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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO APLICAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: UM ESTUDO SOBRE O DEPOSITÁRIO INFIEL CARLA ROBERTA WILBERT DECLARAÇÃO “DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”. ITAJAÍ (SC), 22 de novembro de 2010 ______________________________________________________ Profª Orientadora: MSc Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes UNIVALI Campus Itajaí-SC

APLICAÇÃO DE TRATADOS ... - siaibib01.univali.brsiaibib01.univali.br/pdf/Carla Roberta Wilbert.pdf · Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. De 26 de maio de 1969. Entrada

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

APLICAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO: UM ESTUDO SOBRE O DEPOSITÁRIO INFIEL

CARLA ROBERTA WILBERT

DECLARAÇÃO

“DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PUBLICA EXAMINADORA”.

ITAJAÍ (SC), 22 de novembro de 2010

______________________________________________________ Profª Orientadora: MSc Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes

UNIVALI – Campus Itajaí-SC

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

APLICAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS SOBRE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO

BRASILEIRO: UM ESTUDO SOBRE O DEPOSITÁRIO INFIEL

CARLA ROBERTA WILBERT

Itajaí (SC), novembro 2010.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS - CEJURPS CURSO DE DIREITO

APLICAÇÃO DE TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO: UM ESTUDO DO DEPOSITÁRIO INFIEL

CARLA ROBERTA WILBERT

Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito.

Orientadora: Profª. MSc. Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes

Itajaí (SC), novembro de 2010.

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AGRADECIMENTO

Agradeço primeiramente a DEUS, que nos guia pelos caminhos vitoriosos, e ensina a ser fiel mesmo nos momentos mais difíceis, a ter confiança, pois aquele que confia jamais será abalado;

Aos meus pais Dorival Wilbert e Rosilda de Oliveira, pois se o meu esforço para concluir esta jornada e chegar neste momento foi grande, o esforço deles foi maior ainda;

Ao meu namorado Carlos Eduardo Vitorino, pelo amor, respeito e compreensão que sempre se fizerem presentes;

Aos membros da banca por aceitar o convite para participar deste momento da pesquisa e pela colaboração prestada;

A professora orientadora Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes, pela orientação, apoio e condução desta monografia;

Às pessoas que não são ligadas a mim por vínculo consangüíneo, mas as quais tenho como verdadeiros irmãos, cada qual com sua personalidade, mas unidos pelo laço da AMIZADE.

A todos que não foram citados acima, mas que de alguma forma estiveram presentes no percurso desta caminhada; Muito Obrigada!

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho:

Aos meus pais: Rosilda e Dorival

Aos meus irmãos: William e a pequena Lívia e

Ao meu namorado: Carlos.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Itajaí, novembro de 2010

Carla Roberta Wilbert Graduando

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PÁGINA DE APROVAÇÃO

A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, elaborada pela graduanda Carla Roberta Wilbert, sob o título

Aplicação de tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico

brasileiro: um estudo sobre o depositário infiel, foi submetida em 22 de novembro de

2010 à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Fernanda Sell de

Souto Goulart Fernandes e ____________________________________________,

e aprovada com a nota ______ (_________________________________________)

Itajaí, 22 de setembro de 2010.

Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes Orientadora e Presidente da Banca

Coordenação da Monografia

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ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ART.(S) Referente à palavra artigo(s) da legislação CC Código Civil CF Constituição Federal CIJ Corte Internacional de Justiça CPC Código de Processo Civil HC Habeas Corpus ONU Organização das Nações Unidas RE Recurso Extraordinário RESP Recurso especial STF Supremo Tribunal Federal STJ Superior Tribunal de Justiça TRT Tribunal Regional do Trabalho

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ROL DE CATEGORIAS

Rol de categorias que a Autora considera estratégicas à

compreensão do seu trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais.

DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos são os direitos básicos, imprescindíveis à dignidade do ser

humano, pois que não poderão jamais ser violado sem o cerceamento de algum

princípio ético (...). São os direitos que dizem respeito a todos, só pelo fato de

pertencerem à espécie humana e seus titulares poderão pretendê-los de modo igual,

quer no que tange à sua qualidade ou quantidade1.

TRATADOS INTERNACIONAIS

Tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e

regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois

ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica2.

DEPOSITÁRIO INFIEL

O depositário é a pessoa que se torna responsável por algo que lhe é entregue,

assumindo a obrigação de guarda e conserva devendo apresentar e restituir a coisa,

assim que exigido pelo depositante. A não observância ao pedido implica em ato de

infidelidade. Neste ínterim, pode-se dizer que depositário infiel é aquele que não

cumpre a sua função de restituir o bem que lhe foi entregue para ser guardado3, por

meio de um contrato de depósito.

1 QUEIROZ, Odete Novais Carneiro. Prisão civil e os direitos humanos. São Paulo: Revista dos

Tribunais. 2004. p 73-4. 231p.

2 BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados.

De 26 de maio de 1969. Entrada em vigor internacional em 27 de janeiro de 1980. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm Acesso em: outubro de 2010.

3 FIUZA, César. Direito civil. 13ª ed. São Paulo: Del Rey, 2009, p. 564

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SUMÁRIO

RESUMO ....................................................................................................... X

INTRODUÇÃO ............................................................................................ 11

CAPÍTULO 1 ............................................................................................... 14

DIREITOS HUMANOS ................................................................................ 14

1.1 CONCEITO .................................................................................................... 14

1.2 HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO MUNDO ................................... 16

1.2.1 DIREITOS HUMANOS APÓS O FIM DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL ....................... 19

1.3 HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL ................................... 22

1.3.1 DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1824 ............................................. 23

1.3.2 DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1891 ............................................. 23

1.3.3 DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1934 ............................................. 24

1.3.4 DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1937 ............................................. 25

1.3.5 DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1946 ............................................. 26

1.3.6 DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1967 ............................................. 27

1.3.7 DIREITOS HUMANOS E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ............................................. 27

1.4 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ............................................ 29

1.4.1 DIREITOS HUMANOS DE PRIMEIRA GERAÇÃO ..................................................... 30

1.4.2 DIREITOS HUMANOS DE SEGUNDA GERAÇÃO .................................................... 31

1.4.3 DIREITOS HUMANOS DE TERCEIRA GERAÇÃO .................................................... 32

1.5 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS ....................................... 33

CAPÍTULO 2 ............................................................................................... 35

TRATADOS INTERNACIONAIS ................................................................. 35

2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS ................................................................... 35

2.2 ASPECTOS CONCEITUAIS .......................................................................... 36

2.3 ASPECTOS TERMINÓLOGICOS .................................................................. 38

2.4 CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS ................ 40

2.5 CONDIÇÃO DE VALIDADE DOS TRATADOS ............................................. 41

2.5.1 CAPACIDADE DAS PARTES .............................................................................. 41

2.5.2 HABILITAÇÃO DOS AGENTES SIGNATÁRIOS ....................................................... 42

2.5.3 OBJETO LÍCITO E POSSÍVEL ............................................................................. 43

2.5.4 CONSENTIMENTO MÚTUO E LIVRE .................................................................... 44

2.6 PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS TRATADOS ......................................... 46

2.6.1 NEGOCIAÇÃO ................................................................................................ 46

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2.6.2 ASSINATURA ................................................................................................. 47

2.6.3 RATIFICAÇÃO ................................................................................................ 48

2.6.4 REGISTRO ..................................................................................................... 49

2.7 INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO INTERNO ............................................................................................................. 50

2.8 INTRODUÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO INTERNO50

2.8.1 TEORIA DUALISTA .......................................................................................... 51

2.8.2 TEORIA MONISTA ........................................................................................... 51

2.8.3 TEORIA ADOTADA PELO BRASIL ...................................................................... 52

2.9 POSIÇÃO HIERARQUICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO INTERNO ............................................................................................................. 53

2.9.1 TRATADOS COM VALOR LEGAL ........................................................................ 53

2.9.2 TRATADOS COM VALOR SUPRALEGAL ............................................................. 55

2.9.3 TRATADOS COM VALOR CONSTITUCIONAL ........................................................ 58

2.9.4 TRATADOS COM VALOR SUPRACONSTITUCIONAL .............................................. 60

2.10 EXTINÇÃO DOS TRATADOS ..................................................................... 61

CAPÍTULO 3 ............................................................................................... 63

DEPOSITÁRIO INFIEL ................................................................................ 63

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA............................................................. 63

3.2 CONCEITUAÇÃO E TIPOS DE DEPÓSITO .................................................. 64

3.2.1 DEPÓSITO CONTRATUAL ................................................................................ 65

3.2.2 DEPÓSITO JUDICIAL ....................................................................................... 66

3.3 CONCEITUAÇÃO DE DEPOSITÁRIO E DE DEPOSITÁRIO INFIEL ........... 68

3.4 PRISÃO CIVIL ............................................................................................... 69

3.5 JURISPRUDÊNCIA ....................................................................................... 70

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................ 77

REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS .................................................... 79

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RESUMO

A presente Monografia tem como objeto um estudo sobre os

tratados internacionais de proteção aos direitos humanos e a sua incorporação,

hierarquia, aplicação e impacto no ordenamento jurídico brasileiro. Desenvolvido no

âmbito do direito internacional, mas com particularidade no direito civil e processo

civil. Para o alcance dos resultados utilizou-se essencialmente as técnicas a

pesquisa bibliográfico, onde se procurou fundamentar com vasta literatura cada uma

das categorias de analise que sustentaram o presente estudo.O primeiro capítulo faz

uma abordam sobre os direitos humanos, seu conceito, bem como seu processo

evolutivo nacional e internacional. No segundo capítulo, abordam-se os tratados

internacionais, com descrição dos antecedentes históricos; aspectos conceituais;

terminológicos; convenção de Viena sobre o direito dos tratados; condição de

validade; processo de formação; a incorporação e a introdução no direito interno. Já

o terceiro capítulo abordou o tema do depositário infiel onde se discorreu sobre a

contextualização histórica; o conceito de depositário e depositário infiel, as

modalidades de depósito, os fundamentos para a prisão civil e os entendimentos

jurisprudenciais acerca do tema. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com

as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos

destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões

sobre o tema.

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INTRODUÇÃO

A presente Monografia tem como objeto a realização de um

estudo sobre a aplicação de tratados internacionais de direitos humanos no

ordenamento jurídico brasileiro e a sua aplicabilidade quanto a decisão da prisão

civil no caso do depositário infiel.

Os objetivos estão assim delineados:

- Discorrer sobre as bases conceituais e os fundamentos legais

dos Direitos Humanos, em seu processo evolutivo histórico, perpassando pelas

constituições brasileiras;

- Levantar na literatura os aspectos conceituais, terminológicos

e a formação dos tratados internacionais;

- Verificar os procedimentos para a incorporação e introdução

dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro, discutindo sua

posição hierárquica referenciada no entendimento jurisprudencial, considerando

sobretudo os tratados que se referem aos direitos humanos;

- Realizar um estudo teórico sobre o depositário infiel e as leis

e jurisprudências que regem este instituto jurídico;

- Discutir e analisar os conteúdos estudados sobre os direitos

humanos, o tratado internacional dos direitos humanos, a constituição de 1988 e a

licitude da prisão civil do depositário infiel;

Para tanto, principia–se o Capítulo 1 tratando de Direitos

Humanos, o qual aborda o conceito; o processo histórico nacional e internacional; a

classificação e características pertinentes ao tema central do capítulo.

Apresentou-se no Capítulo 2, os tratados internacionais. Neste,

privilegiou-se pela descrição dos antecedentes históricos; aspectos conceituais e

terminológicos; convenção de Viena sobre o direito dos tratados; condição de

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validade; processo de formação; a incorporação e a introdução no direito interno e a

posição hierárquica dos tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro.

O Capítulo 3 abordou o tema do depositário infiel, no qual se

discorreu sobre a contextualização histórica; conceito de depositário e as

modalidades de depósito, fundamentos para a prisão civil e os entendimentos

jurisprudenciais acerca do tema.

Por último, nas considerações finais, realizou-se uma

discussão e análise critica concernente aos temas estudados nos capítulos

anteriores e a licitude da prisão civil do depositário infiel, seguidos da estimulação à

continuidade dos estudos e das reflexões sobre o assunto em tela.

Para a presente monografia foram levantadas as seguintes

hipóteses:

- Como ocorreu o desenvolvimento histórico dos fundamentos

legais dos Direitos Humanos Internacionais, e sua inserção nas Constituições

Brasileiras?

- Quais os procedimentos para a incorporação e introdução dos

tratados internacionais e sua posição hierárquica no ordenamento jurídico brasileiro?

- O que é o depositário infiel e quais as leis e jurisprudências

que regem este instituto jurídico? É lícita a sua prisão?

Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de

Investigação4 foi utilizado o Método Indutivo5, na Fase de Tratamento de Dados o

Método Cartesiano6, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia

é composto na base lógica Indutiva.

4 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.

5 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86.

6 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22-

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Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas

do Referente7, da Categoria8, do Conceito Operacional9 e da Pesquisa

Bibliográfica10.

26.

7 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.

8 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.

9 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37.

10 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.

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CAPÍTULO 1

DIREITOS HUMANOS

1.1 CONCEITO

A expressão Direitos Humanos já diz, nitidamente, o que esta

significa. Direitos Humanos são os direitos do homem. São os direitos que visam

abrigar os valores mais valiosos da pessoa humana, ou seja, os direitos que visam

resguardar a igualdade, a liberdade e principalmente a dignidade da pessoa

humana.

Entretanto, apesar de facilmente identificado, a construção de

um conceito que o defina é de extrema dificuldade, em razão da amplitude deste

tema. Neste sentido, Henkin11 (apud PIOVESAN) esclarece:

Direitos humanos constituem um termo de uso comum, mas não categoricamente definido. Esses direitos são concebidos de forma a incluir aquelas reivindicações morais e políticas que, no consenso contemporâneo todo ser humano tem ou deve ter perante sua sociedade ou governo; reivindicações estas reconhecidas como de direito e não apenas por amor, graça ou caridade.

Sob essa ótica, entende-se que o conceito de direitos humanos

está em constante evolução, juntamente com o desenvolvimento histórico, político e

social de cada país ou sociedade. Contudo, este conceito terá sempre em sua

essência, atender aos direitos fundamentais da pessoa humana, visto ser este

direito inerente à própria existência do ser humano.

Herkenhoff12 entende que os direitos humanos são

modernamente entendidos como aqueles direitos fundamentais que o homem possui

pela sua natureza humana.

11

HENKIN, Louis. The rights of man today. New York: Columbia Univertisy Press. 1988, p. 1-3. In:PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5. ed. São Paulo: Max Limonad. 2002, p. 31.

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15

Neste sentido, Dorella13 ensina que:

Os Direitos Fundamentais do ser humano, tendo como sinônimo a expressão Direitos Humanos, compõem-se dos Direitos Individuais fundamentais (vida, liberdade, igualdade, propriedade, segurança); dos Direitos Sociais (trabalho, saúde, educação, lazer e outros); dos Direitos Econômicos (consumidor, pleno emprego, meio ambiente); e dos Direitos Políticos (formas de realização da soberania popular).

Frise-se, portanto, que os direitos humanos estão

intrinsecamente ligados aos direitos fundamentais da pessoa humana, uma vez que

são conceitos inseparáveis, dependentes em sua essência e necessários na

condução da vida do ser humano, cujo respeito é indispensável para a sobrevivência

do indivíduo em condições dignas e compatíveis com sua natureza.

Entretanto, cabe destacar, que apesar de intimamente ligados,

e de serem comumente utilizados como sinônimos, o conceito de direitos humanos e

de direitos fundamentais, não devem se confundir, pois apesar de nos dois casos

terem como destinatário a proteção da pessoa humana, há uma distinção essencial

entre esses dois conceitos, conforme destaca Sarlet14:

O termo „direitos fundamentais‟ se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão „direitos humanos‟ guarda relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional).

