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Ensino Médio
Sociologia
Eduardo CalBUCCI • JUCENIR Rocha
Anglo
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Direção editorial: Lidiane Vivaldini Olo
Coordenação pedagógica: Fábio Aviles Gouveia
Supervisão da disciplina: Eduardo Calbucci
Gerência editorial: Bárbara M. de Souza Alves
Coordenação editorial: Adriana Gabriel Cerello
Edição: Cláudia P. Winterstein (coord.), colaboração: Andressa Serena
Coordenação de produção: Fabiana Manna da Silva (coord.), Paula P.O.C. Kusznir
Gerência de produção editorial: Ricardo de Gan Braga
Revisão: Hélia de Jesus Gonsaga (ger.), Danielle Modesto, Edilson Moura, Letícia Pieroni, Marília Lima, Marina Saraiva,
Tayra Alfonso, Vanessa Lucena
Edição de arte: Fernando Afonso do Carmo
Diagramação: Lourenzo Acunzo
Iconografia: Sílvio Kligin (superv.), Denise Durand Kremer (coord.), Claudia Bertolazzi, Claudia Cristina Balista, Ellen Colombo Finta, Fernanda Regina Sales Gomes, Jad Silva, Marcella Doratioto,
Roberta Freire Lacerda Santos, Sara Plaça, Tamires Reis Castillo (pesquisa)
Tratamento de imagem: Cesar Wolf, Fernanda Crevin
Licenças e autorizações: Patrícia Eiras
Cartografia: Eric Fuzii, Marcelo Seiji Hirata, Márcio Santos de Souza
Capa: Daniel Hisashi Aoki
Foto de capa: Kushch Dmitry/Shutterstock
Projeto gráfico de miolo: Talita Guedes da Silva
Todos os direitos reservados por SOMOS Sistemas de Ensino S.A.
Rua Gibraltar, 368 – Santo Amaro
CEP: 04755-070 – São Paulo – SP
(0xx11) 3273-6000
© SOMOS Sistemas de Ensino S.A.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Calbucci, Eduardo Ensino médio : Sociologia : caderno 2 : aluno /Eduardo Calbucci, Jucenir Rocha. -- 1. ed. --São Paulo : SOMOS Sistemas de Ensino, 2016.
1. Sociologia (Ensino médio) I. Rocha, Jucenir.II. Título.
16-01429 CDD-301
Índices para catálogo sistemático:
1. Sociologia : Ensino médio 301
2016ISBN 978 85 468 0220 3 (AL)
Código da obra 827032116
1a edição
1a impressão
Impressão e acabamento
Uma publicação
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Aulas 21 e 22 O Brasil no mundo 55
Aulas 23 e 24 Alienação 69
Sumário
Aulas 13 e 14 Trabalho e produção 4
Aulas 15 e 16 A sociedade industrial 17
Aulas 17 e 18 A sociedade capitalista 30
Aulas 19 e 20 Globalização 41
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Sociologia
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Sociologia4
A palavra “trabalho” pode ser usada em muitos contextos, com vários significados diferentes. Em geral, usamos o termo como sinônimo de uma atividade profissional ou para designar o local onde essa atividade é realizada. É isso que explica frases como “estou procurando trabalho” ou “saí tarde do trabalho”. Também podemos usar trabalho para falar de um serviço, de uma tarefa a cumprir, de um grande esforço.
No início do século XX, o filósofo alemão Max Scheler (1874--1928) distinguiu três grandes empregos para a palavra “trabalho”: o de atividade animal ou mecânica (“o trator trabalha melhor o campo que o burro”), o de produto pronto (“aquele edifício é um belo trabalhoÓ) e o de meta a ser alcançada (“há muito trabalho a fazer pela paz e pela igualdade entre os homens”).
Para debater
Trabalho e produ•‹o
aulas13 e 14
Existem trabalhos manuais, intelectuais e mecânicos, voluntários ou remunerados. Em todos os casos, o trabalho designa uma ação, por meio da qual o ser humano produz algo ou cria algo, com o objetivo de atingir um determinado resultado. Leia o texto a seguir, que trata do trabalho artesanal de povos pré-históricos:
Quando vemos uma jarra de argila produzida há 5 mil anos por algum artesão anônimo, algum homem cujas contin-
gências de vida desconhecemos e cujas valorizações dificilmente podemos imaginar, percebemos o quanto esse homem,
com um propósito bem definido de atender certa finalidade prática, talvez a de guardar água ou óleo, em moldando a terra
moldou a si próprio. Seguindo a matéria e sondando-a quanto à “essência de ser”, o homem impregnou-a com a presença
de sua vida, com a carga de suas emoções e de seus conhecimentos. Dando forma à argila, ele deu forma à fluidez fugidia
de seu próprio existir, captou-o e configurou-o. Estruturando a matéria, também dentro de si ele se estruturou. Criando,
ele se recriou.
[...] Formando a matéria, ordenando-a, configurando-a, dominando-a, também o homem vem a se ordenar interiormente
e a dominar-se. Vem a se conhecer um pouco melhor e a ampliar sua consciência nesse processo dinâmico em que recria
suas potencialidades essenciais.
OStrOwEr, Fayga. Criatividade e processos de criação. Petrópolis: Vozes, 1987. p. 51-53.
O texto considera o trabalho como um “processo dinâmico” por meio do qual as pessoas recriariam “suas potencialidades essenciais”, sugerindo algo diverso do que a imagem sugeria.
Considerando todos esses dados, qual noção de trabalho você acredita ser predominante em nossa sociedade: a sugerida pelo texto ou a sugerida pela imagem? Você acha que, atualmente, existem condições para que o trabalho nos fortaleça no que temos de mais humano?
Interior da Grande Fábrica de Massas Alimentícias Progresso, na cidade de Salvador (BA), c.1889-1903. Os trabalhadores manipulam as massas.
