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Ensino Médio Sociologia Eduardo CalBUCCI JUCENIR Rocha Anglo 1

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Ensino Médio

Sociologia

Eduardo CalBUCCI • JUCENIR Rocha

Anglo

1

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Sociologia37

Estratificação social

aulas9 e 10

Observe a imagem a seguir.

Para debater

A relação entre ter e poder sempre marcou a história das sociedades. Mas, sem dúvida, ela nunca foi tão valorizada – ou reforçada

– quanto no mundo capitalista, que utiliza inúmeros meios – dentre eles a publicidade – para nos vender seus símbolos de poder. Mas

até que ponto o que temos determina aquilo que somos ou podemos vir a ser?

O trecho a seguir trata desse assunto. Leia-o com atenção.

No dia em que Florentino Ariza viu Fermina Daza no adro da catedral, grávida de seis meses e com pleno domínio de sua nova condição de mulher do mundo, tomou a decisão feroz de ganhar nome e fortuna para merecê-la. Sequer perdeu tempo em pensar no inconveniente de ela ser casada, porque ao mesmo tempo resolveu, como se dependesse dele, que o doutor Juvenal Urbino tinha que morrer. Não sabia quando nem como, mas estabeleceu como inelutável o acontecimento, que estava resolvido a esperar sem pressas nem arrebatamentos, ainda que fosse até o fim dos séculos.

MÁRQUEZ, Gabriel García. O amor nos tempos do c—lera. Rio de Janeiro: Record, 1985.

Para conquistar Fermina Daza, Florentino Ariza toma “a decisão feroz de ganhar nome e fortuna para merecê-la”. A pergunta é: “nome”

e “fortuna” são essenciais em nossas relações sociais, incluindo o casamento? Qual é a origem desse tipo de pensamento?

Loja de marca de luxo na Tailândia.

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Sociologia38

1 JOHNSON, Allan G. Dicion‡rio de Sociologia. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. p. 94.

Um pouco de teoria

Trabalho e dominação

Na hist—ria da humanidade, desde que os primeiros agrupamen-tos se formaram, sempre houve a tend•ncia de que os membros de uma mesma sociedade se dividissem em grupos, cada um com sua funç‹o, seus direitos e seus deveres. Greg‡rio por natureza e por necessidade, o ser humano foi organizando o trabalho coletivo para produzir os bens indispens‡veis ˆ sua sobreviv•ncia.

Nas sociedades tribais, podemos pensar na divis‹o sexual e et‡-ria do trabalho. Existiam tarefas t’picas dos homens e tarefas t’picas das mulheres, ocupações mais comuns aos jovens e ocupações mais comuns aos idosos. No mundo capitalista, existe uma divis‹o que chamamos de divis‹o social do trabalho, o que envolve, por exemplo, aquele que faz o trabalho (o oper‡rio ou o campon•s) e aquele que o administra (o gerente ou o feitor).

De um lado, essa divis‹o permitiu que os grupos humanos se desenvolvessem, otimizando a realizaç‹o de tarefas, mas, por ou-tro, contribuiu para gerar desigualdades, pois nem todas as tarefas eram valorizadas da mesma forma. Assim, aqueles que trabalham começaram a ser diferenciados pela natureza de sua ocupaç‹o, o que ajudou a dar origem a relações de dominaç‹o e exploraç‹o. Isso foi a base do que chamamos de estratificação social.

Estratificação social e desigualdade social

Considerando um estrato, em sentido genŽrico, como um con-junto de indiv’duos com caracter’sticas sociais parecidas, pratica-mente todos os agrupamentos humanos mais amplos do que as sociedades tribais conhecem algum tipo de estratificaç‹o.

Estratificação é o processo social através do qual van-

tagens e recursos tais como riqueza, poder e prestígio são

distribuídos sistemática e desigualmente nas ou entre as

sociedades. A estratificação difere da simples desigualda-

de porque é sistemática. [...] Teoricamente, uma sociedade

pode ter desigualdades sem ser estratificada, por exemplo,

concedendo oportunidades iguais a todos, mas distribuindo

as recompensas na base do desempenho.1

Assim, as desigualdades sociais, Žtnicas, religiosas e sexuais po-dem gerar v‡rias formas de estratificaç‹o, que dariam origem a categorias ÒsuperioresÓ e ÒinferioresÓ. Isso porque a divis‹o dos seres humanos em estratos, em camadas, em pequenos grupos acaba sendo uma maneira de hierarquiz‡-los.

