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frutas, legumes e flores | Maio 2019 66 Os resultados das exportações poderiam ter sido ainda melhores, caso se tivesse conseguido uma maior valorização dos pequenos frutos. Os países produtores destas frutas que concorrem com o produto nacional não deram tréguas em 2018. Polónia e Marrocos foram alguns dos mercados que apareceram com preços mais competitivos nas janelas de produção portuguesa, trocando as voltas… e as contas aos agricultores. A opinião é transversal aos produtores de pequenos frutos que contactámos: 2019 perspectiva-se como um bom ano agrícola, onde se poderá conseguir travar alguma retracção de preços verificada em 2018, nomeadamente no mirtilo. As condições climatéricas têm estado favoráveis a boas plantas, a qualidade da fruta portuguesa é reconhecida lá fora, resta agora que o mercado da fileira não sofra grandes impactos e que os empresários portugueses consigam dar resposta à procura internacional nas janelas de oportunidade que sur- girem. Falámos com alguns produtores de pequenos frutos em Por- tugal com uma vertente muito forte para a exportação e ou- vimos de viva voz o relato do ano que terminou, bem como expectativas sobre as campanhas que já estão em marcha. Na Cimaberry há ainda muitas reticências quanto ao compor- tamento dos preços para este ano. A empresa de Leiria que produz cerca de 10 mil metros de framboesa, amora e, em quantidades mais pequenas, phisalia e mirtilo, acredita que a produção vai ser boa, já a sua valorização nem tanto. «Não podemos competir com preços que vêm por exemplo de Mar- rocos. Já nem falo no custo de outras factores de produção, mas só na mão-de-obra, por exemplo, pagam a cinco euros ao dia e nós estamos a pagar seis euros à hora. A diferença é gritante e torna-se complicado», lamenta o gerente, Gon- çalo Carreira. Para este responsável a solução passaria por uma «intervenção corajosa do Estado, em que este limitaria as importações para a Europa, principalmente por parte de mercados que competem de forma desleal», defende. Na Ci- maberry, 90% da fruta é para exportação e a única maneira de se conseguir preços mais competitivos seria «conseguir-se ANO MARCADO PELA QUEBRA DE PREÇOS

Ano mArcAdo pelA quebrA de preços...aos que produzem em convencional, que primam pela quali-dade. «Há agricultores com menos dimensão que investiram no mirtilo no âmbito do PDR2020

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Os resultados das exportações poderiam ter sido ainda melhores, caso se tivesse conseguido uma maior valorização dos pequenos frutos. Os países produtores destas frutas que concorrem com o produto nacional não deram tréguas

em 2018. Polónia e Marrocos foram alguns dos mercados que apareceram com preços mais competitivos nas janelas de produção portuguesa, trocando as voltas… e as contas aos agricultores.

A opinião é transversal aos produtores de pequenos frutos que contactámos: 2019 perspectiva-se como um bom ano agrícola, onde se poderá conseguir travar alguma retracção de preços verificada em 2018, nomeadamente no mirtilo. As condições climatéricas têm estado favoráveis a boas plantas, a qualidade da fruta portuguesa é reconhecida lá fora, resta agora que o mercado da fileira não sofra grandes impactos e que os empresários portugueses consigam dar resposta à procura internacional nas janelas de oportunidade que sur-girem. Falámos com alguns produtores de pequenos frutos em Por-tugal com uma vertente muito forte para a exportação e ou-vimos de viva voz o relato do ano que terminou, bem como expectativas sobre as campanhas que já estão em marcha. Na Cimaberry há ainda muitas reticências quanto ao compor-

tamento dos preços para este ano. A empresa de Leiria que produz cerca de 10 mil metros de framboesa, amora e, em quantidades mais pequenas, phisalia e mirtilo, acredita que a produção vai ser boa, já a sua valorização nem tanto. «Não podemos competir com preços que vêm por exemplo de Mar-rocos. Já nem falo no custo de outras factores de produção, mas só na mão-de-obra, por exemplo, pagam a cinco euros ao dia e nós estamos a pagar seis euros à hora. A diferença é gritante e torna-se complicado», lamenta o gerente, Gon-çalo Carreira. Para este responsável a solução passaria por uma «intervenção corajosa do Estado, em que este limitaria as importações para a Europa, principalmente por parte de mercados que competem de forma desleal», defende. Na Ci-maberry, 90% da fruta é para exportação e a única maneira de se conseguir preços mais competitivos seria «conseguir-se