Desta feita, entende-se que a expressão „direitos humanos‟,

também conhecida por „direitos humanos fundamentais‟, é muito mais ampla, pois

reconhece o direito do homem no âmbito internacional, positivadas através de

declarações, convenções, pactos entre outros instrumentos, enquanto os direitos

12

HERKENHOFF, João Baptista. Curso de direitos humanos: gênese dos direitos humanos. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1994, p. 30.

13 DORELLA, Paulo Junqueira. Os direitos políticos nas constituições brasileiras.

http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1502. Acesso em 17/04 /2010.

14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 6. ed. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2006, p. 35 e 36.

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16

fundamentais são o reconhecimento dos direitos do homem no direito interno de

cada Estado.

Corroborando Luño15 (apud PIOVESAN) assevera que os

direitos humanos surgem como um conjunto de instituições que, em cada momento

histórico, concretizam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas,

as quais devem ser reconhecidas e positivadas pelos ordenamentos jurídicos, tanto

no âmbito nacional, quanto na esfera internacional.

Bobbio16 ensina que os direitos humanos nascem dos direitos

naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares (quando

cada Constituição incorpora declarações de Direitos) para finalmente encontrar

plena realização como direitos positivos universais.

Assim, é imperioso destacar a importância do reconhecimento

e da positivação dos direitos do homem no âmbito internacional, uma vez que

consiste na concretização da plena eficácia dos direitos humanos, por meio de

normas tuteladoras dos bens primordiais a vida, bem como ressaltar a necessidade

da previsão dos direitos fundamentais em todas as Constituições, no sentido de

consagrar o respeito à dignidade humana e limitar a ação do Estado contra

eventuais ilegalidades e arbitrariedades.

1.2 HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO MUNDO

A origem dos direitos individuais do homem pode ser apontada

desde o antigo Egito e Mesopotâmia, no terceiro milênio a.C, na qual já eram

previstos alguns mecanismos para proteção individual em relação ao Estado. No

entanto, tem-se conhecimento que apenas com o Código de Hammurabi, em 1690

a.C, é que ocorreu a primeira codificação que consagrou um rol de direitos comuns a

15

LUÑO, Antonio Enrique Pérez. Derechos humanos, estado de derecho y constituicion. 4. ed. Madri: Tecnos. 1991, p. 48. In: PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 5. ed. São Paulo: Max Limonad. 2002, p. 31.

16 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus. 1992. p. 30.

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17

todos os homens, tais como a vida, a propriedade a dignidade, a honra, prevendo a

superioridade das leis em relação aos governantes17.

A cultura grega, também estabeleceu diversos estudos

preconizando a necessidade de igualdade e liberdade, destacando as previsões de

participação política do cidadão.

Morais18 coloca ainda que foi o direito romano que estabeleceu

um complexo de mecanismos visando a resguardar os direitos individuais em

relação aos arbítrios estatais, onde se destaca a Lei das Doze Tábuas como a

origem dos textos escritos consagradores da liberdade, da propriedade e da

proteção aos direitos do cidadão

Posteriormente, as concepções religiosas trazidas pelo

Cristianismo, contribuíram para consagração através do tempo, dos direitos

humanos, principalmente enraizando a concepção dos princípios de igualdade e da

dignidade da pessoa humana19.

Na Inglaterra, em 1215, João Sem-Terra outorgou a “Magna

Charta Libertatum”, uma das mais importantes declarações dos direitos

fundamentais da pessoa humana, que trouxe princípios que norteiam, até hoje, as

relações de direito, entre eles: o direito de ir e vir, o direito ao devido processo legal,

a pena proporcional ao delito, o livre acesso a justiça, entre muitas outras garantias

fundamentais20.

Na seqüência, neste mesmo país, houve uma sucessão de

atos que fortaleceram o progresso dos direitos humanos, como o surgimento da

Petition of right em 1628, documento que também fazia referência a aspectos

importantes aos direitos fundamentais, como de que nenhum homem seria preso ou

detido ilegalmente. Em 1679 o Habeas Corpus, até então existente apenas na

Common Law, foi regulamentado como medida apta a corrigir o cerceamento da

liberdade física. A Bill of Rights, também conhecida como declaração de direitos de

17

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais.6ª ed. São Paulo: Atlas. 2005, p. 06.

18 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p. 07.

19 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva,

2005. p 12. 20

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. p 12.

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18

1689, trouxe uma maior limitação ao poder estatal, regulamentando o direito de

petição, a liberdade de eleição dos membros do parlamento e ainda a vedação à

aplicação de penas cruéis. E por fim, o Act of Settlement de 1701, que configurou

um ato normativo que garantiu a independência e autonomia dos órgãos

jurisdicionais, colocando-os acima da libre vontade da coroa, enaltecendo o respeito

ao princípio da legalidade21.

Para Moraes22 os Estados Unidos da América também

contribuiu para o desenvolvimento dos direitos do homem, onde se podem citar

documentos como a Declaração dos Direitos de Virgínia em 1776, que proclamou os

direitos à vida, à Liberdade e à propriedade, bem como sedimentou os princípios

basilares da ampla defesa e do devido processo legal. Ainda em 1776 a Declaração

de Independência dos Estados Unidos da América teve como espoco a limitação do

poder estatal. E em 1787 a aprovação da primeira e única Constituição dos Estados

Unidos da América, trouxe o direito a liberdade religiosa, a inviolabilidade de

domicílio, o direito ao devido processo legal, entre outros direitos humanos

fundamentais.

O mesmo autor complementa que diversos países passaram a

elencar os direitos fundamentais em suas Constituições, como a constituição

Francesa, Espanhola, Portuguesa, Belga e diversas outras que se preocuparam com

a importância de positivar no direito interno os direitos fundamentais do ser humano.

Todavia, necessário se faz destacar, que apesar de positivadas

no direito interno de muitos países, o respeito a essas normas nunca foram

totalmente reais, posto que não haviam órgãos que de fato fiscalizassem a

efetividade da proteção destes direitos. Consoante a lição de Herkenhoff23

(...) a simples técnica de estabelecer em constituições e leis, a limitação do poder, embora importante, não assegura, por si só o respeito aos Direitos Humanos. Assistimos em épocas passadas e estamos assistindo, nos dias de hoje, ao desrespeito dos Direitos Humanos em países onde eles são legal e constitucionalmente garantidos. Mesmo em países de longa estabilidade política e

21

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2005. 22

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 6ª ed. São Paulo: Atlas. 2005, p. 08.

23 HERKENHOFF, João Baptista. Curso de direitos humanos: gênese dos direitos humanos. p. 52

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19

tradição jurídica, os Direitos Humanos são, em diversas situações concretas, rasgados e vilipendiados.

No mesmo sentido, Bobbio24 acrescenta que “o maior problema

dos direitos humanos não é mais fundamentá-los e sim protegê-los”.

1.2.1 Direitos humanos após o fim da segunda guerra mundial

Com o término da segunda Guerra Mundial, com as

barbaridades cometidas pelo nazismo contra os judeus, o mundo voltou

decisivamente seus olhos para os direitos da pessoa humana, quando tais direitos

assumiram proporções internacionais, para não só o uso interno, mas principalmente

externo, com as diversas declarações, conferências, pactos e convenções que

passaram a ser respeitados pelos países signatários, chegando à previsão de

ingerência externa em casos extremos25.

Em 1945 foi criada a Organização das Nações Unidas (ONU),

a maior organização internacional, atualmente formada por 192 Estados soberanos,

com intuito de “manter a paz e a segurança no mundo, fomentar relações cordiais

entre as nações, promover progresso social, melhores padrões de vida e direitos

humanos”26.

Neste mesmo ano, após o término da Conferência das Nações

Unidas sobre Organização Internacional, a Carta das Nações Unidas foi assinada

em San Francisco, nos Estados Unidos da América, configurando um dos principais

documentos dedicados à proteção dos direitos humanos, elaborado no último

século, demonstrando a preocupação dos seus Estados-membros com a proteção

ao respeito dos direitos fundamentais do ser humano, conforme se observa no

preâmbulo da carta27:

24

BOBBIO. A era dos direitos. p. 25.

25 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9ª ed. São Paulo:

Atlas, 2008. 26

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Conheça a ONU. Retirado de http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php Acesso em 21/04/2010. 27 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Carta da ONU Retirado de http://www.onu-

brasil.org.br/documentos_carta.php Acesso em 21/04/2010.

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20

NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS

a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra,que por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla.

E PARA TAIS FINS,

praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos.

Importante salientar, que apesar da Carta das Nações Unidas

apontarem apenas recomendações aos países membros em caso de alguma

violação dos direitos humanos, elas têm uma grande importância não somente moral

e ética, mas pelo fato de representarem à voz e a opinião pública de quase todos os

países no mundo. Além disso, em caso de não implementar uma decisão das

Nações Unidas, o assunto poderá ser levado ao Tribunal Internacional de Justiça

para seu parecer, podendo até mesmo ser impostas sanções de cunho econômico

ou de outro tipo ao Estado infrator, conforme lição extraída do capítulo VII da

referida Carta28.

Em seguida em 1948, em Paris na França, foi aprovada pelas

Nações Unidas a Declaração dos Direitos Humanos, onde nela é enumerada um rol

de direitos que todos os seres humanos possuem. Composta de 30 (trinta) artigos a

Declaração demonstrava logo em seu preâmbulo, a grande preocupação com a

necessidade do reconhecimento e respeito dos direitos da pessoa humana,

conforme se verifica nas colocações a seguir29:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no

28 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Carta da ONU Retirado de http://www.onu-

brasil.org.br/documentos_carta.php Acesso em 21/04/2010. 29

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. Declaração dos direitos humanos. Retirado de

http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php Acesso em 21/04/2010.

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21

mundo, Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os todos gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do ser humano comum, Considerando ser essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo império da lei, para que o ser humano não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, Considerando ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, Considerando que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta da ONU, sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano e na igualdade de direitos entre homens e mulheres, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, Considerando que os Estados-Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades humanas fundamentais e a observância desses direitos e liberdades, Considerando que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso, agora portanto,

A Assembléia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Direitos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universal e efetiva, tanto entre os povos dos próprios Estados-Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.

Após este marco histórico, várias outras declarações,

proclamações, pactos e convenções ocorreram no intuito de criar mecanismos mais

específicos de proteção aos direitos humanos. A guisa de exemplo, pode-se citar o

seguinte rol de tratados internacionais ratificados pelo Brasil: Em 21 de dezembro de

1965 a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de discriminação racial;

Em 16 de dezembro de 1966 o Pacto Internacional dos Direitos econômicos, Sociais

e Culturais; Em 22 de novembro de 1969 a Convenção Americana sobre Direitos

Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica; Em 18 de

dezembro de 1979 a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de

discriminação Contra a Mulher; Em 10 de dezembro de 1984 a Convenção contra a

Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis; Desumanas ou Degradantes, Em 09

de dezembro de 1985 a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura;

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22

Em 20 de novembro de 1989 a Convenção sobre os Direitos da Criança; E ainda em

6 de junho de 1994 a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a

Violência Contra Mulher30.

Diante do exposto, verifica-se que anteriormente a criação da

ONU, havia apenas uma preocupação em positivar no direito interno de cada país

um rol de direitos fundamentais do ser humano, contudo a violação desses direitos

ainda era concebida como um problema interno de cada Estado.

Porém, após o fim da segunda guerra mundial e com a criação

da ONU, esses problemas passaram a ter uma relevância internacional, como

legítima preocupação da comunidade internacional. Assim, houve a necessidade de

uma ação mais eficaz para a proteção dos direitos humanos, a qual impulsionou o

processo de internacionalização desses direitos, culminando com a criação de uma

proteção normativa destes direitos, fazendo possível até mesmo, a

responsabilização de um Estado no domínio internacional, em caso de falha ou

omissão na proteção dos direitos humanos31.

1.3 HISTÓRIA DOS DIREITOS HUMANOS NO BRASIL

A Constituição é a norma fundamental de organização do

Estado e de seu povo, e tem como objetivo primordial estruturar e delimitar o poder

político do Estado e garantir direitos fundamentais ao povo32.

A história dos direitos humanos no Brasil está intimamente

ligada com a história das Constituições Brasileiras. Neste sentido, a analise ora

apresentada está relacionada com a construção histórica dos direitos humanos em

cada uma das Constituições brasileira.

30

MORAES, Alexandre de Moraes. Direitos humanos fundamentais. p. 20.

31 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 9 ed. São Paulo:

Atlas. 2008. P. 119.

32 COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, p 15

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23

1.3.1 Direitos humanos e a Constituição de 1824

A primeira Constituição brasileira foi promulgada em 25 de

março de 1824, após a proclamação da independência do Brasil em 1822, ainda no

Brasil Império. Dentre todas, até hoje, foi o que durou mais tempo, tendo sofrido

influência da Constituição Francesa de 181433.

Esta Constituição já trouxe em seu Título 8º, denominado “Das

Disposições Geraes, e Garantias dos Direitos Civis, e Políticos dos Cidadãos

Brazileiros” a previsão de alguns direitos fundamentais34.

Entre os principais elencados no art. 179 da referida

constituição, pode-se citar: a liberdade de expressão e religiosa; a liberdade de ir e

vir; a casa como asilo inviolável; a proibição de prisão sem culpa formada; o

princípio do juiz natural; da legalidade e da isonomia; além da abolição dos açoites,

tortura, marca de ferro quente, e todas demais penas cruéis; a garantia de cadeias

seguras, limpas e bem arejadas e; ainda, o direito a propriedade, de trabalho, de

petição, entre outros direitos fundamentais, demonstrando a preocupação que o país

já possuía em positivar os direitos humanos no direito interno brasileiro35.

1.3.2 Direitos humanos e a Constituição de 1891

A segunda Constituição brasileira, sendo a primeira

Constituição da República do Brasil, foi elaborada em 1890 e promulgada em 24 de

fevereiro de 1891, sofrendo uma pequena reforma no ano de 1926 e vigorando até

1930.

Esta Constituição Republicana trouxe novamente um rol de

direitos humanos fundamentais, onde manteve os direitos já consagrados na antiga

Constituição e os ampliou, elencando novos direitos, dentre os principais pode-se

destacar: a gratuidade do casamento civil; o direito de reunião e associação; a

33

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 51.

34 O texto transcrito literalmente apresenta o português da época.

35 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição

política do império do Brazil (de 25 de março de 1824). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em 29/04/2010.

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24

ampla defesa; a abolição de pena de morte; a instituição do Habeas Corpus; o

direito de propriedade intelectual e propriedade de marcas; e a instituição do tribunal

do Júri; conforme lição do art. 72 da aludida Constituição36.

1.3.3 Direitos humanos e a Constituição de 1934

A terceira Constituição brasileira foi promulgada em 1934, após

a revolução de 1930 que instituiu um governo provisório e levou Getúlio Vargas ao

poder. Neste período, houve um grande progresso para os direitos fundamentais, no

Brasil, quando Getúlio Vargas decretou o Código Eleitoral, que adotou o voto

feminino e o sufrágio universal, direto e secreto.37.

Como as duas Constituições anteriores, a de 1934 manteve um

capítulo tratando dos direitos e garantias individuais, onde o art. 113 inovou nos

seguintes aspectos: reconhecimento do direito adquirido, do ato jurídico perfeito e da

coisa julgada, a irretroatividade da lei penal, a proibição de pena perpétua e a

criação da assistência jurídica gratuita. Além disso, houve pela primeira vez a

previsão dos remédios constitucionais; do mandado de segurança; e da ação

popular38.

Importante ainda destacar, que o art. 113, inciso XXX da

mencionada Constituição, trouxe pela primeira vez, a vedação da prisão por dívidas,

multas ou custas.

36

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil ( De 24 De Fevereiro De 1891) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao91.htm . Acesso em 29/04/2010.

37 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 60.

