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FUNDAMENTO DO DIREITO CIVIL E DIREITO DAS PESSOAS LISBOA, 2009

Apontamentos de Fundamentos Do Direito Civil e Direito Das Pessoas TGN I

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Page 1: Apontamentos de Fundamentos Do Direito Civil e Direito Das Pessoas TGN I

FUNDAMENTO DO DIREITO CIVIL E DIREITO DAS PESSOAS

LISBOA, 2009

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1. Direito Civil: noção

1.2.1. Critérios e importância da distinção entre Direito Privado e Direito Público

- Critério de interesse- Critério dos sujeitos da relação jurídica- Critério da posição dos sujeitos na relação jurídica: o direito privado regula as relações jurídicas estabelecidas entre particulares ou entre particulares e o Estado ou outros entes públicos, mas intervindo o Estado ou esses entes públicos em veste de particular, isto é, despidos de imperium ou poder soberano, isto é, fora do exercício de quaisquer funções soberanas.

1.2.2. Princípios informadores

Direito Público – Princípio da Competência: apenas se pode fazer o que é permitido

- Princípio da Autoridade: o Estado no exercício do seu poder de mando “ius imperium”, impõe-se aos particulares

Direito Privado – Princípio da liberdade: é lícito fazer tudo o que não é proibido.

- Princípio da igualdade: as relações entre os particulares são em pé de igualdade.

2 – Princípios fundamentais do Direito Civil

2.2.1. Princípio da Personificação Jurídica do Homem

O princípio da Personificação Jurídica do Homem reconhece que todos os homens são pessoas jurídicas. Prende-se com a imanente dignidade humana. É pois uma qualidade imposta ao Direito; nela encontra projecção ou dignidade imanente da pessoa humana, para plena realização dos seus interesses, que ao Direito cabe assegurar e em funções das quais afinal existe.

Personalidade jurídica – susceptibilidade de ser titular de direitos e de estar adstrito a circulações – Homem actor no mundo do Direito.

2.2.2. Reconhecimento do Direito de Personalidade

O Direito Civil reconhece um círculo fundamental de direitos fundamentais. Pode dizer-se que é um corolário do princípio do reconhecimento da dignidade humana, enquanto pessoa jurídica. Não basta afirmar a susceptibilidade de ser titular de direitos, o princípio do reconhecimento da personificação do Homem enquanto qualidade jurídica, ficaria esvaziado de sentido, se não lhe fosse atribuído conteúdo útil e significativo, e uma inerente protecção, assegurando-se

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a cada pessoa jurídica, e pelo simples facto de o ser, um conjunto mínimo de direitos, inerente a uma qualidade e de que ela se torna imediatamente titular, ao adquirir personalidade (artigo 66º)

Noção: são direitos que constituem atributo da própria pessoa e que têm por objecto bens da sua personalidade física, moral e jurídica, enquanto emanações ou manifestações da personalidade, em geral.

Características dos Direitos de Personalidade

- Absolutos: os direitos de personalidade integram-se numa categoria de direitos oponíveis erga omnes, isto é, que o seu titular pode invocar e fazer valer contra todos.

- Não patrimoniais (ou pessoais): direitos não susceptíveis de ser avaliados em dinheiro. Não significa, porém, que a sua violação não possa envolver uma indemnização. Exemplo: o regime do artigo 484º

- Não disponíveis (ou indisponíveis): o seu titular não pode renunciar aos direitos de personalidade nem limitar a sua titularidade – artigo 81º nº 1 e 2

m- Intransmissíveis: extinguem-se com o seu titular, por mortis causa.

- Objecto de protecção penal: o Código Penal pune como crimes as ofensas mais significativas aos direitos da personalidade.

Tutela civil dos direitos de personalidade

Artigo 70º - cláusula geral de tutela da personalidade

Artigo 71/1 (contradição com o artigo 68/1). Possíveis explicações:

1- Oliveira Ascensão – dissociação subjectiva entre o titular do interesse e do poder.

2- Antunes Varela e Pires de Lima – por aquisição derivada: o direito que alguém vai adquirir já existia na esfera jurídica de outras pessoas (mortis causa de direitos pessoais)

3- Carvalho Fernandes – as pessoas referidas no artigo 70/2 não são só titulares do poder, mas também titulares dos interesses que se pretendem proteger. Há, pela morte de alguém, o nascimento de direitos a pessoas que lhe são próximas.

Artigo 81º - administração dos direitos de personalidade é sempre voluntária, revogável e não contrária à ordem pública (conjunto de princípios imperativos que constituem ordenamento jurídico.

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2.2.3. Princípio da Liberdade

Noção: segundo este princípio é lícito tudo o que não é proibido. A ele se contrapõe o princípio da competência em função só é lícito o que é permitido, dominante no Direito Público.

Autarquia privada: é a expressão do princípio, mais amplo, da liberdade e consiste no poder reconhecido aos particulares de auto-regulamentação, de autogoverno da sua esfera jurídica. Corresponde assim a um espaço de liberdade jurídica atribuído, pelo Direito, às pessoas, podendo definir-se como uma permissão genérica de produção de efeitos jurídicos.

Prof. Menezes Cordeiro: a autonomia privada deixa à liberdade humana a prática de factos jurídicos, portanto de ocorrência que, por integrarem previsões normativas, desencadeiam efeitos de Direitos.

Liberdade contratual (artigo 405º)

- liberdade de celebração;- liberdade de estipulação

Direito real de gozo (artigo 1305º)

- Uso – utilização- Fruição – possibilidade de desenvolver actividades produtivas- Disposição – possibilidade de desenvolver ou não as outras faculdades e a susceptibilidade de transmitir o direito – entre vivos ou por morte.