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Sociologia5
Um pouco de teoria
O que é trabalho?
Em português, a palavra “trabalho” tem sua origem no vocá-
bulo latino tripalium, que designava um antigo instrumento de
tortura. Daí a identificação que, muitas vezes, fazemos entre o
trabalho e tudo o que exige esforço ou provoca cansaço, sacri-
fício. Mas em que sentido esse termo costuma ser empregado
na Sociologia?
Muitos pensadores tentaram definir o que é trabalho e a
forma como ele se organiza na vida em sociedade. Podemos
começar com uma definição clássica, dada pelo filósofo e eco-
nomista alemão Karl Marx (1818-1883) em sua mais célebre
obra, O capital (1867):
Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a
Natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação,
media, regula e controla seu metabolismo com a Natureza.
MArX, Karl. O capital. v. I, tomo 1. São Paulo:
Abril Cultural, 1983. p. 149.
Para Marx, o trabalho apresenta-se como atividade racional que,
em processo contínuo, transforma o meio natural em que vivemos.
Trata-se de um verdadeiro intercâmbio de substâncias entre o ser
humano e a natureza.
Além disso, vale destacar que o trabalho humano difere, por
exemplo, do trabalho executado pelas formigas no armazenamento
de alimentos, pelas abelhas na fabricação dos favos de mel e pelas
aranhas na confecção de suas teias, uma vez que, no caso dos ani-
mais, essas atividades não seriam planejadas, mas uma herança ge-
nética. O trabalho humano é, mais do que tudo, um ato de criação,
mesmo quando repetido infinitamente, pois, para realizá-lo, cada
indivíduo precisa aprendê-lo, já que não nasce com as informações
necessárias para sua execução.
O trabalho humano: um breve histórico
A história da humanidade esteve sempre ligada ao trabalho,
tanto na luta pela sobrevivência como na tentativa de domi-
nar os recursos naturais. Na Pré-História, no período chamado
paleolítico (também conhecido como “idade da pedra lascada”),
os primeiros grupos humanos eram nômades, pois, como ainda
não havia domínio da agricultura, eles estavam sempre andando
à procura de alimentos. Nessa época, foram criados instrumentos
com pedras lascadas para coletar alimentos, caçar e garantir a
segurança. Por volta de 10 000 a.C., aproximadamente, começou
o período neolítico ou “idade da pedra polida”, quando os ins-
trumentos de pedra lascada deram lugar aos de pedra polida e os
grupos aprenderam a cultivar vegetais e domesticar animais, o que
lhes permitiu a fixação em territórios delimitados. Essa mudança
no comportamento humano foi tão grande que a chamamos de
Revolução Neolítica.
Essa revolução corresponde à primeira grande transformação
comportamental que os seres humanos viveram no processo de
hominização, isto é, na aquisição de características que distinguem
a espécie humana de suas espécies ancestrais. Pode-se dizer que
o início desse processo parte do primeiro hominídeo que se pôs
de pé, até a aquisição de uma habilidade manual propícia para o
trabalho, produzindo, a partir de então, tudo o que é necessário
para suprir as necessidades do ser humano.
A sedentarização, forma como é chamado o processo pelo
qual esses grupos se fixaram em territórios específicos, permitiu
o desenvolvimento de técnicas de agricultura e, posteriormente,
o domínio do fogo, artifício que permitiria o ingresso dos seres
humanos na idade dos metais.
A vida sedentária foi responsável também pela primeira divisão
do trabalho: em geral, os homens cuidavam da caça e as mulheres,
da casa (principalmente, das crianças e dos idosos). Esta divisão
sexual do trabalho nas tribos gerou a noção de propriedade sobre
os objetos necessários para cada atividade: os homens tinham suas
armas e as mulheres possuíam seus utensílios artesanais. Todo o
resto era de uso comum. Foi exatamente nesse estágio que o ser
humano aprendeu a cultivar plantas como o milho, o feijão e o
trigo, além de ter inventado a cerâmica, com que pôde armazenar
melhor os alimentos. Em seguida, passou a domesticar animais,
constituindo os primeiros rebanhos, que eram mais do que sufi-
cientes para a alimentação do grupo. Provavelmente, o consumo
de carne e leite em abundância ajudou a fortalecer a espécie. Foi
por meio dessas mudanças que nasceu a ideia de que a terra em
que os seres humanos plantavam e criavam seus animais também
lhes pertencia, criando noções de propriedade. A divisão sexual
Utensílios de pedra lascada encontrados na República Tcheca.
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Sociologia6
do trabalho evoluiu para a primeira grande divisão social do tra-
balho, delegando a alguns indivíduos o cuidado com o cultivo das plantações e a criação de animais, enquanto outros comandavam. Do desenvolvimento da agricultura para a fundição do ferro e para a escrita foi apenas um passo rumo ao que passamos a chamar de “civilização”.
Curioso chamar de “civilização” a era que trouxe as guerras. O domínio das fontes alimentares gerou a propriedade e, em pouco tempo, criou-se um excedente de produtos e alimentos que iam além das necessidades das pessoas. Por causa desse excedente, surgiu uma camada de indivíduos que podia se dar ao luxo do ócio permanente, pois acumulava riquezas. Com frequentes dis-putas por territórios, uma camada privilegiada passou a escravizar seus semelhantes, fazendo-os trabalhar para si. As civilizações da Antiguidade conheceram assim os primeiros impérios, consoli-dando-se as noções de poder. Posteriormente, o trabalho também abriu portas para o estabelecimento de classes sociais, a ascensão burguesa e o surgimento do capitalismo.