Um dos grandes desafios da Sociologia moderna Ž compreen-der como se d‡ essa estratificaç‹o, procurando estabelecer critŽrios para definir por que um indiv’duo pertence a uma camada e n‹o a outra. O estadunidense Talcott Parsons (1902-1979), por exemplo,

que procurou reunir os v‡rios campos de estudo das ci•ncias sociais em suas obras, acreditava que as pessoas poderiam ser classifica-das segundo os valores que escolhem para suas ações sociais. Essa vis‹o foi criticada por outros pensadores, como o franc•s Alain Touraine (1925-), que julgava ser esse um critŽrio muito subjetivo de classificaç‹o, o que comprometeria o rigor cient’fico da an‡lise.

De fato, muitos pesquisadores procuram estabelecer critŽrios ob-jetivos para a definiç‹o das camadas em que se divide a sociedade contempor‰nea. É muito comum vermos classificações propostas a partir da renda de que dispõem os seus componentes. Surgem, ent‹o, an‡lises com tr•s, cinco ou mais est‡gios entre os mais ricos e os mais pobres do meio social. O problema Ž que o que pode ser considerada Òclasse mŽdiaÓ para uns pode n‹o ser para outros analistas da mesma sociedade. AlŽm disso, h‡ a dificuldade de comparar, por exemplo, a estratificaç‹o social em lugares em que o custo de vida Ž diferente. É mais caro, por exemplo, viver nos centros urbanos do que no meio rural.

Sem abrir m‹o do critŽrio da renda, h‡ pesquisadores que pro-curam acrescentar outros dados ˆ classificaç‹o: posse de im—veis, autom—veis, aparelhos domŽsticos b‡sicos e sofisticados, n’veis de consumo, prefer•ncias de lazer. Tais classificações podem ser v‡lidas e œteis em pesquisas de mercado, encomendadas por empresas que pretendem lançar um novo cosmŽtico ou saber que serviços banc‡rios os clientes desejam. Mas elas falham na an‡lise de pro-cessos hist—ricos mais amplos ou de lutas pol’ticas, uma vez que n‹o consideram que existem variações regionais e culturais, que h‡ valores e costumes distintos que impedem que todos os grupos sociais sejam compreendidos por meio de critŽrios t‹o simplistas.

Entre os pensadores cl‡ssicos da Sociologia, Max Weber e Karl Marx se debruçaram, cada um a seu modo, sobre a quest‹o da estratificaç‹o social. Suas posições nos ajudam a entender um dos conceitos mais complexos da Sociologia: o de classes sociais.

Marx: uma introdução à luta de classes

Karl Marx Ž um dos mais importantes estudiosos da sociedade capitalista industrial. Em seus trabalhos, ele tratou insistentemente da quest‹o das classes sociais, mostrando as diferenças entre o grupo que detinha os meios de produç‹o (os capitalistas ou in-dustriais) e o grupo que vendia sua força de trabalho (os oper‡rios ou camponeses). A relaç‹o entre esses grupos era de exploraç‹o destes por aqueles, o que dava origem ˆ luta de classes.

Karl Marx (1818-1883) foi um intelectual alem‹o, cujos tra-balhos interessam ˆ Filosofia, ˆ Pol’tica, ˆ Economia, ˆ Hist—ria, ˆ Sociologia. Sua obra tem uma parte mais anal’tica, que aborda criticamente o capitalismo industrial do sŽculo XIX, e uma mais pragm‡tica, voltada para a transformaç‹o da ordem social, que originou a doutrina comunista. Entre suas publicações mais re-levantes, est‹o O manifesto comunista (1848), em parceria com Friedrich Engels, e O capital (1867), reuni‹o dos estudos de Eco-nomia Pol’tica de Marx, que n‹o chegaram a ser conclu’dos.

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Sociologia39

Sinecura: cargo que rende um bom salário e exige pouco trabalho.

2 WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 127.

3 WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 131.

4 Idem, p. 136.

Embora Marx tenha abordado sistematicamente o problema da estratificação social – sobretudo na perspectiva econômica –, ele não chegou a definir com precisão o conceito de classe social. Parece que, na época em que morreu, ele estava trabalhando numa definição de “classe social” num manuscrito que foi, posteriormente, publicado como parte de O capital. Como ele não chega a elaborar essa definição, precisamos reconstruir o conceito a partir dos muitos trechos em que Marx o utiliza em sua obra.

Podemos então dizer que, para Marx, uma classe social é um conjunto amplo de pessoas que compartilham os meios pelos quais elas ganham a vida.

