aula. A pergunta foi realizada da seguinte maneira: “que critério você tem para

escolher um livro e levar para suas crianças?”. No diálogo, outras perguntas não previsíveis se

articulam à primeira: “o que faz você achar que determinado livro vai agradá-los? O que tem

no livro que você acha que eles vão gostar?”; “que diferença você vê entre a escolha de um

livro para ler e escrever e um livro para produzir? Que diferença você percebe?”.

Um trecho da entrevista com a professora Laura ilustra esse encadeamento de

perguntas – não previstas inicialmente – mas que são necessárias para a produção de sentido

sobre a temática em questão:

Pesquisadora: Então, a leitura seria uma “ferramenta” para essa alfabetização?

Laura: Isso!

Pesquisadora: Então, você lê por deleite!

Laura: Sim.

Pesquisadora: Para as questões de alfabetização...

Laura: Isso!

Pesquisadora: E tem mais algum objetivo que você tem?

Laura: Para reescrita.

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Pesquisadora: Há mais algum outro objetivo que você tem quando faz uma leitura

aos alunos?

Laura: Não, é só isso mesmo!

(LAURA, entrevista, 29 set. 2015)

Um diálogo que é tecido em um processo de idas e vindas, na tentativa de

"completar" falas inconclusas, de apurar ideias, de organizar informações na compreensão das

práticas de leitura dessas professoras.

Bakhtin (2010, p. 408) nos brinda com uma afirmação esclarecedora e muito

interessante acerca das perguntas e respostas. Para ele, “pergunta e resposta não são relações

(categorias) lógicas; não podem caber em uma só consciência (una e fechada em si mesma);

toda resposta gera uma nova pergunta”, em um movimento contínuo, como podemos ver na

transcrição a seguir:

Pesquisadora: Bem, você disse que tem situações que você planeja e tem situações

que não! Que situação exige um planejamento e que situação não exige? Assim,

detalha um pouco melhor isso!

Flávia: O que eu quis dizer do planejado seria voltado para uma sequência didática

[...] você faz todas aquelas questões, você volta e quer trabalhar é... tem determinado

livro ou determinada história que você precisa ter todo aquele cenário, é como se

você tivesse fazendo um grande banquete. [...] E tem determinados momentos que a

leitura está mais no nível de um fast food, ou seja, você tem um livro, você vai

trabalhar ele hoje ou em um determinado momento ou em outra aula, então você vai

fazer uma coisa mais rápida é... Então, você não vai ter que ficar... o que eu vou

perguntar? [...] Isso na minha concepção.

Pesquisadora: E que sentido tem esse tipo de aula desse outro que é mais um fast

food? Que sentidos são construídos com esse tipo de aula mais profunda, digamos

assim, da sequência e esse outro como você colocou, como a analogia que você fez

com o fastfood? Que sentidos esse tipo de aula provoca no leitor?

Flávia: Na verdade a questão é técnica [...]. Da leitura tem o técnico. [...] Eu não vou

ler um jornal da mesma maneira como leio uma poesia e da mesma maneira que eu

me comporto com um determinado conto e até, dependendo do conto, o conto de

assombração é uma coisa, o conto de aventura é outro. Então, é o rigor técnico. E

isso tem que ter essa compreensão no momento da leitura. Então, às vezes você

sobrevoa numa determinada leitura e na outra você vai aprofundar, você vai chegar

naquela essência da leitura e você consegue trabalhar melhor as questões, por

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exemplo, de personagens, você vai proporcionar a âncora da escrita [...]. A leitura

abre o caminho para vários outros desdobramentos de aprendizagem.

Pesquisadora: Por exemplo?

Flávia: A escrita. Quer dizer: se eu não leio, como vou escrever? Ou, então, não

tenho suporte e subsídio, né?

Pesquisadora: Isso em relação à questão mais profunda da leitura?

Flávia: Isso, mais profunda! Então você precisa dessa base. Não que o fast food –

vamos colocar assim, né? – seja negativo. Não uso no sentido pejorativo, tá? Mas,

ele tem nutrição, como tem a nutrição que prepara você para um aprofundado. Por

exemplo, determinados gêneros você apresenta de uma maneira leve. [...] O 3º ano

tem um contexto muito forte este ano de texto informativo porque o Ler e Escrever

traz vários gêneros, dois projetos [...] gente usou muito. E, o ano passado, a gente

chegou a ler alguns textos informativos, então [...] quando a gente começou a

trabalhar lá no fast food eles lincharam. [...] Então, aí aprofundamos com a leitura,

entender a técnica de como funciona esse texto, que informações ele tem. Então, a

leitura tem essa funcionalidade, entendeu? [...].

(FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

A professora utiliza uma representação da leitura ligada ao campo da alimentação.

Em analogia entre leitura e um tipo de comida (banquete ou fast food), a professora explica o

seu o ato de planejar (ou não) diferentes maneiras de ler que exigem, segundo ela,

aprofundamento e intensidade distinta entre elas. A leitura pode ser servida e consumida

como um banquete (é necessário planejar), ou como um fast food, como se fosse uma

passagem ou algo mais rápido pela leitura (algo mais descompromissado e menos exigente).

Para a professora Flávia, a leitura não é um fazer abstrato. Mas, provavelmente,

segundo representações, compartilhadas em cursos de formação, ler difere de um gênero para

outro, pois para ela (a professora), aprendemos a ler diferentemente de acordo com gêneros e

finalidades.

Outra operação que se faz presente na entrevista é o momento em que

entrevistadora e entrevistado dialogam sobre conceitos, experiências e impressões para apurar

sentidos, entre elas de "conferir" se entendem a mesma coisa, se estão se expressando de

forma "semelhante":

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Pesquisadora: Teve uma questão que você falou um pouco do seu planejamento na

aula de leitura. Agora, como você realiza essa aula? O que você planeja é a maneira

como acontece? E, a leitura desse livro, difere da leitura do livro ilustrado?

Carina: Difere, porque [...] as inferências feitas são diferentes. Por que são

diferentes? Porque você tem que levar as crianças a construírem sentidos ao longo

do texto e o livro ilustrado vai construindo os sentidos aos poucos de acordo com as

etapas de imagem [...] Então, é... eles vão construindo um sentido ao longo, então a

inferência é diferente. [...] Tem determinados tipos de texto como que estava lendo

aquela coleção que te falei do Hans Christian Andersen, então, não era um texto

ilustrado e era contos clássicos, porém como são mais próximos dos originais, então,

são textos mais densos e mais difícil de interpretação. Então, se você não parar e

contextualizar a criança do lugar, da época que se passou, o que se vivenciava

naquela época... Se você não contextualizar antes e durante a criança o que se passa

ela vai chegar simplesmente no final da história achando que é o “Patinho Feio”

porque tem um patinho feio. [...] Então, essa leitura que não tem imagens é o

professor que tem que construir esse sentido... Esse sentido é construído ao longo de

uma leitura de acordo com as inferências e dos questionamentos que são feitos.

Então, o sentido é construído de acordo com a intervenção. Ele pode ser construído

chegando no final e falando que o “Patinho Feio” era um cisne ou chegar no final e

falar que ele conseguiu descobrir que ele tinha seus valores individuais na

sociedade. Tudo vai de acordo com as relações e as inferências que são feitas

durante essa leitura.

Pesquisadora: Eu perguntei isso porque hoje cedo nós estávamos em uma formação

onde discutia exatamente essa questão da leitura em relação ao texto e a imagem.

Um dos pontos abordado foi esse: quando você olha para a ilustração, no caso foi do

livro do “Grúfalo”, antes de olhar para o texto escrito, os sentidos são outros... Na

discussão começaram a utilizar as estratégias de leitura do texto escrito para a leitura

das imagens e isso ficou em mim... fiquei pensando: as estratégias de leitura da

palavra são as mesmas utilizadas para ler as imagens? Se são as mesmas, como é

que isso se dá? Se não são as mesmas, quais estratégias são essas? Que estratégias

de leitura eu uso para ler as ilustrações? Será que posso chamar de estratégias? Não

estou pensando em habilidades, mas no modo de ler e na forma de pensar!

Carina: Ah! Não! As ilustrações você tem que fazer leitura de expressões, leitura de

corpo porque se usa o azul para representar a noite, o amarelo para representar o dia,

então, tudo isso tem que ser levado em consideração e antes ela tem que ter

concepções de noite, ela tem que ter leitura de expressões faciais, do corpo,

movimento. Então, o livro ilustrado a criança tem que ter um nível de interpretação

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assim como o professor. Tanto é que eu comento com as meninas que livro ilustrado

é uma grande dificuldade de interpretação para as crianças porque é uma grande

dificuldade pro professor. Ler ações sem elas estarem escritas, ler expressões sem

elas estarem escritas é muito difícil! E essa questão de interpretar até tons, [...]. É aí

onde te digo: estratégias de leitura de livros ilustrados é uma e de livros sem imagem

é outra. [...].

(CARINA, entrevista, 23 out. 2015)

No ajuste entre o dizer da professora e o da pesquisadora, o diálogo construído

permite inferir representações sobre as práticas de leitura com o livro ilustrado. Para a

professora, ler é fazer inferências distintamente, conforme o tipo de livro, mediadas e

incentivadas pela leitura. A professora conduz a leitura com a intenção de ajudar a criança a

construir sentidos, tanto pela leitura do texto escrito como pela leitura das imagens, com

questionamentos, pausas e paradas antes e durante a leitura do texto.

No ajuste entre o dizer da professora e o da pesquisadora na tentativa de acessar as

práticas, foram utilizadas por nós expressões como “por exemplo”, “detalha melhor isso”,

“conta como foi”, “fala um pouco mais sobre isso”, “mais alguma questão em relação a?”.

Uma tentativa de completar e esclarecer enunciados ainda pouco compreendidos por nós.

Uma entrevista caracterizada pelo diálogo, em que o entrevistado sente-se amparado,

acolhido, cuidado e não desafiado, contestado ou apenas uma fonte de informação. E o

pesquisador se sente mais familiarizado com o assunto da conversa. Uma parceria em que

respostas são provocadas, perguntas são retomadas pedindo ao entrevistado um exemplo, ou

para falar mais um pouquinho sobre o tema discutido, como podemos ver nos dois exemplos,

a seguir:

Laura: Então, eu geralmente leio para deleite, eu pego um livro, às vezes, sem figura

e eu leio para eles, mas são histórias curtas e sempre tem um objetivo pedagógico,

né!

Pesquisadora: Por exemplo...

Laura: Por exemplo, uma fábula. Eu vou levar, às vezes, uma fábula porque eu falo

que no 3º ano têm alunos... No 5º ano você lê uma fábula, a criança vai guardar essa

fábula e se pedir para ela escrever ela escreve na hora. No 3º ano não, se você ler

uma fábula e pedir para ela escrever, ela vai ter muita dificuldade para lembrar,

entendeu?

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(LAURA, entrevista, 29 set. 2015)

Pesquisadora: Mas, o acervo não é acessível?

Flávia: O acessível é você ter essa fluidez das coisas, entendeu? Não que as coisas

sejam fechadas e trancadas, mas uma certa fluidez, uma certa quantidade, até na sala

a gente não tem aquele acervo e a gente tem um grupo com muitos professores e eu

não posso chegar e... Ah! Eu vou pegar essa quantidade de livros pra mim ficar uma

quantidade de tempo comigo também não dá para ficar toda hora... [...] E você sabe

de uma questão também muito importante, que você até colocou assim, como você

planeja, né? A gente vai amadurecendo para se tornar não só uma leitora, mas uma

leitora que lê para alunos. Porque é assim: a gente lê...

Pesquisadora: Fala um pouquinho mais sobre isso?

(FLÁVIA, entrevista, 22 set. 2015)

A socióloga Lícia Valladares, ao produzir a resenha do livro de William Foote

White, intitulado Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana e pobre

degradada, propõe orientações para uma observação participante. Embora esse trabalho não

se configure com tal proposição, a autora enumera “dez mandamentos da observação

participante” que, de alguma maneira, nos despertaram o interesse para alguns aspectos do

nosso trabalho. Um deles envolve as operações citadas acima diante da entrada no campo e o

conhecimento acerca dos sujeitos da pesquisa, aspectos que transcendem a entrevista e as

observações em sala de aula. Destacamos outros pontos importantes, dentre eles o tempo que,

em um processo de pesquisa, nunca é rápido para nos tornarmos parte ou nos envolver

efetivamente com os sujeitos. Esse processo já fora construído, assim como a apropriação ou

reapropriação do espaço, pois não caímos de “paraquedas” no território a ser pesquisado,

aspecto que possibilitou, no momento das entrevistas, maiores aproximações e interações

entre entrevistador e entrevistado.

Para a construção da entrevista dialógica e presencial é preciso considerar o tempo

investido na preparação do roteiro, na aproximação do conhecimento entre entrevistado e

entrevistadora, nos gestos e falas depreendidos durante a pesquisa – saber ouvir, escutar, ver,

aprender quando perguntar e quando não perguntar, que perguntas fazer e a hora certa de

fazê-lo, assim como o reconhecimento dos erros (VALLADARES, 2007, p. 154). Ao longo

da realização das cinco entrevistas e das inúmeras conversas informais registradas em diário

de bordo, aprendemos a controlar nossa ansiedade e ouvir a professora, sem interromper sua

fala ou pedir esclarecimentos, de forma a compartilhar sentidos para a compreensão das

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respostas ou perguntas, respeitando as pausas e os silêncios existentes entre nós. Buscamos

entender a entrevista como "diálogo formativo", construído em parceria entrevistado e

entrevistadora.

2.3.3. Da entrevista ao diálogo formativo73

: a relação com o saber

A relação com o saber é [...] a relação com o mundo, com o outro e consigo mesmo

de um sujeito confrontado com a necessidade de aprender. Refere-se principalmente

ao [...] conjunto das relações que o sujeito estabelece com um objeto, um conteúdo

de pensamento, uma atividade, uma relação interpessoal, um lugar, uma pessoa, uma

situação, uma ocasião, uma obrigação, etc., relacionados de alguma forma ao

aprender e ao saber (CHARLOT, 2005, p. 45).

Na entrevista entendida como "diálogo formativo", colocamos a pergunta às

professoras sobre o livro ilustrado – objeto fundamental em nosso trabalho - e indagamos: “A

literatura infantil possui uma diversidade de livros quanto à sua configuração, suporte e

gênero. Tem livros pop-up, livro objeto, livro de banho, livro imagem, livro com ilustração e

livros que alguns pesquisadores, autores e editores denominam como ilustrados. Você

conhece ou já ouviu falar nesse tipo de livro?”. Tínhamos como hipótese que as professoras

pouco conheciam sobre este tipo de livro e pouco os diferenciavam uns dos outros,

especialmente dos livros de literatura infantil. Vejamos as respostas dadas por elas, que nos

impuseram novos redirecionamentos durante as entrevistas:

Eu não tinha ouvido falar em livros ilustrados antes da nossa conversa. Já fiz muita

associação de leitura com imagem em sala, já tinha – igual comentei com você outro

dia – há muito tempo, há 25 anos... já fiz curso, participei de formações falando

sobre o livro, sobre a imagem do livro, sobre as cores usadas, sobre os tamanhos de

letras, isso tudo, mas não se tratando como livro ilustrado e nem como explorar esse

material. Não tenho conhecimento disso! (NEUSA, entrevista, 29 set. 2015)

Na minha cabeça eu poderia dizer que esse livro ilustrado seria o livro-imagem. Sem

o texto e só com a ilustração. Agora eu não sei se é isso! (risos). Agora esse livro

ilustrado eu posso até ter visto, mas eu não sei que é esse o nome. É o técnico, né,

que são as nomenclaturas, porque, às vezes, a gente tem essas nomenclaturas e

você... claro que algumas nomenclaturas chegam mais no dia-a-dia da escola.

(FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

Não, mas eu acho que é através das ilustrações que vai descobrindo algumas coisas

que há dentro da história. Acho que é mais ou menos isso, mas eu não... acho que o

livro ilustrado, dentro do texto você vai descobrir alguma coisa que está na imagem,

através da imagem descobrir o que está faltando, sei lá, mais ou menos isso!

(ROSANA, entrevista, 30 nov. 2015)

73

O diálogo formativo pressupõe elaboração e produção de conhecimento acerca da temática em discussão.

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93

Suas falas apontam para a falta de conhecimento sobre livro ilustrado, como

queríamos tratar em nossa pesquisa. No entanto, elas revelam também saberes outros,

convocando formas distintas e relações entre texto e imagem. Suas falas vêm carregadas de

dúvidas, incertezas, buscando respostas.

As escolas possuem alguns livros ilustrados vindos de programas do Governo

Federal e parece que orientações dadas por vários cursos de formação não tratam desta

produção como distinta de outras, a exigir práticas diferenciadas. As falas das professoras

apontavam para uma possível importância de nossa pesquisa, porém em outra direção. Além

de conhecer as práticas de leitura com o livro ilustrado realizadas pelas professoras em sala de

aula, desempenhamos desde o início o papel de colaborar na formação docente delas, através

de ações que visavam compartilhar um conhecimento sobre este tipo de livro e o modo

peculiar de lê-lo.

Nos diálogos (formativos) entre pesquisadora e pesquisados, sabemos que

segundo Ferreira (2001), estamos nos colocando lado a lado, como interlocutores. São eles e

somos nós (o "para quem" contamos ou ouvimos) que orientam o olhar e ajudam a configurar

o texto que queremos dizer, ajustando nossas intenções e motivações. Por isso, em nossos

diálogos formativos tivemos a oportunidade de elaborar e produzir conhecimento durante o

processo de leitura de livros ilustrados com as professoras, o que veio à tona nas entrevistas,

como, por exemplo:

É um olhar diferente. Em tanto tempo de magistério, ninguém fez isso comigo! [...]

Tem formação aí, que nossa! Não discute nada disso! [...] Quanta coisa estou

aprendendo aqui! Nem parece uma entrevista... tinha medo, né! Mas, está sendo

muito bom porque estou vendo coisas que nunca vi, né! (LAURA, entrevista, 29 set.

2015)

Cada livro que tá aqui ou outro livro exige um movimento, [...] ele provoca... eu me

coloquei na condição de estar apreciando. Fiquei pensando agora como seria isso

com as crianças porque aí é um outro desenvolvimento [...]. Porque na verdade tem

uma certa elaboração, não é um espontaneísmo, até porque é um movimento novo.

Você pega o livro de outra forma... é uma questão de olhar. Você começa a

compreender a linguagem do livro que até então é diferente da linguagem do livro

que eu li [...]. É uma cultura nova de leitura... Nossa! É bem interessante e os

professores teriam que ter uma formação assim. Essa oportunidade de estarmos

lendo é como se abrisse um portal, agora tem a questão de observar, de olhar...

(FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

Eu acho que ela é diferente sim! Então, eu acho que precisa ser passado esse tipo de

formação... Olha, existe esse tipo de livro ou esse tipo de leitura porque, às vezes, a

gente pega o livro e acha que todos os livros é para trabalhar igual! Agora, você me

mostrou que existe outro ponto que eu preciso saber. Então, talvez uma formação e

mostrar pra gente como se trabalha, porque talvez falta isso pra gente. Não é porque

a gente fez lá Pedagogia e Magistério que a gente sabe tudo. Nós não sabemos tudo!

(ROSANA, entrevista, 30 nov. 2015)

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O interessante é que a estrutura desse livro é diferente. [...] Esse é um tipo de livro

que eles não tem acesso... e como esse momento foi gostoso! Muito legal! Adoro! É

outra forma de olhar para o livro e, numa formação, isso é falho, porque como as

pessoas não dominam não há esse tipo de discussão. (CARINA, entrevista, 23 out.

2015)

Se nos cursos de formação, em geral, as professoras não tiveram acesso a um

conhecimento diferenciado no trabalho com os livros ilustrados, durante o nosso trabalho

pudemos colocá-lo como foco. Os diálogos se deram entre uma professora e sua supervisora

que, por sua vez, estava simultaneamente no papel de pesquisadora, construindo uma

"formação" evidenciada na fala da professora Laura: "[...] Em tanto tempo de magistério,

ninguém fez isso comigo!"; a professora Rosana complementa: "[...] Eu acho que ela é

diferente sim! Então, eu acho que precisa ser passado esse tipo de formação [...]. Nas palavras

da professora Carina, "[...] É outra forma de olhar para o livro e, numa formação, isso é falho,

porque como as pessoas não dominam, não há esse tipo de discussão"74

.

Uma formação valorizada pelas professoras devido à construção de um saber

novo, que acrescenta e desestrutura o já conhecido. Uma formação que as deixa impactadas,

surpresas com um novo conhecimento; todas destacam que o livro ilustrado é um gênero

diferente, na linguagem, na estrutura, "uma cultura nova de leitura". Uma postura das

professoras abertas para o aprender e aperfeiçoar-se, continuamente. Uma disposição e uma

realização que caracterizam o fazer cotidiano dessas profissionais.

74

Sabemos que a relação professor x pesquisadora x formadora é hierárquica e carregada de valores pelos papéis

sociais que cada uma ocupa. Assim, as falas das professoras são entendidas como modos de dizer para uma

formadora e pesquisadora, destacando nessas falas ressonâncias daquilo que é legítimo e valorizado pela

academia.

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95

CAPÍTULO 3

PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO: AS PROFESSORAS COMO

ILUSTRES LEITORAS

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. Aula realizada com o livro O Túnel com a turma de 4º ano.

[...] ler é estar alhures, onde não se está, em outro mundo; é constituir uma cena

secreta, lugar onde se entra e de onde se sai à vontade [...]. (CERTEAU, 2007, p.

269). Ler tem a ver com a possibilidade de ir e vir, com a possibilidade de entrar à

vontade em um outro mundo e dele sair. Por meio dessas idas e vindas, o leitor traça

a sua autonomia, mediante a qual ele se reconstrói [...]. (PETIT, 2009, p. 92).

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3.1. Conceitos e definições sobre o livro ilustrado: o que temos a dizer?

Ferreira e Silva (2013), ao discorrerem sobre a produção de sentidos da leitura,

afirmam que,

[...] apesar de muitos acreditarem que o significado está no texto e que uma boa e

cuidadosa leitura é capaz de desvendá-lo, nem sempre esse encontro é perfeito.

Apesar de muitos acreditarem que o leitor é criador de sentidos singulares

irredutíveis à vontade e controle dos autores e editores do texto, nem sempre essa

liberdade é tão independentemente arrasadora. (FERREIRA e SILVA, 2013, p. 5)

A leitura, compreendida como produção de sentidos, é marcada pelo sentido

pretendido pelo autor/ilustrador/editor e pela apropriação do texto por um leitor datado

historicamente. Nessa perspectiva, não há um sentido único a ser atribuído ao texto; não há

leitores únicos. O que encontramos é a historicidade dos modos de ler, gestos, ações, gostos,

hábitos, entre outros, que se definem na comunidade de leitores à qual o leitor pertence.

Segundo Ferreira e Silva, "[...] a leitura como produção de sentidos é prática culturalmente

aprendida e ensinada, dentro ou fora da escola" (2013, p. 5). As modalidades de leitura

partilhadas no grupo ou na comunidade produzem formas e sentidos às maneiras de ler de

cada leitor.

Nessa direção, entramos no campo das práticas de leituras do livro ilustrado, com

as professoras trazendo para este cenário as discussões contemporâneas sobre este tipo de

livro, considerando que,

[...] com o desenho se escreve. Isso é a base de tudo. Um livro-imagem é um livro de

imagens sem história? Não, é um livro no qual a história está escrita com desenhos,

é como um hieróglifo; essa é a base para o gênero literário onde a imagem escreve.

Você pode então ter um livro-imagem só com imagem e um livro-imagem também

com texto, em que os dois escrevem. (MORAES, 2014, p. 28)

Difícil precisar uma data de surgimento do livro ilustrado. Costuma-se considerar

os anos 1970 como o período em que o livro ilustrado75

, no Brasil, merece interesse do

mercado editorial. Flicts é um exemplo, assim como as obras de Juarez Machado, Ida e Volta

e Domingo de manhã. Desde os tempos mais remotos há muitos livros com ilustrações, mas

nem todos podem ser considerados como livro ilustrado, e/ou também chamados de

picturebook ou livro álbum. Há pelo menos duas décadas, pesquisadores têm se dedicado ao

estudo do livro ilustrado76

como uma nomeação específica para um tipo de livro de literatura

75

Perry Nodelman (1988), Maria Nikolajeva e Carole Scott (2001) e Sophie Van der Linden (2011) são os

críticos especializados em literatura infantil e juvenil que mais têm contribuído para esclarecer esta definição,

explicando com detalhes o funcionamento do livro ilustrado. 76

Muitos pesquisadores têm se ocupado das discussões acerca da definição do livro ilustrado. Dentre eles

citaremos alguns: NECYK (2007), com uma pesquisa de mestrado sobre Texto e imagem: um olhar sobre o livro

infantil contemporâneo/PUC-RJ; SAGAE (2008) com sua tese de doutorado intitulada Imagens & enigmas na

literatura para crianças/USP; NAKANO (2012) com a dissertação de mestrado que se aprofundou no Livro

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infantil. A nomeação e a definição do que seja livro ilustrado têm diferentes nuances,

dependendo do contexto cultural em que ele circula ou é produzido. Ao falarmos sobre o livro

ilustrado, pensamos em uma obra em que a ilustração não apenas reproduz o que está dito nas

palavras e nem tampouco tem como função o apoio ao leitor que está “aprendendo a ler”.

Pensamos em livro ilustrado apoiadas em Nodelman (1998), Linden (2011) e Hunt (2010)

como uma obra cuja ilustração narra e escreve um fato, ao mesmo tempo, em que o texto

conta um outro. Texto e ilustração podem se opor, se complementar ou se compor diante da

imensa variedade da quantidade de ilustrações e das maneiras singulares que compõem cada

página do livro ilustrado. A imagem, neste tipo de livro, não “traduz” aquilo que está escrito

pela palavra, tampouco reproduz aspectos do enredo. O olhar do leitor é desafiado a não mais

deslizar linearmente por entre as linhas, não seguir um fluxo contínuo da esquerda para a

direita. Seu olhar é convidado a saltar entre a mesma página ou entre diferentes páginas, num

movimento de ida e volta, de descer e subir ou vice-versa, em que texto e imagem produzem

sentidos.

Pesquisadores como Sagae (2008), Oliveira (2010), Nakano (2012), Aleixo

(2014), Gili (2014), entre outros, olham para o objeto livro e analisam sua materialidade –

formato, capa, tipografia textual, fólios, cores – ou compartilham as maneiras que o

pesquisador lê o livro ilustrado.

Nessa perspectiva assumida por nós, o livro ilustrado traz imagem e texto

intimamente ligados na constituição de sentidos; imagem e texto possuem o mesmo estatuto

na importância da construção de sentidos e são igualmente importantes e intencionalmente

trabalhados esteticamente; a imagem não reproduz completamente o texto, ela se contrapõe a

ele, distorce-o, pode quebrá-lo. Nesta proposta editorial, o leitor é desafiado em suas conexões

que transitam do esperado ao inesperado, da fantasia à realidade, do literal ao metafórico

diante de, por exemplo, narrativas paralelas, como no livro Hora de sair da banheira, Shirley!

de John Burningham.

ilustrado: definições, leitores e autores/PUC-RJ; GILI (2014) que estudou em sua dissertação de mestrado os

Livros ilustrados: texto e imagens/UFSC.

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Figura 15: Livro Hora de sair da banheira, Shirley! de John Burningham, 1ª ed., 2011, p. 20-21.

De um lado, na página da esquerda, encontramos a mãe de uma criança77

limpando o chão do banheiro: é a roupa suja, a água espalhada pelo chão, e a mãe limpando,

arrumando, enxugando e dizendo: "Olha só isso está tudo molhado!" (p. 20) (Figura 15).

Todas as páginas da história que envolve as ações da mãe (o adulto) são brancas, e as cores

aparecem apenas no personagem, mas de maneira praticamente neutra. Já a página do lado

direito (Figura 15) destaca o que a criança está imaginando enquanto está dentro de uma

banheira tomando banho (destacamos que esta página não mostra a criança dentro da

banheira, mas o que, de acordo com o enredo da história, ela está imaginando enquanto está

dentro de uma banheira) (p. 21). A cena mostra a criança lutando contra um rei, sentada em

seu patinho de brincar na água da banheira que, em sua imaginação, transforma-se em um

animal grande (o mesmo patinho que está em outras páginas do livro, não apresentadas nesta

pesquisa, o mostra, porém em tamanho maior) capaz de aguentá-la sobre a água. A página

possui cores, movimentos e diferentes ações. Nas ações distintas da criança e da mãe

representadas nas imagens, vemos uma ruptura: real x imaginário; adulto x criança; trabalho x

brincadeira.

O aspecto visual parece ganhar um relevo intencionalmente impactante, enquanto

que a palavra, quando existe, não se constitui apenas como um mero ornamento. Os livros

ilustrados, para nós, diferenciam-se dos livros com ilustrações, pois a tensão entre o texto

imagético e o texto escrito é calculadamente cuidada no polo da produção para produzir

diferentes leituras na recepção da obra. No livro ilustrado, nas palavras de Eva Furnari, o

desenho como linguagem, desde que não seja estereotipado, “[...] tem o incrível potencial de

narrar, exprimir, emocionar e até alterar um estado de espírito” (FURNARI, 2012, p. 49).

77

Essa história possui duas personagens: a mãe e sua filha. Enquanto a mãe reclama das roupas que a filha

deixou no chão do banheiro e do sabonete que ficou na água, Shirley transforma sua banheira num reino

encantado, com príncipes, cavaleiros e castelos.

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Segundo Lago (2012) e Prades (2012), os livros ilustrados ousam e inovam tanto

em relação ao conteúdo quanto aos aspectos que envolvem a materialidade do objeto livro,

que extrapolam a própria ilustração criada por eles, como por exemplo, em Onde vivem os

monstros78

. Nele, a “[...] honestidade estética na frente de qualquer critério domesticador ou

moralista, para tratá-los (os monstros) como gente, e não como ursinhos de pelúcia”

(PRADES, 2012, s/p), constitui esta obra na qual a ilustração se sobressai intensamente em

relação ao texto escrito. Segundo Prades, esse livro é o “clássico dos clássicos”, pois

[...] sintetiza espetacularmente não apenas os “monstros”, como retrata as más-

criações e os dramas próprios a todas as infâncias. Mas não só isso: retrata também o

caminho de volta. Depois de uma viagem pelo inconsciente, Max, um garoto que

cria coragem e vai enfrentar os monstros, volta para casa cheio de saudades e,

certamente, um pouco mais senhor de si. (PRADES, 2012, s/p).