A Revolução Comercial gerou as Grandes Navegações nos sé-culos XV e XVI; no século XVIII, a Revolução Industrial criou a máquina a vapor; no XIX, a eletricidade, as ferrovias, o telefone e o telégrafo marcaram a chamada Segunda Revolução Industrial. No XX, com o avião e a terceira onda da revolução tecnológi-ca, a informatização da produção e das comunicações acelerou as transformações sociais. Ocorre em nossos dias um rearranjo socioeconômico viabilizado pelas novas tecnologias na direção da administração descentralizada, de mercados personalizados e do trabalho individualizado, flexível e terceirizado, porém numa estrutura socializada em tempo real pelas redes de comunicação. É a chamada era pós-industrial.
Marx e a práxis humana
Marx foi essencialmente um estudioso da sociedade capitalista do século XIX. Em sua vasta obra, ele considerava o trabalho como
elemento que transforma a natureza e estabelece necessariamente uma relação entre indivíduos, em um processo constante de satisfa-ção das crescentes necessidades humanas. Essa concepção remonta a Adam Smith (1723-1790), economista britânico considerado o “pai” do Liberalismo que, em sua obra mais importante, A riqueza das nações (1776), escreveu:
toda pessoa está continuamente empenhada em encon-trar o emprego mais vantajoso para o capital de que dispõe. É sua vantagem pessoal na realidade, e não a da sociedade, o que tem em vista. Mas o estudo de sua vantagem pessoal, naturalmente, ou melhor, necessariamente, o leva a preferir o emprego mais vantajoso para a sociedade.
Apud: HUBErMAN, Leo. História da riqueza do homem. rio de Janeiro: ttC, 1986. p. 290.
A esta concepção de trabalho coletivo, transformador da natureza, exterior ao indivíduo mas próprio de sua natureza, Marx chamou práxis. Para os sociólogos marxistas, o ser humano é antes de tudo um “ser de necessidades”. Essas necessidades – não somente individuais, mas também sociais (sejam elas políticas ou não, imediatas ou cultivadas, naturais ou artificiais, reais ou alienadas) – só podem ser satisfeitas de forma racional e consciente.
No plano da práxis, distinguem-se os seguintes níveis: a base
(que compreende as forças produtivas, técnicas e os sistemas de produção), as estruturas (entre as quais se destacam as relações de propriedade entre classes sociais) e as superestruturas (como as religiões, as ideologias, as artes, etc.). Permeando todos os níveis, estariam os conhecimentos científicos, a linguagem e o direito, por exemplo.
A práxis ainda pode ser definida como repetitiva, mimética ou inovadora. O trabalho repetitivo está presente em todas as ma-nifestações das sociedades humanas e não cria o novo. A prática mimética pode até proporcionar eventuais criações novas, mas tende a copiar modelos sem a preocupação de entendê-los. A práxis
1 2
O neolítico produziu objetos de cerâmica, como a peça marajoara (figura 1), além de peças em pedra polida como o machado (figura 2).
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inovadora é a atividade revolucionária. Sem esta, os seres humanos não teriam dado os saltos técnicos, políticos e culturais que deram no decorrer de sua história.
Produção e produtividade
Um exemplo do fenômeno revolucionário da práxis coletiva inovadora está no processo gerador da maquinofatura durante a Revolução Industrial. Desde os séculos XV e XVI, um grande problema para os empresários era encontrar formas de aumentar a produção de bens, até então manufaturados, com intuito de expan-dir as margens de lucro. Os limites do trabalho artesanal tinham sido atingidos e havia um mercado expandido em níveis globais. O pri-meiro passo foi criar novas formas de organização do trabalho nas manufaturas, de modo a aumentar a produtividade do trabalho. É comum a associação direta de produção com produtividade, mas são concepções diferentes que precisam ser esclarecidas: produção é o resultado concreto do trabalho, palpável sobretudo quando se trata, por exemplo, de uma tecelagem – são os fardos de tecido ou as roupas fabricadas pelos trabalhadores; produtividade é a relação entre a produção e o tempo – aumenta-se a produtividade quando se produz mais em menos tempo.
Os patrões ingleses do século XVIII perceberam que podiam usar o conhecimento que os artesãos tinham de todo o processo de produção para segmentá-lo, dividindo as tarefas em partes. Se todos sabiam fazer tudo, cada um podia se encarregar de uma etapa da pro-dução. Essa experiência, por si só, já revelou um considerável aumento na produtividade, mas ainda não era suficiente para a ambicionada modernização do sistema produtivo. A divisão técnica do trabalho, segredo revolucionário da burguesia, possibilitou a observação meti-culosa dos movimentos de cada etapa da produção. Daí à invenção dos engenhos mecânicos que pudessem substituir os movimentos
da mão humana foi um passo. Dos primeiros teares à máquina a vapor, a Revolução Industrial gerou a fábrica na acepção moderna do termo e a maquinofatura substituiu a manufatura. Cada máquina podia fazer o trabalho de vários trabalhadores e mais rapidamente. O artesão detentor dos segredos de toda a produção desapareceu para dar lugar ao operário que era responsável por apenas uma fase do processo produtivo e que competia com uma grande massa de desempregados substituídos pelas máquinas. A nascente sociedade industrial multiplicou a produção de bens, mas gerou também um imenso “exército industrial de reserva”, como Marx denominou o contingente de operários sem trabalho que as cidades passaram a abrigar, muitas vezes com o agravamento dos problemas sociais.
Além do trabalho pesado, das condições insalubres das fábricas, do excedente de horas trabalhadas e dos baixos salários, era comum o uso de mão de obra infantil com carga e tarefas similares aos trabalhos realizados por adultos. Crianças e mulheres realizavam tarefas também executadas por homens adultos, mas por salários menores, colaborando com a ânsia por lucro dos empresários. Outro aspecto marcante daquele processo revolucionário no uni-verso do trabalho foi a progressiva mecanização da agricultura e industrialização do campo, suprimindo mão de obra e acelerando o êxodo rural de populações para as cidades.
