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  • Da Antropologa Interpretativa Antropologia Crtica 1

    M ic h a e l M . J. F isch er

    As antropologas criativas surgem em conjunturas histricas e em contextos nacionais especficos. Como se tem notado muitas vezes, no por acaso que, por exemplo, a teorizao social na Frana (ou na Inglaterra do sculo dezenove) tem sido mais universalista do que na Alemanha (ou na antropologia social britnica clssica). A teoria social alem do sculo passado e no incio deste estava mais sintonizada com particularidades histricas (da estabelecendo as bases que permitiram explorar a noo de culturas no plural). No Terceiro Mundo, por razes semelhantes s da A lemanha, o pensam ento social tem sido muitas vezes historicista e dialtico, situando-se diante de um Outro poderoso (Primeiro Mundo, imperialismo, dependncia, etc.). No entanto, esse con texto no significa, necessariamente, que no tenham surgido outros problemas, mais internos e to contundentes para o desenvolvim ento de novas antropologas.2

    1 Este texto foi apresentado nos Seminrios de Antropologia , nos dias 16 e 23 de junho de 1982, no Departamento de Cincias Sociais, Universidade de Brasilia, durante a permanncia do autor como Professor Visitante financiado pela Comisso Fulbright.

    2 A discusso sobre o pensamento social no Terceiro Mundo

  • Pdiram-me que falasse sobre o estilo de investigao antropolgica nos Estados Unidos a que se tem cham ado de antropologia interpretativa ,3 principalm ente, sobre o papel de Clifford Geertz e, em terceiro lugar, sobre com o eu situo o meu prprio trabalho com relao a esse estilo antropolgico. Antropologia in terpretativa um rtulo recente (e talvez uma tendncia substantiva) que corresponde a uma iniciativa aparentemente cristalizada na Universidade de Chicago nos anos 60 sob a liderana de David M. Schneider e C lifford Geertz, mas que interessou ativam ente quase todo corpo docente* Na poca, tendia-se a cham ar essa iniciativa de vrias m aneiras: antropologia cultural (em oposio a social ), ou antropologia sim blica .r>

    Simblica, cultural, interpretativa, todas essas denom inaes se reportam ao debate do sculo dezenove na Alemanha sobre o papel da V erstehen (com preenso) na m etodologia das cincias sociais. A questo inicial era a j eterna: h, em princpio, uma diferena entre os m todos das cincias naturais e os das cincias humanas ou sociais? Fazia-se o esforo de com binar, atravs da noo de V erstehen, as metas cientficas de objetividade com o reconhecim ento de que, pelo fato de os homens refletirem sobre o que fazem (e agirem de acordo com essas reflexes), d ifcil trat-los m eramente com o objetos. (O fato de que existem padres de com portam ento que no so totalmente conscientes pode ser acom odado dentro desta form ulao). Pode-se escolher vontade os ancestrais relevantes no seio dessa perspectiva: Dilthey para quem filsofo das cincias sociais; Max Weber, para quem socilogo ou

    3 Clifford Oeertz intitulou sua cole&o de ensaios de 1973 The Interpretation of Cultures" (traduo portuguesa pela Zahar, 1978); Roy Wagner intitulou um texto introdutrio com algo semelhante, Invention of Culture; eu mesmo usei Interpretive Anthropology como ttulo de um artigo-resenha em 1977 (Reviews in Anthropology) e h agora uma coletnea chamada Integration Social Science. A Reader, organizada por Paul Rablnow e William M. Sullivan.

    4 Melford Spiro, Lloyd Fallero, Nur Yalman, Ralph Nicholas, Mekim Marriott, Raymond Smith, Milton Singer, Manning Nash, Raymond Fogelson, Paul Friedrich, mais tarde Victor Turner e Terence Turner e, mais tarde ainda, Stanley J. Tambiah e Michael Silverstein e, atualmente, Marshall Sahllns.

    5 o principal curso para os estudantes de ps-graduao, por exemplo, estava dividido (um perodo letivo cada), segundo o esquema parso- niano, em sistemas cultivais", sistemas sociais e sistemas psicolgicos. David Schneider intitulou seu livro de 1968 American Kinship: A Cultural Account. Em Princeton foi criado um departamento menor composto de professores advindos de Chicago, que se chamou Departamento de Antropologia Simblica, e que financiou uma srie de monografias em antropologia simblica. Mais tarde, David Schneider, Janet Dolgin e David Kemnitzer organizaram uma coletnea.

