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63 Uma análise de TOTEM E TABU: implicações fenomenológicas INTRODUÇÃO Freud tem interesse pela antropologia, não como buscas etnológicas, mas como conceitos e „fatos‟ que promovam a concretização de sua doutrina, principalmente no que diz respeito ao Complexo de Édipo, sendo que o mesmo coloca o seu surgimento junto com a civilização e sendo assim, ele afirma todo o significado da qualquer institucionalização a partir do seu conceito elaborado em Totem e Tabu onde a horda primitiva mata o pai primevo e a partir dessa conceituação ele elabora sua doutrina. O texto é dividido em quatro ensaios onde ele apresenta o 1) horror ao incesto (elaborado a partir de análises antropológicas dos povos aborígines principalmente) e também explica o conceito de 2) Tabu e ambivalência emocional entrando em 3) Animismo, magia e onipotência dos pensamentos e voltando ao tema desenvolve 4) A volta do totemismo na Infância. No final do primeiro capítulo do livro, Freud explica coerentemente o que tenciona mostrar com tais „fatos‟: Somos levados a acreditar que essa rejeição é, antes de tudo, um produto da aversão que os seres humanos sentem pelos seus primitivos desejos incestuosos, hoje dominados pela repressão. Por conseguinte, não é de pouca importância que possamos mostrar que esses mesmos desejos incestuosos, que estão destinados mais tarde a se tornarem inconscientes, sejam ainda encarados pelos povos selvagens como perigos imediatos, contra os quais as mais severas medidas de defesa devem ser aplicadas. (Freud, Totem e Tabu, página 35) O PONTO DE PARTIDA Ao estabelecer o ponto de partida Freud demonstra que esse desejo recalcado e repetidamente tratado com repressão nada mais é que a contínua força com que o „pai‟ exerce ao coibir e até mesmo destruir qualquer tentativa dos „filhos‟ de se auto-governarem, andando então na contramão, os „filhos da horda primitiva‟ matam o „pai‟ que ao mesmo tempo traz alegria (foi morto o tirano que nos controlava!) e ao mesmo tempo peso na consciência pela satisfação do desejo recessivo; neste aspecto então a „horda primitiva‟ resgata o que lhe foi impedido, ou o que lhe foi tomado pelo „pai‟. ANTROPOLOGIA NOS TEXTOS DE SIGMUND FREUD Gedeon J Lidório Jr Artigo Revista Antropos Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 ISSN 1982-1050

Antropologia Nos Textos de Sigmundo Freud - Gedeon J Lidório Jr

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Antropologia Nos Textos de Sigmundo Freud - Gedeon J Lidório Jr

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  • ANTROPOS Revista de Antropologia Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 ISSN 1982-1050

    63

    Uma anlise de TOTEM E TABU: implicaes fenomenolgicas

    INTRODUO

    Freud tem interesse pela antropologia, no como buscas etnolgicas, mas como conceitos e

    fatos que promovam a concretizao de sua doutrina, principalmente no que diz respeito ao

    Complexo de dipo, sendo que o mesmo coloca o seu surgimento junto com a civilizao e

    sendo assim, ele afirma todo o significado da qualquer institucionalizao a partir do seu

    conceito elaborado em Totem e Tabu onde a horda primitiva mata o pai primevo e a partir

    dessa conceituao ele elabora sua doutrina.

    O texto dividido em quatro ensaios onde ele apresenta o 1) horror ao incesto (elaborado a

    partir de anlises antropolgicas dos povos aborgines principalmente) e tambm explica o

    conceito de 2) Tabu e ambivalncia emocional entrando em 3) Animismo, magia e onipotncia

    dos pensamentos e voltando ao tema desenvolve 4) A volta do totemismo na Infncia.

    No final do primeiro captulo do livro, Freud explica coerentemente o que tenciona mostrar

    com tais fatos:

    Somos levados a acreditar que essa rejeio , antes de tudo, um produto da averso que os

    seres humanos sentem pelos seus primitivos desejos incestuosos, hoje dominados pela

    represso. Por conseguinte, no de pouca importncia que possamos mostrar que esses

    mesmos desejos incestuosos, que esto destinados mais tarde a se tornarem inconscientes,

    sejam ainda encarados pelos povos selvagens como perigos imediatos, contra os quais as mais

    severas medidas de defesa devem ser aplicadas. (Freud, Totem e Tabu, pgina 35)

    O PONTO DE PARTIDA

    Ao estabelecer o ponto de partida Freud demonstra que esse desejo recalcado e repetidamente

    tratado com represso nada mais que a contnua fora com que o pai exerce ao coibir e at

    mesmo destruir qualquer tentativa dos filhos de se auto-governarem, andando ento na

    contramo, os filhos da horda primitiva matam o pai que ao mesmo tempo traz alegria (foi

    morto o tirano que nos controlava!) e ao mesmo tempo peso na conscincia pela satisfao do

    desejo recessivo; neste aspecto ento a horda primitiva resgata o que lhe foi impedido, ou o

    que lhe foi tomado pelo pai.