Taylorismo e fordismo
No fim do século XIX e no início do século XX, a divisão social do trabalho ampliada acabou por originar uma divisão
mundial do trabalho, já esboçada no processo de expansão co-lonial iniciado no século XV pelos portugueses. Nações inteiras foram legitimadas como fornecedoras de matérias-primas e de produtos primários, sendo também consumidoras dos produtos industrializados produzidos nos centros capitalistas mais avança-
Em 1765, James Watt aperfeiçoou a máquina a vapor, marco de uma nova era, que relegou a produção artesanal ao estigma do subdesenvolvimento.
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dos, fatores que tornou necessária uma produção em massa para
o consumo de massa.
Foi assim que o capitalismo ascendente criou, então, o sistema
Taylor de produção. Nascido dos trabalhos do engenheiro estadu-
nidense Frederick Taylor, considerado o criador do que chamamos
de “administração científica”, o taylorismo concebeu a ideia de que
os operários foram “encaixados” como se fossem também peças
de uma imensa engrenagem fabril. A alienação do trabalhador em
relação à sua função e ao produto do seu trabalho estendeu-se à
alienação de cada operário também em relação aos demais seres
humanos com que interagia. Seu ritmo de trabalho passou a ser
determinado pela linha de produção. Tal sistema viria a ser ainda
mais aprimorado por Henry Ford, que criou as linhas de montagem
com esteiras rolantes na sua fábrica de automóveis nos EUA. Como
bem disse Ford: “não pago meus empregados para pensar; eles são
pagos para produzir”.
No fordismo, cada operário era apenas uma peça de uma
engrenagem maior, sem domínio sobre o processo produtivo – o
que mantinha o poder nas mãos dos administradores e dimi-
nuía as possibilidades de os trabalhadores se organizarem para
fazer quaisquer reivindicações. O foco estava na produtividade,
conseguida através de um controle rigoroso das atividades dos
trabalhadores.
Em 1908, o mundo pôde conhecer o grande sucesso do Ford
Modelo T, símbolo de modernidade e da pujança do capitalismo
no princípio do século XX. O fordismo desdobrou-se em outras
versões de organização do trabalho nas fábricas, tema que será
retomado adiante.
O trabalho como ação social
Assim como a práxis de Marx e o fato social de Durkheim, o
conceito de ação social é fundamental no pensamento de Max
Weber (1864-1920), conceito cuja concepção está fundamental-
mente associada ao trabalho. Para Weber, as ações sociais devem
ter um sentido, uma finalidade, pois delas é que deriva a noção de
relações sociais. A ação social inclui a tolerância ou a omissão e:
[...] orienta-se pelas ações de outros, que podem ser pas-
sadas, presentes ou esperadas como futuras [...]. Os “outros”
podem ser individualizados e conhecidos ou então uma plu-
ralidade de indivíduos indeterminados e completamente des-
conhecidos (o “dinheiro”, por exemplo, significa um bem – de
troca – que o agente admite no comércio porque sua ação está
orientada pela expectativa de que outros muitos, embora
indeterminados e desconhecidos, estão dispostos a aceitá-lo,
por sua vez, numa troca futura).
wEBEr, Max. Ação social e relação social. In: FOrACCHI,
M.; MArtINS, José de Souza. Sociologia e sociedade
(Leituras de introdução à Sociologia). rio de Janeiro:
Livros técnicos e Científicos, 2006. p. 117.
Weber não considera ação social qualquer contato entre indi-
víduos. Num choque de dois ciclistas, por exemplo, vê somente
um fenômeno natural. Se, no entanto, ambos desviam ou brigam
após o choque, aí sim temos uma ação social. Uma conduta
homogênea de um grupo de pessoas também não define, ne-
cessariamente, uma ação social – diante da chuva, por exemplo,
vários indivíduos abrem seus guarda-chuvas simultaneamente,
mas isso não configura necessariamente uma ação social. Vestir-se
na moda, seja para acompanhar uma maioria reconhecida ou para
Linha de montagem em fábrica da Ford nos Estados Unidos, 1913.
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se distinguir como membro de uma elite, mostra a expectativa em relação aos outros.
Weber enumera então quatro tipos de ações sociais:
1. Ação tradicional: orientada por costumes enraizados.
2. Ação afetiva: de efeitos emotivos ou sentimentais.
3. Ação racional com relação a valores: determinada pela crença consciente nos valores éticos, religiosos, estéticos, etc.
4. Ação racional com relação a fins: em que as expectativas com relação a objetos ou outros indivíduos são condições para atingir fins avaliados e perseguidos.
Dentro da classificação weberiana, o trabalho identifica-se ne-cessariamente com os tipos 3 e 4 de ações sociais (ação racional
com relação a valores e ação racional com relação a fins) e even-tualmente com o tipo 1 (ação tradicional). É uma ação racional com relação a fins porque se desenvolve originalmente para a pro-dução da sobrevivência coletiva do grupo. É também uma ação racional com relação a valores porque se guia pela moral vigente na contemporaneidade, valorizando o indivíduo pela função que desempenha em seu trabalho. A burguesia gerou a cultura do traba-lhador honesto e produtivo como modelo de civilização. Também algumas religiões cultuam o trabalho como medida da aceitação de seus membros. Eventualmente, o trabalho caracteriza-se como uma ação tradicional, como no caso das atividades artesanais que passam de pais para filhos por gerações, sobretudo em pequenas comunidades rurais.
exercícios
1. O trecho a seguir pertence ao livro de Gênesis – abertura
do Velho testamento bíblico –, que narra o mito religioso
que solidificou grande parte da cultura ocidental: a ex-
pulsão do ser humano do paraíso. Leia-o com atenção.