Weber e os critérios de estratificação social

Max Weber foi bastante influenciado pelas ideias de Marx no que diz respeito à estratificação social. Ele também acreditava que a sociedade se caracterizava por lutas, por disputas, por conflitos envolvendo poder e recursos econômicos. Mas, enquanto Marx trabalhava com relações polarizadas de classe, com base em um critério essencialmente econômico, Weber vai um pouco além e propõe três dimensões para compreender a estrutura social: a ordem econ™mica, a ordem social e a ordem pol’tica.

Max Weber (1864-1920), intelectual alemão, é considerado um dos fundadores da Sociologia moderna. Opôs-se à assimila-ção das ciências sociais aos quadros teóricos das ciências natu-rais, definindo o objeto da Sociologia como, fundamentalmente, a compreensão das relações de sentido da ação humana. Em outras palavras, para Weber, o conhecimento de um fenômeno social dependeria do conteúdo simbólico da ação ou das ações que o configuram. Suas principais obras são A ética protestante

e o espírito do capitalismo (1904-1905) e Economia e sociedade (publicada postumamente, em 1922).

A ordem econômica dividiria a sociedade em classes; a ordem social, em status ou estamentos; e a ordem política, em partidos. A partir desse ponto de vista, em cada sociedade não haveria apenas uma estratificação, mas várias superpostas. Assim, para Weber, podemos falar em classe apenas quando “1) certo número de pes-soas tem em comum um componente causal específico em suas oportunidades de vida, e na medida em que 2) esse componente é representado exclusivamente pelos interesses econômicos da posse de bens e oportunidades de renda [...]”.2

Desse modo, pessoas estariam na mesma situação de classe quando suas capacidades de consumo, seu poder de dispor de bens e seus rendimentos financeiros são semelhantes.

No caso dos estamentos, o que está em jogo é o prestígio social de um grupo de indivíduos e seu poder de influência em determi-

nado campo de atividade. Assim, participar de um estamento é, para Weber, uma espécie de honraria.

Essa honraria pode estar relacionada com qualquer qua-

lidade partilhada por uma pluralidade de indivíduos [...].

No conteúdo, a honra estamental é expressa normalmente

pelo fato de que, acima de tudo, um estilo de vida especí-

fico pode ser esperado de todos os que desejam pertencer

ao círculo. Ligadas a essa expectativa existem restrições ao

relacionamento “social”.3

Entidades de organização profissional, clubes ou igrejas podem ser estamentos, o que mostra que um estamento pode incluir pessoas de classes diferentes. Da mesma forma, no plano político, um partido pode ou não ser a representação de uma classe ou de um estamento. Suas ações “sempre significam uma socialização, pois tais ações voltam-se sempre para uma meta que se procura atingir de forma planificada. A meta pode ser uma ‘causa’ (o partido pode visar à realização de um programa de propósitos ideais ou materiais), ou a meta pode ser ‘pessoal’ ( sinecuras , poder e, daí, honras para o líder e os seguidores do partido)”.4

É bom ressaltar que a noção de partido em Weber é mais ampla do que a ideia que temos hoje de partidos políticos, que estuda-remos mais adiante.

Consciência de classe e consciência de estamento

Historicamente, a sociedade estamental existiu, por exemplo, na Baixa Idade Média, durante a época feudal, quando vassalos e suseranos tinham direitos e deveres bem distintos e delimitados. Nesse caso, as desigualdades sociais se sobrepunham às desigualda-des estamentais. Já na Idade Moderna, nas monarquias absolutistas, havia dois outros estamentos – o clero e a nobreza –, que não apresentavam diferenças substanciais de ordem social, mas tinham seus rituais e seus privilégios específicos.

No Brasil de hoje, ainda podemos identificar grupos sociais mais ou menos fechados, como algumas colônias de imigrantes japoneses, judeus, eslavos ou comunidades populares negras e mestiças. Como os membros desses grupos costumam adotar certas expressões linguísticas e certas vestimentas para se dis-tinguir dos outros, além de consumir os mesmos bens e, em alguns casos, limitar as relações sociais (como o casamento) aos integrantes do próprio grupo, estaríamos diante de um caso moderno de estamento. Fazer parte desse status geraria as honrarias, os níveis de prestígio e o que Weber chama de “sentimento de dignidade”.

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Sociologia40

Esta leitura que Weber faz da realidade social nos leva à dife-rença entre consci•ncia de classe e consci•ncia de estamento. A questão da consciência que os indivíduos podem adquirir de sua condição de classe será mais bem tratada pelos teóricos mar-xistas; Weber preocupa-se mais com a consciência de status, que sempre estaria presente nos membros do estamento. Os militares ou religiosos, por exemplo, veem-se como detentores de prestígio e honra, que os distingue dos civis ou leigos. Têm orgulho disso e criam rituais para reforçar a consciência de seu status.