De acordo com Aleixo (2014, p. 89), nesta obra a ilustração traz uma “[...]

sequência que produz um efeito cinematográfico, criando ritmo e harmonia entre os elementos

visuais”.

[...] nessa conversa entre texto e ilustração construiu um poema visual, que ele

enquadrava no gênero dos livros-álbum. Onde vivem os monstros foi publicado em

1963 e as “cabeças pensantes” de pais, professores e bibliotecários norte-americanos

mandaram cartas exigindo a retirada de circulação do livro. Como seria possível que

o mau comportamento de Max com sua mãe pudesse ser premiado com uma viagem

ao mundo dos monstros e que nele o transformassem em rei? (REYES, 2012, s/p)

Para Reyes (2012), a especificidade do livro ilustrado é marcada pela conversa

que o ilustrador intenciona estabelecer entre texto e ilustração, como visto no livro já citado

Onde vivem os monstros, de Maurice Sendak (Figuras 16, 17, 18 e 19), alcançando talvez:

[...] a marca da beleza – ou o nascimento da arte – o que se vislumbra alcançar nos

olhos das crianças, enquanto olham fixamente para os olhos amarelos dos monstros,

para decifrar-se por dentro. Essa experiência poética de descobrir que habitamos

duas margens, e que o lugar conhecido não está tão longe do outro – o imaginário –

como cremos, e que é possível navegar em um barco “onde estão as coisas

selvagens” (título original em inglês), e regressar à casa, no momento exato de

jantar, é o que o transformou em um livro de formação para a psique infantil.

(REYES, 2012, s/p)

78

Considerada inusitada para a época, a temática abordada envolve a malcriação de uma criança com sua mãe.

Como castigo, a mãe impõe ao menino – Max – que fique em seu quarto sem o jantar. O quarto é transformado

em uma floresta a partir da imaginação da criança. O enredo se desenha nesta floresta fictícia.

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Figura 16: Livro Onde vivem os monstros, de Maurice

Sendak, 2ª ed., que mostra o momento em que Max

entra em seu quarto, p. 6.

Figura 17: Livro Onde vivem os monstros, de Maurice

Sendak, 2ª ed., que mostra o início da transformação

do quarto de Max em uma floresta a partir de sua

imaginação, p. 8.

Figura 18: Livro Onde vivem os monstros, de Maurice

Sendak, 2ª ed., que mostra seu quarto quase

transformado em uma floresta a partir de sua

imaginação, p. 10.

Figura 19: Livro Onde vivem os monstros, de Maurice

Sendak, 2ª ed., que mostra a floresta imaginária de

Max, onde o quarto não existe mais, p. 12.

Geralmente, os livros denominados como de literatura infantil, em última

instância, têm ilustrações que acompanham os textos com funções explicativas e/ou de

composição ao texto verbal, explicitando, em outra linguagem, o que ele traz. No entanto, o

que parece que diferencia os livros ilustrados contemporâneos em relação à totalidade dos

livros para crianças são as relações entre texto e imagem criadas pelo ilustrador e autor, com o

mesmo grau de importância para ambas as linguagens e propondo finalidades distintas para

imagem e texto.

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101

Nessa direção, livro ilustrado, livro álbum, livro imagem, entre outros, são

terminologias que vêm sendo pesquisadas e discutidas por muitos estudiosos, com definições

e argumentos aproximando ou distanciando esses conceitos e nomeações. Angela Lago, por

exemplo, afirma: “[...] o livro onde a imagem tem uma função narrativa, ele é um livro de

imagem, independente de ter ou não ter texto e que isso é a visão comum fora do Brasil”

(LAGO, 2012, p. 234). E acrescenta,

Chamam-se picturebooks ou álbuns os livros onde a imagem tem um viés narrativo,

independente de estarem ou não acompanhados de palavras. Houve um mal-

entendido, que acho que foi de um grupo pequeno no Brasil, de nomear como “livro

de imagem” os livros sem texto. (LAGO, 2012, p. 234, grifos dos autores).

Odilon Moraes fortalece o discurso de Lago ao afirmar que:

No Brasil tem um complicador porque nos anos setenta, Juarez Machado fez dois

livros, Domingo de manhã e Mistério da página 19, que foram chamados de livro-

imagem ou livro de imagem, mas que são exclusivamente sem palavras. Isso fez

ficar diferente o recorte no Brasil. Aqui, o picturebook ou livro ilustrado com

palavras é tratado como um livro com ilustrações. A função da imagem no

picturebook é diferente da função da imagem no livro com ilustração. (MORAES,

2014, p. 28)

Nikolajeva e Scott, na tentativa de caracterizar os vários níveis de relação entre

texto e imagem por meio de nomenclaturas constituídas em seu universo de pesquisa, assim

trazem a discussão das definições sobre livro ilustrado:

[...] no Brasil essa nomenclatura ainda é controversa, optou-se pelas seguintes

traduções: picturebook para “livro ilustrado”, illustrated book, picture book e books

with pictures para “livro com ilustração”. Nessas três últimas denominações, a obra

exemplificada não apresenta inter-relação explícita entre palavra e imagem.

(NIKOLAJEVA E SCOTT, 2011, p. 1).

E, ainda, no campo das definições, o livro ilustrado possui uma

Designação pouco conhecida do grande público, não há em muitos países um termo

fixo para definir o livro ilustrado infantil. Conforme o contexto, em francês recebe o

nome de “álbum” ou “livre d’images”, em Portugal “álbum ilustrado”, em espanhol

“álbun” e em língua inglesa “picturebook”, “picture book” e “picture-book”. No

Brasil, “livro ilustrado”, “livro imagem”, “livro infantil contemporâneo” ou mesmo

“picturebook” são utilizados sem muito critério, confundindo-se, de modo geral,

com o “livro com ilustração” ou o “livro para criança”. Obras em que a imagem é

espacialmente preponderante em relação ao texto, que aliás pode estar ausente [é

então chamado, no Brasil, de livro-imagem]. A narrativa se faz de maneira

articulada entre texto e imagens. (LINDEN, 2011, p. 23-24).

No conjunto dessas discussões e nomeações, reafirmamos nosso posicionamento:

a imagem, em um livro de literatura, tem importância tanto quanto o texto, pois ambos narram

e potencializam a leitura, além da produção de sentidos feita pelos leitores.

O livro ilustrado convoca inúmeras relações entre todas as idades, o que contrapõe

a sua identificação no mercado editorial: livros categorizados para anos de escolaridade, para

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idade do leitor etc. Tomemos, como exemplo, o livro Meninos do Mangue de Roger Melo

que, segundo o próprio autor, possui uma desconstrução e parte de um tema frequente do

universo infantil. De acordo com Melo (2012, p. 211), “muita gente nem entende, alguns

adultos falam: ‘Mas esse livro é difícil para criança, tanto na história, quanto na imagem’”, o

que parece não ser verdade, porque este livro tem um resultado muito produtivo com as

crianças.

Com a preocupação de fazer um panorama do livro ilustrado no Brasil, foi

realizada uma exposição em 201179

, destacando a importância deste tipo de livro como uma

das experiências mais inovadoras da literatura infantojuvenil das últimas décadas, ganhando

espaço cada vez maior nas prateleiras das livrarias, entre a crítica especializada de arte e

literatura e entre os leitores, porém não há menção à escola. De acordo com Vilela (2011,

s/p)80

, foi realizada a seleção dos livros mais representativos para compor o espaço da

exposição desde a década de 1970 até o ano de 2011.

Posteriormente a isso, Vilela destaca que,

[...] além de expor as ilustrações originais, dependendo do livro apresentado,

decidimos mostrar elementos da pesquisa ou do processo de criação das ilustrações,

como estudos, esboços, objetos e cadernos de desenho dos artistas no intuito de

enriquecer a compreensão das imagens, dos caminhos escolhidos e do pensamento

do ilustrador. Com a equipe do SESC, concluímos que seria fundamental criar uma

biblioteca com todos os livros representados na mostra, pois no caso do livro

ilustrado, o original de uma ilustração é o livro impresso. (VILELA, 2011, s/p)81

Figura 20: Imagens selecionadas de livros ilustrados para compor a exposição da história: Um

panorama do livro ilustrado no Brasil (2011)

Fonte: exposição Um panorama do livro ilustrado no Brasil (2011).

79

Intitulada Linhas da história – Um panorama do livro ilustrado no Brasil, a exposição contou com Kátia

Canton, Odilon Moraes e Fernando Vilela como curadores e foi promovida pelo Núcleo de Imagens e Palavras

do SESC Belenzinho, São Paulo. 80

Entrevista cedida à exposição Linhas da história – Um panorama do livro ilustrado no Brasil (2011). 81

Entrevista cedida à exposição Linhas da história – Um panorama do livro ilustrado no Brasil (2011).

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103

A exposição apresentou a produção de quarenta artistas82

, cujas obras se

destacaram a partir de temas, linguagens e gêneros, diversidade e criatividade no processo de

criação, como, por exemplo, Flicts, de Ziraldo, Ida e volta, de Juarez Machado, O rei de

quase tudo, de Eliardo França, A bruxinha atrapalhada, de Eva Furnari, O cântico dos

cânticos, de Angela Lago.

Uma exposição que se inscreve na história do livro ilustrado no Brasil, trazendo as

marcas do processo de criação e produção e a busca por mostrar ao leitor, como traz Hunt

(2010, p. 236), que “[...] não há nenhum sentido no qual as imagens possam ‘simplesmente’

ilustrar o que as palavras dizem; elas devem interpretá-las [...]”. Além disso, como traz

Nodelman (1998, p. viii), “[...] os livros ilustrados possuem ritmos singulares, convenções

singulares de forma e estrutura, um corpo singular de técnicas narrativas”, o que talvez tenha

sido objetivo de cada núcleo evidenciar em relação à singularidade das obras expostas.

Os curadores da exposição reforçaram que o livro ilustrado produz uma

bricolagem entre texto, ilustração e suporte, uma bricolagem em que esses três aspectos são

igualmente importantes no momento da produção.

Tal livro, o ilustrado, assim pensado e produzido, busca oferecer uma prática de

leitura diversa daquela que se caracteriza como de livros de literatura infantil com ilustrações,

de formato mais tradicional, lançados no mercado editorial. Uma prática cultural que desafia a

exploração da composição híbrida entre imagem e texto, esparramados pelas páginas do livro,

característica do livro ilustrado. Ainda que consideremos a liberdade sempre irrestrita do

leitor (CERTEAU, 2004), sabemos que os livros ilustrados pressupõem, no polo da produção,

práticas de leitura distintas daquelas previstas para outros textos e livros.

3.2. Livros ilustrados selecionados para a pesquisa: intenções e provocações

Penso que uma parte muito importante da atividade intelectual consiste em lutar pela

boa leitura. [...] O proprietário do livro é aquele que detém e impõe o modo de

apropriação. [...] Desde que o livro é um poder, o poder sobre o livro é

evidentemente um poder. [...] O poder sobre o livro é o poder sobre o poder que

exerce o livro. (BOURDIEU, 2001, p. 242-243).

82

Artistas que participaram: Alcy Linares, Angela Lago, André Neves, Andrés Sandoval , Cárcamo, Ciça

Fitipaldi, Cynthia Cruttenden, Dave Santana e Maurício Paraguassu, Daniel Bueno, Daneil Kondo, Demóstenes

Vargas e Família Dummont, Eliardo França, Elisabeth Teixeira, Eva Furnari, Gilles Eduard ,Graça Lima, Helena

Alexandrino, Ionit Zilbermann, Ivan Zigg, Jean Claude Alphen, Juarez Machado, Laura Teixeira, Luiz Zerbini,

Marcelo Cipis, Marcelo Xavier, Maria Eugênia, Marilda Castanha, Mariana Massarani, Maurício Negro, Nelson

Cruz, Orlando, Pedro Rafael, Renato Moriconi, Ricardo Azevedo, Rosinha Campos, Roger Mello, Rui de

Oliveira, Salmo Dansa e Suppa. Disponível em: <http://marandubinha.com.br/exposicao-linhas-da-historia-um-

panorama-do-livro-ilustrado-no-brasil/>. Acesso em: 03/06/2017.

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104

Nossa preocupação, nesta pesquisa, foi a de selecionar livros ilustrados já

reconhecidos pela crítica literária e comunidade artística nacional e/ou internacional e sobre

os quais foi produzido um debate acadêmico. Também selecionamos obras pouco conhecidas

do público escolar, considerando que a maioria delas não faz parte dos acervos enviados pelo

PNBE. Acreditávamos que poderíamos ampliar o repertório de leitura dos professores,

oferecendo a eles obras contemporâneas, de grande exposição em livrarias e que têm ganhado

o estatuto de qualidade e legitimidade por parte da crítica literária especializada. Interessante

destacar que muitos dos livros selecionados são premiados e reconhecidos pela crítica

literária.

Para tanto, utilizamos como fontes dessa operação de pesquisa artigos publicados

em sites de instituições e periódicos de fomento à pesquisa, à leitura e à literatura infantil;

publicações em anais de congressos sobre a temática; em sites de editoras; em livrarias; em

bancos de dados de dissertações de mestrado e teses de doutorado. Fizemos leitura da

produção acadêmica, selecionando obras, autores, ilustradores e editoras que foram seu objeto

de estudo; de resenhas em textos sobre os livros ou a eles referidos.

Com essa operação, selecionamos e levamos os livros para apresentar às

professoras individualmente, no momento das entrevistas. Chegamos ao espaço da entrevista

segurando uma sacola de pano do 19º COLE (Congresso de Leitura do Brasil), a qual traz

estampada uma imagem produzida por Marina Colasanti. Ela (a sacola), apesar do peso, era

forte o suficiente para abrigar vinte e um livros – grandes ou pequenos; capa simples ou dura;

com poucas ou muitas páginas: uma diversidade! Ao observarem a sacola, imediatamente as

professoras – cada qual em sua entrevista – indagava: “o que é isso?”; “o que tem nessa

sacola?”; “como parece pesada!”. A pesquisadora, com a intenção de criar certo mistério e

curiosidade, enfatizava que, em determinado momento da entrevista, aquela sacola seria

aberta. Isso porque, tomando emprestadas as palavras de Goulemot, “[...] importa-me aqui

menos o discurso crítico sobre as obras do que a prática de uma leitura cultural, lugar de

produção de sentido, de compreensão e de gozo” (2001, p. 107), fabricada num movimento de

pesquisa. Talvez esse tipo de leitura seja distinto quando o professor a faz sozinho, com suas

crianças, com seus pares, com outras finalidades de leitura, outros modos de ler etc.

Ao abrir a sacola, a pesquisadora mostra o que há lá dentro – livros ilustrados. As

professoras, sem exceção, inclinam o corpo para a frente, arregalam os olhos e querem olhar

os livros, que ainda estão encobertos. A pesquisadora apresenta as obras, uma a uma, e nesse

movimento questiona se os livros são conhecidos. Como previsto, todos praticamente eram

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105

desconhecidos pelas professoras, com exceção do livro A casa sonolenta, como se pode ver a

seguir:

Pesquisadora: Você conhece esse daqui? “Uma chapeuzinho vermelho”?

Laura: Não! Conheço “O chapeuzinho vermelho”.

Pesquisadora: “Fico à espera”?

Laura: Não!

Pesquisadora: “Se você quiser ver uma baleia”?

Laura: Não conheço! Nossa! Tô até com a cabeça assim... (risos)

Pesquisadora: “Orie”?

Laura: Não conheço nenhum deles!

Pesquisadora: “Abra este pequeno livro”?

Laura: Não conheço, mas me interessei...

Pesquisadora: Depois eu pego um deles para lermos juntas! “Gorila”?

Laura: (aprecia os livros e há silêncio na sala que é interrompido por um

comentário). É que agora estou prestando mais atenção nas figuras...

Pesquisadora: Olha a sequência, olha a bonequinha... Isso aqui é o zoom que está

dando nele. Então, o ilustrador precisa conhecer até de cinema para pensar as

ilustrações. Você conhece esse aqui: “Vozes no parque”?

Laura: Não!

Pesquisadora: “Hora de sair da banheira, Shirley!”?

Laura: Não conheço nenhum!

Pesquisadora: Não tem problema quanto a isso, certo?

Laura: Quanta coisa estou aprendendo aqui! Nem parece uma entrevista... tinha

medo, né! Mas, está sendo muito bom porque estou vendo coisas que nunca vi, né!

(LAURA, entrevista, 29 set. 2015)

Quatro, das cinco professoras pesquisadas, por trabalharem na mesma escola,

acabaram por levar exemplares para fazer a leitura em sala de aula com as crianças. Dessa

forma, os livros foram emprestados às professoras e passaram a ser parte da rotina de leitura,

de modo que foram lidos mais exemplares, além daqueles cuja leitura foi feita durante as

práticas acompanhadas.

As capas do conjunto de livros apresentados às professoras estão reproduzidas a

seguir:

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106

Figura 21: A árvore generosa, 12ª ed., por Shel

Silverstein (2006).

Figura 22: A árvore vermelha, 1ª ed., por Shaun Tan

(2009).

Figura 23: Abra este pequeno livro, 1ª ed., por Jesse

Klausmeier/Suzy Lee (2013)

Figura 24: A casa sonolenta, 16ª ed., por Audrey

Wood/Don Wood (1999)

Figura 25: A princesinha medrosa, 2ª ed., por Odilon

Moraes (2008)

Figura 26: Este chapéu não é meu, 1ª ed., por Jon

Klassen (2013)

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107

Figura 27: Fico à espera, 1ª ed., por Davide

Cali/Serge Block (2007).

Figura 28: Gorila, 1ª ed., por Anthony Browne (2014).

Figura 29: Hora de sair da banheira, Shirley!, 1ª ed.,

por John Burningham (2011)

Figura 30: O gato, o cachorro, chapeuzinho, os ovos

explosivos, o lobo e o guarda-roupa da vovó, 1ª ed.,

por Diane/Christyan Fox (2014)

Figura 31: Onde vivem os monstros, 2ª ed., por

Maurice Sendak (2014)

Figura 32: Vozes no parque, 1ª ed., por Anthony

Browne (2014)

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108

Figura 33: Orie, 1ª ed., por Lúcia Hiratsuka (2014).

Figura 34: O túnel, 1ª ed., por Anthony Browne

(2014)

Figura 35: Pedro e Lua, 1ª ed., por Odilon Moraes

(2004).

Figura 36: Pequena coisa gigantesca, 1ª ed., por

Beatrice Alemagna (2014).

Figura 37: Quero meu chapéu de volta, 1ª ed., por Jon

Klassen (2011)

Figura 38: Se você quiser ver uma baleia, 1ª ed., por

Julie Fogliano/Erin E. Stead (2013)

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109

Figura 39: Uma chapeuzinho vermelho, 1ª ed., por

Marjolaine Leray (2012).

Figura 40: Um bebê vem aí, 1ª ed., por John

Burrningham/Helen Oxenbury (2011).

Figura 41: Vovô, 1ª ed., por John Burningham (2012).

Essas obras que compõem o corpus de levantamento dos livros ilustrados foram

adquiridas pela pesquisadora. Um esforço de estudo sobre a constituição de um livro como

sendo ilustrado, não apenas considerando o que os referenciais trazem, mas o que a prática de

leitura promove.

Além de apresentar os livros, individualmente, às professoras durante o momento

de cada entrevista, indagamos: o que leva o professor a escolher um livro e não outro? Como

o professor (adulto) se envolve em uma leitura de livros ilustrados de literatura infantil?

Como ocorre essa leitura? O que o professor pensa e verbaliza? Quais são os gestos e

expressões que constituem essa leitura? Como analisa um livro, que pode ser conhecido ou

desconhecido?

Neste momento, vimos que a formação do leitor (professora) não só acontece com

a oferta de livros desconhecidos para o grupo, mas também "ensina", discute e promove

práticas de leitura distintas daquelas já apropriadas pela comunidade leitora. Livros foram

expostos sobre a mesa, à mostra, como em uma vitrine. As professoras apreciavam,

primeiramente, de uma forma geral. Apontavam os livros cujos títulos consideravam

intrigantes, pegavam, folheavam, abriam, pulavam páginas, voltavam às páginas, viam a

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110

quarta-capa, fechavam o livro, abriam novamente, teciam comentários, faziam perguntas,

falavam com elas mesmas e na relação com as ilustrações, pareciam se constituir como um

mistério ou produzir certa curiosidade: “que túnel é esse?”; “o gorila é amigo da menina?”;

“quem é Pedro e Lua?”; “o chapéu não é desse peixe?” - entre outras questões.

No movimento de nossos diálogos formativos sobre o livro ilustrado e o ato de lê-

lo, alguns aspectos que tangenciam sua leitura tornaram-se evidentes. Não tínhamos

explicitamente como intenção ler um livro ilustrado a partir de conhecimentos construídos

sobre este objeto livro em pesquisas bibliográficas, mas propiciar práticas de leitura. A ideia

era promover a oportunidade para que o grupo estabelecesse conexões sobre o que pode ser a

leitura desse livro, a exigência desse objeto e as operações de leitura possíveis de serem

acionadas e compartilhadas.

A ideia foi discutir a prática de leitura do livro ilustrado por um conjunto de

leitores – no caso as professoras pesquisadas – que, em seguida, os leriam para as crianças.

Sendo assim, como seriam essas leituras? O que descobriríamos a partir dela, de modo que

contribuísse para a prática em sala de aula? Como as leituras aconteceriam sem que as

professoras tivessem o “conhecimento técnico” sobre o livro?

Nessa operação de pesquisa, estávamos orientadas pela ideia de que a leitura é

uma prática cultural, que movimenta gestos, valores, sentimentos, conteúdos, habilidades,

entre outros, em determinada comunidade de leitores.

Também estávamos apoiadas na ideia de que ler o livro ilustrado não se resume a

ler texto e imagem. Tal livro exige uma prática de leitura favorecida pela apreciação de um

formato, de enquadramentos, da relação entre capa, guardas, miolo do livro e do seu conteúdo

(LINDEN, 2011, pp. 8-9), uma ordem de leitura no espaço da página, uma apreciação dos

silêncios existentes.

As leituras realizadas junto às professoras, no momento das entrevistas, nos

permitiram conhecer o modo como elas lidavam com esse tipo de livro, em suas práticas

singulares e, ao mesmo tempo, compartilhadas por essa comunidade de leitores.

3.3. A leitura do livro ilustrado: algumas aprendizagens Se o adulto impõe à criança o comportamento que ela deve ter, o bom jeito de ler, se

ela se submete passivamente à autoridade de um texto, encarando-o como algo que

lhe é imposto e sobre o que ela deve prestar contas, são poucas as chances de o livro

entrar na experiência dela, na sua voz, no seu pensamento. Apropriar-se

efetivamente de um texto pressupõe que a pessoa tenha tido contato com alguém –

uma pessoa próxima para quem os livros são familiares, ou um professor, um

bibliotecário, um fomentador de leitura, um amigo – que já fez com que contos,

romances, ensaios, poemas, palavras agrupadas de maneira estética, inabitual,

entrassem na sua própria experiência [...]. (PETIT, 2009, pp. 47-48)

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111

Apesar da composição esteticamente trabalhada entre texto, imagem e o projeto

gráfico, o livro ilustrado nem sempre é acompanhado de uma prática de leitura que explore tal

composição. Indicado para o público infantil, o livro ilustrado - se lido na dimensão em que

ele é constituído, pode apresentar certa dificuldade para os pequenos leitores e até mesmo

para o adulto. Isso porque o livro ilustrado não oferece leituras simplificadas, menos

exigentes, ainda que as consideradas mais simples e mais redutivas, que não alcançam ou não

exploram os aspectos constitutivos do livro ilustrado, sempre possam ocorrer.

Na leitura realizada com a professora Flávia, utilizamos o livro Uma chapeuzinho

vermelho, de Marjolaine Leray (Figura 42), e no desenrolar da trama, a professora realizou

comentários que promoveram indagações, observações e hipóteses. A proposta não era a

leitura desse livro para ser conhecido antes de uma aula, mas para compartilhar essa prática

com uma leitora interessada, curiosa e ávida por sua história. Os trechos abaixo evidenciam

tal situação:

Figura 42: Livro Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray, p. 10-11.

Flávia: Nossa! Mas, que dente é esse, gente?

Pesquisadora: E a chapeuzinho, como que ela está mesmo com o lobo?

Flávia: Ela tá ali... não tá recuando... parece que se precisar ela ataca também. Ai,

ai, ai, ai, ai...

Pesquisadora: (continua a leitura) “Tenho uma bala!” “Ahn... obrigado”.

Flávia: Ainda vão virar amigos, se bobear! E ele aceita.

Pesquisadora: (continua a leitura) “Engole.”.

Figura 43: Cena do lobo colocando a bala na boca, p. 31.

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Flávia: Gente! Ela até sentou! Ai, será? Ah! Não! Será que o lobo vai morrer

engasgado? E ela tá ali, só no camarote!

Pesquisadora: (continua e leitura) “Arrrgh”.

Figura 44: Imagens do lobo após ter engolido a bala, p. 32, 33 e 34.

Pesquisadora: (após as cenas acima, há uma página em branco no livro que parece

indicar um tempo de silêncio que se rompe com Chapeuzinho Vermelho)

“Tolinho!”.

Figura 45: História Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray, p. 35-36.

Flávia: Poderia dizer que não é uma coisa de terror, mas uma coisa meio sinistra,

né? Menina... Menina! Ela já estava com essa bala para o lobo há muito tempo!

Pesquisadora: Agora... olha isso aqui! Que imagem é essa? De quem é essa visão?

Que formato que é esse aqui?

Figura 46: Quarta-capa do livro Uma chapeuzinho vermelho, de Marjolaine Leray.

Flávia: Parece um olho.

Pesquisadora: Olha bem! O que está acontecendo com o lobo?

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113

Flávia: É o olho dele. Ele tá morrendo... e a última imagem dele é a da chapeuzinho

(silêncio). Gente! (pega o livro e aprecia).

(FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

Durante a leitura do livro, Flávia cotejou, comparou, investigou semelhanças e

diferenças, espantou-se. Entreteu-se com a história mediada entre leitores. Em outro exemplo:

Neusa: Ah! Esse aqui as crianças iriam reconhecer (se referindo ao livro “A casa

sonolenta”). Eu gosto muito desse livro por causa das cores que mudam, do

desenho dos personagens com roupas de outra época. Lembra aquele livro do “Rei

bigodeira e sua banheira”. Agora, eu não tinha percebido todo esse movimento de

câmera, a pulga que está acordada desde o início da história, o tempo que vai

passando. É muita coisa que eu não via porque ficava mais no texto escrito. Por

causa disso, hoje a história tem outro sentido para mim.

Em outro trecho:

Neusa: Nossa! Olha o tamanho desse! É enorme! (se referindo ao livro “Pequena

coisa gigantesca”).

(NEUSA, entrevista, 29 set. 2015)

São descobertas, indagações, surpresas, idas e voltas no texto, quanto à maneira

de ler que parece ocorrer diante da conexão que se estabelece junto aos detalhes do livro,

inscritos em seu projeto gráfico, que envolve a materialidade e o cuidado dispensado ao

conjunto de seus componentes, inclusive a tipografia. São protocolos textuais e tipográficos83

que, juntos, anunciam a importância do aspecto visual nos livros ilustrados contemporâneos,

promovendo uma prática de leitura que privilegia a relação íntima entre texto e imagem.

Laura: Esse aqui também parece legal: “Um bebê vem aí”. Ai que bonitinho! (ficou

apreciando o livro). Nossa! A mãe fala uma coisa e ele pensa e imagina o que a mãe

fala de forma diferente...

83

Segundo Ferreira (2012), protocolos textuais e tipográficos são conjuntos de dispositivos acionados e incluídos

pelo editor, autor, ilustrador, visando o controle da leitura, propondo e orientando significado aos leitores.

Apoiada em Chartier (1990), esses dispositivos são, para Ferreira, de natureza "textuais" quando decorrem das

estratégias próprias do campo da escrita (pelo autor), e da imagem (pelo ilustrador), e de natureza "editoriais" ou

tipográficas quando decorrem da passagem do texto ao impresso (p. 145).

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Figura 47: Livro Um bebê vem aí, de John Brurningham/Helen Oxenbury, p. 9, 10, 11 e 12.

Laura: Ai... vou ficar com esse aqui! (risos)

Pesquisadora: Tem esse que se chama “A árvore generosa”.

Laura: Não conheço! (folheou o livro). Ai que lindo!

Pesquisadora: Então, às vezes, a potência da história está no traçado de uma

ilustração que pode ser simples, mas carregada de intenções e sentidos a depender do

leitor.

Figura 48: Livro A árvore generosa, de Shel Silverstein, p. 19-20.

(LAURA, entrevista, 29 set. 2015)

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As práticas de leitura do livro ilustrado feitas por Neusa e Laura, evidenciam a

importância de um olhar diferente, que envolve a potência que se encontra na ilustração, lida,

apreciada e questionada no conjunto com outros dispositivos, como a tipografia das letras, a

disposição do texto na página, o jogo de cores, a materialidade do livro. Vejamos:

Neusa: Esse livro ilustrado não conhecia, tanto que até essa questão do acervo...

Mas, tem essa questão do olhar diferente. (Entrevista, 19 set. 2015)

Laura: É um olhar diferente. Em tanto tempo de magistério, ninguém fez isso

comigo! (Entrevista, 19 set. 2015)

Flávia: Cada livro que tá aqui ou outro livro exige um movimento de mostrar isso.