Ano mArcAdopelA quebrA de preços

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produção descontente com preços do mirtilo Os baixos preços do mirtilo são referidos pela maioria dos produtores e na Cooperativa Bagas de Portugal 2018 não foi diferente. Paulo Lúcio, o presidente do conselho de ad-ministração, relata-nos o que aconteceu: «O ano passado foi muito complicado. Os preços baixaram muito, nomeada-mente no mirtilo. O que acon-tece é que a nível internacional há uma democratização do mirtilo, ou seja, a fruta tem

de chegar a muitos mais consumidores e a única forma de conseguir isso é baixar os preços. Mas quem distribui e quem vende não baixa as suas margens, ou seja, essa democratiza-ção reflecte-se em que produz. Os preços baixam no início da cadeia». No ano passado, a maior parte da fruta colhida coincidiu com o pico de produção da Polónia, «com preços muito mais competitivos». «Sofremos com isso. Foi horrível! Não há ten-dências, mas é importante percebermos o que aconteceu no ano anterior. Em 2018, por exemplo, vivemos essa fase, mas pagou-se muito melhor nos meses da usual época da Polónia, porque eles já não tinham fruta. No final de Agosto e em Setembro a fruta foi mais valorizada porque não havia pro-duto nos países onde era normal haver nessa altura. Além da Polónia, falamos da Roménia, Estónia… esses países eslavos.»Com 104 produtores associados, a Bagas de Portugal estima um 2019 bastante melhor, até porque os preços entretanto negociados já são consideravelmente melhores. «Temos mais créditos a nível internacional, os consumidores reconhecem a qualidade da nossa fruta e vamos trabalhar com empresas muito maiores, com mais garantias e melhores preços». É preciso recuperar de 2018, ano em que além do comporta-

produzir desde o fim de Março», uma missão difícil dadas as nossas condições climatéricas. Na BeiraBaga é essa a solução adoptada. Produz-se durante todo o ano «para compensar as oscilações de preços», adianta Bernardo Horgan, o responsável desta empresa do Fundão, fundada em 1991. «Tendo fruta todo o ano, o que conta é o balanço final. Há períodos em que o preço baixa, a realidade vai mudando, as geografias de produção vão-se alterando e temos de estar preparados para isso.»A concorrência dos pequenos frutos marroquinos também se fez sentir na BeiraBaga, onde a framboesa continua a ser a fruta rainha. «Mas o mirtilo está a ganhar bastante terreno e no meu ponto de vista já está muito próximo da framboesa», assegura. Com produção no Fundão e no Algarve, o empresário mos-tra-se muito confiante no potencial da amora dentro desta fileira. «A amora será o próximo boom, mas ainda está difícil. É um fruto que para estar doce tem de estar muito maduro e quando isso acontece já fica mole. Mas já começam a apare-cer variedades melhores, vamos ver...» As estimativas para este ano estão feitas, contando-se com «preços a descer até Junho/Julho e depois animam».