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  • antroplogo; K arl Marx, para quem marxista, W ilhelm Wundt, para quem psiclogo. Mas em todos os casos o problem a geral era de com o captar de maneira objetiva os elem entos intelectuais, m otivadores e culturais que influenciam a ao social. A resposta geral era conceber os homens com o agindo dentro de mundos intersubjetivos socialm ente constitudos . At mesmo as experincias subjetivas so amplamente mediadas pela linguagem, pela participao social (as reaes dos outros) e por sm bolos culturais. Tal m ediao pode dar-se em vrios nveis: intenes conscientes no nvel intelectual (ao qual os filsofos tendem a lim itar-se) e tam bm no inconsciente (com o Freud nos fez perceber) e aqueles esquemas dados socialm ente a que cham am os cultura. Na medida em que a com unicao entre indivduos com preendida (sobre cu jos significados existe acordo) ela pblica, ob jetiva e, pelo m enos teoricam ente, passvel de anlise. Uma tal form ulao da cultura e da teia de com unicao na qual vivem os indivduos apresenta trs im plicaes im ediatas: primeiro, afasta-se de todas as filosofias sociais enraizadas nas experincias do ego (por exemplo, o cogito ergo sum de D escartes), forando a um m todo em prico e com parativo; segundo, afasta-se de teorias genticas da sociedade que com eariam com as necessidades e desejos individuais (isto , teorias biologicam ente reducionistas e no introspectivas) os indivduos sempre nascem em sociedade; terceiro, e mais im portante para o meu objetivo, a viso de cultura com o padres de com unicao relativamente cristalizados tom a a noo de cu ltura altamente dinm ica. Os indivduos m antm diferentes posies na sociedade, diferentes percepes, interesses, papis e de suas negociaes e conflitos surge um universo social plural no qual podem coexistir e com petir m uitos pontos de vista opostos.

    Este m odo geral de form ular a tarefa e o objeto das cincias sociais pode ser rem ontado de vrias maneiras a Vico no sculo dezesseis, ou aos retricos dos tempos clssicos,* com o Hans-Qeorg Gadam er demonstra convincentem ente. A contribuio crtica dos sculos dezenove e vinte tem sido operacionalizar a abordagem geral e torn-la emprica. Podemos fazer dois tipos de observaes sobre essas contribuies: uma, sobre os refinam entos da form ulao m etodolgica; a outra, sobre seu contexto Ideolgico ou histrico.

    o Hans-Georg Gadamer, Truth and. Method. uma excelente introduo e explorao dos problemas que muito suscintamente resumi nos pargrafos precedentes.

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  • Tom em os prim eiro o m etodolgico e perm itam -m e selecionar quatro vultos que possam representar algumas das contribuies bsicas da antropologia para a operacionalizao emprica. Podemos com ear com Malinowski, no apenas por seu lema e insistncia na busca do ponto de vista nativo , mas, mais im portante e especificamente, por sua insistncia nos textos nativos com com entrios de trs ordens: tradues palavra-por-palavra, tradues livres captando o sentido e, depois, de maior im portncia, com entrios in cluindo gramtica, redes semnticas, aluses culturais, etc. Uma outra figura, recentemente redescoberta e reabilitada no salo da fam a antropolgico, o francs Maurice Leenhardt, por sua tentativa de ultrapassar Malinowski, envolvendo os nativos em procedim entos de verificaes mltiplas, discusso e elaborao de textos e descries registrados no trabalho etnogrfico. H duas razes para essa colaborao com os nativos: primeiro, claro, para aumentar o potencial de abrangncia e fidedignidade etnogrficas; mas, segundo, para estabelecer um dilogo com os nativos e estim ul-los a refletir sobre a sua prpria cultura, sistematizar, talvez introduzir mudanas, alcanar uma m aior conscincia crtica para eles e para o etngrafo e seus leitores. Um terceiro contribuinte de im portncia m etodolgica foi C lifford Geertz nos anos 60. Geertz deu um passo conceituai para alm da m etodologia de Max W eber. Este, ao elaborar sua noo de V erstehen, disse que, naturalmente, queremos saber as motivaes e as intenes dos agentes sociais cu jo com portam ento desejam os descrever e explicar, mas que a tarefa de entrar nas cabeas dos outros no m etodolgicam ente prtica, seno mesmo impossvel. No entanto, o com portam ento suficientem ente regular para permitir que um procedim ento precrio, de emergncia, nos permita trabalhar, ou seja, a construo de m odelos com o se ou tipos ideais baseados no desempenho subjetivo do analista (N acherleben) ou reconstruo (Nachblden) de m otivaes tpicas, ajustadas a estruturas institucionais que reforam tais motivaes. (Assim, a anlise de W eber sobre a tica Protestante ajustada a um estrato social especfico de uma conjuntura histrica especfica, ou sua discusso semelhante do tipo de personalidade que tende a ser selecionada nas cam adas mais baixas de uma burocracia). A. Schtz, aluno de Weber, lido por Geertz e depo s por todos os alunos de ps-graduao de Chicago em meados da dcada de 60, tentou elaborar mais detalhadam ente a m etodologia de W eber na construo de tipos ideais. Em im portante trabalho de 1966 sobre Pessoa, Tem po e Conduta em Bali , Geertz

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  • mostrou os perigos de se con fiar num procedim ento introspectivo e reforou a insistncia antropolgica de que a teoria social deve-se basear em etnografa emprica. Neste e em outros trabalhos posteriores Geertz demonstrou para os antroplogos (Gadam er o faz de m odo mais geral e sistem tico) que a com preenso (V ersteh en ) no est baseada na em patia ou em outras introspeces psicolgicas, mas sim num processo de justaposio, de esquemas de referncia nativos com aqueles do analista, o que , tambm, um processo de com unicao. Esta concepo da tarefa etnogrfica (e antropolgica) cham a a ateno para expresses idiomticas, meios, modos, usos figurativos e canais de com unicao. E, realmente, a dcada de 60 fo i a poca em que os antroplogos buscaram ajuda e inspirao na Lingstica.