Weber usa dois termos interessantes para definir a consciência de estamento: “distância” e “exclusividade”. Distância porque seus membros procuram distinguir-se dos demais indivíduos e, prin-cipalmente, dos integrantes de outros estamentos. Exclusividade porque existem vantagens, privilégios, direitos a que só os membros do estamento têm acesso.

Sociedade de castas

As distinções estamentais incluem, na maior parte das vezes, convenções, costumes e rituais, como os da cavalaria medieval ou da maçonaria, que geram a distância e a exclusividade. Sociedades da Antiguidade e da Europa medieval conheceram estratificações em estamentos muito rígidas, que apontavam para o fechamento étnico ou religioso da comunidade.

Retomando a questão do etnocentrismo, podemos lembrar que não raras vezes o fechamento do estamento pode gerar a concep-ção de um “povo escolhido pelos deuses”, como se se tratasse de uma etnia superior, que deveria cumprir uma missão na terra. De algum modo, é essa crença que ajuda a produzir o racismo, en-tendido como a postura de discriminação de indivíduos ou grupos considerados “inferiores”.

Weber mostra que o fechamento completo do estamento pode evoluir para uma casta. Nesse caso, os integrantes do grupo

adotam estilos de vida e convenções coletivas impostas a todos os seus membros. Quase sempre, há a obrigatoriedade dos matrimô-nios endogâmicos, o que significa que os casamentos só podem ocorrer entre elementos do mesmo estamento. Não há mobili-dade nenhuma entre as castas. São grupos fechados, delimitados hereditariamente.

Isso ocorre de tal modo que todo contato físico com um

membro de uma casta considerada “inferior” pelos membros

de uma casta considerada “superior” é considerado como uma

impureza ritualística e um estigma que deve ser expiado por

um ato religioso.5

Weber acredita que as castas só chegam a esse estágio quando a diferença entre os estamentos é de ordem “étnica”. Atualmente, são cada vez mais raras sociedades de castas. O exemplo mais acabado desse tipo de rigorosa estratificação que conhecemos é o da sociedade indiana. Embora o sistema de castas na Índia tenha sido oficialmente abolido pela Constituição do país, na prática ele ainda está em voga.

Nesse sistema, tudo é definido pela linhagem hereditária. Os casamentos são endogâmicos, e frequentemente se admite o ca-samento de um homem com várias mulheres, desde que per-tencentes à mesma casta. A rigidez de comportamento exigida implica regras de comensalismo: a casta determina que alimentos seus membros podem ou devem ingerir e com quem é permitido ou proibido comer certos alimentos. Tudo é ritualizado: há regras sobre as pessoas com quem se pode fumar e até mesmo sobre quem pode ser o barbeiro dos membros da casta.

Na Índia, os brâmanes hindus foram uma casta superior em relação aos xátrias e vaixás, castas intermediárias, e aos sudras e párias, inferiores. Qualquer contato físico é proibido entre essas castas, sob pena de castigos, pois os brâmanes são considerados “limpos” e os párias, “imundos”.

exercícios

1. Observe a tirinha a seguir.

Ciça. Pagando o pato. Porto Alegre: L&PM, 2006.

Em Hamlet, uma das mais conhecidas peças de teatro do escritor inglês William Shakespeare (1564-1616), está a má-

xima “Ser ou não ser: eis a questão”. Na tirinha, o pato resolve “atualizar” a frase, substituindo o ser pelo ter.

5 WEBER, Max. Ensaios de Sociologia. Rio de Janeiro: LTC, 2010. p. 132.

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Sociologia45

Liberdade, propriedade, fraternidade

aulas11 e 12

Como já dissemos, o artigo 5o de nossa Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à propriedade. Num dos incisos desse artigo, essa ideia vem reforçada:

XI. a casa Ž asilo inviol‡vel do indiv’duo, ninguŽm nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em

caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determina•‹o judicial.

Dispon’vel em: <www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/art_5_.shtm>. Acesso em: 10 jul. 2015.

O que chamamos de Estado Democrático de Direito é uma instituição política que pres-supõe o respeito às leis e toma a Constituição como seu instrumento jurídico mais importante. Como essas normas jurídicas são propostas por vereadores e deputados eleitos pelo povo, pode--se dizer que elas representam, de alguma forma, os valores dominantes naquela sociedade.

No Brasil, quando a Constituição garante o direito à propriedade e declara a inviolabilidade da casa de cada um, podemos inferir que es-ses valores são consensuais em nosso país. Por exemplo, durante a noite, se não for um caso de “flagrante delito ou desastre”, nem a polícia, de posse de uma ordem judicial, pode entrar na casa de uma pessoa sem seu consentimento.