A Adão [Deus] porém disse: Pois que tu deste ouvidos
à voz de tua mulher, e comeste do fruto da árvore, de que
eu tinha te ordenado que não comesses; a terra será mal-
dita por causa da tua obra: tu tirarás dela o teu sustento à
força de trabalho. Ela te produzirá espinhos e abrolhos:
e tu terás por sustento as ervas da terra. tu comerás o teu
pão no suor do teu rosto, até que te tornes na terra, de que
foste formado. Porque tu és pó, e em pó te hás de tornar.
Gênesis, capítulo 3, versículos de 17 a 19. In: Bíblia Sagrada –
edição ecumênica. rio de Janeiro: Enciclopédia Britânica, 1977. p. 3.
abrolhos:
Abrolho: recife ou baixio perigoso para as embarcações; por derivação, espinho de qualquer planta; sentido
figurado: o que dificulta, contraria ou esgota.
a) Qual é a punição que Deus dá à humanidade pela
desobediência de Adão?
deus afirma que, a partir daquele instante, os seres humanos
terão que tirar da terra seu sustento, “à força de trabalho”.
b) Como o trabalho é avaliado nesse trecho? Explique.
o trabalho é avaliado de maneira negativa, pejorativa. o trecho
bíblico associa trabalho a castigo e, consequentemente, a sofrimento
e sacrifício. o fragmento pode ser visto como um indício de que
essa visão do trabalho como luta cansativa pela sobrevivência
está bastante arraigada em nossa cultura.
O filme Ensaio sobre a cegueira (dir. Fernando Meirelles, 2008), adaptado do livro de mesmo nome do escritor português José Saramago, narra uma ficção em que toda a sociedade perde a visão. Cegos e dominados pelo desespero e pelo caos da quebra das relações costumeiras, o filme permeia o período de adaptação dos indivíduos à nova condição, contemplando as mudanças nas relações sociais que a cegueira poderia trazer. O filme dialoga com muito da crítica de Weber sobre as ações sociais. Ao assistir a ele, procure observar e refletir sobre o anonimato das personagens – não há nomes, sendo cada indivíduo nomeado pela sua “contribuição social” – ou seja, pela sua profissão.
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A sociedade industrial
aulas15 e 16
Observe a imagem a seguir:
Saindo da fábrica, Lawrence Stephen Lowry, 1930.
Para debater
A tela Saindo da fábrica, do artista inglês Lawrence Stephen
Lowry (1887-1976) ilustra dois componentes da sociedade industrial:
a maquinofatura e a multidão proletária. Assim, ela dialoga com
a sociedade industrial, nascida no século XVIII na Inglaterra, que
se espalhou pelo restante da Europa e chegou aos Estados Unidos
no século XIX. Foi nessa época que o capitalismo moderno surgiu,
desenvolveu-se e consolidou-se.
O capitalismo pode ser definido como um sistema econômico
que valoriza a propriedade privada e defende a liberdade de produ-
ção e comercialização de produtos com o objetivo de obter lucro.
Nesse sistema, o poder econômico pertence a empresas privadas,
que contratam mão de obra em troca de salário.
Em Capitalismo, uma história de amor (2009), o cineasta Michael Moore se empenha em apresentar a forma como grandes corporações participam de forma ativa de decisões políticas e até que ponto essas decisões influenciam e impactam a vida do cidadão norte-americano.
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Sociologia18
Atualmente, no mundo globalizado, existem meios de comuni-
cação que, vez por outra, fazem elogios ao capitalismo – como se
ele estivesse ameaçado –, ou, do outro lado, intelectuais se debru-
çam sobre as contradições do capitalismo na busca de soluções.
Vejamos um exemplo:
A REVOLUÇÃO KEYNESIANA COMOUM COMPROMISSO
O keynesianismo forneceu os alicerces ideológicos e po-
líticos para o compromisso da democracia capitalista, e ofe-
receu a perspectiva de que o Estado seria capaz de conciliar
a propriedade privada dos meios de produção com a gestão
democrática da economia. Nas palavras do próprio Keynes,
“não é a propriedade dos meios de produção que convém ao
Estado assumir. Se o Estado for capaz de determinar o mon-
tante agregado dos recursos destinados a aumentar esses
meios e a taxa básica de remuneração aos seus detentores,
terá realizado tudo o que lhe compete”. [...]
O problema na década de 1930 eram os recursos ociosos:
máquinas paradas e homens sem trabalho. Em nenhuma
outra época da história a irracionalidade do sistema capita-
lista foi tão flagrante. Enquanto famílias morriam de fome,
alimentos – já produzidos – eram destruídos. O café era quei-
mado, os porcos eram dizimados, os estoques apodreciam,
as máquinas enferrujavam. O desemprego era o problema
crucial da sociedade.
keynesianismo
Segundo a ortodoxia econômica da época, tal estado de
coisas era inevitável, e o único recurso consistia em cortar
os custos de produção, o que significava reduzir salários e
transferências. [...] Na Suécia, porém, o Partido Social-Demo-
crata, tendo vencido a eleição de 1932, rompeu os grilhões da
política monetária ortodoxa. Com o desemprego aumentando
a galope, ao iniciar-se a Grande Depressão, os social-de-
mocratas suecos surgiram com uma ideia verdadeiramente
inusitada: em vez de dar assistência aos desempregados, de-
ram-lhes empregos. tinha início o enlace entre a Esquerda
e a economia keynesiana”.
PrZEwOrSKI, Adam. Capitalismo e Social-democracia.
São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 244.
Considerando todos esses dados, por que, segundo o texto,
o pensamento econômico ortodoxo dos anos 1930 expunha a
irracionalidade do sistema capitalista? Como relacionar isso à tela
de Stephen Lowry?
