Antologia de Literatura Medieval Portuguesa

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    /HISTORIA EANTOLOGIA DALITERATURAPORTUGUESAS 6 cuI 0 SXIII-XIV

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    Agradecimentos:Biblioteca Municipal do PortoCamara Municipal de FaroEditorial Caminho, SAEditorial Comunicacao, Lda,Imprensa da Universidade de Coimbra

    Professores:Ester de LemosHelder GodinhoJoaquim MendesJose MattosoLuis KrusTeresa Amado

    Ilustracao.Livro de Horas "Jouvenel des Ursins"Museu Calouste Gulbenkian, Lisboa.Fotografia de Reinaldo Viegas.

    Apoio:Ediclube - Edicao e Promocao do Livro, Lda.

    Ficha TecnicaEdicao da Fundacao Calouste GulbenkianService de Bibliotecas e Apoio a LeituraAv. de Berna, 56 - 1093 LISBOA CODEXCoordenacao cientifica de Isabel Allegro de MagalhaesCoordenacao tecnica de Cristina MonteiroConcepcao grafica de Ant6nio Paulo GamaComposicao e impressao - Grafica MaiadouroTiragem de 55 000 exemplaresDistribuicao gratuitaDep6sito legal n.v 6208/84Serie HALP n." 4 - Dezembro 97

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    APR 0 S A

    MEDIEVALPORTUGUESA

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    ./IndiceNota Previa , .

    Estudos Breves / IntroducoesVertentes da Prosa Medieval (excerto)Ester de Lemos .Historiografia MedievalLuis Krus .Cr6nicaLuis Krus .Epica (temas epicos)Jose Mattoso .Livros de LinhagensJose Mattoso .Cr6nica Geral de Espanha de 1344Luis Krus .Cr6nica da Conquista do AlgarveLuis Krus .Cr6nica da Tomada de Lisboa aos Mouros eda Fundacao do Mosteiro de S. VicenteJoaquim Mendes .

    Cr6nica do CondestavelTeresa Amado . 24Os Sete InfantesTeresa Amado...................................................... 26

    7 Antologia: Texto Notarial e Textos Uteriirios-Testamento de D. Afonso II" (1214) 31

    11Narrativas dos Livros de Linhagens(nove excertos).................................................... 33

    13Anais, Cr6nicas e Mem6rias Avulsas de SantaCruz de Coimbra(IV.' Cr6nica Breve) 51

    15 Cr6nica Geral de Espanba de 1344(Vol. II: Caps. CXCI, CXCII, CXCIV, CXCV,CXCYlI;CC-CCII;Vol. III: CCCLXXV-CCCLXXVII) 5516 Cr6nica da Conquista do Algarve(Caps. I, III, IX) 71

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    Cr6nica da Tomada de Lisboa aos Mouros eda Fundacao do Mosteiro de S. Vicente(Caps. 1.", 2.", 3.",4." e 8.") .. 7 3

    22 Estoria de Dam Nuno Alvrez Pereyra(Caps. XIV e XXVIII) .. 777983

    Gloss3rio .23 Bibliografia Sumiria .

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    Nota previaEste 4. Boletim, 0ultimo da sene sobre a

    Literatura Medieval Portuguesa, centra-se ainda naprosa dos seculos XIII e XlV. Desta vez, focando aHistoriografia e a Cronistica.

    Como conteudos, temos assim 0seguinte:Na prime ira parte, uma coleccao de Estudos

    Breves ou Introducoes sobre traces da historio-grafia e cronistica portuguesas, bern como sobreas principais obras desses seculos, suas materiase caracteristicas.

    Na segunda parte, uma Antologia de Textos:Urn exemplo de documento notarial:0 Testamento de D. Afonso II (1214);Varios excertos de textos literarios da histo-riografia/cronistica da epoca: Narrativas dos Livros de Linhagens (noveexcertos)

    Anais, Cr6nicas e Mem6rias Avulsas deSanta Cruz de Coimbra (IV." Cr6nicaBreve) Cr6nica Geral de Espanb a de 1344(Caps. CXCI, CXCII, CXCIV, CXCV,CXCVII; CC-CCII (Vol. II); CCCLXXV--CCCLXXVII(Vol. III))

    Cr6nica da Conquista do Algarve (Caps.I, III, IX)

    Cr6nica da Tomada de Lisboa aosMouros e da Fundacdo do Mosteiro deS. Vicente (Caps. 1.", 2., 3.", 4.", 8.") Estoria de Dom Nuno Alvrez Pereyra(Caps. XIV e XXVIII).

    A inclusao, neste conjunto, de urn texto decariz notarial deve-se ao facto de ser ele, deentre os textos datados, 0primeiro em prosaescrito em portugues,

    Quanto ao seu conteudo, este testamento eparadigmatico em relacao aos que na epoca sefaziam e, por isso, significativo de uma mentali-dade, seus usos e costumes. Mas 0facto de serescrito em portugues, e nao em latim, torna-o urncaso singular.

    As narrativas dos Livros de Linhagens apresen-tadas resultam de uma seleccao feita a partir daque Jose Mattoso ja elaborara e publicara em1983. Sao textos de grande variedade tematica,configuracoes de anteriores lendas ou tradicoes,europeias, alguns deles atravessados por umadimensao magica e ate fantastica e em geral degrande beleza narrativa.

    A -Introducao- de Jose Mattoso a sua edicao eesclarecedora quanta a problematic a da origemdas narrativas por si seleccionadas: aut6nomas,ou nao, relativamente aos Livros onde se inse-rem. Embora a sua leitura seja importante, 0curto espaco deste Boletim nao permitiu quefosse incluida.

    A organizacao das narrativas, nessa edicao, efeita em oito nucleos ternaticos, cada urn delesprecedido por urn comentario, desses nucleos,apenas cinco ficam aqui representados, acompa-nhados por apenas excertos dos comentarios.

    Os text os seguintes - retirados de cincoobras - permitem ver alguns tip os de cr6nicamedieval:

    a chamada crontca universal - quecorneca, por exemplo, com 0 inicio domundo e vai estreitando 0campo ate sefocalizar num assunto mais restrito -(exemplo, a Cr6nica Ceral de Espanba de1344, onde 0foco da atencao ira ser, gra-dualmente, Espanha e a fundacao dePortugal);

    as chamadas cr6nicas particulares, comalgumas variacoes:croruca regia, que narra uma linhagemregia - (exemplo, IV."Cr6nica Breve deSanta Cruz de Coimbra-, que narra tam-bern as origens do Condado Portuca-lense);crontca rnonastica, elaborada em Mos-teiros (aqui, a Cr6nica da tomada destacidade de Lixboa aos mouros e da funda-cam deste moesteiro de Sam Vicente);- cr6nica de personagem, cujo texto gira aroda de uma figura individual (emPortugal, a prime ira deste tipo parece serjustamente a Cr6nica da Conquista doAlgarve: Coroniqua de como Dom PayoCorrea Mestre de Santiago de Castellatomou este reyno do Algarve aos Mouros.Alern dela, a Estoria de Dom Nuno

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    Alvrez Pereyra que e a (mica crorncabiografica senhorial anterior a 1450).E certo que os tres ultimos textos menciona-

    dos se situam, cronologicamente, ja no limiar doseculo xv, ou ate claramente ja dentro desseseculo, A razao que permite inclui-los nestaAntologia (feita de escritos dos seculos XIII e XlV)justifica-se pelo facto de, no seu espirito enosseus conteudos, tais textos poderem ser conside-rados ainda como plenamente medievais.Quando comparados com a cronistica de FernaoLopes, nao restara duvida de que, se nao nasdatas, pelo menos na mentalidade que expres-sam, eles the sao anteriores.Consta ainda deste Boletim, como e ja habi-tual, urn Glossiirio, de modo a facilitar a leiturada lingua portuguesa no seu estadio medievaldestes seculos, e uma Bibliografia Sumaria.Agradeco aqui os conselhos e algumas infor-

    macoes que, em diferentes patamares do trabalhoe em relacao a diversos casos, me foram dados.Sobretudo por Jose Mattoso. Mas tarnbem porTeresa Amado e joao Dionisio.

    Isabel Allegro de MagalbdesDezembro de 1997

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    ESTUDOS BREVESINTRODUC;OES

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    Vertentes daProsa Medieval(excerto)ESTER DE LEMOS *

    1. A bistoriografiaA prosa portuguesa desenvolve-se mais tardia-mente do que a poesia. Enquanto nas cortes dos

    primeiros reis de Portugal (como tambern na deCastela e Leao) florescia a poesia dos trovadorese jograis, uma poesia em galego-portugues jarequintada e consciente da sua qualidade artis-tica, na prosa continuava ainda a utilizar-se 0latim, consagrado pela Igreja cat6lica como lin-gua oficial, e autorizado pelo exemplo da antigaRoma, cu]a tradicao cultural nunca se perdera aolongo da Idade Media.o latim era, alias, nao s6 a lingua dos te610-gos, mas tambern ados juristas. S6 a partir doreinado de D. Dinis os documentos oficiais pas-saram a ser redigidos em portugues,

    Foi tambern 0 latim a lingua utilizada, duranteos primeiros tempos da nacionalidade portu-guesa, para a redaccao dos relatos hist6ricos, aprincipio apenas produzidos nos mosteiros - osgrandes centros de actividade cultural durante aIdade Media, onde se conservara a tradicao dahistoriografia latina.

    1.1. Cr6nicas e liuros de linbagensOs textos rnais antigos que hoje se conhecem

    contendo noticias relativas a Portugal ou ao quevi ria a ser Portugal (alguns ainda anteriores afundacao cia nacionalidade) sao velhos anais lati-nos, alguns deles redigidos no mosteiro de SantaCruz de Coimbra e outros em diversos estabeleci-mentos religiosos do territ6rio. Copiados, refundi-dos, acrescentados, em parte traduzidos para por-

    Texto escrito e divulgado, em fotocoplas, pelaF.e.G., em 1979.

    tugues, esses velhos relatos cronol6gicos, entreos quais sao de salientar os que dizem respeito avida e feitos de D. Afonso Henriques, sao osmais romotos testemunhos que possuimos deprosa hist6rica produzida entre n6s.A historiografia portuguesa, porern, s6adquire relevo no reinado de D. Dinis. 0 nossorei poeta parece ter seguido, neste aspecto, 0exemplo de seu avo, Afonso X de Castel a e Leao.Alern de cultivar a poesia, escrevendo, comovimos, em galego-portugues uma obra lirica va-liosa, Afonso X dedicou com efeito a historiogra-fia 0 melhor do seu interesse, tendo promovido atraducao de obras de historiadores latinos e ara-bes, com vista a preparacao de uma CronicaGeneral de Espana que ele mesmo empreendeu eque havia de servir de modelo a identica obraproduzida em Portugal. D. Dinis, seguindo assuas pisadas, manda traduzir para portuguesdiversas obras de interesse hist6rico; assim foirealizada a chamada Cr6nica do Muro Rasis, emque se reunem diversas obras, relativas as origensfabulosas e aos tempos da dominacao romana,goda e muculrnana da Peninsula Iberica, da auto-ria do historiador hispano-arabe do sec. x,Ahmed Arrazi. Esta versao foi feita talvez aindano sec. XIII ou comeco do XIV pelo clerigo GilPeres, que introduziu alteracoes no texto original;e a prime ira cr6nica integralmente redig ida emportugues.

    A primeira tentativa realizada em Portugal deuma hist6ria geral da Peninsula e a Cr6nicaGeral de Espanba de 1344, cuja iniciativa se devecom toda a probabilidade a D. Pedro, Conde deBarcelos, mho bastardo de D. Dinis. Esta cr6nica,de que se perdeu a versao primitiva, inspira-sena Cronica General de Espana de Afonso X, masprolonga-a ate epoca mais recente e aproveitafontes desconhecidas daquela. Inclui, alern danoticia da fundacao do Condado Portucalense, 0relato do reinado dos sete primeiros reis dePortugal, estando incompleto 0de D. Afonso IV,durante 0 qual foi realizada. Apresenta ja aprecia-vel relevo Iiterario, sobretudo nos passos em queutiliza como fontes algumas narrativas em prosabaseadas em romances epicos jogralescos. Pelosrecursos de estilo que mobiliza - dialogos vivos,suspensoes que criam a expectativa do leitor,interrogacoes e exclamacoes ret6ricas - revela 0dominio da arte de narrar que a prosa portu-guesa cornecava ja a possuir.