É por isso que, se estamos andando numa trilha e deparamos com uma placa em que está escrito “Propriedade particular. Não entre”, temos a tendência de respeitar esse aviso, pois sabemos que é um risco não obedecer a essa ordem.

O cartunista Angeli, com o humor sarcástico que está presente em sua obra, publicou, em 2008, uma charge problematizando essa questão. Observe-a.

Para debater

Nessa charge, uma família de agricultores depara com uma paisagem natural bastante bonita: um vale, um riacho, algumas montanhas, o nascer do sol, alguns pássaros no céu. Mas, em todos os lugares, lê-se a mesma frase: “Propriedade particular. Não entre”.

Considerando tudo isso, qual é o limite do que pode e do que não pode ser considerado “propriedade particular”? Quando Angeli considera o sol, o céu, os pássaros, a água, as montanhas como “propriedade particular”, o que ele está criticando?

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Sociologia46

Um pouco de teoria

Liberdade, propriedade, fraternidade

Um dos pilares de nossa sociedade é a igualdade jurídica

entre os indivíduos, que pode ser resumida pela máxima: “todos

são iguais perante a lei”. Outro pilar é o respeito aos direitos

individuais de cada ser humano. Entre esses direitos, destaca-se

a questão da propriedade privada, fundamental na sociedade

capitalista.

Já tratamos dessa questão nas Aulas 5 e 6, quando mostra-

mos que a propriedade privada é uma instituição social essencial

de nossa sociedade. Agora, vamos analisar como alguns pensa-

dores das Humanidades avaliam essa questão.

A Constituição brasileira garante, sem ressalvas, o “direito

à propriedade”. Isso apenas reforça que a propriedade é um

elemento social que, pela aceitação coletiva, mantém-se institu-

cionalizado ao longo dos últimos séculos. Mas como ela surgiu?

Jean-Jacques Rousseau explica que, a partir do cultivo da

terra, os seres humanos instituíram a propriedade individual,

o que criou a desigualdade, a concorrência, a rivalidade, o or-

gulho, a avareza, a inveja, a maldade, a guerra. Mas, como ele

acreditava que os seres humanos, em seu estado de natureza,

eram bons, ele responsabilizava os progressos humanos por

essa degradação. Isso é que contribuiu para a origem do mito

do “bom selvagem”. Povos que não conhecessem esses pro-

gressos não estariam degradados, não teriam esse sentimento

de propriedade e, por isso, ainda seriam “naturalmente” bons.

Muito da idealização dos indígenas, em obras literárias e na

pintura no começo do século XIX, teve como base o mito do

“bom selvagem”, afinal eles não teriam sido “degradados” pelos

valores da civilização europeia.

Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), nascido na Suíça, foi

um filósofo e teórico político que trilhou sua carreira intelec-

tual na França. Ligado ao Iluminismo e ao espírito raciona-

lista que imperou na Europa no século XVIII, ele acabou se

tornando um precursor da Sociologia moderna. Entre suas

obras mais importantes, estão Discurso sobre a origem e os

fundamentos da desigualdade entre os homens (1755) e Do

contrato social (1762). Postumamente, foram publicados os

vários volumes que constituem sua autobiografia, até 1767,

intitulada As confiss›es.

Na segunda metade do século XVIII, muitos teóricos de inspi-

ração liberal acreditavam que as liberdades individuais só estariam

resguardadas se houvesse respeito à propriedade. Rousseau dis-

cordava disso, defendendo que o ser humano só pode ser livre se

for igual. Sem igualdade não poderia haver liberdade. Mesmo John

Locke, teórico britânico considerado pai do Liberalismo , tinha

ideias semelhantes às de Rousseau. Para Locke, não haveria afronta,

não haveria conflito, se não houvesse propriedade.

Liberalismo: foi uma doutrina nascida principalmente com base no pensamento de John Locke (1632-1704), que defendia as liberdades individuais, em seu sentido mais amplo. O governo e o Estado não deveriam, assim, intrometer-se em questões econômicas, políticas, religiosas, intelectuais, que envolvessem a liberdade individual. Ao longo do tempo, o alcance do termo foi-se alterando, como veremos. Por exemplo: às vezes, o Liberalismo se aproximou da noção de Capitalismo, às vezes se afastou dela.

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Índios da missão de São José, de Jean-Baptiste Debret, 1834-1839. A teoria de Rousseau criou a ideia de que povos indígenas poderiam se aproximar mais facilmente do “estado de natureza”.