Keynesianismo: termo que remete à obra de John Maynard Keynes (1883-1946), economista britânico que, a partir dos anos 1930, ajudou a repensar o papel do Estado na economia. Defendeu o intervencionismo por meio de políticas fiscais e monetárias, visando a equilibrar os efeitos cíclicos das crises e depressões periódicas do capitalismo. Por isso, é um dos iniciadores da discussão a respeito do planejamento econômico no capitalismo. Escreveu As consequências econômicas da paz (1919) e Teoria geral do
emprego, do juro e da moeda (1936), entre outras obras, tendo influenciado na formação do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Um pouco de teoria
O que é economia?
O ser humano sempre desenvolveu atividades voltadas para o suprimento das necessidades básicas de seu grupo. Eis a gênese do
trabalho e da produção de bens que garantem a sobrevivência coletiva. Nas sociedades modernas, no entanto, o interesse não é apenas
sobreviver, mas também obter lucros e acumular riquezas. A expressão “fazer economia” ganha o sentido de poupar, de gastar pouco,
de garantir provento posteriormente.
Convencionou-se chamar de econômicas as atividades por meio das quais os indivíduos trabalham para produzir alimentos,
roupas, armas ou ferramentas. São essas atividades que, posteriormente, permitem-nos praticar ações militares, religiosas, artísticas
ou políticas. O estudo sistematizado dessas questões gerou a Economia Política, ramo das ciências humanas voltado à análise das
ações destinadas à produção, à distribuição e ao consumo dos bens que garantem a sobrevivência e propiciam o desenvolvimento
das sociedades.
Se tomarmos economia como o conjunto de práticas que satisfazem nossas necessidades, poderíamos também incluir nesse grupo
atividades de lazer. Max Weber entendia economia como a administração dos recursos necessários para atingir um objetivo e dos meios
para alcançá-lo. Essa definição parece mais adequada, sobretudo, às sociedades modernas, nas quais o dinheiro é um meio para a satis-
fação de desejos e necessidades. Já em outras formas de sociedade, fica mais difícil identificar as escolhas racionais para a administração
dos recursos econômicos. Porém, mesmo nessas comunidades, as esferas da produção, circulação e consumo dos bens estão presentes.
E tudo isso sempre mediado pelo trabalho.
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Veja a seguir a análise das várias formas de organização social criadas pela humanidade até chegar ao capitalismo ou, como alguns soció-
logos preferem classificar, à sociedade industrial contemporânea.
Meios de produção e forças produtivas
A substituição das trocas, do escambo direto, pelo comércio mediado pela moeda desempenhou um importante papel no processo
de transformação dos sistemas de produção e circulação de bens.
Na transição do feudalismo medieval para o capitalismo mercantil, durante o que conhecemos por Revolução Comercial, a prática
da economia começou a dar origem à ciência da Economia. Posteriormente, a Revolução Industrial deu grande impulso à evolução do
pensamento econômico, que viria a culminar, já no século XX, no desafio de planejar o desenvolvimento.
Entre os séculos XVIII e XIX foram propostos e desenvolvidos conceitos, como forças produtivas, estrutura econômica, sistemas de
produção e capital, que acabaram se tornando fundamentais para a análise econômica, principalmente na perspectiva marxista. Um
dos mais importantes é o conceito de meio de
produção, que deve ser entendido como todo
e qualquer utensílio ou recurso natural, como a
terra, que seja usado na produção. A posse dos
meios de produção pode ser coletiva ou privada
e, em certos casos, como em regimes escravistas,
o próprio ser humano torna-se um meio de pro-
dução, sendo, inclusive, comercializado.
Ao ganhar um prêmio artístico de 100 mil dólares em 2010, o artista alemão Hans-Peter Feldmann decidiu transformar todo o dinheiro em uma instalação de arte. Feldmann realizou o saque de todo o dinheiro em notas de um dólar e colou-as em uma área inteira do Museu Guggenheim, localizado em Nova York, em 2011. A instalação provocou os visitantes do museu, fazendo-os refletir sobre o que fariam com essa quantia e qual é o valor abstrato do dinheiro.
Bolivianos fazem ato contra o trabalho escravo durante
a missa do trabalhador na catedral da Sé em São
Paulo (SP), 2014.
O filme Clube da Luta (dir. David Fincher, 1999) narra a história de um jovem executivo em ascensão que, apesar de ter tudo o que deseja, ainda se vê insatisfeito e deprimido. Sofrendo de forte insônia, se inscreve em grupos de autoajuda para vivenciar experiências que vão além de sua realidade. O filme questiona o consumismo exacerbado e a rotina de trabalho e problematiza a relação entre proletário e empregador.
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O ser humano se relaciona com o meio natural e o transforma de
acordo com seus interesses. Isso ocorre através dos meios de produção,
aproveitados da natureza ou criados por ele. Ao transformar a natureza
por meio do trabalho, as pessoas empregam sua energia pessoal e
coletiva (a força de trabalho) e geram o resultado (o produto).
Os grupos sociais empregam sua força de trabalho no manuseio
dos meios de produção e estabelecem, assim, relações sociais de
produção. Esse processo define o que chamamos de forças pro-
dutivas da sociedade. As forças produtivas nascem da combinação
dos vários elementos que estão envolvidos no processo do traba-
lho (energia humana, terra, ferramentas, máquinas, etc.) e que são
empregados em determinadas relações de produção (propriedade
coletiva ou privada) estabelecidas pelos indivíduos (normalmente
divididos por classes sociais).
Na análise sobre o “fazer a história” da humanidade, Marx e
Engels explicam que:
[...] A primeira premissa de toda a existência humana,
e portanto também de toda a história, é a premissa de que
os homens, para “fazer história” se achem em condições de
poder viver. Para viver, todavia, fazem falta antes de tudo
comida, bebida, moradia, vestimenta e algumas coisas mais.
