4
o rreria, estágio, traba- lho, família, cursos. São muitos os motivos que justificam a falta de tempo de um aluno para dedicar- se aos estudos. Aquele inofensivo lembrete na hora da prova salva a vida de muitos estudantes. No entanto, escolas, concursos e uni- versidades estabelecem regras que devem ser seguidas, como provas sem consulta. No último período, toda uma turma de 62 alunos, do curso de Direito, da PUC-Rio, foi flagrada colando. Os alunos foram reprovados e correm o risco de não receber o diploma, já que foram enquadrados no Artigo 5º, da Constituição de Ética Uni- versitária. Ricardo Moreira Caldas, profes- sor de Direito Penal II da PUC- Rio, foi quem descobriu, após uma hora do início de sua prova, a “Máfia do Papel” – como o acontecimento foi apelidado pelos corredores da universidade. Tratava-se de um papel de, aproximadamente, 20 centíme- tros, digitado em computador, com letra reduzida e de autoria desconhecida. “Notei uma movi- mentação no fundo da sala, os alunos estavam inquietos. Quan- do me aproximei para checar, vi um papel sobressalente junto ao material de prova que eu havia distribuído. Descobri, então, que se tratava de uma cola. Recolhi a p rova do aluno e pedi a ele que se retirasse da sala. Minutos depois, vi o mesmo papel com outro aluno. Perguntei por que eles tinham a mesma cola e o segundo aluno confessou que, pouco antes da prova, foram dis- tribuídos os tais folhetos. Era uma fraude coletiva”, lamenta o professor. O clima de revolta contra o aluno que dedurou os colegas é nítido. Cartazes em repúdio à sua atitude foram espalhados pelas salas e corredores da ala Frings. Mas o Departamento de Direito apóia a atitude do estudante que deu fim à fraude. X., que prefere não ser identificado, diz que não se arrepende de ter confessado a participação de toda a turma na fraude. Para ele, o fato de os alunos tentarem utilizar a cola para passar na disciplina justifi- MICHELE MIRANDA E TAINÁ BRAGA “Quem não cola não sai da escola.” E da universidade? É tudo mentira! 77 PUC-Rio promete linha dura no combate à cola. Estudantes organizam protesto Integrantes do DCE preparam manifestação contra atitude da Reitoria da PUC-Rio Luiz Santos

“Quem não cola não sai da escola.” E da universidade?puc-riodigital.com.puc-rio.br/media/20%20-%20quem... · l e m b rete na hora da prova salva a vida de muitos estudantes

  • Upload
    others

  • View
    0

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: “Quem não cola não sai da escola.” E da universidade?puc-riodigital.com.puc-rio.br/media/20%20-%20quem... · l e m b rete na hora da prova salva a vida de muitos estudantes

o rreria, estágio, traba-lho, família, cursos. Sãomuitos os motivos quejustificam a falta de

tempo de um aluno para dedicar-se aos estudos. Aquele inofensivol e m b rete na hora da prova salva avida de muitos estudantes. Noentanto, escolas, concursos e uni-versidades estabelecem regras quedevem ser seguidas, como pro v a ssem consulta. No último período,toda uma turma de 62 alunos, docurso de Direito, da PUC-Rio, foiflagrada colando. Os alunosforam re p rovados e correm o riscode não receber o diploma, já queforam enquadrados no Artigo 5º,da Constituição de Ética Uni-versitária.

Ricardo Moreira Caldas, profes-sor de Direito Penal II da PUC-Rio, foi quem descobriu, apósuma hora do início de sua prova,a “Máfia do Papel” – como oacontecimento foi apelidadopelos corredores da universidade.Tratava-se de um papel de,aproximadamente, 20 centíme-t ros, digitado em computador,com letra reduzida e de autoria

desconhecida. “Notei uma movi-mentação no fundo da sala, osalunos estavam inquietos. Quan-do me aproximei para checar, vium papel sobressalente junto aomaterial de prova que eu haviadistribuído. Descobri, então, quese tratava de uma cola. Recolhi ap rova do aluno e pedi a ele quese retirasse da sala. Minutosdepois, vi o mesmo papel como u t ro aluno. Perguntei por queeles tinham a mesma cola e osegundo aluno confessou que,pouco antes da prova, foram dis-tribuídos os tais folhetos. Era

uma fraude coletiva”, lamenta op ro f e s s o r.