2.2.4 Pp. da Igualdade

Igualdade dos homens perante a lei – art.º 13º da CRP

Art.º 13º/1 – Formulação positiva – todas as pessoas têm igual dignidade perante a lei

Art.º 13º/2 – Formulação negativa – ninguém pode ser privado de qualquer dever, por efeitos discriminatórios

A raiz do pp. da igualdade – deve tratar-se de modo igual tudo, o que é igual e de modo diferente tudo, o que é diferente.→ Proíbe a arbitrariedade (ex: incapacidade dos menores, há uma razão objectiva que justifica esse tratamento diferenciado – protecção do menor)No Código Civil o princípio da igualdade também se manifesta (ex: o senhorio que tem uma casa para arrendar e, só deseja arrenda-la a raparigas – viola o princípio da igualdade – isto se for em função do sexo, senão for não viola)

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2.2.5. Princípio da Responsabilidade Civil

A actuação jurídica das pessoas pode atingir o interesse de outrem, causando-lhe danos; quando tal aconteça, o causador do dano deve reparar o mal sofrido pela vítima.

Pressupostos de responsabilidade

- prática de um facto ilícito voluntário- dano- imputação do dano ao agente- nexo de causalidade

Tipos de Responsabilidade Civil

1 – Subjectiva ou por facto ilícito e culposo (contrário à lei e censurável, havendo produção de culpa) – artigo 488º/1

Culpa – negligente ou mera culpa, quando houver incumprimento de deveres de cuidado

Dolo (quando houver vontade de lesar)

Nexo de Causalidade

Responsabilidade extra contratual: violação de um direito absoluto art. 483 e seguintes

Responsabilidade contratual: violação de um direito de crédito (artigos 798º e 799º)

2 – Responsabilidade Objectiva pelo risco ou por factos ilícitos sem culpa – artigo 483º/2

3 – Responsabilidade por facto lícito – o sujeito mesmo não tendo violado a norma, é obrigado a indemnizar. Exemplo – o estado de necessidade – artigo 339º.

Obrigação de indemnizar

O instituto da responsabilidade civil origina na esfera jurídica de quem causa o dano a particular obrigação da indemnizaçãoFonte: o dano mais a sua imputação numa esfera jurídicaConteúdo: a indemnização; devedor está adstrito de indemnizar Visa tornar o lesado indemne, isto é, colocar a vítima na situação em que estaria sem a ocorrência de facto danoso.

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Classificação dos danos

- Morais ou patrimoniais:

Danos morais (ou não patrimoniais) resultam da lesão de bens estranhos ao património do lesado. Exemplo: integridade física, tranquilidade, bem-estar físico e psicológico. Não são danos susceptíveis de ser avaliados em dinheiro pelo que a respectiva indemnização corresponde a uma ideia de compensação.

Danos patrimoniais são os prejuízos sofridos pelo lesado susceptíveis de avaliação em dinheiro.

- Emergentes ou lucros cessantesOs primeiros correspondem à supressão de utilidades; os segundos dizem

respeito à não obtenção de vantagens, que se não ocorresse a lesão, seriam aguardadas.

2 .2.6. Princípio da boa fé

- O papel da boa fé é transportar para a periferia (os casos concretos), os valores fundamentais do sistema jurídico.- Há uma interacção entre o núcleo e a periferia: os casos concretos conduzem à elaboração de princípios que irão influenciar a revolução dos casos concretos:A boa fé é o meio de transporte que conduz as necessidades para o núcleo e os princípios do Direito para a periferia.

Sentido de Boa fé

Objectivo – remete para princípios, regras, ditames ou limites por ela comunicados ou, simplesmente, para um modo de actuação dito de “boa fé”. Exemplos: 227º/1, 239º, 339º, 762º/2.

Subjectivo – está em causa um estado do sujeito, ou seja, estados de consciência interiores do sujeito. Pode-se caracterizar como; segundo a lei:- mero desconhecimento ou ignorância de certos factos (artigo 293º/2)- desconhecimento sem culpa ou uma ignorância desculpável (artigo 291º/3).

- Psicológica: ignorância pura

- Ética: implica a valoração da ignorância e esse estado de ignorância só releva-se por desculpável. Por isso, está de má fé a pessoa que, com culpa, desconheça aquilo que deveria conhecer. Prevê a existência de deveres de cuidado e de indagação.

Institutos concretizadores de boa fé objectiva

- tutela da confiança: quando se actua juridicamente há alguém que recebe essa actuação. Actuamos como queremos devido ao princípio da liberdade. Mas quem recebe a nossa actuação confia que nós actuamos segundo a autonomia privada

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e em conformidade com as regras. Há situações em que uma pessoa acredita no actuante e este acaba por fazer algo oposto.

- Para que a confiança seja tutela são necessários quatro requisitos:

Situação de confiança – traduz-se na boa fé subjectiva ética, ou seja, no estado de ignorância desculpável da pessoa que confia.

Justificação dessa confiança – requer que a confiança se tenha alicerçado em elementos razoáveis e susceptíveis de provocar a adesão de uma pessoa normal.

Investimento da confiança – exige que a pessoa a proteger, justificadamente, tenha desenvolvido uma actuação baseada na própria confiança que não pode ser desfeita sem prejuízos inadmissíveis.

Imputação dessa confiança – toda a situação de confiança criada deve ser atribuída àquele que se opõe à boa fé; irá sofrer com a tutela dada ao confiante. Ao proteger-se a confiança de uma pessoa, vai-se, em regra, onerar outra; isso implica que esta outra seja, de algum modo, a responsável pela situação criada.