38 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição

da República dos Estados Unidos do Brasil ( De 16 julho de 1934) Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constituicao34.htm. Acesso em 30/04/2010

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25

1.3.4 Direitos humanos e a Constituição de 1937

Elaborada por influência de ideais autoritários e fascistas,

instalando a ditadura, a Constituição de 1937 foi um verdadeiro retrocesso no que

tange o respeito aos direitos humanos39.

Apesar desta Constituição novamente prever um título

específico para os direitos e garantias fundamentais, pode-se observar que a

legislação estabelecia limites a esses direitos elencados, conforme se observa os

artigos40 a seguir (grifo do autor):

9) a liberdade de associação, desde que os seus fins não sejam contrários à lei penal e aos bons costumes;

10) todos têm direito de reunir-se pacificamente e sem armas. As reuniões a céu aberto podem ser submetidas à formalidade de declaração, podendo ser interditadas em caso de perigo imediato para a segurança pública;

11) à exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão depois de pronúncia do indiciado, salvo os casos determinados em lei e mediante ordem escrita da autoridade competente. Ninguém poderá ser conservado em prisão sem culpa formada, senão pela autoridade competente, em virtude de lei e na forma por ela regulada; a instrução criminal será contraditória, asseguradas antes e depois da formação da culpa as necessárias garantias de defesa;

15) todo cidadão tem o direito de manifestar o seu pensamento, oralmente, ou por escrito, impresso ou por imagens, mediante as condições e nos limites prescritos em lei. A lei pode prescrever:

a) com o fim de garantir a paz, a ordem e a segurança pública, a censura prévia da imprensa, do teatro, do cinematógrafo, da radiodifusão, facultando à autoridade competente proibir a circulação, a difusão ou a representação;

Outrossim, Lenza41 destaca que “(...) não houve a previsão do

mandado de segurança e da ação popular, não se tratou dos princípios da

39

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 64.

40 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição

da República dos Estados Unidos do Brasil ( De 10 de novembro de 1937) Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao37.htm. Acesso em 30/04/2010.

41 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 66.

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26

irretroatividade das leis e da reserva legal, além de restringir o direito de

manifestação de pensamento”.

Diante das colocações precedentes, pode-se dizer que esta, foi

uma Constituição que não acrescentou para o desenvolvimento dos direitos

humanos, ao contrário, retrocedeu em alguns direitos alcançados anteriormente.

1.3.5 Direitos humanos e a Constituição de 1946

Ainda sob forte influência do pós-guerra, em 18 de setembro de

1946 foi promulgada uma nova Constituição, que restaurou os direitos e garantias

suprimidas com a Constituição de 1937, ampliando-as com referência a de 1934.

Esta Constituição estabeleceu em seu art. 157 diversos direitos

sociais relativos aos trabalhadores e empregados, dentre os principais pode-se

mencionar: salário mínimo capaz de atender às necessidades básicas do

trabalhador e de sua família; a proibição de diferença de salário para um mesmo

trabalho por motivo de idade, sexo, nacionalidade ou estado civil; o direito a

participação do trabalhador nos lucros da empresa; a criação da justiça do trabalho;

e várias outras conquistas trabalhistas42.

Outrossim, a aludida carta Magna inovou com um capítulo

especialmente dedicado à educação e a cultura, além de prever a soberania dos

veredictos do tribunal do júri e o livre acesso ao judiciário.

Mister se faz ressaltar, que o art. 141, § 32 restabeleceu a

proibição da prisão civil, não proibida expressamente na Constituição de 1937,

excetuando-se porém, os casos de inadimplemento de obrigação alimentar e do

depositário infiel.

42

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil (De 18 de setembro de 1947). Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm. Acesso em 30/04/2010.

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27

1.3.6 Direitos humanos e a Constituição de 1967

Promulgada em 24 de janeiro de 1967, durante o regime

militar, a Constituição de 1967 retirou alguns importantes direitos individuais, à

medida que instituiu a censura; limitou o direito às reuniões; estabeleceu foro militar

para os civis, restringiu a liberdade de expressão e a greve, entre outras a restrições

efetuadas43.

Em contrapartida, esta Constituição inovou ao prever o sigilo

das comunicações telefônicas e telegráficas; o respeito à integridade física e moral

do detento e do presidiário; a punição pelo preconceito racial; e ainda, fez a previsão

da competência do tribunal do júri para julgar crimes contra a vida.

Em 1969 houve a emenda constitucional n. 1 que conforme

ensina Moraes44 “(...) produziu inúmeras e profundas mudanças na Constituição,

inclusive em relação a excepcionais restrições aos direitos e garantias individuais”.

Nesta Constituição foi mantida a proibição da prisão civil por

dívidas, excetuando os casos de inadimplemento de pensão alimentícia e do

depositário infiel, conforme lição que se extrai do art. 150 § 1745.

1.3.7 Direitos humanos e a Constituição de 1988

A Carta Magna de 1988 foi um marco na democratização do

país, aumentando significativamente os direitos e garantias fundamentais e se

colocando como uma das Constituições mais desenvolvidas no mundo no que diz

respeito a este assunto.

Corroborando com este entendimento Mazzuoli46 destaca a

importância da inserção da dignidade da pessoa humana como princípio

43

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13 ed. São Paulo: Saraiva. 2009. p. 51.

44 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. p 35.

45 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição

da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/Constitui%C3%A7ao46.htm. Acesso em 30/04/2010.

46 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais.

São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 2002, p. 233.

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28

fundamental na qual todo o ordenamento jurídico brasileiro fica subordinado, assim

descrito:

A Constituição de 1988 foi um marco fundamental para o processo da institucionalização dos direitos humanos no Brasil. Erigindo a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental, pelo qual a República Federativa do Brasil deve se reger no cenário internacional, instituiu a Carta de 1988 um novo valor que confere suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro e que deve ser sempre levado em conta quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes no ordenamento jurídico pátrio.

A atual Constituição trouxe um amplo e extensivo rol de direitos

e garantias fundamentais em seu título II, subdividindo este em cinco capítulos,

quais sejam: os direitos individuais e coletivos, que consiste nos direitos diretamente

ligados ao conceito de pessoa humana e de sua personalidade, tais como a vida, a

honra e liberdade entre outros. Os direitos sociais, que são aqueles necessários

para sobrevivência do ser humano, como o direito à educação, saúde, trabalho,

alimentação e etc. A nacionalidade, que é um vínculo que liga um indivíduo a um

determinado Estado, fazendo este indivíduo componente do povo. Os direitos

políticos que permitem a participação do cidadão nos negócios políticos do Estado,

conferindo a este os atributos da cidadania. E por fim, os direitos relacionados a

existência, organização e participação em partidos políticos, que regulamentou os

partidos políticos como instrumento necessário para preservação do Estado

Democrático de Direito47.

Outro grande avanço da atual Constituição foi que esta ampliou

os direitos e garantias expressas em seu corpo, estendendo-os, pela primeira vez,

aos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, conforme lição do art. 5, § 2º

da CF/8848:

§ 2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

47

MORAES, Alexandre. Direitos fundamentais. p. 25.

48 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm. Acesso em 30/04/2010.

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29

Esta inovação referente aos tratados internacionais, além de

ampliar a estrutura de proteção da dignidade da pessoa humana, também reforçou e

engrandeceu o princípio da prevalência dos direitos humanos, consagrado pela atual

Constituição, como um dos princípios pela qual o país se rege não somente no

âmbito nacional, mas nas suas relações perante o cenário internacional49.

Em virtude do que foi mencionado entende-se que a Carta

vigente consagra os direitos humanos em sua globalidade, procurando ser eficaz na

proteção aos direitos humanos.

Contudo, apesar de todos os avanços citados, deve-se

ressaltar que à atual Carta manteve-se inalterada em relação à prisão civil do

depositário infiel, sendo que este tema será melhor abordado nos capítulos

posteriores.

1.4 CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

A doutrina majoritária costuma dividir os direitos humanos

fundamentais em gerações ou dimensões, como características próprias dos

momentos históricos que inspiraram a sua criação50.

Atualmente, conforme entendimento soberano os direitos

humanos são classificados como de primeira, segunda e terceira geração. Todavia,

há autores que defendem a classificação de uma quarta e quinta geração.

Nesta esteira, Bonavides51 sustenta que os direitos de quarta

geração, “são os resultados da globalização dos direitos fundamentais, no sentindo

de uma universalização no plano institucional. (...) são os direitos à democracia, o

direito a informação, e o direito ao pluralismo”. Já Bobbio52 destaca que há novas

exigências que só poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, “referentes

49

MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p. 234.

50 MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p.

209.

51 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. p. 524

52 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. p. 6.

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aos efeitos cada vez mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá

manipulações do patrimônio genético de cada indivíduo”.

No entanto, os direitos de quarta geração, ainda aguardam sua

consagração tanto na esfera constitucional, como no âmbito internacional.

Com referência aos direitos humanos de quinta geração, ainda

defendido por poucos, são considerados aqueles que “reúnem os direitos da

realidade virtual, da informática e da internet” conforme observa Baruffi53.

Importante salientar, que nem todos os autores aderem esta

classificação, a exemplo o Professor e Juiz da Corte Interamericana de Direitos

Humanos, Antônio Augusto Cançado Trindade que critica esta categorização por

entender que a classificação dos direitos humanos em gerações de direitos é

incompatível com a teoria da indivisibilidade dos direitos, destacando que o próprio

direito a vida é de primeira, segunda, terceira e de todas as gerações.54

Porém, para o presente estudo considerar-se-á o entendimento

pacificado, classificando os direitos humanos em três gerações.

1.4.1 Direitos humanos de primeira geração

Os direitos humanos de primeira geração encontram suas

origens principalmente na doutrina iluminista e jusnaturalista dos séculos XVII e

XVIII, com a participação de nomes como Hobbes, Locke, Rousseau e Kant, que

marcaram o início da positivação das reivindicações burguesas nas primeiras

Constituições escritas do mundo ocidental55.

53

BARUFFI, Helder. Direitos humanos e educação: uma aproximação necessária. Revista Jurídica UNIGRAN. Dourados, MS, Jan./Jun. 2006, p. 06, v. 8 n. 15. 54

LIMA, George Marmelstein. Críticas à teoria das gerações (ou mesmo dimensões) dos direitos fundamentais. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4666. Acesso em 02/05/2010.

55 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 56..

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31

Conforme sustenta Lenza56, os direitos humanos de primeira

geração “(...) dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja,

direitos civis e políticos a traduzirem o valor de liberdade”

No mesmo sentido, Bonavides57 (apud Mazzuoli) explica os

direitos de primeira geração colocando:

São os direitos da liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional, a saber, os direitos civis e políticos, que em grande parte correspondem por um prisma histórico, àquela fase inaugural do constitucionalismo do Ocidente. (...) Os direitos de primeira geração ou direitos da liberdade têm por titular o indivíduo, são oponíveis ao Estado, traduzem-se como faculdades ou atributos da pessoa e ostentam uma subjetividade que é seu traço mais característicos; enfim, são direitos de resistência ou oposição perante o Estado.

Nesta perspectiva, entendem-se os direitos de primeira

geração como aqueles que se referem à individualidade das pessoas, tais como,

liberdades físicas, de expressão, de consciência, de direito de propriedade, de

garantias de direitos, etc.

1.4.2 Direitos humanos de segunda geração

Na lição de Sarlet58, os graves problemas sociais e econômicos

gerados pelo processo de industrialização, bem como a constatação de que a

consagração da liberdade e igualdade não gerava garantia de seu efetivo gozo,

acabaram por gerar movimentos reivindicatórios para o reconhecimento dos

chamados direitos humanos de segunda geração.

Calvancanti59 (apud Moraes) acrescenta:

O começo do nosso século viu a inclusão de uma nova categoria de direitos nas declarações e, ainda mais recentemente, nos princípios

56

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 670.

57 BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 10. Ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 516 -

525. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p. 209.

58 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 56.

59 CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Princípios gerais de direito público. 3. ed. Rio de Janeiro:

Borsoi, 1966, p. 202. In: MORAES, Alexandre. Direitos fundamentais. p. 27

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garantidores da liberdade das nações e das normas de convivência internacional. Entre os direitos chamados de sociais incluem-se aqueles relacionados ao trabalho, o seguro social, a subsistência, o amparo à doença, à velhice etc.

Sendo assim, cumpre esclarecer que os direitos humanos de

segunda geração privilegiam os direitos sociais, culturais e econômicos,

correspondendo aos direitos de igualdade. Não se reporta a liberdade do indivíduo

perante o Estado, mas sim, liberdade por intermédio do Estado.

Sarlet60 assegura que os direitos de segunda geração são

aqueles que “outorgam ao indivíduo uma prestação social estatal” tais como, saúde,

educação, trabalho, etc.

1.4.3 Direitos humanos de terceira geração

Com o constante crescimento da comunidade internacional,

novos problemas e preocupações surgiram, trazendo com estas inquietações, os

chamados direitos humanos de terceira geração.

Estes direitos privilegiam os direitos de solidariedade e

fraternidade, tendo como destinatário à proteção de grupos humanos, como a

família, o povo, a nação, e por isto, são classificados como direitos de titularidade

coletiva e difusa61.

Consoante a lição de Sarlet62:

Dentre os direitos fundamentais de terceira dimensão consensualmente mais citados, cumpre referir os direitos à paz, à autodeterminação dos povos, ao desenvolvimento, ao meio ambiente e qualidade de vida, bem como o direito à conservação e utilização do patrimônio histórico e cultural e o direito de comunicação.

Contudo Bobbio63 pondera que estes direitos englobam uma

categoria excessivamente heterogênea e vaga, destacando como ponto positivo, os

60

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 57.

61 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. p. 27.

62 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. p. 58.

63 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. p. 6.

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movimentos ecológicos, que abrigam o direito de viver em um ambiente não poluído.

Frise-se ainda, que a maior parte destes direitos fundamentais de terceira geração

ainda não encontraram seu reconhecimento no âmbito do direito constitucional,

estando, no entanto, em fase de consagração no direito internacional, através de

inúmeros tratados e convenções.

Em suma, os direitos de primeira geração seriam a dos direitos

de liberdade, de segunda geração os direitos de igualdade e de terceira geração o

lema da revolução francesa: liberdade, igualdade e fraternidade, conforme observa

Ferreira Filho64.

1.5 CARACTERÍSTICAS DOS DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos possuem características próprias e

inseparáveis pela sua própria concepção o qual lhe confere poder no âmbito de sua

atuação. Neste sentido Baruffi65 acrescenta:

Em relação aos princípios estruturais dos direitos humanos, eles são de duas espécies: a irrevogabilidade e a complementaridade solidária. O principio da complementaridade solidária dos direitos humanos de qualquer espécie foi proclamado solenemente pela Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em Viena em 1993, nos seguintes termos: todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar dos direitos humanos globalmente, de modo justo e eqüitativo, com o mesmo fundamento e a mesma ênfase. Levando em conta a importância das particularidades nacionais e regionais, bem como os diferentes elementos de base históricos, culturais e religiosos, é dever dos Estados, independentemente de seus sistemas políticos, econômicos e culturais, promover e proteger todos os direitos humanos e as liberdades fundamentais.

Assim, seguindo posições doutrinárias, as principais

características atribuídas aos Direitos Humanos fundamentais são: Historicidade,

pois “possuem caráter histórico, nascendo com o Cristianismo, passando por

64

FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. São Paulo: Saraiva. 1995, p. 57.

65 BARUFFI, Helder. Direitos humanos e educação: uma aproximação necessária. Revista Jurídica

UNIGRAN. Dourados, MS, Jan./Jun. 2006, p. 06, v. 8 n. 15.