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    E tarnbern na epoca de D. Dinis que se iniciaentre n6s outro genero hist6rico, este bern carac-teristico da Peninsula, e em que a literatura por-tuguesa apresenta prioridade: os nobilidrios oulivros de linhagens, relacoes da genealogia dasprincipais familias nobres do reino. Esses registosda nobreza foram inicialmente organizados comintuitos praticos: evitar unioes conjugais dentrodas familias (0 direito can6nico proibia os casa-mentos entre parentes ate ao 6." grau), assegurara validade de certos direitos hereditarios - e tam-bern conservar a mem6ria dos feitos dos -filhosd'algo-, para exemplo e estimulo dos vindouros.o que confere a estas obras interesse Iiterarionao e, naturalmente, a seca enumeracao denomes encadeados pelo parentesco, mas a intro-ducao do relato de epis6dios - uns lendarios,outros hist6ricos - de que sao protagonistas ossenhores cuja genealogia se regista. Relatos comoa lenda de Gaia (epis6dio romanesco daReconquista crista), a hist6ria da Dona Pe deCabra, a da Mulher Marinha e outros semelhantesdao urn colorido de maravilhoso a estas obras, evieram a inspirar escritores como AlexandreHerculano e Garrett. Por outro lado, a narracaoou simples noticia das doacoes e votos, das aspe-ras contendas entre herdeiros, vingancas, raptos,proesas de cavalaria e actos de violencia -e cruel-dade fornecem uma visao colorida e movimen-tada da Idade Media portuguesa.

    Sao tres os livros de linhagens que chegaramate n6s: 01.0, de 1270, em que, como observa 0Prof. Lindley Cintra, -predomina 0interesse pelosfeitos dos 'bons homens filhos d'algo que anda-ram a la guerra a filhar 0reino de Portugal'. e noqual se inserem ja epis6dios como 0da lenda deGaia; 0 2., de 1340, reduzido quase a seca rela-cao das familias, entrecortada apenas de algumabreve noticia; finalmente 0terceiro, tarnbem com-pilado por volta de 1340, chamado nobiliario doConde D. Pedro, por ter sido feito sob a direccaodo ja referido D. Pedro Conde de Barcelos, e 0mais extenso e completo; embora reproduza asnoticias geneal6gicas dos anteriores, apresenta jauma organizacao muito diferente, com urn pr6-logo onde 0Conde expoe os motivos - deordem moral, sobretudo - que 0levaram a esteempreendimento, e uma prime ira parte em quese esboca uma hist6ria universal, destinada aentroncar a ascendencia das familias do reino dePortugal na genealogia da grande familiahumana. Pela variedade e abundancia dos epis6-

    dios narrados e pelo valor hist6rico e litera rio decertos trechos - como a celebre narracao dabatalha do Salado, que e uma das rnais belaspaginas da primitiva prosa portuguesa - 03."livro de linhagens e de longe 0mais importantee constitui documento do maior interesse para 0estudioso da hist6ria e da literatura portuguesas.

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    HistoriografiaMedieval(excerto)Luis KRUS *

    No quadro da Hispania crista da Reconquista,a mem6ria letrada do passado regional portuguescomeca por ter origens monasticas e a expressar--se atraves de anais latinos. Os mais antigos,recolhendo notfcias que remontam ao seculo IX,foram elaborados nos finatsdo seculo XI e come-t;OS do seculo XII em dois mosteiros localizadosnos condados portucalense e conimbricense, res-pectivamente, Santo Tirso de Riba d'Ave eS.Mamede de Lorvao, Comemoram0passado daReconquista da fronteira crista ocidental asso-ciando a lembranca dos feitosmilitaresnela prati-cados pelos reis das Asturiase Leao a recordacaoda sucessao dos seus abades (Lorvao)e a mem6-ria da accao de nobres guerreiros regionais(SantoTirso).Destas duas series de registos anali-ticos, foi a portucalense que teve maior difusao.Copiada no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbradurante a decada de 30 do seculo XII, foi neleacrescentada, dando origem aos chamadosAnnales Portucalenses Veteres transmitidos, porsua vez, atraves de duas recensoes, uma longa(com noticias ate 1122)e uma breve (ate 1168),aoutras instituicoes eclesiasticas, tanto monasticas(Santa Maria de Alcobaca), como episcopais(Lamego), No seu conjunto, todos os textos deri-vados dos Annales Portucalenses Veteresperspec-tivam 0passado em funcao dos interesses dorecern-fundado reino portugues, incluindo osdesignados Annales D. Alfonsi PortugalensiumRegis, uma sua continuacao, feita em SantaCruz,com noticias que alcancam 0 ana de 1184.Centrando as efemerides recolhidas nas conquis-tas efectuadas pelas hostes do patrono do mos-

    In Dicionario da Literatura Medieval Galega ePortuguesa. Organizacao e Coordenacao de Giulia Lancianie Giuseppe Tavani. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 1993.

    teiro conimbricense - Afonso Henriques, 0reifundador -, heroicizam-lhe as vit6rias obtidascontra 0Islao, nelas encontrando, cruzadistica-mente, a legitimidade da independencia portu-guesa. Segundo os cruzios,0 novo reino resultarade uma Reconquista aut6noma da dos reis deLeao, nao reconhecendo a tais soberanos quais-quer direitos hist6ricos sobre os territ6rios anexa-dos, uma vez que os monges contestavam a teseda existencia de uma previa heranca goda trans-mitida a realeza descendente dos monarcas dasAsturias.Tendo como ponto de partida 0registodas mem6riasde AfonsoI, nao raro associadasashagiografias de santos seus conternporaneos, asrecordacoes analisticas da hist6ria dos senhoresreis de Portugal foram continuadas nos principaismosteiros de padroado regie durante os seculosXIII e XIV, sobretudo naqueles onde existiamsepulturas de antigos soberanos, como SantaCruz de Coimbra e Santa Maria de Alcobaca,enquanto, paralelamente, outros cen6bios reco-lhiam noticias e tradicoes relativas ao passadodas familiasdos seus nobres patronos e protecto-res, dando origem aos Livros de Linhagens.o mais antigo, 0Livro Velho de Linhagens, foiredigido em portugues no Mosteiro de SantoTirso, na decada de 80 do seculo XIII. Compostonuma epoca de tensoes e conflltos entre a rea-leza centralizadora e a nobreza senhorial, apre-sentava as origens das principais familias fidalgasportuguesas como anteriores a formacao doreino, fazendo-as portadoras de uma genealogiarecuada ate aos tempos da Reconquista asturiana.Desse modo, tornava a politlca regia de cercea-mento e anulacao dos direitos e privilegios deti-dos pela nobreza senhorial num atentado aojusto reconhecimento dos services prestados porlinhagens cujos fundadores, antes dos reis, -anda-rom a la guerra a filhar 0reino de Portugal-.Neste confronto politico-ideologlco em torno daquestao das origens, 0interesse senhorial pelostempos da Reconquistaasturiana nao se restringiuaos textos geneal6gicos. Com efeito, foi numadas grandes casas senhoriais do reino, adossenhores de Portel, que a historiografiamedievalportuguesa aderiu a um novo genero bastantedesenvolvido no vizinho reino de Castela, a cro-nica, nela se efectuando, antes de 1315, a tradu-cao do arabe para 0portugues da Cr6nica doMouro Rasis, um texto onde se aborda, global-mente, a geografia e a hist6ria peninsulares.Contudo, foi nos anos 40 do seculo XIV, numa

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    conjuntura em que a batalha do Salado (1340)reavivou as mem6rias da unidade da Cristandadeiberica, que mais se renovou 0gosto senhorialpela hist6ria. Na verdade, ainda que 0passadoregie tenha entao sido reescrito pelos cnizios emportugues, na chamada Cr6nica Portuguesa deEspanba e Portugal, urn texto transmitido pela IVdas Cr6nicas Brevesde Santa Cruz, as suas obrashistoriograficas mais marcantes dessa epoca rela-cionam-se com 0desenvolvimento da leiturasenhorial da hist6ria peninsular do reino. Nocampo dos escritos geneal6gicos, essa tendenciaencontra-se patente em dois novos livros delinhagens surgidos entre 1340 e 1344: 0Liuro doDedo e 0 Livro de Linbagens do Conde D. Pedro.o primeiro remete para os circulos letrados dedois grandes senhores da Se de Braga, 0arce-bispo Goncalo Pereira e 0deao Martim MartinsZote, seu primo, ambos familiarizados com diri-gentes das ordens religiosas militares, instituicoesde ambito peninsular, onde, por esses mesmosanos, se terao produzido cr6nicas panegfricas daaccao de antigos mestres, como parece ser 0caso da Cr6nica do Mestre Paio Peres Correia,possivel fonte da Cr6nica da Conquista doAlgarve. Quanto ao Livro de Linbagens, foi elabo-rado pelo detentor da (mica casa condal entaoexistente em Portugal, a de Barcelos: 0condePedro Afonso, urn bastardo do rei D. Denis quefoi genro dos senhores de Portel, linhagem, porsua vez, tambern muito relacionada com asordens religiosas militares, nomeadamente a doHospital. Oriundos de uma tal constelacao senho-rial, ambos os livros reconstroem, em funcao doprestigio fidalgo, uma hist6ria geneal6gica danobreza do reino que nao s6 remonta a epocasanteriores a da fundacao de Portugal, como, nocaso do texto do conde, recua ate as origensbiblicas, fazendo das linhagens portuguesas asherdeiras das tradicoes de uma cavalaria hispa-nica onde entroncavam as dinastias regias penin-sulares e onde confluiam e se superavam, pel atranscendental guerra contra 0Islao, as famas dosher6is troianos e asturianos. Ao passado da terrahispanica, 0 espaco de actuacao dos reis e dosnobres da Reconquista, dedicou 0conde deBarcelos a Cr6nica Gera/ de Espanba de 1344,nela fundindo, sob a influencia da historiografiacastelhana neo-isidoriana, transmitida atraves deuma traducao para portugues (Versao Galaico--Portuguesa da Cronica Geral de Espanba) textosgeneal6gicos (uma variante do Liber Regum

    navarro) e cromcas, tanto monasticas (Cr6nicaPortuguesa de Espanba e Portugal), como de ini-ciativa fidalga (Cr6nica do Mouro Rasis). Comeste monumental empreendimento, 0 condeensaiou uma nova leitura do passado e do devirdo reino portugues: integrando-o na hist6riapeninsular da Reconquista, encontrou as chavesde uma valorizada -diferenca- hispanica nas ori-gens e no superior ideal cavaleiresco manifesta-dos pela sua nobreza guerreira, competindo aosreis lusos as manifestacoes de solidariedade e dereconhecimento feudal capazes de permitir e devalorizar a cruzadistica missao dos fidalgos portu-gueses. Passada uma geracao, a refundicao de1380-1383 do Liuro de Linbagens do CondeD. Pedro, feita em mem6ria de Alvaro GoncalvesPereira, prior da ordem do Hospital, acentuou eextremou toda esta concepcao senhorial do pas-sado portugues, Ao reivindicar para os fidalgosdas ordens religiosas militares do reino a condi-~io de vanguarda da cavalaria hispanica, tornouextensivel a toda a nobreza portuguesa 0estatutode garante das tradicoes em que se baseavam 0prestigio e a grandeza de Portugal, legitimando--lhe, desse modo, urn vigilante e decisivo prota-gonismo na vida politica do pais, tal como 0desenvolveu a biografia de Nuno Alvares Pereiracontida na Cronica do Condestabre 0431-1433).Contudo, e apesar deste ultimo texto, 0discursohistoriografico senhorial tinha perdido intensidadee oportunidade politic a desde a crise de 1383--1385, uma vez que se baseava na tese do presti-gio das origens peninsulares, quando, no paisreal, por ocasiao da guerra da independenciacontra a anexacao castelhana, se despoletavam asprimeiras manifestacoes de urn ainda incipientesentimento nacional. Foi, alias, neste contextoque emergiu uma historiografia inequivocamentesuscitada e apoiada pela coroa, preocupando-seem legitimar pelo passado a ruptura dinasticaprovocada pela subida ao trono de D. joao I L.. J .