Então, ele provoca, como você trouxe aqui... eu me coloquei na condição de estar

apreciando. Fiquei pensando agora como seria isso com as crianças, porque aí é um

outro desenvolvimento e que eu nesse momento não tenho ideia de como seria. Não

tenho ideia como eu faria isso. Porque na verdade tem uma certa elaboração, não é

um espontaneísmo, até porque é um movimento novo. Você pega o livro de outra

forma... é uma questão de olhar. Você começa a compreender a linguagem do livro

que até então é diferente da linguagem do livro que eu li que, até então, a imagem

apoia, se não tem imagem também tudo bem. (Entrevista, 22 out. 2015)

Carina: Nossa! É uma leitura do olhar! (Entrevista, 23 out. 2015)

A leitura produzida pelas professoras é mediada por questões colocadas por elas,

ao longo de sua formação como professora leitora da produção infantil, como em Goulemot

(2001, p. 107), a questão de que “ler é constituir e não reconstituir um sentido”, que se faz,

neste caso, na comparação com tudo já lido e na "conversa" com a pesquisadora. Uma

tentativa de acerto de uma compreensão, uma produção de sentidos no espaço entre texto e

imagem.

Na interação com o outro, a leitura se multiplica e outras possibilidades passam a

ser consideradas:

Figura 49: Páginas do livro A casa sonolenta que antecedem o início da história.

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116

Laura: Até tem uma questão como, por exemplo, se tivesse a gente caminhando

para entrar na casa [...] coisa que a gente passaria as páginas e já ia direto no texto.

Pesquisadora: No livro ilustrado a história começa na capa pela organização do

título, pela disposição dos personagens. Há indícios da história na quarta-capa, nas

guardas... Nesse aqui, parece que tem uma pessoa caminhando, indo em direção à

casa, por causa do portão aberto e, depois, a casa já é apresentada. Porta

entreaberta, a chuva [...] o texto escrito fala que tempo é esse, que época é essa, que

período é esse?

Laura: Não!

Pesquisadora: Onde é que vai mostrar o período, a época, o tempo? Quem vai dar

elementos para tentarmos inferir o tempo em que acontece essa história, se o texto

escrito não traz essa informação?

Laura: São as figuras!

Pesquisadora: O tipo de cama...

Laura: Nossa! É mesmo!

Pesquisadora: Olha a roupa, a touca...

Figura 50: Livro A casa sonolenta, p. 5-6.

Laura: É mesmo...

Pesquisadora: Aquelas touquinhas, o tipo de espelho, de móvel... Aí... uma outra

coisa: o texto escrito diz se a história está passando de dia, se está passando de

noite, se está passando de madrugada?

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117

Laura: O texto não, mas a figura sim!

Pesquisadora: Então, olha o que vai acontecendo na ilustração. Olha só, está de

noite e está chovendo!

Laura: São questões que a gente não presta atenção... é que não olha para isso! Não

tem esse detalhamento. Esse livro é tão antigo que nem tem desculpa de não

conhecer ele. Quantos alunos passaram pelas minhas mãos e eu li esse livro e não

falei sobre nada disso. Nossa! A leitura é outra juntando tudo isso que aparece.

Pesquisadora: Olha só a luz da lua no rosto do menino... aliás, sobre a cama da

vovó!

Figura 51: Livro A casa sonolenta, p. 7-8.

Laura: É verdade! Se fosse ler, eu ia ler só o texto e não ia mostrar as figuras. Não

ia fazer questionamentos do desenho, não ia ter todas essas relações porque eu

nunca fiz isso.

Pesquisadora: E olha o que está escrito: “Em cima dessa avó tinha um menino, um

menino sonhando, em cima de uma avó roncando, numa cama aconchegante, numa

casa sonolenta, onde todos viviam dormindo”. Em nenhum momento fala...

Laura: Que horário que eles estão dormindo... como é essa casa...

Pesquisadora: Isso mesmo! O horário, que lugar é esse, que luz é essa. Enquanto

isso, lá do outro lado, a pulga está caminhando.

Laura: Nossa! É mesmo! Agora o que é legal que eu também não tinha visto é que

o personagem que vai subir na cama já aparece levantando de onde está dormindo

na página anterior. Dá para antecipar quem vai ser e eu fazia meus alunos

memorizarem a ordem deles e não ler. Meu Deus!

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Pesquisadora: E vira a página de novo: a pulga desceu mais um pouquinho e olha o

que está acontecendo com a luz que entra no quarto: começa a clarear, está vendo?

A pulga já desceu mais um pouquinho e olha só como é que está ficando claro e

todo mundo dormindo. Na outra página: cadê a pulga? Já está aqui no jarro! E o

tempo está passando, você percebe que a imagem vai mostrando que o tempo está

passando na história. A pulga está andando enquanto todos estão dormindo. Só que

quando trabalhamos com esse livro ficamos preocupados apenas com a

acumulação. Então, é o gato, depois o rato, depois o cachorro, depois o menino...

Figura 52: Páginas do livro que mostram o movimento da pulga (do alto do encosto da cadeira até a jarra

d’água) ao longo da história enquanto todos dormiam, p. 5, 7, 9, 11 e 13.

Laura: Nossa! Nunca fiz toda essa relação! Estou vendo essa história de outra

forma. Todo professor precisa saber disso porque as aprendizagens das crianças vai

ter outra qualidade.

(LAURA, entrevista, 29 set. 2015)

A pesquisadora – que é também a mediadora na leitura – oferece determinada

informação antes e durante a leitura e questiona, faz pausas para ouvir, acrescenta e incorpora

a fala do outro. A professora se espanta com um olhar (da pesquisadora) que orienta o texto, a

compreensão. A professora mostra-se acostumada com a leitura do conteúdo, do enredo das

histórias, mas parece pouco familiarizada com uma prática de leitura voltada para a ilustração,

uma leitura que detalha, busca indícios na imagem para produção de outros sentidos não

aqueles dados apenas pelo texto verbal. Sendo um livro que há tempos faz parte do acervo, a

prática de leitura seria aquela confirmada pela compreensão do enredo. As professoras

apontam para uma prática de leitura que escolariza e leva à memorização de aspectos do

enredo, prática esta que as crianças devolvem à professora. Até então, a professora Laura

afirma: "Eu sempre li o texto escrito para meus alunos e se fosse ler de novo faria do mesmo

jeito. Depois de hoje a leitura é outra. Eu nunca havia percebido essas coisas".

Na prática de leitura do livro ilustrado, uma nova dimensão se impõe: explorar as

ilustrações e os textos, na tentativa de romper com a leitura tradicionalmente presente na

cultura escolar. Uma cultura em que a maioria dos professores lê com as crianças sentadas em

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fileiras, em voz alta, dando pouca visibilidade às ilustrações, respondendo ao conteúdo

curricular, formulando questões como, por exemplo: do que será que essa história vai falar?

Ou então, uma leitura marcada inicialmente para apresentação do título do livro, nomes de

autor e ilustrador, editora, exploração da ilustração na capa, estratégias que, segundo a escola,

ajudam a antecipar o enredo e envolver o leitor na história.

Distante das leituras já padronizadas e bastante usuais na escola, o ler o livro

ilustrado indica que o movimento parece ser outro:

É uma criação, porque quando você estuda o livro, você pode começar a leitura de

várias formas, porque aí é a questão de quem tá lendo entender o livro. E aí também

tem várias compreensões. Então, é esse estudo que preciso fazer com o livro para as

próximas aulas, porque é uma linguagem nova. Não é só mostrar a capa, ler as

informações, começar a leitura, fazer perguntas... Por isso que eu preciso estudar o

livro que vou escolher. É o que eu falei da sintonia... Agora eu vejo que pra ter essa

sintonia é preciso estar preparado para a leitura fluir e não ficar meio robótica. E,

para isso, é preciso ter o conhecimento do livro, da história, que caminho eu vou... E

esse livro tem essa exigência, esse perfil de leitura. Até as crianças vão ter um jeito

de receber esse livro... Vai ser até uma pesquisa minha investigar isso! (FLÁVIA,

entrevista, 22 out. 2015)

Se o livro é novo para o professor, o modo de lê-lo também o é, como bem sabia

Flávia que se dispõe a estudar, pesquisar e se envolver com ele. A leitura de um tipo de livro

novo desafia o papel de professora, sua responsabilidade na construção de um conhecimento

também para a criança: ler previamente a obra, explorar a imagem, elaborar várias formas de

ler. Nesse desafio, a professora adere completamente à proposta da pesquisa: ser leitora de

livros ilustrados, em um movimento formativo para se tornar a professora leitora em sua sala

de aula. Vejamos outra prática de leitura do livro ilustrado com a professora Neusa:

Figura 53: Página dupla do livro Este chapéu não é meu, com cenas que mostram a passagem do tempo da

narrativa e o chapéu de volta a seu dono, p. 31-32.

Neusa: Gente! Ele comeu o peixe? Ele conseguiu o chapéu de volta! Olha o

tamanho do chapéu na cabeça dele!

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Pesquisadora: E o que aconteceu com o peixe? (risos)

Neusa: (risos) Olha! Tô parecendo meus alunos! São várias hipóteses, né?

Pesquisadora: Esse é outro ponto da literatura, que não traz uma resposta fechada,

dá margens para várias possibilidades. Ele comeu o peixe? Ele pegou o chapéu e

largou o peixe lá? O peixe se perdeu no meio daquela mata toda?

Neusa: Nem no escrito e nem na imagem. Tá tudo no ar!

Pesquisadora: Agora, não vai aguçando essa curiosidade?

Neusa: Vai! Cada livro tem uma beleza...

(NEUSA, entrevista, 29 set. 2015)

A professora "reproduz" em sua experiência a prática de leitura, tantas vezes

encenada na sala de aula e incentivada nos cursos de formação, que é levantar e explicitar

oralmente as hipóteses sobre a continuidade do enredo. E a pergunta realizada pela

pesquisadora também "reproduz" uma prática de leitura, que é a de colocar questões para

conduzir o olhar da professora para a imagem, para o texto, para a incompletude de dizer pelo

narrador (autor e ilustrador).

O caminhar deu-se numa linha tênue entre ler, trazer pontos de observação sobre o

livro (formas de marcação de diálogos, ilustrações na página dupla, relação entre texto e

ilustração, leitura de guardas e quarta-capa, entre outros) e compartilhar suas características, a

construção de enredo, um modo diferente de ler. Construção de sentidos, novos olhares,

aprendizagens, busca de pistas na história para descobrir algo, uma prática de leitura

compartilhada, vivenciada, oralizada na companhia do outro:

Fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que se

apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em “fazer”

significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à

medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência que dizer, portanto,

deixar-nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-

nos a isso. Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o

outro ou no transcurso do tempo. (HEIDEGGER, M., 1987, apud LARROSSA,

2004, p. 162)

A prática de leitura do livro ilustrado, neste momento, não foi puro deleite, nem

apenas uma leitura compartilhada, ou ainda uma leitura em voz alta ou uma silenciosa. Esta

prática foi configurada no espaço entre as experiências de leitores distintos, no estudo de um

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tipo de livro, uma prática de leitura cuja finalidade, em uma entrevista de formação com

professoras, traz "conversa", "diálogo", direcionamentos, surpresas, conhecimentos: é possível

ter diferentes maneiras de iniciar uma leitura, há várias compreensões sobre o mesmo livro

que, muitas vezes, pode não ser a desejada pelo professor; estudar o livro e conhecê-lo

transforma o movimento de leitura e o envolvimento do leitor.

Até porque também tem uma coisa que também foi se evoluindo. A escrita da

literatura infantil... E hoje tem essa abordagem essa outra maneira da gente ler. Não

que não existia, podia até existir, mas a exigência, trazendo outra forma de se fazer

leitura. [...] É... a história começa na própria capa e no outro livro não. Nossa! Exige

uma outra visão, outro olhar, outro nível! (FLÁVIA, 22 out. 2015)

Um conhecimento que pode ser novo porque os tempos mudaram, os livros são

outros, o mercado editorial dispõe de recursos tecnológicos etc. Uma surpresa ou curiosidade

que a conexão entre texto e imagem convoca, aspecto que, de acordo com as professoras, não

foram vividos em formações junto a outros livros. Nessa direção,

Os leitores entretidos em uma página por um detalhe específico, atentos aos efeitos

da diagramação, surpresos pela ousadia de uma representação ou encantados por

uma inesperada relação texto/imagem descobrem nesses momentos uma dimensão

suplementar à história. Ao passo que outros há muito tempo já consideram o livro

ilustrado um tipo de obra cujas amplitude de criação e habilidade dos autores e

ilustradores apelam para ferramentas que permitem apreciar ao máximo o seu

funcionamento. (LINDEN, 2011, p. 7)

Na prática de leitura de Flávia sobressaem as operações, os gestos, os risos, as

pausas, os comentários, as dúvidas suscitadas na continuidade da leitura, na aproximação

espacial da professora em direção ao livro, no deslizar do olhar sobre as páginas na busca de

compreensão:

Flávia: É, mas esse lobo aqui tá com cara meio sinistra no sentido de que tô

querendo alguma coisa além do que eu tô querendo falar.

Flávia: Quer dizer... não conheço porque esse rabiscado aqui eu não vi (se referindo

à guarda do livro)! Nossa! “Uma chapeuzinho como você nunca viu...” (se referindo

à quarta-capa do livro). Eu tô achando que essa é bem da nossa realidade... (risos)

Flávia: Nossa! Eu tô achando que esse urso tem problema na vista... faz de conta que

enxerga, né!

À medida que determinada capa do livro, página dupla ou a sucessão de várias

páginas evocam muitas informações ou vários detalhes ao mesmo tempo, as professoras

fazem uso da descrição, parecendo sentir uma necessidade de organizar a quantidade de

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informações a que têm acesso e de compartilhar isso com o outro. Livros são segurados em

suas mãos. Gestos apontam cada detalhe que pode ser importante na continuidade da leitura:

Flávia: Nossa! É muita informação... olha a cor da capa... olha as letras (a professora

folheia e lê o livro com risos). Olha o cachorrinho, que danado... Meu Deus!!! Olha

a personagem o que faz!!! Que é isso? Eu nunca vou esquecer... Olha isso... Jesus!!!

Flávia: Vermelho, triangular... quanto ao urso, até eu achei que fosse um castor pelo

desenho... (risos)

Rosana: A chuva tá bem gostosa, tá aquela chuva tranquila, mas tá bem fortinha, não

tá aquela garoinha fina... olha quanta água já juntou aqui!

As professoras demonstravam um "olhar construído" para descrever, identificar,

observar até as cores e a tipografia, até então não percebidas, comentar detalhes de ilustração

e (re)compor à narrativa da ilustração, como também do texto verbal. Uma composição de

sentidos, compartilhada:

Flávia: Nossa! Não tenho ideia! Bom, ele tá louco para comer a Chapeuzinho

Vermelho e ela tá ali! Vamos ver o que acontece!

Flávia: Gente! Ele comeu o peixe? Ele conseguiu o chapéu de volta! Olha o tamanho

do chapéu na cabeça dele!

Pesquisadora: E o que aconteceu com o peixe? (risos)

Flávia: (risos) Olha! Tô parecendo meus alunos! São várias hipóteses, né?

Carina: Ai! Alguma coisa deve ter! Voltando... ué, não achou? (risos). Olha a cara

do siri... Ou ele conseguiu achar o peixinho e foi embora ou ele não conseguiu

encontrar e voltou. Ele conseguiu achar o chapeuzinho dele no meio do caminho

(risos). Ah! Tá vendo! Conseguiu achar o chapeuzinho dele! Mas, é muito legal!

Muito legal!

Carina: Foi criado por alguém, porque olha lá, foi uma criança que desenhou. O giz

de cera pintado... eu acho que ela pintou uma chapeuzinho vermelho. Será?

Nesse jogo que se estabelece na relação entre texto, imagem e projeto gráfico,

“[...] por meio de recursos em geral inesperados, a leitura põe, dessa forma, o pensamento em

movimento, retoma uma atividade de simbolização, de construção de sentido, de narração”

(PETIT, 2009, p. 104). A prática de leitura pressupõe as habilidades cognitivas (levantar

hipóteses, inferir, comparar etc.), mas também uma posição do corpo – sentado, ora com as

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pernas cruzadas, ora com o queixo sobre as mãos, ora com o corpo inclinado – configurando-

se como “um corpo leitor” (GOULEMOT, 2001, p. 109). São gestos de indicar o que está

lendo com o dedo, com a fala (“Olha! Tá vendo?”), gestos de ida e volta no olhar das páginas;

na ida e volta da leitura.

Neusa: Mas, não parece urso, né! (risos). Parece mais uma toupeira... sei lá! (risos).

As crianças podem falar que não parece que é um urso! [...] Vendo melhor é um

urso mesmo e parece bem tranquilo!

Flávia: Nossa! Não tenho ideia! Bom, ele tá louco pra comer e ela tá ali! Vamos ver

o que acontece!

Carina: Não! Olha a chapeuzinho sentada na beiradinha da mesa! Engasgou? Gente!

O que ela deu pro coitado do lobo? Foi uma bala de veneno? Ela matou o lobo? Está

na barriga dele... olha lá... olha lá! Olha a cara dela na mesa.

Interessante notar que tais operações envolveram a leitura da ilustração, dos

movimentos dos personagens, da comparação com outros conhecimentos construídos e com a

curiosidade na sequência da leitura, no uso das cores, nas diferentes tipografias textuais e sua

intencionalidade. Uma prática de leitura que o leitor aprecia e que o surpreende, mas que ele

também analisa, como Flávia: “Ela não tá encolhendo... ela mostra segurança e, ao mesmo

tempo, ingenuidade”. Uma leitura que analisa a postura da personagem diante do texto

escrito, pois mesmo na situação iminente de perigo, a Chapeuzinho não demonstra medo, pelo

contrário. Na conexão entre ilustração e texto verbal, esse tipo de análise torna-se frequente,

pois

[...] é na interação de palavras e imagens que novas e fascinantes soluções podem ser

encontradas. Da mesma forma, enquanto as palavras podem apenas descrever

dimensões espaciais, as imagens podem explorar e jogar com elas de maneiras

ilimitadas. (NIKOLAJEVA e SCOTT, 2011, p. 45)

A professora Flávia acrescenta:

Parece que a imagem ela fica pau a pau com a escrita e em determinados livros a

imagem fica em segundo plano, em segundo lugar. Não que não seja importante,

mas ela fica ali, se valoriza o que é lido e ela só dá um toque. Até porque aqui ela

chama, você tá lendo, mas você também quer olhar... fica muito evidente, fica num

jogo de empate, vamos dizer assim. (Entrevista, 22 out. 2015)

Ao compartilhar, oralmente, o que veem e pensam, as relações produzidas entre

texto e imagem, as professoras dão visibilidade aos seus modos de observar detalhes, fazer

comparações, apreciar. Conforme Carina: “E aí pode ser um peixinho escondidinho [...]. É,

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mas ele está de olhinho aberto… até então, estava de olhinho fechado... (risos)”. Ao explicitar

verbalmente como leem e produzem sentidos, as professoras vão revelando detalhes (cor,

tonalidade, aspectos físicos dos personagens ou do cenário etc.), chamando atenção do outro

para um olhar compartilhado:

Flávia: Essa daqui... e olha o jeito dela ainda com a mão! Olha o nariz empinado!

Olha o olho dele? Gente!

Carina: Olha o rastro!

Carina: Até a Tarsila está de gorila… olha como é a visão da criança de seu quarto!

Tudo na casa dela era de gorila... o quadro...

Flávia: É... a história começa na própria capa e no outro livro não. Nossa! Exige

uma outra visão.

Carina: (a professora aprecia o livro) Um chapéu de aniversário! Ai que legal...

aparece um monte de animais e ele procurando onde é que pode estar esse chapéu

(se referindo às guardas iniciais do livro).

Neusa: É porque a cor já começa atribuir sentido porque até então era tudo de uma

cor só.

Laura: E olha da tonalidade da folha quando ele lembra que viu o chapéu.

A disponibilidade das professoras diante do conhecimento novo sobre o livro de

leitura; a generosidade dessas leitoras para compartilhar sentidos entre elas e com a

pesquisadora; o olhar de quem aprende e de quem aponta/indica/descreve/interroga são

recorrentemente marcados por expressões de alegria, surpresa, contentamento (Que legal!

Olhe! Jesus! Nossa!). Uma prática de leitura com livro ilustrado que não é só conhecimento

cognitivo do livro, mas na qual ele é "abraçado" por sentimentos e valores que qualificam esta

leitura.

Entremeado a idas e vindas nas páginas do livro, o aproximar e o distanciar dos

olhos, as passadas de mão sobre as páginas, os olhares direcionados para detalhes, os dedos

sobre os cabelos, enfim, “as relações com o livro, isto é, a possibilidade de constituir sentido,

se dão por meio dessas atitudes de leitor” (GOULEMOT, p. 109). Parece-nos que este

conjunto de dispositivos se conectava a todo o momento nas maneiras de ler e em um “[...]

processo interminável de invenção de livros [...]” (PETIT, 2009, p. 112), uma construção do

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valor da leitura de livros ilustrados. Um valor que foi atribuído também pela pesquisadora,

que escolheu esse tipo de livro e de leitura para a pesquisa formativa.

As professoras operaram, durante a leitura, com um movimento pouco linear e

sequencial da história indicado pelo passar das páginas. As falas delas, no entanto, indicaram

uma produção de sentido que se fazia entre o meio do livro e o seu início ou fim, e vice-versa.

Diferentemente de uma leitura que se fez no acompanhamento linear do enredo, as ações da

professora incluíam um ir e vir do passar das páginas, um manuseio do livro como objeto.

Carina: Nossa! Lá no começo da história esse foi o lugar onde ele viu a mulher

amada pela primeira vez. Agora, depois de todo esse tempo, ele voltou e ela não

está lá.

Figura 54: Página dupla do livro Fico à espera, p. 9-10 e p. 41-42.

A última fala da professora Carina diz respeito à obra Fico à espera (Figura 54),

que nos ajuda a exemplificar esse movimento de sucessão e retorno a fim de comparar as

cenas, observar a passagem do tempo no que diz respeito, neste caso, ao desenrolar da vida.

Outra operação de leitura sugere a criação de pontes e preenchimento de vazios em situações

que não estão dadas só no texto, como podemos ver nos diálogos abaixo sobre as leituras

Uma Chapeuzinho Vermelho, Este chapéu não é meu e Gorila, mas que se constroem a partir

dos sentidos atribuídos por cada leitor às imagens:

Flávia: Menina! Ela já estava com essa bala para o lobo há muito tempo!

Flávia: É o olho dele. Ele tá morrendo... e a última imagem dele é a da Chapeuzinho

(silêncio). Gente! (pega o livro e aprecia).

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Neusa: Nem no escrito e nem na imagem. Tá tudo no ar!

Carina: A questão é quem é o gorila? O que ele representa... porque tudo é de

gorila... o quadro, o super-herói... será que é gorila mesmo ou ela enxerga só gorila.

Um modo de ler compartilhado, naquele momento, nesta comunidade de leitoras

professoras. Um modo de ler em que dialogamos sobre os livros, orientamos e construímos

sentidos nesse objeto, em seus protocolos de leitura e em sua maneira de ler. As práticas de

leitura realizadas pelas professoras, fora de suas salas de aulas e sem a finalidade explícita de

se preparar para as crianças, mostraram-se produtoras na diversidade de operações e na

construção de sentidos; mostraram-se compartilhadas nas falas, nos gestos, nos sentimentos e

valores expressos entre essas professoras; mostraram-se cruzadas e imbricadas de

conhecimento já dominados por elas em outras práticas e conhecimentos novos disparados

pelo desafio de ler o livro ilustrado; mostraram-se ainda singulares porque a cada leitura, de

cada professora com um determinado livro, outras indagações, surpresas e exigências foram

decisivas na construção dos sentidos por essas leitoras.

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CAPÍTULO 4

AS PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO EM SALA DE AULA

Fonte: Fotos tiradas pela pesquisadora nas aulas realizadas com os livros: Fico à espera e Este

chapéu não é meu com alunos do 5º ano.

Em primeiro lugar, se é verdade que existe uma ordem espacial que organiza um

conjunto de possibilidades [...] e proibições (por exemplo, por um muro que impede

prosseguir), o caminhante atualiza algumas delas. Deste modo, ele tanto as faz ser

como aparecer. Mas também as desloca e inventa outras, pois as idas e vindas, as

variações ou as improvisações da caminhada privilegiam, mudam ou deixam de lado

elementos espaciais. (CERTEAU, 2007, pp. 177-178)

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4.1. Maneiras de olhar os modos de fazer

Toda ordem ou disciplina de pesquisa pode ser gerida, considerando tanto as

inúmeras possibilidades e invenções que um fazer oferece quanto as restrições, entendidas

aqui como possíveis barreiras que surgem durante o processo de pesquisa. Nos capítulos

anteriores, tivemos a oportunidade de citar alguns desafios que convocam o par

“possibilidades e proibições”, ao situarmos nossas operações de pesquisa no conjunto de cada

assunto abordado, ao invés de optarmos por um capítulo metodológico. Nosso fazer foi se

constituindo ao longo do percurso, a cada momento e a cada intenção de pesquisa, compondo

uma conexão com nossas descobertas. Sendo assim, como poderíamos separar as operações

de pesquisa em um capítulo metodológico e as descobertas realizadas ou novas indagações

feitas em outro?

Neste capítulo, trazemos outro foco principal do nosso trabalho, que são as

práticas de leitura do livro ilustrado realizadas pelas professoras, em sala de aula. Para tal,

entrelaçamos as ações observadas e discutidas, em diálogo. Nessa direção, nos ocupamos em

conhecer as práticas de leitura dos livros ilustrados, só que agora a partir das maneiras de

fazer de cada professora, consideradas aqui como “manobras” do tipo tático quando colocadas

diante do sistema que detém o poder, as quais constituem a arte de dar golpes, revelando as

astúcias dos “caçadores” que as empregam. Os golpes subvertem a ordem imposta, sendo, nas

palavras de Certeau (2007, p. 47), “[...] vitórias do ‘fraco’ sobre o mais ‘forte’ (os poderosos,

a doença, a violência das coisas ou de uma ordem etc.), [...]”. Ressaltamos que as maneiras de

fazer também podem ser consideradas como “estratégias” (Certeau, 2007) do professor diante

de seus alunos comuns/ordinários.

Realizamos vinte acompanhamentos em sala de aula, entre os meses de agosto a

novembro de 2015, sendo dez com olhar direcionado para as práticas de leitura da literatura

infantil já existentes nas escolas, e outros dez com um olhar mais direcionado às práticas de

leitura dos livros ilustrados. A intenção foi buscar estabelecer relações entre esses tipos de

práticas, marcando as operações que se aproximam e as que se distinguem na prática de

leitura dos livros ilustrados pelas professoras. Em cada ano do ensino fundamental (1º ao 5º)

realizamos quatro acompanhamentos, que foram subdivididos, sendo dois voltados à leitura

de um livro de literatura infantil, não necessariamente um livro ilustrado, e dois destinados à

leitura específica do livro ilustrado. Nossa intenção, ao enfatizar a repetição de dois

acompanhamentos com um mesmo olhar, foi descobrir o que parece marcar as práticas de

leitura do ponto de vista de ações que se repetem nas diferentes aulas quanto à forma de ler da

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cultura escolar, à organização da classe, ao tipo de intervenção, à interação com o livro e com

o outro, pois apenas uma aula poderia não possibilitar nossas descobertas em relação a essa

questão.

A observação em sala de aula ocorreu quinzenalmente para as professoras, mas

semanalmente para a pesquisadora, que respeitando os horários e as rotinas de leitura de cada

classe, adequou sua agenda de trabalho de campo, de modo a não interferir na rotina já

estabelecida em cada turma. Assim sendo, os acompanhamentos aconteceram em dias e

horários reais das aulas de leitura em cada classe, sem alteração da rotina, aspecto que

demandou um cronograma que durou quatro meses entre uma observação e outra. A cada

semana, um ou dois acompanhamentos foram realizados em classes diferentes, de forma que o

intervalo entre uma e outra aula, na mesma classe, não se tornasse tão distante.

Além disso, tencionamos também observar o que poderia caracterizar a prática de

leitura entre um ano e outro, com crianças de diferentes faixas etárias. Neste campo,

levantamos como hipótese a ideia de que as práticas se repetem nos diferentes anos, tornando-

se muito parecidas, inclusive entre crianças que estudam no 1º e no 5º ano. Diante disso,

interrogamos: no caso das duas escolas acompanhadas por nós, as práticas se repetem? Por

quê? O que marca essa repetição, caso ela se confirme, nos diferentes anos, sendo que há um

programa oficial que é trabalhado por todas e que parece trazer distinção? No interior dessa

repetição de práticas, o que podemos encontrar como distinção? Por que os modos de ler, tão

singulares fora da escola, parecem buscar uma homogeneidade ou uma uniformidade dentro

dela? Afinal, que práticas de leitura vêm sendo produzidas pelas escolas? Tais interrogações

nos levam ao nosso maior objetivo, que é conhecer as práticas de leitura com o livro ilustrado,

realizadas pelas professoras, em suas salas de aulas.

Nossos encontros de observação das práticas foram entremeados pelo

estabelecimento de combinados quanto aos dias e horários em que aconteceriam, bem como

em relação ao que seria observado, visto que a pesquisadora tem suas intenções, constituindo-

se como um “encontro/confronto marcado”, o que corrobora o que traz Freire, ao afirmar que

Observar não é invadir o espaço do outro, sem pauta, sem planejamento, nem

devolução, e muito menos sem encontro marcado... Observar uma situação

pedagógica é olhá-la, fitá-la, mirá-la, admirá-la, para ser iluminada por ela. Observar

uma situação pedagógica não é vigiá-la; mas sim, fazer vigília por ela, isto é, estar e

permanecer acordado por ela, na cumplicidade da construção do projeto, na

cumplicidade pedagógica. (FREIRE, 1996, p. 14)

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As aulas foram acompanhadas, registradas, filmadas e transcritas, entremeadas

pelas mudanças de posições dadas como únicas, tanto na vida pessoal como na vida

profissional.

Nas transcrições foram observadas e analisadas não apenas as falas, mas os

gestos, as expressões e os movimentos que se tornaram visíveis a partir dos vídeos e

gravações em áudio. Buscamos registrar e transcrever a cena que envolvia professoras e

alunos nas práticas de leitura, além de todo o movimento que acontecia na classe. Outra

escolha que fizemos foi assistir aos vídeos das aulas e selecionar os pontos nos quais, por uma

fração de segundo, se marcam tempos, espaços e histórias. Nesse movimento, os trechos

selecionados foram transformados em fotos para compor a historicidade das cenas. Essa

operação configurou-se como algo desafiador, pois nossa leitura era a do olhar do outro, dos

movimentos tênues das mãos, do passar de dedos entre os cabelos, do andar de um lado para

outro na classe, de um suspiro mais longo, de gestos mais bruscos, de sorrisos, do balançar da

cabeça, entre outros. Para nós, transcrever as aulas era olhar para este conjunto de relações,

entremeado ao tom de voz das professoras no momento da transcrição.