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diversas revoluções e chegando aos dias atuais”66; Universalidade, vez que se

destinam a todos os seres humanos; Inalienabilidade, pois são direitos

intransferíveis, inegociáveis, porque não são de conteúdo econômico patrimonial;

Imprescritibilidade, pois não se perdem pelo decurso de certo prazo;

Irrenunciabilidade, os direitos humanos fundamentais não podem ser objeto de

renúncia, pois são inerentes ao ser humano, estes direitos podem até mesmo deixar

de ser exercidos, contudo, não podem ser renunciados.67

Moraes68 corrobora com o tema e acrescenta três outras

importantes características a serem destacadas, quais sejam: a inviolabilidade,

ressaltando a impossibilidade de desrespeito dos direitos humanos por

determinações infraconstitucionais ou por atos de autoridades públicas, sob pena de

responsabilização civil, administrativa e até mesmo criminal. A efetividade, no

sentido de garantir a atuação do poder público para criar mecanismos de proteção e

efetividade dos direitos humanos já consagrados. E ainda, a complementaridade,

vez que os direitos humanos fundamentais não devem ser interpretados de forma

isolada, mas de forma conjunta, a fim de alcançar os objetivos do legislador

constituinte.

66

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 672.

67 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. p. 23.

68 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais. p. 23.

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CAPÍTULO 2

TRATADOS INTERNACIONAIS

Antes de adentrar na discussão no que tange a incorporação

dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro,

abordar-se-á também os aspectos históricos e conceituais dos tratados dentre

outros temas relevantes ao pleito.

2.1 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A história dos tratados internacionais é um tema antigo, onde

desde os primórdios da humanidade, países, povos e nações celebram acordos

entre si. Contudo tem-se conhecimento que o primeiro tratado internacional

celebrado entre duas partes, foi o que pôs fim à guerra nas terras sírias por volta de

1280 e 1272 a.C, assinado pelo rei dos Hititas, Hatusil III, e o Faraó egípcio da XIX

dinastias, Ramsés II. O referido tratado dispôs sobre a paz perpétua entre os dois

reinos, a aliança contra inimigos comuns, comércio, migrações e extradição69.

Mas, foi a partir do século XIX que houve um aumento

significativo na quantidade de tratados internacionais firmado. Isto se deu pelo fato

de reconhecer “o papel fundamental que os tratados vinham desempenhando na

história das relações internacionais, e reconhecendo a importância cada vez maior

desses instrumentos como fonte de direito internacional”70, e também pelo fato dos

Estados deixarem de ser os únicos entes promovidos de capacidade para pactuar

tratados internacionais, com o advento das organizações internacionais, após a

primeira guerra mundial71.

69

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p. 24.

70 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p.

25.

71 REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. São Paulo: Saraiva,

1998.p.12.

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Assim, com o aumento dos tratados internacionais celebrados,

onde regras costumeiras passaram e ser regras convencionais, escritas e expressas

em texto, nasceu à necessidade de codificar o Direito dos Tratados, o que ocorreu

em 23 de maio de 1969, na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados.

Conforme ensina Mazzuoli72, esta Convenção não se restringiu apenas na

codificação de regras gerais referentes aos tratados já concluídos entre Estados,

mas também, se preocupou em regular todo tipo de desenvolvimento progressivo

daquelas matérias ainda controversas.

2.2 ASPECTOS CONCEITUAIS

Segundo Rezek73 “tratado é todo acordo formal concluído entre

pessoas jurídicas de direito internacional público e destinado a produzir efeitos

jurídicos”.

Para Beviláqua (apud Mazzuoli)74 tratado internacional é:

(...) um ato jurídico, em que dois ou mais Estados concordam sobre a criação, modificação ou extinção de algum direito. (...) abrange todos os atos jurídicos bilaterais ou multilaterais do direito público internacional, que, realmente podem ser designados pela denominação geral de tratados, mas que recebem na prática e nos livros da doutrina, qualificações diversas.

Por sua vez, Mazzuoli75 define tratado como “um acordo formal

concluído entre os sujeitos de direito internacional público, regido pelo „direito da

gentes’, visando a produzir imprescindivelmente efeitos jurídicos para as partes

contratantes”.

Contudo, apesar de inúmeros conceitos definidos pelos

doutrinadores, a própria Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados,

72

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p. 26.

73 REZEK, José Francisco. Direito internacional público: curso elementar. São Paulo: Saraiva,

2010, p.14.

74 BEVILÁQUA, Clóvis. Direito público internacional: a synthese dos princípios e a contribuição do

Brasil. In: MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira. 2002, p. 28.

75 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p.

27.

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preocupou-se em estabelecer um conceito para o termo tratado internacional,

conforme exposto:

Art. 2: Tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste de um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica76.

Assim, faz-se necessário a definição dos termos empregados

neste conceito para sua melhor compreensão.

O acordo internacional é caracterizado pelo livre

consentimento nas nações, sendo a livre manifestação da vontade das partes

soberana, condição imprescindível para o acordo internacionalmente válido77.

Para que os tratados internacionais tenham real eficácia, eles

também necessitam ser celebrado por escrito, uma vez que os tratados

internacionais são acordos essencialmente formais. Mazzuoli78. Assinala ainda que

“a forma de celebração oral destoa da própria formação histórica dos tratados,

inobstante poderem existir outros atos jurídicos que assim se exprimam de maneira

válida”.

É imperioso destacar, que no conceito supra-citado a

Convenção de Viena de 1969 estabeleceu que os tratados internacionais só

poderiam ser concluídos pelos Estados, todavia atualmente nem só os Estados

detém esta prerrogativa vez que as Organizações Internacionais passaram a ter

também capacidade internacional para celebração de tratados, a partir da

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados entre Estados e Organizações

Internacionais, de 198679.

76

BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. De 26 de maio de 1969. Entrada em vigor internacional em 27 de janeiro de 1980. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm Acesso em: junho de 2010.

77 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p.

29.

78 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p.

29.

79 BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados

entre Estados e Organizações Internacionais. De 21 de março de 1986. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm. Acesso em: junho de 2010

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38

Todo tratado internacional deverá ser regido pelo direito

internacional. Todo acordo externo que não for regido pelas normas e princípios do

direito internacional não será considerado um tratado, mas sim, um contrato

internacional. Assim, para Rezek80 “nenhum acordo entre Estados pode escapar à

regência do direito internacional, ainda que, no uso do poder soberano que essa

ordem jurídica lhes conhece, os Estados pactuantes entendam de fazer remissão a

um sistema de direito interno”.

Os tratados ainda podem ser celebrados em um único

instrumento ou em dois ou mais instrumentos conexos. Isto significa que além

do texto principal do tratado, podem existir outros documentos que acompanhe o

texto principal.

E por fim, ao dispor qualquer que seja a sua denominação

específica, a Convenção de Viena deixa claro que tratado é uma expressão

genérica, onde o importante é verificar se este documento preenche os requisitos

essenciais para existência de um tratado, independentemente de sua variação

terminológica utilizada, o qual se estudará a seguir81.

2.3 ASPECTOS TERMINÓLOGICOS

Terminologicamente, vários termos são utilizados como

sinônimo de tratados, tais como: acordo, carta, convenção, pacto, protocolo entre

outros. Neste sentido, Mello82 traz com propriedade a definição destes termos

conforme segue:

Tratado: é utilizado para acordos solenes, por exemplo, tratado

de paz.

Convenção: é o tratado que cria normas gerais, por exemplo,

convenção sobre o mar territorial.

80

REZEK, João Francisco. Direito internacional público: curso elementar. p. 22.

81 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p.

30.

82 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. Rio de Janeiro:

Renovar, 2000, p. 200 – 201.

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39

Declaração: é usada para acordos que criam princípios

jurídicos ou afirmam uma atitude política comum (ex. Declaração de Paris).

Ato: estabelece regras de direito (Ato Geral de Berlim de 1885).

Pacto: foi utilizado pela primeira vez no Pacto da Liga das

Nações. É um tratado solene (Pacto de Renúncia a Guerra de 1928).

Estatuto: é empregado para os tratados coletivos geralmente

estabelecendo normas para os tribunais internacionais (Estatuto da CIJ).

Protocolo: normalmente pode ter dois significados: a) protocolo

é utilizado para designar a ata de uma conferência; b) protocolo-acordo é um

verdadeiro tratado em que são criadas normas jurídicas. É utilizado nesse caso,

como um suplemento a um acordo já existente.

Acordo: é geralmente usado para tratados de cunho

econômico, financeiro, comercial e cultural.

Compromisso: é utilizado para acordos sobre litígios que vão

ser submetidos à arbitragem.

Troca de notas: são acordos sobre matéria administrativa.

Carta: é o tratado em que se estabelecem direitos e deveres

(Carta Social Européia) é uma forma solene. Utilizado também para os instrumentos

constitutivos de organizações internacionais (Carta da ONU).

Convênio: é a palavra utilizada para tratados que versam sobre

matéria cultural ou transporte.

Diante do exposto, entende-se que apesar dos diversos termos

serem normalmente utilizados como sinônimo de „tratado‟, cada termo tem sua

correta aplicação dependendo do documento a ser redigido.

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40

2.4 CONVENÇÃO DE VIENA SOBRE O DIREITO DOS TRATADOS

Como dito anteriormente, com a crescente quantidade de

tratados internacionais celebrados, surgiu à necessidade da regulamentação do

Direito dos Tratados.

A primeira convenção a abordar este assunto deu-se por

ocasião da 6ª Conferência Internacional Americana de Havana em 1928. Essa

Convenção foi ratificada por oito países, dentre eles o Brasil. Apesar disso, a

Convenção de Havana desempenhou importante papel para destacar a necessidade

de estudos acerca do tema.

Assim, em 1949 a Comissão de Direito Internacional das

Nações Unidas iniciou seus estudos a respeito deste tema, o que culminou com a

Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, aprovada em 23 de maio de 1969,

na cidade de Viena, na Áustria, ao final de uma conferência diplomática internacional

convocada pela ONU.83

No entanto, a Convenção de Viena só entrou em vigor em 27

de janeiro de 1980, após ocorrer o trigésimo quinto depósito do instrumento de

ratificação, conforme prevê em seu art. 84, da Convenção de Viena84 a necessidade

do quorum mínimo de trinta e cinco Estados membros.

No Brasil, a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados

foi ratificada apenas em 25 de setembro de 2009, porém o Brasil já aderia o texto da

Convenção através do direito consuetudinário.

A Convenção de Viena foi um importante tratado multilateral

que teve por objetivo consolidar antigos costumes entre os povos e antigas regras

esparsas acerca da celebração de tratados. Consoante a lição de Mazzuoli85

83

FAVARO, Luciano Monti; VALADÃO, Marcos Aurélio Pereira. A convenção de Viena sobre o direito dos tratados de 1969 e o porquê de sua não ratificação pela República Federativa do Brasil: Um problema constitucional? Anais do XVII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em Brasília – DF novembro de 2008. p. 2681.

84 Art. 84: 1. A presente Convenção entrará em vigor no trigésimo dia que se seguir à data do

depósito do trigésimo quinto instrumento de ratificação ou adesão.

85 MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Direitos humanos, constituição e os tratados internacionais. p.

27.

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41

O Direito dos Tratados regula: a forma como negociam as

partes; quais os órgãos encarregados de tal negociação; qual o gênero dos textos

produzidos; a forma de assegurar autenticidade do texto; como as partes

manifestam o seu consentimento em obrigar-se pelo acordo; a forma de entrada em

vigor do compromisso firmado; quais os efeitos que tal compromisso produz sobre

os pactuantes ou sobre terceiros; e a forma de duração, alteração e término dos atos

internacionais.

Por fim, a convenção de 1969 foi complementada em 1986

pela Convenção de Viena dos Direitos dos Tratados entre Estados e Organizações

Internacionais, que passou a reconhecer a capacidade das Organizações

Internacionais de firmar tratados internacionais.

2.5 CONDIÇÃO DE VALIDADE DOS TRATADOS

Para a conclusão e entrada em vigor dos tratados

internacionais há de se considerar quatro requisitos formais, que se referem à

elaboração e incorporação dos tratados, o qual será objeto de estudo adiante, e

requisitos materiais essenciais, quais sejam: capacidade das partes, habilitação dos

agentes signatários, objeto lícito e possível e consentimento mútuo e livre86.

2.5.1 Capacidade das partes

A capacidade das partes nada mais é do que a capacidade

jurídica para celebrarem tratados internacionais. No entendimento de Silva87, inclui-

se: Os Estados soberanos; As organizações internacionais, desde que investidas

para tanto; Os beligerantes, ou seja, organizações ou movimentos de libertação,

governos no exílio; A Santa Sé.

Outros sujeitos de direito internacional que tenham

expressamente garantido esse direito, como por exemplo, Estados da Federação e

municípios, desde que obedeçam à ordem legal interna do seu país no que

concerne à autorização necessária.

86

SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey. 2008, p. 83.

87 SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. p. 83 – 4.

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42

2.5.2 Habilitação dos agentes signatários

Para que uma pessoa possa assinar um tratado internacional,

há a necessidade deste indivíduo estar imbuído de poderes de representação,

outorgado pela parte interessada.

O Art. 7, da Convenção de Viena da 1969 estabelece a

necessidade da apresentação de plenos poderes88 outorgado pelo Estado parte, ou

algo que indique ser esta a intenção do Estado.

Contudo, em razão da função que exercem, estão dispensados

da apresentação de plenos poderes representantes dos seus estados, conforme

indica ainda o Art. 7:

a) os Chefes de Estado, os Chefes de Governo e os Ministros das Relações Exteriores, para a realização de todos os atos relativos à conclusão de um tratado;

b) os Chefes de missão diplomática, para a adoção do texto de um tratado entre o Estado acreditante e o Estado junto ao qual estão acreditados;

c) os representantes acreditados pelos Estados perante uma conferência ou organização internacional ou um de seus órgãos, para a adoção do texto de um tratado em tal conferência, organização ou órgão89.

Em virtude do que foi mencionado, entende-se, portanto, que

todos os demais indivíduos que forem representar um Estado, que não os acima

descritos, deverão apresentar a carta de plenos poderes, afim de preencher

adequadamente os requisitos materiais para a validade de um tratado internacional.

88

Art. 2, alínea “c” da Convenção de Viena de 1969 esclarece que “plenos poderes” significa um documento expedido pela autoridade competente de um Estado e pelo qual são designadas uma ou várias pessoas para representar o Estado na negociação, adoção ou autenticação do texto de um tratado, para manifestar o consentimento do Estado em obrigar-se por um tratado ou para praticar qualquer outro ato relativo a um tratado (CONVENÇÃO/1969)

89 BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados.

De 26 de maio de 1969. Entrada em vigor internacional em 27 de janeiro de 1980. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm Acesso em: junho de 2010

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43

2.5.3 Objeto lícito e possível

Para a completa validade dos tratados, estes devem

apresentar objeto lícito, não podendo contrariar a moral internacional, como por

exemplo, versar sobre terrorismo; e possível, não podendo conter algo que seja

impossível de se realizar.

Importante ressaltar, que este requisito já está implícito no art.

2 da Convenção de Viena de 1969, vez que exige a legalidade internacional, não

reconhecendo, por exemplo, o tratado que contenha cláusulas que versem sobre a

tortura, discriminação racial, religiosa, ou qualquer outra situação atentatória à

dignidade da pessoa humana.

Ainda em relação à validade dos tratados, o art. 53 da

Convenção de Viena, traz como condição para a validade dos mesmos, o respeito a

Jus Cogens, ou seja, que os tratados não podem entrar em conflito com uma norma

imperativa de direito internacional geral:

Art. 53: É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza90.

Assim, entende-se que o Jus Congens inclui a proibição ou

ameaça de força e agressão, prevenção e repressão do genocídio, pirataria, trafico

de escravos, discriminação racial, terrorismo ou tomada de reféns e que este tem a

função de proteger todos os Estados, de tratados internacionais que vão contra aos

princípios norteadores do direito internacional, sendo que a não observância destes

princípios acarreta na nulidade absoluta do ato91.