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    Cr6nica(excerto)Luis KRUS'"

    A cronistica medieval portuguesa inicia-se sobo signo das traducoes, devido, em grande parte,a influencia da historiografia castelhana neo-isido-riana que teve na Primeira Cr6nica Geral deEspanba de Alfonso X 0seu modelo inicial.Procurando responder a necessidade de encontrarFontes e materiais que permitissem perspectivar 0passado portugues no quadro da hist6ria daReconquista peninsular, registam-se, nos finais doseculo XIII e comecos do XlV, duas importantestraducoes para portugues: do arabe, antes de1315, a Cr6nica doMouro Rasis,e do castelhano,entre 1295 e 1312, a chamada Versao Galaico--Portuguesa da Cr6nica Geral de Espanba(Catalan), tambern conhecida como Traducdo daVariante Ampliada da Cr6nica Geral de Espanba(Cintra), ambas relacionadas com letrados pr6xi-mos de dois senhores da corte de D. Denis, res-pectivamente, Pero Anes de Portel e 0 seu genro,o bastardo regto Pedro Afonso (D. Pedro dePortugal, conde de Barcelos). As duas traducoesseriam, alias, utilizadas por este ultimo na com-posicao da Cr6nica Geral de Espanba de 1344, ares posta portuguesa ao labor historiografico daescola cronistica afonsina. Tendo tambem comofonte a Cr6nica Portuguesa de Espanba ePortugal, urn texto transmitido por uma dasCr6nicas Brevesde Santa Cruz, a IV.a, e, prova-velmente, composto no mosteiro cruzio deCoimbra, a Cr6nica de 1344 exaltou a -diferenca-portuguesa no conjunto da hist6ria peninsular daReconquista, fazendo-o numa conjuntura em quea vit6ria do Salado (1340), fruto de uma frentecomum iberica contra 0Islao, suscitou variascelebracoes das mem6rias do triunfalismo cristaehispanico, incluindo a Cr6nica do Mestre PaioPeres Correia, a possivel fonte da Cr6nica da

    In Dicionarto da Literatura Medieval Galega ePortuguesa. Organizacao e Coordenacao de Giulia Lanciani eGiuseppe Tavani. Lisboa: Editorial Carninho, SA, 1993.

    Conquista do Algarve. Passada a decada de 40 doseculo XIV, a cronistica portuguesa apenas rece-beu novo impulso nos cornecos do seculo xv,ap6s a refundicao de cerca de 1400 da Cr6nicaGeral de 1344, urn texto em que a recapitulacaode toda a producao anterior antecedia e prepa-rava uma outra etapa na leitura da mem6ria doreino [...J .

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    /Epica(temas epicos)JO SE MATTO SO *

    Ate it decada de 1950, prevaleceu emPortugai 0principio estabelecido por Ram6nMenendez Pidal da inexistencia de uma epicamedieval portuguesa. Tratava-se de urn generoeminentemente castelhano. Tarnbem nao teriaexistido uma epica galega. Os jograisgalegos naoteriam 0minima gosto pela poesia narrativa.Assimse explica que Rodrigues Lapa nao faca aminima referencia it epica nas suas Liciies deLiteratura Portuguesa, nem mesmo nas edicoesrecentes, e que 0mesmo aconteca no volumeconsagrado a Idade Media da Hist6ria daLiteratura portuguesa de Costa Pimpao.Durante a decada de 50, porern, Lindley

    Cintra e Ant6nio Jose Saraiva puseram em causaeste principio. A Cr6niea Geral de Espanba de1344, cuja origem portuguesa foi entao demons-trada por Cintra, incluia muitas versoes prosifica-das de cantares de gesta rnais extensas do quenoutras Cr6nicas conhecidas, e a tradicao histo-riografica portuguesa mencionava epis6dios ou-estorias- com urn caracter talvez nao tao marca-damente epico como as mais celebres composi-~oes castelhanas, mas, pelo menos, bastante pr6-ximas do genero, como mostram os exemplosmencionados mais abaixo, sobretudo aquele textoa que 0mesmo autor chamou a Gesta de AfonsoHenriques. 0 facto de nesta encontrar vestigiostematicos comparaveis aos dos poemas epicoscastelhanos, e mesmo vestigios formais, leva-o apublicar em 1979 uma pequena obra que intitu-lou justamente A Epiea Medieval Portuguesa, naqual inseria uma tentativa de reconstituicao for-mal do referido -poerna-, analisava 0seu con-tendo, e propunha uma hip6tese de explicacaopara as suas origens e significado. Parecia assim

    In Dicionario da Literatura Medieval Galega ePortuguesa. Organizacao e Coordenacao de Giulia Lancianie Giuseppe Tavani. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 1993.

    demonstrada a efectiva existencia de uma verda-deira epica portuguesa, obviamente sem a mesmapujanca que a castelhana, mas que de toda amaneira nao se podia ignorar. Infelizmentea pro-posta de Ant6nioJose Saraivanao suscitou ate aomomenta a discussao que parecia merecer, daparte de especialistas espanh6is e dos historiado-res da literatura portuguesa; apenas obteve aconcordancia expressa de Lindley Cintra.Deixando de lado 0 problema da eventual perti-nencia das analises formais de Saraiva - 0queme parece ser 0 factor decisivo neste assunto, eque gostaria de ver confirmado pelos especialis-tas -, limito-me a fazer urn breve comentario aoproblema dos eventuais vestigios dos temas epi-cos na literatura medieval portuguesa antes demeados do seculo XlV.Tomando como ponto de partida a lista deexemplos apontada por Saraiva, tern de se reco-nhecer que nao e tao demonstrativa como seriapara desejar. De facto, a lenda do rei Ramiro,nasduas versoes dos Livros de Linhagens e maisromanesca do que epica: 0 tema central e 0 dainfidelidade da rainha e do casamento com amoura Urtiga. A lenda de Egas Moniz e muitomais a hist6ria exemplar da fidelidade vassalica ede uma asnicia compensadora do que uma narra-tiva de combate e de heroicidade; e muito prova-vel que tenha sido composta pelo trovador corte-sao Johan Soarez Coelho para reivindicar urnlugareminente na corte de Afonso III. 0 relatoda tomada de Santarem na Cr6niea de 1344deriva formalmente do De expugnatione Sealabis,que apresenta, de facto, alguns passos de carac-ter epico, mas dificilmentepodera basear-se numcantar de gesta anterior. 0 relato da batalha doSalado e uma nitida composicao em prosa: tudoindica que se deve, como 0pr6prio Saraivamos-trou, ao ultimo refundidor do Livro de Linbagens,que trabalhava para 0 prior do HospitalD.AlvaroGoncalvesPereira; 0 seu caracter epiconao pressupoe de modo algum uma cancao degesta anterior.Eu pr6prio cons iderei em 1983 como decaracter epico algumas narrativas dos Livros de

    Linhagens. Sublinhei, porern, que 0resumo daHist6ria do Cid procede ja de uma prosificacaoanterior, e que 0mesmo acontece com0resumodo Cantar dos infantes de Lara. 0 passo da his-t6ria de Rodrigo Forjaz de Trastamara adaptadodo Cereo de Zamora, e que nessa altura me pare-cia poder provir de urn resumo da perdida

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    Cr6nica Galego-Portuguesa de Espanba e dePortugal, deve-se afinal, como verifiquei maistarde, ao refundidor do titulo XXI do Livro deLinbagens, provavelmente 0 mesmo que redigiuo relato da batalha do Salado.A brevealusao domesmo Livro ao feito de Soeiro Mendes da Maia,que -tirou 0feu da Espanha que haviam d'haveros Romaos- e demasiado sucinta para se poderformar uma opiniao acerca do seu teor primitivo.Enfim, a narrativa acerca de Goncalo Mendes daMaia, 0 Lidador, que eu em 1983 admitia terestado outrora associada a de SoeiroMendes, seu-irmao-, tambem nao apresenta nenhum vestigiode uma forma poetica anterior: e impossive!ima-ginar em que tipo de narrativa se inspirou 0refundidor do titulo XXI do Livro de Linbagenspara nos dar a -estoria- que hoje conhecemos.Resta, portanto, a -gesta- de Afonso Henriques,onde, todavia, se tern de reconhecer, por urnlado, que parece tratar-se mais de urn poemadestinado a explicar 0 destino tragicode AfonsoHenriques do que a descrever a sua grandezacombativa, e ainda por cima concedendo urnlugar fundamental ao epis6dio do obisponegro-,alheio ao genero epico, Sendo assim, pouco seacrescentou, ate agora, a teoria de MenendezPidal. Apenas se atenuou 0 seu caracter obvia-mente unilateral. Isto nao quer dizer que os por- .tugueses dos seculos XI I a XIV nao tenham sidoouvintes interessados de cantaresde gesta.A ver-sao da lenda do Cid que diz ter sido armadocavaleiro em Coimbra, da hist6ria do rei Garciaque teria sido preso em Santarern e que, emCoimbra, chorava diante das raparigas que iambuscar agua, 0texto latino do De expugnationeScalabis, a gesta provave!mentecastelhana doAbade folio Montemor mas que se passa entreCoimbra e Alcobaca,0poerna perdido de AfonsoGeraldes sobre 0 Salado, e outros indicios disper-sos mostram que 0genero era apreciado emPortugal. Nao s6 dos cantares castelhanos mastambem dos carolingios,que deixaramvaries ves-tigios literarios e suscitaram rimances popularesque ainda hoje se transmitem oralmente emalguns pontos do Pais.

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    Livros deLinhagensJOSE MATfOSO *

    Compilacoes geneal6gicas, de que se conhe-cern tres obras diferentes anteriores a 1500. Antesda data em que provavelmente foi redigida a pri-meira, no fim do seculo XIII, podem-se apontarcomo precedentes as genealogias de servos dofim do seculo IX ou principio do seguinte, desti-nadas a provar a posse dos descendentes porparte dos seus senhores. Depois destes escritos,0primeiro vestigio textual da mem6ria geneal6gicaque conheco encontra-se numa sequencia de setegeracoes dos patronos da igreja de Borba deGodim (Felgueiras), registada numa inquiricaoregia de 1136 ou 1137; depois, sob a forma deescrito independente num apontamento do prin-cipio do seculo XIII sobre os descendentes pr6xi-mos de Mendo Moniz, irrnao de Egas Moniz,acrescentado ao Liuro dos Testamentos doMosteiro de Paco de Sousa; e c. de 1325 numamem6ria redigida por Fr. Estevao, monge deSalzedas, acerca da familia de Gouviaes, Os doisultimos, embora sejam importantes para testemu-nharem a existencia de genealogias particulares,sao contemporaneos da primeira das tres obras jamencionadas, 0 Livro Velbo de Linbagens, que,segundo as recentes investigacoes de Luis Krus,deve ter sido redigido para apoiar as reaccoes danobreza senhorial contra as inquiricoes regias deD. Denis de 1284 e contra a sua intervencao nojulgamento acerca da heranca dos Sousas, tam-bern em 1284. Como procurei demonstrar em1977, e provavel que tivesse sido composto porurn monge ou clerigo do Mosteirode SantoTirsopara ao mesmo tempo exaltar a ascendencia doconde MartimGil de Riba de Vizela, que era 0representante por linha feminina da veneravelfamiliada Maia.De facto, e evidente que 0 livro

    In Dicionario da Literatura Medieval Galega ePortuguesa. Organizacao e Coordenacao de Giulia Lancianie Giuseppe Tavani. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 1993.