Toda essa maquinaria foi fabricada no percurso da operação e não pensada ou

planejada anteriormente, pois descobrimos que para acessar as singularidades, precisamos

aguçar nosso olhar além das falas (texto verbal) das professoras e alunos. As páginas dos

livros lidos foram digitalizadas e/ou fotografadas e inseridas nas transcrições para que

tivéssemos a oportunidade de conectar às nossas análises, feitas posteriormente, uma

intervenção realizada pela professora, chamando a atenção para o que ela destacava do ponto

de vista da relação entre texto e imagem. Com isso, destinamos um tempo para esse momento

da pesquisa, até então ancorada no relógio e no tempo cronológico. No entanto, como nos traz

Corazza (2002, p. 105), o tempo também se constitui na descontinuidade que lhe é própria,

considerando as necessidades específicas que são criadas, o que nos torna responsáveis pelas

práticas de pesquisa que utilizamos, “[...] sejam aquelas adotadas como pontos de partida,

sejam as que, a partir dessas, vimos inventando” (CORAZZA, 2002, p. 105-106).

Produzimos um movimento de transcrição na bricolagem entre texto e imagem,

tanto da aula como do livro lido. Essas duas linguagens não disputaram espaços para informar

algo, mas foram geridas a par para contextualizar cenários de falas, tempos e movimentos.

Além das transcrições realizadas, as legendas de algumas imagens foram produzidas

considerando também as anotações da pesquisadora no diário de bordo. Essas anotações não

repetiam as informações dadas pelos vídeos ou pelo dito, mas muitas vezes se constituíam

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pelo registro da entonação da professora, um jeito de falar capaz de provocar sentidos outros

na leitura, isso porque, “[...] através da entonação, intervêm a voz e seu complemento

indispensável, o ouvido” (DAHLET, 2005, p. 249).

Além disso, tais anotações estavam envoltas pelo não-dito e por aquilo que não

era evidenciado em cena, mas que constituía o movimento dos corpos e as expressões

daqueles que estavam ao lado enquanto o fato principal acontecia; por exemplo, na resposta

de uma criança dada à professora, na solicitação de atenção para o momento da leitura, ou

seja, enquanto tais ações aconteciam, o que os demais expressavam? O diário de bordo foi

produzido com esse tipo de registro, pois “o corpo e a voz são constitutivos do falar”

(DAHLET, 2005, p. 249), assim como “[...] a entonação é lugar de memória e lugar de

encontro” (DAHLET, 2005, p. 251); lugar de produção de sentidos outros, de novos sentidos.

Após cada aula assistida e registrada havia um momento em que professora e

pesquisadora trocavam ideias, impressões, indagações. Um período curto, mas que canalizava

a atuação do momento, o pensar posterior do professor sobre sua aula, sua respiração e

emoção. Uma "auto avaliação" ou um desejo de aprovação por parte das professoras sobre o

seu fazer que extrapolou o "não dito" nas entrevistas nem anunciado nas práticas. As

professoras quiseram falar sobre a aula, desejavam ouvir o que o observador tinha a dizer,

necessitavam dialogar sobre sua arte de fazer num processo dialógico diante das relações que

se estabeleceram entre o eu e o outro.

4.2. Oper(ações) que constituem as práticas de leitura

Na tentativa de compreender as múltiplas "realidades" produzidas nas escolas no

que tange às práticas de leitura com as crianças reais, professores e professoras com seus

problemas também reais, as formas de buscar e gerir dados podem nos ajudar a compreender

suas complexidades e articulações. Nessa busca, ao recorrermos ao estudo das práticas

cotidianas, buscamos nelas não as marcas da estrutura social que as iguala e padroniza, mas,

sobretudo, a lógica das produções dos sujeitos, considerados atores e autores das maneiras de

pensar e fazer.

Dentro da escola, não é tão simples assim lidar com a distância que existe entre a

criança e o livro. Parece tão claro o fato de que basta ter o livro para que a criança possa lê-lo

ou para que o professor o leia para ela. A depender das concepções, representações e,

acrescentamos, formações continuadas, condições financeiras, experiências de leitura (a

biblioteca vivida pelo professor), o conjunto de livros disponível para o acesso das crianças –

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o desenvolvimento dessa proposição, aparentemente simples, pode variar consideravelmente.

Nesse sentido, um primeiro bloco de interrogações diversas se fazem presentes: para que se lê

na escola? Que livro é esse que chega às mãos das crianças por intermédio do adulto

(professor)? Como ele é escolhido? Como são planejadas as aulas de leitura com este livro?

4.2.1. O planejamento da aula

Geralmente, a prática de planejar na escola se dá em um caderno de rotina

semanal com registros feitos à mão pela professora, seguida de cópia de alguns modelos de

atividades que são realizadas com as crianças. O professor que não faz uso do caderno utiliza

uma pasta para organizar sua rotina semanal. Geralmente, o planejamento feito em pastas é

padronizado e diagramado em colunas para que sejam especificados os objetivos de ensino (o

quê), as estratégias (como), as expectativas de aprendizagem (para quê) em cada área de

conhecimento presentes no currículo escolar. Ambos os documentos são elaborados para

entregar ao coordenador pedagógico da escola, que poderá lê-los, como também para orientar

o que será feito a cada dia pelo professor.

Há planejamentos em que, além desses itens, aparecem outros como, por

exemplo, a organização da classe para a atividade, as intervenções que serão feitas e a duração

da aula. Geralmente, esse planejamento mais detalhado ocorre, nesta rede de ensino, quando

uma aula será acompanhada por outra pessoa (coordenador pedagógico, supervisor de ensino,

formadores da Diretoria de Educação, entre outros).

Segundo Fusari (s/d, p. 45), o planejamento pode ser “[...] concebido, assumido e

vivenciado no cotidiano da prática social docente, como um processo de reflexão”. Segundo

Fusari, citando Saviani (1987, p. 23), “a palavra reflexão vem do verbo latino 'reflectire' que

significa 'voltar atrás'. É, pois, um (re)pensar, [...] é o ato de retomar, reconsiderar os dados

disponíveis, revisar, vasculhar numa busca constante de significado” (FUSARI, s/d, p. 45).

Ainda que os planejamentos estejam atrelados a diagramações específicas ou

cadernos com itens a serem preenchidos, olhar as operações que constituem essa modalidade

de ação nos permite pensar na singularidade e no conjunto de lógicas que a formalidade das

práticas nos traz em relação ao ato de planejar. As táticas das professoras e as concepções

utilizadas no planejamento de leitura reverberam as reflexões realizadas e suas lógicas. Nessa

direção, dialogamos com as professoras sobre o planejamento das aulas de leitura no que se

refere a sua existência, organização e contribuição à prática, o que nos possibilitou

descobertas interessantes.

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Existe sim, pelo menos uma aula na semana de leitura tem que ser planejada com os

questionamentos para as crianças e tudo, mas esse ano, Andréa, eu ainda não fiz

esses planejamentos. [...] Então, ter esses planejamentos de aula, não tenho, mas o

dia que eu mais uso para leitura onde eu questiono as crianças, que eu faço esse

trabalho voltado mesmo para apresentar o livro, para conversar sobre o livro, tudo

eu faço na segunda-feira, porque tenho a 1ª aula só, depois, entra a professora de

Arte e, depois, eu só volto depois do intervalo. Então, essa primeira aula com eles eu

faço voltada para isso, para essa leitura. [...] Então, eu não tenho um planejamento

que eu siga, assim escrito, simplesmente eu leio e vou questionando de acordo com

aquilo que eu vejo no momento que é necessário. (NEUSA, entrevista, 28 set. 2015)

A professora compartilha conosco as regras de quem detém o poder: ao menos

uma aula da semana deve ser planejada; talvez para se ter o controle do que está sendo feito e

como está sendo feito, o que é próprio da escola, cuja função é a de sistematizar os

conhecimentos, ainda mais quando falamos de ensino fundamental. No entanto, as professoras

utilizam táticas diante dessas regras (estratégias) de quem detém o poder, não realizando

planejamentos. Com a ausência do planejamento, vemos que a situação da leitura é marcada

por perguntas feitas – mais "espontaneamente" – pelas professoras às crianças, um modo

peculiar à cultura escolar. Provavelmente, elas façam usos de um modo de ler aprendido no

tempo de escola, no curso de formação, entre colegas, na interação com a turma e com o

conhecimento que a professora tem sobre crianças.

Outro aspecto relevante do planejamento diz respeito aos programas e/ou

materiais prontos para serem aplicados com as crianças, o que, para as professoras, não requer

planejamento, visto que as atividades já vêm prontas para serem realizadas. O planejamento,

nessa situação, existe, mas não é o planejamento do professor.

[...] o trabalho com leitura que nós tínhamos era de organizar as sequências, uma

organização mais pontual, escrita. Depois vieram os próprios materiais que aí a

gente teve o EPV84

, depois a gente teve o Ler e Escrever. Então, falar sobre isso é

considerar tudo isso porque você tem uma organização do trabalho na área e você

tem um destino para a leitura. Então, quando você tem um material que ele já te traz

uma estrutura de leitura, que você já tem ali um planejamento, ainda que não seja o

planejamento que é o seu planejamento, você tem ali uma estrutura de

encaminhamentos, você se adapta a isso, porque você tem uma dirigência que é o

trabalho que a gente faz na rede com a proposta da leitura. [...] Dependendo da

circunstância, você consegue trabalhar sem o planejamento, mas tendo algo. Hoje eu

vou trabalhar uma localização de informação, então eu vou proporcionar

determinadas perguntas, questões que a gente observe que é necessário ter um grifo,

que é necessário perceber que eles conseguem compreender. [...] O que eu quis dizer

do planejado seria voltado para uma sequência didática que tem todo aquele trabalho

do antes, no meio, você faz todas aquelas questões, [...] é como se você tivesse

fazendo um grande banquete. (FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

Os cursos de formação realizados por este grupo de professoras orientam que,

ainda que as atividades estejam prontas, o planejamento é necessário, pois cada classe é única

84

Projeto de Leitura e Escrita para séries iniciais intitulado de Estudar pra Valer!, CENPEC.

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e apresenta situações de aprendizagem que podem ser diferenciadas umas das outras. Ainda

que o material já esteja pronto, há proposições e objetivos de aprendizagem que em

determinadas classes necessitam de maior investimento, enquanto que em outras os

investimentos necessários estão em objetivos diferentes.

Para a professora Flávia, o planejamento está ancorado nas orientações do

Programa Ler e Escrever que, segundo ela, traz uma estrutura definida para o trabalho de

leitura. Destacamos que há momentos em que a leitura acontece, porém o planejamento é

dispensável. Quando a leitura envolve compreensão, perguntas são pensadas e planejadas para

serem feitas às crianças durante o ato de ler, a fim de conduzir os sentidos. São sequências

didáticas de leitura que, segundo as formações realizadas por este grupo de professoras, neste

município, trabalham com estratégias que ocorrem “antes da leitura”, “durante a leitura” e

“depois da leitura”, cuja intenção é aprofundar determinado conhecimento. Nesse processo,

orienta-se todo um trabalho voltado à leitura da capa do livro, as informações presentes neste

espaço, o título e suas intenções; durante a leitura são planejadas intervenções, cuja finalidade

é atingir a compreensão leitora. Tais questões estão ancoradas em habilidades de leitura e/ou

estratégias de localizar informações, inferir, antecipar, checar, entre outras. Disso decorre a

leitura pausada, marcada e que, por instantes, parece, na prática do professor, confundir-se

com diálogos sobre o lido. A leitura se perde ou se confunde com as falas. Depois da leitura,

as crianças são desafiadas a irem além do texto, a lerem não apenas nas linhas, mas nas

entrelinhas e por trás das linhas. Para este momento, geralmente são promovidas novas

questões, sejam elas orais ou escritas.

Nessa direção, a lógica das práticas também é orientada pelos programas ou

projetos que prescrevem “o que fazer”, “como fazer” e “para que fazer”, e como num lapso já

não se sabe se a prática é realizada porque o professor acredita, ou porque está prescrita.

Sim, normalmente eu faço a aula de leitura, daquela maneira, né. Eu pesquiso antes,

só que em cima do que está pedindo na proposta. Por exemplo, o Ler e Escrever

pede uma leitura... olha... tal dia a leitura tal... e você vai planejar aquela leitura. Eu

vou lá, busco a leitura, trago, trabalho e, depois, eu faço a interpretação com eles, né,

faço a produção, depois a interpretação, depois eu busco fazer a correção que a gente

vai estar sistematizando a escrita com eles, dependendo do que está pedindo o Ler e

Escrever, por exemplo, se é pra trabalhar a grafia, eu vou trabalhar a grafia, se não, a

pontuação, os sinais, o foco narrativo. [...] Depende, se for a leitura deleite, que é a

primeira leitura todos os dias... que nem agora a gente tá lendo Alice no país das

maravilhas, então eu leio todos os dias um pedaço, um capítulo pra eles, né? Aí não!

A gente só questiona na hora o que vai acontecer amanhã e tal, mas se for pra eu

trabalhar a leitura do Ler e Escrever, o que está pedindo ali dentro, aí sim, aí tem

que ter uma sequência. (ROSANA, entrevista, 30 set. 2015)

A professora, ao seguir as orientações do programa oficial, planeja o processo

de interpretação da leitura, dando sequência com atividades de escrita, sejam elas de

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produção, revisão de texto, pontuação, entre outras. No entanto, a "leitura deleite" proposta

pela professora Rosana parece ser distinta das outras formas de leitura orientadas pelo

programa oficial. Segundo a professora, esse tipo de leitura não exige a necessidade de

planejamento. Um tipo de leitura não planejada, mas que ocorre diariamente no início das

aulas, ocupando o lugar da primeira proposta do dia por se ter construído a cultura de que as

crianças estão “mais calmas”, “tranquilas” e “prestam atenção na leitura”. O que está em jogo

nesse tipo de leitura não são as paradas que guiam o sentido do texto e a compreensão, mas a

fruição, a beleza, a apreciação que fabricam, a compreensão, os sentidos, as conexões, as

hipóteses, as inferências, o espanto, sem que questões tenham sido previamente planejadas,

conforme depoimento das professoras. Embora isso ocorra, os depoimentos sugerem que a

leitura na qual o leitor se interroga possui um estatuto menor do que a leitura em que o leitor é

interrogado. Por isso, novamente esse cenário se desenha:

Não! Não são todas as aulas de leitura que são planejadas. Na verdade eu planejo

uma aula de leitura na semana pra fazer as etapas: o antes, o durante e o depois da

leitura. As demais leituras são leituras de prazer mesmo. Na verdade eu coloco uma

vez na semana a leitura de notícia, eu procuro pôr uma vez na semana livros que

tragam poesias, a questão de verso e prosa, trago um de literatura mais clássica, a

não ser que seja uma leitura por capítulos... As leituras dos capítulos, normalmente,

elas já são meio que planejadas... A gente faz tipo aquela novelinha, porque cada dia

para no ápice da história e continua no decorrer da semana, mas quando acabam-se

os livros de capítulo, aí a gente intercala, aí eu faço uma leitura jornalística, uma

leitura de poemas, uma leitura de letra de música... Então, a gente vai intercalando,

mas a leitura planejada é uma por semana. [...] A questão do antes, a gente pensa nas

questões de imagem, na questão da capa, na questão das informações que esse texto

traz, nas antecipações que podem ser feitas. Então, antes da leitura a gente já faz um

esquema do que será feito antes de iniciar a leitura propriamente dita. O durante é

quais serão as intervenções feitas durante, quais serão as pausas, quais serão as

sequências, né? Igual à leitura de hoje optar por começar numa parte ou outra do

livro. E o depois a gente faz a questão da retomada oral, ou até mesmo tirar partes

que a criança consiga intervir, mudar a história ou até mesmo a interpretação oral,

levantar os conhecimentos que as crianças conseguiram, né, durante a leitura...

(CARINA, entrevista, 23 out. 2015)

A escola produz diferentes tipos de aulas de leitura e as hierarquiza quanto a sua

importância e frequência no currículo escolar. Encontramos, nesses depoimentos, as aulas

planejadas por meio de sequência didática, o que envolve a interpretação seguida de

atividades na modalidade escrita ao término da leitura; aulas nem sempre planejadas, mas

aplicadas a partir das orientações do Programa Ler e Escrever; leituras deleite que não

necessitam de planejamento; aulas para desenvolver habilidades de localizar informações e

inferir; aulas de leitura de diversos gêneros, em que se intercalam as notícias, os poemas, as

letras de música; aulas de leitura por capítulos.

Práticas diversas apresentam planejamentos distintos: se a leitura é compreensão,

planeja-se o antes, durante e depois; se a leitura é por prazer, não há necessidade de

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planejamento; se a leitura é por capítulos, já são “meio planejadas”, talvez porque cada

capítulo marca um início e um fim de determinado momento da história. Enfim, os discursos

oficiais orientam o planejamento de diferentes tipos de leitura, e a escola produz distinções no

ato de planejar, atribuindo a alguns tipos mais ou menos importância e necessidade de

investimento por parte do professor.

4.2.2. Critérios para escolha dos livros

As escolhas do objeto livro também envolvem critérios que são definidos pela

professora, a partir de orientações dadas em cursos de formação e/ou presentes nos discursos

oficiais dos projetos e programas trabalhados em rede. Isso porque a escola, os programas de

formação, as avaliações, o currículo, o tempo e vários outros elementos que constituem o

cotidiano escolar constelam a professora que atua dentro da sala de aula para se sustentar na

relação de tensão entre o que pensa e o que pensam que é necessário ser feito durante as

práticas de leitura. Esses critérios de escolha envolvem, por exemplo, obras que ensinem as

crianças a ler e a escrever, que ensinem a produzir e reescrever, que tenham coerência, coesão

e texto verbal para que o enredo não se construa apenas pela imagem, configurando-se, assim,

como uma força dada a ele, bem distinta da que lhe é conferida pela imagem (NEUSA,

entrevista, 28 set. 2015). Nessa direção, encontramos um primeiro aspecto: a leitura do livro

ilustrado ainda não está presente nas orientações oficiais, porém o livro existe e suas relações

são distintas.

As escolas investigadas recebem livros do Programa Nacional Biblioteca da

Escola (PNBE), do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), entre outros.

Nesses acervos, há alguns livros ilustrados, mas a escola desconhece a especificidade desse

tipo de obra, ou desconhece práticas de leitura que a explorem de maneira distinta dos livros

tradicionalmente conhecidos como próprios da literatura infantil. O fato é que,

independentemente do tipo de livro, as professoras leem seguindo as orientações dos cursos

de formação ou do programa trabalhado que, por sua vez, direcionam o olhar mais para o

texto verbal disposto em um determinado gênero (poesia, contos, aventura etc.) e para

determinada finalidade de leitura (informar-se; ter prazer; compreender etc.). Isso porque não

se ensina, nas formações e na escola, a ler ilustrações na relação com o texto verbal e em

relação a si mesma. Com relação à leitura das ilustrações, o que encontramos são práticas de

leitura de imagens que mostram ou validam o que o texto verbal diz e, em outros casos, a

leitura das ilustrações se restringe a sua descrição.

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Os critérios de escolhas dos livros a serem lidos são distintos, dependendo do

nível (ano) de escolaridade. Para os professores alfabetizadores, os livros escolhidos são os de

textos curtos, que ajudam no ensino/aprendizagem das famílias silábicas, mais fáceis de serem

compreendidas pelas crianças, segundo as professoras. Para os "mais adiantados", são

escolhidos livros que ajudem a aprender a ler e escrever textos, como coloca a professora

Neusa (entrevista, 28 set. 2015).

Também são critérios de escolha dos livros as finalidades de leitura: lê-se para

alfabetizar; lê-se para produzir; lê-se para reescrever; leem-se frases, palavras e sílabas para

ampliar o repertório durante a alfabetização; leem-se textos pequeninos para “guardar a

leitura” intencionando fazer uma reescrita, cuja finalidade também passa a ser a alfabetização,

como se pode notar, por exemplo, no depoimento abaixo:

[...] eu leio para o 3º e para o 2º ano dessa forma porque senão eles não conseguem

fazer a reescrita. E, nessa questão da reescrita, eu leio para eles, às vezes, textos

pequenininhos, mas assim... é mais focado com o objetivo que eles, por exemplo,

possam guardar a leitura, [...] às vezes, se eu leio uma fábula, então li hoje, amanhã

já não vou ler, aí vou ler amanhã, só que depois de amanhã, depois da leitura vou

pedir para eles me falarem: “Olha gente, como é que começa a história?”. E assim,

para eles guardarem, para eles poderem fazer a reescrita. Porque é como eu falei: “A

minha preocupação é que eles saiam todos alfabetizados”. Então, esse é meu

desespero! (LAURA, entrevista, 28 set. 2015)

A leitura voltada para a finalidade de produzir textos possui uma característica

distinta da leitura que intenciona apenas a alfabetização. Ela pode ser também instrumento

para a construção de um vocabulário rico, recebendo assim um estatuto de maior importância.

Comparando ambas as finalidades de leitura, a professora Neusa diz:

[...] essa é a diferença para a leitura de um livro desse de alfabetização porque não

estou levando uma leitura, na verdade, de qualidade voltada para essa formação que

eu também quero que eles tenham um tanto de um conhecimento de um vocabulário

mais rico. Então, os meus critérios são baseados nisso! (entrevista, 28 set. 2015)

Outros aspectos norteiam os critérios para a escolha dos livros lidos. Um deles

envolve a orientação que programas como, por exemplo, o Ler e Escrever indicam como

leitura, pois segundo a professora Flávia (entrevista, 22 out. 2015), “[...] tem momentos que a

gente tem uma série de gêneros que tem que trabalhar”, se referindo a parlendas, cantigas

populares, receitas, legendas, contos de fadas, regras de brincadeiras, trava-línguas, fábulas,

entre outros, recaindo suas escolhas sobre algo direcionado. Assim sendo, há uma proposta de

formação de leitores no Programa Ler e Escrever baseada na importância de oferecer a

diversidade de títulos, gêneros, temáticas, autores e ilustradores, aspectos esses que também

compõem os critérios de escolha dos livros. Outro critério que tangencia a escolha dos livros é

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a diversidade de títulos de um mesmo gênero e não a diversidade de gêneros, objetivando a

ampliação de repertório no interior de uma mesma proposição de leitura.

Na multiplicidade de critérios que aqui se apresenta, identificamos escolhas

relacionadas ao que é necessário ser lido e não apenas ao que é de interesse da criança. Os

critérios são aqueles indicados pelas formações, orientados pelos programas, pelo "gosto" da

professora (o que ela considera melhor/importante para a criança) e pelo conhecimento que

ela tem de tal obra ou autor:

[...] eu procuro trazer livros que a gente já conheça biografia, que a gente já tenha

ouvido falar algumas referências a respeito [...], livros que trazem o tema do que eu

quero tratar e aí eu pesquiso e vejo que tem determinados livros e aí eu procuro

dentro do acervo que eu tenho próprio ou que na escola tenha para que seja

propiciado. Então, tenho alguns critérios... alguns que quando leio eu falo, “nossa,

esse seria interessante para os meus alunos”. Eu falo que professor tem muito isso

né, a gente vai num lugar, bate o olho e fala, “nossa, esse seria muito interessante. E

aí é um critério também”. (CARINA, entrevista, 23 out. 2015)

Indicar livros que conhecem, dos quais gostam, os quais acham que ajudarão na

formação do outro, são aspectos que constituem tais escolhas. Os depoimentos nos mostraram

que há um discurso social sobre leitura, configurado pelas práticas e representações em torno

da leitura e do leitor. Na escola, a leitura está na mão do professor que escolhe, planeja,

conhece o que pode ser bom para a criança ou para toda a turma pelos modelos e finalidades

indicados pelo Programa Ler e Escrever, pela experiência leitora que possui e pelos livros

que conhece. Uma escolha que não é individual e tampouco livre. Há orientações, correções,

cobranças, trocas entre professoras, elementos estes que impõem e disciplina essas escolhas.

Uma vez escolhido o livro pela professora, há todo um fazer com ele que envolve

as práticas de leitura constituídas nos rituais de apresentação do livro pelas professoras às

crianças, nas chamadas para a leitura, nas operações que movimentam os sentidos durante a

leitura (as pausas, as explicações, as contextualizações, as interrupções, as complementações,

as substituições de palavras, entre outras), formatadas pela cultura escolar. Tais práticas são

permeadas pelas concepções de criança, leitura e literatura infantil na relação entre o que se

pensa e o que se produz, aspectos esses que constituem a lógica da formalidade das práticas

que, talvez por excesso de prescrições e orientações, fizeram com que a escola pouco tivesse

espaço ou autonomia para criar, inventar e problematizar outras situações de leitura que não

aquelas já instituídas pelos discursos oficiais.

4.3. Cenas de leitura com o livro ilustrado em sala de aula

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Aqui há um livro maravilhoso, ali há um grupo de crianças, o que acontece em

seguida? Em seguida fala-se (...). Quando nosso melhor amigo nos diz que leu um

livro maravilhoso e pensa que nós também devemos lê-lo, o que faz para ajudar-nos

a começar é dizer-nos o que nele encontrou. Assim nos familiariza com esse livro

novo e, por isso, ameaçador. Diz-nos algo sobre seu enredo. Indica quais são as

partes emocionantes. Diz-nos com que outros livros se parece, livros que ele sabe

que já lemos. E compara-os ou fala sobre suas diferenças. São similares nestes

aspectos, diz, e diferentes nestes outros. Também prepara-nos para as dificuldades.

“Siga adiante até o terceiro capítulo”, pode dizer-nos o amigo, “é difícil até esse

ponto, mas depois você não poderá parar”. Em outras palavras, convence-nos a ler o

livro por nós mesmos. Isso é, exatamente, o que os melhores promotores de leitura

fazem sempre: convencer-nos a ler. (CHAMBERS, 1997, p. 6-7, apud COLOMER,

2007, p. 101)

Antes de iniciarmos as análises em relação às práticas de leitura com o livro

ilustrado, pretendemos explicitar, de forma breve, quais foram as práticas de leitura

encontradas nas escolas pesquisadas, a fim de estabelecermos comparações nas maneiras de

fazer com livros considerados próprios da literatura infantil e com o livro ilustrado, ambos

distintos em sua constituição e intencionalidade por quem os produz. Segundo os

depoimentos das professoras, vimos que as práticas de leitura realizadas por elas são diversas

quanto às finalidades, espaços e materiais para ler. Há a leitura em sequência, em capítulos,

pausada, privilegiando o texto verbal; há a leitura oral, em silêncio, individual, em grupo

(jogral) etc. Além disso, nas escolas estudadas, vimos que se lê para deleite, para desenvolver

habilidades cognitivas, aprender a se comportar na sociedade, para estudar, para aprender

conteúdo gramatical, para alfabetizar, para produzir texto, para reescrever etc. Lê-se na

biblioteca, na sala de aula, no cantinho de leitura. Lê-se livros didáticos, diversos gêneros,

livros do acervo da escola, textos tirados da internet. Entre todas essas modalidades e

finalidades, porém, uma prática parece predominar: a leitura oral de um único livro de

literatura, pela professora, em frente à turma. Com o livro ilustrado, a prática de leitura

predominante não é diferente. As professoras, sem exceção, leram oralmente o exemplar que

estava em suas mãos e as crianças ouviram a leitura. De acordo com alguns depoimentos, um

dos motivos que parece justificar essa prática pela professora envolve a aprendizagem da

criança enquanto leitora: “Sou eu quem faço a leitura porque eles estão aprendendo agora a

pegar no livro [...] estão aprendendo a ser leitores [...] tem muita coisa para eles aprenderem”

(LAURA, entrevista, 28 set. 2015).

Nas tensões que movimentam as práticas de leitura, mais especificamente aquelas

ligadas ao livro ilustrado, encontramos, de um lado, a liberdade inventiva dos praticantes da

leitura e, de outro, o controle disciplinado da ordem dos livros e das instituições que buscam

orientar modos de ler, o que ler, por que ler.

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Chartier (2004, p. 22), ao escrever sobre a festa, considerada “[...] um revelador

maior das clivagens, tensões e representações que atravessam uma sociedade” traz, em suas

análises, o par “disciplina e invenção”: “primeiramente, é claro que ela se situa na

encruzilhada de duas dinâmicas culturais: de um lado, a invenção e a expressão da cultura

tradicional compartilhada pela maioria; de outro, a vontade disciplinante e o projeto

aculturante da cultura dominante” (CHARTIER, 2004, p. 23).

Nessa direção, utilizamos esses conceitos que tensionam o fazer inventivo do

professor produzindo a lógica das práticas – sua formalidade – e a disciplina “imposta” pela

cultura escolar e pelo mercado editorial. Nessa bricolagem, como o livro ilustrado é

compreendido e intencionalmente trabalhado em sala de aula? Para discutirmos essa questão,

apresentaremos a cena de uma aula realizada com crianças de 1º ano com duração de vinte e

dois minutos. A história lida foi Quero meu chapéu de volta, de Jon Klassen.

Professora: (inicia uma conversa sobre a história) Por que será que esse urso está

com esse olhinho arregalado assim? (Ao iniciar a conversa com as crianças sobre a

leitura a professora segura o livro em suas mãos e esconde a escrita do título da

história com uma folha de sulfite para que as crianças ainda não o descubram).

Criança 1: Porque ele está sem amigos.

Criança 2: Eu não acho que é um urso, eu acho que é uma lontra.

Professora: Lontra?

Criança 3: Eu também!

Professora: Olha a pergunta, prestando atenção agora. Psiu! Já mudei a pergunta:

por que vocês acham que o urso está com esse olhinho arregalado assim oh? Já

contei que é um urso, sem querer!

Criança 4: Eu acho que ele tá triste por causa da família, porque deixaram ele foi...

assim...

Professora: Por que vocês acham que deixaram ele sozinho?

Criança 5: Ah! Porque ele queria ter uma família.

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Criança 6: Queria ter amigos.