90

BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. De 26 de maio de 1969. Entrada em vigor internacional em 27 de janeiro de 1980. Disponível em http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm Acesso em: junho de 2010.

91 SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. p. 87.

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44

2.5.4 Consentimento mútuo e livre

O último requisito material para garantir a validade dos tratados

internacionais é o consentimento mútuo e livre das partes. Isto significa dizer, que há

vícios de consentimento podem ser causas de nulidade absoluta ou relativa dos

tratados, quais sejam: erro, dolo, corrupção e coação.

Silva92 ensina a diferença dos casos passíveis de nulidade

relativa e de nulidade absoluta, conforme segue:

A nulidade relativa só pode ser alegada pelo Estado vítima do

erro, dolo ou corrupção; Já a nulidade absoluta pode ser alegada por qualquer

Estado interessado e deve ser declarada muto próprio por um tribunal competente

ou por qualquer órgão internacional encarregado da aplicação do tratado, mesmo

que não tenha sido invocado pelas partes; (...) A nulidade relativa pode ser sanada

por acordo expresso ou aquiescência posterior da parte interessada; A nulidade

absoluta não pode ser sanada por nenhuma conduta posterior.

Feitas estas considerações, entende-se que o reconhecimento

de uma nulidade relativa opera o efeito ex nunc, ou seja, não retroage, enquanto o

reconhecimento de uma nulidade absoluta confere o efeito ex tunc ao tratado, ou

seja, considera-se nulo todos os atos praticados, como se o tratado nunca tivesse

existido.

2.5.4.1 Erro

O erro deve ser substancialmente importante para motivar a

anulação de um tratado, ou seja, o erro deve atingir a base essencial do

consentimento para se submeter ao tratado.

Neste sentido, Silva93 explica que erros como o de datilografia

e de tradução não enseja a anulação de um tratado, assim como o Estado que alega

o erro não pode ter contribuído para sua existência.

92

SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. p. 89.

93 SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. p. 89.

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45

Rezek94 ainda esclarece que o erro de maior incidência diz

respeito a questões cartográficas em tratados de limites, visto a inconformidade das

descrições geográficas e dos mapas.

2.5.4.2 Dolo

O dolo ocorre sempre que um Estado se utilize de qualquer

espécie de manobras ou de artifícios para ludibriar a outra parte na conclusão de um

tratado. Ressalta-se que até hoje a alegação de dolo na celebração de tratados

nunca ocorreu, contudo, caso aconteça, o dolo acarreta na responsabilidade

internacional do Estado que o praticou 95.

2.5.4.3 Corrupção

A corrupção só pode ser alegada se a manifestação do

consentimento de um Estado for obtida por meio de corrupção de seu representante,

pela ação direta ou indireta de outro Estado negociador, conforme dispõe o art. 50

da Convenção de Viena.

2.5.4.4 Coação

Por fim, a coação manifesta-se de duas maneiras: contra a

pessoa do representante do Estado ou contra o próprio Estado, com a ameaça ou o

emprego da força.

Neste sentido, os Arts. 51 e 52 da Convenção de Viena

dispõem:

Art. 51: Não produzirá qualquer efeito jurídico a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado que tenha sido obtida pela coação de seu representante, por meio de atos ou ameaças dirigidas contra ele.

94

REZEK, João Francisco. Direito internacional público: curso elementar. p. 71.

95 SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. p. 90.

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46

Art. 52: É nulo um tratado cuja conclusão foi obtida pela ameaça ou o emprego da força em violação dos princípios de Direito Internacional incorporados na Carta das Nações Unidas96.

Assim, diante do que estabelece a Convenção de Viena,

entende-se que para viciar a celebração do tratado pela alegação de coação, há a

necessidade de que o Estado seja coagido através da ameaça ou utilização de força

militar.

2.6 PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS TRATADOS

Os tratados internacionais seguem procedimentos próprios no

que tange a sua formação e procedimento para que produzam os efeitos almejados.

Sendo assim, Silva97 assevera que o processo de formação dos tratados passam

pelas seguintes fases: negociação, assinatura, ratificação e registro.

2.6.1 Negociação

Os Estados mantêm constantes relações uns com os outros,

daí surge à necessidade de debater os problemas que lhes são comuns, de ajustar

seus interesses quando compatíveis e de conciliá-los quando são opostos.

A negociação constitui a fase inicial do processo de conclusão

de um tratado. É nesse momento que as partes analisam se os seus interesses são

compatíveis uns com os outros.

Mello98 coloca os seguintes esclarecimentos:

A negociação de um tratado bilateral se desenvolve, na maioria

das vezes, entre Ministro do Exterior ou seu representante e o agente diplomático

estrangeiro, que são assessorados por técnicos nos assuntos em negociação. A

negociação de um tratado multilateral se desenvolve nas grandes conferências e

congressos (...). Negociação é um processo para encontrar uma terceira coisa que

nenhuma parte quer, mas ambas podem aceitar.

96

BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. De 26 de maio de 1969. Entrada em vigor internacional em 27 de janeiro de 1980.

97 SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. p. 96 – 99.

98 MELLO, Celso D. de Albuquerque. Curso de direito internacional público. p. 213.

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47

A fase de negociação se encerra com a redação final do

documento, que, conforme dispõe o art. 9º, da Convenção de Viena, deverá ser

aprovado por no mínimo 2/3 dos presentes nos casos de conferências

internacionais, salvo se estes Estados por maioria optarem por aplicar uma regra

diversa. No caso do Tratado bilateral aplica-se o disposto no art. 9º § 1º que

preceitua a adoção do texto por todos os Estados negociadores (neste caso, os dois

Estados contratantes).

2.6.2 Assinatura

A assinatura é a segunda fase do processo de conclusão dos

tratados. Para realização deste ato, os negociadores deverão estar munidos dos

"plenos poderes" ou deles estarem dispensados conforme as situações acima

descritas.

A Assinatura por si só, traduz o aceite precário e provisório,

não irradiando efeitos jurídicos vinculantes, apenas com exceção do acordo

executivo99. Trata-se de mera aquiescência do Estado com relação à forma e ao

conteúdo final do tratado.

A assinatura do tratado, via de regra, serve tão somente para

indicar que o tratado é autentico e definitivo e para que se inicie a contagem dos

prazos para troca ou depósito dos instrumentos de ratificação.

Nesta fase, poder-se-á introduzir as chamadas reservas

conforme constante o art. 2, “d” da Convenção de Viena:

Art. 2, “d)” "reserva" significa uma declaração unilateral,

qualquer que seja a sua redação ou denominação, feita por um Estado ao assinar,

ratificar, aceitar ou aprovar um tratado, ou a ele aderir, com o objetivo de excluir ou

99

O acordo executivo existe em certos países cujas ordens constitucionais outorgam ao Poder Executivo à autorização para celebrar, e vincular-se aos tratados sobre determinados assuntos sem necessidade de consulta ao Legislativo. Neste caso, Rezek ensina que é simultâneo o término da negociação, o consentimento definitivo e a entrada em vigor do tratado celebrado.

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48

modificar o efeito jurídico de certas disposições do tratado em sua aplicação a esse

Estado100.

Há, contudo, três situações que será proibido estabelecer

reservas, conforme art. 19 da Convenção de Viena: se a reserva estiver proibida no

tratado; se o tratado autorize certas reservas que não àquela em questão; ou se a

reserva seja incompatível com a finalidade do tratado.

2.6.3 Ratificação

Ratificação é o ato unilateral com que o sujeito de Direito

Internacional, signatário de um tratado, exprime definitivamente, no plano

internacional, sua vontade de se obrigar ao tratado101, Sendo assim, até a ratificação

o tratado é um mero projeto.

A ratificação vai depender da ordem constitucional interna de

cada Estado, podendo ser de competência exclusiva do poder executivo, de

competência exclusiva do poder legislativo, ou uma competência mista.

O Brasil adota a competência mista, onde há tanto a

participação do poder executivo, quanto à participação do poder legislativo. Neste

sentido, para melhor compreensão desta afirmação, devem-se analisar as

disposições da atual Constituição Federal102:

Art. 84: Compete privativamente ao presidente da república:

(...)

VIII – Celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referenda pelo Congresso Nacional.

(...)

E ainda:

100

BRASIL, Ministério das Relações Exteriores. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. De 26 de maio de 1969. Entrada em vigor internacional em 27 de janeiro de 1980.

101 SILVA, Roberto Luiz. Direito internacional público. p. 97.

102 BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição

da República Federativa do Brasil de 1988.

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49

Art. 49: É de competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – Resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;

(...)

Desta forma, entende-se que primeiro ocorre à celebração do

tratado, convenção ou ato internacional pelo Presidente da República, para,

posteriormente e internamente o congresso decidir sobre a viabilidade e

conveniência do referido tratado. Concordando com sua celebração, “elabora-se o

decreto legislativo, que é o instrumento adequado para referendar e aprovar a

decisão do Chefe Executivo, dando-se a este „carta branca‟ para ratificar a

assinatura já depositada, ou, ainda, aderir se já não o tenha feito”103.

Após a elaboração do decreto legislativo, este volta ao

Presidente da República para promulgação e publicação, a fim de incorporar os

tratados no direito interno, atos estes que se verá a seguir.

2.6.4 Registro

A Carta da ONU estabelece em seu Art. 102 que todos os

Tratados concluídos deverão ser registrados após entrarem em vigor.

Esse Registro é feito no Secretariado da ONU e sua finalidade

é dar publicidade, gerando seus efeitos no plano internacional.

Mesmo Estados que não são membros podem registrar os

tratados, vez que há um interesse maior de que todos os tratados sejam

reconhecidos.

O Tratado sem registro é considerado um tratado secreto, que

apesar de não ser reconhecido pelos demais, será válido entre as partes

contratantes. A única sanção para o tratado não registrado é que não poderá ser

103

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 436.

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50

invocado perante qualquer órgão das Nações Únicas, como está previsto no § 2º do

art. 102 da Carta da ONU.

Desta forma, com a conclusão do registro, termina também a

conclusão da elaboração dos tratados no âmbito internacional.

2.7 INCORPORAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO

INTERNO

Encerrado o processo de elaboração dos tratados, estes

devem ser incorporados no ordenamento jurídico interno. Neste sentido, Lenza104

preleciona in verbis:

Incorporação é a fase em que o Presidente da República, mediante o decreto legislativo, promulga o texto, publicando-o em português, em órgão de imprensa oficial, dando-se, pois, ciência e publicidade da ratificação da assinatura já lançada, ou caso esta não se tenha externado, da adesão a um determinado tratado ou convenção de direito internacional.

Em síntese, após a celebração do tratado internacional pelo

presidente da república e aprovação pelo congresso nacional, deverá ser feito a

troca ou depósito dos instrumentos de ratificação pelo órgão do poder executivo no

âmbito internacional, e realizar a promulgação por decreto do Presidente da

República, em seguida da publicação do texto em português no Diário Oficial,

dando-se ciência e publicidade da ratificação da assinatura que aderiu ao tratado

internacional.

Assim, efetuado os passos acima descritos, o tratado

internacional adquire a executoriedade do ato internacional, passando a ser uma

obrigação no plano do direito positivo interno105.

2.8 INTRODUÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO INTERNO

As relações entre os Estados, seladas na maioria das vezes

por tratados, convenções e acordos internacionais, geram por muitas vezes,

104

LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 437.

105 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. p. 437.

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51

conflitos entre o direito interno dos Estados e o direito internacional, daí o

surgimento de teorias para a aplicação desta norma internacional, no contexto

interno.

2.8.1 Teoria Dualista

A teoria dualista foi desenvolvida por Carl Heinrich Triepel e

Dioniso Anzilotti, consoante a lição de Araújo106 esta teoria:

(...) afirmava a existência de dois sistemas distintos: a ordem jurídica interna e a ordem jurídica internacional, onde o direito interno era estabelecido pela comunidade nacional, pelo Estado, segundo suas regras, regulando as relações entre os sujeitos privados e também entre os Estados e estes sujeitos. Já o Direito internacional, só tratava das relações entre Estados, vez que só estes eram sujeitos

do Direito Internacional.

Para Triepel (apud Araújo)107, a diferença entre os dois

sistemas, era na verdade uma diferença entre suas fontes jurídicas. Enquanto o

direito interno originava-se a partir da vontade do Estado, no campo internacional

essa fonte deriva da vontade coletiva de Estados, e a lei de um determinado Estado

não podia obrigar os demais membros da comunidade Internacional.

Por fim, a teoria dualista ainda afirma ser necessário uma

incorporação da norma de origem internacional, para o sistema interno através de

uma manifestação legislativa, que só então a transformava em norma interna.

Nestas condições, não surgem conflitos entre as normas internas e os tratados

internacionais.

2.8.2 Teoria Monista

A teoria monista contrapõe a teoria dualista, “defendia existir

uma única ordem jurídica, com projeções interna e internacional” conforme assevera

Araujo108. O mesmo autor coloca que o principal defensor desta teoria é Hans

Kelsen; este afirma que as leis seriam expressões da ordem interna e os tratados,

106

ARAÚJO, Nadia. Direito Internacional Privado. 3 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. P. 141

107 ARAÚJO, Nadia. Direito Internacional Privado. p. 141

108 ARAÚJO, Nadia. Direito Internacional Privado. P. 140

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52

expressões da ordem internacional. Não haveria desta forma, necessidade de

internacionalização das obrigações decorrentes do tratado no plano interno, ante a

ausência de separação entre as leis internas e internacionais, impondo-se a sua

aceitação automática.

Entretanto, cabe ressaltar que esta doutrina deixa lacunas,

havendo, portanto a possibilidade de conflitos entre as normas internas e as normas

internacionais, onde, diante do conflito entre uma norma de direito interno e uma de

direito internacional, este deve ser resolvido por intermédio da análise dos fatos.

Conforme sustenta Dolinger109, esta corrente ainda divide-se

em três escolas:

(...) a primeira defende a primazia do direito interno sobre o direito internacional; a segunda defende a primazia do direito internacional sobre o direito interno, e a terceira os equipara, fazendo depender a prevalência de uma fonte sobre a outra da ordem cronológica a de sua criação.

Como tudo no direito, as correntes se dividem, havendo

autores na defesa de ambas as teorias, com fortes argumentos a embasarem suas

posições doutrinárias.

2.8.3 Teoria adotada pelo Brasil

No Brasil, as duas teorias tiveram interpretações extensivas,

isto porque cada uma delas preocupava-se com aspectos distintos do problema. Ou

seja, enquanto a dualista preocupava-se com a necessidade de mecanismos de

internacionalização dos tratados, o monismo preocupava-se com a admissibilidade

da existência de conflitos entre tratados e a ordem jurídica nacional, para saber qual

deveria prevalecer110.

Daí, a necessidade da subdivisão entre o dualismo radical,

onde só tem valor jurídico interno o tratado que for internalizado mediante lei stricto

sensu, e o dualismo moderado, onde nesta modalidade a internacionalização

109

DOLINGER, Jacob. Direito internacional privado. 6ª Ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2001. P. 90.

110 ARAÚJO, Nadia. Direito Internacional Privado. P. 144

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prescinde de lei (pode se dar através de simples Decreto), embora seja necessária a

observância do procedimento previsto no direito interno.

Neste sentido, Araujo111 explica que, no Brasil, “foi adotada a

intitulada teoria dualista moderada, porque é imperativo proceder à

internacionalização do tratado para sua vigência interna.” Assim, depois de

incorporado o tratado e havendo conflito de normas, já não se fala mais em

contrariedade de norma interna e tratado, mas em conflito entre dois dispositivos

nacionais.

2.9 POSIÇÃO HIERARQUICA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NO DIREITO

INTERNO

No Brasil, a doutrina e jurisprudência representada pelo

Supremo Tribunal Federal, entendem que os tratados internacionais podem ocupar

quatro níveis hierárquicos distintos, que se verá a seguir.