    Um ltimo vulto que poderia ser includo, por sua contribuio, de uma outra maneira, operacionalizao da Verstehen, Claude Lvi-Strauss e as tcnicas (mas no a m etafsica) do estruturalismo. Talvez inicialm ente o estruturalismo tivesse sido pensado para tratar, especificam ente, de restos fragm entrios de sistemas culturais: os indcios de que fala Lvi-Strauss de m odo to com ovente em Tristes Trpicos, onde no h histria nem outra maneira de com por um sentido do todo. Naturalmente, o estruturalismo tam bm se ajusta especialmente bem a sociedades frias , onde se tenta reproduzir o sistema cultural e negar mudana. Quanto sua aplicao a sociedades mais quentes, o prprio Lvi-Strauss deixou a questo em aberto, verdade que h processos frios em sociedades quentes, processos mticos onde a alfabetizao j se desenvolveu. De fato, o meu estruturalista favorito no m om ento Mareei Detienne que trata de processos m ticos na cultura grega de grande estabilidade temporal. O valor dessa dem onstrao aumentado pelo fato de ter sido feita em plena luz de muitos classicistas (diferentem ente da situao na Amrica do Sul onde somente uns poucos crticos indigenistas conseguem discutir com autoridade p lena). De qualquer modo, existe uma convergncia entre o estruturalismo e ?. concepo de uma intersubjetividade que constitui a cultura; dessa maneira que entendo o fam oso dizer de Lvi-Strauss de que pouco im porta se os mitos se pensam atravs de sua mente ou se sua mente pensa atravs dos mitos. O critrio de objetividade nessas anlises estruturalistas dado pela redundncia.

    Perm itam -se resumir essas contribuies m etodolgicas: a preocupao de Malinowski com a form a e contedo reais da com preenso nativa, a de Maurice Leenhardt com o esforo de colabora

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  • o, o despertar mtuo de conscincia crtica entre nativo e etngrafo e o acesso duplo ao produto da etnografa, a dem onstrao de Geertz (e de Gadam er) de que na com preenso/etnografia a questo processo de com unicao pblica que envolve sucessivas aproxim aes e justaposies de esquemas conceituais e a captao de cdigos estruturais, com o postula Lvi-Strauss.

    Quero agora passar a um com entrio sobre o contexto ideolgico em que se deu a iniciativa cham ada antropologia simblica e interpretativa nos anos 60. Quero focalizar sobre C lifford Geertz por ser, provavelmente, o antroplogo am ericano contem porneo m ais lido (fora e dentro da pro fisso ). Sua visibilidade deve-se talvez ao fato de que durante anos ele foi o nico cientista social do Instituto de Estudos Avanados de Princeton. Porm, de m aior im portncia, que a sua carreira parece quase uma cristalizao tpica ideal de certos processos dos quais os anos 60 surgem com o se fossem uma reprise dos anos 20. Muitas vezes a cincia social tom a o carter de duplicao ou repetio; h com freqncia um retorno a uma era anterior em busca de textos inspiradores; a duplicao ou repetio nunca exatam ente isso, pois h sempre um a nova faceta ou uma nova soluo. Neste sentido, a histria no circular, mas espiralada.

    Com ecem os com a justaposio de trs geraes" de intelectuais antes da sua segunda guerra mundial. Paul R icoeur referiu-se gerao do fim do sculo dezenove com o a das escolas da suspeita : Nietzsche atacando o Cristianismo com o uma mentalidade escravocrata, Marx atacando o utilitarismo e, principalm ente, a economia clssica do laissez faire com o uma ideologia protetora da burguesia inglesa, W eber analisando a tica Protestante com o estando socialm ente localizada num determ inado estrato da sociedade e poderosa numa dada conjuntura histrica, e Preud desvelando as neuroses sexuais com o meios de controlar e reprimir, necessrios cultura. Todos eles introduziram a atitude m oderna de no se deixar levar pela aparncia das coisas e de olhar com suspeita os grandiosos sistemas do sculo dezenove (Hegel, Spencer, C om te). Foi tam bm a poca em que a industrializao e a urbanizao criaram um ambiente social onde se sentia cada vez mais que o controle e a com preenso escapavam ao indivduo. Foi a poca das teorias que caracterizavam a transio da sociedade de G em einschaft para Gesellschaft, de m ecnica a orgnica, de status a contrato, de um holism o confortvel a um individualismo alienante. A gerao que sucedeu s escolas da suspeita a cham ada Gerao de 1905

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  • que amadureceu nos anos 20 e 30: Robert Musil, Ludwig W ittgenstein, W alter Benjam in, os surrealistas. Foi a gerao que trouxe o m odernism o , que via as ordens estveis de significado (ideologias, sistemas grandiosos) com o artificiais e repressivas, que temiam que as ideologias, em ataques de desateno , permitissem o acumulo de imprios, ou que se entrasse em guerras quase que por rotina e que, portanto, se aprazia em subverter as convenes da norm alidade, justapondo exotismos e fragm entos de realidade a fim de desafiar as pessoas. Foi uma gerao de ensastas que propunham ser possvel ter apenas insights fragm entrios da verdade.