Professora: Então olha...

Criança 7: O prô! (não diz nada)

Professora: Olha o nome do livro gente! Então, vamos ver se é por isso mesmo que

o urso está com o olhinho assim... (Neste momento, a professora tira a folha de

sulfite que cobria o título da história).

Crianças: Ah! (demonstram surpresa).

Criança 4: (realiza a leitura do título decodificando) Que-ro meu cha-péu de vol-ta.

Criança 6: (fala o título rapidamente enquanto a criança anterior termina a leitura)

Quero meu chapéu de volta.

Professora: Quero meu chapéu de volta, de Jon Klassen.

Crianças: Jon Klassen (repetem o nome do autor).

Professora: (inicia a leitura pela quarta capa do livro) “O chapéu do urso sumiu.

Será que sumiu para sempre? ESPERE!85

O urso viu o chapéu dele...”. (A quarta

capa informa ao leitor como é o chapéu do urso, mas ao terminar de lê-la, a

professora não a mostrou).

Professora: Vamos iniciar a nossa leitura (a professora abre a guarda inicial do

livro).

Crianças: Oh! Nossa!

Professora: O que acontece aqui nesta página? Quem sabe me dizer? Arrumar o

corpo Raiane, não é para deitar em cima dela!

Criança 8: Eu sei tia, eu ei: aquele é um urso procurando... (a fala foi interrompida

por causa das crianças que se mexiam muito e incomodava a outra junto à aluna

Raiane. A professora solicitou um tempo para conversar com as crianças).

Professora: (continua a leitura) Abrindo a página...

85

As palavras impressas em cores diferentes se remetem à maneira como estão representadas no livro para

evidenciar a fala de cada personagem.

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Crianças: (aleatoriamente) Têm muitos animais.

Professora: Tem muito...

Crianças: (em coro) Animais.

Professora: Animais. Mas esses animais estão onde?

Algumas crianças: Na floresta.

Professora: Onde?

Crianças: (em coro) Na floresta.

Professora: Na floresta. Olha só quantos animais aparecem, né?

Criança 4: Eu vi um coelho.

Criança 6: Eu contei e tinha sete animais.

Figura 55: Guardas iniciais do livro Quero meu chapéu de volta.

Fonte: 1ª edição do livro Quero meu chapéu de volta, de Jon Klassen

Professora: (continua a leitura) “Quero meu chapéu de volta”, Jon Klassen. “Meu

chapéu sumiu. Quero meu chapéu de volta”.

Criança 8: Ah! Só fica falando isso!

Professora: (continua a leitura) “Você viu meu chapéu? Não. Não vi seu chapéu.

Tudo bem. Em todo caso, obrigado” (as cores marcam os diálogos entre os

personagens nas páginas do livro).

Algumas crianças: Hummm!

Professora: (continua a leitura): “Você viu meu chapéu? Não. Não vi nenhum

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chapéu por aqui. Tudo bem. Em todo caso, obrigado”. Que animalzinho é esse aqui

que ele passou pra perguntar?

Crianças: (em coro) O sapo.

Professora: Oi?

Crianças: (em coro) Um sapo.

Professora: Um sapo. (interrompe a leitura) Vem mais pra frente! Por favor,

Raiane, vem mais pra frente? Isso! Vem mais pra frente você também, Bia!

Professora: (continua a leitura): “Você viu meu chapéu?...” (uma criança

interrompe a leitura).

Criança 6: Alá um chapéu!

Professora: (continua a leitura) “Não. Por que está me perguntando? Não vi seu

chapéu. Não vi chapéu nenhum em lugar nenhum. Eu jamais roubaria um chapéu.

Não me pergunte mais nada. Tudo bem. Em todo caso, obrigado”.

Criança 10: Ah! Como assim? Ele não viu o chapéu?

Criança 8: Esse chapéu é do coelho e não do urso.

Figura 56: O encontro entre o urso e o coelho suscitou algumas considerações das crianças, p 10.

Fonte: 1ª edição do livro Quero meu chapéu de volta, de Jon Klassen

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Criança 5: Esse coelho é um grosso.

Professora: O coelho é o que?

Criança 5: Um grosso!

Professora: E o urso é o que?

Criança 5: Amigável.

Professora: Amigável?

Criança 5: Porque ele fala educado.

Professora: Ah! Porque ele fala educado? O coelhinho então foi grosso desse jeito

falando assim com ele? (a professora vira a página).

Criança 10: Olha a tartaruga! Você viu, Nelson, ela subindo na pedra?

Professora: (continua a leitura) “Você viu meu chapéu?...”.

Crianças: (começam a antecipar a resposta do personagem a partir da lógica que a

história traz e respondem antes de a professora ler) Não!

Professora: (continua a leitura) “Não vi nada o dia todo”. (uma criança vibra com a

resposta) “Fiquei tentando subir nesta pedra” (uma criança comenta: Nossa!). A

professora continua a leitura: “Quer que eu coloque você em cima dela? Quero, por

favor”.

Professora: Ele foi o que aqui com ela.

Criança 11: Pegou ela e pôs.

Professora: Não, mas ele foi o que com ela?

Criança 5: Amigável. (Neste momento, outra professora da escola entra na classe

para dar um recado e, a professora faz um gesto com a mão dizendo “não” porque a

aula estava sendo filmada. A professora rapidamente saiu).

Professora: (continua a leitura) “Você viu meu chapéu? Um dia eu vi um chapéu.

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Era azul e redondo. Meu chapéu não é assim. Em todo caso, obrigado”. Ele é

muito...

Criança 5: Gentil!

Professora: Gentil. Ele é muito e...

Criança 11: Explicativo.

Criança 8: Envergonhado.

Criança 6: Estranho.

Professora: Ele é muito e... educado, gente! (vira a página)

Criança 12: Parece uma pedra!

Professora: Mas não é uma pedra! É um bicho muito estranho, né! Quem sabe que

bicho que é esse?

Crianças: Vixi! Não sei! Que estranho!

Professora: (continua a leitura) “Você viu meu chapéu?” (as crianças respondem:

“Não”) O que é chapéu?” (uma criança interrompe a leitura).

Criança 9: Ai, é de colocar na cabeça, né!

Professora: (continua a leitura) “Em todo caso, obrigado” (a professora vira a

página).

Criança 7: Tá deitado! Tá deitado!

Professora: Mas como ele é?

Criança 7: Grandão.

Professora: Grandão!

Criança 4: Gordinho.

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Professora: Gordinho! Olha o barrigão dele? E olha bem a carinha dele, olha? Ele tá

com uma carinha de que? De pre...

Criança 9: Presente!

Professora: De preocupado com as coisas... olha ele aqui!

Criança 12: Ele parece minha cachorrona.

Professora: Parece sua cachorrona?

Criança 13: Parece!

Professora: (continua a leitura) “Ninguém viu meu chapéu. Será que nunca mais

vou vê-lo? E se ninguém o encontrar? Coitado do meu chapéu. Sinto tanta falta

dele”.

Criança 10: O chapéu dele tava com o coelho!

Professora: E ele percebeu?

Criança 10: Não!

Professora: (continua a leitura) “O que houve? Perdi meu chapéu. E ninguém o viu.

Como é o seu chapéu?” (uma criança interrompe a leitura).

Criança 13: Rosa e verde!

Criança 11: Que rosa e verde o que oh! (e faz uma expressão de quem não gostou).

Professora: (continua a leitura) “É vermelho, pontudo e...”. E agora? E...

Criança 10: Vermelho!

Criança 8: Pontudo!

Professora: É vermelho, pontuado e... Será que ele agora ele percebeu alguma

coisa?

Criança 7: Que tá com o coelho!

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Professora: Será que ele percebeu isso? Vamos ver! (a professora vira a página).

Crianças: Tcharaaaammmm!

Criança 10: Ficou vermelho porque ele lembrou!

Professora: O que? Por que ficou vermelho? (referindo-se a página do livro que, de

branca como as anteriores, essa aparece toda vermelha). Agora que ele lembrou o

que?

Criança 10 e 8: “Eu vi o meu chapéu”

Criança 11: No coelho!

Professora: E ele é? Ver...

Crianças: (em coro) Melho.

Professora: Então ficou a base toda...

Crianças: (em coro) Vermelho.

Professora: Porque ele lembrou do chapéu.

Criança 2: E ele falou: “Eu vi meu chapéu!”.

Professora: Aí ele falou... ele deu um grito assim: “Eu vi meu chapéu!” e ele oh!

Deu aquela acordada assim, né!

Figura 57: Gestos e expressão da professora no momento do clímax da história.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora

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Professora: E o que ele fez aqui?

Figura 58: Página sem o texto verbal. As crianças fazem a leitura da ilustração, p. 24-25.

Fonte: 1ª edição do livro Quero meu chapéu de volta, de Jon Klassen

Criança 8: Todo mundo que encontrou ele...

Professora: Ele fez o que? Ele saiu correndo por todos, foi passando por todo oh. Só

a última que não tinha visto.

Criança 8: Tem o alce e a raposa e quem ele encontrou primeiro e depois.

Professora: É, tem a ordem de quem ele encontrou primeiro e aí ele tá voltando

bem correndo porque agora ele lembrou onde estava o chapéu dele. Então, vamos

ver agora! (continua a leitura) “VOCÊ AÍ. VOCÊ ROUBOU MEU CHAPÉU”.

Criança 5: E ele tá assim! (estica a mão e o braço imitando o personagem)

Professora: Quem tá assim?

Criança 5: O urso.

Professora: Ele tá apontando assim. Será que é isso mesmo? Você roubou o meu

chapéu! Você roubou meu chapéu! Mas vocês acham que ele falou assim calminho

desse jeito?

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Figura 59: Professora e crianças imitam o urso.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora

Criança 6: Não!

Professora: Quando ele foi atrás do chapéu ele falou forte! Falou como um urso

forte! Bravo! Você roubou o meu chapéu! Olha o olhão dele!

Figura 60: Gestos da professora para evidenciar força do urso.

Fonte: 1ª edição do livro Quero meu chapéu de volta, de Jon Klassen

Professora: (vira a página) Olha a cara! O coelho com a orelha baixinha assim! Por

que será?

Figura 61: Páginas que permitem a leitura da ilustração.

Fonte: 1ª edição do livro Quero meu chapéu de volta, de Jon Klassen

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Criança 7: Porque ele ficou com medo e a orelha dele ficou baixa.

Professora: Heim, Bruno? Por que a orelha dele ficou baixa desse jeito?

Bruno: Porque ele tá doente!

Professora: Por que ele tá o que?

Algumas crianças: (repetiram o que o Bruno disse para a professora ouvir) Doente.

Professora: Olha o tamanho do urso perto do coitado do coelho.

Criança 8: Da hora!

Criança 9: Tia! Por que tá parecido?

Professora: Tá parecido o que?

Criança 9: O urso e esse baixinho.

Professora: É o tipo de desenho que o ilustrador fez (a professora vira a página e

algumas crianças aplaudem).

Criança 5: Ué! Ele sentou em cima do coelho?

Criança 6: Caiu em cima do coelho?

Professora: Caiu em cima do coelho? Será que é isso que ele fez?

Criança 6: Tá parecendo.

Professora: (continua a leitura) “Adoro meu chapéu” (sem tecer comentários vira a

página do livro).

Criança 5: Tcharammmmmmm!

Criança 3: Olha um esquilo!

Professora: (continua a leitura) “Desculpe, você viu um coelho de chapéu? Não, por

que está me perguntando? Não vi não. Não vi coelho nenhum em lugar nenhum. Eu

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jamais devoraria um coelho. Não me pergunte mais nada. Tudo bem. Em todo caso,

obrigado”.

Criança 4: Foi grosseiro!

Professora: Quem que foi grosseiro agora aqui?

Crianças: (em coro) O urso.

Professora: Viram como ele falou? Aqui o esquilo chegou pra ele e falou assim:

“Desculpe, você viu um coelho de chapéu? Não, por que está me perguntando? Não

vi não. Não vi coelho nenhum em lugar nenhum. Eu jamais devoraria um coelho.

Não me pergunte mais nada”.

Criança 5: Será que ele comeu o coelho?

Professora: (continua a leitura) “Tudo bem. Em todo caso, obrigado”. Qual foi sua

pergunta Léo?

Criança 8: Eu sei!

Professora: Espera um pouquinho! O Léo que falou!

Léo: Eu acho que ele engoliu o coelho.

Professora: Será?

Criança 5: Ou ele sentou em cima dele!

Professora: Ou ele sentou em cima dele?

Criança 7: Ou ele matou o coelho.

Professora: Ou ele matou o coelho? Olha, agora ele está na floresta passeando com

o seu...

Crianças: (em coro) Chapéu.

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Figura 62: Guardas finais do livro Quero meu chapéu de volta.

Fonte: 1ª edição do livro Quero meu chapéu de volta, de Jon Klassen

Professora: Meninos! Atenção aqui! Voltando aqui na imagem (a professora abre o

livro nas guardas iniciais). Vamos olhar as imagens agora um pouquinho. Agora

vocês já conhecem a história! Aqui, o urso estava pela floresta procurando o...

Crianças: (em coro) Chapéu.

Professora: Então, ele está sem o chapeuzinho dele. Agora, olhem bem: o que tem

de diferente do urso aqui para os outros animais que ele foi perguntando? Ele é o

que?

Criança 8: Ele é o maior!

Professora: Ele é o maior! Na floresta, para todos os animais... (uma criança se

levanta).

Figura 63: A criança levanta para tocar a ilustração ao dizer o que estava pensando.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora

Professora: O urso, ele aparece em todos os lugares assim, olha como um animal

bem...

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Crianças: Gordo, forte, grande!

Professora: Bem grande! E o urso ele é grande, ele é bem assim... amigável com as

pessoas, será? Todos os ursos?

Criança 9: Não!

Professora: Não, né! Mas esse aqui era muito...

Algumas crianças: Amigável!

Professora: Amigável, mas ele foi amigável com o coelho, será?

Criança 6: Não! Com o esquilo.

Professora: E será que ele foi bonzinho com o coelho na hora em que chegou lá?

Por que depois, oh! Vamos lá! (a professora folheia o livro até encontrar a página

que precisa) Ele achou o coelho e ele só falou: “Você aí! Você roubou o meu

chapéu!”.

Criança 2: Roubou não. Pegou!

Professora: Roubou! Olha a cara dele pro coelho (mostra outra página). É uma cara

de amigos?

Crianças: (em coro) Não.

Criança 3: É uma cara de medo!

Professora: (vira a página) Senta Raiane! Tão vendo? Agora, vou fazer uma

pergunta pra vocês todos. Prestando atenção! Quem acha que o urso comeu o

coelho? (algumas crianças levantam a mão)

Professora: Quem acha que só sentou em cima do coelho? (outras crianças

levantam a mão)

Professora: Vocês não acharam que o urso estava muito bonzinho assim, o tempo

inteiro?

Algumas crianças: Sim!

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Professora: (retoma a fala do urso) “Em todo caso, obrigado. Em todo caso,

obrigado. Em todo caso, obrigado”. Mas será que o urso é assim?

Criança 4: Não! Ele come.

Professora: Ele come, né? Ele é bravo! Então crianças, nossa história hoje vai

terminar aqui. Vão sentar direitinho nos lugares que vocês estavam.

Aula realizada, 7 out. 2015.

A cena aqui longamente apresentada é representativa de muitas outras cenas de

leitura que encontramos nas escolas pesquisadas ou de práticas que percorrem todos os anos

do ciclo I do ensino fundamental. O primeiro aspecto que nos chama atenção é a insistência

do professor em controlar os sentidos das crianças para uma determinada compreensão na

leitura. A leitura torna-se um ritual, desde a apresentação do livro, interrompida

constantemente pelas crianças e pela professora em busca de um "diálogo" que possa

construir sentido (comum) entre a turma, a professora e a história.

Perguntas e intervenções da professora são realizadas para identificar e relacionar

as características de animais na ficção e na realidade; para que as crianças opinem sobre um

possível final; para que tentem adivinhar o enredo pela ilustração; para que identifiquem

cenários e personagens.

Ainda que não existam orientações oficiais para a prática de leitura com o livro

ilustrado, vemos que este fazer parece ser fabricado a partir do uso das orientações oficiais e

dos programas desenhados em cursos de formação com outros tipos de livros. Esse fazer

envolve ações de leitura próprias da cultura escolar, como: chamadas para leitura;

apresentação do livro feita pela professora; controle de sentidos para compreensão do texto.

Uma prática de leitura em que as condições de produção exigem interrupções feitas pelas

crianças e pela professora para manter o silêncio e a disciplina; uma organização da classe;

um tempo da aula de leitura em que a professora pega o livro e o lê em frente à turma.

São práticas de leitura marcadas pelas chamadas para prestar atenção à leitura e ao

livro, neste caso, mais diretivas (“Psiu, prestando atenção, então olha” etc.). Práticas orais e

coletivas de leitura que fabricam uma preocupação com o silêncio, com a disciplina e o

controle. Um comportamento leitor necessário para uma leitura oral realizada pelo adulto e

escutada pelas crianças. Chamadas que também podem ser menos diretivas, entremeadas pela

interação entre professora e crianças, como podemos notar no enunciado a seguir: “Então,

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como vocês já sabem, é importante estarmos atentos e presentes na leitura. Eu com vocês e

vocês comigo, certo?” (FLÁVIA, aula realizada, 20 out. 2015). Chamadas para leitura, em

busca de envolver seus leitores/ouvintes, em que a própria ledora pergunta e responde:

O livro que vou ler hoje se chama “As panquecas de Mama Panya”. Alguém aqui já

levou esse livro de empréstimo para casa? Não? Quem escreveu foi Mary e Rich

Chamberlim. [...] Eu vou começar o livro de trás pra frente hoje. Por que de trás pra

frente? Porque na verdade o final do livro nos situa aonde essa história passa [...]

(CARINA, aula realizada, 22 out. 2015)

Na prática de leitura do livro ilustrado, também pausada e fragmentada, pelas

chamadas das professoras e pelas falas das crianças, muita coisa acontece. As crianças

levantam hipóteses, intuem, observam, comparam, tentam adivinhar, corrigem ou discordam

da professora, conversam entre elas, mostram-se conhecedoras do mundo (animais, pessoas,

natureza) representado pelas imagens no livro. A leitura das crianças não é passiva frente

àquilo que ouvem e ao que veem; frente àquilo que sabem e o que está representado nas

ilustrações. Orientadas pelas ilustrações, podem ressignificar sentidos sobre os personagens, o

enredo e o cenário.

No ritual de leitura em sala de aula, a apresentação do livro ilustrado é outro

aspecto que chamou a atenção. Em geral, na leitura dos livros de literatura infantil a

professora inicia normalmente lendo o título e questionando o porquê o livro possui aquele

nome. Encontramos assim outro tipo de interrupção que se dá na leitura do título. Muito

apoiada nas orientações dos programas oficiais, na leitura dos livros ilustrados, observamos

que as professoras começam, diferentemente, pela descrição da imagem da capa que convoca

e aciona a estratégia de antecipação: "Olha a pergunta, prestando atenção agora. Psiu! Já

mudei a pergunta: por que vocês acham que o urso está com esse olhinho arregalado assim,

oh?"; "Por que vocês acham que deixaram ele sozinho?" e, somente depois, "Olha o nome do

livro gente! Então, vamos ver se é por isso mesmo que o urso está com o olhinho assim?".

A prática de leitura do livro ilustrado apresenta, nesta lógica, a exploração da

imagem da capa tendo como foco sua descrição e, em seguida, a decodificação do título da

história enquanto estratégia que marca a leitura das crianças como podemos observar também

em uma das leituras do título realizada por uma criança "Que-ro meu cha-péu de vol-ta".

Como a intenção de estabelecermos uma breve comparação com o que

explicitamos acima, trazemos para esse cenário o fragmento de uma aula com outros tipos de

livros, em que é comum a discussão se iniciar pelo título da obra, como se pode notar:

Professora Neusa: [...] Então todos aqui olhando agora. Olha, olhando aqui para a

capa do livro, o que vocês estão vendo?

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Figura 64: Exploração da capa do livro, Ovo Novo.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora.

Crianças: Ovo.

Professora Neusa: Um...

Crianças: Ovo.

Criança 5: (realiza a leitura marcando as sílabas) O-vo no-vo.

Professora Neusa: “Ovo novo”, isso! Esse é o nome da história que vou ler para

vocês hoje, tá? Quem escreveu a história foi a Eliane Turquino e quem fez a

ilustração foi o João Pinheiro.

Trecho da aula realizada em 15 set. 2015.

As práticas de leitura com livros de literatura, que geralmente ocorrem em todos

os anos do ensino fundamental, são marcadas pelo texto verbal e, na apresentação do livro, é

comum a leitura do título evidenciar as sílabas, principalmente nos anos iniciais, considerados

como o período de alfabetização.

Nas práticas de leitura com o livro ilustrado, diferentemente da leitura de outros

tipos de livros, a apresentação do livro, pode incluir também a exploração de paratextos como,

por exemplo, a quarta-capa, com a finalidade de complementar a ilustração ou dar pistas ao

leitor sobre a história, como vimos na leitura do livro Quero meu chapéu de volta: um chapéu

vermelho aparece na quarta-capa do livro e marca o enredo da história. No entanto,

observamos que explorar a quarta-capa ainda está no âmbito da fala da professora ao

descrever o que há neste espaço do livro, porém sem mostrar a imagem às crianças.

Provavelmente, as professoras não incorporaram essa forma de ler como mais uma que

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poderia colaborar na construção de sentidos para a história. Nessa prática, encontramos a

interrupção pelo paratexto.

Compreendida por alguns como uma forma de "atrasar a leitura" e, por outros,

como já sendo o início da leitura, a exploração dos paratextos no livro ilustrado pode dar

pistas sobre o enredo da história. Mais do que isso, os paratextos são estratégias editoriais que

intervêm na produção de sentidos pelos leitores: antecipam, complementam, disciplinam

sentidos sobre a história. Os criadores e produtores de livros ilustrados defendem que a

história começa antes mesmo do primeiro parágrafo, considerando o todo articulado do livro,

pois o suporte impresso carrega sentidos pretendidos no polo da produção. A questão que se

coloca é a de que não basta decodificar um título ou palavras; não basta apenas ler no texto

verbal, aspectos do enredo, identificação dos personagens e do cenário onde se passa a

história. Compreensões da história pressupõem a leitura dos paratextos, a sutileza da

ilustração em sua articulação com o conteúdo verbal, aspectos esses que se tornam distintos

em relação à leitura que acompanhamos com outros tipos de livros. Nessa direção,

[...] a compreensão de um texto não pode ser entendida com o conhecimento dos

significados das suas palavras, a descoberta da sua mensagem ou a classificação dos

seus personagens, porque a significação de um texto não está encerrada em suas

partes, não é dada a um leitor que passivamente a compreende ou não. Ela vai além

do texto, resulta da interação entre este, o leitor e a vida, a história de cada um deles,

não sendo nunca uma só, renovando-se a cada leitor e a cada tempo em que acontece

essa leitura. Por isso, compreender um texto é mais que recuperar os seus aspectos

referenciais (quem, onde, quando, porque etc.). (SILVA, MOYSÉS, FIAD e

GERALDI, 1986, p. 45-46).

Na busca do controle para uma leitura única, a professora insiste na caracterização

de cada personagem, no local em que se passa a história, limitando ou elegendo uma

significação única e verdadeira para a história (neste caso, o comportamento do urso) lida ou

contada. Nessa prática observada, a professora conduz a leitura, busca construir o sentido

pretendido por ela e, para isso, se utiliza de estratégias que ela mesma realizou no momento

de sua leitura, considerando agora ter que conduzir o leitor em formação: aponta para

elementos da ilustração; faz perguntas direcionadas; levanta outras questões para conseguir a

resposta pretendida; pergunta mais de uma vez para conferir se as crianças estão entendendo;

repete a resposta correta dada pela criança. Tomemos como exemplo o trecho a seguir:

Professora: (continua a leitura) “Você viu meu chapéu? Um dia eu vi um chapéu.

Era azul e redondo. Meu chapéu não é assim. Em todo caso, obrigado”. (Pergunta da

professora sobre o personagem) Ele é muito...

Criança 5: Gentil!

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Professora: Gentil. Ele é muito e...

Criança 11: Explicativo.

Criança 8: Envergonhado.

Criança 6: Estranho.

Professora: Ele é muito e... educado, gente! (vira a página)

Podemos aproximar a cena observada por nós daquela registrada por Silva,

Moysés, Fiad e Geraldi (1986) em seus estudos sobre o ensino de Língua Portuguesa, há 31

anos:

P – Então por hoje chega e amanhã nós continuamos... Nós vamos fazer agora uns

exercícios para treino... Nós vamos dar comparações... Psiu!!... Olhos pretos como?

A – Carvão.

P – Quem sabe? Fala... Vamos ver... Olhos pretos como...

A – Pichi.

P – Piche! Não é pichi... Olhos pretos como...

A – Jabuticaba.

P – Certo!

A expectativa da professora e o direcionamento que ela dá às respostas das

crianças nessas duas cenas se mostraram similares, embora ocorridas em tempos bastante

distintos. Seriam outros modelos de produção de leitura em termos de evolução tecnológica,

dos tipos de livros existentes dentro da escola, dos materiais produzidos, dos conceitos

pedagógicos em questão, das experiências vividas pelas crianças fora da escola. No entanto, a

cultura escolar se impôs, padronizando a prática de leitura: quer nas aulas observadas por nós,

quer nas aulas observadas nos anos 1980 (SILVA, et. al).

São muitas, porém escancaradamente parecidas, as interrupções de diferentes

naturezas que ocorrem durante a leitura do livro ilustrado ou de um livro de literatura infantil

na escola. A ideia é que a "leitura interrompida" ajuda na compreensão dos leitores mais

jovens, pouco familiarizados com a cultura escrita, sendo as interrupções um esforço para

padronizar os sentidos atribuídos ao texto.

Nas aulas observadas, de forma mais geral, encontramos interrupções na forma de

comentários feitos pela professora e pelas crianças em número bem maior na leitura do livro

ilustrado do que em outro tipo de livro, podendo-se dizer que elas se prestam também a guiar

a compreensão de trechos que, aos olhos dos adultos, parecem complexos para as crianças.

São produzidos comentários diversos, como explicações sobre o que o texto diz,

apontamentos sobre a tipografia textual e seus sentidos junto ao texto verbal e à ilustração,

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destaque e apreciação das imagens e exposição de ideias e pontos de vista (nem sempre

consensuais) tanto da parte das crianças como da professora.

A interrupção é marcada também pelas respostas em coro ou individuais das

crianças, atendendo às perguntas feitas pela professora quanto à "decifração" de imagens,

"acerto" sobre o desenrolar do enredo, "aprendizagem" de bons modos de comportamento

pelos personagens etc. Há ainda as interrupções que ocorrem, na maioria das vezes, pela

entrada de um funcionário para dar recados às professoras, para fazer a contagem das crianças

para o lanche do intervalo, entre outros motivos. Uma prática de leitura que na escola é

movimentada pelos sujeitos que nela convivem.

Nesta comunidade de leitores (na/da escola), a leitura do livro ilustrado se

constitui pela objetivação da compreensão pelas respostas muito parecidas entre as crianças,

pela "formatação" de acordo com as orientações dadas em cursos de formação, pela

adequação ao sentido do texto pretendido pela professora, para um "acerto" de resposta a ser

conseguido com muito empenho da professora.

Professora: (vira a página) Senta Raiane! Tão vendo? Agora, vou fazer uma

pergunta pra vocês todos. Prestando atenção! Quem acha que o urso comeu o

coelho? (algumas crianças levantam a mão)

Professora: Quem acha que só sentou em cima do coelho? (outras crianças levantam

a mão)

Professora: Vocês não acharam que o urso estava muito bonzinho assim, o tempo

inteiro?

Algumas crianças: Sim!

Professora: (retoma a fala do urso) “Em todo caso, obrigado. Em todo caso,

obrigado. Em todo caso, obrigado”. Mas será que o urso é assim?

Criança 4: Não! Ele come.

Professora: Ele come, né? Ele é bravo! Então crianças, nossa história hoje vai

terminar aqui. Vão sentar direitinho nos lugares que vocês estavam.

Na prática de leitura, independentemente do tipo de livro - ilustrado ou não – para

cada resposta imprevisível das crianças verifica-se todo um esforço da professora para

enquadrá-las no sentido pretendido por ela, especialmente no final da história, ou quando se

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finaliza a prática de leitura. É o caso da criança 4, que desestabiliza a leitura da professora:

"Não! Ele come". Para driblar essa fala, a professora introduz uma característica própria deste

animal: "Ele é bravo!" (referindo-se ao comportamento do urso). A professora justifica o

gesto do personagem urso ao comer o coelho, trazendo para a leitura uma informação de "fora

do texto": o urso é um animal bravo, por isso comeu o coelho, embora durante toda a história

tenha se mostrado educado e gentil com todos os animais.

O fato de a leitura ser escutada e observada pelas crianças às vezes coloca em

xeque o pensamento da professora sobre sua leitura desde a apresentação da capa do livro,

aspecto esse que ganha maior movimento na leitura do livro ilustrado. Em uma das conversas

realizadas com a professora Neusa, foi possível observar o seu conflito diante dos

comentários das crianças no momento da aula em que, para ela (a professora), o desfecho da

história era certo e já estava dado. Recorrendo às transcrições do diário de bordo da

pesquisadora, compartilhamos a conversa:

Pesquisadora: O que você achou? (referindo-se à aula)

Professora Neusa: Eu gostei! Eu li umas três vezes o livro, mas eu não tinha

percebido que ele come o coelho. Ele comeu o coelho, não é? Aí, fica essa

interrogação, na verdade!

Pesquisadora: Você viu o que ele responde para o último bichinho? Ele comeu?

Professora Neusa: Então, porque aí ele respondeu do jeito que o coelho respondeu

pra ele. Eu ia questionar isso pra eles, mas aí pensei: “Deixa pra lá!”.

Pesquisadora: Ele diz: “Vou te devorar” ou “Eu não devoraria”, algo parecido.

Professora Neusa: Na verdade essa história do amigo urso é bem falsa. Eu li a

história pensando nisso e não nesse final que agora que percebi que é diferente. Não

consigo ter a certeza.