O primeiro ato histórico é, pois, a geração dos meios para a
satisfação dessas necessidades, a produção da vida material
em si, e isso é, sem dúvida, um ato histórico, uma condição
fundamental de toda a história, que tanto hoje como há mi-
Os modernos tratores agrícolas são meios de produção de última geração no campo atualmente. Na imagem, colheita mecanizada de soja em Bela Vista do Paraíso (PR), em 2015.
lênios, tem que ser cumprida todos os dias e todas as horas,
simplesmente para assegurar a vida dos homens.
MArX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã.
rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. p. 50.
Modos de produção
Os agrupamentos humanos já se organizaram de várias manei-
ras diferentes para permitir a sobrevivência e o desenvolvimento
coletivo. O escravismo na Antiguidade, o feudalismo na Europa
medieval e o capitalismo em marcha nas eras moderna e contem-
porânea são apontados como os principais tipos de organização da
sociedade, pelo menos no mundo ocidental. Esses tipos de orga-
nização da sociedade se associam ao que o marxismo denominou
modos de produção. Hoje, porém, o conceito também é usado
entre teóricos não marxistas.
Considerando a enorme variedade de formas como as sociedades
se organizaram pelo mundo afora, Marx estudou outros modos de
produção, como o asiático, que apresentava características seme-
lhantes às encontradas nas civilizações pré-colombianas inca, maia
e asteca.
O conceito marxista de modo de produção é uma abstração,
é uma construção teórica, proposta a partir de observações histó-
ricas, e é útil para analisar tanto o tipo de civilização em que vivia
Marx, no século XIX, como o mundo de hoje. Ele se aproxima do
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Materialismo: em oposição ao que chamamos de idealismo, trata-se de uma doutrina que vê na matéria a realidade fundamental do mundo, como se ela pudesse explicar todos os fenômenos. Na perspectiva marxista, o materialismo está ligado à prevalência das necessidades materiais (alimentar-se, vestir-se, abrigar-se) e do trabalho para satisfazê-las sobre quaisquer outras necessidades, o que acaba sendo um modo de determinar toda a organização social.
que Max Weber chamava de “ideal-tipo”, ou seja, um conceito que procura reunir as características sempre presentes numa sociedade,
ainda que com variantes possíveis, conforme a região e a época.
Existe sempre uma tendência de identificarmos “produção” com “bens materiais”, mas, além dos bens que lhes permitem sobreviver,
os grupos humanos produzem também obras de arte, crenças religiosas, política e leis. Sobretudo, o ser humano produz ideias e, por
meio delas, interpreta toda a realidade a sua volta. Essa ampla forma de produção diferencia o ser humano dos demais seres vivos. Assim,
o conceito de modo de produção é amplo e inclui até mesmo as relações sociais, em todos os níveis que compõem a organização da
vida em grupo.
Infraestrutura e superestrutura
Marx identifica nos modos de produção de todas as sociedades uma infraestrutura de base econômica. E chama de superestrutura
o “espaço” social onde se dão as relações não econômicas, mas também muito importantes para a máquina social funcionar. Nesse
“espaço” são produzidos os sistemas educacionais ou jurídicos, as concepções religiosas, filosóficas e políticas, os códigos morais, as
tendências artísticas e os conhecimentos científicos, ou seja, toda a produção humana que não tem forma material e é imprescindível
ao funcionamento da sociedade.
Defendendo uma concepção materialista da história, Marx e Engels afirmam:
Os homens são os produtores de suas representações, ideias
e assim por diante, mas apenas os homens reais e ativos, [...]
condicionados através de um desenvolvimento determinado de
suas forças de produção. [...] A consciência não pode ser jamais
algo diferente do ser consciente, e o ser dos homens é um pro-
cesso de vida real. [...] A moral, a religião, a metafísica e qualquer
materialista
Organizados em diferentes modos de produção, os grupos humanos produzem os bens materiais e as ideias que caracterizam as sociedades.
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outra ideologia e as formas de consciência que a elas pos-
sa corresponder não continuam mantendo, assim, por mais
tempo, a aparência de sua própria autonomia. Elas não têm
história, elas não têm um desenvolvimento próprio delas,
mas os homens que desenvolvem sua produção material e
sua circulação material trocam também, ao trocar esta rea-
lidade, seu pensamento e os produtos de seu pensamento.
Não é a consciência quem determina a vida, mas a vida que
determina a consciência.MArX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alem‹. rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2007. p. 48-49.
As condições materiais da vida, que estão ligadas às forças de produção do ser humano, moldam a consciência que temos do mundo. E tudo ocorreria sob a influência de uma infraestrutura de base econômica. Desse modo, para a análise dos processos de transformação histórica das sociedades, a teoria marxista mostra a economia como elemento determinante dos grandes fenômenos sociais, uma vez que seria por meio dela que se definiriam as classes sociais e as formas de dominação de classe.
Diante das críticas, já em sua época, ao que seria uma visão economicista da história, Marx explicava que a luta de classes não está restrita à infraestrutura do modo de produção, mas também se dá em todos os níveis da superestrutura. As lutas políticas no âmbito do Estado seriam reflexos da luta de classes, assim como as expressões artísticas, as políticas de ensino ou de esportes, as ideologias norteadoras do direito e até as atividades religiosas. Tudo isso definiria os campos de confronto das visões antagônicas das classes dominantes e oprimidas. A luta de classes, cuja origem pri-meira está na base econômica, projeta-se permanentemente em toda a sociedade.
Na época do feudalismo, a atuação da Igreja e a supremacia do Catolicismo se constituíram na alma da coesão interna do modo de produção feudal. Da mesma forma, a intervenção dos Estados absolutistas europeus foi fator fundamental no avanço do capita-lismo comercial. São ações ligadas à superestrutura, que garantiram a manutenção dos pilares de uma certa estrutura social. Mas isso tudo se definiu a partir das transformações econômicas que des-mantelaram um modo de produção e geraram as novas classes sociais que construíram outro.