    concede uma atencao muito especial a esta fami-lia. 0 estabelecimento da data a quo baseia-se namencao de urn acontecimento que se deu em1286, e 0 da data ante quem no limite cronol6-gico aproximado das personagens que menciona,que nao pode ser muito posterior a 1290(embora numa interpolacao refira tambern0arce-bispo Goncalo Pereira). Este livro era primitiva-mente dividido em cinco partes consagradas res-pectivamente as familias de Sousa, Maia, RibaDouro, Baiao e Braganca, consideradas as maisnobres do reino. Todavia, conserva-se apenas,em c6pias posteriores ao seculo XVII, 0 texto daprimeira parte e do principio da segunda. Asgenealogias apresentam-se, como nos outroslivros de linhagens, segundo uma sequencia des-cendente, tanto por via masculina como por viafeminina.o Liuro de Linbagens do Dedo existe tambemem c6pia do seculo XVII, mas esta intacto, emboraa analise interna do texto mostre que se trata deurn resumo de outra obra mais extensa. Estadivi-dido em 23 titulos e conserva urn colofon noqual se diz ter sido escrito por MartimAnes, porencomenda de urn deao que nao se diz quem e,em 1343. Tendo eu em 1980 proposto a hip6tesede se tratar do resumo de uma primeira versao,perdida, do Livro de Linbagens do condeD. Pedro, que se exarninara em seguida, foi aminha hip6tese rejeitada por A. de AlmeidaFernandes em 1990 com argumentos que consi-dero inaceitaveis.Por outro lado, penso que e deabandonar a minha proposta anterior de 0 deaoreferido no colofon se identificar com GoncaloEsteves, do cabido da Se de Lamego, em favorda sua identificacao com Martim Martins Zotefeito deao da Se de Braga pelo arcebispoD. Goncalo Pereira em 1342, como descobriuLuisKrus.De qualquer maneira, 0Livro esta cer-tamente relacionado com as reivindicacoes danobreza senhorial depois da guerra civil de 1319--1324, que, como se sabe, opes 0rei a uma largafaccao da nobreza chefiada pelo principe her-deiro Afonso, futuro Afonso IV.Embora a oposi-cao anti-centralizadora tenha sido praticamentetriunfante na sua luta contra D. Denis, nem porisso ganhou a partida, porque Afonso IV reto-mou, depois de coroado, uma parte consideraveldo programa centralizador de seu pai, comomostram as inquiricoes de 1341 e 0conflito como arcebispo D. Goncalo Pereira em 1342, queantecederam imediatamente a redaccao do Livro.

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    Quer se admita que ele depende de uma pri-meira versao do seguinte quer constitua umaobra independente, sao evidentes os paralelismostextuais entre ambos e a identidade da maioriadas informacoes propriamente genealogicas ante-riores a 1340; alern disso sao praticamente con-temporaneos um do outro. Existe, portanto, umaintima relacao entre eles.o Livro de Linbagens do conde D. Pedro, queo prologo atribui expressamente a Pedro Afonso,filho bastardo de D. Denis e conde de Barcelos,foi provavelmente redigido entre 1340 e 1344,visto que menciona a batalha do Salado e quedeve ser anterior a Cr6nica de 1344 do mesmoautor. Considerado ate a decada de 50 comoobra diferente de um chamado Livro III deLinbagens, isto e, do fragmento copiado nomesmo codice que 0 Cancioneiro da Ajuda, foidemonstrado por Lindley Cintra que este era ape-nas uma versao daquele, e nao devia, portanto,ser considerado a parte. Esta dernonstracao foiessencial para resolver varies problemas relacio-nados com 0 estabelecimento do texto. Comefeito, 0Livro do Conde existe apenas numa ver-sao duplamente refundida depois da morte doseu autor. A primeira refundicao data provavel-mente de 1360-1365 e pode ter sido feita por umclerigo imbuido de conhecimentos juridicos aoservice do prior do Hospital Alvaro GoncalvesPereira: deve ter introduzido a divisao dos titulosem paragrafos, aperfeicoando as rernissoes deuns titulos para os outros, e acrescentando novasgeracoes as familias consideradas no texto primi-tivo. A segunda, foi feita indubitavelmente entre1380 e 1383 por alguern que deu maior impor-tancta as narrativas do que a actualizacao genea-logica: alterou sobretudo 0 extenso titulo XXI,com 0 intuito de exaltar ate ao extrema a familiade Pereira, mas parece ter introduzido poucasmodiflcacoes noutros titulos, devem-se-lhe variasdas narrativas mais extensas do Livro, nomeada-mente as dos ascendentes dos Pereiras, e a dabatalha do Salado, esta ultima inserida na biogra-fia de Alvaro Goncalves Pereira, prior da ordemdo Hospital (morto pelo fim de 1379 ou principiode 1380). Pertence ao conde D. Pedro a estruturafundamental do Livro, isto e, a insercao dasgenealogias portuguesas num contexto universale peninsular, 0que levou 0autor a aproveitarcomo base dos primeiros titulos uma refundicaodo Liber regum navarro do principio do seculoXIII, que estabelecia as genealogias dos reis da

    Cristandade, depois de as inserir nas geracoesbiblicas e arturianas segundo a obra de Godfredode Monmouth. Assim, depois de transcrever 0essencial daquela obra, acrescenta-lhe a genealo-gia dos reis de Portugal e prossegue com aslinhagens das principais familias castelhanas,antes de entrar nas portuguesas, a partir do tituloXXI. Estranhamente, a descendencia de SoeiroMendes da Maia aparece entre as linhagens caste-lhanas, no titulo XVI. A parte final do livro, ouseja, os titulos LXXIII a LXXVI, e consagrada afamilias galegas. 0 impressionante dossier reu-nido pelo conde D. Pedro garantiu-lhe umenorme sucesso nos seculos seguintes. Fizeram-seinumeras copias manuscritas da obra, tanto emPortugal como em Espanha; ]. B. Lavanha publi-cou uma versao castelhana (Roma, 1640) e Fariae Sousa a traducao portuguesa da edicao deLavanha (Madrid, 1646). As obras genealogicasportuguesas do seculo XVI ate aos nossos diasaproveitam-no quase invariavelmente como basepara a epoca anterior ao seculo xv. A investiga-cao actual tem demonstrado a exactidao historicada maioria das ligacoes familiares apresentadas,sobretudo para os estratos superiores da nobreza.A amplidao das informacoes recolhidas fazemdele uma fonte historica da maior importancia ecom virtualidades quase inesgotaveis.

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    Cr6nica Geralde Espanha de1344Luis KRUS *

    Tarnbem referenciada por Segunda Cr6nicaGeral de Espanba, foi elaborada por PedroAfonso, conde de Barcelos, em 1344e refundidacerca de 1400, tendo sido traduzida para caste-lhano, tanto a refundicao como a versao original.Exemplarmente estudada por Luis Filipe LindleyCintra, foi por ele editada a partir da redaccao decerca de 1400, visto nao se ter conservadonenhum manuscrito portugues da primitiva ver-sao. Posteriormente, Diego Catalan e MariaSoledadde Andres prepararam a edicao da tradu-~ao castelhana da redaccao original de 1344. Naprimitiva versao, a Cr6nica abre com urnesquema linhagistico de hist6ria universal, ba-seado, no essencial, em Eusebio e em Jer6nimo,seguindo-se duas partes da Cr6nica do MouroRasis (a descricao geografica da peninsula e ahist6ria dos ultimos reis godos, da invasaomuculmana e dos emires do al-Andalus) interca-ladas por uma hist6ria geneal6gica dos reis visi-g6ticos (de Atanarico a Vitiza), extraida, paraalern da obra historiografica do bispo Pelaio deOviedo, de uma versao do Liber Regum pr6ximada do Liuro de Geracoes navarro de 1260-1270,fonte essa retomada, ap6s uma lista da onomas-tica dos reis da Reconquista hispanica, para 0relato de uma breve hist6ria, quase geneal6gica,dos soberanos das Asturias, Leao e Castela (dePelaio a Alfonso XI), se bern que a partir deFernando I se utilizem dados provenientes, nasua maioria, da Traducdo da Variante Ampliadada Cr6nica Geral de Espanba (Cintra), tarnbemconhecida como Versiio Galaico-Portuguesa da

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    Cr6nica Geral de Espanba (Catalan). Esta ultimaobra, constituida por duas partes de distinta pro-veniencia (de Ramiro I a Bermudo III e deFernando I a Fernando III, com base, respectiva-mente, na Primeira Cr6nica Geral de Alfonso Xde Leao e Castela e na Cr6nica de Castela), iden-tifica a principal fonte da ultima e mais extensaseccao da Cr6nica de 1344, a que respeita a umarelativamente desenvolvida hist6ria dos reis deEspanha, de RamiroI a Batalha do Salado(1340),no reinado de Alfonso XI de Castela, induindo,intercalada no reinado de AlfonsoVII de Leao eCastela, a hist6ria dos reis de Portugal, baseada,em grande parte, na chamada Cr6nica Portu-guesa de Espanba e Portugal (Catalan), urn textotarnbem transmitido por uma das Cr6nicas Brevesde Santa Cruz, a IVd No seu conjunto, a Cr6nicade 1344 revela-se fortemente influenciada pelacronistica castelhana que teve na obra historic-grafica de Alfonso X de Leao e Castela 0 seumodelo, embora dela se distinga, quer pelo con-teudo quer pela forma. Quante ao conteudo, sepermanece fiel ao ideario de uma hist6ria ibericaonde conflui e se dimensiona 0passado dosdiversos reinos cristaos da Reconquista, induindoo de Portugal, nao deixa de manifestar uma sis-tematica hostilidade- (Catalan) para com a dinas-tia real de Castela e uma paralela tendencia paraexaltar 0contributo regional portugues na cons-trucao da historia peninsular, acabando, dessemodo, por atenuar a tese afonsina do primadocastelhano no protagonismo hispanico, Quanto aforma, se imita 0processo de compilacao dasfontes pr6prio da cronistica afonsina, procede demaneira menos sistematica e organizada, repe-tindo informacoes oriundas das distintas fontesdisponiveise cometendo varies atropeloscronol6-gicos na apresentacao global das noticiascompila-das, reflexos, por sua vez, de urn pouco traba-lhado plano historiografico previo, A conscienciadestes problemas formais esteve, alias, bern pre-sente nos objectivos de refundicao de cerca de1400, sendo uma das suas caracteristicas a deprocurar aproximar a cr6nica ao padrao historio-grafico castelhano, tornando-a mais devedora datradicao textual afonsina. Com efeito, tal refundi-~ao suprimiu todo 0 inicial esquema linhagisticode historia universal, trocando-o por urn pr6logoe por uma narrativa dos primeiros povoadores dapeninsula (ate ao senhorio dos gregos) com basena Primeira Cr6nica Geral de Alfonso X, fonteque tambem aproveitou para intercalar no inicio

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    do texto onde se reproduzia a Cr6nica do MouroRasis, urn Louoor da Bspanba e, mais significa-tivo, para substituir e amp liar grande parte dasmformacoes baseadas na versao do Liber Regumpr6xima do Liuro das Geracoes (hist6ria dos reisgodos, antecedida de uma hist6ria do senhoriopeninsular dos cartagineses e dos roman os; hist6-ria dos reis das Asturias de Pelaio a Alfonso I).Contudo, embora a refundicao de cerca de 1400contribuisse para uma maior uniformizacao cro-nistica da redaccao original, dela afastandogrande parte dos textos de pendor geneal6gico,nao sacrificou a perspectiva com que 0conde deBarcelos encarou a hist6ria peninsular daReconquista. Motivado para 0registo da gestahispanica num momenta marcante da afirmacaoda unidade iberica, 0da vit6ria crista do Salado,Pedro Afonso concebeu 0passado peninsularcomo heranca colectiva de proezas e facanhas,sendo nesse quadro que 0 Portugal nobiliarquicoe regie se devia distinguir como valorizada -dife-renca-, mobilizando-se para cumprir urn destinolibertador e redentor, tal como melhor se definenuma outra obra do conde, 0Livro de Linbagensou Nobiliario.