    H uma espcie de paralelismo com a situao dos Estados Unidos depois da segunda guerra. Vencedores da guerra nos anos 50, havia a um otimism o, um sentido de poder ilimitado, de no existir nada que o conhecim ento e energia apropriados no pudessem resolver. Foi a era do romantismo, aquela tentativa grandiosa de sntese de toda cincia social, que term inou numa interm invel (em bora abrangente) gerao de classificaes. Foi tam bm o perodo da teoria da m odernizao: sentia-se que os problemas de desenvolvimento do m undo podiam ser resolvidos, que havia mesmo uma seqncia regular nesse desenvolvim ento e um ponto de partida para cada pas se lanar na auto-sustentao e crescim ento independente.

    Na dcada de 60 essa viso de sistema fo i atacada. Na antropologia houve um reforo mtuo de dois desenvolvimentos com origens bem diferentes. Em prim eiro lugar, estava a poltica dos anos 60, a reao contra a guerra no Vietnam, uma poltica de protesto, com elementos modernistas, anarquistas; separadamente, deu-se na Universidade de Chicago o desenvolvim ento do nvel cultural do esquema parsoniano que, inevitavelmente, levou quebra da con cepo algo esttica de sistema cultural. Assim que os alunos de Parsons e seus amigos com earam a levar a srio a proposta deste de que o sistema cultural poderia ser estudado com o um assunto analticam ente separado, desviou-se a ateno para os processos de com unicao que com pem a cultura e que, de maneira alguma, so estticos ou cristalinos com o parece im plcito na rubrica sistem a de sm bolos . A carreira de Geertz sintom tica: se se l os ensaios em Interpretao as Culturas em ordem cronolgica, parece haver uma mudana na conceitualizao de cultura. A princpio com parada a um program a de com putador, um sistema de inform ao que desem penha um im portante papel no processo evolutivo; em meados da dcada de 60 temos os ensaios sobre Religio

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  • com o Sistema Cultural , Ideologia com o Sistema Cultural , Arte com o Sistema Cultural , Senso Comum com o Sistema Cultural nos quais a noo de sistema de sm bolos bastante enfatizada; nos anos 70, talvez j com Deep Play , mas, sem dvida, em Descrio Densa , tem -se uma noo m uito mais flexvel e indeterm inada do processo com unicativo. Tanto mais sofisticada em termos de trabalhar o significado com o, ao mesmo tem po, frustrantem ente re- fratria sistematizao. Os escritos de Geertz sobre a empreitada etnogrfica com eam a ecoar com a gerao de 1905 .

    Foi Robert Musil quem argumentou que o conhecim ento superou a ideologia e que s seria possvel ter-se conhecim ento pragm tico em pedaos. (Tam bm W eber sustentou que a realidade por demais com plexa para a descrio absoluta, que se alcanaria a com preenso sociolgica atravs de com paraes para problemas ou propsitos especficos). O papel do escritor, continua Musil, ser poeta no sentido de evocar experincias im aginativamente. Tam bm Geertz, em Islam. Observed, fala do antroplogo com o poeta nesse mesmo sentido. W ittgenstein ensinou que a linguagem deve ser entendida do modo com o entendemos os jogos: muitas vezes o significado est na maneira com o as palavras so usadas, em seu contexto, e no em alguma iluso de denotaes fixas. (Foi ele, alis, que, em 1922, reviu com desdm a noo de James Frazer segundo a qual a religio prim itiva poderia ser um erro in telectual). Assim com o para Geertz mais tarde, para W ittgenstein com preender a cultura era semelhante a se captar uma postura ou entender-se uma piada, dependendo-se de uma ampla margem de aluses e associaes. W alter Benjam in disse que a linguagem era m etafrica em grande parte, que no alm ejava ser verificvel (com o as afirm aes cientficas, que representam um uso da linguagem especial e multo restrito ), mas caracterizar a experincia e de conter profundos sedimentos de histria, de m odo que o processo de com preender consistia em desfiar o significado, cam ada por camada. Tambm Geertz, em Descrio Densa , veria na tarefa do antroplogo o desfiar de significados, associaes conexes; em seu artigo mais recente (e bem menos feliz) sobre um bazar de Marrocos v-se a nfase em sinais lingsticos.7 Como Benjam in,

    O ensaio a sua contribuio a um volume conjunto, Clifford Geertz, Hildred Geertz, Lawrence Rosen. Vide a interessante crtica de Vincent Crapanzano, 1981a sobre esse ensaio, onde Crapanzano acha que Geertz perdeu de vista as diferenas entre as regras de uso de significado referencial (da, as listas de nomes nisba) e de significado indxico.

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  • Geertz observa que o ensaio a form a apropriada; com o Musll, argumenta que a teora sistemtica ou im possvel ou vazia. Por vezes, o eco do perodo anterior direto: a frase popularissima de Geertz m odelos de e m odelos para para se referir ao m odo com o os sm bolos surgem da realidade e a moldam , naturalmente, o NacKbild e o Vorbild de Dilthey.

    Geertz um escritor extremam ente divertido, inform ativo e mesmo inspirador. Os antroplogos da m inha gerao foram por ele apresentados ao problem a de Verstehen e tradio da teoria social alem em suas fontes (e no nas verses expurgadas, via uma Ruth Benedict ou um Talcott Parsons). A esttica do insight fragm entrio (tanto nos anos 20-30 com o, de novo, nos anos 60-70) urna form a de crtica salutar e atenta e tem um efeito renovador ao trazer de volta o prazer de explorar e descobrir. Mas, em ltima anlise, insatisfatria porque deixa de responder quela obrigao para com o lado cientfico, sistematizante e generalizante da em presa antropolgica.