- Primazia da materialidade subjacente – exige que as actuações jurídicas sejam avaliadas materialmente em relação às consequências que acarretam. O Direito visa, através dos seus preceitos, a obtenção de certas soluções efectivas; torna-se, assim, insuficiente a adopção de condutas que apenas na forma correspondem aos objectivos jurídicos descurando-os, na realidade, num plano material.

- O princípio da materialidade subjacente realiza-se através de três vias:

- conformidade material das condutas – exige que, no exercício de posições jurídicas, se realizem, com efectividade, os valores pretendidos pelo ordenamento. Será pois contrária à boa fé qualquer conduta que apenas na forme dê corpo ao que o Direito determina.

- idoneidade valorativa – não admite que alguém utilize a própria situação jurídica que tenha violado para tirar proveito contra outrem, em função do seu ilícito.

- equilíbrio no exercício das posições jurídicas – veda o acto cumulativo e a actuação gravemente desequilibrada.

Figura do Abuso de Direito – figura logomática

- O termo “abuso de direito” é logomático: se há direito, não há abuso e vice-versa. Deverá ser substituído por exercício inadmissível da posição jurídicas. Relaciona-se com o modo de com o modo de como é exercido o direito subjectivo no caso concreto. (planos objectivo e subjectivo)

- No seguimento dos estudos de Menezes Cordeiro, é hoje corrente no nosso sistema jurídico caracterizar certos tipos de actos como abusos, à luz do artigo 334º.

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Exceptio doligeralis – no domínio do abuso do direito, o dolo consiste em sugestões ou artifícios com carácter fraudulento do que o titular do direito se prevaleça no seu exercício. Assim, a excepção de dolo actuaria como reacção, pela via de paralisar ou impedir o exercício com dolo, logo abusivo, mediante a atribuição de uma faculdade potestativa àquele contra quem o direito é exercido.

Venire contra factum proprium – proibição de comportamentos contraditórios que no plano do exercício do direito, considera inadmissível uma actuação contrária a outra antes assumida pelo seu titular.

Tu quoque – a ideia de que aquele que viole uma norma jurídica não pode tirar partido da violação exigindo a outrem o acatamento das consequências daí resultante, ou seja, a prática de um facto ilícito contra 3º tirando, benefícios próprios.

Desequilíbrio no exercício – o exercício do direito encontra o seu limite quando houver uma grave desproporção entre o benefício recebido e o prejuízo imposto a outrem.

Inelagabilidade formal – vício de forma que torna o negócio nulo.

Supressio corresponde a um não exercício do direito durante um prolongado período de tempo (prescrição e caducidade). Veste a saturação do lado do titular o não-exercício prolongado tem de significar, em termos objectivos, a intenção de não o exercer, para poder criar, na outra parte, uma situação que justifica a tutela da confiança segundo os seus elementos comuns, de o direito não ser exercido.

Surretio (contrário de supressio)

3. As pessoas

3.1. Personalidade jurídica – susceptibilidade de ser titular de direitos e de estar adstrito a vinculações. É uma qualidade: ou se tem ou não se tem.

- Titularidade – nexo de pertença de um direito de certa pessoa- Adstrição – nexo de vinculação de certa pessoa

3.2. Capacidade jurídica – medida de direitos e vinculações de que uma pessoa é susceptível de ser titular e de estar adstrito. É uma noção quantitativa.

Capacidade de gozo – medida de direitos e vinculações de que uma pessoa pode ser titular – artigo 67º

Capacidade de exercício – medida de direitos e das vinculações que uma pessoa pode exercer e cumprir por si, pessoal e livremente – artigo 130º

- A capacidade pode ser:

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Genérica – abrange a generalidade de direitos e vinculações reconhecidos pelo Direito

Específica – abrange apenas certas categorias de direitos e vinculações. Exemplo: a capacidade de gozo específica das pessoas colectivas (artigo 160º)

Particular – quando refere determinado direito ou vinculação. Exemplo: capacidade particular de gozo do menor – o direito de casar (artigo 1601; al. A)

Incapacidade de exercício é suprível através de um sistema organizado pelo Direito com vista a permitir o exercício dos direitos e o cumprimento das vinculações de um incapaz.

Incapacidade de gozo é insuprível impede à própria titularidade ou adstrição.

Meios de suprimento da incapacidade de exercício: são situações jurídicas que permitem resolver os problemas técnico-jurídicos emergentes da incapacidade. São vistos como realidades estáticas e mantêm uma marcada ligação com cada tipo de incapacidade. Exemplo: o poder paternal e a tutela.

Formas de suprimento da incapacidade de exercício: são modos de actuação estabelecidos pelo Direito e em vista do efectivo exercício dos direitos e cumprimento das vinculações do incapaz. São realidades dinâmicas.

- Representação (substituição de vontades) quando o incapaz não é admitido a exercer pessoalmente os seus direitos, implica então que a outra pessoa actue em lugar dele, em seu nome e no seu interesse, por determinação da lei (artigo 258º)A actuação do representante reflecte-se na esfera jurídica do incapaz.

- Assistência (conjugação de vontades) quando a certa pessoa não lhe é admitido o exercício livre dos seus direitos. O incapaz pode agir mas não sozinho, o suprimento da incapacidade impõe apenas que outra pessoa actue juntamente com o incapaz. O assistente colabora com o incapaz, que também intervém no acto. Assim, para este ser válido tem de haver o concurso de vontades entre o assistente e o incapaz. O incapaz é admitido a agir pessoalmente, mas não livremente. A assistência comporta três modalidades:

- Autorização: a vontade do assistente manifesta-se num momento anterior ao acto. Exemplo: artigo 153º/1 – suprimento da incapacidade por inabilitação.