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    Cr6nica daConquista doAlgarveLUIS KRUS *

    A Coroniqua de como Dom Payo CorreaMestre de Santiago de Castella tomou este rrynodo Algarve aos Mouros, ou Cr6nica da Conquistado Algarve foi editada em 1792 pela AcademiaReal das Ciencias de Lisboa, com base nummanuscrito encontrado, em 1788, por Fr. ]oaquimde Santo Agostinho nos Tomas Velbos da CamaraMunicipal de Tavira, sendo depois incluida porAlexandre Herculano, em 1856, nos Portugaliaemonumenta bistorica. Copiando urn texto doseculo xv ou inicios do XVI, 0 manuscrito deTavira reproduz parte de uma cr6nica urn poucorna is extensa, utilizada por Rui de Pina e pelasua principal fonte para 0 relato dos aconteci-mentos respeitantes ao reinado de Afonso III, aCr6nica de Portugal de 1419. Por outro lado, 0manuscrito de Tavira, centrando-se na narrativados feitos algarvios de Paio Peres Correia, 0fidalgo portugues que foi mestre da OrdemMilitar de Santiago nos reinos cristaos peninsula-res entre 1242 e 1275, parece tambern poder tes-temunhar uma seccao da hoje perdida Cr6nicado Mestre Paio Peres Correia, urn texto identifi-cado por Lomax e Avalle-Arce e datado, por esteultimo, da decada de 40 do seculo XIV, no qua-dro dos escritos sobre 0passado cruzadisticopeninsular despoletados pela vit6ria crista doSalado. Assim sendo, a Cr6nica da Conquista doAlgarve remete para urn texto oriundo dos scrip-toria da Ordem de Santiago e representa urn dosmais importantes vestigios da actividade historio-grafica desenvolvida pelas ordens religiosas mili-tares na Hispania de Trezentos, nao sendo, por-tanto, de admirar 0 facto de perspectivar a

    In Dicionario da Literatura Medieual Galega ePortuguesa. Organizacao e Coordenacao de Giulia Lancianie Giuseppe Tavani. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 1993.

    Reconquista do Algarve de uma forma que dimi-nui e subalterniza 0protagonismo regio da inicia-tiva, razao pela qual Herculano e Gonzaga deAzevedo manifestaram serias reservas acerca dasua verosimilhanca hist6rica. Nao deixa, contudo,a cr6nica de fornecer importantes noticias denatureza socioecon6mica, s6 possiveis de reco-lher por uma fonte que utilizou informacoes naomuito distantes dos acontecimentos que relata.

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    Cr6nica datomada deLisboa aosMouros e dafundacao domosteiro des . VicenteJOAQUIM MENDES *

    Traducao portuguesa anornma de urn textolatino, realizada provavelmente em finais doseculo XIV, inicios do seculo xv.Chronica da tomada desta cidade de lixboaaos mouros e da fundacd deste moest" de samVicente e a rubrica, acrescentada posteriormenteao manuscrito escrito em letra g6tica e compostopor dezanove f6lios em pergaminho, cuja produ-~ao tera tido lugar no scriptorium do Mosteiro deS. Vicente de Fora em Lisboa, encontrando-seactualmente conservado na Area de Reservadosdo Instituto da Biblioteca Nacional e do Livrocom a cota Cod. 10623.

    A narrativa apresenta uma serie de aconteci-mentos relativos a tomada da cidade de Lisboaaos mouros por D. Afonso Henriques, no ana de1147. 0 rei, a personagem central, e apresentadacomo sendo possuidor de aptidoes pessoais,como sejam a valentia no campo de batalha, umaenorme mestria nos contactos diplomaticos e,acima de tudo, uma profunda devocao a Cristo,que the dao 0estatuto de her6i e !ider incontes-

    In Dicionario da Literatura Medieval Galega ePortuguesa. Organizacao e Coordenacao de Giulia Lancianie Giuseppe Tavani. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 1993.

    tavel, Tera side em virtude da sua s6lida fe quemandou edificar dois mosteiros - 0de S. Vicentede Fora e 0de Santa Maria dos Martires -, noslocais onde haviam side sepultados os portugue-ses e os Cruzados estrangeiros mortos em com-bate, tendo estes ultimos assumido papel deter-minante no exito da empresa.

    A Cr6nica dos Vicentes, nome por que normal-mente e designado 0 texto, resultou de uma tradu-~ao de urn texto latino - 0 Indiculum fundationisMonasterii Beati Sancti Vicentii Ulixbone, traducaoque por sua vez devera ser subsidiaria de outrasfontes hist6ricas - e poe enfase numa serie deacontecimentos milagrosos que terao ocorrido noMosteiro de S. Vicente de Fora. Nestes sucessosextraordinarios tera desempenhado papel prepon-derante urn cruzado gerrnanico de nomeHenrique, urn dos martires que recebera sepulturasob as lages do referido mosteiro.E tambern feita referencia a sucessao de abadesdo Mosteiro de S. Vicente de Fora ainda em vidade D.' Afonso, os quais, por motivos varies, ao fimde algum tempo abandonavam 0cargo, obrigandoo rei a proceder a sua substituicao, 0 primeirodestes abades foi 0 flamengo Galtero, que viria aestar na origem de uma disputa pela maior antigui-dade em Portugal entre C6negos Regrantes deS. Agostinho e os Eremitas de S. Agostinho.

    Esta cr6nica e actualmente considerada comouma das principais fontes para 0estudo e conhe-cimento da hist6ria da fundacao da cidade deLisboa, perfilando-se ao lade dos testemunhos deOsberno, Arnulfo e Dodequino. 0 texto portu-gues - mas nao a versao do manuscrito daBiblioteca Nacional - deu origem a uma serie detestemunhos, que constituem uma tradicao quese ramifica em tres familias, as quais ultra pass ama dezena de testemunhos de que ha conheci-mento, entre c6pias manuscritas e edicoesimpressas. A sua divulgacao deve-se sobretudo aversao da primeira edicao, impressa no Mosteirode Santa Cruz de Coimbra, em 1538, por ordemdo rei D. joao III - edicao esta que visaria, aoque parece, acabar com as supracitadas rivalida-des entre Eremitas e C6negos Regrantes.

    Conforrne foi referido antes, e para alern destaedicao, que tera tido como origem urn texto emportugues que nao 0 da Biblioteca Nacional,foram sendo realizadas outras edicoes e c6piasmanuscritas, umas com base nas outras, sem quequalquer delas apresente alteracoes substanciais deconteudo em relacao ao texto mais antigo, quetudo leva a crer seja 0 c6dice 10 623 da BibliotecaNacional de Lisboa [...J .

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    Cr6nica doCondestavelTERESA AMADO *

    Cr6nica biografica do Condestavel de D. joao I,Nuno Alvares Pereira 0360-1431), escrita porautor an6nimo depois da sua morte, em data naoposterior a 1440. A versao mais antiga hojeconhecida e a de uma edicao impressa em Lisboaem 1526, certamente princeps, que apresenta umtexto bastante correcto e 0 prop6sito explicito nofrontispicio de recordar 0Condestavel como-principiador- da Casa de Braganca e 0homemde quem -procedem agora 0Emperador e emtodolos Reinos de cristaos de Europa ou os Reisou as rainhas deles ou ambos>. Quase urn seculoap6s a morte do her6i, 0editor acrescenta assimaos seus meritos 0de uma descendencia ilustre,ao mesmo tempo que estende a esta uma partedo seu prestiglo, que toda a cr6nica se dedica aconsagrar. Um desses descendentes foi responsa-vel pela interpolacao dum fragmento com infor-macoes sobre os netos do Condestavel, segundageracao dos duques de Braganca, que prolongouo periodo abrangido ate 1461 (caps. 76 e 80).

    Unica cr6nica biografica senhorial anterior a1450 chegada ao nosso tempo, 0lugar excepcio-nal que detem na literatura portuguesa medievalaparece como reflexo da proerninencia de que,segundo esse e outros testemunhos contempora-neos, Nuno Alvares desfrutou como chefe guer-reiro e como senhor exemplar na virtude moral ena devocao, ao ponto de la vir atestado queDeus -fez e faz muitos milagres- no local da suasepultura. Sob a influencia do quadro de virtudese valores implicado no ideal cavaleiresco, na suaversao mais filtrada pela ideologia clerical, 0autor fixa 0protagonista numa imagem de her6ie santo. 0modele esta explicito no pr6priotexto, quando este alude ao gosto com que 0

    In Dtcionario da Literatura Medieval Galega ePortuguesa. Organizacao e Coordenacao de Giulia Lancianie Giuseppe Tavani. Lisboa: Editorial Caminho, SA, 1993.

    [ovem Nuno Alvares lia as hist6rias dos cavaleirosda Tavola Redonda, e ao seu desejo secreta deimirar 0incomparavel Galaaz.

    A identidade desconhecida do cronista pareceprovavel ser a de um cavaleiro ou um clerigoalheio ao circulo restrito da corte. Ii com admira-~ao e reverencia que e narrada a sua entradapara 0Convento do Carmo, que fundara, para aipassar os ultimos nove anos de vida, mas a faltade pormenores sobre esse periodo e suficientepara tornar inviavel a hip6tese de a autoria sedever a um monge da instituicao.

    Se e de crer que quem escreveu a sua hist6-ria 0tenha conhecido e mesmo acompanhadonalgumas das operacoes militares que descreve,nao se afigura possive! que participasse nosacontecimentos de 1383-85, pois, a te-lo feito,nao poderia contar menos de 70 anos it data daredaccao. Ii portanto por depoimentos, orais ouescritos, de terceiros, que tera de ser explicada aimpressao de testemunho presencial que variaspassagens, como a descricao da batalha deAljubarrota, chegam a produzir. Parte do con-teudo da cr6nica proveio de outras narrativas ede pequenos escritos, cartas, por exemplo; duascartas estao transcritas na integra (caps. 68 e 69)e e visivel que outras foram aproveitadas. A unse a outros testemunhos teria facil acesso umautor que pertencesse aos mesmos meios que 0seu biografado frequentara. Pelo menos umagrande cr6nica, a de Don Juan I de L6pez deAyala, foi tambern consultada por e!e. Cita-a nounico caso em que admite incerteza na opcaopor uma de duas versoes (cap. 53), e toma-aprovavelmente como fonte de Inforrnacao noutrasocorrencias, a julgar por sernelhancas que severificam entre as duas cr6nicas.

    A narrativa adopta uma forma continua, queprogride sem dar lugar a referencias aos proces-sos de investigacao utilizados, nem a reflexoessobre eventuais limites da informacao. A cronolo-gia nao esta apontada com datas, mantern-seimplicita ao longo da justaposicao dos epis6diose das peripecias, e da alusao, mais subjacente doque expressa, ao crescimento e evolucao fisicos epsiquicos da personagem. 0objectivo e indubita-vel mente menos hist6rico do que biografico.Ocupando-se quase exclusivamente de factos deaccao, bem contados, com um vocabulario deapreciavel propriedade descritiva, 0autor caracte-riza 0protagonista pelos seus actos e palavras,recorrendo raramente ao comentario ou ao

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    enquadramento explicativo num contexto.A escassez de indicacoes relativas a dimensaotemporal e compensada pela notacao abundantede lugares (habitados, visitados, deixados, percor-rides), cuja profusao muito contribui para 0efeito de movimento e accao que recebe poressa via urn suplemento de realismo. Desseponto de vista, e quanta as facetas cavaleirescase edificantes do caracter do Condestavel e aacontecimentos de ordem belica, a quantidade deinformacao fornecida pela cr6nica e consideravel,mesmo se nunca se alheia do intuito panegirico.