Pesquisadora: Então, essa foi uma leitura feita por você, com suas impressões,

deduções... E a leitura das crianças? Você esperava ser como a sua? A minha leitura

é a de que ele comeu, porque você lembra como o coelho falava sendo que ele

estava com o chapéu? O urso pode ter feito à mesma coisa! Ter dito que não comeu

sendo que comeu já que o coelho mentiu pra ele. Pelo menos eu acho isso...

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Professora Neusa: Ah! Mas eu vou retomar com eles a história. E também, agora

que eles estão prestando mais atenção e fazer com que eles observassem mais as

imagens.

Trecho da conversa realizada em 7 out. 2015.

O autor/ilustrador não explicita se o urso comeu ou não o coelho no final da

história, porém a professora insiste em uma única resposta que, por sua vez, induziu as

crianças a dá-la. Chamar a atenção dos alunos para o paralelismo das respostas do coelho

(início) e do urso (final) poderia constituir outros sentidos ou sentidos diferentes no final da

leitura pela leitura. Seria um outro modo possível de ler livros de literatura.

Na observação das práticas de leitura com o livro ilustrado, ainda que feita sempre

oralmente pela professora, com chamadas e interrupções, os alunos parecem se envolver nesta

"escuta" que não é propriamente apenas com os ouvidos. As crianças solicitam à professora

que retome páginas anteriores para confrontar com a cena atual, levantam-se para chegar

perto do livro, comentam com os coleguinhas o que foi observado, ações essas que dão uma

movimentação a esta prática. Um modo de ler muito próprio desta comunidade escolar-

infantil, que ouve, mas que também quer ver, que se desloca para se aproximar do livro.

4.3.1. O livro ilustrado: um objeto (des)conhecido nas práticas de leitura

Nos depoimentos das professoras, um dos aspectos acessados por nós é que se lê

tudo da mesma forma, incluindo os livros ilustrados. A professora Rosana ainda nos traz uma

afirmação: “[...] a gente pega o livro e acha que todo o livro é para trabalhar igual” (entrevista,

30 set. 2015). A pesquisadora Lilian Lopes Martin Silva, ao analisar práticas de leitura

desenvolvidas no ambiente escolar, nos anos 1980, coloca que:

A leitura que é negada contrapõe-se uma leitura instituída, uma leitura escolarizada,

feita de um só livro, de uma leitura só [...]. O material de leitura que a vida nos

oferece, se comparado ao material de leitura disponível nas escolas e considerado

legítimo para ensinar a ler, é muito maior e diversificado. A escola [...] fragmenta e

destrói a experiência que desde muito cedo na vida das pessoas é construída no

interior da diversidade e do que ela representa. (SILVA et. al, 1986, p. 42-43).

A autora nos aponta que na década de 1980, a leitura feita era aquela desenvolvida

pelo livro didático: de um só livro, com um sentido único, seguida da correção de um

questionário de interpretação do texto. Os livros de literatura praticamente estavam ausentes

das escolas.

Mais de trinta anos se passaram e, atualmente, há nas escolas a presença de muitos

livros de literatura infantil com ilustração ou ilustrados. No entanto, o tipo de leitura que se

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mantém também é aquela feita de um só livro, na busca por uma única resposta. Mesmo com

um acervo diversificado enviado às escolas pelos programas de incentivo à leitura, as práticas

que predominam são quase sempre aquelas que convocam apenas alguns poucos livros (os já

conhecidos pelas professoras), em uma concepção de leitura que é a de adequar a

compreensão ao sentido pretendido pelo professor.

Em relação às discussões acadêmicas, programas oficiais e instituições que

trabalham exclusivamente com formação de professores, os discursos apontam para mudanças

e multiplicidades de práticas diante da leitura, do ler e da literatura. Mas, na escola, a prática

de leitura continua conservadora, insistindo em um modo de ler controlado pela professora

(protagonista da ação).

Nessa direção, as práticas de leitura com o livro ilustrado mantêm a tradição

escolar em suas maneiras de fazer – como vimos no subtítulo anterior –, mas também

produzem/fabricam outros estilos de ação, alterando, por exemplo, a forma de pensar da

professora Rosana, que em seu depoimento afirma "[...] que todo o livro é para trabalhar

igual". Giard (2008, p. 270), ao discorrer sobre as artes de nutrir, trazendo a sequência de

gestos no interior da cozinha, destaca que a atividade nesse lugar “[...] é tanto mental como

manual: são mobilizados todos os recursos da inteligência e da memória. É preciso organizar,

decidir, prever. É preciso memorizar, adaptar, modificar, inventar, combinar, não esquecer

[...]”. Acrescenta ainda que, na cozinha, sempre é preciso calcular o tempo que se tem, saber

avaliar, improvisar, lembrar-se, combinar. Com as características que lhes são próprias, as

práticas de leitura também requerem tais operações, pois a todo momento as professoras se

organizam – com ou sem planejamento, mas há uma organização – decidem o que farão,

preveem possibilidades, mesmo que, às vezes, precisem se adaptar aos acontecimentos que só

o cotidiano traz. Um misto de operações que se combinam, se adaptam e se transformam.

Essas também parecem ser as práticas de leitura de um livro ilustrado que, nas mãos das

professoras, fabricam formas de ler, ainda que moldadas nas práticas de leitura já

incorporadas por elas, mas que em outra situação são (re)inventadas.

Um exemplo de operações incorporadas que parecem ser (re)inventadas envolve a

organização da classe durante as práticas de leitura do livro ilustrado realizadas pelas cinco

professoras pesquisadas. Essa organização nos chamou a atenção diferentemente das práticas

de leitura com livros de literatura. A partir das conversas que tivemos com elas (as

professoras) sobre o livro ilustrado, indicando ser ele um objeto a ser tocado e manuseado

pelo leitor, a configuração da classe se alterou, e a aula passou a ser em círculo, com todos

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sentados no chão, em carteiras organizadas em "U" ou semicírculos, crianças e professora

sentadas no fundo da sala ou em outro espaço da classe, ficando todos bem próximos uns dos

outros. A ideia era de que a prática incluísse outra organização diante da exigência do tipo de

livro.

Um ato proposto pelas professoras que, segundo os depoimentos, surgiu a partir

da leitura do livro ilustrado nos diálogos formativos e no momento do planejamento da aula.

Para as professoras, observar as ilustrações e suas relações com o texto verbal era necessário.

Sendo assim, como aproximar a criança do livro, já que havia um único exemplar da história

que seria lida? Partindo dessa questão, as professoras pensaram em outra organização das

crianças para o momento da leitura, com a intenção de que assim se aproximassem do livro

de modo a poderem observar melhor as ilustrações.

O conjunto de imagens da Figura 65 mostra as práticas de leitura do livro

ilustrado em outra configuração do espaço e, com isso, as crianças não mais se sentaram em

carteiras enfileiradas.

Figura 65: Organização das classes para o momento de leitura do 1º ao 5º ano.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora

A prática de ler o livro ilustrado trouxe à tona outra configuração na classe em

relação à organização das crianças para uma leitura diferente das realizadas nas práticas que

foram acompanhadas com a leitura de outros livros de literatura infantil por este grupo de

professoras.

No decorrer da pesquisa, observamos que além das aulas centradas em uma

professora que lê à frente dos alunos sentados em carteiras enfileiradas, outras práticas foram

sendo implementadas para a leitura dos livros ilustrados. Uma delas foi a leitura em roda. Nas

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fotos e registros feitos por nós, foi possível observar também outros tipos de organização da

sala: as crianças em círculo, mais próximas; a professora lê a história ora sentada em uma

cadeira, ora em pé, ora ainda no chão, lado a lado com as crianças. Parece-nos que as

exigências feitas por este tipo de livro provocou outra maneira de fazer e pensar a organização

do espaço. Embora sejam modos de ler presentes na escola, acreditamos que a prática de

leitura do livro ilustrado proporcionou que eles fossem realizados mais frequentemente,

principalmente nos anos finais do ciclo I. Um modo de ler que altera a disposição do professor

e dos alunos na classe se constituiu como uma iniciativa ligada à percepção das professoras

diante do trabalho com o livro ilustrado.

Devido à exploração, apreciação e leitura das imagens que as professoras

tencionam realizar e que passa a ter um movimento distinto das práticas realizadas com outros

tipos de livros, principalmente sob a perspectiva do leitor, no caso a criança, busca-se a

estratégia de aproximá-lo das informações presentes na leitura e, nesse caso, alterar a

configuração estrutural da classe passa a ser uma lógica que constitui a prática.

Mudou-se a disposição, mas o modo de ler continuou sendo oral, em uma lógica

que permanece a mesma: a professora lê e as crianças escutam e observam em um espaço

solitário que é a sala de aula, em que “[...] faz-se assim porque sempre se fez assim”

(CERTEAU, GIARD e MAYOL, 2008, p. 234). O que a prática de leitura do livro ilustrado

tem de inventivo é que as professoras "transferem" modos de ler da literatura infantil para o

livro ilustrado. Elas não conseguem se apropriar de outras práticas próprias deste tipo de livro;

elas "adaptam", adequam o que sabem e trazem a prática de leitura com os livros de literatura

infantil para a prática de leitura do livro ilustrado, sendo essa "transposição" um ato inventivo

(CERTEAU, 2007).

Apresentaremos uma cena de leitura de literatura infantil a fim de estabelecer

relações quando dissemos que a invenção se refere ao ato de transferir e/ou adaptar práticas de

leitura orientadas na escola com a prática de leitura do livro ilustrado, nas condições de sua

produção. Tomemos, como exemplo, uma aula realizada pela professora Flávia sobre o poema

Ou isto, ou aquilo, de Cecília Meireles, com as crianças de 3º ano. Considerado um livro com

ilustração, o texto verbal é privilegiado na prática para a compreensão da leitura, aspecto que

constitui a prática de leitura do livro com ilustração, como se pode ver:

Professora Flávia: Muito bem! O que será que a Cecília quis mostrar nesse poema

pra gente?

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Crianças: (fazem burburinhos, olham o poema, mas não respondem)

Professora Flávia: Posso fazer um convite? (e pergunta) Quem era tonta?

Criança 1: A menina.

Professora Flávia: Que menina?

Algumas crianças: A do poema.

Professora Flávia: Do poema.

Outras crianças: Do poema.

Criança 2: Professora, eu acho que a menina era tonta porque era muito desatenta

que não prestava atenção nas coisas.

Professora Flávia: Será?

Professora Flávia: Pergunta ali pro Pedro o que ele acha e pra Isabel (essas

crianças estavam conversando). Vamos lá, ela acabou de dar uma opinião. Repete

Valentina pra ver se eles concordam.

Valentina: Que a menina era tonta porque tá escrito aqui: “Ah! Menina tonta, toda

suja de tinta mal o sol desponta. Sentou-se na ponte, muito desatenta...”. Aqui,

olha, desatenta.

Professora Flávia: É isso que fazia a menina tonta? É?

Criança 3: Sou obrigado a concordar com a Valentina.

Professora Flávia: Por que você é obrigado a concordar com a Valentina?

Criança 3: Por causa da menina que era desatentada.

Professora Flávia: Desatentada?

Valentina: Desatenta (fala em um tom de correção à palavra que a outra criança

falou).

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Professora Flávia: Por que desatentada? (frisa bem a palavra “desatentada” na hora

da pergunta).

Valentina: Aquela pessoa que não presta atenção nas coisas.

Professora Flávia: Ah! Desatenta ou desatentada?

Criança 3: Desatenta.

Professora Flávia: Ele fez essa abordagem porque desatentada combina, mas é

desatenta, tudo bem? Deixa eu fazer uma pergunta que ela fez aqui pra gente?

Quem é que a ponte pinta com tanta tinta?

Crianças: Ela mesma.

Professora Flávia: Quem?

Crianças: Ela mesma!

Professora Flávia: Ela quem?

Crianças: (fazem muitos burburinhos enquanto retomam a leitura para ver quem era

ela). Uma criança responde: A ponte.

Criança 4: A ponte?

Criança 5: Porque a menina não é!

Professora Flávia: A menina não é! Quem é?

Criança 6: É que a menina pintou e nem percebeu que ela pintou.

Criança 7: Ela pintou a ponte.

Criança 8: A ponte não, porque era a menina que estava pintando.

Professora Flávia: Então, vamos fazer um convite? Agora eu estou convidando

vocês... em cada dupla aí, dá uma lida nesse poema, vocês que estão com seus

pares aí. Dá uma lida, vamos ver se aparece alguém.

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Trecho da aula realizada 19 out. 2015.

Na leitura do livro com ilustração, encontramos o ler para compreender, porém

ancorado no texto verbal, pois desde o início da aula a professora faz perguntas com a

intenção de ver se as crianças compreenderam o poema. A professora está tentando estocar,

segurar, prender a leitura: quem é? Ela quem? O que o colega disse? O que significa?

As crianças, diante da leitura feita pela professora e com um exemplar do livro em

mãos, distribuído por duplas de alunos, escutam e também observam as ilustrações, o que

potencializa a observação das crianças e permite colocações mais aguçadas e desafiadoras

para a própria professora que conduz a leitura:

Pedro: Eu acho que foi ela que pintou a ponte porque aqui (retoma a leitura do

trecho do poema) “Quem é que a ponte pinta com tanta tinta?”. É claro que ia ser a

menina porque ela é tonta.

Professora Flávia: É mesmo?

Crianças: (começam a fazer diversos comentários).

Criança 1: E também professora, a menina é a única personagem que está aqui no

livro porque não tem mais nenhuma outra pessoa. Tem o balde e o pincel.

Criança 2: É que o balde tem a mesma cor da tinta.

Criança 3: Mas eles não são pessoas.

Professora Flávia: Vocês estão falando que na imagem do livro existem algumas

pistas, né?

Criança 4: O balde.

Professora Flávia: O balde!

Criança 5: O pincel.

Professora Flávia: O pincel! A ponte.

Criança 6: E a ponte tá pintada da cor que ela sujou o vestido.

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Criança 7: Mas não foi ela que pintou porque ela tava desatenta e se fosse ela não

sujaria o vestido.

Figura 66: Momento de questionamentos das crianças

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora

(Trecho da aula realizada em 19 out. 2015)

O questionamento das crianças e as falas durante a leitura parecem apoiar-se nas

ilustrações e não no texto, como pretendido pela professora. Nessa direção, as crianças “[...]

criam, elas imaginam, elas nomeiam [...]. Agora, quando a criança pega o livro e lê o livro, ela

se sente gigante, ela se sente grande” (FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015). Enquanto as

crianças debatem e levantam suas hipóteses, por alguns instantes, a professora silencia e

retoma o livro parecendo olhar para a imagem que o poema traz a fim de confrontar com os

ditos das crianças (Figura 66). Elas (as crianças) leem a ilustração e, nesse tipo de leitura,

explicam/justificam sua interpretação do texto verbal pela ilustração. Ela parece fazer o

mesmo caminho: ler a ilustração para melhor compreender. A valorização da imagem pela

professora como um dos fatores para a compreensão do poema parece ligar-se à prática de ler

livros ilustrados trabalhados por nós durante a pesquisa. A professora parece deslocar o papel

central que a ilustração ocupa no livro ilustrado para a leitura do livro de literatura com

ilustração.

Com o livro ilustrado, as práticas de leitura, inscritas no jogo entre o formato do

livro, o estilo da ilustração, a diagramação, a tipografia, o uso das cores e a relação

texto/imagem mostraram-se exigentes, conforme podemos observar na aula do 3º ano,

também realizada pela professora Flávia durante a leitura do livro Vozes no Parque, de

Anthony Browne. Interessante notar que, diferentemente da aula realizada com o poema Ou

isto, ou aquilo, nesta aula há uma tentativa de relacionar texto e ilustração porque o livro

assim exige e porque parece que para ela a ilustração tomou centralidade na compreensão do

verbal.

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Professora: A leitura de hoje se chama “Vozes no parque”.

Criança 1: A letra é bem grande!

Professora: É! Realmente ajuda bastante porque o tamanho dele já é diferente e

ajuda... E aqui o autor é o Anthony Browne. Ele, com certeza, deve ser uma pessoa

que mora em outro país, tá!

Valentina: Engraçado! O “w” tem som de “u” ou de “v”. Igual Wesley que tem o

“w” com som de “u”.

Professora: É! A editora é a Pequena Zahar, tá! A editora que fez esse livro, que

editou e que pensou em toda essa organização. Então, a gente já olha aqui na capa e

já faz uma observação, né! A gente consegue observar e vocês já estão observando.

A gente tem o que aqui nessa capa?

Crianças: Um parque, uma praça, um cachorrinho, pessoas, árvores gigantes.

Professora: Então, vamos lá! Nós temos pessoas?

Algumas crianças: Dois meninos.

Professora: Ah! Dois meninos?

Criança 2: Eu tô vendo uma flor gigante lá atrás prô.

Professora: E cachorro! Muito bem! E uma planta gigante aqui.

Criança 3: E as letras.

Professora: As letras.

Criança 4: Tem também um caminho.

Professora: E um caminho. Muito bem! Então, já temos pistas importantíssimas pra

gente poder começar a nossa história. Aqui, novamente a outra capa, né! “Vozes no

parque”...

Criança 5: Tem um chapéu vermelho.

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Professora: Olha que interessante! Tem a tradução de Clarice Duque Estrada, então

esse livro veio de outro país mesmo. Ela traduziu e trouxe ele pra gente pra

podermos entender na Língua Portuguesa. E a editora, novamente, a Pequena

Zahar. Então, vamos lá! Começando! (começa a leitura) “Primeira voz: Estava na

hora de levar Leopoldina, nosso labrador com pedigree, e Carlos, nosso filho, para

um passeio” (a professora mostra o livro).

Criança 6: Eita casona!

Professora: Todo mundo sabe o que é um labrador?

Crianças: (em coro) Cachorro.

Professora: Cachorro! Muito bem! (continua a leitura) “Chegando ao parque, tirei a

coleira de Leopoldina. Na mesma hora surgiu um vira-lata imundo, que começou a

chateá-la. Eu o enxotei, mas aquele bicho horrível perseguiu-a por todo o parque.

Mandei-o embora, mas ele me ignorou solenemente. – Sentado – eu disse a Carlos.

– Aqui” (a professora, durante a leitura, realiza expressões e gestos condizentes

com a passagem da história como se fosse uma singela dramatização. A professora

mostra o livro).

Crianças: É um macaco? Macaco? Macaco? Nossa! Um macaco?

Figura 67: Livro Vozes no Parque, de Anthony Browne, 1ª edição, p. 2-3.

Professora: Macaco?

Criança 7: Como assim?

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Criança 8: É um chimpanzé.

Criança 9: É um macaco estranho.

Criança 10: Não é chimpanzé não! É um gorila.

Criança 5: Olha! O chapéu vermelho é do gorila!

Professora: Prestem atenção aqui! Posso voltar na primeira página rapidamente?

Nesta primeira página aqui, vocês avistaram o personagem. Quem são esses

personagens? São os mesmos que estão aqui?

Crianças: Sim.

Professora: Aqui, eles estão maiores! Esse personagem aqui, na figuração desse

livro, ele está entrando aqui como dois personagens aqui. Então, aqui se eu for

pensar bem, quem é o Carlos?

Algumas crianças: O pequeno.

Professora: O pequeno. E quem é esse personagem que está aqui?

Crianças: O gorila.

Professora: Mas ele tá em que personagem?

Algumas crianças: É o pai.

Professora: Pai?

Criança 8: Mãe.

Professora: Por que você acha que é uma mãe?

Criança 8: Porque é parecida com mulher.

Professora: Parecida com mulher! E por que vocês acharam aqui que era um

homem ou uma figura masculina?

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Criança 10: Por causa do chapéu.

Professora: Mulher não usa chapéu?

Criança 11: Professora volta uma página (a professora volta). Ele é o dono do

cachorro!

Criança 8: É dona porque tá de salto alto.

Professora: A dona do cachorro?

Crianças: É.

Figura 68: Crianças curiosas e atentas às ilustrações.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora

Professora: Bom, posso virar a página pra gente continuar? Já esclarecemos aqui os

personagens, os animais... Ficou claro que se trata de uma figura feminina, né?

Então, vamos lá! (continua a leitura) “Eu estava planejando o que iríamos jantar

quando percebi que Carlos havia sumido. Oh Deus! Onde ele estaria?” (mostra a

página).

Criança 10: Carlos é o filho!

Professora: Aonde ele estaria?

Valentina: Peraí professora! Como é que fala o nome do cachorro e do filho e não

fala o nome da mãe?

Professora: Pois é, vamos aguardar as próximas linhas pra ver se vai ter nome.

Criança 12: Quem é aquele outro ali?

Criança 13: Eu acho que é a vovó.

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Criança 14: Só pode ser vovó... pra usar uma roupa dessa! (uma criança, não

satisfeita da distância com a ilustração, levanta para ver mais de perto os detalhes).

Figura 69: Criança quer ver os detalhes da ilustração.

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora

Professora: Posso continuar? (continua a leitura com entonação, gestos e expressões

condizentes com a cena autoritária da mãe) “Há tipos assustadores no parque hoje

em dia! eu o chamei por um tempo aparentemente infinito. Então o vi conversando

com uma criança de aparência muito malcuidada. – Carlos, venha aqui. Agora! – eu

disse. – Venha aqui, Leopoldina, por favor. Voltamos para casa em silêncio”

(mostra a página às crianças).

Criança 8: É a ilustração da capa.

Professora: (mostra a próxima ilustração)

Professora: É igualzinha a da capa?

Crianças: Não.

Professora: Por que?

Criança 13: Porque não tem aquela planta.

Professora: Não tem aquela planta?

Algumas crianças: Tá pegando fogo.

Professora: Tá pegando fogo? Onde?

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Algumas crianças: Lá atrás!

Professora: É... essa primeira voz, me pareceu que ela estava de que maneira?

Criança 14: Brava.

Professora: Mas quem estava brava?

Crianças: (em coro) A mãe.

Valentina: A mãe não estava brava ela estava nervosa!

Professora: Ela tava nervosa, brava...

Criança 14: Nervosa e brava é tudo o mesmo negócio.

Professora: Vamos prestar atenção nas pistas. Estamos trabalhando com pistas: ela

estava nervosa, tava brava...

Professora: Combina com essa imagem de árvore queimando? Vamos voltar à

pergunta: vocês acham ou concordam que as árvores queimando representam ela

brava e nervosa?

Criança 15: Ela tá na direção de indo embora pra casa.

Professora: Sim! É o que está dizendo o último parágrafo: “Voltamos para casa em

silêncio”.

Criança 16: Ali não é pegada! É folhas!

Professora: Folhas.

Criança 16: Ela tava encostada na árvore e queimou.

Professora: Tá! Então vamos guardar essas pistas.

Criança 17: É uma hipótese.

Criança 18: Será que a árvore tá pegando fogo porque caiu algum raio?

Criança 16: Será que a árvore tá pegando fogo por causa do Carlos?

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Professora: (balança a cabeça como quem diz: quem sabe)

Professora: Então, eu tenho que continuar a história pra ver se a gente consegue

entender.

Criança 18: Mas vocês viram que tinha um homem do lado dela?

Criança 19: É mesmo professora!

Professora: (volta às páginas do livro) É esse aqui?

Crianças: (em coro) É. (As crianças apontam o macaco que apareceu na cena).

Professora: Agora eu vou retomar a leitura (continua a leitura) “Segunda voz: Eu

precisava sair de minha casa, então eu e a Manchinha levamos o cachorro no

parque” (a professora se concentra antes de iniciar a leitura e muda o tom de voz

em relação à primeira voz. O que, até então, estava autoritário agora passou um ar

depressivo. Mostra as páginas às crianças).

Crianças: (observam atentamente)

Criança 14: De novo aquele cara.

Criança 20: Nossa prô, tudo tá triste aí. Até os desenhos daqueles quadros ali oh!

Criança 14: Só o menininho que não tá triste.

Criança 21: As árvores nem tem folhas.

Figura 70: Algumas crianças se levantam para ver a imagem

Fonte: Foto tirada pela pesquisadora

Trecho da aula realizada 29 out. 2015

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A aula de leitura de Flávia com o livro ilustrado – Vozes no Parque – teve a

duração total de cinquenta minutos. Na escuta da palavra ledora feita pela professora, a

criança estabelece, inicialmente, relações entre as tipografias textuais utilizadas neste livro,

quando diz: "A letra é bem grande!", indicando ser a materialidade um aspecto importante na

produção de sentidos nesse momento da leitura.

Antes de ler o enredo, a professora chama a atenção das crianças para o título,

autor, editora, conforme orientado por programas de formação. A cena dessa prática também

nos permitiu confirmar que uma maneira inicial de ler a ilustração é descrevê-la e identificar

informações sobre a produção da obra: autor, ilustrador, editora etc. Podemos observar esse

aspecto quando a professora diz que,

A editora é a Pequena Zahar, tá? A editora que fez esse livro, que editou e que

pensou em toda essa organização. Então, a gente já olha aqui na capa e já faz uma

observação, né! A gente consegue observar e vocês já estão observando. A gente

tem o que aqui nessa capa? (Professora Flávia, aula, 29 out. 2015).

Para a professora, ler a escrita das ilustrações também envolve, além da descrição

e informações sobre o livro, a observação, a análise e o levantamento de hipóteses quanto ao

entendimento do enredo. As falas das crianças tentam "adequar-se" às orientações de leitura

da professora: "É dona porque tá de salto alto", argumentando para fundamentar suas

opiniões, pela observação e análise da ilustração. A prática de levantar hipóteses para o

entendimento da história é tão incentivada, atualmente, pela professora e pela escola que as

próprias crianças já sabem nomeá-las ao discutir sobre uma ilustração: "É uma hipótese";

sabem checá-las: "Mas vocês viram que tinha um homem do lado dela?".

Na observação em sala de aula, vimos que as crianças estão constantemente

expostas a práticas de leitura que convocam a observação das ilustrações, seja com o livro

ilustrado ou com os de literatura: ler a ilustração; observar os recursos tipográficos; dar um

sentido como hipótese; ir e voltar na ilustração; perguntar para a professora; confirmar com os

colegas - são formas aprendidas pelas crianças nesses momentos de leitura. A professora

Flávia ressalta isso ao trabalhar com as crianças: "Vamos prestar atenção nas pistas. Estamos

trabalhando com pistas: ela estava nervosa, estava brava...", trazendo para a leitura, um modo

para observação de detalhes das ilustrações. É o caso, por exemplo, em um dos trechos da

aula, quando a professora Flávia diz: "Prestem atenção aqui! Posso voltar na primeira página

rapidamente? Nesta primeira página aqui, vocês avistaram o personagem. Quem são esses

personagens? São os mesmos que estão aqui (referindo-se as páginas subsequentes)?". Trata-

se de uma prática de leitura conduzida pela professora em que os alunos

checam/comparam/observam/identificam aspectos importantes para sua compreensão. Nessa

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direção, a professora vai e volta na página perguntando, mostrando e comentando, e a criança

também solicita para que a professora volte, mostre, pergunte e comente a leitura: uma prática

de ler o livro ilustrado na escola, que pouco se distancia das práticas de ler livros de literatura.

A criança, familiarizada com esta prática conduzida pelo ir e voltar às páginas do

livro solicita, conforme vemos: "Professora volta uma página (a professora volta). Ele é o

dono do cachorro!". São operações de "conferência", de acertos, de entendimento pelo gesto

de ir e voltar às páginas: uma leitura que afina e confirma sentidos; uma leitura "sem pressa";

sem saltos; disciplinada.

As crianças, através de seus gestos, expressões e ações, mostram que o livro

ilustrado, assim como outros enquanto objeto, pode ser manipulado e tocado de muitas

maneiras e repetidamente, pois na leitura de detalhes, nos apontamentos de detalhamentos, na

imitação dos personagens, nos comentários de suas impressões com o colega ao lado,

arregalando os olhos, batendo palmas, passando a mão sobre os cabelos e vivendo a história

enquanto escuta, elas (as crianças) enquanto leitoras, produzem essas ações que orientam

proposições que podem compor as práticas de leitura do livro ilustrado que, por sua vez, não

se restringem à leitura oral, tão corrente na escola. As perguntas na leitura das ilustrações,

tanto as das professoras quanto as das crianças, geralmente são orientadas no sentido de

acertar o que o texto diz mais do que explorá-lo em seus sentidos ambíguos. São muitas

perguntas, praticamente uma atrás da outra, algumas vezes repetidas por mais de uma criança,

outras vezes dispara-se uma série de perguntas distintas entre elas para o mesmo aspecto da

ilustração, na busca de um sentido comum:

Crianças: É um macaco? Macaco? Macaco? Nossa! Um macaco?

Professora: Macaco?

Criança 7: Como assim?

Criança 8: É um chimpanzé.

Criança 9: É um macaco estranho.

Criança 10: Não é chimpanzé não! É um gorila.

São perguntas feitas oralmente pelas crianças, não só em pensamento, para

entender a surpresa que rompeu com a expectativa linear e esperada do desenvolvimento do

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enredo. É uma prática barulhenta, que busca acertos, possibilidades de dizer, de surpreender-

se oralmente, de trocar sentidos com os colegas; uma prática que se mostra fragmentada,

pausada, controladora, com vozes simultâneas que se fazem ouvir além do texto, tanto das

crianças quanto da professora.

Ao término da aula, pesquisadora e professora dialogam sobre o ocorrido, as

impressões suscitadas e, nesse movimento, discutem possíveis aspectos que parecem se

distinguir das leituras realizadas junto aos livros com ilustrações. O diálogo abaixo elucida

melhor essa situação:

Pesquisadora: Flávia, após essas duas aulas de leitura com o livro ilustrado, o que

você pode levantar como principais aspectos que alteraram, transformaram ou

modificaram sua prática?