- Comparticipação: a vontade do assistente manifesta-se no próprio acto, no qual deve participar.

- Ratificação ou aprovação: a manifestação da vontade do assistente é posterior ao acto do incapaz.

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3.3. Legitimidade – susceptibilidade de certa pessoa jurídica exercer um direito ou cumprir uma vinculação resultante de uma relação existente entre uma pessoa e o direito ou vinculação em causa.

3.4. Esfera jurídica – conjunto de direitos e vinculações de que certa pessoa é titular e a que está adstrita em determinado momento. A esfera jurídica divide-se em dois hemisférios:

- Hemisfério patrimonial – conjunto de direitos e vinculações avaliáveis em dinheiro que em certo momento certa pessoa é titular e estar adstrito.

- Hemisfério não patrimonial – é constituído por todos os demais direitos e vinculações dessa pessoa.

3.5. Património

- sentido jurídico correspondente ao hemisfério patrimonial, ou seja, o conjunto de direitos e vinculações pertencentes a determinada pessoa e susceptíveis de avaliação em dinheiro.

- sentido material conjunto de bens pertencentes a certa pessoa em determinado momento avaliáveis em dinheiro.

Património bruto – conjunto dos seus elementos activos e passivos (património activo e património passivo).

Património líquido – saldo entre os patrimónios activo e passivo – superavit/deficit.

Funções do Património

- Interna - consiste em servir de suporte material da vida do seu titular.

- Externa – consiste em servir de garantia comum dos direitos dos credores do sue titular. É no património do devedor que os credores, em última análise, encontram a garantia de satisfação dos seus créditos (artigo 604º).

- Em princípio, todos os credores se encontram em igual posição perante o património do devedor: por isso o património é a sua garantia comum (artigo 604º).- Não é todo o património que desempenha a função externa, há um conjunto de bens impenhoráveis que permitem à pessoa viver com dignidade.

- É no património do devedor que os credores, em última análise, encontram a garantia de satisfação dos seus créditos (artigo 601º). Essa garantia exerce-se, quando o interesse do credor não seja voluntariamente realizado, por via judicial, através de um meio próprio, a acção executiva. Nessa acção há uma fase especificamente dirigida à apreensão de bens do património do devedor, para

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com eles, ou com o dinheiro obtido com a sua venda, se satisfazer o interesse do credor – penhora.

Desvios da função externa do património: Separação de património (artigo 601º)

- Património Autónomo: massa patrimonial não integrada no património geral da pessoa. Caracteriza-se por um regime especial de responsabilidade por dívidas. O património autónomo responde pelas suas dívidas e só por elas. Exemplo: a herança.

- Património Colectivo: existe uma massa patrimonial pertencente a mais do que uma pessoa. Não é possível separar quotas pois há titularidade do conjunto: enquanto ele substituir, só o conjunto dos titulares pode exercer direitos sobre ele. Caracteriza-se, em particular, pelo facto de se encontrar afectado a determinado fim, que visa prosseguir e subsiste enquanto esse fim não se realizar ou for impossível.

- a responsabilidade por dívidas do património colectivo consiste no seguinte:

Os credores do património colectivo (das dívidas contraídas em função do seu fim) apenas se podem fazer pagar pelo valor da respectiva massa patrimonial; apenas se estiver excutida, é que os bens pessoais dos contitulares respondem, solidariamente por essas dívidas.

Os credores pessoais dos membros do grupo contitular do património não se podem pagar pelos bens deste, nem sequer pelo que eles detêm em comum, só após a partilha do património colectivo.

(artigo 196º e 198º)

Desvios da função externa do património: credores especialmente protegidos artigo 604º

- pode haver uma quebra no princípio da igualdade dos credores, mediante a atribuição, a alguns deles, de posição mais favorável. Existem então garantias especiais para certos credores. Podem ser de dois tipos:

- garantias (especiais) pessoais: surge outra pessoa, além do devedor, a garantir o direito do credor. O património dessa pessoa junta-se ao do devedor para assegurar a satisfação do crédito. Exemplo: a fiança – artigo 627 – e o aval.- garantias (especiais) reais: consistem em atribuir ao credor beneficiado o direito de se fazer pagar pelo valor de certos bens, com preferência sobre os demais credores. Fica-lhe a pertencer, ao lado do seu direito de crédito, um outro direito, com a natureza do direito real, que lhe dá um poder sobre certa coisa. Esse poder consiste em se fazer pagar pelo seu valor, antes dos demais credores. Essa coisa pode pertencer ao devedor ou a terceiros. Se a venda dessa coisa não for superior ao crédito do credor, os demais credores ficam privados da sua garantia quanto a ela; se for superior ao crédito do credor preferente, só pelo excesso os demais credores se podem fazer pagar. As garantias especiais são, por exemplo, a hipoteca (artigo 686º e seguintes) e penhor (artigo 666º e seguintes).

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3.6. Situações jurídicas

3.6.1. Noção de situação jurídica: Na sociedade existem bens – tudo aquilo que tendo utilidade, é apto para satisfazer as necessidades do homem. Visto que os bens são escassos, o Direito tem de regular as relações entre os bens e as pessoas. Quando a necessidade do homem representa uma posição sobre certo bem, prevista pelo Direito surge a situação jurídica.