Se a humanidade é que faz sua história, dentro das condições materiais herdadas das gerações precedentes, a produção intelec-tual e as expressões da cultura desempenham aí um papel impor-tantíssimo. A visão de mundo ou a ideologia predominante em um dado modo de produção tende a ser, em situações normais, a ideologia das classes dominantes, que estão continuamente preo-cupadas em gerar explicações que produzam informações que não alterem as características da sociedade. A reprodução das relações de produção inclui a reprodução contínua da visão de mundo predominante. Todos nós passamos, desde os primeiros momentos de vida, pelo aprendizado sobre “como é o mundo lá fora”. Nesse ponto, a escola tem um papel importantíssimo como elemento de socialização e dominação.
Durante o regime do Estado Novo de Getúlio Vargas no Brasil (1937-1945), a propaganda oficial ilustrava as metas de socialização atribuídas a instituições como a escola: “Não se cogitará apenas de alfabetizar o maior número possível, mas também de difundir princípios uniformes de disciplina cívica e moral de sorte a transformar a escola primária em fator eficiente da formação de caráter das novas gerações, imprimindo-lhe rumos de nacionalismo sadio.”
Estrutura econômica e sistemas de produção
Se a prática econômica gerou o pensamento econômico, esse, por sua vez, passou a influenciar a organização da própria econo-mia. Coube aos economistas o estudo do que pode ser chamado de estrutura econômica. É muito comum utilizarmos frases e conceitos próprios da economia nas conversas cotidianas. Isso se deve à corrente estruturalista dos economistas. Você, por exem-plo, já deve ter escutado em noticiários televisionados ou lido em jornais locais informações relacionadas ao “setor primário” ou sobre avanços no “terceiro setor”. Confira a seguir os significados dessas expressões.
Vivemos um tempo em que a interdependência entre os seto-res da estrutura econômica faz de todos igualmente importantes, embora com pesos diferentes, conforme as regiões do planeta. Foi a divisão mundial do trabalho o fenômeno responsável por esta vinculação estreita entre os setores econômicos. É o trabalho do agricultor que fornece os alimentos às cidades e o do engenheiro
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O setor primário é aquele voltado para as atividades básicas
da produção associada aos recursos naturais. Inclui a agricultura,
a pecuária e a extração ou coleta, em suas mais variadas formas.
O setor secundário engloba as atividades industriais, tam-
bém em suas múltiplas formas, o que inclui a transformação dos
bens e matérias-primas, acrescentando aos produtos caracterís-
ticas resultantes do emprego das forças produtivas (ferramentas,
máquinas, energia humana, etc.). Embora hoje em dia o termo
“indústria” esteja vinculado, sobretudo, à ideia de fábrica, a rigor
os indivíduos começaram a exercer atividades industriais desde
o momento em que nossos ancestrais lascaram pedras para
“fabricar” instrumentos com o qual pudessem rasgar o couro
dos animais caçados para comer. Do artesanato primitivo à ma-
nufatura e, depois, à maquinofatura, chegamos ao estágio dos
grandes conglomerados fabris.
O setor terciário engloba trabalhos em áreas como educa-
ção, lazer e entretenimento, justiça e saúde, transportes, comér-
cio, etc. Ou seja, atividades que atendem a certas necessidades,
mas cujo produto não se mostra materializado. São os chamados
“serviços”. Este é, desde que as sociedades passaram a ser forte-
mente urbanizadas, um dos setores mais amplos e importantes.
tensiva, do taylorismo e do fordismo nas linhas de montagem
industriais, assim como já se falou do sistema escravista. Esse
conceito remete às características presentes num determinado
setor da economia, durante certo período e em uma região
definida, subordinadas às relações de produção predominantes
naquela sociedade.
O conceito de “modo de produção” é mais amplo do que o
de “sistema de produção”. Por exemplo, as estruturas econômicas
do modo de produção capitalista geram sistemas de produção
seguindo a orientação de políticas econômicas variadas, ditadas
pelos interesses das classes dominantes e dos governos.
Por política econômica entendemos a articulação de medidas
voltadas para objetivos determinados, explicitamente adotadas
por empresas ou governos nacionais, durante o predomínio de
uma classe ou facção de classe sobre os demais grupos sociais. A
evolução do capitalismo conheceu o mercantilismo dos séculos
XV ao XVIII, o liberalismo e o imperialismo dos séculos XIX e XX, e
o neoliberalismo “pós-moderno”, políticas econômicas marcantes
nas várias etapas do desenvolvimento capitalista.
O mercantilismo, por exemplo, era a prática dos monopólios
mercantis coordenados pelo Estado absolutista. Este, de caráter
intervencionista, administrava a balança comercial superavitária no
interesse da burguesia comercial aliada à Coroa. Com a expansão
colonizadora pelos continentes, os monopólios eram estabele-
cidos nos chamados pactos coloniais, a forma de dominação e
exploração das colônias pelas metrópoles da Europa. Os séculos
mercantilistas viabilizaram a acumulação de capitais que impulsio-
naram a Revolução Industrial no século XVIII. Assim, a burguesia
emergente promoveu o pensamento liberal que desmantelou as
políticas mercantilistas predominantes.
que permite produzir o trator usado na terra. Assim, o trabalho
de qualquer operário ou gari varredor de ruas é tão indispensável
quanto o de policiais e médicos no setor dos serviços.
No estudo da estrutura econômica de uma sociedade, ain-
da há outro conceito bastante importante: o dos sistemas de
produção. Fala-se de pecuária extensiva ou de agricultura in-
Fotografia da exposição Garis, de Fayson Rodrigo Merege Barbosa, 2015, que retrata a invisibilidade desses trabalhadores nas ruas.
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