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Sociologia47

Friedrich Engels (1820-1895), teórico alemão que foi parceiro

de Marx em O manifesto comunista, também se debruçou sobre

a questão da origem da propriedade. Numa perspectiva histórica,

ele fala sobre a divisão do trabalho nas comunidades agrárias e de

sua relação com a propriedade no mundo moderno:

A divisão do trabalho Ž absolutamente espontânea: só existe entre os dois sexos. O homem vai ̂ guerra, incumbe-se da caça e da pesca, procura as matŽrias-primas para a alimen-tação, produz os instrumentos necessários para a consecução dos seus fins. A mulher cuida da casa, prepara a comida e confecciona as roupas: cozinha, fia e cose. Cada um manda em seu dom’nio: o homem na floresta, a mulher em casa. Cada um Ž proprietário dos instrumentos que elabora e usa: o homem possui as armas e os petrechos de caça e pesca, a mulher Ž dona dos utens’lios caseiros. A economia domŽstica Ž comunista, abrangendo várias e amiúde numerosas fam’-lias. O resto Ž feito e utilizado em comum, Ž de propriedade comum: a casa, as canoas, as hortas. ƒ aqui e somente aqui que nós vamos encontrar Òa propriedade fruto do trabalho pessoalÓ, que os [...] economistas atribuem ˆ sociedade civi-lizada e que Ž o último subterfúgio jur’dico em que se apoia, hoje, a propriedade capitalista.1

Para Engels, há uma contraposição entre “a propriedade fruto

do trabalho pessoal” (armas, utensílios de caça, pesca e caseiros),

cuja posse seria espontânea, e a propriedade comum (casa, canoas

e hortas), que engloba tudo que está ligado ao trabalho coletivo.

No primeiro caso apenas, poderíamos falar em “propriedade parti-

cular”. Mas, no mundo moderno, a partir da noção da propriedade

como “fruto do trabalho pessoal”, ampliou-se seu alcance e muito

de tudo o que era coletivo, em certas sociedades antigas, foi-se

tornando particular.

O jusnaturalismo e a bondade humana

Quando Rousseau fala dos indivíduos em seu “estado de

natureza”, sua intenção era decifrar a essência do que é ser

humano. Trata-se da base do que chamamos de jusnaturalis-

mo ou “direito natural”. De acordo com essa doutrina, haveria

um conjunto de princípios e regras de conduta que, indepen-

dentemente das circunstâncias históricas, daria origem a leis

compatíveis com a essência da natureza humana. Isso se opõe,

por exemplo, ao direito positivo, que contempla o sistema de

leis estabelecido pelo Estado. Para Rousseau, o direito natural

seria anterior e superior ao direito positivo e deveria prevalecer

em caso de conflito.

AngloEM_Soc_1ano_Cad1_CA_F030: im-agem de reintegração de posse ocorrida nos últimos anos em alguma ocupação popular. O ideal é que apareçam famílias que esta-vam morando na ocupação e a força poli-cial. Sugestões de eventos de reintegração: ocupação Pinheirinho, ocupação Esper-ança, ocupação na Avenida São João.

1 ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. São Paulo: Centauro, 2002. p. 67-68.

Policiais militares realizam reintegração de posse do Pinheirinho, ocupação localizada em São José dos Campos (SP), em 2012. Moravam entre 6 e 9 mil pessoas na região. Reintegrações de posse no mundo moderno nem sempre são pacíficas. A polícia, nesse caso, age em defesa da propriedade garantida pela lei.

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Sociologia48

Em sua visão de mundo idealizada, Rousseau distingue então duas espécies de seres humanos: o bom selvagem ou primitivo, que preservou as virtudes do estado de natureza; e o mau selvagem ou bárbaro, que assumiu os vícios da sociedade corrompida sem equilibrá-los com as vantagens da civilização.

Na prática, o bom e o mau selvagem são categorias abstratas, polarizadas, que podem ajudar a compreender o comportamento humano, mas não correspondem a indivíduos “reais”. Há muitas gra-dações entre essas duas categorias propostas por Rousseau. E tanto em um caso como em outro estamos sujeitos a nos comportar sob a influência de uma coerção, que pode ser “natural” ou não, mas que sempre influencia nosso modo de pensar e agir.

Muitas vezes, as pessoas acreditam que as coerções sociais emanam de uma força moral maior ou, nas sociedades mais mís-ticas, da vontade dos deuses, como se as coerções sociais fossem absolutas. Com a questão da propriedade privada, as coisas talvez tenham ocorrido assim: os indivíduos tendem a aceitá-la, como se ela sempre tivesse existido. Rousseau, Locke e Engels mostram que essa instituição social foi criada pelo ser humano e não é, portanto, completamente natural.