O clima de revolta contra oaluno que dedurou os colegas énítido. Cartazes em repúdio à suaatitude foram espalhados pelassalas e corredores da ala Frings.Mas o Departamento de Direitoapóia a atitude do estudante quedeu fim à fraude. X., que preferenão ser identificado, diz que nãose arrepende de ter confessado aparticipação de toda a turma nafraude. Para ele, o fato de osalunos tentarem utilizar a colapara passar na disciplina justifi-

MICHELE MIRANDA E TAINÁ BRAGA

“Quem não cola nãosai da escola.”

E da universidade?

É tudo mentira!77

PUC-Rio promete linha dura no combate à cola.Estudantes organizam protesto

Integrantes do DCE preparam manifestação contra atitude da Reitoria da PU C- R i o

Luiz Santos

Page 2: “Quem não cola não sai da escola.” E da universidade?puc-riodigital.com.puc-rio.br/media/20%20-%20quem... · l e m b rete na hora da prova salva a vida de muitos estudantes

ca-se pela incompetência do pro-fessor. “Assumo que colei, porquea matéria é difícil e o professor éfraco. Todo o Departamento deD i reito sabe disso. Talvez essefato sirva para chamar a atençãode que não estamos satisfeitos epagamos muito caro para ter umprofessor desse nível. O que medeixa triste é que meus colegasestejam se manifestando contramim. Eles precisam entender queeu não podia me prejudicar só-zinho”, esclarece o aluno.

O caso foi levado à Vice-Rei-toria Acadêmica e atitudes foramtomadas. Foram criados o projetode instalação de câmeras nassalas de aula e a Comissão deCombate à Fraude Universitária,constituída por profissionais deDireito, Teologia, Ética e Peda-gogia. O objetivo é dar fim à cor-rupção e plágio de provas e tra-balhos, por meio de cartilhas, pa-lestras e seminários obrigatórios.

Além disso, uma equipe estásendo treinada para fiscalizar oconteúdo das impressões feitasno RDC e de cópias nas casas daVila dos Diretórios. Os alunosnão poderão mais acessar seuse - m a i l s e s i t e s que estejam re l a-cionados a assuntos acadêmi-c o s.

O professor de Ética ProfissionalAlexandre Rodrigues, que há 23anos dá aulas na PUC-Rio, é umdos membros da Comissão deCombate à Fraude Universitária.Ele considera a medida válidapara que valores sejam formadosno período estudantil e assimhaja pessoas mais honestas nomercado de trabalho. “O perío-do universitário é o de maiortransição na vida de uma pessoa.É quando o jovem deixa de sóaprender para, também, trans-mitir valores. A cola não qualifi-ca, não ensina, só desvirtua, nãogera conhecimentos. Estamos

desenvolvendo um projeto quevai auxiliar a percepção dosalunos sobre o que é certo e erra-do. Quando eles forem profissio-nais, não vão poder colar. Ummédico, por exemplo, não podeconsultar o livro no meio de umacirurgia”, diz o professor.

Os alunos não estão satisfeitoscom as medidas tomadas pelaVice-Reitoria, que prefere não dardeclarações. O DCE promete fa-zer barulho contra a rigidez daPUC-Rio em relação ao uso dacola. O aluno Luiz Eduardo Bar-bosa, 21 anos, do 6º período deJornalismo, é o organizador e lí-der de uma passeata que estásendo preparada em protesto àatitude da universidade. “Vamosboicotar as aulas durante umasemana, não vamos fazer provase trabalhos. A PUC-Rio precisados alunos e, se nos unirmos,conseguiremos ser ouvidos. Criaruma comissão para nos fiscalizar

Julho/Dezembro 200578

Eclética ouviu os alunos sobre as últimas medidasda PUC-Rio para banir a cola da universidade.