2.9.1 Tratados com valor legal

A hierarquia dos tratados internacionais no ordenamento

jurídico brasileiro começou a ser definida através do entendimento jurisprudencial,

antes mesmo da Constituição Federal de 1988.

O Supremo Tribunal Federal, em 1977 julgou o Recurso

Extraordinário (RE) 80.004-SE, no qual decidiu que os tratados internacionais têm

paridade normativa com Lei Ordinária Federal, conforme entendimento do referido

julgado:

Ementa: Embora a Convenção de Genebra que previu uma lei uniforme sobre letras de câmbio e notas promissórias tenha aplicabilidade no direito interno brasileiro, não se sobrepõe ela às leis do país, disso decorrendo a constitucionalidade e conseqüente validade do Decreto-lei 427/69 que instituiu o registro obrigatório da nota promissória em repartição fazendária, sob pena de nulidade do título. Sendo o aval um instituto do direito cambiário, inexistente será

111

ARAÚJO, Nadia. Direito internacional privado. p. 145

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ele se reconhecida a nulidade de título cambial a que foi aposto. Recuso extraordinário conhecido e provido112.

Desde então, o Supremo Tribunal Federal manteve o mesmo

entendimento, consagrando o Recurso Extraordinário 80.004 e repetindo esta

posição em inúmeros outros julgados semelhantes.

Deste modo, entende-se que os Tratados internacionais com

valor legal são aqueles equiparados a Leis Ordinárias Federais conforme ilustra a

figura 1, ou simplificando, todos os tratados internacionais do qual o Brasil é

signatário, com exceção aos que cuidam de direito tributário, direitos humanos e

sobre transporte internacional, motivos que se estudará a seguir.

Figura 1 Hierarquia dos tratados internacionais com valor legal

Contudo, ressalta-se que apesar de pacificado este

entendimento entre a jurisprudência, trata-se de um tema polêmico entre os

doutrinadores, conforme se observa a lição de Piovesan113.

Acredita-se que o entendimento firmado a partir do julgamento do Recurso Extraordinário 80.004 enseja, de fato, um aspecto crítico, que é a sua indiferença às conseqüências do descumprimento do tratado no plano internacional, na medida em que autoriza o Estado -

112

Brasil. Supremo Tribunal Federal. RE 80.004-SE. Relator: Min. Xavier de Albuquerque. Julgamento: 01-06-1977. Órgão julgador: Tribunal Pleno. Publicação: Dj. Data 29-12-1977.

113 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. p. 83 - 84

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parte a violar dispositivos da ordem internacional – os quais se comprometeu a cumprir de boa-fé. Esta posição afronta, ademais, o disposto pelo art. 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, que determina não poder o Estado – parte invocar posteriormente disposições de direito interno como justificativa para o não-cumprimento de tratado. Tal dispositivo reitera a importância, na esfera internacional, do princípio da boa-fé, pelo qual cabe ao Estado conferir cumprimento às disposições de tratado, com o qual livremente consentiu. Ora, se o Estado no livre e pleno exercício de sua soberania ratifica um tratado, não pode posteriormente obstar seu cumprimento. Além disso, o término de um tratado está submetido à disciplina da denúncia, ato unilateral do Estado pelo qual manifesta seu desejo de deixar de fazer parte de um tratado. Vale dizer, em face do regime de Direito Internacional, apenas o ato da denúncia implica a retirada do Estado de determinado tratado internacional. Assim, na hipótese de inexistência do ato da denúncia, persiste a responsabilidade do Estado na ordem internacional

Por iguais razões, Mazuolli114 critica a posição adotada pelo

Supremo Tribunal Federal, defendendo que os tratados internacionais devem ter

status normativo de norma supralegal:

(...) os tratados internacionais ratificados pelo Brasil situam-se em um nível hierárquico intermediário: estão abaixo da Constituição e acima da legislação infraconstitucional, não podendo ser revogados por lei posterior, posto não se encontrarem em situação de paridade normativa com as demais leis nacionais.

Conforme exposto, verifica-se que apesar de posições

divergentes, o Supremo Tribunal Federal mantém posição de que salvo as raras

exceções citadas, os tratados internacionais ratificados pelo Brasil possuem valor

legal, ou seja, status hierárquico de Lei Ordinária.

2.9.2 Tratados com valor Supralegal

Os tratados com valor supralegal são aqueles que estão acima

das Leis Ordinárias e abaixo da Constituição Federal, ou nas palavras no Ministro

Gilmar Mendes “não afrontam a supremacia da Constituição, mas tem lugar especial

reservado no ordenamento jurídico”115, conforme se observa na figura 2.

114

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. A opção do Judiciário brasileiro em face dos conflitos entre Tratados Internacionais e Leis Internas. Revista CEJ, Brasília-DF, n. 14, mai./ago. 2001, p. 118.

115 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE – 466.343-SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Julgamento.

Diário Oficial de Justiça. 03/12/2008.

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Figura 2 Hierarquia dos tratados internacionais com valor supralegal

Enquadram-se nestes casos os tratados de direito tributário,

por força do art. 98 do Código Tributário Nacional que dispõe que “os tratados e as

convenções internacionais revogam ou modificam a legislação tributária interna, e

serão observados pela que lhes sobrevenha”, e ainda, por força da decisão do STF

de 03.12.2008 (RE 466.343-SP e HC 87.585-TO) os tratados sobre direitos

humanos, que não foram aprovados pelo quorum qualificado exigido pelo advento

da Emenda Constitucional 45 de 2004 que instituiu o § 3º ao art. 5 da CF, conforme

se observa:

Art. 5° (...)

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais116.

Neste sentido, entende-se que se observado o quorum

diferenciado de aprovação no Congresso nacional, igual ao de Emenda

Constitucional, os tratados internacionais de direitos humanos passam a ter paridade

normativa com as normas constitucionais.

116

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

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Já de acordo com a posição majoritária do Supremo Tribunal

Federal, tais tratados quando não aprovados pelo quorum exigido pelo art. 5, § 3º da

CF, contam com status de norma supralegal, considerando a necessidade de efetiva

proteção dos direitos humanos, é o entendimento que se colhe do HC 90.172 – SP:

A Turma deferiu habeas corpus (...) Em seguida, asseverou-se que o tema da legitimidade da prisão civil do depositário infiel, ressalvada a hipótese excepcional do devedor de alimentos, encontra-se em discussão no Plenário (RE 466343/SP, v. Informativos 449 e 450) e conta com 7 votos favoráveis ao reconhecimento da inconstitucionalidade da prisão civil do alienante fiduciário e do depositário infiel. Tendo isso em conta, entendeu-se presente a plausibilidade da tese da impetração. Reiterou-se, ainda, o que afirmado no mencionado RE 466343/SP no sentido de que os tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil possuem status normativo supralegal, o que torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação e que, desde a ratificação, pelo Brasil, sem qualquer reserva, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), não há mais base legal para a prisão civil do depositário infiel. HC 90172/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 5.6.2007. (grifo do autor).

Importante ainda ressaltar, um trecho da decisão do HC 97.462

– SP, conforme segue:

(...) o Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento segundo o qual, diante do inequívoco caráter especial dos tratados internacionais que cuidam da proteção dos direitos humanos, a sua internalização no ordenamento jurídico, por meio do procedimento de ratificação previsto na Constituição, tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante. Nesse sentido, concluiu o Tribunal que, diante da supremacia da Constituição sobre os atos normativos internacionais, a previsão constitucional da prisão civil do depositário infiel (art. 5º, inciso LXVII) não foi revogada pelo ato de adesão do Brasil ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ' Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), mas deixou de ter aplicabilidade diante do efeito paralisante desses tratados em relação à legislação infraconstitucional que disciplina a matéria. Tendo em vista o caráter supralegal desses diplomas normativos internacionais, a legislação infraconstitucional posterior que com eles seja conflitante também tem sua eficácia paralisada. Enfim, desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos ' Pacto de San José da Costa Rica (art. 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do

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depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, dessa forma, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão. Assim, o Supremo Tribunal Federal restringiu a possibilidade de prisão civil à hipótese de descumprimento inescusável de prestação alimentícia, o que motivou o cancelamento da Súmula nº 619 desta Corte. (...) (grifo do autor).

Considerando que a Convenção Americana de Direitos

Humanos não foi aprovada pelo quorum qualificado, tampouco o Pacto Internacional

de Direitos Civis e Políticos, ambos tratados internacionais que versam sobre a

impossibilidade da prisão civil por dívida, exceto pela falta de pagamento de pensão

alimentícia, a prisão civil do depositário infiel fica impossibilitada, em virtude de que

a legislação que disciplina a matéria tem força de lei ordinária, ficando, portanto

abaixo dos referidos tratados que tem valor supralegal.

2.9.3 Tratados com valor Constitucional

Os tratados internacionais de Direitos Humanos merecem um

tratamento especial, considerando que estes visam proteger um dos principais

fundamentos instituídos na Constituição brasileira, a dignidade da pessoa humana.

Este é o entendimento de Piovesan117, que assevera que a

força expansiva da dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais, como

parâmetros axiológicos a orientar a compreensão do fenômeno constitucional, fazem

com que a interpretação sistemática e teleológica da Constituição brasileira de 1988

sejam no sentido de integrar os tratados internacionais de direitos humanos, de que

o Brasil é parte, no elenco dos direitos constitucionalmente consagrados

Os tratados com valor Constitucional são aqueles que possuem

paridade normativa com a Constituição Federal, caso este dos tratados

internacionais de direitos humanos, quando cumpridos os requisitos do § 3º, do

artigo 5 da CF, conforma já explicado anteriormente.

117

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. p. 52.

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59

Conforme coloca o Ministro Gilmar Mendes ao votar o RE

466.636 – SP, fundamentado em Piovesan e Cançado Trindade :

Para essa tese, eventuais conflitos entre o tratado e a Constituição deveriam ser resolvidos pela aplicação da norma mais favorável à vítima, titular do direito, tarefa hermenêutica da qual estariam incumbidos os tribunais nacionais e outros órgãos de aplicação do direito. Dessa forma, o Direito Interno e o Direito Internacional estariam em constante interação na realização do propósito convergente e comum de proteção dos direitos e interesses do ser humano118.

No mesmo sentido, Pfeiffer e Agazzi119 dispõem que os

eventuais conflitos entre disposições internas e tratados versando sobre Direitos

Humanos devem ser resolvidos pela aplicação da norma mais favorável, ressaltando

ainda que na maioria das vezes, não é necessária a prevalência da norma mais

favorável, uma vez que há uma complementaridade entre normas internas e

internacionais.

Figura 3 Hierarquia dos tratados internacionais com valor constitucional

118

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. RE – 466.343-SP. Relator: Min. Cezar Peluso. Voto do Ministro Gilmar Mendes. Disponível em: www.stj.gov.br Acesso em setembro de 2010.

119 PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos e AGAZZI, Anna Carla. Integração, Eficácia e

Aplicabilidade do Direito Internacional dos Direitos Humanos no Direito Brasileiro – Interpretação do artigo 5o, §§ 1o e 2o da Constituição Federal de 1988. In: PROCURADORIA GERAL DO ESTADO: GRUPO DE TRABALHO DE DIREITOS HUMANOS. Direitos Humanos: Construção da Liberdade e da Igualdade. São Paulo: Centro de Estudos da Procuradoria Geral do Estado, 1998, pp. 203-239.

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60

2.9.4 Tratados com valor Supraconstitucional

A corrente que defende a hierarquia supraconstitucional

assenta-se, basicamente, sobre o argumento de que, por tratarem de direitos

pertencentes ao gênero humano, estes tratados são especiais, devendo prevalecer

sobre a própria Constituição Federal Brasileira. Esta tese é defendida por alguns

doutrinadores, entre eles, Agustín Gordillo, André Gonçalves Pereira, Fausto de

Quadros e Marotta Rangel.

Para Gordillo120, a ordem supranacional preexiste a ordem

nacional e, nesse sentido, a sua supremacia só pode ser uma supremacia jurídica,

normativa, detentora de força coativa e de imperatividade.

No mesmo diapasão, Pereira e Quadros121, depois de

afirmarem expressamente que defendem a hierarquia supraconstitucional do Direito

Internacional Geral, apontam, como um dos fundamentos de suas posições, o fato

do Direito Internacional Geral ou Comum ser essencialmente imperativo (ou, seja,

jus cogens) e não pode uma norma ser imperativa para um Estado se não

prevalecer sobre todas as suas fontes, inclusive sobre a sua Constituição.

Contudo, o Ministro Gilmar Mendes, no voto do RE 466.343 –

SP ressalta a dificuldade da aplicação desta teoria:

É de ser considerada, no entanto, a dificuldade de adequação dessa tese à realidade de Estados que, como o Brasil, estão fundados em sistemas regidos pelo princípio da supremacia formal e material da Constituição sobre todo o ordenamento jurídico. Entendimento diverso anularia a própria possibilidade do controle da constitucionalidade desses diplomas internacionais.

Por fim, ressalta-se que esta teoria ainda não tem nenhuma

aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro.

120

GORDILLO, Agustín. Derechos humanos, doctrina, casos y materiales: parte general. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 1990, p. 53 e 55.

121 PEREIRA, André Gonçalves; QUADROS, Fausto de. Manual de direito internacional público. 3ª

ed. Coimbra: Almedina, 1993, p.118.

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61

Figura 4 Hierarquia dos tratados internacionais com valor supraconstitucional

2.10 EXTINÇÃO DOS TRATADOS

A convenção de Viena prevê nos artigos 54 a 64, as condições

de extinção dos tratados internacionais, que podem ocorrer nas seguintes situações:

Execução integral: com a execução total do tratado, o mesmo

termina por perda de seu objeto.

Consentimento mútuo: quando após consultar as partes,

houver o consentimento para extinção do tratado.

Clausula que põe termo ao tratado: quando o tratado viger por

prazo determinado.*

Violação de uma das partes: quando ocorrer a violação de uma

das partes, autoriza a outra a invocar a extinção por violação do mesmo.

Denúncia unilateral: representa a extinção do tratado por

vontade de uma das partes. Tal denúncia pode ser prevista no corpo do tratado, e

nestes casos, a parte denunciante deverá cumprir um decurso de prazo para que

cessem os efeitos dos compromissos assumidos.

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Mudanças circunstanciais: quando acontecer mudanças

supervenientes que impossibilitem o cumprimento do tratado, pelo desequilíbrio das

condições (clausula rebus sic stantibus)

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CAPÍTULO 3

DEPOSITÁRIO INFIEL

3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA

A origem mais remota do que hoje se conhece como depósito

encontra-se no instituto da fidúcia122. Moreira Alves123 considera instituto da fidúcia

como uma das mais antigas formas de garantia e a define como: “contrato pelo qual

alguém (o fiduciário) recebe de outrem (o fiduciante) a propriedade sobre uma coisa,

obrigando-se, de acordo com o estabelecido num pacto aposto ao ato de entrega, a

restituí-la ao fiduciante, ou a dar-lhe determinada destinação”.

Em outra linha, pode-se dizer que a alienação fiduciária é um

contrato de garantia em que o devedor aliena um bem a fim de assegurar o

pagamento de uma dívida até que seja adimplido este débito, quando retorna o bem

ao patrimônio do fiduciante.

O instituto da fidúcia era utilizado tanto no direito pré-clássico,

como no direito romano clássico, sendo que deste instituto que nasceu o depósito

romano, que apresentava os seguintes elementos:

a) os sujeitos da relação jurídica: o depositante (deponens), que entrega o objeto, para a guarda do mesmo pelo depositário (depositarius); b) a entrega da detenção de uma coisa móvel (bastando a possessio naturalis e não ad interdicta) ao depositário; c) com a finalidade de que seja guardada gratuitamente; e d) concordância de devolução da coisa, pelo depositário, tão logo seja solicitado pelo depositante124.