    Quando Geertz cham a a ateno para a natureza dos processos de com unicao ele gera uma am bigidade: tanto a compreenso dentre os atores sociais com o a com preenso transcultural (o texto etnogrfico) so construdas de maneira sem elhante; entretanto, para fins cientficos, geralm ente deve-se m ant-las distintas. Tem havido reclam aes, por exemplo, sobre o ensaio Deep Play , dizendo-se que ficou oculto o processo de com por a descrio: ele representa um con junto de muitas brigas de galo? Ou ento nos ensaios sobre pessoa ( Pessoa, Tem po e C o n d u ta ... e From the Natives Point o f View ) , todos os balineses, javaneses, marroquinos, europeus so dessa m aneira? h quanto tem po so assim? com o que chegaram a se diferenciar? (Vide, por exem plo, nos ltimos pargrafos de Pessoa, Tem po e Conduta , a descrio atem poral das concepes balinesas de repente sendo questionadas com a figura de Sukarno).

    Por um lado, sente-se que os trabalhos mais recentes de Geertz abandonaram as questes, que so to im portantes quanto crticas, dos limites ou fronteiras histricas e sociais de dadas form as cu lturais. Existem questes que podem e devem ser colocadas, com o fez W eber com a tica Protestante, B enjam in com Trauerspielen ou com Baudelaire, ou Bakhtin com o hum or rabelesiano. Existem sm bolos e form as culturais que possuem m aior fora dentro de

    8 Sobre a relao entre os .surrealistas e antroplogos na Frana, videJames Clifford, 1981.

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  • uma form ao social especfica9 e no se deve descambar para uma posio segundo a qual o que quer que impressione a im aginao do etngrafo tem igual utilidade para o texto etnogrfico, com o Descrio Densa parece sugerir. Realmente, qualquer form a de descrio densa ou m icro-anlise torna-se trivial se no for colocada dentro de esquemas m acro-sociolgicos e histricos mais abrangentes.10

    Por outro lado, o que Geertz tem feito em ensaios com o Descrio Densa e Blurred Oenres enfocar o m odo com o so construdos os textos etnogrficos, uma questo de interesse crescente na antropologia contem pornea. Assim, o term o Antropologia In terpretativa trouxe uma nova faceta substantiva para os velhos problem as de Verstehen, ao dar tanta ateno (seno maisj aos textos criados pelos antroplogos (por que acreditar neles, da vem a sua autoridade) quanto operao dos processos culturais que so descritos nesses textos.

    Quero concluir com alguns com entrios breves sobre a gerao dos alunos de Geertz e, especificam ente, sobre o meu prprio trabalho. Se me permitem continuar com o conceito de processo circular ou espiralado de renovao na antropologia, talvez voltemos a um certo fio de pensam ento dos anos 30 que se recusou a abrir mo da busca de esquemas m acro-sociolgicos e histricos e, ao mesmo tempo, manteve a preocupao com questes humanistas de form a e contedo em com unicao. Uma das minhas principais fontes de renovao est no trabalho da Escola de Frankfurt, principalm ente em Adorno e B enjam in,11 com seu esforo explcito de sintetizar as investigaes de Weber, Marx e Freud, alm da preocupao de Nietzsche com a esttica. (De fato, vrios de meus artigos recentes tm subttulos que os caracterizam com o tentativas

    Realmente, a prpria noo de Deep Play de algo to importante para os atores que, como mariposas atradas pela luz, eles so atrados para alm de qualquer grau de racionalidade. Vide, por exemplo, o modo como eu sugeri o Paradigma de Karbala e seu funcionamento no Ir durante os anos 70 e o modo como as lendas de Khomeini funcionaram no inicio do anos 80.

    10 o recente ensaio sobre o Bazar de Sefrou em Marrocos contm, realmente, algumas sugestes sobre a transformao histrica; mas, mesmo a, o tambm marroquista Crapanzano acha que as tentativas do ensaio de fazer uma especificao histrica so vastas generalizaes no documentadas e mal integradas tese sobre a natureza atual do bazar (op. cit.).

    11 Um conhecimento um tanto superficial da Escola de Frankfurt foi disseminado entre os estudantes do New Left nos anos 60, principalmente atravs do trabalho de Herbert Marcuse.

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  • de herm enutica crtica ) Outra fonte inspiradora semelhante para m inha gerao tem sido o trabalho da Escola Francesa dos Annales de historiadores, a qual, muito apropriadam ente, tem -se aberto as contribuies da antropologia.