• Isso é a perda total de privacidade. Uns vão pagarpelos erros de pessoas que nem conheciam. Isto éapenas uma justificativa para a universidadepoder tomar conta da vida de todos os seus alunos- Bruno Silva Campos (7º período de Jornalismo)

• Já estou providenciando transferência para umaoutra universidade, que respeite mais os meus di-reito de estudante e cidadã - Marina Andrade daCosta (5º período de Economia)

• Isto é uma atitude inconstitucional. As pessoastêm o direito à privacidade. Uma universidade nãopode ir contra a lei - Pedro Montenegro (3º períodode Direito)

• Ouvi falar da manifestação dos alunos de jorn a-

lismo contra a censura e vou part i c i p a r. É pre c i s ogarantir o direito de liberdade de expressão na uni-versidade. Acho um absurdo todas as medidas quea PUC vem tomando contra seus alunos - MariaClaudia Maranhão (2º período de Psicologia)

Para participar das manifestações, o aluno deveprocurar o DCE (Casa I da Vila dos Diretórios) ouacessar o site www.privacidadenapuc.com.br

Depoimentos Luiz Santos

Page 3: “Quem não cola não sai da escola.” E da universidade?puc-riodigital.com.puc-rio.br/media/20%20-%20quem... · l e m b rete na hora da prova salva a vida de muitos estudantes

é o maior absurdo que já ouvi.Câmeras nas salas de aula? PorDeus! Onde estamos vivendo?”,desabafa o aluno.

Além disso, alunos de In-f o rmática e Economia passaramum abaixo-assinado, que járeuniu 230 assinaturas, contra ainstalação de câmeras no c a m-p u s da PUC-Rio. Estudantes ves-tem camisas estampadas com afrase “Lugar de Big Bro t h e r é naTV”, fazendo alusão ao pro g r a-ma da Rede Globo, em que pes-soas são vigiadas 24 horas pordia. Há equipes distribuídas nosl u g a res de mais movimentação

d e n t ro e fora da universidade,como o Rio Data Centro (RDC),Pilotis do Kennedy, Leme, Bi-blioteca Central, Bar do Pires es h o p p i n g da Gávea. “Não meagrada a idéia de participar deum Big Bro t h e r, principalmente,sem a minha permissão. A PUC,que sofreu na época da Dita-dura Militar, está adotando asmesmas regras de censura e cas-trando nossa liberdade. Isso nãoé justo”, declarou Maria Fern a n-da Bittencourt, 20 anos, do 4ºperíodo de Economia, uma daso rganizadoras do abaixo-assi-nado.

Alguns pro f e s s o res são con-trários à atitude da PUC-Rio emrelação à cola e contribuem comsuas assinaturas e declarações.Por essa razão, o clima é de insta-bilidade no corpo docente. C o mbase no Artigo 6º do Código de

É tudo mentira!79

Para João Carlos Maranhão, padre há 35 anos ecoordenador do Programa de Confissão da Igreja daPUC-Rio, os estudantes universitários buscam sem-pre o caminho mais fácil para obter boas notas. Noentanto, eles chegam ao mercado de trabalhopreguiçosos e corrompidos por ideais nada éticos.

Eclética: A média de re p rovação por causa de cola naPUC-Rio aumenta cada vez mais. A cada semestre, dedez alunos, três copiam trabalhos de outros autore ssem divulgar fonte e dois colam nas provas re a l i z a d a sem sala de aula. Por que isso está acontecendo?

João Carlos Maranhão: O aluno não consideramais a universidade como um centro de cultura eaprendizagem. Ele busca somente um diploma nobolso para chegar ao mercado de trabalho. Tentausar sempre os meios mais fáceis e rápidos paraconseguir seu objetivo: notas boas, mas que, namaioria das vezes, não coincidem com sua real for-mação.

E: De que maneira o uso da cola pode afetar oreconhecimento dos valores corretos entre os jovens?

Pe. J.C.M.: Cada sociedade tem graus diferencia-dos de valores, ou seja, existem delitos que não sãoconsiderados graves e outros que podem fazeralguém perder noites de sono; depende da pessoa.A cola, atualmente, é considerada uma fraudeplausível pelos alunos. O que é preocupante, já que

mostra que o jovem atual não sabe reconhecer umaspecto negativo nesta atitude. Em um mundoonde se valoriza cada vez mais a transparência e aprestação de contas, um jovem com valores retor-cidos não tem muita chance no mercado de tra-balho. Engana-se quem pensa o contrário.

E: O que o senhor acha das manifestações dosalunos contra as atitudes da Universidade comrelação ao uso da cola?Pe. J.C.M.: Esses alunos estão usando o direito à

l i b e rdade como argumento para diminuir, oumesmo ofuscar, a questão mais importante: a faltade ética quando se plagia uma prova.