122

DADICO, Cláudia Maria. O contrato de depósito. Revista Jurídica. Bauru: Instituto Toledo de Ensino. Revista do Instituto de Pesquisa e Estudos. p. 156. n 17. abr/jul, p. 155 – 81, 1997.

123 MOREIRA ALVES, José Carlos. Direito romano. Rio de Janeiro: Borsól, 1966. v. 11, p. 158-159.

124DADICO, Cláudia Maria. O contrato de depósito. Revista Jurídica. p. 157

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64

Segundo Gagliano125 (Apud Cretella Junior) no direito romano,

as sanções que regiam o depósito eram:

actio depositi directa, que punia a violação das obrigações do depositário, obrigando-se a devolução e a actio depositi contraria, que sancionava o descumprimento das obrigações do depositante, compelindo-o a reembolsar o depositário pelas despesas indispensáveis, feitas para conservação da coisa depositada.

Atualmente, o que se verifica é que a figura jurídica do depósito

se mantém no ordenamento jurídico brasileiro e também em diversas outras

legislações como a Espanhola, Argentina, Chilena e Italiana que mantêm o instituto

do depósito com apenas algumas alterações conceituais.

3.2 CONCEITUAÇÃO E TIPOS DE DEPÓSITO

Para Meirelles126, a ciência jurídica assegura que “o depósito é

o negócio jurídico pelo qual alguém recebe coisa, móvel ou imóvel, para guardá-la e

restituí-la após certo prazo ou mediante ordem judicial”.

Neste mesmo sentido, Miranda127 estabelece que “depósito é o

contrato pelo qual alguém, depositário, se incumbe de guardar (custodiar) coisa

móvel de outrem e entregá-la ao depositante”.

O depósito foi previsto no Código Civil de 1916, em seu artigo

1265, e está no Código Civil vigente em seu artigo 627 que dispõe:

Art. 627- Pelo contrato de depósito recebe o depositário um objeto móvel, para guardar, até que o depositante o reclame.

Já o art. 628 do CC estabelece que, o contrato de depósito é

gratuito, podendo, no entanto, ser fixada uma remuneração. Contudo, o depositante

deverá pagar ao depositário, as despesas feitas com a coisa ou os prejuízos que

dela advirem. (art. 643 CC)

125

GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil: Contratos. 2. Ed. São Paulo: Saraiva. 2008.

126 MEIRELES, Edilton. Depositário judicial. 1ª Ed. São Paulo: Lejus. 1999. p. 01.

127 MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972.

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Pode ainda o depositário, desde que provados os gastos reter

a coisa, até que lhe seja paga a retribuição devida, assim como o valor das

despesas ou dos prejuízos suportados com a coisa segundo disciplina o art. 644 CC.

É também do contrato de depósito, a obrigação do depositário

cuidar da coisa, conservá-la e devolvê-la com todos os seus frutos quando exigido

pelo depositante (art. 629 CC)

No ordenamento jurídico brasileiro, têm-se duas espécies de

depósito. Em primeiro plano o depósito decorrente de uma obrigação contratual, que

como o nome explica decorre de um contrato e em outro plano tem-se o depósito

judicial que é aquele que deriva de uma decisão judicial.

3.2.1 Depósito Contratual

O depósito contratual é aquele que decorre de um contrato,

vale dizer, de um acordo de vontades, obrigando o depositário a guardar a coisa,

devendo restituí-la assim que exigido pelo depositante. O depósito contratual por

sua vez subdivide-se em voluntário e necessário:

3.2.1.1 Depósito Voluntário

Depósito voluntário é aquele que se faz espontaneamente

mediante um contrato entre os interessados, fazendo surgir o contrato de depósito.

Esta modalidade está regulada pelos arts. 627 a 646 do Código Civil.

Dower128 classifica o depósito voluntário em regular e irregular,

o primeiro ocorre quando o depositário assume a obrigação de restituir a mesma

coisa que lhe foi entregue. Já o irregular ocorre quando é efetuado o depósito de

coisas fungíveis, obrigando-se o depositário a devolver coisas do mesmo gênero,

qualidade e quantidade, regulando-se este contrato pela regra do mútuo, conforme

dispõe o art. 645 do Código Civil.

128

DOWER, Nélson Godoy Bassil. Direito civil simplificado: contratos. 3ª Ed. São Paulo: Nelpa. 2009. p. 104.

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66

3.2.1.2 Depósito Necessário

O depósito necessário não depende da vontade dos

contratantes, porque resulta de fatos não previstos, onde o depositante é obrigado a

entregar a coisa a quem nem conhece, para que a mesma não pereça129. Esta

modalidade esta disciplinada pelos arts. 647 a 652 do Código Civil e subdivide-se

em depósito legal e miserável

Venosa130 conceitua como depósito legal aquele realizado em

decorrência de desempenho de obrigação legal, como o de bagagens em hotéis em

relação aos hoteleiros. Por sua vez, o depósito miserável, é aquele que se faz

obrigatoriamente em épocas de calamidades, como incêndio, inundação, naufrágio

ou saque, conforme disciplina o art. 647 do CC.

3.2.2 Depósito Judicial

Depósito judicial é aquele imposto por lei, decorre de um ato

judicial em que o juiz ordena a entrega de um objeto de litígio a um terceiro, com a

finalidade de guarda e zelo até a decisão final da causa, preservando-se assim, os

direitos dos interessados. Pode decorrer de várias medidas processuais de

apreensão de bens, como penhora, seqüestro, arresto, entre outras131.

Esta espécie de depósito tem por escopo proteger o bem

apreendido, seja para satisfação de um crédito, ou para assegurar o direito

reclamado sobre o próprio bem depositado.

Neste sentido, Venosa132 salienta:

Sempre que se apreendem bens, temos de designar alguém para exercer sobre os bens os mesmos direitos de guarda, custódia e vigilância, durante certo período, sob a regência do juiz ou de autoridade administrativa. Sempre que houver determinação do juiz no curso do processo, o depósito é judicial, cujos princípios se equiparam ao depósito legal.

129

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. V. 4. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 286 – 288.

130 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. 9ª ed. São Paulo: Atlas. 2009 p.

257.

131 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. p. 240.

132 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. p. 257.

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Meirelles133 acrescenta a diferença entre o depósito judicial e

depósito negocial, ou seja, depósito contratual:

Difere o depósito judicial do depósito negocial por sua própria natureza, já que este último é fruto de um acerto contratual, daí porque intuito personae, enquanto aquele (o depósito judicial) é imposto por ordem do juiz, não mantendo o depositário qualquer relação jurídica com o proprietário do bem depositado. Inexiste, assim, no depósito judicial qualquer contrato firmado entre depositante e depositário.

Frise-se, portanto, que a ação de depósito somente será

proposta quando o depósito for contratual, pois quando o depósito for judicial não

haverá necessidade de propositura de tal ação, visto que o juiz poderá determinar a

busca e apreensão do bem através de simples mandado.

Importante destacar, que ao contrário do depósito decorrente

de contrato, que tem como objeto apenas bens móveis, o depósito judicial admite

tanto a guarda de bens móveis, como imóveis, fungíveis, infungíveis e corpóreos,

excetuando-se apenas, os bens incorpóreos, que pela sua falta de materialidade não

podem ser objeto de depósito, conforme entendimento de Venosa134:

A definição legal reporta-se a depósito de coisa móvel. No entanto, mormente levando em conta a disseminação do depósito como ato judicial, não aberra a idéia do negócio que tenha por objeto imóvel. Por essa razão, tanto a doutrina como a jurisprudência atual propendem por admitir depósito de imóvel. Apenas as coisas incorpóreas estão impossibilitadas de ser depositadas por lhes faltar a necessária materialidade caracterizadora do depósito. No entanto, títulos de crédito, como manifestação cartular dos créditos, podem ser objeto do contrato. As coisas fungíveis também podem ser depositadas, desde que especificando-se gênero, qualidade e quantidade.

Por fim, assevera-se, que o depósito judicial rege-se pela lei

processual, e no silêncio ou deficiência dela, pelas concernentes ao depósito

voluntário, conforme estatui o art. 648 do CC.

133

MEIRELES, Edilton. Depositário judicial. p. 06.

134 VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: contratos em espécie. p. 240.

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3.3 CONCEITUAÇÃO DE DEPOSITÁRIO E DE DEPOSITÁRIO INFIEL

A palavra depositário é originária do vocábulo latim "deponere"

e designa pessoa a quem se entrega ou a quem se confia alguma coisa, em

depósito.

Sendo assim, para que ocorra o depósito é necessário que

haja um depositário, ou seja, a pessoa que recebe o bem em custódia com a

obrigação de ter “na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e

diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como restituí-la, com todos os

frutos acrescidos, quando o exija o depositante” (Art. 629 do CC)135.

Há três vertentes para a origem da figura do Depositário: a) do

contrato, previsto no Código Civil (Arts. 1265 e seguintes); b) da lei, como no caso

do depósito necessário previsto nos Arts. 1282, I e II da Lei Civil ou mesmo o do

Decreto 911/67, em relação à alienação fiduciária; e c) de ato judicial, quando o

depositário assume um encargo que lhe é deferido pelo Poder Judiciário,

responsabilizando-se a guardar o bem até que, por ordem judicial, lhe seja

solicitado. Por sua vez, essa figura aparecerá ou na ação de depósito, prevista nos

Arts. 901 e seguintes do CPC ou prevista no processo de execução.

Uma vez que é pelo contrato de depósito que o depositário irá

receber o objeto móvel, para guardar até que o depositante o reclame, este

assumirá inúmeras obrigações, as quais Murad136 destaca a seguir:

a) guardar e conservar o bem depositado com o cuidado e diligência que costuma ter com o que lhe pertence, em concordância com o art. 629 do Código Civil;

b) restituir o bem, incluídos os seus frutos e acrescidos, quando o exija o depositante, consoante ao artigo supra citado;

c) não se utilizar do bem depositado sem autorização expressa do depositante, sob pena de responder por perdas e danos, segundo o verificado no art. 640 e seu parágrafo único do Código Civil;

e) não transferir o depósito sem autorização do depositante, etc.

135

BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Código Civil. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

136 MURAD, Sérgio Saliba. O contrato de depósito sob a ótica do código civil. Ethos Jus: Revista

acadêmica de ciências jurídicas. Avaré - SP: Faculdade Eduvale Avaré vol. 2 nº1, 2005.

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Desta forma, o depositário é a pessoa que se torna

responsável por algo que lhe é entregue, assumindo a obrigação de guarda e

conserva com a devida diligência, para o que será reembolsado das despesas

necessárias tidas, devendo apresentar e restituir a coisa, assim que exigido pelo

depositante. A não observância ao pedido implica em ato de infidelidade.

Neste ínterim, pode-se dizer que depositário infiel é aquele que

não cumpre a sua função de restituir o bem que lhe foi entregue para ser

guardado137, por meio de um contrato de depósito.

Sendo assim, sob a pena de ser considerado infiel, o Código

Civil, o Código de Processo Civil e a Constituição Federal (Art. 5º XVII) prevêem

ainda a possibilidade de decretação da prisão civil do depositário infiel.

Reitera-se que muitas vezes o depositário infiel não é o

devedor da obrigação e nada tem a ver com ela. Se o devedor for o próprio

depositário e houver o desaparecimento ou danificação da coisa depositada, poderá

o devedor-executado ver decretada a sua prisão civil, não pelo motivo de ser

devedor, mas sim, pela configuração da situação de depositário infiel. Pode até

acontecer de o depositário ser até o credor, que se for inadimplente, poderá ter sua

prisão decretada138.

3.4 PRISÃO CIVIL

Prisão civil é aquela que não decorre da prática de ilícito

definido na lei como delito, vale dizer, não capitulado como crime, não previsto na

legislação como tal.

A prisão civil melhor se chamaria prisão por dívida, visto que,

no nosso ordenamento jurídico, só é prevista em duas condições, ambas

configurando inadimplemento, que é prisão do depositário infiel e a do inadimplente

de obrigação alimentícia.

137

FIUZA, César. Direito civil. 13ª ed. São Paulo: Del Rey, 2009, p. 564

138 GALVÃO, Edna Luiza Nobre. Depositário infiel e descumprimento obrigacional. Jus Navigandi,

Teresina, ano 5, n. 43, 1 jul. 2000. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/601>. Acesso em: 12/10/ 2010.

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Ambas as situações são previstas na Constituição Federal

vigente, em seu artigo 5º, LXVII: não haverá prisão civil por dívida, salvo a do

responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia

e a do depositário infiel.

Como foco deste estudo, abordar-se-á apenas o caso do

depositário infiel, que conforme anotado anteriormente, além da Constituição

Federal, o Código Civil no seu art. 652 e o Código de Processo Civil no art. 904,

regulam a possibilidade da prisão civil do depositário infiel, seja no depósito

contratual ou no depósito judicial, conforme exposto:

Art. 652. Seja o depósito voluntário ou necessário, o depositário que não o restituir quando exigido será compelido a fazê-lo mediante prisão não excedente a um ano, e ressarcir os prejuízos.

Art. 904 - Julgada procedente a ação, ordenará o juiz a expedição de mandado para a entrega, em 24 (vinte e quatro) horas, da coisa ou do equivalente em dinheiro.

Parágrafo único - Não sendo cumprido o mandado, o juiz decretará a prisão do depositário infiel.

Já referente ao depósito judicial, onde o depositário não

entrega o bem quando ordenado, o juiz poderá decretar sua prisão nos próprios

autos, sem a necessidade de propositura de ação própria de depósito.

A prisão do depositário infiel caracteriza maneira de,

forçosamente, adimplir obrigação pecuniária que versa sobre direito disponível, cuja

prisão afronta os Direitos Humanos e os Tratados Internacionais ratificados pelo

Brasil.

3.5 JURISPRUDÊNCIA

Acerca do tema em apreço, vários são os julgados que

intercedam nessas relações jurídicas, devido a isso segue os entendimentos dos

magistrados frente aos estudos do presente trabalho

Em 23 de novembro de 2007, o Tribunal de Justiça de Santa

Catarina julgou o habeas corpus 2007.035061-4, senão vejamos:

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Habeas Corpus 2007.035061-4 Relator: Paulo Roberto Camargo Costa. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial. Data do Julgamento: 20/09/2007 Data da Publicação: 23/11/2007 Ementa: HABEAS CORPUS - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO INFIEL - PACTO DE SAN JOSE DA COSTA RICA - PREVALÊNCIA DA NORMA CONSTITUCIONAL AUTORIZADORA DA MEDIDA CONSTRITIVA (ART. 5º, INC. LXVII) - CONSTRANGIMENTO INEXISTENTE - ORDEM DENEGADA SOB TAL FUNDAMENTO - VIGÊNCIA DO ART. 904 DO CPC. "Tratado internacional, homologado sem observância de rito próprio às emendas constitucionais, é norma infraconstitucional, e como tal se submete à prevalência de mandamentos da Constituição da República. Em razão disso, "a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, além de subordinar-se, no plano hierárquico-normativo, à autoridade da Constituição da República, não podendo, por isso mesmo, contrariar o que dispõe o art. 5º, LXVII, da Carta Política, também não derrogou - por tratar-se de norma infraconstitucional de caráter geral (lex generalis) - a legislação doméstica de natureza especial (lex specialis), que, no plano interno, disciplina a PRISÃO CIVIL do DEPOSITÁRIO INFIEL" (STF - RHC n° 80.035). Plenamente vigente o artigo 904, do CPC, sob escora do inciso LXVII, do art. 5º, da Carta Maior Brasileira, apresenta-se forrada de legalidade a PRISÃO de DEPOSITÁRIO INFIEL decretada com observância dos termos da Súmula n° 619, do STF" (Precedente da Câmara em Habeas Corpus n. 2005.033182-1). HABEAS CORPUS PREVENTIVO - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO INFIEL - AMEAÇA IMINENTE À LIBERDADE - PENHORA - BEM OBJETO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - INEFICÁCIA - CABIMENTO DA IMPETRAÇÃO - INVIABILIDADE DE DECRETO DE PRISÃO - ORDEM CONCEDIDA - SALVO CONDUTO EXPEDIDO - VENCIDO O RELATOR. Não podem bens alienados fiduciariamente ser objeto da penhora para garantir dívida do alienante, "uma vez que eles pertencem ao credor-fiduciário, e não ao devedor-executado" (REsp 626999/SC, Relator Ministro João Otávio de Noronha). Mas, "nada impede, contudo, que os direitos do devedor fiduciante oriundos do contrato sejam constritos" (REsp 260880/RS, Relator Ministro Felix Fischer).