    Esta e uma das razoes que explica 0seu apro-veitamento sistematico por Fernao Lopes naCr6nica de D. Fernando e na Cr6nica de D. fodo l,onde e 0mesmo her6i que sobressai na guerrapela independencia, Por esse cronista, que 56nao usou oito dos oitenta capitulos que a com-poem, ficamos a saber que existiram outras fon-tes escritas sobre a me sma personagem, masnenhuma tao completa, se acreditarmos que foijusto 0enteric que 0levou a dar-lhe primazia.Foi tambem Fernao Lopes quem esclareceu que aobra foi redig ida quando Nuno Alvares ja naovivia, e e pelo facto de ser utilizada na Cr6nicade D. Fernando que, por conjectura da data darealizacao desta, se pode deduzir que estavapronta em 1440. Limitando-se a reescrever osfragmentos que dai tira para integra-los no seutexto, ou modificando-os por alteracao do estiloe ate do significado, nao ha duvida de que 0cronista regio a elegeu como importante modelode discurso narrativo.

    Dada a raridade das especies que nos chega-ram de prosa medieval, a Cr6nica do Condestaoelnao e facilmente reatavel a uma tradicao anterior,mas tao-pouco deve ser considerada urn fen6-meno isola do, pois, se e verdade que faltam nar-rativas extensas com unidade tematica compara-vel, existem, com menores dimensoes, exemplosprecedentes de boa prosa narrativa, nomeada-mente os trechos que exaltam no Livro deLinhagens do conde D. Pedro a mem6ria do paide Nuno Alvares Pereira. Por coincidencia histo-rica, este voltou a justificar uma homenagem lite-raria, e tarnbem neste caso 0autor se mostrouurn born narrador. Preocupado em celebrar 0her6i pelos seus feitos, deixa ausente 0signifi-cado politico que atingiram, e quase ausente tam-bern a sua vida privada, reduzida a apontamentosbreves sobre os primeiros tempos de casado,

    encontros fugazes com a mae e com a filha, e asmortes desta e da mulher.

    Notavel e algo intrigante no contexto geral, aponto de ter sido sugerida para ele a intervencaodoutro autor, e 0relato de uma longa doenca doCondestavel, .de origem psiquica, que 0leva aassumir atitudes incongruentes com 0seu carac-ter normal, em que 0texto revela uma curios i-dade e uma perspicacia psicol6gicas desusadasno resto da cr6nica. Como factor de caracteriza-cao, pode aproximar-se de casos em que 0vemos sofrer fracassos sem vacilar, parecendoquerer dizer que, embora sujeito a todas as con-tingencias humanas, acabou sempre por se reve-lar superior aos outros homens.

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    Os seteInfantesTERESA AMADO ...

    A hist6ria dos Infantes de Lara e contada naCr6nica Geral de Espanha de 1344 numa versaoem prosa de uma perdida -cancao de gesta- oupoema epico, segundo urn processo de gestacaoliteraria que esteve tambem na origem de variesoutros epis6dios ali incluidos, Tanto 0poemacomo a primeira prosiflcacao na Cr6nica deEspana de Afonso X, em que as marcas do versose mantiveram reconhecfveis, foram feitos emcastelhano. Este texto faz parte de urn conjuntode narrativas com caracteristicas semelhantes,incluidas em mais de uma cr6nica, que permitiua Menendez Pidal construir a prova da existenciade uma producao epic a medieval castelhana,quase toda desconhecida ha muito tempo, que serevela importante desde logo pela abundanciaque foi possivel reconstituir, mas tarnbern, esobretudo, pela energia, inventiva e exactidaodos argumentos e da linguagem que a pros a con-serva. Uma boa parte desta passou para a cr6nicaportuguesa de 1344 atraves de traducoes dasobras de Afonso X mas, em alguns casos, PedroAfonso de Barcelos, seu autor, tera feito transpo-sicao directa de poemas castelhanos, que no seutempo ainda se liam e ouviam.

    A transparencia epica observa-se tanto norecorte agreste do argumento e no encadeadogeomerrico das peripecias como na articulacaodo discurso: em frases que retornam no textocomo uma especie de vigilantes do tema da his-toria, por exemplo, a lembrar os motivos quecongregam os seus agentes - -pouca seria a suavida ou daquelo haveria vinganca- prometeMudarra obsessivamente - pontos fortes de apoio

    -Os Infantes de Lara. (Lenda dos Sete Infantes deLara). Adaptacao da Cr6nica Geral de Espanba de 1344 ede urn Auto Popular Transrnontano de Parada deInfancoes, In -Prograrna-. Espectaculo do -T'eatroCornucopia-, Bairro Alto-, Lisboa, Junho de 1997, pp. [7-91.

    de uma narrativa cuja rigorosa economia de per-sonagens e accoes deixa espaco para que repeti-das vezes se afirmem as mesmas ideias e seexprimam os mesmos sentimentos, poucos, sim-ples, essenciais.Epica, tambern, e a forca concentrada dasfalas, nas quais basta por vezes a declaracao daidentidade ou do estatuto de uma personagempara afectar 0rumo da accao, de tal modo naposicao que cada urn ocupa, por nascimento ouritual, esta incluido urn modelo de comporta-mento, e e ao conformar-se-Ihe e ao transgredi-Ioque se provocam os acontecimentos. Rui Vasquese nobre e trai; e vassalo e revolta-se contra 0seusenhor; e tio e cunhado e manda matar os seusparentes. Mudarra e irmao e filho: vinga osirmaos e 0pai; tambern e nobre e vassalo: matao traidor e rebelde. Alrnancor e rei, nobre por-tanto, recusa cumplicidade com 0 traidor; e sabioe compassivo.

    As mulheres cristas agem, como e pr6priodos textos medievais, de mane ira irracional, des-concertante pela desmedida que tudo leva avercomo gratuita mesmo se os seus motivos sao apartida compreensiveis. Lambra, a -aleivosa-, fazo que deve quando toma a defesa dos seusparentes mais chegados e zanga-se com os seussobrinhos por afinidade quando estes os ofen-dem. Mas perde toda a razao ao obstinar-se emvingancas sucessivas e atrozes. Sancha, mulher emae dedicada, tern uma reaccao de desesperocompreensivel perante a prisao do marido e amorte dos sete mhos, e urn desejo aceitavel decastigo do malfeitor. A cena, porern, em que seprepara para Ihe beber 0sangue, sugestionadapor urn sonho que tivera, desarmoniza 0retrato.o pr6prio Mudarra se impressiona: -Nom queiraDeus, madre senhora, que tal cousa passe-lA mulher moura nao entra neste padrao, De umanatural ma-vontade inicial contra 0cristae que 0irmao a obriga a consolar, passa, por uma reac-cao instintiva ao espectaculo do sofrimentoextremo, a fazer usa de urn discurso ternamentementiroso e, finalmente, deixar-se atrair poraquele homem de quem, apesar de tudo, a apro-xima a sua propria condicao de servico e obe-diencia. Depois, sem panico nem revolta, tern 0mho, cria-o e prepara-Ihe urn destino feliz juntodo pai,

    As duas personagens mouras, secundarias nosentido em que nao pertencem ao nucleo centraldos dois homens e duas mulheres cujos nomes

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    determinam os seus amores e 6dios reciprocosate a morte, mas cruciais no seu pape! de agen-tes do aparecimento do her6i vingador, sao asmais equilibradas e desinteressadamente gene-rosas.Situada no periodo anterior a constituicao damonarquia castelhana, num seculo x em que ossenhorios mouros na Peninsula Iberica estavamainda fortes e a convivencia das duas comunida-des era, por isso, quotidiana, a hist6ria dosInfantes de Lara testemunha urn contexto politicoe cultural em que era possivel reconher digni-dade e nobreza a esse outro que a guerra faziaabominar, e as suas ulteriores transcricoes retive-ram esses vestigios. Os historiadores arabespeninsulares foram usados pelos cristaos nao s6como fontes de informacao mas tambern comomestres de contar e de escrever, e passaram pro-vavelmente de uns para os outros certas persona-gens que continuaram a mostrar-se nos textoscristaos respeitaveis, e ate mesmo admiraveis,Este caso nao e unico, A inteligencia e a compai-xao com que Almancor protege a insania deGoncalo Gustiuz, seu prisioneiro, e the oferececomo conforto a companhia da irma que era "fer-mosa-, -rnanceba-, -virgern-, e -falava mui bern-,nao permite quaisquer reservas a afirmacao dasua alta qualidade humana. E urn dos climaxesemocionais da narrativa, a que corresponde naintriga urn momenta tambern fundamental, vistocriarem-se entao as condicoes para a geracao doher6i.

    Pouco antes, depara-se a outra cena queatinge uma tensao emotiva semelhante, emboracom meios muito diferentes: 0pranto dos seteinfantes por seu pai, pegando-lhes nas cabecasensanguentadas uma a uma. Aqui, ao contrariodo caso que referi antes, para os sucessivosmonologos proferidos pelo pai a beira da lou-cura, recorre-se a urn dispositivo ret6rico delonga tradicao te6rica e pratica, retomado porescritores medievais de varies generos, e talvezem particular por cronistas. E dificil dizer qual ea origem das f6rmulas e da estrutura geral dodiscurso que constituem 0pranto, porque osmodelos biblicos e classicos (epicos, precisa-mente, Homero) confluiram provavelmente nouso dos escritores arabes medievais, e os contem-poraneos cristaos destes tanto as podiam apren-der neles como directamente na literatura cristamais antiga (patristica e outra). Reencontram-se,como varias outras tecnicas especificamente nar-

    rativas, em textos dos Liuros de Linbagens e, maistarde ainda, modificadas pela sua maior subtilezae diversidade, em Fernao Lopes.

    De certo modo, observando a precisao ret6-rica com que a intencao ideol6gica e emotiva eservida na hist6ria dos Infantes de Lara, creio quenao ha razao para se recusar a "epica" a paterni-dade da narrativa em prosa.

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    ANTOLOGIA:T EXT 0NOTARIAL

    ET EXT 0 S

    /LITERARIOS

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    Testamento deD. Afonso II(1214) *

    En 0nome de Deus. Eu rei don Afonso pelagracia de Deus rei de Portugal. seendo sana esaluo. ternete 0dia de mia morte. a saude demia alma e a proe de mia molier raina donaOrraca. e de meus filios, e de meus uassalos. ede todo meu reino fiz mia mada per que de posmia morte. mia molier e meus filios e meu reino.e meus uassalos. e todas aquelas cousas queDeus mi deu en poder: sten en paz e en folga-cia. Primeiramente mado que meu filio infantedon Sancho que ei da raina dona Orraca agiameu reino entegramente e en paz. E ssi este formorto sen semmel: 0maior filio que ouuer daraina dona Orraca: agia 0reino entegramente een paz. E ssi filio baro no ouuermos: a maiorfilia que ouuermos: agia o. E ssi no tepo de miamorte meu filio ou mia filia que deiuer a reinarno ouuer reuora: segia en poder da raina samadre, e meu reino segia en poder da raina e demeus uassalos ata quando agia reuora. E ssi eufor morto: rogo 0 apostoligo, come padre esenior e beigio a terra ante seus pees que elrecebia en sa comeda. e so seu difindemeto araina e meus filios. e 0reino. E ssi eu e a rainaformos mortos: rogoli e pregoli que os meusfilios e 0reino segia en sa comeda, E mado dadezima dos morauidiis e dos dieiros que miremaser iide parte de meu padre que sii enAlcobaza e do outrauer mouil que i posermospora esta dezima: que segia partido pelas manosdo arcebispo de Bragaa. e do arcebispo de

    Documento notarial, ANTI, Mitra de Braga, c. 1,n." 48, leitura de P. Azevedo (e Leite de Vasconcelos)revista por L. Cintra sobre fotografia do original, in A ProsaMedieval Portuguesa. Apres. critica, sel., notas e analiselitera ria de Helder Godinho. Lisboa: Ed. Comunicacao,1996, pp. 43-48.