    ANTROPOLOGIA NOS TEXTOS DE SIGMUND FREUD

    Gedeon J Lidrio Jr Artigo

    Revista Antropos Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009

    ISSN 1982-1050

  • ANTROPOS Revista de Antropologia Volume 3, Ano 2, Dezembro de 2009 ISSN 1982-1050

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    Tendo como objetivo neste trabalho apresentar a religio nos textos de Sigmund Freud nos

    remetemos a uma citao sobre a refeio totmica, onde diz:

    A refeio totmica, que talvez o mais antigo festival da humanidade, seria assim uma

    repetio e uma comemorao desse ato memorvel e criminoso, que foi o comeo de tantas

    coisas: da organizao social, das restries morais e da religio. (Freud, Totem e Tabu, pgina

    145)

    Que necessariamente mostra a viso de Freud quanto ao conceito de Deus como animal

    totmico sob a forma do sacrifcio onde o significado do ato o mesmo: santificao por meio

    da participao numa refeio comum. O sentimento de culpa, que s pode ser aliviado pela

    solidariedade de todos os participantes, persiste tambm (Freud, Totem e Tabu, pgina 149,

    150).

    Ao aludir sobre o sacrifcio de Jesus, como Deus, mas como Filho, ele evoca a elucidao do

    conceito cristo de como o Filho, ao ser morto, na presena do Pai tem como objetivo, segundo

    Freud, de tomar o lugar do Pai, sendo colocado ao lado direito dele e vendo nascer uma

    religio que se centraliza no Filho e no no Pai. Ao comermos da Santa Ceia, celebrando a

    morte de Jesus, o partir do seu corpo em sacrifcio, estaramos, os cristos, atestando a troca

    de Deus Pai pelo Deus Filho e, portanto, matando o Pai, como o fizeram os filhos unidos da

    horda primitiva; assim a religio crist, mais precisamente a comunho crist , no centro de

    sua vida, uma eliminao do pai.

    Quem deveria ento tomar o lugar do pai na horda primitiva? Se algum o fizesse, com

    certeza o ritual de morte repetiria e seria feito de maneira concreta em todo tempo. Por isso,

    os filhos, em comum acordo resolvem que as mulheres no mais pertenceriam a nenhum

    deles, portanto, nenhum deles seria o pai originando da a questo das evitaes quanto

    relacionamento sexual ou casamento entre membros de um mesmo cl totmico.

    Quando ento os filhos se do conta do que foi feito, da morte do pai primevo, sentem-se

    culpados e essa culpa os persegue, permeando a mente humana de gerao em gerao at que

    aparece a crena de um filho que morre sacrificialmente no lugar dos que originalmente

    cometeram o assassinato do pai, e ento todos podem ser, mesmo que imerecidamente,

    perdoados do seu crime original.

    O TABU E A CONSCINCIA

    Freud diz ser importante o estudo dos tabus por causa de quatro motivos principais: 1)

    porque vale a pena tentar solucionar qualquer problema psicolgico por ele mesmo e que 2)

    os tabus dos homens primitivos no se encontram to distantes de ns, homens civilizados,

    outra que 3) as proibies morais e as convenes pelas quais nos regemos podem ter uma

    relao fundamental com esses tabus primitivose que 4) uma explicao do tabu pode lanar

    luz sobre a origem obscura de nosso prprio imperativo categrico (Freud, Totem e Tabu,

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    pgina 40, 41). Desses fatos, Freud tira seu arcabouo de idias, provadas puramente na

    observao de acontecimentos do seu mito cientfico.

    Assim, proibies impostas por algum de fora geram uma manifestao consciente de

    indisposio quanto proibio e tambm quanto ao proibidor gerando o princpio de

    ambivalncia emocional onde os sentimentos opostos envolvidos (de um lado algum probe

    que se toque e de outro algum tem a possibilidade de desobedecer e tocar) sero mantidos

    pela imposio daquele que probe e, portanto a violao dos tabus resulta em um castigo,

    punio do indivduo ou da comunidade que sofre a proibio.

    As neuroses, formadas a partir dos tabus constituem a estrutura social que enxergamos,

    melhor dizendo numa no estrutura social que convivemos.

    Freud diz que o tabu vinculado ao que tratamos anteriormente, o totemismo, surgindo

    principalmente a partir do fato do crime e sentimento de culpa dos filhos da horda que

    matam o pai primevo. O desejo e a no concretizao do desejo ou a negao do desejo

    constituem a ambivalncia emocional relatada que resulta numa neurose obsessiva.

    CONCLUSO

    Apesar de olhar antropologicamente para os fatos do mito cientfico de Freud, arrisco-me a

    citar que a cosmoviso ocidental e, portanto nossa vida diria do sculo XXI confronta-se

    literalmente com a viso dos fatos nessas culturas primitivas e nada mais irresponsvel que

    traar um paralelo entre as seqncias lgicas da antropologia social primeva e a vida,

    pensamentos, emoes e movimentao religiosa do homem ps-moderno.