- Situação jurídica é a configuração normativa das relações existentes entre os sujeitos e os bens jurídicos. Regulação da posição de uma pessoa em face das outras tendo como núcleo um certo bem.

- O Direito estabelece duas condutas que o homem pode ter relativamente aos bens

- Situação jurídica activa – traduz-se numa situação de vantagem- Situação jurídica passiva – traduz-se numa situação de desvantagem

3.6.2. Situações jurídicas absolutas e relativas

- Situação jurídica absoluta – existe por sim, sem dependência de nenhuma outra de sinal contrário. Esgota-se numa pessoa e na sua coisa. Exemplo: direito de propriedade (artigo 1305º).

- Situação jurídica relativa – quando se consubstancia na medida em que, frente a ela, se equaciona outra de teor inverso. Quando uma situação faz nascer outra, estamos perante uma relação jurídica – vínculo existente entre duas situações jurídicas.

Relação jurídica – vínculo que existe entre, pelo menos, duas pessoas, pelo qual uma delas tem o poder jurídico de exigir de outra uma conduta.

Toda a relação da vida social regulada pelo Direito, e que consiste na atribuição a um sujeito de um direito subjectivo e na adstrição de outro a uma vinculação jurídica.

3.6.3. Situação jurídica activa e passiva

- Na relação jurídica verifica-se a existência de dois pólos, ou lados, encabeçados cada um deles por um sujeito jurídico:

Sujeito activo: tem uma posição de vantagem em relação ao bem (objecto) e é titular de um direito subjectivo

Sujeito passivo: ocupa uma posição de inferioridade em face do sujeito activo e em relação ao bem em causa. Encontra-se adstrito a uma vinculação jurídica.

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3.6.4. Principais situações jurídicas activas

- Direito subjectivo (lato sensu)

Teoria da vontade (Savigny) – o direito subjectivo é um poder ou soberania da vontade reconhecida pela norma jurídica,

Teoria do interesse (Jhering) – o direito subjectivo é o interesse juridicamente protegido.

Noção do Prof. Carvalho Fernandes – é o poder jurídico de realização de um fim de determinada pessoa, mediante a afectação de um bem.

Noção do Prof. Menezes Cordeiro – é a permissão normativa de aproveitamento de um bem.

- Modalidades do direito subjectivo

Direitos subjectivos absolutos – caracterizam-se pela sua eficácia erga omnes, isto é, são oponíveis contra todos. Ex: o direito de propriedade.

Direitos subjectivos relativos – projectam-se fundamentalmente na esfera jurídica de uma ou mais pessoas determinadas ou determináveis e emergem de um facto jurídico que estabelece um vínculo entre o titular da situação activa e a pessoa da situação passiva correspondente. Ex: o direito de crédito

Direito subjectivo stricto sensu ou direito a uma conduta de outrem – é o poder dirigido a um comportamento de outra pessoa, sobre quem recai a necessidade jurídica de adoptar, em vista da satisfação do interesse protegido, Padece da possibilidade de ser violado se a outra pessoa não colaborar.

Direito potestativo – poder de por manifestação de vontade, produzir efeitos na esfera jurídica de outrem, sem que este o possa impedir. É fruto de uma norma que lhe confere tal poder.

- Faculdade – conjunto de poderes ou de outras posições activas unificado numa designação comum. Ex: o conteúdo do direito de propriedade. O conteúdo do direito subjectivo é o conjunto de faculdades em que se analisa o poder jurídico.

- Poder – disponibilidade de meios para a obtenção de um fim.

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- Poder funcional: situação de dissociação subjectiva entre a titularidade do poder e a titularidade do interessado que é protegido. Ex: poder paternal.

- Expectativa jurídica: situação juridicamente relevante de tutela de interesses durante o curso de constituição (ou aquisição) de um direito, cuja constituição (ou aquisição) depende de um facto complexo de produção sucessiva.

3.6.5. Principais situações jurídicas

- Vinculação – conjunto de situações passivas. É a necessidade jurídica de adoptar um comportamento ou de suportar certos efeitos jurídicos.

- Dever – necessidade normativa de adoptar determinado comportamento. A pessoa adstrita ao dever pode realizar o interesse do titular do correspondente direito ou tomar um comportamento diverso, violando a norma.

- Sujeição – situação, em que se encontra certa pessoa, de ter de suportar a produção, na sua esfera jurídica, dos efeitos jurídicos decorrentes da actuação unilateral do titular do direito potestativo. Caracteriza-se pela sua passividade (os efeitos produzem-se independentemente da vontade do sujeito passivo) e pela sua inviolabilidade (os efeitos jurídicos produzem-se inelutavelmente).

- Obrigação: o termo “obrigação” tem duas acepções:

Sinónimo de dever jurídico; Em sentido próprio da palavra, identifica um dever de prestação e corresponde à situação do devedor numa relação do tipo obrigacional ou creditícia, isto é, a situação oposta ao direito de crédito.

- Obrigação natural – À luz do artigo 402º define-se obrigação natural como o vínculo que, fundando-se num mero dever de ordem moral, representa a realização de um dever de justiça, não sendo o seu comportamento judicialmente exigível.

- Ónus ou encargo – necessidade de observar certo comportamento como meio de realização de certo interesse do onerado. Ex: artigos 484º e 485º do C.P.Civ.

Aspecto passivo – adopção necessária de um comportamento; Aspecto activo – obtenção de um resultado favorável.

- O ónus não é igual ao dever, pois quem está adstrito ao ónus pode ou não adoptar o comportamento necessário.

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3.7. Dinâmica do direito subjectivo

O conjunto de fenómenos que podem acontecer na vida do direito subjectivo é designado por vicissitudes. São consideradas em dois planos: objectivo e subjectivo.