    Santiago. e do bispo do Portu. e de Lixbona. ede Co ibria. e de Uiseu. e de Lamego. e daIdania. e dEuora. e de Tui. e do tesoureiro deBragaa. E outrossi mado das dezimas das luctosase das armas. e doutras dezimas que eu tenioapartadas en tesouros per meu reino. que eles asdepartia assi como uire por derecto. E mandoque 0abade dAlcobaza lis de aquesta dezimaque el ten ou teiuer. e eles as departia segiidoDeus como uire por derecto. E mado que a rainadona Orraca agia a meiadade de todas aquelascousas mouils que eu ouuer a mia morte. exetesaquestas dezimas que mado dar por mia alma. eas outras que tenio en uoontade por dar por miaalma. e non as uuer a dar. Et mado que si araina morrer en mia vida. que de todo meu auermouil agia ende a meiadade. Da outra meiadadesolten ende primeiramente todas mias deuidas.E do que remaser fazam en tres partes. e as duaspartes agia meus filios e mias filias. e departia seontreles igualmente. Da terceira 0arcebispo deBragaa, e 0 arcebispo de Santiago. e 0 bispo doPortu. e 0 de Lixbona. e 0 de Coibria. e 0 deUiseu. e 0 dEuora faza desta guisa. que u querque eu moira quer en meu reino quer fora domeu regno. fazam aduzer meu corpo per miascustas a Alcobaza. E mado que den a meu senioro papa.iij.mr 1. A Alcobaza.ij.mr. por meu aniuer-sario. A Santa Maria de Rocamador .ij.mr. pormeu aniuelsario. A Santiago de Galicia .ij. ccc.mr. por meu anjuersario, Ao cabid66 da see daIdania .mille. mr. por meu anaiezsario. Ao moes-teiro de Sangurge.d.mr.por meu aniuersario. Aomoesteiro de San Uicete de Lixbona .d. mr. pormeu aniuersario. Aos caonigos de Tui .mille. mr.por meu anjuezsario. E rogo que cada uu destesanaiersarios fazam sepre no dia de mia morte. efazam tres comemorazones en tres partes do ano.e cada dia fazam cantar una missa por mia almapor sepre. E ssi eu en mia uida der estes aniuer-sarios. mado que orem por mi come por uiuo ataen mia morte. e de pos mia morte fazam estesanruersarios e estas comemorazones assi comosuso e nomeado. assi como fazem enos outroslogares u ia dei meus aniuersarios. E mado queden ao maestre e aos freires dEuora .d. mr. pormia alma. Ao comendador e aos freires dePalmela. d. mr. por mia alma. E mado que 0queeu der daquesta mada en mia uida. que nonabusque nenguu de pos mia morte. E 0queremaser daquesta mia ten::ia. mado que segia par-tido igualmete en cinq ue partes, das quaes una

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    den a Alcobaza u mando geitar meu corpo.A outra ao moesteiro de Santa Cruz. A terceira.aos tepleiros. A quarta: aos espitaleiros. A quintaden por mia alma. 0 arcebispo de Bragaa, e 0arcebispo de Santiago, e os cinque bispos quesuso nomeamos segiido Deus. Eden ende aosomees dordin da mia casa e aos leigos a que euno galardoei seu seruizo. assi comeles uirem porguisado. E as outras duas partes de toda miameiadade segia departidas igualmente ontre meusfilios e mias filias que ouuer da raina donaOrraca. assi como suso e dito. E mado queaqueste auer dos meus filios que 0 tenia aques-tes dous arcebispos cii aquestes cinque bisposata quando agia reuora. E a dia de mia morte sealguus de meus filios ouuere reuora. agia seuauer. E dos que reuora no ouuere, mado que listenia seu auer ata quando agia reuora. E madoque quen quer que tenia meu tesouro. ou meustesouros a dia de mia morte. que os de a depar-tir aquestes dous arcebispos e aquestes cinquebispos. assi como suso e nomeado. E rna doainda que se asunar todos no poderem ou noquisere. ou des cordia for ontraqzzestes a que eumado departir aq uestas dezimas suso nomeadas.ualia aquilo que rnadare os chus muitos pernobro. Outrossi mando daqueles que mia madaan a departir. ou todas aq uelias cousas que susosii nomeadas. que si todos no se podere assunarou no quiserem. ou des cordia for ontreles: ualiaaquilo que madare os chus muitos per nobro,Mando ainda que a raina e meu filio ou mia filiaque no meu logar ouuer a reinar se a mia morteouuer reuora. e meus uassalos. e 0 abadedAlcobaza sen demorancia, e sen contradita lisden toda mia meiadade. e todas as dezimas. e asoutras cousas suso nomeadas. e eles as departiaassi como suso e nomeado. E ssi a mia mortemeu filio ou mia filia que no meu logar ouuer areinar no ouuer reuora. rna do empero queaquestes arcebispos e aquestes bispos departiatodas aquestas dezimas e todas aquestas outrascousas. assi como suso e nomeado. 0 a raina emeus uassalos. e 0 abade sen dernoracia e sencontradita lis den toda mia meiadade. e todas asdezimas e as outras cousas que teiuere. assicomo suso e dito. E ssi dar no li as quiserem:rogo [01s arcebispos e os bispos comeu en elesconfio. que eles 0 demadern pelo apostoligo. eper si. E rogo e prego meu senior 0 apostoligo ebeigio a terra ante seus pees que pela sa santapiadade faza aquesta mia rnada seer conprida. e

    aguardada. que nenguu no agia poder de urrurcontra ela. E ssi a dia de mia morte meu filio oumia filia que no meu logar ouuer a reinar noouuer reuora. mado aqueles caualeiros que oscastelos teen de mi e nas terras que de mi teemos meus riquos omees: que os den a esses meusriquos omees que essas ter-as teiuere. E os meusriquos omees denos a meu filio ou a mia filiaque no meu logar ouuer a reinar quando ouuerreuora. assi como os daria a mi. E mandei fazertreze cartas cii aquesta tal una come outra. queper elas toda mia mada segia conprida. dasquaes ten una 0 arcebispo de Bragaa. A outza 0arcebispo de Santiago. A terceira.o arcebispo deToledo. A quarta: 0 bispo do Portu. A quinta: 0de Lixbona. A sexta: 0 de Coibria, A septima: 0dEuora. A octaua: 0 de Uiseu. A nouea 0 maestredo Teplo, A dezima: 0 prior do espistal. A unde-zima: 0 prior de Santa Cruz. A duodecima: 0abade dAlcobaza. A tercia dezima: facer guarda [r1en mia reposte. E forii feitas en Coinbria. III!.dias por andar de junio. Era M." CC." Law. 2

    I mr = a abreviatura de moravidis ou de morabitino, amoeda do tempo (Nota de ed.),

    2 Ill] dias por andar de junio = 27 de Junho. Era de1252 (calendario hispanico) = 1214 (cal. actual, com menos38 anos), (Nota de H. Godinho.)

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    N arra tiv as d o sLiv ro s d eLinhagens (excertos)I. Hist6rias do Libro delas Generaciones *

    A primeira parte do Livro de Linhagens doConde D. Pedro, isto e, as titulos I a VIII,e e:x:traida,na sua quase totalidade (de que a titulo VII e aexcepcdo principal), do Liber Regum ou ChroniconVillarense. Trata-se de uma obra que se pode definircomo um compromisso entre a cr6nica universal e agenealogia regia, e que foi composta inicialmente nomosteiro beneditino de Fitero, na Navarra, por voltado ana 1200. Comecando par Adiio, enuncia asucessdo dos patriarcas biblicos e dos reis de Israel,da Babil6nia, de Castela, de Navarra e da Franca.E prooaoel que esta uersdo ja contivesse tambem,como que em suplemento, a genealogia de Rui Diasde Biuar, aCid.

    A obrafoi depots,por voltade 1220, adaptada porum escriba castelbano, numa versi io muito difundidano restoda Peninsula Iberica. Par outro lado, na suaregido de origem, a Navarra, a versiioprimitiua foi,pelos anos 1260-1270, acrescentada com a genealogiados reis celtas, que comportava muitos elementos nar-rativos.Estaoersdo,conhecida sob a titulo de Libro delas Generaciones, foi aprooeitada e transcrita na suaquase totalidade,pelo Conde D. Pedro, ainda antes deum erudito do seculo xv, Martin de Larraya, a tercopiado.{ . . Jo Conde D. Pedro conheceu, pais, e difundiu,atraoes da sua obra, algumas das narrativas que

    seduziram poderosamente asfrequentadores das cor-tes regias e senhoriais de todo a Ocidente, acerca dorei Artur e dos seus cavaleiros e mesmo acerca detoda a hist6ria mitica da Bretanba. Elas vem, por-tanto, ate aos cavaleiros portugueses da corte de

    In Narrativas dos Liuros de Linhagens, seleccao,introducao e comentarios por Jose Mattoso. Lisboa:Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, pp. 17-18; 19.Suprimimos aqui as refcrencias a localizacao dos textos nosLivrosde Linbagens;a sua numeracao e a apresentada naedicao de Jose Mattoso.

    Afonso Iv, por meio de um te:x:toderiuado da HistoriaRegum Britanniae, de Godfredo de Monmouth, a suaforma mats arcaica, quase um seculo depots de seconhecer A Demanda do Graal, em traducdo portu-guesa escrita no tempo do rei Afonso IV.De entre as narrativas que apareceram na adap-tacdo da materia de Bretanha feita pelo Livro deLinhagens, escolhemos tres das mais significativas.Neste Boletim, mostra-se apenas a primeira delas parestar relacionada com um conto popular portuguesainda boje muito conhecido, [... J

    1. As filbas do rei LearDe rei Leir,filho de reiBalduc, 0 Voador, e de

    suas filbas e do que lhes aqueceo. Quando foimorto rei Balduc,0Voador, reinou seu filho quehouve nome Leyr. E este rei Leir nom houvefilho, mas houve tres filhas mui fermosas, eamava-as muito. E iiu dia houve sas razoes comelas e disse-lhes que the dissessem verdade, qualdelas 0amava mais. Disse a maior que nomhavia cousa no mundo que tanto amasse comoele; e disse a outra que 0amava tanto como simeesma; e disse a terceira, que era a meor, queo amava tanto como deve d'amar a filha a padre.E ele quis-lhe mal porem, e por esto nem lhequis dar parte no reino. E casou a filha maiorcom 0 duque de Cornoalha, e casou a outra comrei de Escotia, e nom curou da meor. Mas ela,por sa ventuira, casou-se melhor que nem iia dasoutras, ca se pagou dela el rei de Franca, efilhou-a por molher. E depois, seu padre dela,em sa velhice, filharom-lhe seus genros a terra, efoi mal-andante; e houve a tornar aa mercee d'elrei de Franca e de sa filha a meor, a que nomquis dar parte do reino. E eles receberom-no muibern e derom-lhe todas as cousas que the forammester, e honrarom-no mentre foi vivo, e morreoem seu poder. E depois se combateo el rei deFranca com ambos os cunhados de sua molher etolheo-lhes a terra.Morreo el rei de Franca e nom leixou filho

    vivo. E os outros dous a que tolhera a terra hou-verom senhos filhos e apoderarom-se da terratoda; e prenderom aa tia, molher que fora d'elrei de Franca, e meterom-na em iiu career e ali afezerommorrer.

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    III.Textos Epicos *(excerto)Ao contra rio do que sucede, segundo parece,com as cr6nicas peninsula res deriuadas da Primeira

    Cr6nica Geral de Espanha, os poemas epicos resumi-dos no Livro de Linhagens do Conde D. Pedro, ndodeuem proceder directamente de uersoes orais, pelomenos no que dis: respeito as gestas castelbanas.o Conde parece aqui oferecer breves resumos emprosa extraidos de obras que ja os tinbam antes resu-mido para os integrarem noutros contextos. [...Jo unico texto epico portugues que ate boje seconbece 1 3 a Gesta de D. Afonso Henriques, queAntonio Jose Sara iva ba pouco reconstituiu atrauesda comparacdo entre as oersoes dadas pelas IV e IIICr6nicas breves de Santa Cruz de Coimbra, aCr6nica dos Vinte Reis e 0 Livro de Linhagens. Este,tambem aqui ndo prosificaua um cantar ora!, trans-crevia a uersdo em prosa da Cr6nica Galego--Portuguesa de Espanha e de Portugal, de que deri-vam, afinal, as outras oersiies conbecidas. Alem destatem-se falado tambem da gesta de Egas Moniz, daqual, porem, ndo existem uestigios nos livros delinbagens, se exceptuarmos uma breve alusdo noLivro do Deao, que, todaoia, nao corresponde atexto algum no do Conde D. Pedro. Para conbecer-mos a que corresponde essa alusdo, temos de recorrera III Cr6nica Breve de Santa Cruz e, sobretudo, aCr6nica de 1419. Sabe-se boje que a gesta de EgasMoniz se deue provavelmente a uma criacao do seudescendente, 0 trouador Joao Soares Coelbo.