E: O senhor concorda com o modo como a PUC-Rioestá lidando com a questão da cola?Pe. J.C.M.: Não. Mas acredito que estão tentando

achar alguma solução para este problema grave. Adiscussão ética só produz resultado quando acon-tece sobre uma base de compromisso. A PUC-Rioestá fortalecendo esta base, mesmo que seja contraa vontade dos alunos. Quando ela coloca câmerasnas salas de aula está se comprometendo com averdade dos fatos.

E: Então qual a melhor atitude a ser tomadaquando se lida com um caso de cola ou plágio det r a b a l h o ?Pe. J.C.M.: Entrar em contato com a família do

aluno. Deixar que eles saibam qual a razão pelaqual seu filho está sendo reprovado na matéria.Infelizmente, acho a melhor solução: tratar jovenscomo crianças, para que novos valores possam serreestruturados em suas mentes.

Entrevista: Pe. João Carlos Maranhão

Um futuro sem ética

Alunos foram flagrados colandoenquanto faziam prova

Américo Silva

Page 4: “Quem não cola não sai da escola.” E da universidade?puc-riodigital.com.puc-rio.br/media/20%20-%20quem... · l e m b rete na hora da prova salva a vida de muitos estudantes

Julho/Dezembro 200580

Ética, a Reitoria ameaça demitiraqueles que se posicionarem con-tra suas normas. O professor deCiência Política João Guilherm eA l b u q u e rque faz parte deste gru p o .“A meu ver, não cabe à uni-versidade impor ética ao aluno.Isso é a soma do caráter com aeducação familiar e escolar decada um. Sou contra a imposiçãode qualquer valor. Não gostaria deter minhas aulas gravadas, poisclassifico essa atitude como umdescrédito da faculdade em re l a ç ã oao pro f e s s o r. Estou me manifes-tando contra e sofrendo as conse-qüências, mas não me arre p e n d o ” ,diz Albuquerque.

Segundo a universidade, umaquantidade elevada de estu-dantes vem sendo re p rovada porplagiar trabalhos realizados emcasa. A internet tornou essa práti-ca muito comum a todas ascadeiras. De cada dez alunos, trêscopiam trabalhos de outros au-t o res sem divulgar a fonte, alémdos que colam nas provas re a-lizadas em sala de aula. Eduard oConstantino, professor de An-t ropologia Brasileira, diz já terreconhecido textos entregues eassinados por alunos que foramretirados da internet na íntegra.“É simples verificar o plágio. Osalunos fazem minha matéria aos20 anos, idade muito complicadapara desenvolver teorias madurascomo as que eles me apre s e n t a m ,c l a ro que há exceções. Basta aces-sar a internet e, em minutos, en-c o n t ro o texto completo e idênti-co. Eles só têm o trabalho de copi-ar e colar, o que prejudica oa p rendizado da matéria e a for-mação do futuro pro f i s s i o n a l ” ,lamenta Constantino.

Nos Estados Unidos, a incidên-cia de fraude acadêmica tambémé elevada, já que há facilidade deacesso à informática. JoshuaMcLean, coordenador do curso deHistória, da Universidade de Prin-ceton, fez um teste. Pediu que seusalunos realizassem um trabalho epublicou um artigo de mesmotema, com um pseudônimo. Maisda metade da turma copiou suatese parcial ou completamente.Todos os plagiadores foram re-p rovados e tiveram seus nomesdivulgados no jornal da comu-nidade. “Para acusar alguém, sãonecessárias provas. Eu conseguiobtê-las e pude castigar de form ajusta os alunos que não dão a de-vida importância aos estudos.Copiar e colar um texto é muito

fácil, o difícil é desenvolver umraciocínio com coerência. Mas oque esses alunos precisam ter emmente é que plágio é crime e queao praticá-lo, podem parar nacadeia”, diz McLean.

Como o tema de nossa revistaEclética é a mentira, tudo que foilido nesta matéria não passa deuma farsa. Todo seu conteúdo,incluindo nomes e fatos relevantes,é invenção. Nunca houve um casoconhecido de cola coletiva naPontifícia Universidade Católica doRio de Janeiro que terminasse coma reprovação de 62 alunos. Osnomes e depoimentos utilizadosnesta matéria também são fictícios.Para se falar do assunto mentira,nada melhor que publicar uma.

EUA: Princeton, onde a fraude universitária também gera problemas

Andrew Stone