- Vicissitudes objectivas: evolução objectiva do direito

Constituição – o seu nascimento para a ordem jurídica, por efeito da verificação de certo facto constitutivo. Ex: um contrato de compra e venda cria o preço.

Modificação : durante a sua vida, o direito pode sofrer modificações, não se mantendo inalterado. Reveste as duas seguintes modalidades:

- subjectiva: modificação relativa ao titular do direito – substitutiva (o sujeito do direito é substituído por outro) ou quantitativa (o número de titulares do direito aumenta ou diminui).

- objectiva: refere-se ao conteúdo e ao objecto do direito

Extinção : o desaparecimento de um direito da ordem jurídica através da verificação de um facto extintivo.

- Vicissitudes subjectivas: são consideradas em função do sujeito titular do direito. O primeiro momento a ter em conta na vida do direito, quando é considerada a sua referência à esfera jurídica é o da aquisição – imputação do direito a uma certa pessoa.

Aquisição : consiste na entrada do direito na esfera jurídica de certa pessoa.

Aquisição originária: a aquisição do direito coincide com a constituição deste. O direito nunca pertenceu a outrem, pelo que é adquirido sem a ligação a qualquer situação jurídica anterior. Pode haver, contudo, bens cujos direitos o tiveram por objecto mas que se perderam; o que interessa é esse direito constituir-se de novo, sem qualquer ligação com os direitos anteriores ou sem dependência deles.

Aquisição derivada: no momento da sua aquisição, o direito já existe na esfera jurídica de outrem, ou, pelo menos, o adquirente recebe um direito que retira a sua legitimidade de outro preexistente. Ex: prescrição extintiva – artigo 304º

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Translativa: o direito transita de uma esfera jurídica para outra tal como existia na anterior. Ex: artigo 879º, al. a)

Constitutiva: do direito existente na titularidade de certo sujeito destacam-se algumas faculdades com as quais se constitui um novo direito, de imediato atribuído a outra pessoa;

Modificativa: com a aquisição do direito, produzem-se modificações no direito adquirido que o demarcam do direito ligitimante. Ex: a aquisição de um prédio em regime de compropriedade.

Restitutiva: exemplo: o proprietário cujo direito se encontrava limitado ou onerado por virtude da aquisição derivada constitutiva, por outrem, de um direito real menor, quando se vê restituído à plenitude dos seus poderes por efeito da extinção deste segundo direito.

Perda (liberação nas vinculações): consiste na cessação da sua titularidade ou da sua adstrição em relação a certa pessoa. Por outras palavras, há perda, quando o direito sai da esfera jurídica de determinada pessoa.

Absoluta: ocorre quando, ao deixar de estar na titularidade de certa pessoa, o direito subjectivo desaparece da vida jurídica sem, portanto, ser atribuída a outrem. Ex: artigo 1318º.

Relativa: ocorre quando o direito deixa de estar na titularidade de uma pessoa mas é adquirido por outra.

3.8. Objecto do direito subjectivo: as coisas

- Noção de coisa

- Artigo 202º, nº1: esta noção tem sido criticada por ser demasiado ampla, pois, entendida à letra, abrangeria as prestações, os direitos, os efeitos jurídicos, as pessoas, tudo afinal quanto possa constituir objecto de direitos e vinculações.

- Noção do Prof. Carvalho Fernandes: toda a realidade autónoma, que, não sendo pessoa em sentido jurídico, é dotada de utilidade e susceptível de dominação exclusiva pelo homem.

- Interpretação da noção

- autonomia: a possibilidade de a coisa ser medida torna-a autonomizável. Afasta do conceito realidades que fazem parte de um todo complexo ou mais vasto, não sendo, por isso, possível estabelecer-se, quando a elas, relações jurídicas autónomas.

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- utilidade: aptidão, de certo bem, para satisfazer uma necessidade humana. Afastam-se, assim, da noção jurídica de coisa as realidades em relação às quais esta qualidade não faça sentido. Ex: um conceito, uma memória.

- possibilidade de dominação exclusiva pelo Homem: com este requisito, ficam excluídas do conceito de coisas as realidades dotas de utilidades, mas, postas, pela sua natureza, à disposição de todos os homens, não podendo, por consequência, ser objecto de apropriação exclusiva por nenhum. Ex: o ar, o mar.

Critérios de classificação

1. Quanto às qualidades (coisas materiais – qd são do mundo

físico com existências limitada; imateriais – não têm

existência limitada – ex: corrente eléctrica; corpóreas – são

apreendidas pelos sentidos; incorpóreas – são meras

criações do espírito humano – ex: quadro)

2. Quanto às relações existentes entre elas

Art.º (s) 204º e 205º

O CC dá uma definição de móvel e imóvel

No 204º a enumeração dá-se por exclusão de partes “todas as

coisas não compreendidas” no 204º são imóveis são imóveis no

205º

E enumeração do 204º é, assim, taxativa

Há NJ próprios das coisas móveis e imóveis (móveis – penhor ou

aluguer; imóveis – hipoteca ou arrendamento)

Existem diferentes regimes jurídicos para as coisas móveis e

imóveis (ex: 875º exigência de forma; o 291º muda consoante a

coisa seja móvel ou imóvel)

No 204º distinguem-se:

Imóveis por natureza – a) e b) – imóveis per si

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Imóveis por relação – c); d) e e) por serem consideradas imóveis

estas coisas tem de estar ligadas imóveis por natureza. O

objectivo é dar a estes imóveis por relação o mesmo regime das

coisas imóveis (ex: água – excluindo a água engarrafada, a água

dos oceanos; árvores – só são móveis enquanto estiverem

ligadas ao solo – se for cortada para lenha já é um imóvel)

Partes integrantes - quando s/ elas o imóvel perde parte do seu

valor, mas não fica incompleto (ex: pára-raios)

Partes componentes – quando s/ elas o imóvel se torna imperfeito

ou incompleto (ex: parede) – 1º têm de ter ligação material; 2º têm

de ter carácter de permanência

Art.º 205º Móveis é tudo o resto por exclusão de partes, porém, há móveis especiais sujeitos a registo (ex: motos, automóveis, aviões etc.)