Verifica-se, portanto, que no ano de 2007, ou seja, anterior ao

posicionamento do Supremo Tribunal federal, o tribunal catarinense ainda entendia

no sentido da prevalência do dispositivo da Constituição Federal frente aos tratados

internacionais de direitos humanos ratificados pelo Brasil, em específico a

Convenção Americana de direitos humanos, onde mantinha a prisão civil do

depositário infiel.

No mesmo sentido era o entendimento do Superior Tribunal de

Justiça:

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Habeas Corpus 82.613-MG (2007/0105179-0). Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do julgamento: 25/06/2007. Data da publicação: 01/08/2007 Ementa: HABEAS CORPUS. DEPOSITÁRIO JUDICIAL. DESCUMPRIMENTO DE MUNUS PÚBLICO. PRISÃO CIVIL. Descumprido, de forma voluntária, o dever de guarda e conservação dos bens arrolados, caracteriza-se a infidelidade, o que legitima a prisão civil. Quem se nega a devolver bem penhorado de que é depositário pode ser preso - não por inadimplemento de dívida - mas por apropriação de bem público. Pacto de São José da Costa Rica não revogou a possibilidade de se decretar a prisão civil do depositário infiel.

Assim, incontáveis foram os julgados do Superior Tribunal de

Justiça, do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, bem como diversos outros

tribunais que reiteradamente reconheciam a existência da possibilidade da prisão

civil do depositário infiel em decorrência do dispositivo previsto na Constituição.

Este posicionamento durou majoritariamente até 03 de

dezembro de 2008, quando o STF concluiu o julgamento que, conforme esclarecido

anteriormente passou a reconhecer o valor supralegal dos tratados internacionais de

direitos humanos, quando não preenchidos os requisitos do art. 5, § 3º, caso este

em que passaria a ter valor constitucional.

É o que se observa ao analisar os recentes julgados:

Agravo de Instrumento 2008.057516-1 Relator: Março Aurélio Gastaldi Buzzi. Órgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial. Data do Julgamento: 26/03/2009 Data da Publicação: 13/05/2009 Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE JULGADA PROCEDENTE - PLEITO DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DEMANDANTE PARA EXPEDIÇÃO DE DECRETO PRISIONAL AO RÉU, EM PODER DO QUAL O BEM FICARA CONFIADO EM DEPÓSITO NO CURSO DA LIDE - MANUTENÇÃO DO DECISUM DE PRIMEIRO GRAU QUE REJEITOU A PRETENSÃO - INADMISSIBILIDADE DA PRISÃO CIVIL DO DEPOSITÁRIO JUDICIAL - PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA - TRATADO INTERNACIONAL QUE EXCLUI A APLICABILIDADE DE LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA A RESPEITO DE DIREITOS HUMANOS - ORIENTAÇÃO SUFRAGADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E AGORA APLICADA PELA CÂMARA - CANCELAMENTO DA SÚMULA N. 619 DA CORTE SUPREMA - RESSALVA QUANTO AO ENTENDIMENTO PESSOAL DO RELATOR - RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O art. 5º, § 2º, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do

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regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel (STF, Ministra Ellen Gracie, relatora do Habeas Corpus n. 88.240-4, julgado em de outubro de 2008).

No mesmo sentido verifica-se uma mudança nas decisões do

Superior Tribunal de Justiça:

Recurso Ordinário em Habeas Corpus RHC 24978-MS (2008/0264336-8). Relator: Ministro Sidnei Benetió. Órgão Julgador: Terceira Turma. Data do Julgamento: 18/12/2008 Data da publicação: 10/02/2009 Ementa: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS - EXECUÇÃO - DEPOSITÁRIO INFIEL - DECISÃO JUDICIAL - AMEAÇA DE PRISÃO CIVIL - HABEAS CORPUS – TRIBUNAL "A QUO" - ORDEM DENEGADA - NOVA ORIENTAÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A MATÉRIA - RECONHECIMENTO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO CIVIL, EM TODAS AS HIPÓTESES, DO DEPOSITÁRIO INFIEL - PRINCÍPIO DA ISONOMIA - INTERESSES DAS PARTES LITIGANTES – SEGURANÇA JURÍDICA - NECESSIDADE DE ADOÇÃO DE REFERIDA ORIENTAÇÃO POR ESTA CORTE. I - Não obstante tradicional orientação nesta Corte, há muitos anos, pela não aplicação do Pacto de São José da Costa Rica – em vigor no Brasil desde o advento do Decreto n. 678, de 6 de novembro de 1992 – ao caso do depositário infiel, cumpre destacar que o C. Supremo Tribunal Federal (STF) em recente julgamento, do dia 3.12.2008, quando foram apreciados os Recursos Extraordinários 466.343/SP e 349.703/RS e o HC 87.585/TO, tornou definitiva a orientação no sentido da inconstitucionalidade da prisão civil, em todas as hipóteses, do depositário infiel, circunstância que, por si mesma, impõe a concessão da ordem no caso concreto. II - Sensível a essa mudança de orientação, o próprio Superior Tribunal de Justiça, inclusive com o voto do Relator do presente recurso, já proferiu julgados que acompanham a diretriz do Supremo Tribunal Federal, no sentido da inviabilidade da prisão civil do depositário infiel. Precedentes. Recurso provido.

Neste sentido, o STJ passou enfim, a reconhecer a

inconstitucionalidade da prisão civil do depositário infiel, observando ainda, que o

Brasil já é signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos desde 1992, e

que só então se passou a observar e seguir os preceitos do referido tratado

internacional.

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Por certo que houve uma grande mudança na história do direito

brasileiro, não só porque hoje não há mais a prisão civil por dívida (exceto a dívida

referente a pensão alimentícia), mas porque o Brasil passou para um novo modelo

de Estado constitucional internacionalista, e passou a observar os preceitos e

anseios da comunidade internacional, principalmente no que diz respeito a proteção

dos direitos humanos.

Considera-se uma grande evolução na sociedade brasileira,

apesar de infelizmente ainda encontrar decisões que entendem que a revogação da

prisão civil por dívida acarretaria em impunidade e práticas desonestas, caso em

que o poder judiciário não poderia contribuir este tipo de atitude:

TRT 2 região ACÓRDÃO Nº:SDI - 01743/2009-7 PROCESSO Nº:10567200900002000

Ementa: INFIEL. LEGALIDADE. Em se tratando o Paciente de depositário do bem penhorado no processo de execução, praceado, arrematado e não entregue mediante mandado expedido para esse fim, alegando "acreditar" que se encontrasse em outro estado da federação (Bahia), sem dar outros detalhes de seu paradeiro, perfeitamente legal a prisão decretada, face ao previsto no art. 5º, LXVII, da CF, do art. 652 do CC e 148 do CPC, os quais vigoram perfeitamente para impor legitimidade à prisão do depositário judicial, auxiliar do juízo, com obrigação legal que estabelece típico relacionamento de direito público entre o Juízo e o depositário para a guarda e conservação do bem. A previsão do art. 7º, parágrafo 7º, do Pacto de San Jose da Costa Rica, ainda que tenha sido ratificado pelo Brasil e inserto no ordenamento jurídico com status de emenda constitucional, mormente a partir da EC 45/2004, não tem o condão de revogar cláusula pétrea e intocável, ao teor do art. 60, parágrafo 4º, IV, da CF. Ademais, a exclusão da possibilidade de prisão civil do infiel depositário acaba por desencadear, diante do prognóstico da impunidade, práticas desonestas como o empreendimento neste caso, o que não pode ser chancelado pelo Poder Judiciário.

Deste modo, o que se verifica é que, caso o legislador

estivesse preocupado em criar mecanismos de proteção a possíveis fraudes, ou

alguma ação ardil do ser humano, o mesmo legislador não poderia ter aprovado e

ratificação instrumentos que contrapõe tais medidas, como os referidos tratados

internacionais de direitos humanos.

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Não sendo este o caso, o magistrado terá que ser cauteloso e

simplesmente não ignorar tais preceitos, com fundamento de assegurar medidas

eficazes para que não haja impunidade, e práticas desonestas.

Contudo, ressalta-se que o intuito dos tratados internacionais

não é facilitar as referidas práticas desonestas, mas fortalecer a proteção dos

direitos humanos, dos valores da dignidade humana e os direitos e garantias

fundamentais.

Discorre sobre a matéria o nobre Jurista Antônio Augusto

Cançado Trindade139, juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos:

Como em outros campos do Direito Internacional, no domínio da Proteção internacional dos Direitos Humanos, os Estados contraem obrigações internacionais no livre e pleno exercício de sua soberania, e uma vez que o tenham feito não podem invocar dificuldades de ordem interna ou constitucional de modo a tentar justificar o não-cumprimento destas obrigações.

Deste modo, pode ser equivocada a decisão que condena a

prisão civil do depositário infiel, quando se fundamenta que o ordenamento jurídico

brasileiro não possui outros meios eficazes de garantia de pagamento.

Em outro passo, o Tribunal de Justiça Mineiro já decidiu pela

aplicação do preceito da prisão do depositário infiel com base no fundamento que o

STF não tem poder para legislar. Conforme se observa na decisão a seguir:

Habeas Corpus 1.0000.09.499546-1/000(1). Relator: José Marcos Vieira. Órgão Julgador: Décima sexta câmara cível. Data de Julgamento: 30/09/2009. Data de Publicação: 04/12/2009. Ementa: HABEAS CORPUS PREVENTIVO - PRISÃO CIVIL - DEPOSITÁRIO INFIEL - POSSIBILIDADE. - Há disposição quanto a prisão do depositário infiel, expressa na Constituição da República em seu art. 5º, inciso LXVII. Não é do S.T.F. as atribuições de revogar dispositivos constitucionais. - O depositário judicial exerce uma função pública relevante, representa o Estado, sendo nomeado para guardar com zelo, dedicação o bem expropriado pelo Estado judicialmente que será posteriormente usado ou não para saldar um débito cobrado em processo de execução.

139

CANÇADO TRINDADE, Antônio Augusto. A Proteção Internacional dos Direitos Humanos: Fundamentos Jurídicos e Instrumentos Básicos. São Paulo: Saraiva. 1991, p. 47

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Em contraposição a decisão supra mencionada, o Ilustre jurista

Luiz Flávio Gomes140 comenta este tipo de situação:

Convenhamos: nenhum jurista no Brasil pode ignorar a histórica decisão do STF de 03.12.2008: essa data tornou-se muito importante para nós. Não só porque acabou com a prisão civil do depositário infiel, senão sobretudo, porque inaugurou um novo modelo de Estado de Direito e de Justiça: o constitucional internacionalista. Isso implica que o juiz já não pode se contentar em conhecer apenas as leis e códigos. Esse modelo de juiz (legalista positivista) está morto. Será cada vez mais reconhecido como jurássico (ou dinossáurico). O que se lamenta em pleno século XXI. (...)

Por fim, para evitar este tipo de situação em 16 de dezembro

de 2009, o STF editou a súmula vinculante n. 25 a qual dispõe: “É ilícita a prisão civil

de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito”, no qual o seu

descumprimento pode acarretar em uma reclamação direta ao STF, a fim de

modificar a decisão que não a observou.

140 GOMES, Luiz Flávio; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à convenção americana de

direitos humanos: Pacto de San José da Costa Rica. Revista dos Tribunais. 3ª ed. Brasília, 2009, p. 68.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nas considerações finais privilegiou-se discutir os temas até

aqui apresentados, como os direitos humanos, o tratado internacional dos direitos

humanos, a constituição brasileira de 1988 e a prisão civil do depositário infiel.

Desta forma, observa-se que a prisão civil no direito

internacional tem sido sistematicamente vedada como medida de respeito aos

direitos fundamentais da pessoa humana. A exceção reside nos casos do

inadimplemento de obrigação alimentar, quando esse tipo de prisão é tolerada, mas

somente nesta situação.

Desta forma, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e

Políticos, patrocinado em 1966 pela Organização das Nações Unidas, ao qual o

Brasil aderiu em 1990, já previa esta proibição em seu Art. 11: “ninguém poderá ser

preso apenas por não poder cumprir com uma obrigação contratual”.

No mesmo passo, a Convenção Americana de Direitos

Humanos, também conhecida como Pacto de San José da Costa Rica, ratificada

pelo Brasil em 1992, estabeleceu no Art. 7. 7 que ninguém deve ser detido por

dívidas, mantendo esta pena somente no caso de inadimplemento de obrigação

alimentar.

Assim, o que se verifica é uma discrepância entre a

Constituição Federal de 1988, que é clara ao estabelecer a possibilidade da prisão

civil por dívida, no caso do depositário infiel e entre os Tratados Internacionais de

direitos humanos, do qual ressalta-se, o Brasil é signatário e há décadas já vêm

proibindo este tipo de prisão.

Neste caso, resta fazer uma análise sobre qual norma possui

valor hierárquico maior e deve ser aplicada ao ordenamento jurídico brasileiro.

Por certo, que durante anos a jurisprudência era pacífica ao

determinar a prisão do depositário infiel, até que o Supremo Tribunal Federal em 03

de dezembro de 2008 reconheceu, no histórico julgamento, que os tratados

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internacionais de direitos humanos, por sua própria essência, merecem um

tratamento especial no ordenamento jurídico brasileiro, sendo que por cinco votos a

quatro (que reconheciam o valor constitucional), optou por reconhecer o valor

supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos,

Em outras palavras, pode-se observar que, apesar de haver

expressamente a possibilidade da prisão civil do depositário infiel na Constituição

Federal, a norma que regula a prisão civil é através de Leis Ordinárias.

Sendo assim, ao reconhecer o valor de norma supralegal aos

tratados internacionais de direitos humanos, ou seja, acima das leis ordinárias e

abaixo da Constituição, o Supremo Tribunal Federal deixou claro o fim de todas as

hipóteses da prisão civil do depositário infiel, com fundamento no Art. 7, 7 da

Convenção Americana de Direitos Humanos, isto porque a legislação ordinária

brasileira conflita com teor normativo deste texto humanitário internacional.

Assim, o conflito de uma norma ordinária com a Convenção

Americana de Direitos Humanos, resolve-se pela invalidade da primeira, conforme

ficou assentado no voto do Ministro Gilmar Mendes, que ainda mencionou o

princípio da proporcionalidade como ulterior fundamento para não admitir a prisão do

depositário infiel.

Em virtude do que foi mencionado, conclui-se que a prisão civil

do depositário infiel constitui uma verdadeira desmoralização dos direitos humanos,

na medida em que o indivíduo é privado de sua liberdade em nome dos interesses

pecuniários de terceiros. Contudo, verifica-se que o Supremo Tribunal Federal já deu

um passo a caminho do reconhecimento e respeito aos direitos humanos e dos

princípios fundamentais, ao reconhecer o status supralegal dos tratados

internacionais de direitos humanos, e conseqüentemente reconhecer que todas as

normas que contemplam a prisão civil do depositário infiel perderam sua validade.

Assim, levando-se em conta o que foi abordado no presente

trabalho, conclui-se que tanto a Convenção Americana de Direitos Humanos, quanto

o Pacto dos Direitos Civis e Políticos ratificados pelo Brasil, possuem status

normativo de norma supralegal, e que, portanto a prisão civil do depositário infiel é

um ato ilícito.

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