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Fonte: INE

AmorAs FrAmboesAs groselhA mirtilos totAl

PORTUGAL 1.040 17.880 388 9.840 29.148

ENTRE DOURO E MINHO 108 469 179 2.007 2.764

TRÁS-OS-MONTES 14 105 67 166 353

BEIRA LITORAL 41 499 108 3.265 3.914

BEIRA INTERIOR 44 191 11 326 572

RIBATEJO E OESTE 226 226 0 364 816

ALENTEJO 569 12.003 22 3.670 16.264

ALGARVE 37 4.387 0 42 4.466

Produção de pequenos frutos por região (em toneladas, 2017)

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mento do mercado, as produções foram bastante afectadas pela Drosophila suzukii, com especial impacto no mirtilo. A framboesa da Cooperativa «vendeu-se bem», assim como a amora, que, mesmo assim poderia ter tido melhores resul-tados se o mercado não estivesse inundado deste fruto. «Tra-balhamos essencialmente com amora com certificação bio e havia muita quantidade nos mercados, fazendo com que os preços baixassem».

A excepção do biológico O modo de produção biológico tem vindo a aumentar em Portugal, nomeadamente nos frutos vermelhos. A Mirtisul produz mirtilo bio desde 2009 e a responsável, Anne Bour-not, diz que foi uma aposta mais do que ganha. «Começámos com convencional em 2000. Em 2006 iniciámos a reconversão dos solos para biológico e três anos depois estávamos a ven-der a primeira fruta. Se não tivesse feito esta mudança, já não estávamos cá». Fazendo um balanço de 2018, a empresária diz que o ano foi muito bom, com boa produção e boas vendas. «O mercado pede este produto e é muito valorizado». O sucesso da explo-ração fez com que há dois anos aumentasse a área de planta-ção de 14 para os actuais 17 hectares. Em Grândola, crescem em modo biológico seis variedades deste fruto para que se consigam vários momentos de colheita. No ano passado, a Mirtisul vendeu 160 toneladas deste fruto, com 90% destina-

do a vários países da Europa. Outro investimento recente foi a construção de alojamentos para os trabalhadores. A mão-de-obra continua a ser uma dor de cabeça e, na altura das colheitas, são precisas cerca de 130 pessoas. Anne Bournot não esconde que é um grande desafio produ-zir em modo biológico e apela a outros produtores, inclusive aos que produzem em convencional, que primam pela quali-dade. «Há agricultores com menos dimensão que investiram no mirtilo no âmbito do PDR2020 pensando que o fruto cres-

Exportações nos primeiros dois meses de 2018 e 2019 (€)

176.

589

242.

476

72.0

83

1.64

2

Mirtilos

651.

039

101.

623

1.97

6.09

5

1.87

9.49

8

12.9

75.6

82

12.9

51.0

20

GroselhasAmorasFramboesasMorangos

Fonte: INE

Janeiro a Fevereiro de 2019

Janeiro a Fevereiro de 2018

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ce sozinho, mas não é assim. A agricultura, sobretudo nos pequenos frutos, não é um passatempo de fim-de-semana e o que acontece é que esses produtores estão a vender fru-ta sem qualidade e a manchar a imagem da fruta nacional. Acabamos por ser prejudicados. Houve países a negar fruta de origem portuguesa por causa disso», denuncia a mesma responsável. Uma situação também vivida pela Lusoberry, da Tábua. «Em 2018 as produções foram afectadas pela Drosophila. Isso fez com que o fruto não tivesse muita qualidade, principalmente para exportação. Como são mais dias de viagem, a fruta não chegava em boas condições e houve vários compradores que não fizeram negócio porque sabiam que a fruta portuguesa estava a chegar assim», conta o administrador da empresa e presidente da Capital dos Frutos Silvestres.

valor em € valor em Kg

Importação (2018)

Amoras

Groselhas

Morangos

Framboesas942.526

Mirtilos

19.045.33932.842.731

7.044.385

259.1481.229.794

446.022766.406

625.3134.114.784

Exportação (2018)