Art.º 206º

Figura da universalidade de facto (ex: rebanho)Várias coisas tratadas de modo unitário – rebanho – porém, podem ter um tratamento autónomo s/ que o conjunto desapareça (ex: s/ uma ovelha não deixa de ser um rebanho)

Art.º 207º (fungíveis – substituíveis - e infungíveis -insubstituíveis)

“ (…) coisas são definidas pelo género, quantidade e qualidade”Posso pedir uma coisa do mesmo género e qualidade (ex: um pastel de nata), não interessa qual, apenas um pastel de nata“ (…) qd constituem objecto de RJ”, conforme a RJ distinguimos se é substituível ou não. (ex: ovelha X do rebanho ou um pastel de nata queimado)

Art.º 208º (consumíveis)

Critério jurídico – a coisa pode ser alienada ou destruída durante o seu uso regular, se o uso regular implicar a sua destruição o dto desaparece (ex: maçã, perca absoluta); se há uso regular s/ destruição, mas alienação (ex: dinheiro)

Art.º 209º (divisíveis)

Critério jurídico – uma coisa que, qd é partida não perde o seu valor

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(ex: um par de sapatos não é divisível)

Art.º 210º (coisa acessórias)A coisa acessória – não são partes integrantes - pressupõe a existência de outra coisa – a principal, esta existe por si mesmo (ex: prédio rústico – coisa principal, as alfaias – coisa acessórias).A coisa acessória não pode estar ligada materialmente, com carácter de permanência à coisa principal e não pode ser elemento da coisa principal.No art.º 210º/2 quer dizer que as coisas acessórias não seguem a principal nos negócios a estas respeitantes. S/ a coisa acessória a coisa principal perde a sua utilibilidade normal e não tem valor económico (ex: brinquedo de corda s/ chave; espada s/ bainha). O 210º/2 só pode contemplar realidades abrangidas pelas coisas pertenças. S/ não é contrário à boa-fé (ex: 762º).Coisa acessória sritcto senso ≠ coisa pertença – se o regime da coisa principal

Regime de imóveis Parte integrante – ligação material; carácter permanente; destaca-

se s/ a coisa imóvel deixar de existir.

Parte componente – ligação material; carácter permanente; s/ a

qual a coisa fica incompleta ou imperfeita

Regime de móveis (s/ ligação material) Coisa acessória stricto senso – modo duradouro; afecta ao

serviço, ornamentação (económica, estética, jurídica); s/ ligação

material permanente.

Coisa pertença – não têm valor autónomo; não podem ser

destacadas da coisa principal; prejudicando a sua utitlibilidade –

segue regime de pt integrante (ex: chave de boneco de corda;

bainha de espada).

Art.º 211º (Presentes e Futuras)É coisa que não existe no poder do disponente(ex: fruta de um pomar)

3.9. Prescrição e caducidade

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- Prescrição

- Noção: extinção de direitos por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei, sem prejuízo de se manter devido o seu cumprimento como dever de justiça

- Fundamento: encontra-se na negligência do titular do direito ao não o exercer dentro de certo período de tempo, tido como razoável pelo legislador, e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado.

- Confronto entre Justiça e Segurança

- no prisma da Justiça, a prescrição não faz sentido pois o devedor que não realizou a prestação deverá considerar-se vinculado até o credor lhe exigir, por muito tempo que passe;

- porém, razões de certeza e segurança impõe consequências desfavoráveis para o não exercício prolongado ou exercício tardio do direito do credor. Releva aqui, a necessidade de tutela da esperança de o devedor não ter de cumprir e, ainda, de prevenir consequências decorrentes da eventual dificuldade de, “passado muito tempo”, se fazer prova do cumprimento, porventura, já realizado.

- Âmbito da prescrição

- Fixa-se mediante a delimitação dos direitos que se podem extinguir se o seu exercício não ocorrer durante um certo período de tempo – Artigo 298º, nº1.

- A prescrição aplica-se à generalidade dos direitos, quando não haja prazo para o seu exercício. Exceptuam-se, segundo a parte final do artigo 298º, nº1:

- direitos imprescritíveis por natureza: nesta categoria situam-se os direitos indisponíveis, aqueles em relação aos quais não releva a vontade do titular para efeito da sua renúncia ou do exercício. Exemplos: os direitos de personalidade, os direitos da família de conteúdo não patrimonial.

- direitos imprescritíveis por disposição da lei (artigo 298º, nº3): podem, contudo, extinguir-se pelo não uso – não exercício reiterado do direito, sendo, em geral, indiferente a causa de abstenção do seu titular.

Na prescrição, a lei fixa prazos a partir dos quais o devedor se pode opor ao exercício do direito, por não ser mais razoável, embora seja possível exercê-los. Invocada a prescrição, a obrigação subsiste como natural.

- Modalidades da prescrição:

- prescrição ordinária: corresponde à noção de prescrição.