A socialização

Mas, independentemente de sua origem, a propriedade se im-pôs em nossa sociedade. O direito e o respeito a ela tornaram-se valores cristalizados, a ponto de a Constituição Federal protegê-la e garanti-la. Essa dinâmica dos fatos sociais nos ajuda a compreender o conceito de socializa•‹o.

Socialização é o processo através do qual indivíduos são

preparados para participar dos sistemas sociais. [...] De modo

geral, não somos socializados para compreender sistemas

como sistemas, nem para analisar como eles realmente fun-

cionam e suas consequências. Em vez disso, viemos a com-

preendê-los como uma realidade que aceitamos como natural,

que simplesmente é o que parece ser. Em outras palavras, o

que em geral não é incluído é qualquer tipo de conscientiza-

ção sociológica do que é aquilo de que participamos e como

estamos dele participando.2

O processo de socialização leva, portanto, o indivíduo a apren-der a ser membro da sociedade: as coerções sociais nos impõem regras de conduta individual, num verdadeiro processo de confi-guração e moldagem, a que somos inevitavelmente submetidos.

Mas não se pode pensar que a socialização é uma espécie de “adestramento”, por meio do qual as pessoas interiorizam costumes e valores de modo completamente mecânico. Pessoas de classes sociais diferentes, de épocas diferentes, de lugares diferentes – ainda

2 JOHNSON, Allan. Dicion‡rio de Sociologia. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997. p. 212.

3 BERGER, Peter L.; BERGER, Brigitte. Socialização: como ser um membro da sociedade. In: FORACCHI, Marialice M.; MARTINS, José de Souza. Sociologia e sociedade: leituras de introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científcos, 2006. p. 172.

que sob a influência da mesma cultura – podem reagir de formas diferentes à socialização. Até porque, se não fosse assim, os indiví-duos seriam robôs alienados que não fazem mais do que reproduzir os valores dominantes. As coisas não são tão simples.

Socialização primária e secundária

Muito antes da propriedade, a primeira instituição com que tomamos contato e que começa a moldar nossa visão de mundo é a família. Assim, a socializa•‹o prim‡ria se constrói na relação entre as crianças e os adultos, quando estes apresentam àquelas padrões de comportamento a serem seguidos. Esses padrões podem variar muito, de acordo com a formação dos adultos que interagem com as crianças e, embora relativos, são recebidos pela criança como ab-solutos: o mundo que lhe é apresentado pelos adultos é “o mundo”. Explicando esse fenômeno, Peter e Brigitte Berger dizem:

O caráter absoluto com que os padrões sociais atingem

a criança resulta de dois fatores bastante simples: o grande

poder que os adultos exercem numa situação como aquela

em que se encontra a criança e a ignorância desta sobre a

existência de padrões alternativos. Os psicólogos divergem

sobre se a criança tem a impressão de que nessa fase da vida

exerce um controle bastante pronunciado sobre os adultos

(uma vez que os mesmos são sensíveis às suas necessidades),

ou se vê neles uma ameaça contínua, porque depende deles

tão fortemente. De qualquer maneira, não pode haver a menor

dúvida de que, em termos objetivos, os adultos exercem um

poder avassalador sobre a criança.3

A socialização primária ocorre na primeira fase da infância, mas o processo de socialização continua a ocorrer durante toda a vida do indivíduo. No começo da vida escolar, por exemplo, os profes-sores, assim como a família, têm esse “poder avassalador” sobre a criança. Com o tempo, esse poder diminui, e outras formas de socia-lização, a que chamamos secund‡rias, surgem na vida do indivíduo.

A aceitação dos valores implícitos no processo de socialização, como dissemos, também pode variar conforme a época, o lugar e a classe social a que se pertence. Pensemos em nossa relação com a polícia. Para um jovem de boas condições financeiras, que vive num condomínio fechado, em uma cidade pacata, a figura do policial pode inspirar a imagem de segurança e autoridade. Já para um adolescente que vive em condições precárias, na periferia pobre de uma grande cidade, a mesma figura pode passar a impressão de hostilidade e perigo.

Outro caso de socialização secundária ocorre com os treina-mentos profissionais. Em muitos casos, para exercer uma profissão, não há necessidade de uma mudança grande na identidade do indivíduo, como, por exemplo, quando alguém quer se tornar ele-tricista ou arquiteto. Em outras categorias profissionais, é preciso uma mudança ampla de conduta, como nas carreiras militares.

É o que ocorre também na Igreja católica. Um futuro padre ou uma futura freira se submete a formas de socialização que, muitas vezes, impõem regras de conduta bastante rígidas e que podem

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exigir mudanças de costumes tão intensas que se equiparam à

socialização primária.