    O universo animista choca-se com a cosmoviso ocidental na categorizao de foras

    espirituais/invisveis e materiais/visveis, desdobrando-se em uma cadeia de micro

    cosmovises distintas que se baseiam nesta diferena central. No universo tribal estas

    inseparveis e indistinguveis foras so um resultado vvido da conscincia do

    relacionamento entre homens e espritos, pequenos e grandes deuses, ancestrais e foras

    impessoais (mgicas) que, ao contrrio do que pensar a antropologia tradicional , no so

    expressas apenas nas cerimnias, rituais e sacrifcios de uma maneira simplista e

    institucional, mas especialmente na lida diria quando sopra-se a terra antes de ar-la

    pedindo permisso aos espritos controladores da natureza; segura-se firme um juju qualquer

    durante tempestades a fim de sentir-se seguro atravs de foras mgicas; olha-se para baixo

    quando passa por uma encruzilhada em sinal de respeito aos espritos que frequentemente se

    postal ali, ou mesmo quando murmura-se com reverncia o nome de certo ancestral ao

    aproximar-se da cabaa que marca onde fora enterrado, somente para citar algumas das

    milhares de circunstncias onde homens e espritos relacionam-se no cotidiano de uma vida

    mstica no mais amplo sentido da palavra. (Lidrio, Comunicao Missionria, pgina 10)

    De vrias formas cultura comunicao, portanto cada forma cultural repleta de valores e

    expresses, atitudes e conotaes que variam de pessoa a pessoa, grupo a grupo; e o fato de

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    haver comunicao por parte da cultura para quem est de fora e tambm o fato dessa

    comunicao variar conforme a cultura e no conforme os conceitos que eu assimilo da

    cultura, portanto fao de minha anlise antropolgica a coero da verdade e no um

    arcabouo que contm valores distintos e, portanto, que marcam o ritmo das diferenas

    conceituais. Todos os problemas da vida, independente se forem problemas de ordem social

    ou transacional, que so efeitos, possuem no apenas uma causa como nos quer fazer crer o

    pai da psicanlise, mas tambm uma fonte.

    Na cultura ocidental um cncer tem como reao um tratamento de acordo com a histria,

    conhecimentos adquiridos pela medicina e estatsticas de cura ou morte. Na cosmoviso tribal

    um cncer visto como um problema dissociado de qualquer histria de ocorrncias. Torna-se

    necessrio achar a causa do por que a enfermidade atinge a pessoa em um longo processo.

    Procura-se a fonte que normalmente um esprito, uma magia quebrada ou um ancestral

    insatisfeito. A causa normalmente punitiva, mas com complexo grau de peso e o efeito

    depender das atitudes tomadas aps saber-se fonte e causa. (Lidrio, Comunicao

    Missionria, pgina 16)

    Numa cultura animista, nem tudo que diferente religioso, portanto, nem tudo na vida da

    cultura animista tem conexo com o fato religioso. A neurose esprito-fenomenolgica que nos

    submetemos e que Freud tenta empurrar-nos goela abaixo tentando analisar religiosamente

    todo e qualquer fenmeno, interpretando e concluindo a partir da numa dissecao da

    religiosidade cultural sem, entretanto ver o povo como uma sociedade que vive e no apenas

    cultua.

    Outro princpio que Freud passa por cima que nem tudo que cerimonial demonaco ,

    contrapondo a afirmao sua, citando Wundt de que as verdadeiras fontes de tabu tm sua

    origem na base do mais primitivo e ao mesmo tempo mais duradouro dos instintos humanos:

    o medo dos poderes demonacos.

    Freud deixa escapar de sua anlise o seu fantasma, seu relacionamento com seu pai e,

    portanto, depois de longo tempo de objees e rejeies de suas idias ele delonga-se em

    analisar criticamente o cristianismo baseado em fatos no por ele observados ou vividos

    uma identificao cultural no pode se dar longe da cultura onde se estabelece o princpio da

    observao, mas dentro do contexto, seno causa-se o que ocorreu com ele ao analisar

    profundamente as culturas aborgines sem mesmo estar presente no seu contexto particular.

    Freud no faz uma interpretao cultural com Totem e Tabu, que poderia ser feita a distncia,

    mas desce a uma classificao religiosa fenomenolgica. Mesmo vendo que ele analisa

    substancialmente cada dificuldade humana a partir de pontos de referncia mitolgica,

    devemos, entretanto, descartar o objeto desse estudo como algo srio e conclusivo, posto que

    quebra as regras mais simples de interpretao fenomenolgica, onde pressupe a presena do

    intrprete ou mesmo o contato direto com a cultura assimilada.

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    REFERNCIAS

    FREUD, Sigmund. Totem e Tabu. Imago, 2 edio

    LIDRIO, Ronaldo. Comunicao Missionria. Edio prpria

    CASTRO, M Lcia. Totem e Tabu: fantasma freudiano ou mito cientfico. UFPB

    BARRETO, C Alberto. dipo Desvitalizado. SPRJ

    CARVALHO, Josefa D D. Totem e Tabu: uma reflexo sobre o complexo de dipo. CienteFico