    A m inha antropologia aspira a ser: (a) dinmica, mais interessada em m udana cultural e social do que em form as culturais com o meros textos ;1'1 (b) politicam ente dem ocrtica, no sentido de Leenhardt, de tentar produzir textos etnogrficos que sejam ricos o suficiente para dizerem alguma coisa para o povo descrito (e no apenas para a comunidade antropolgica ou o pblico leitor ocidental) e terem bastante sentido para despertar o seu interesse; (c) objetiva, no sentido de captar as form as pblicas de discurso que no sejam impresses idiossincrticas, mas que possam ser con firmadas por outros observadores e participantes, levando, portanto, a ateno tanto para os modos de com unicao utilizados pela cultura em questo com o para as form as de construo de texto que se apresentam ao observador.14

    Em m inha tese tentei com ear com problemas definidos pelos prprios iranianos, tom ando com o tarefa antropolgica clarificar, delimitar e justapor com parativam ente. Dentre os problemas que pareciam mais centrais estavam a religio e sentim entos de perseguio. Ao invs de com ear com uma definio de religio tirada de teorias antropolgicas, fiz o esforo de deixar que diversos atores iranianos definissem a problem tica. Assim, por exemplo, planificadores, polticos e acadm icos poderiam falar de religio, colocando problemas de desenvolvim ento; shiitas, judeus, zoroastrianos e bahais podiam reclam ar das demandas opressivas feitas sobre eles pela religio dos outros, pelas repressivas tradies milenares ou por clrigos ignorantes; e, no entanto, todos eles, mesmo assim, afirm avam que, apesar do abuso, a religio era algo bom. Dando um segundo exem plo, meu livro recente pretende ser suficientem ente

    J- On Being Raised in the Middle East: Child Development, Socialization, and the Socialization of Affect ; Legal Postulates in Flux: Law, Wit and Hierarchy in Iran ; Symbolic Modes of Conduct: A Critical Hermeneutic Approach ,

    i A partir da observao de que, para se analisar a cultura preciso capt-la em forma escrita, surgiu a noo de que compreender a cultura era anlogo a ler um texto. Tanto Paul Ricoeur como Oeertz elaboraram essa noo,

    i-i Um pequeno esforo de inovao foi a minha dupla introduo verso original do livro recentemente publicado, Iran-. From Religious Dispute to Revolution: uma Introduo para Iranianos e uma Introduo para Americanos . Aqueles pareceram gostar da idia; estes (editores a fortiori) rejeitaram-na.

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  • rico em detalhes e em argum entao iranianos para interessar aos leitores do Ir, no apenas com o propsito de receber deles uma reao, mas tam bm para tentar pr diante deles um espelho, para provocar um aumento mtuo de conscincia crtica. Naturalmente, ao avaliar esses esforos, s posso falar de m inhas esperanas e aspiraes.

    Vale a pena, talvez, m encionar uma outra rea, que o tipo de antropologia que tentam os construir na Universidade de Rice. Naturalmente, no posso afirm ar que o que acontece nos Estados Unidos o que est acontecendo em Rice. Contamos com um grupo jovem e dinm ico que quer explorar as abordagens da hermenutica crtica a que me referi acim a1 s e aplic-las aos Estados Unidos, cum prindo a velha promessa da antropologia de trazer seus instrumentos e capacidades de volta a casa. Um dos tpicos que se prestam a contnuas discusses e reflexo so os novos modos de escrita etnogrfica, inclusive a natureza das velhas convenes realistas da etnografa,1 a natureza da autoridade que deve ser transm itida num texto antropolgico e a possibilidade de se utilizar convenes de dilogo. Por exemplo, Tyler, num trabalho em que reanalisa as discusses que ele prprio teve com um Informante sobre um ritual, argumenta que a noo de um dilogo verdadeiramente colaborativo um a iluso em etnografa porque, em ltima anlise, um dos dois que tem o lpis na mo. Por outro lado, eu argum ento que o dilogo (e m ulti-logo) uma opo vivel, que nenhum dilogo simplesmente entre duas partes, mas que qualquer discurso envolve uma terceira com posta de form as culturais, meios lingsticos, aquilo que Oadam er cham a de sensus comm unis

    Steven Tyler, que j foi um importante explorador de mtodos formais em antropologia (viz., o volume que organizou, Cognitive Anthropology), mais recentemente (1978), escreveu uma crtica inquisitiva (e muitas vezes divertida) dos formalismos da antropologia lingstica e cultural, propondo uma sensibilidade hermenutica. Ele ministra cursos de Hermenutica e de NeurolingUstlca. George Marcus, o chefe do departamento, escreveu resenhas sobre novos modos de escrita etnogrfica, dando cursos sobre isso e sobre a comunicao inter- cultural. Julie Taylor, que trabalhou no Brasil e na Argentina, est Interessada em formas simblicas, e d, por exemplo, um curso sobre Histria como Processo Simblico. Em 1983 teremos a presena de Tullio Maranho, que nos traz seu interesse em hermenutica e sociolings- tica, havendo trabalhado, principalmente, com as abordagens de Ha- bermas e Labov num estudo de falantes portugueses de Cabo Verde em Cambridge, Massachusetts,

    e Vide resenha ae George Marcus e Dick Cushman, 1982, tambm sua Introduo ao volume que organizou sobre estudos de elites (University of New Mexico Press, no prelo).

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  • (consenso, senso com um , em seu significado m ais r ico ), isto , que h sempre terceiros para corrigir um ou os dois interlocutores em assuntos de cultura,17 e que um a tarefa etnogrfica bsica explorar a m argem de opinies em qualquer assunto e avaliar sua profundidade de apoio com o um m eio de se avaliar, tambm, quais so as opinies dom inantes e por quanto tempo.