Socialização e dominação

O fato de a socialização ser um processo inevitável da vida em

sociedade, por meio do qual o indivíduo aprende a fazer parte de

certo grupo, não significa que seus valores não possam ser postos

em dúvida. Afinal, muitas vezes a socialização está associada a

formas de dominação. E, de acordo com alguns pensadores, como

Rousseau, Locke e Engels, a dominação se manifesta sobremaneira

sob a forma da propriedade privada.

Portanto, o processo de socialização acaba por apresentar

aos indivíduos os valores dominantes em uma sociedade e, na

maior parte das vezes, aceitam-se esses valores como a ordem

natural das coisas. Mas, em geral, os valores são impostos por

uma pequena parte da sociedade que, por deter o poder eco-

n™mico e político, torna-se maioria e pode, assim, ensinar as

pessoas a se comportar como lhe parece mais adequado.

Karl Marx, a partir da análise das formações econ™micas pré-

-capitalistas, dizia que não há dominação sem a apropriação de

uma vontade alheia e que essa apropriação só ocorre por meio da

propriedade privada. Com efeito, o escravo só seria escravo porque

o “senhor” se apropriou dele, passando a mandar em sua vontade.

Assim, durante muito tempo, a escravidão foi considerada

“natural” e tomar pessoas como objetos sobre os quais se tem

o sentimento de posse era um costume institucionalizado. As

crianças, ao serem socializadas, na escola e na família, apren-

diam a aceitar esses valores. Hoje, em nenhum país do mundo

a escravidão é admitida.

As instituições sociais são importantes porque dão unidade

aos grupos sociais, estabelecendo parâmetros que facilitam o

convívio humano. Mas, ao mesmo tempo, elas carregam o poder

de coagir as pessoas. A linguagem, a família e a propriedade são

instituições fundamentais e com raízes muito sólidas na civili-

zação. Elas levam as pessoas a agir de maneiras que tendem a

se tornar institucionalizadas.

Não cabe à Sociologia apenas mostrar que existem insti-

tuições sociais, como a propriedade privada, que interferem

em nossos costumes e que moldam os valores com que traba-

lhamos. Mais do que isso, é preciso analisar essas instituições

como estratégias de dominação, fortalecidas pelos processos

de socialização.

De fato, para que os comportamentos sejam padronizados

segundo os interesses dominantes, é preciso que as relações so-

ciais em todos os níveis da vida coletiva continuem a ser guiadas

pelos mesmos processos de socialização, que servem, em geral,

a esses interesses. Mas é possível que as relações de socialização

também se tornem canais de mudanças na sociedade ao longo

das gerações. Para isso, é preciso transgredir as normas, enfrentar

os valores dominantes e alterar costumes institucionalizados.

a) De acordo com Rousseau, a propriedade privada

surgiu de uma hora para outra da história da huma-

nidade? Justifique sua resposta.

não. Para rousseau, a ideia de propriedade “não se formou

repentinamente no espírito humano”, pois ela se originou “de muitas

ideias anteriores que só poderiam ter nascido sucessivamente”.

b) Que avaliação o filósofo francês faz daqueles que

aceitaram as imposições da propriedade privada,

quando ela surgiu?

uma avaliação negativa, uma vez que as pessoas são consideradas

“suficientemente simples” para acreditar que alguém tinha o direito

de cercar um terreno e dizer “isto é meu”. Para rousseau, não ter

aceitado essa nova situação nos teria poupado de inúmeros “crimes,

guerras, assassínios, misérias e horrores”.

exerc’cios

1. O fragmento a seguir foi extraído do Discurso sobre a

origem e os fundamentos da desigualdade entre os

homens, publicado em 1755 por Rousseau. Leia-o e res-

ponda ao que se pede.

O verdadeiro fundador da sociedade civil foi o primei-

ro que, tendo cercado um terreno, lembrou-se de dizer

“isto é meu” e encontrou pessoas suficientemente simples

para acreditá-lo. Quantos crimes, guerras, assassínios,

misérias e horrores não pouparia ao gênero humano

aquele que, arrancando as estacas ou enchendo o fosso,

tivesse gritado a seus semelhantes: “Defendei-vos de ou-

vir esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os

frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém!”.

Grande é a possibilidade, porém, de que as coisas já então

tivessem chegado ao ponto de não poder mais permanecer

como eram, pois essa ideia de propriedade, dependendo

de muitas ideias anteriores que só poderiam ter nascido

sucessivamente, não se formou repentinamente no es-

pírito humano.

ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos

da desigualdade entre os homens. In: Os Pensadores.

São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 270.

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