Professora: Nossa! Posso enumerar pra você porque tudo é muito diferente. Vamos

lá: é outro tipo de leitura, é outra abordagem.... O professor precisa estar preparado

na leitura, humanamente e emocionalmente, pois é uma leitura que exige escuta,

atenção e diálogo intenso. A questão é que para esse tipo de aula é necessário ter

formação. Acho também que, após a intensidade da leitura o professor fica esgotado,

mas no sentido bom porque sobre uma adrenalina, exige posicionamento o tempo

inteiro e uma postura até porque os livros são diferentes e eu senti alteração na

leitura do primeiro para o segundo livro ilustrado. No segundo livro a trama é mais

complexa... Capturar o que as crianças colocam e filtrar as informações faz com que

o professor esteja presente e atento a todo o momento para saber o momento de

questionar, voltar, informar. Senti vida ao contar uma história como essa. Esse

movimento que eu fiz exigiu um comportamento diferente: entender o livro,

selecionar o que queria trazer à tona na leitura, ter uma postura de encenação. Exigiu

também um movimento diferente da parte das crianças: a leitura seguiu outra ordem,

essa história não era linear e as crianças estão acostumadas com a leitura linear

(situação inicial, conflito e desfecho). Não que essa não tenha, mas a forma e a

complexidade é outra. (Diálogo realizado com a professora Flávia após a aula

acompanhada, 29 out. 2015).

Há necessidade de um investimento por parte da professora na leitura do livro

ilustrado que ela não constata e não percebe em outras práticas de leitura para crianças. Para

ela, ler um livro ilustrado para as crianças exige presença ativa da professora antes, durante e

depois da leitura. Trata-se de uma prática, em sua opinião, que se desenvolve/constrói uma

interação com o objeto livro, interação com os colegas, interação com a professora e interação

com a leitura. As crianças não ficam como espectadoras de uma leitura e nem passivas diante

de perguntas a serem respondidas, pois quando conseguem acessar a imagem e ver que ela

acrescenta sentidos além do verbal, os comentários, os sentidos, as apreciações, as

indagações, as conexões, as hipóteses se fazem presentes em suas falas, sem ficar na

dependência da voz da professora. A fala de Flávia parece se aproximar daquilo que os

estudiosos preveem para a leitura do livro ilustrado:

No livro ilustrado, é possível definir uma regra a priori. Cada obra propõe um início

de leitura quer por meio do texto, quer da imagem, e tanto um como outro pode

sustentar majoritariamente a narrativa. Se o texto é lido antes da imagem e é o

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principal veiculador da história, ele é percebido como prioritário. A imagem

apreendida num segundo momento pode confirmar ou modificar a mensagem

oferecida pelo texto. Inversamente, a imagem pode ser preponderante no âmbito

espacial e semântico, e o texto ser lido num segundo momento. (LINDEN, 2011, p.

122)

As práticas de leitura observadas por nós indicam aquilo que Linden (2011) traz a

respeito das possíveis maneiras de estabelecer a relação entre texto e imagem. Em sua

maioria, as práticas de leitura não foram conduzidas pelas professoras por uma busca de

comprovação redundante de sentidos possíveis de serem buscados igualmente na linguagem

textual ou na ilustração. As professoras souberam, aproveitando a maioria dos livros

selecionados por nós, explorar a articulação de complementariedade constituída pelo jogo de

sentidos entre texto e ilustração. Também houve momentos em que as professoras e as

próprias crianças puderam questionar a relação de disjunção, oposição, contradição entre texto

e imagem, como, por exemplo, no livro Hora de sair da banheira, Shirley!, de John

Burningham, no qual há a contraposição, na hora do banho, entre a visão da criança e a visão

de sua mãe.

O livro Um bebê vem aí, do mesmo autor, em parceria com Helen Oxembury, lido

com as crianças do 2º ano, também apresenta essa contradição entre o pensamento da mãe

acerca do bebê que irá nascer e o pensamento do seu filho, que está à espera do irmão. Essa é

considerada uma relação mais rara, porém quando os livros são criados nessa perspectiva, a

contradição questiona o leitor e deixa aberto um campo para possibilidades de sentidos devido

às vias paralelas que texto e imagem seguem neste tipo de obra. Considerando essas relações

existentes entre texto e imagem é que as professoras perceberam a importância de um

planejamento, do estudo e da leitura mais atenta do livro antes de levá-lo à turma, da abertura

para ouvir os leitores e de conduzir, de certa forma, a compreensão do enredo.

As práticas de leitura observadas também nos mostraram que o sentido não é

apenas determinado no texto ou na ilustração, mas é inferido pela entonação, pela relação com

o outro, como podemos ver durante a leitura realizada pela professora Carina com as crianças

de 5º ano sobre o livro Fico à espera, de Davide Cali e Serge Bloch. A voz da professora,

macia, pausada, doce e delicada possibilitou o envolvimento dos alunos, a tranquilidade, a

observação diante dos acontecimentos explicitados pelo enredo, a curiosidade e o desejo de

compreender a trama da história.

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Professora Carina: Vamos continuar (continua a leitura acrescentando “Fico à

espera” ao trecho lido sendo que não há) “...de que meus filhos me visitem... de

que, em breve, a família cresça”. Será que a família vai crescer? Observem bem!

Figura 71: Livro Fico à espera, de Davide Cali e Serge Bloch, 1ª edição, p. 46.

Professora Carina: O que é isso aqui dela?

Crianças: É um bebezinho...

Professora Carina: Um bebê.

Criança 1: Tô tentando entender isso tudo... tô quase... tô quase...

Trecho da aula realizada em 3 de nov. 2015.

Ao dizer: "Observem bem", a professora chama a atenção para um "sinal" na

ilustração que simboliza, que remete para a presença de um bebê na barriga de uma mulher.

Nesses casos, a ilustração "concretiza" a resposta à pergunta no texto: "Será que a família vai

crescer?".

Em outra cena realizada com crianças de 4º ano, encontramos a seguinte situação:

Professora Rosana: (continua a leitura) “Hannah desceu as escadas correndo para

contar ao pai o que tinha acontecido. – Feliz aniversário, querida – ele disse. –

Você quer ir ao zoológico? Hannah olhou para ele” (mostra a página do livro).

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Figura 72: Ilustração do livro Gorila, de Anthony Browne, 1ª edição, p. 28.

Criança 1: Eu tava enganada... é o pai!

Professora Rosana: Quem levou a Hannah ao zoológico?

Crianças: (em coro) O pai!

Professora Rosana: Por que agora vocês acham que é o pai? Olha lá! (continua a

leitura) “Ela estava muito feliz” (mostra a página).

Figura 73: A ilustração dá pistas à leitura, complementando as informações dadas pelo texto verbal, p. 29.

Criança 1: É o pai! É o mesmo tamanho...

Criança 2: Ele levou o macaco também!

Criança 3: Igual a outra cena dela com o macaco e agora com o pai.

Professora Rosana: (volta à cena e compara as imagens).

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Figura 74: Hannah com o macaco e com o pai, p. 21 e 29.

Criança 3: Tá vendo! Tá vendo! É mais uma pista!

Criança 4: Essa história parece de investigação.

Professora Rosana: Mas ele realizou o sonho dela e ela pode estar imaginando

coisas aí, não pode?

Criança 5: Não tem como ser imaginação, professora! É o pai dela! Olha na outra

página que tem a banana no bolso dele...

Criança 6: Tá vendo! Por isso o gorila comeu banana, porque o pai gosta de banana

e como era o pai ele comeu a banana.

Criança 7: Tá vendo! Eu sempre falei que era o pai.

Professora Rosana: Por que você sempre achou que fosse o pai?

Criança 7: Primeiro: o pai não apareceu mais na história. Era do mesmo tamanho

do pai, a roupa cabia, o sapato e o chapéu... Depois, é... ele sabia o nome dela,

sabia que ela era carente e não passeava com os pais.

Trecho da aula realizada em 14 out. 2015

Nessas práticas de leitura, as crianças exercitam o tempo todo o levantamento e a

confirmação de suas hipóteses, apontando pistas deixadas nos textos verbais ou imagéticos,

atentando-se aos detalhes das cenas, argumentando, estabelecendo relações. Tais práticas são

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insistentemente moldadas por um jeito de ler, com perguntas e comentários das crianças, com

intervenções no enredo pela professora fazendo perguntas em que ela vai destacando aquilo

que provavelmente as crianças não perceberão sozinhas e que ela considera importante.

Diferentemente das leituras com outros livros de literatura infantil, em que as perguntas feitas

pelas professoras envolvem praticamente, quase exclusivamente, o texto verbal, na prática

com os livros ilustrados, as professoras atentam-se para propor intervenções para que a leitura

da ilustração possa ocorrer na relação com o texto escrito e com os paratextos do livro.

As práticas de leitura com o livro ilustrado se mostraram muito parecidas com as

do livro de literatura infantil: oral, único exemplar, conduzida/direcionada pela professora

(que pergunta/mostra/responde), fragmentada e pausada pelas perguntas da professora e das

crianças; com levantamento de hipóteses apoiadas no texto, na ilustração, na vivência das

crianças, no conhecimento de mundo da professora. Uma prática de leitura que se caracteriza

especialmente como aquela que, mesmo perguntando ou lendo o texto, é

direcionada/disciplinada pela professora. O entendimento do enredo é construído a partir da

identificação de "pistas" destacadas pela professora, tanto no texto quanto na ilustração. De

certa forma, trata-se de uma "transposição" e uma homogeneização das práticas de leitura de

livros de literatura, na escola.

Se há mudanças, é no esforço das professoras, no interesse delas, no seu

investimento para explorar mais as ilustrações, sem privilegiar os sentidos dados pelo texto

verbal. Também um esforço para contemplar mais as leituras dos paratextos, das tipografias

textuais e do projeto gráfico do livro. Dentre todas as mudanças, a que mais se destaca é o

valor de prestígio dado pelas professoras ao livro ilustrado nas aulas observadas. Esforçaram-

se, dedicaram-se a dar às ilustrações um papel importante para o entendimento do leitor.

Por último, uma das mudanças visíveis é na forma que as professoras disseram ter

estabelecido uma relação diferente com o uso do livro ilustrado na escola. Para elas, lidar com

as ilustrações que se mostram mais exigentes, de maior complexidade, acarretou a

necessidade de se preparar melhor, planejar, controlar a "adrenalina" junto às falas das

crianças.

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ESTE NÃO É O FIM, MAS UMA MANEIRA DE OLHAR PARA AS

PRÁTICAS DE LEITURA DO LIVRO ILUSTRADO

Fonte: acervo pessoal da pesquisadora. A criança e o livro O túnel, após a aula de leitura no 5º ano.

A leitura para mim é bem legal porque quando pego o livro na mão eu posso ler a

história e ver a imagem ao mesmo tempo, eu posso até começar a leitura pelo final

porque aí já sei o que vai acontecer e fico depois pensando no que acontece em cada

parte para chegar no fim. Agora, o que eu gosto mesmo é de histórias em que eu

tenho que descobrir coisas como se fosse um detetive e quando a professora traz

livros assim eu leio e já olho os desenhos porque lá tem coisas que não estão na

história. (Criança do 5º ano durante uma conversa com a pesquisadora sobre o que é

leitura, out. 2015).

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Desde o momento em que propusemos a realização de uma pesquisa que

investigasse as práticas de leitura do livro ilustrado, tínhamos como hipótese a complexidade

que é conhecer as maneiras de fazer, problematizando-as sem avaliação, julgamento e crítica

por parte de quem as analisa, aqui no caso, a pesquisadora. Sabíamos também como seria

difícil deslocar o nosso olhar da análise das práticas do professor para analisar as práticas de

leitura como propostas institucionalizadas pela escola, pelos programas oficiais e pelas

orientações dadas em cursos de formação continuada. Ao pensarmos nessa perspectiva, nossa

intenção foi conhecer e discutir como são as práticas de leitura a partir das vozes das

professoras e da observação em sala de aula. Conhecer levando em conta vários aspectos: as

representações que nós (pesquisadora e professoras) trazemos a respeito da escola, da leitura,

da formação, da literatura, por exemplo; as imagens construídas a partir do papel que

ocupamos na instituição: eu, supervisora/pesquisadora e as professoras, coordenadas em

entrevistas por mim, é outro exemplo. Participamos de um campo minado em que crenças e

experiências se misturam e se fundem no cotidiano escolar motivadas por inúmeros

programas de formação destinados aos professores e que envolvem questões de tempo,

responsabilidade com um currículo escolar, entre outras.

Mergulhar nas práticas foi e é um processo desafiador, pois as maneiras de fazer e

os aspectos que orientam/comandam essas práticas se constituem numa relação ambígua,

tensa e complexa. De início, tínhamos como hipótese que conhecíamos as práticas de leitura,

porém as análises mostraram que conhecê-las é mais do que ouvir diálogos, acompanhar a

leitura de um livro em uma aula, analisar falas das crianças e intervenções das professoras.

Conhecer as práticas é mergulhar em um cotidiano escolar que produz seus modos muito

particulares de lidar com o conhecimento. Conhecer as práticas de leitura não é só analisar

como se lê em sala de aula, mas, junto a isso, conhecer as finalidades de leitura, as

concepções de literatura infantil, leitor, leitura e criança, a importância e o valor dado à leitura

por este grupo de professoras. Enfim, conhecer as práticas de leitura não é conhecer apenas o

fazer, mas juntamente todos os aspectos que o envolvem.

Essa pesquisa foi movida pela importância que a leitura ocupa no discurso

pedagógico e na própria formação desta pesquisadora. Talvez por isso, as professoras que

aceitaram participar de nossa pesquisa mostraram que compartilhavam conosco o valor dado à

leitura, presente nas práticas analisadas:

Leitura é tudo! Se você não lê, você não interpreta. [...] Leitura e interpretação é

tudo! (ROSANA, entrevista, 30 set. 2015)

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186

[...] ler literatura é ter um livro de boa qualidade, que tenha as características básicas

de uma narrativa, que tenha um enredo, a literatura são livros que tenham a questão

também da imagem, que tenha uma composição boa de um livro de boa qualidade

[...]. Quando se fala em literatura, eu não me vejo só com os clássicos, penso numa

literatura já abrangente, então livros de boa qualidade tanto de escrita como de

imagem [...]. (CARINA, 23 out. 2015)

[...] a leitura do livro de literatura, do livro ilustrado e de outras leituras não tem

diferença porque existem as mesmas emoções. Se você está lendo um jornal, você

vai ler uma notícia, envolve emoção, envolve conhecimento, envolve imagens

também [...]. E o gibi também ele envolve muitas situações só que o gibi ele traz

muito claro tudo quanto às imagens. (NEUSA, entrevista, 28 set. 2015)

A pesquisa foi revelando também diferentes finalidades de leitura que emergem e

são incentivadas nos discursos oficiais, nos cursos de formação, nas salas de aula.

Conhecer as práticas de leitura com o livro ilustrado em sala de aula possibilitou o

encontro com leitores adultos e leitores crianças em determinadas condições de produção.

Foram feitas aulas específicas para o livro ilustrado com a professora, e com a turma pela

professora. Em muitas situações, os leitores adultos pareceram não atribuir importância à

ilustração por achá-la redundante em relação ao texto verbal ou por privilegiarem o texto

escrito, valorizado em uma cultura escriturística, especialmente na escola.

No decorrer dos encontros da pesquisadora com as professoras, foram sendo

realizadas práticas de leitura valorizando livros onde a ilustração não “traduz” aquilo que está

escrito pela palavra. Houve esforço para que nas leituras do livro ilustrado tanto o adulto

quanto a criança estabelecessem relação através do olhar que não mais desliza linearmente e

unicamente por entre as linhas; olhar que parece saltar diferentes páginas, num movimento de

ida e volta na leitura, de descida e subida nas páginas; olhar por toda a página, permitindo

uma comparação com as informações entre ilustração, texto, tipos de letras; olhar que busca

pistas para estabelecer conexões, levantar hipóteses e, constantemente, revisá-las,

privilegiando o jogo entre texto, imagem e suporte.

O grupo de professoras pesquisado não conhecia o conceito de livro ilustrado

dado pela indústria editorial, sendo apresentadas a esse formato pela pesquisadora, num

diálogo formativo também marcado pelas relações hierárquicas e pelo poder que se desloca

para o pesquisador como formador. Em nossos diálogos, descobrimos que cada professora diz

ter uma concepção e uma relação bem marcada com a literatura.

[...] na parte da literatura que você está envolvendo as crianças ali é um novo mundo

para elas que faz com que elas saiam um pouco de tanto problemas que elas

enfrentam. (NEUSA, entrevista, 28 set. 2015)

[...] literatura infantil são livros que você pode passar pra criança. [...] o mais

importante é que ela faça com que a criança crie fantasia, possa viajar, que ela possa

guardar as histórias dentro dela. [...] Então a literatura infantil é tudo! Pode ser a

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antiga, pode ser a nova [...]. Desde que faça a criança guardar, que ela possa pensar

e, nesse pensamento dela, ela vai imaginando o que você está lendo [...]. (LAURA,

entrevista, 28 set. 2015)

[...] a literatura tem a ver com isso: que me traga prazer, que traga motivação do ler,

[...] que consiga trazer maiores condições de engrandecimento, de desenvolvimento

humano. [...] Tem que trazer mesmo esses temas... assuntos para o mundo da leitura

que favoreçam o crescimento da criança (FLÁVIA, entrevista, 22 out. 2015)

A literatura infantil... eu acho que tem que começar desde o zero ano de idade.

(ROSANA, entrevista, 30 set. 2015)

No entanto, quando vemos e analisamos as cenas de leitura com o livro ilustrado,

descobrimos que a prática de leitura definitivamente não está presente na escola de ensino

fundamental quando pensamos nas diferentes relações que podem ser estabelecidas a partir do

jogo que constitui as diferentes linguagens desse tipo de obra. Talvez pelo fato de não

existirem ainda orientações oficiais para a prática de leitura com o livro ilustrado, tal prática

parece ser fabricada a partir do uso dos programas desenhados em cursos de formação, porém

com outros tipos de livros. Além disso, muitas vezes é o olhar da criança que estabelece

relação entre texto e imagem, levantando hipóteses, confrontando ideias, opinando e

atentando-se para aspectos que se encontram nas ilustrações e não no texto escrito. Talvez

porque essa seja a primeira forma de leitura da criança antes de ser alfabetizada. Imagine se os

protocolos de leitura de uma narrativa que articula ilustração, texto verbal e projeto gráfico

fossem explorados, analisados e simplesmente lidos, tendo em vista o papel da escola, que é

o de ensinar.

O fato é que alguns livros ilustrados existem na escola, mas eles parecem ter usos

muito ligados à tradição da cultura escolar composta através dos cursos de formação, das

experiências, do material, das práticas que transitam neste lugar. A leitura, quer do livro

ilustrado ou não, é uma tarefa, uma apreciação, uma leitura conduzida, com interrupção da

professora que conduz as relações entre o conteúdo do texto e os temas curriculares, lições de

comportamento, informações extratexto.

A leitura na escola traz como finalidades ler para alfabetizar; enriquecer o

vocabulário; ler por deleite; ler para produzir e reescrever, utilizando para isso a leitura do

livro didático. Encontramos nos discursos das professoras a presença da leitura de diversos

gêneros (lendas, parlendas, contos de fadas); a leitura de livros pertencentes ao acervo da

escola ou da professora; a leitura de textos tirados da internet. Na escola, as práticas de leitura

apontam para diferentes modalidades: leitura em sequências didáticas, leitura oral, leitura por

capítulos, entre outras, em espaços como, por exemplo, o cantinho da leitura e o uso aparente

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da biblioteca. Um mundo de práticas e de livros diversos em seus formatos, gênero,

temporalidade e de propostas de finalidade de leitura.

Nessa direção, vimos que a escola, ao incluir o livro de literatura (com ilustração)

e o ilustrado traz uma concepção de leitura que é universal, abstrata. Lê-se do mesmo jeito

independentemente do tipo de livro, do gênero ou autor.

Nesta concepção de leitura, a centralidade dada pela professora é para a

compreensão correta e adequada de parte do leitor em relação aos sentidos pretendidos pelo

autor e ilustrador. Independentemente de um foco maior ou menor na exploração dos recursos

presentes na ilustração (ou no texto), a professora busca conduzir/controlar os sentidos da

leitura.

Promover a leitura do livro ilustrado com as professoras e estabelecer conexões

sobre o que pode ser a leitura desse tipo de obra, a exigência do objeto e as operações de

leitura realizadas pelas professoras permitiu-nos buscar novos modos de ler literatura. Pelas

observações registradas nessa pesquisa, pudemos inferir que o livro ilustrado não estava mais

sendo lido apenas para ser conhecido antes de uma aula a ser trabalhada com a turma, ele

estava sendo lido por uma prática de leitura em que a leitora se mostrava interessada, curiosa

e ávida por sua história. Nessa direção, a maneira de ler se fez pela experiência de leitura e

não pelo estudo de pesquisas que orientam como o livro ilustrado pode ser lido, uma opção

assumida por mim como pesquisadora que busca intervir no cotidiano escolar.

Constatamos que quando o livro chega até as mãos do leitor (no caso as

professoras), diversas operações são realizadas com o livro ilustrado de forma muito parecida

com outros tipos de livros de literatura. Trata-se de um olhar para a ilustração moldado por

uma "prática de leitura modelar", professoral (voltada aos ouvidos) já apropriada pelas

professoras com outros tipos de livros. Uma prática marcada pela presença da leitura oral de

um único livro pela professora, em frente à turma; uma leitura oralizada, coletivizada e

interrompida. Mesmo tendo vivido a breve experiência de leitura nos diálogos formativos e

tendo em vista a particularidade ou a singularidade do livro ilustrado, a pesquisa aponta para o

fato de que as professoras tiveram dificuldade para romper, em sala de aula, com o padrão do

modo de ler presente na escola.

As práticas foram moldadas por uma repetição e frequência dos mesmos gestos de

leitura: apresentação do título da história; apreciação geral do livro e da capa; apresentação do

autor, ilustrador e da editora; leitura oral de um único livro; leitura fragmentada por perguntas

dirigidas a turma; busca de acerto na compreensão entre o que o texto diz, a ilustração mostra

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e a professora afirma; movimentos de pegar, folhear, abrir, pular páginas, voltar páginas;

formulação de perguntas e levantamento de hipóteses, em uma perspectiva de leitura

amparada no desenvolvimento das competências leitoras na escola. As operações mais

constantes e recorrentes com o livro ilustrado envolveram ler quarta-capa e relacionar com o

miolo da história; observar o jogo de imagens das guardas inicial e final do livro a fim de

relacionar suas informações com os acontecimentos da história; analisar o jogo de imagens na

relação com o texto verbal; discutir a tipografia textual, entre outros. Tais operações se

constituem como uma prática de leitura que toca, sente, aperta e segura o livro em suas mãos,

fato que raramente aconteceu nas aulas observadas por nós.

As lógicas produzidas pelas professoras no movimento dos diálogos formativos

potencializaram uma prática de leitura antes de o livro chegar às crianças. É provável que esse

modo de ler – um olhar mais atento para a ilustração e para outros elementos constituintes do

livro – tenha orientado suas práticas de leitura em sala de aula conforme elas quiseram

destacar em seus depoimentos.

Uma das operações que constituem a lógica das práticas de leitura, nas aulas

observadas por nós, envolve o critério de escolha do livro, critério este que está

institucionalizado nas práticas da escola. Segundo as professoras entrevistadas, os livros

escolhidos precisam ter coerência, coesão e texto verbal para que o enredo não se construa

apenas pela imagem, o que indica que a leitura do livro ilustrado ainda não está presente nas

orientações oficiais e nas práticas em sala de aula. Com suas relações marcadas pelo texto

verbal, imagético e pelo suporte, esses elementos constituintes do livro ilustrado foram

desconsiderados nos critérios de escolha do livro, conforme pudemos observar e constatar.

As professoras escolhem aquilo que elas foram ensinadas a considerar como uma

boa literatura, para ensinar bons comportamentos às crianças; para ensinar famílias silábicas;

para não cansá-las, para distraí-las, para que elas gostem de ler mais tarde. Normalmente, as

escolhas também podem ser orientadas pelas indicações presentes nos documentos oficiais

que circulam nos programas de formação ou por colegas da própria escola. Presentes nos

acervos das escolas, alguns livros ilustrados são trabalhados sem, no entanto, as professoras

explorarem sua intencionalidade e as relações que podem existir entre texto, imagem e projeto

gráfico, considerando que segundo elas, não havia até então nenhum curso de formação

específica para este tipo de livro. Os livros ilustrados estão na escola junto com muitos outros

livros de literatura com ilustrações para crianças, tipificadas pelo gênero geralmente como

contos de fadas, parlendas, fábulas, poemas ou pela temática. A originalidade deste nosso

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trabalho parece ter sido a de oferecer um acervo selecionado de livros ilustrados num diálogo

formativo entre pesquisadora e professoras.

Como pudemos observar e foi relatado pelas professoras, leituras foram realizadas

e elas (as professoras) surpreenderam-se, envolveram-se com a leitura desse tipo de livro e

compartilharam da ideia de levá-los para a sala de aula. Empenharam-se na leitura prévia

antes da turma, preparando-se para a condução da compreensão; buscaram controlar sua

ansiedade para lidar com o livro ilustrado, um objeto desconhecido e uma prática inexistente

até então.

A prática de leitura de livros de literatura com ilustração ou ilustrado, tal como foi

desenvolvida, mostrou-se resistente, insistentemente repetitiva e espelhada no modelo escolar,

tanto em uma mesma sala e por uma mesma professora, ou em anos (1º ao 5º) distintos.

Prevaleceu uma concepção de leitura como prática homogênea, universal e abstrata, que se

desloca igualmente, independentemente do leitor, do tipo de livro, do suporte, do enredo, do

gênero etc. Ignorou-se que para um gesto aparentemente idêntico, ler pode ter valor e sentidos

diversos dependendo da maneira que o livro é lido, dependendo das formas partilhadas de ler,

dependendo das relações estabelecidas por cada leitor no momento da leitura (CHARTIER,

1990).

Na escola, ao contrário, ler é uma prática a ser realizada oralmente, pela

professora posicionada à frente da turma (ou em outra disposição, mas ela sendo a principal

condutora); uma prática pausadamente interrompida pelas conversas, perguntas, chamadas

sobre o entendimento do texto e da ilustração. Uma aceitação/valorização da oralização, de

estratégias de leitura a serem aprendidas pelas crianças como, as hipóteses, a checagem, a

comparação etc., independente do livro lido. Um ler que parece buscar uma única resposta,

incentivada e conduzida pela professora que indaga e também mostra para as crianças, até que

se consiga uma mesma compreensão de todos.

No livro ilustrado, algumas vezes, as crianças conseguiram, observando a

ilustração, colocar em xeque o sentido pretendido e esperado pela professora. A leitura

"escutada" pelos alunos mostrou-se diferente daquela realizada apenas com os ouvidos. As

crianças solicitam à professora que retome páginas para confrontar com a cena atual,

levantam-se para chegar perto do livro e tocá-lo, comentam o que foi observado, um modo de

ler contemporâneo aprendido na escola ou incentivado por ela.

Nossa pergunta inicial nesta pesquisa era interrogar também a respeito dos modos

inventivos dessas professoras quanto a suas práticas de leitura. As observações apontaram

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mais para um gesto padronizado de ler que se transferia para diferentes situações de leitura do

que um que pudesse ser mais desviante, mais singular no interior de uma comunidade escolar.

O gesto mostrou-se enrijecido, ainda que as professoras tenham se esforçado para adaptá-lo a

outras condições de produção da leitura.

Nesse sentido, as professoras "inventam" no cotidiano escolar formas de lidar com

o livro ilustrado como, por exemplo, a exploração dos paratextos. Incorporaram na prática de

ler livro ilustrado, o valor dos paratextos para a compreensão de um olhar, insistindo em dar

as informações neles presentes, lendo para as crianças.

(Re)inventaram, o cotidiano escolar, esforçando-se para uma maior exploração

das ilustrações, sem privilegiar os sentidos dados apenas pelo texto verbal, buscando

compreender mais as finalidades, os usos e os jogos estabelecidos nessa relação entre texto,

imagem e suporte.

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NAGAMINI, Eliana. Comunicação em diálogo com a literatura: mediações no contexto

escolar. Tese (Doutorado em Interfaces Sociais da Comunicação). Universidade de São

Paulo, 2012.

NAKANO, Renata G. Livro ilustrado: definições, leitores e autores. Dissertação (Mestrado),

Departamento de Letras. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2012.

NECYK, Barbara Jane. Texto e imagem: um olhar sobre o livro infantil contemporâneo.

Dissertação (Mestrado em Artes e Design). Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro, 2007.

NEVES, Alexsandra Jane Andrade. Imagens, escola e leitura: encontro marcado. Dissertação

(Mestrado em Educação), Universidade Estadual de Campinas, 2003.

NIKOLAJEVA, Maria; SCOTT, Carole. Livro ilustrado: palavras e imagens. Tradução Cid

Knipel. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

NODELMAN, Perry. Words about images: the narrative art of children‘s picture books.

Athens: University of Georgia Press, 1988.

NÓVOA, Antônio. Vidas de professores. Porto: Porto Editora, 1997.

NUNES, Marília Forgearini. Leitura mediada do livro de imagem no ensino fundamental :

letramento visual, interação e sentido. Doutorado (Doutorado em Educação). Universidade

Federal do Rio Grande do Sul, 2013.

OCTAVIO, Raquel Gonçalves. Praticas de leitura entre leitores escolares e leitores

contemporâneos : a ilusão do real. Tese (Doutorado em Educação). Universidade Estadual de

Campinas, 2014.

OLIVEIRA, Ana Paula Gualter de. O reconto de Ângela-Lago: uma leitura de palavras e

imagens, em João Felizardo, o rei dos negócios, e Sua Alteza a Divinha. Dissertação

(Mestrado em Literatura). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2010.

OLIVEIRA, Gabriela Rodella de. As práticas de leitura literária de adolescentes e a escola:

tensões e influências. Tese (Doutorado em Educação). Universidade de São Paulo, 2013.

OLIVEIRA. Virginia de Souza Avila. Entre as proposições teóricas e a prática: o uso da

literatura infantil nas escolas municipais de Lagoa Santa. Dissertação (Mestrado em

Educação). Universidade Federal de Minas Gerais, 2011.

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198

PEREIRA, Fernanda Rohlfs. Práticas de leitura literária na educação infantil: como elas

ocorrem em turmas de uma Umei de Belo Horizonte? Dissertação (Mestrado). Universidade

Federal de Minas Gerais, 2014.

PESAVENTO, Sandra Jatahy. História & História Cultural. 2ª ed. Belo Horizonte: Autêntica,

2005.

PETIT, Michèle. A arte de ler ou como resistir à adversidade. Tradução: Arthur Bueno e

Camila Boldrini. São Paulo: Ed. 34, 2009.