    O esforo de desenvolver uma antropologia de sociedades com plexas e, em particular nos Estados Unidos, ainda est em sua fase prelim inar em Rice. Marcus escreveu um a srie de artigos sobre a ideologia do parentesco entre dinastias dos Negcios, explorando a noo de que a natureza de instrum entos legais, tais com o o Massachusetts Trust, e o papel de fiducirios profissionais transform aram a com preenso de fam ilia para aqueles envolvidos na d ifcil tentativa de evitar a dissoluo das dinastas. Um dos resultados mais provocadores dessa pesquisa (baseada tanto em entrevistas com o em pesquisa de arquivo) a sugesto de que a tica fiduciria profissional (servio desinteressado) representa um dos modelos chaves da tica do Establishment da Amrica, pelo menos at os anos de Johnson, um Establishm ent com posto de filhos dessas fam lias de negcios, cu ja relao com a filantropia e o servio pblico dizia-se anloga do fiducirio com as fortunas de suas famlias.

    Minha contribuio aos nossos esforos americanistas tem sido at agora um curso exploratrio sobre Cultura Am ericana .ls O esquema geral fo i o de explorar at que ponto podem os com preender (ou alegam os que podem os) os Estados Unidos em termos de: (a) excepcionalidade (por exemplo, a idia seiscentista de que

    17 vide tambm o recente trabalho de Vincent Crapanzano sobre esse mesmo ponto, principalmente a introduo a Tuhami, 1981b e 1981c. Crapanzano baseia-se, principalmente, em Desire in the Novel, de Giraud e no trabalho de Lacan,

    in Parece-me que no Brasil o esforo de se falar em uma cultura brasileira" foi amplamente criticado h alguns anos atrs como uma postura ideolgica para descartar problemas de integrao, etnicidade, regionalismo, etc. Houve um perodo semelhante em meados deste sculo nos Estados unidos, quando a amerlcanizao era uma fora ideolgica. Desde os anos 60 e a nova celebrao da etnicidade, essa ideologizao tem-se diluido e abriu-se a questo de at que ponto existem smbolos nacionalmente operativos (viz., por exemplo, a noo de Robert Bellah sobre uma religio civica). Desconfio que os americanos operam sempre em trs niveis, pelo menos: h um cdigo nacional pblico, h tambm os locais, sejam eles regionais, tnicos ou religiosos, e h os cdigos pessoais. Assim, embora possa haver uma religio civica, o pertencer a igrejas especificas muitas vezes traz consigo indices locais de status, que podem ou no passar para uma escala nacional.

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  • Deus criou especialmente a Amrica, a idia oitocentista de que a fronteira acabava com a decadncia europia, ou a noo de que a riqueza natural da Amrica do Norte queria dizer que a sociedade am ericana estaria sujeita a conflitos de status em vez de conflitos de classe no estilo eu rop eu ); (b ) a noo de que quando a fron teira am ericana se esgotar, a Amrica ficar cada vez mais sujeita a tenses sociais do mesmo tipo que na Europa (a Am rica uma Europa im a tu ra ); ou a noo de que a Amrica a sociedade mais avanada ( a Europa que precisa a lcan -la ), principalm ente, em termos de tecnologia m oderna e com unicao e em termos de uma nova estrutura psicolgica (a muito discutida transio de uma velha tica de trabalho protestante, orientada para o interior, con trolada por sentim entos de culpa, para uma nova personalidade orientada para o outro, narcisista, recom pensada por habilidades nas relaes interpessoais). Dentre os tpicos tratados no curso esto a poltica sim blica (por exemplo, o m ovim ento da Proibio visto com o um esforo das velhas elites de cidadezinhas republicanas de protestar contra a sua perda de poder para os novos grupos de im igrantes; a utilizao de ritos pblicos com o a Parada T ricentenria de Newburyport, Massachusetts, ou os dramas da R econquista em Santa F, Novo Mxico, negando, mas ao mesmo tem po, expondo conflitos so c ia is ); os modos com o os intelectuais caracterizam a Amrica vista com o refletindo caracterizaes mutveis da sociedade am ericana por intelectuais (historiadores, cientistas sociais, criticos literrios) com o ndices ideolgicos de mudana (por exemplo, o estudo de M ichael Kam m en sobre a revoluo am ericana que se tornou progressivamente mais conservadora, ou as mudanas peridicas de opinio por parte dos historiadores, digamos, dos Progressistas aos Liberais de meados do s cu lo ); a etnicidade em autobiografia e o debate sobre cultura de massa. Considero os dois ltimos tpicos especialmente gratificantes.

    As recentes autobiografias tnicas revelam um a tripla explorao m arcante do que vem a ser etnicidade, ou, pelo menos, com o ela transmitida com o poderoso elem ento de conscientizao. Em prim eiro lugar, h o que poderam os cham ar de afirm aes cognitivas: todas as anlises sociolgicas padro da histria de grupos especficos, o contexto sclo-poltlco, a necessidade de solidariedade em vrias form as. Muito mais interessantes so as autobiografias recentes que exploram processos anlogos aos dos sonhos, isto , utilizando um fluxo de Imagens que operam de maneira diferente da linguagem com um ou do discurso racional. Assim com o quando