Amoras

Groselhas

Morangos

Framboesas23.594.186

Mirtilos

164.652.165

1.109.7257.407.831

109.889908.768

3.384.86119.363.127

5.003.36012.909.658

Fonte: INE

Os prejuízos foram grandes, mas o empresário não baixou os braços e em 2019 pretende atingir a meta de um milhão de euros em exportações. Para isso, tem feito inúmeros con-tactos internacionais. «Temos procurado novos mercados, principalmente o chamado “mercado de avião”, países pe-quenos, mas que têm algum poder de compra, como por exemplo o Cazaquistão e outros países da antiga União Soviética. O Dubai também, mas os espanhóis aí não nos deixam entrar muito… Temos também um contacto muito bom da Noruega, encetado em Madrid, na Fruit Attraction, em que eles querem fazer o aproveitamento do transporte do bacalhau para Portugal. Os camiões vão vazios para a Noruega e há interesse em regressarem com frutas portu-guesas». Nuno Pereira frisa que o próprio mercado nacional está em

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Drosophila suzukii: a MOsca MaIs tEMIda

Drosophila suzukii trata-se da única espécie de drosófila

(vulgarmente conhecida como mosca do vinagre) capaz

de causar danos em frutos sãos, estando neste momen-

to a afectar produções de pequenos frutos. Os danos

primários são causados pelas fêmeas que perfuram a su-

perfície do fruto para colocar os ovos e, posteriormente,

pelas larvas que se alimentam da polpa. O fruto infesta-

do pode colapsar alguns dias após a postura. Os danos

secundários aparecem mais tarde e são causados por

outros organismos tais como fungos e bactérias, que

aproveitam os orifícios de oviposição.

franco crescimento. «Penso que estaremos a falar de um cres-cimento na ordem dos 20% e há muitas pessoas a ir cada vez mais directamente às quintas». Este ano está a correr bem, segundo nos conta. «Em Es-panha já estão na fase final da colheita, a Norte tem havi-do frio, portanto, a campanha ainda está atrasada e tudo indica que Junho e Julho, que é o pico do mirtilo, serão bons. O ano passado tivemos um problema porque o Sul de Espanha produziu até mais tarde, e aquele intervalo que normalmente temos entre a produção do Sul e a do Norte não existiu. Mas este ano as coisas estão mas estáveis nesse aspecto». Com três hectares plantados com framboesa, mais três de ou-tros produtores associados que entram este ano em campa-nha, a empresa estima atingir as 100 toneladas. Já no mirtilo, as contas apontam para cerca de 80 toneladas. A luta é constante, os factores que não se controlam são mui-tos – recorde-se que em 2018 a tempestade Leslie afectou muitas estufas de pequenos frutos – mas os produtores man-têm-se optimistas. Pedem mais mão-de-obra e mais apoios à produção. «A fruta está com uma evolução enorme e muitos investimentos agrícolas dependem de apoios comunitários. Defendo que esses apoios deviam ser imediatos e directos, à semelhança do que acontece com o programa VITIS para a vi-nha. É urgente agilizar os processos», conclui o administrador da Lusoberry.

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É líder nacional na comercialização dos pequenos frutos e celebra este ano o seu 15º aniversário em Portugal. Para assi-nalar a data, a Driscoll’s Portugal inaugura em Julho o novo armazém de frio, em Odemira (Boavista dos Pinheiros). Um investimento de quase sete milhões de euros. Focada na qua-lidade da fruta dos produtos que trabalha e em crescer de forma sustentada com os 65 produtores parceiros, a empresa que integra a Driscoll’s Worldwilde, marca assim o seu percur-so de década e meia em terras lusas com um novo investimen-to. Com produção nas regiões do Algarve, Litoral Alentejano e Ribatejo, a última campanha foi «pautada pela qualidade

e pelo aumento de eficiências de toda a cadeia de valor», como nos explica António Corrêa Nunes, Portugal operations manager da empresa. Com um papel fundamental no escoa-mento da fruta produzida em Portugal, cerca de 98% foi para exportação, com a framboesa no topo da lista, seguida da amora e depois pelo mirtilo.

driscoll’s portugAl AssinAlA 15 Anos

com novo ArmAzÉm

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