PLATZER, Maria Betanea. Crianças leitoras entre práticas de leitura. Campinas, SP. Tese

(Doutorado em Educação), Universidade Estadual de Campinas, 2009.

PRADES, Dolores. Uma ponte para Sendak. Revista Emília, maio. 2012. Disponível em:

<http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=185>. Acesso em: 22/01/2017.

QUEIROZ, Maria Isaura P. Variações sobre técnica de gravador no registro da informação

viva. São Paulo: T. A. Queiroz, 1991.

REYES, Yolanda. Onde vivem os monstros: bons livros para crianças nem sempre boas.

Revista Emília e Jornal El Tiempo, maio. 2012.

ROCKWELL, Elsie; EZPELETA, Justa. A escola: relato de um processo inacabado de

construção. Currículo sem Fronteiras, v.7, n.2, p.131-147, Jul/Dez 2007. Disponível em:

<http://www.curriculosemfronteiras.org/vol7iss2articles/rockwell-ezpeleta.pdf>. Acesso em:

07/12/2016.

ROSA, Cristina Maria (org.). Escrita, leitores e história da leitura. Pelotas: Ed. Da UFPel,

2012.

SAGAE, Peter. O. Imagens & enigmas na literatura para crianças. 2008. Tese (Doutorado).

Programa de Pós Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa.

Universidade de São Paulo.

SAMORI, Debora Perillo. Infância e literatura infantil: o que pensam, dizem e fazem as

crianças a partir da leitura de histórias? A produção de culturas infantis no 1º ano do ensino

fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade de São Paulo, 2011.

SANTOS, Maria Deuza dos. Saberes sobre a literatura: um estudo com professores de 1º ao

5º ano do Ensino Fundamental. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal

do Rio Grande do Norte, 2014.

SÃO PAULO (ESTADO) SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Ler e Escrever: guia de

planejamento e orientações didáticas; professor alfabetizador – 1º ano / Secretaria da

Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação; coordenação, elaboração e

revisão dos materiais, Sônia de Gouveia Jorge [e outros]; concepção e elaboração, Claudia

Rosenberg Aratangy [e outros]. – 4ª ed. ver. e atual. São Paulo: FDE, 2014.

______. Ler e Escrever: guia de planejamento e orientações didáticas; professor

alfabetizador – 2º ano / Secretaria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da

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199

Educação; coordenação, elaboração e revisão dos materiais, Sônia de Gouveia Jorge [e

outros]; adaptação do material original, Claudia Rosenberg Aratangy, Rosalinda Soares

Ribeiro de Vasconcelos, Ivânia Paula Almeida. – 7ª ed. comp., rev. e atual dos volumes 1 e 2.

São Paulo: FDE, 2014.

______. Ler e Escrever: guia de planejamento e orientações didáticas; professor

alfabetizador – 3º ano / Secretaria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da

Educação; coordenação, elaboração e revisão dos materiais, Sônia de Gouveia Jorge [e

outros]; adaptação do material original, Claudia Rosenberg Aratangy, Rosalinda Soares

Ribeiro de Vasconcelos, Ivânia Paula Almeida. – 7ª ed. comp., rev. e atual dos volumes 1 e 2.

São Paulo: FDE, 2014.

______. Ler e Escrever: guia de planejamento e orientações didáticas; professor – 4º ano /

Secretaria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação. – 7ª ed. ver. e atual.

São Paulo: FDE, 2015.

______. Ler e Escrever: guia de planejamento e orientações didáticas; professor – 5º ano /

Secretaria da Educação, Fundação para o Desenvolvimento da Educação. – 7ª ed. ver. e atual.

São Paulo: FDE, 2015.

SAVELI, Esméria de Lourdes. Leitura na escola: as representações e práticas de

professoras. Tese (Doutorado em Educação), Universidade Estadual de Campinas, 2003.

SAVIANI, Demerval. Educação: do senso comum à consciência filosófica. São Paulo:

Cortez/Autores Associados, 1987.

SILVA, Gerluce Lourenço da. Práticas de leitura literária: uma análise sobre a utilização da

literatura infantil na promoção do letramento literário e na formação do aluno leitor.

Fortaleza, CE. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal do Ceará, 2015.

SILVA (et al.). O ensino da língua portuguesa no 1º grau. São Paulo: Atual, 1986.

SILVEIRA, Roberta Caetano da. Educação literária na educação infantil: o livro nas mãos

de professoras e educadoras de Araçatuba (SP). Dissertação (Mestrado). Universidade

Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Faculdade de Ciências e Tecnologia, 2014.

SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. "A entrevista na pesquisa em educação - uma arena de

significados". In: COSTA, Marisa Vorraber (org.). Caminhos investigativos II: outros modos

de fazer e pensar pesquisa em educação. Rio de Janeiro: DP&A, 2002.

TARTUCE, Gisela Lobo B. P.; NUNESO, Marina M. R.; ALMEIDA, Patrícia Cristina

Albieri de. Alunos do ensino médio e atratividade da carreira docente no Brasil. Cadernos de

Pesquisa, São Paulo, v. 40, nº 140, maio/ago. 2010. Disponível em: <

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742010000200008>.

Acesso em: 06/12/2016.

TEZZA, Cristovão. "A construção das vozes no romance". In: Bakhtin, dialogismo e a

construção do sentido. Beth Brait (org.). 2.ª ed. rev. Campinas, SP: Editora da Unicamp,

2005.

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200

TRILHAS. Caderno de apresentação. São Paulo, 2011.

______. Caderno de estudos: trilhas para abrir o apetite poético. São Paulo, 2011.

______. Caderno de estudos: trilhas para ler e escrever textos. São Paulo, 2011.

______. Caderno do diretor. São Paulo, 2011.

VALLADARES, Licia. Os dez mandamentos da observação participante. Revista Brasileira

de Ciências Sociais, v. 22, nº 63, p. 153-155, feb. 2007. Disponível em:

<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69092007000100012>.

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VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Projeto político-pedagógico da escola: uma

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VILELA, Fernando. A exposição “Linhas da história - Um panorama do livro ilustrado no

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23/11/2016.

ZEN, Maria Isabel Dalla; SILVEIRA, Rosa Maria Hessel. "O que fizemos com O Texto na

sala de aula? Relatos de professoras gaúchas". In: SILVA, Lilian Lopes Martin da;

FERREIRA, Norma Sandra de Almeida; MORTATTI, Maria do Rosário Longo (Org.). O

texto na sala de aula – um clássico sobre ensino de Língua Portuguesa. Campinas: Autores

Associados, 2014.

LIVROS DE LITERATURA INFANTIL

ALEMAGNA, Beatrice. Pequena coisa gigantesca. 1ª ed. Tradução: Mônica Stahel. São

Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.

BROWNE. Anthony. Gorila. 1ª ed. Tradução: Clarice Duque Estrada. Rio de Janeiro:

Pequena Zahar, 2014.

______. O túnel. 1ª ed. Tradução: Clarice Duque Estrada. Rio de Janeiro: Pequena Zahar,

2014.

______. Vozes no parque. 1ª ed. Tradução: Clarice Duque Estrada. Rio de Janeiro: Pequena

Zahar, 2014.

BURNINGHAM, John. Hora de sair da banheira, Shirley! 1ª ed. Tradução: Claudio Alves

Marcondes. São Paulo: Cosac Naify, 2011.

______. Um bebê vem aí. 1ª ed. Ilustrações: Helen Oxembury. Tradução: Marília Garcia. São

Paulo: Paz e Terra, 2011.

______. Vovô. 1ª ed. Tradução: Claudio Alves Marcondes. São Paulo: Cosac Naify, 2012.

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201

CALI, Davide. Fico à espera... 1ª ed. Ilustrações: Serge Bloch. Tradução: Marcos Siscar. São

Paulo: Cosac Naify, 2007.

FOGLIANO, Julie. Se você quiser ver uma baleia. 1ª ed. Ilustrações: Erin E. Stead. Tradução:

Celina Portocarrero. Rio de Janeiro: Pequena Zahar, 2013.

FOX, Diane. O gato, o cachorro, chapeuzinho, os ovos explosivos, o lobo e o guarda-roupa

da vovó. 1ª ed. Texto e ilustrações: Diane e Christyan Fox. Tradução: Monica Stahel. São

Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014.

HIRATSUKA, Lúcia. Orie. 1ª ed. Rio de Janeiro: Pequena Zahar, 2014.

KLASSEN, Jon. Este chapéu não é meu. 1ª ed. Tradução: Mônica Stahel. São Paulo: Editora

WMF Martins Fontes, 2013.

______. Quero meu chapéu de volta. 1ª ed. Tradução: Mônica Stahel. São Paulo: Editora

WMF Martins Fontes, 2011.

KLAUSMEIER, Jesse. Abra este pequeno livro. 1ª ed. Ilustrações: Suzy Lee. Tradução:

Alípio Correia de Franca Neto. São Paulo: Cosac Naify, 2013.

LAGO, Ângela. O personagem encalhado. 1ª ed. Belo Horizonte: RHJ Livros, 2006.

LERAY, Marjolaine. Uma chapeuzinho vermelho. 1ª ed. Tradução: Júlia Moritz Schwarcz.

São Paulo: Companhia das Letrinhas, 2012.

MORAES, Odilon. A princesinha medrosa. 2ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2008.

______. O presente. 1ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2010.

______. Pedro e lua. 1ª ed. São Paulo: Cosac Naify, 2004.

SENDAK, Maurice. Onde vivem os monstros. 2ª ed. Tradução: Heloisa Jahn. São Paulo:

Cosac Naify, 2014.

SHAUN, Tan. A árvore vermelha. Tradução: Isa Mesquita. São Paulo: Edições SM, 2009.

WOOD, Audrey. A casa sonolenta. 16ª ed. Ilustrações: Don Wood. Tradução: Gisela Maria

Padovan. São Paulo: Ática, 1999.

SILVERSTEIN, Shel. A árvore generosa. 12ª ed. Tradução: Fernando Sabino. São Paulo:

Cosac Naify, 2006.

LEGISLAÇÃO

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. 11ª ed. Brasília: Câmara dos Deputados,

Edições Câmara, 2015. 46p.

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202

BRASIL. Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014. 1ª ed. Diário Oficial da União - Seção 1 -

Edição Extra, Página 1 (Publicação Original), 2014. s/p.

CAJAMAR. Decreto nº 3.896, de 26 de novembro de 2008, dispõe sobre a transformação das

EMEFs ou EMEIs em EMEBs. Cajamar, 2008. 4p.

______. Edital nº 4 de 2006.

______. Edital nº 1 de 2014.

______. Lei nº 1175 de 6 de setembro de 2005, dispõe sobre a contratação de professores por

meio de processo seletivo.

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203

ANEXOS

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204

ANEXO 1

Autorização da Diretoria Municipal de Educação de Cajamar para

desenvolvimento da pesquisa

AUTORIZAÇÃO PARA DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA

Prezada Senhora: Lúcia Maria de Carvalho

O projeto de pesquisa intitulado “Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino

fundamental” tem como objetivo principal conhecer como se dá a prática de leitura dos

professores do ensino fundamental do 1º ao 5º anos junto aos seus alunos, tendo como foco o

livro ilustrado. É importante destacar que, nesse tipo de obra, a leitura está para além da

relação entre texto, imagem e suporte. Sendo assim, discutir a recepção desses livros parece

ser algo novo e sem pesquisas que envolvam esse estudo e, nesse ínterim, este trabalho

pretende contribuir com as discussões sobre leitura, literatura infantil, bem como com a

formação de professores diante das transformações que os livros vêm sofrendo nos últimos

anos.

Para realização dessa pesquisa a coleta de dados será realizada por meio da aplicação

de questionários com alunos, realização de entrevistas com professores e acompanhamentos

em sala de aula em duas escolas do ensino fundamental do 1º ao 5º anos. Esta pesquisa é parte

obrigatória para a obtenção do título de Doutora em Educação do Programa de Pós-Graduação

em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP,

pela aluna Andrea Rodrigues Dalcin, RG 24.412.178-3 que tem como orientadora a Profa.

Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira, docente do Departamento de Educação,

Conhecimento, Linguagem e Arte, da FE/UNICAMP.

Sendo assim, solicitamos a autorização para realização da pesquisa de campo em duas

escolas do ensino fundamental do 1º ao 5º anos, sendo esta uma condição necessária para o

desenvolvimento do projeto de pesquisa acima citado.

A pesquisadora estará à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam

necessários durante todo o percurso da pesquisa.

Abaixo seguem os dados gerais da pesquisa, da pesquisadora e da orientadora:

Título do Projeto: Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino fundamental.

Instituição: Faculdade de Educação da UNICAMP – Doutorado em Educação

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205

Pesquisadora Responsável: Andrea Rodrigues Dalcin

Endereço: Rua Itatiba, 85 – Jordanésia-Cajamar-São Paulo

Telefone: (11) 97407-1309

E-mail: [email protected]

Orientadora da Pesquisa: Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira

Endereço: Rua Bertrand Russell, 801 – Cidade Universitária “Zeferino Vaz” – Campinas-SP

Telefone: (19) 3521-5573

E-mail: [email protected]

Para eventuais denúncias e/ou reclamações referentes aos aspectos éticos da pesquisa,

entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa/FCM/UNICAMP; Rua: Tessália Vieira

de Camargo, 126 – CEP 13083-887 Campinas – SP Fone (019) 3521-8936 ou 3521-7187 E-

mail: [email protected]

Por estar de acordo e autorizar a pesquisa de campo em duas escolas do ensino

fundamental no município de Cajamar, firmo o presente.

Antecipadamente agradecemos sua atenção e disponibilidade.

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206

ANEXO 2

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Professores

Venho por meio deste, convidá-lo (a) a participar do projeto de pesquisa intitulado

“Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino fundamental” e solicitar seu consentimento

na utilização de dados coletados durante a pesquisa para fins de produção da tese de

doutorado e eventuais publicações.

Este documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa

assegurar seus direitos como participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar

com você e outra com o pesquisador.

Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se

houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o

pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas

antes de decidir participar. Se você não quiser participar ou retirar sua autorização, a qualquer

momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou prejuízo.

Esta pesquisa é parte obrigatória para a obtenção do título de Doutora em Educação do

Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade

Estadual de Campinas/UNICAMP, pela aluna Andrea Rodrigues Dalcin, RG 24.412.178-3, e

tem como orientadora a Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira, docente do

Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte, da FE/UNICAMP.

Esta pesquisa tem como objetivo principal conhecer a prática da leitura de livros

ilustrados no ensino fundamental realizada por professores do 1º ao 5º anos, tendo em vista

que, nesse tipo de obra, a leitura está para além da relação entre texto, imagem e suporte.

Nessa direção, indagamos: como o livro ilustrado é lido pelo professor? Como o professor

trabalha esse livro com seus alunos? A leitura do livro para si difere da leitura do livro em

sala de aula: em que, por que e como? Quais são as representações dos leitores-professores

acerca dos livros ilustrados, da leitura, do leitor e da literatura infantil? Tais questões indicam

que é necessário um olhar para essa prática que precisa envolver a formação do leitor, visto

que o livro ilustrado e as imagens que o constitui possuem linguagem própria que necessita do

auxílio de outras áreas (arte e cinema) - além da literatura infantil - para que a leitura possa se

tornar cada vez mais uma prática inventiva permeada de significados considerando a

particularidade do livro ilustrado. Discutir a recepção desses livros parece ser algo novo e sem

pesquisas que envolvam esse estudo e, nesse ínterim, este trabalho pretende contribuir com as

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207

discussões sobre leitura, literatura infantil, bem como com a formação de professores diante

das transformações que os livros vêm sofrendo nos últimos anos.

Para que esse projeto se torne possível, realizaremos entrevistas com professores sobre

a prática de leitura em sala de aula, concepções de criança, leitor e literatura que guiam suas

escolhas diante da seleção de um livro para ser lido aos seus alunos. As entrevistas serão

gravadas, transcritas e categorizadas por assuntos/temas. Também faremos questionários com

os alunos, se necessário, sobre as histórias, autores e livros de literatura conhecidos que serão

tabulados e os dados confrontados com as informações obtidas nas entrevistas. A observação

em aula será outro procedimento metodológico para coleta de dados e, esse momento, será

filmado, fotografado e registrado em forma de relatório para ser analisado a partir do

referencial teórico que compõe este projeto. Levantamento de pesquisas sobre essa temática,

estudo bibliográfico e análise de livros ilustrados, também constituem os procedimentos dessa

pesquisa que é de cunho qualitativo.

Sendo assim, gostaríamos de convidá-lo (a) a nos conceder entrevistas que farão parte

dos materiais de análise desta pesquisa, bem como autorizar acompanhamentos em sala de

aula sobre a temática da leitura. Essas entrevistas serão conduzidas pela pesquisadora e serão

gravadas em áudio, dentro da própria escola. Em seguida, serão feitas as transcrições que

serão apresentadas aos entrevistados para análise e autorização de sua utilização. As aulas

acompanhadas serão gravadas em vídeo, fotografadas e registradas em forma de relatórios que

também serão socializados para posterior inclusão na pesquisa.

Durante as entrevistas e os acompanhamentos em sala de aula, não há riscos

previsíveis. No entanto, se você, durante todo o decorrer da pesquisa sofrer qualquer tipo de

desconforto ou constrangimento, terá total liberdade para se recusar a responder as questões,

permitir o acompanhamento em sala de aula e/ou retirar seu consentimento de participação

sem penalização alguma. Esta pesquisa trará benefícios às práticas de leitura dos professores

voluntários em sala de aula já que as maneiras de fazer será objeto de estudo e de discussão,

além de sua contribuição com estudo que busca construir conhecimento na área da Educação.

É importante destacar que o nome dos participantes será mantido em sigilo, ou será

divulgado apenas mediante autorização específica, se assim o desejar. Não haverá nenhuma

forma de reembolso de dinheiro, já que sua participação na pesquisa não acarretará nenhum

gasto e a pesquisa não tem fins lucrativos.

A pesquisadora estará à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam

necessários durante todo o percurso da pesquisa.

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208

Abaixo seguem os dados gerais da pesquisa, da pesquisadora e da orientadora:

Título do Projeto: Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino fundamental.

Instituição: Faculdade de Educação da UNICAMP – Doutorado em Educação

Pesquisadora Responsável: Andrea Rodrigues Dalcin

Endereço: Rua Itatiba, 85 – Jordanésia-Cajamar-São Paulo

Telefone: (11) 97407-1309

Email: [email protected]

Orientadora da Pesquisa: Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira

Endereço: Rua Bertrand Russell, 801 – Cidade Universitária “Zeferino Vaz” – Campinas-SP

Telefone: (19) 3521-5573

Email: [email protected]

Para eventuais denúncias e/ou reclamações referentes aos aspectos éticos da pesquisa,

entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa/FCM/UNICAMP; Rua: Tessália Vieira

de Camargo, 126 – CEP 13083-887 Campinas – SP Fone (019) 3521-8936 ou 3521-7187 E-

mail: [email protected]

Solicitamos ainda o preenchimento dos dados a seguir para fins exclusivamente de

contato da pesquisadora, relembrando que não serão divulgados.

Nome: ____________________________________________________________________

Endereço: _________________________________________________________________

Telefone: __________________________________________________________________

Email: ____________________________________________________________________

Por estar de acordo com minha participação na pesquisa, firmo o presente.

Campinas, _____ de _________________ de 20____.

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209

_______________________________________________

Assinatura do participante

_______________________________________________

Assinatura da pesquisadora

Antecipadamente agradecemos sua atenção e disponibilidade.

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210

ANEXO 3

Termo de Consentimento Livre e Esclarecido para Pais de Alunos

Venho por meio deste, convidar a criança que está sob sua responsabilidade, a

participar do projeto de pesquisa intitulado “Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino

fundamental”. Para tanto, solicito o seu consentimento, enquanto responsável legal pelo (a)

menor, na utilização de dados coletados durante a pesquisa por meio de questionário e

gravação em vídeo de aulas que envolvem o trabalho com a leitura para fins de produção da

tese de doutorado e eventuais publicações.

Este documento, chamado Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, visa

assegurar os direitos do participante e é elaborado em duas vias, uma que deverá ficar com

você, responsável legal pelo menor, e outra com o pesquisador.

Por favor, leia com atenção e calma, aproveitando para esclarecer suas dúvidas. Se

houver perguntas antes ou mesmo depois de assiná-lo, você poderá esclarecê-las com o

pesquisador. Se preferir, pode levar para casa e consultar seus familiares ou outras pessoas

antes de decidir participar. Se você não quiser que o menor participe ou, ainda, se quiser

retirar sua autorização, a qualquer momento, não haverá nenhum tipo de penalização ou

prejuízo.

Esta pesquisa é parte obrigatória para a obtenção do título de Doutora em Educação do

Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade

Estadual de Campinas/UNICAMP, pela aluna Andrea Rodrigues Dalcin, RG 24.412.178-3, e

tem como orientadora a Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira, docente do

Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte, da FE/UNICAMP.

Esta pesquisa tem como objetivo principal conhecer a prática da leitura de livros

ilustrados no ensino fundamental realizada por professores do 1º ao 5º anos.

Para que esse projeto se torne possível, realizaremos entrevistas com professores sobre

a prática de leitura em sala de aula, concepções de criança, leitor e literatura que guiam suas

escolhas diante da seleção de um livro para ser lido aos seus alunos. As entrevistas serão

gravadas, transcritas e categorizadas por assuntos/temas. Também faremos questionários com

os alunos, se necessário, sobre as histórias, autores e livros de literatura conhecidos que serão

tabulados e os dados confrontados com as informações obtidas nas entrevistas feitas com os

professores e nas aulas assistidas. A observação em aula será outro procedimento

metodológico para coleta de dados e, esse momento, será filmado, fotografado e registrado

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em forma de relatório para ser analisado a partir do referencial teórico que compõe este

projeto.

Sendo assim, gostaríamos de solicitar seu consentimento para aplicação de um

questionário sobre o tema leitura e gravação das aulas de leitura que a professora fará com a

criança e que será acompanhada pela pesquisadora. Os questionários serão tabulados para

posterior análise de dados e as aulas gravadas serão assistidas, transcritas, categorizadas e

analisadas para posterior inclusão na pesquisa.

Durante a aplicação dos questionários e dos acompanhamentos em sala de aula, não há

riscos previsíveis. No entanto, se a criança ou você, como responsável legal, durante todo o

decorrer da pesquisa sofrer qualquer tipo de desconforto ou constrangimento, terá total

liberdade para se recusar a responder as questões, permitir a filmagem do menor em sala de

aula e/ou retirar o consentimento de participação sem penalização alguma.

Esta pesquisa trará benefícios às práticas de leitura dos professores voluntários em sala

de aula já que as maneiras de fazer serão objeto de estudo e de discussão, além de sua

contribuição com estudo que busca construir conhecimento na área da Educação.

É importante destacar que o nome dos participantes será mantido em sigilo, ou será

divulgado apenas mediante autorização específica, se assim o desejar. Não haverá nenhuma

forma de reembolso de dinheiro, já que sua participação na pesquisa não acarretará nenhum

gasto e a pesquisa não tem fins lucrativos.

A pesquisadora estará à disposição para quaisquer esclarecimentos que se façam

necessários durante todo o percurso da pesquisa.

Abaixo seguem os dados gerais da pesquisa, da pesquisadora e da orientadora:

Título do Projeto: Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino fundamental.

Instituição: Faculdade de Educação da UNICAMP – Doutorado em Educação

Pesquisadora Responsável: Andrea Rodrigues Dalcin

Endereço: Rua Itatiba, 85 – Jordanésia-Cajamar-São Paulo

Telefone: (11) 97407-1309

Email: [email protected]

Orientadora da Pesquisa: Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira

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Endereço: Rua Bertrand Russell, 801 – Cidade Universitária “Zeferino Vaz” – Campinas-SP

Telefone: (19) 3521-5573

Email: [email protected]

Para eventuais denúncias e/ou reclamações referentes aos aspectos éticos da pesquisa,

entrar em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa/FCM/UNICAMP; Rua: Tessália Vieira

de Camargo, 126 – CEP 13083-887 Campinas – SP Fone (019) 3521-8936 ou 3521-7187 E-

mail: [email protected]

Solicitamos ainda o preenchimento dos dados a seguir para fins exclusivamente de

contato da pesquisadora, relembrando que não serão divulgados.

Nome: ____________________________________________________________________

Endereço: _________________________________________________________________

Telefone: __________________________________________________________________

Email: ____________________________________________________________________

Por estar de acordo com minha participação na pesquisa, firmo o presente.

Campinas, _____ de _________________ de 20____.

_______________________________________________

Assinatura do participante

_______________________________________________

Assinatura da pesquisadora

Antecipadamente agradecemos sua atenção e disponibilidade.

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ANEXO 4

Autorização para uso de imagem (adulto)

Neste ato, ______________________________________________________, nacionalidade

________________, estado civil ________________, portador da Cédula de identidade RG

nº.__________________, inscrito no CPF sob nº _______________________________,

residente à Av./Rua ___________________________________ , nº. _________, município

de ________________________________/São Paulo. AUTORIZO o uso de minha imagem

em todo e qualquer material entre fotos, vídeos, documentos e entrevistas, para ser utilizada

na pesquisa intitulada “Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino fundamental”

realizada como parte obrigatória para a obtenção do título de Doutora em Educação do

Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade

Estadual de Campinas/UNICAMP, pela aluna Andrea Rodrigues Dalcin, RG 24.412.178-3

que tem como orientadora a Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira, docente do

Departamento de Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte, da FE/UNICAMP. A presente

autorização é concedida a título gratuito, abrangendo o uso da imagem acima mencionada

neste projeto de pesquisa e em produções de artigos, resenhas, resumos relacionados a essa

pesquisa, da seguinte forma: (I) inserção de imagens que ilustrem o assunto abordado na

produção de texto. Por esta ser a expressão da minha vontade declaro que autorizo o uso

acima descrito sem que nada haja a ser reclamado a título de direitos conexos à minha

imagem ou a qualquer outro, e assino a presente autorização em 02 vias de igual teor e forma.

______________________, _____ de ______________ de ___________.

(assinatura)

Nome:_____________________________________________________________________

Telefone p/ contato:__________________________________________________________

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ANEXO 5

Autorização para uso de imagem (menor de idade)

Eu, _________________________________________________, portador (a) de cédula de

identidade nº ______________________________________, responsável legal pelo (a)

menor _____________________________________________________, portador(a) de

cédula de identidade nº _________________________________, autorizo a gravação em

vídeo da imagem, fotos e realização de questionário do(a) menor supracitado(a), bem como a

veiculação de sua imagem e das respostas dadas ao questionário solicitado pela pesquisadora

à pesquisa intitulada “Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino fundamental” realizada

como parte obrigatória para a obtenção do título de Doutora em Educação do Programa de

Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de

Campinas/UNICAMP, pela aluna Andrea Rodrigues Dalcin, RG 24.412.178-3 que tem como

orientadora a Profa. Dra. Norma Sandra de Almeida Ferreira, docente do Departamento de

Educação, Conhecimento, Linguagem e Arte, da FE/UNICAMP. A veiculação da imagem e

das respostas dadas ao questionário também poderão compor produções de artigos, resenhas,

resumos e outros relacionados a essa pesquisa, da seguinte forma: (I) inserção de imagens que

ilustrem o assunto abordado na produção de texto escrito.

Fica ainda autorizada, de livre e espontânea vontade, para os mesmos fins, a cessão

de direitos da veiculação das imagens e das respostas dadas ao questionário solicitado do(a)

menor supracitado(a), não recebendo para tanto qualquer tipo de remuneração.

______________________, _____ de ______________ de ___________.

(assinatura)

Nome:_____________________________________________________________________

Telefone p/ contato:__________________________________________________________

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ANEXO 6

Autorização para geração de dados

AUTORIZAÇÃO PARA COLETA DE DADOS

Eu, Lúcia Maria de Carvalho, Diretora de Educação do município de Cajamar,

declaro estar ciente dos requisitos da Resolução CNS/MS 466/12 e suas complementares e

declaro que tenho conhecimento dos procedimentos/instrumentos aos quais os participantes

da presente pesquisa serão submetidos. Assim, autorizo a coleta de dados do projeto de

pesquisa intitulado “Prática de leitura dos livros ilustrados no ensino fundamental”, sob

responsabilidade do(a) pesquisador(a) Andrea Rodrigues Dalcin, após a aprovação do

referido projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa-Unicamp.

ANEXO 7

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Roteiro de Entrevista

ENTREVISTA COM PROFESSORES

1) Esta pesquisa irá abordar a leitura do livro ilustrado pelo professor antes e durante a

aula de leitura. Assim, este trabalho estará voltado tanto à leitura como à literatura

infantil. Partindo desse contexto, gostaria de saber quais são as representações ou

concepções que você tem sobre leitura, leitor, criança e literatura infantil?

2) A literatura infantil possui uma diversidade de livros quanto a sua configuração,

suporte, gênero etc. Há os livros pop-up, livro objeto, livro de banho, livro-imagem,

livro com ilustração e livros que alguns autores e editores denominam como

“ilustrados”. Dê sua opinião: 1. Você conhece os livros ilustrados? 2. Como você os

define? 3. Quais títulos de livros ilustrados você conhece? 4. Qual a importância da

ilustração nesse tipo de obra?

3) Em sala de aula, como você costuma realizar as aulas de leitura com livros de

literatura com seus alunos? E quanto ao livro ilustrado, como essa leitura é feita em

sala de aula? Há planejamentos prévios, algum tipo de preparo didático (leitura da

obra, estratégia de leitura, modo de ler etc.)?

4) Tente descrever em detalhes uma aula com a leitura do livro ilustrado. Destaque os

procedimentos didáticos usados durante a leitura quanto: 1. Às relações entre as

imagens; 2. Aos protocolos de leitura existentes no livro; 3. Às estratégias editoriais e

textuais; 4. À sua postura e comportamento e os da turma; 5. Finalidade dessa leitura,

entre outros.

5) Você acha que seu trabalho com livros de literatura, especialmente aquele com livros

ilustrados, se diferencia das práticas de leitura de outros portadores de textos? Por

quê?

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ANEXO 8

Parecer consubstanciado do Comitê de Ética e Pesquisa da UNICAMP

(folha de aprovação)

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