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  • um paciente vai a um psicanalista e lhe conta os sonhos, h um processo de traduo de m odos do im aginrio para a form a verbal, traduo essa que, muitas vezes, apenas aproxim atlva e que pode trazer distores e mudanas no aleatrias. Do mesmo modo, nessas autobiografias as ansiedades so freqentem ente transmitidas por m eio de fragm entos de mitos, costumes parcialm ente com preendidos, memrias que no form am um todo articulado (tal com o um etngrafo antiga tentaria apresentar), mas que so em ocionalm ente fortes e se repetem em situaes especficas.1 Em terceiro lugar, essas autobiografias tam bm jogam com processos semelhantes transferncia psicanaltica, onde o paciente se relaciona com o outro com o o fez com outra pessoa anteriorm ente, mas onde ele no fornece nenhum texto verbal de suas aes (isto , diferentemente de sonhos, onde existe um texto, mesmo que distorcido) .2 R econhecer e explorar esses com plexos com ponentes do com portam ento tnico algo de que a sociologia no conseguiu dar conta; talvez os instrumentos antropolgicos que permitem distinguir entre usos indxicos e linguagem referenciaK *) possam fornecer o impulso para esse tipo de estudo.*1

    Vide, por exemplo, o romance autobiogrfico Warrior Woman, de Maxine Hong Kingston, uma sino-americana.vide, por exemplo, Passage to Ararat, de Michael J. Arlen, americano de ascendncia armnia.

    (*) n .T . Utilizamos o neologismo indxico, seguindo a forma, igualmente nova, em ingls (indexical) para chamar a ateno para esse conceito relativamente recente na literatura antropolgica. Ele e sua contrapartida __ o conceito de linguagem referencial tm sido trabalhados,principalmente, por Pierce (Collected Papers of C. S. Pierce, org. de Charles Hartshome e Paul Weiss, Harvard University Press, 1932), Silverstein, citado neste artigo, Vincent Crapanzano, 1981c, tambm citado aqui. De Silverstein, citamos: A funo referencial da fala pode ser caracterizada como sendo a comunicao de proposies..., em alguns casos, sujeitas verificao de objetos e acontecimentos, em outros, tomadas como representaes da verdade (: 14). Trata-se, pois, daquilo a que se referem os smbolos e aquilo que eles denotam. Em Crapanzano, temos que funo indxica, do grego deixts (apontar, indicar) , refere-se funo de pronomes pessoais, demonstrativos, artigos, certas locues adverbiais, tempo, indicadores honorficos e de status e outros traos lxicos e gramaticais que ligam uma elocuo ao seu contexto 0127). Refere-se, portanto, funo pragmtica da linguagem

    2i Michael Silverstein tem sido uma figura chave ao enfatizar para os antroplogos as implicaes da distino entre linguagem referencial e usos indxicos Vide, por exemplo, seu ensaio na coletnea de Keith Basso e Henry Selby, Meaning in Anthropology (University of New Mexico Press, 1976), onde ele desafia os antroplogos (principalmente os simblicos) que se tm voltado para a Lingstica em busca de modelos metodolgicos, que os lingistas tratariam melhor daquilo que

  • Num certo sentido im portante, o estudo de cultura de massa rem onta ao trabalho de Adorno, B enjam in e a Escola de Frankfurt. Estes colocaram questes crticas de com o a cultura produzida e distribuda, at que ponto as platias e os consum idores podem ser manipulados, at onde as form as de arte podem estimular ou em botar a conscincia. Na urgncia da preocupao com o surgimento do fascism o e de controles totalitrios, suas crticas desconfiadas tiveram fora. Entretanto, muitos dos juzos que emitiram luz de tem pos posteriores devem ser descartados; por exemplo, que o Jazz e a msica popular so infantilizantes e meram ente um meio de reduzir a conscincia passividade. O curso tenta tomar uma srie de com ponentes da m oderna cultura de massa filmes, esporte, msica e explorar em que medida a msica de Elvis Presley refletia o ambiente sulista de brancos pobres do qual ele veio, a msica de Sly Stone seguia o tom eufrico e depois desesperado da com unidade negra dos anos 60, ou o rock dos anos 70 refletia as lutas entre expresses criativas e a econom ia de m ercado; ou, por que a fico am ericana quase nunca usa com o veculo o corredor, enquanto que na fico europia encontra-se com freqncia o esforo de corredores com o um excelente veculo; o que h no con junto de im agens do baseball que tem apelo para a mente americana e por que a popularidade do baseball tem dim inudo em anos recentes (ser que as imagens pastorais de brizas primaveris, chuvas de m aio e grama nova brotando so incom patveis com astrdomos fechados, grama artificial e transmisso televisionada?).

    Em todos esses esforos, tenta-se ir por detrs da aparncia da realidade at chegar a processos sociais sistemticos e em com petio, explorar as form as de com unicao em term os das quais as pessoas agem e fornecer um instrum ento que possa levantar a auto-consclncia crtica. Embora a form ulao deste estilo de investigao antropolgica tenha surgido de correntes histricas especificas Am rica ps-Vietnam , as questes tm fontes e ecos internacionais e significado perene. Ser de grande interesse ver com o elas so colocadas diferentem ente em diferentes pases, quais so as mais paroquiais e quais as de interesse mais amplamente colaborativo ou conflitivo.

    Traduo de ALCIDA RITA RAMOS

    pode ser visto como as partes menos interessantes da cultiva. Doisexemplos de utilizao inovadora destes conceitos na antropologia sfioCrapanzano (nota 17) e O. Obeysekere, 1981.

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