    In Narratiuas dos Livros de Linbagens, seleccao,introducao e comentarios por Jose Mattoso. Lisboa:Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, pp. 27-31 e 38-40.

    4. D. Afonso Henriques'Este conde dom Hanrique houve muitas

    fazendas com Mouros e com Leoneses. Morreoeste conde dom Anrique em Astorga, que erasua, e tiinha estonce aprazada a vila de Leom,que, se a quatro meses the nom acorresse 0emperador, que fosse sua com sas perteencas,E ante que morresse foi no prazo dos quatromeses.Quando morreo em Astorga, chamou seu

    filho dom Afonso Anriquez, e disse-lhe: -Pilho,toda esta terra que te eu leixo des Astorga ataaCoimbra, nom percas ende iiu palmo, ca eu agaanhei com gram coita. E, filho, toma do meucoracom algiia cousa, que sejas esforcado e sejascompanheiro aos filhos d'algo, e da-lhe sas solda-das todas. E aos concelhos, faze-lhes honra, emguisa como hajam todos dereito, assi os grandescome os pequenos. E faze sempre [ustica eaguarda em ela piadade aguisada, ca se iiu dialeixares de fazer justica iiu palmo, logo outro diase arredara de ti Iia braca, e do teu coracom,E porem, meu filho, tern sempre justica em teucoracom e haveras Deus e as gentes. E nom con-sentas em nem iia guisa que teus homees sejamsoberbosos nem atrevidos em mal, nem facarnpesar a nem iiu, nem digam torto, ca tu perde-rias porem 0teu boo preco se 0nom vedasses.E chama agora os d'Astorga e mandar-t'ei fazer amenagem da vila. E logo te torna, e nom vaascomego mais que afora da vila, e nom na perde-ras, ca daqui conquereras 0al adiante. E mandoa meus vassalos que me vaao soterrar a SantaMariade Bragaa, que eu pobrei-.Morreo0conde dom Anrique, e guisarom-se

    todos como 0levassem. E preguntou AfonsoAnriquez os vassalos se iria com seu padre aBragaa, e eles disserom que fosse e nom setemesse nada da terra. El foi soterrar seu padre aBragaa, e, mentre que 0foi soterrar, filharom-lhetoda a terra de Leom que el tiinha por sua, maisnom the filharomGaJiza,que nom poderom.Depos esto enviou desafiar 0 emperador e

    tornou-lhe seu amor, e foi-se logo pera Portugal,e nom achou u se acolher, ca toda a terra se lhealcou com sa madre. E ela casara-se com 0conde dom Fernando de Trastamar que era emaquel tempo 0melhor homem d'Espanha que reinom fosse. Afonso Anriquez furtou dous castelosa sa madre: uu foi Nevha e 0 outro 0 castelo daFeira, que e em terra de Santa Maria; e com

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    aqueles [dous castelosl guerreou el mui rijo comseu padrasto.

    E disse 0 conde dom Fernando: -AfonsoAnriquez, nom andemos em este preito. Vaamosiiu dia aa fazenda e, ou sairemos nos de Portugalou vas". Respondeo entom Afonso Anriquez:-Nom devia prazer a Deus, porque me vas quere-des sacar da terra de meu padre". E a madredisse entom: -Minha e a terra e minha sera, cameu padre, el rei dom Afonso, rna leixou-. E 0conde disse a ela: -Nom andemos em esto: ouvenceremos ou leixaremos a terra a vosso filho,se mais poder que nos". E veerom aa fazenda emGuirnaraes. E disse a rainha: -Conde, convoscoquero entrar na fazenda, e estarei na az, e have-redes que fazer polo meu amor. E todavia pren-de de Afonso Anriquez, meu filho, ca melhorpoder teendes vas ca ele-.

    A fazenda foi feita em Guimaraes, e foi arran-cado Afonso Anriquez e mui maltreito. Eel, indoiia legoa de Guirnaraes achou-se com SoeiroMeendez, que 0 viinha ajudar, e disse: -Cornoviindes assi, senhort-. Respondeo entom AfonsoAnriquez: -Venho mui mal, ca me arrancou meupadrasto e minha madre, que estava com ele naaz-, E 0 Soeiro Meendez the disse: -Nom fezestesiso que aa batalha fostes sem mim. Mais tor-nade-vos come de cabo aa fazenda, e eu ireiconvosco, e prenderemos vosso padrasto e voss amadre com el-. E disse Afonso Anriquez: -Deusmande que assi seja-. E dom Soeiro Meendez lhedisse: .vas veredes que assi sed.". E tornloul-secom ele aa batalha, e prendeo seu padrasto e samadre.

    E 0 conde cuidou logo a ser morto, e fez-lhepreito a menagem que nunca entrasse emPortugal. E des ali foi-se pera Ultramar. E AfonsoAnriquez meteo sa madre entom em ferros. E ela,quando via que a assi prendia, disse: -AfonsoAnriquez, meu filho, prendestes-me e metestes-me em ferros, e exerdastes-me de minha terraque me leixou meu padre e quitastes-me de meumarido. Rogo a Deus que preso sejades, assicomo eu s60. E porque me vas metestes ferrosnos meus pees, quebradas sejam as tas pernascom ferros. Mande Deus que assi seja esto-,

    E ela enviou-se logo querelar ao emperador,que era seu sobrinho, que the acorresse e que asacasse da prisom, e que houvesse todo Portugalpor seu. E os Portugueses lsleverorn todos comAfonso Anriquez, e souberom como se guisava 0emperador pera viir conquerer Portugal e tirar sa

    tia da prisom. E forom todos bern guisados a iiulogar que chamam Valdevez, e atenderom ali 0emperador, que viinha com gram poder, quetrouve d'Aragom, e de Castela e de Leom e deGaliza, e houverom a fazenda em Valdevez.E venceo dom Afonso Anriquez, e 0 emperadorfoi ferido na perna destra de duas lancadas,E sobio-se 0 emperador em iiu cavalo branco efoi-se a Toledo, porque houve medo de perder acidade.

    E prenderom ao emperador sete condes eoutros cavaleiros muitos, e matarom-lhe muitagente. E dom Afonso Anriquez foi-se logo dali egaanhou todo Portugal per sas armas, e levouconsigo sa madre presa. .

    Despois houverom batalhas os seus comMouros nos campos d'Ourique, e vencerom-nas.E na postumeira batalha que el venceo des ali sechamou el rei dom Afonso de Portugal.

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    IV . Tem as d eRomances * (excerto)Os historiadores da literatura medieval,Menendez Pidal a frente, consideram 0 romanceirocomo um genero tardio e derivado do epico. Esta teo-ria sobrepos-se a de Menendez y Pelayo, que admitiaa elaboracao de romances soltos dentro dos ciclosbistoricos, e a primeira opiniiio de CarolinaMichaelis, depois abandonada perante as criticas dePidal, do caracter independente e precoce dosromances, mais proximos do temperamento portu-gues do que a epica, de origem tipicamente caste-lhana. Nenhum destes autores, po rem, se referiu aalguns trechos do Livro de Linhagens que parecemestar mats de acordo com as teorias uencidas pelaargumentacdo de Menendez Pidal. Niio pretendemosentrar directamente no debate, mas oferecer aosespecialistas materia de reflexdo. Com efeito, encon-tram-se no Livro do Conde D. Pedro alguns trechosem que 0 cardcter novelesco e sentimental estd com-pletamente isolado do epico ou associado a ele, mascomo elemento central e ndo acessorio.A lenda de Miragaia, acerca da qualMenendez Pidal publicou um estudo bastante conbe-cido (-En torno a Miragaia, de Garrett", in Biblos,20, 1944, 53-70), e um dos trechos da literaturanarratiua portuguesa ate boje conseruada. Trata-seda adaptacdo de uma lenda de longinqua origembiblica acerca da sabedoria de Salomdo, mas que jatinba sido transformada, nas suas uersoes nordicas,na bistoria de um beroi com excepcionais poderesmdgicos. Aqui, volta a perder tais poderes, para res-saltar apenas a sua astucia. Existe uma uersao depoucos anos anterior ii do Livro Velho cujo persona-gem principal e 0 cavaleiro Enaltnllo e se conhecepor meio de uma Hist6ria de Avila. 0 caracter roma-nesco da narratiua foi reconhecido pelo proprioMenendez Pidal, sem que isso the parecesse contradi-torio com a sua teoria acerca da origem dos roman-

    ces. Toda a accdo se tece em torno da infidelidadeda rainba, mulher de Ramiro, da sua captura e cas-tigo final, uindo a ser suhstituida pela moura Urtigaque antes a servia na corte do rei Abencaddo.A uersdo publicada pelo conde D. Pedro e muitomats extensa, mas ndo modifica os tracos essenciaisda narratiua, apenas acentua 0 seu caracter roma-nesco. Parece euidente que as modificacoes formatsresultam da manipulacdo literaria do refundidor de1380, que se podem verificar pela comparafilo com

    In Narratiuas dos Livros de Linbagens, seleccao,introducao e comentarios por Jose Mattoso. Lisboa:Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1983, pp. 45-62.

    trecbos que the pertencem exclusiuamente, em parti-cular 0 da batalba do Salado, como fez ja notarAntonio jose Saraiua. Poder-se-a, alem disso, admitirque as uariantes de fundo poderiam deuer-se a umaamplificacao oral do conto, que se teria dado depotsda recolha do Livro Velho. Poderiam, portanto, deri-oar de uma uersdo recolbida pelo conde D. Pedro nosegundo quartel do seculo XIV. Era uma opiniao,admitida oralmente, por L. F. Lindley Cintra. Dadoque a lenda se destinaoa a exaltar as origens dafamilia da Maia, podemos perguntar se esta versiiopertencia ao ciclo da gesta de Soeiro Mendes daMaia e da gesta do -Lidador-, Teria sido adaptadapelos jograis que trabalbauam para Martim Gil deRiba de Vizela, casado com uma senhora caste-lbana, Milia Andres de Castro, ou para seu filho domesmo nome e que foi 0 segundo conde de Barcelos.Eram eles que, no fim do seculo XIII e principios doseguinte, reivindicavam as tradicoes da familia daMaia, de quem descendiam por via feminina.o romance do assas stnato de D. Bste-valnba, filha de Afonso VIII, 0 Imperador, por seumarido Ferniio Rodrigues de Castro, podia estarincluido numa genealogia dos Castros ou numescrito que relatasse as suas lutas contra os Laras, eteria, neste caso, a funcao de denegrir a memoriadaqueles. Ndo e, no entanto, de excluir uma origem-portuguesa- desta bistoria, embora os argumentos aeste respeito sejam tenues. Com efeito, outro dos-romances- recolhido pelo conde D. Pedro e 0 docasamento de Urraca Mendes de Braganca, depotsda morte do seu primeiro marido, Diogo Goncaluesde Urro, na batalha de Ourique. Ora e muito proua-vel que 0 criador desta narrativa tenba sido 0 pro-prio filbo do segundo casamento de Urraca, [odoSoares de Paiva, 0 Trouador, de quem se conbecem,de resto, uma das mais antigas cantigas de escdrnioboje conservadas e outros cantares. Um dos seussobrinhos foi Rut Pais Taoeira, que combateu ao ser-vifo de Ferruio Rodrigues de Castro, 0 assassino deD. Esteuainba, e foi morto por D. Henrique de Larapor trazer uestidas as armas do seu senbor, como sediz logo a