- prescrição presuntiva (artigo 312º): consiste numa mera presunção de cumprimento. Trata-se de dívidas que é habitual satisfazer em prazos muitos curtos

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e em que é frequente também não se passar documento de quitação – artigos 316º e 317º.

- por meio da prescrição presuntiva, o devedor fica protegido dos riscos ou dificuldades da prova do pagamento, passado certo tempo, tido como razoável para o cumprimento.

- Inversão do ónus da prova: em regra, caberia ao devedor provar o cumprimento; contudo, uma vez que beneficia da presunção, tem o credor de provar o não cumprimento – artigos 786º e 787º

- a presunção é ilidível, por prova feita pelo credor no sentido de não ter havido cumprimento. O único meio de prova de que o credor se pode socorrer é o da confissão do devedor – artigos 313º e 314º.

- Prazos da prescrição:

- A duração do prazo prescricional de um direito relaciona-se com a natureza deste.

- Prazo ordinário: artigo 309º - vinte anos;- Prazos especiais: artigo 310º - cinco anos para vários créditos, ligados pelo traço comum de os respectivos direitos terem, em geral, por objecto prestação periódicas.- Prazos presuntivos:

- seis meses (artigo 316º)- dois anos (artigo 317º)

- Regime jurídico da prescrição

Relevância da vontade

- A prescrição é um instituto subtraído em larga medida à autonomia privada.

- Artigo 300º: padecem de nulidade os negócios jurídicos destinados a modificar os prazos prescricionais fixados na lei e a facilitar ou dificultar os requisitos de que depende a eficácia da prescrição.

- Artigo 302, nº1 ( a contrario): é vedada a possibilidade de renúncia da prescrição pelo beneficiário, quer antes de iniciar o respectivo prazo, quer no decurso dele – Indisponibilidade do beneficiário da prescrição, quanto a esta.

Começo da contagem do prazo

- Regra geral – artigo 306º, nº1, primeira parte: a contagem do prazo começa no momento em que o direito pode ser exercido.

- Casos particulares – artigo 306º, nº 2, 3 e 4.

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- Suspensão do começo (artigos 318º, 319º e 320º): podem ocorrer situações particulares que dificultam ao credor o exercício do direito ou que justificam a sua inércia, e decorrem da existência de relações especiais que o ligam ao devedor. Em tais casos a prescrição não pode começar a correr. O prazo prescricional só começa a correr quando a causa impeditiva do início de contagem do prazo cessar.

Suspensão do prazo prescricional consiste em não se contar o período de tempo decorrido enquanto se verificar a causa que a determina. As categorias de causas distinguem-se:

- quanto ao seu efeito:

- causas suspensivas de curso da prescrição: o prazo da prescrição deixa de correr enquanto a situação se mantiver. Se o credor e o devedor contraírem casamento entre eles, a prescrição não corre, enquanto o matrimónio não se dissolver [alínea a) do artigo 318º];

- causas suspensivas do termo da prescrição: impede o preenchimento do prazo prescricional, enquanto não decorrer certo período de tempo para além do momento da cessação da respectiva causa. O credor menor, ainda que tenha representante legal ou quem administre os seus bens, a prescrição não se tem por verificada antes de decorrido um ano sobre o termo da sua incapacidade (artigo 320º, nº 1);

- quanto à própria natureza:

- causas suspensivas subjectivas: correspondem a situações referentes às pessoas do credor e do devedor (bilaterais) ou só à pessoa do credor (unilaterais);

- causas suspensivas subjectivas: correspondem a factos decorrentes de situações exteriores ao credor e ao devedor (artigo 321º)

Interrupção da prescrição: inicia-se a contagem de novo prazo prescricional a partir da ocorrência de um facto interruptivo ou do termo da relevância deste – artigo 327º. O tempo decorrido até o momento da verificação da do facto interruptivo fica inutilizado. O novo prazo é igual ao primeiro, salva disposição do regime especial do artigo 311º.

- As causas interruptivas da prescrição podem resultar do:

- acto do credor: a lei impõe ao credor que a manifestação de intenção em exercer o seu direito revista uma determinada forma (artigos 323º e 324º);

- acto do devedor: verifica-se quando o devedor reconheça perante o credor, o direito que lhe assiste (artigo 325º)

- Invocação da prescrição

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- Como opera: decorrido o prazo prescricional, o seu efeito produz-se, sem necessidade de qualquer acto do devedor;- Como se invoca: o juiz não pode suprir, de ofício, a prescrição; é a pessoa interessada que tem de a invocar para ser eficaz – artigo 303º.

- Quem pode invocar: este direito cabe ao devedor ou ao seu representante legal ou ao Ministério Público no caso de ele ser incapaz- artigo 303º. A lei faculta ainda o poder de invocar a prescrição às pessoas com “legítimo interesse” em a fazer operar, se o devedor não tomar a iniciativa de a invocar e, mesmo, quando ele haja renunciado à prescrição – artigo 305, nº1.

- Caducidade

- Noção: instituto pelo qual os direitos, que, por força da lei ou de convenção, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante esse prazo.

- Fundamento: considerações de certeza e de ordem pública levam que, ao fim de certo tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis.

- Efeitos: a caducidade determina a extinção do direito e da correspondente vinculação, sem mais.

- Regra geral (artigo 298º, nº2): manda aplicar as regras da caducidade “quando, por força da lei ou da vontade das partes, um direito deve ser exercido dentro de certo prazo”.

- Modalidades da caducidade:

- caducidade legal: aplica-se supletivamente aos casos de caducidade convencional;

- caducidade convencional: as partes que celebram o negócio têm liberdade para fixar o prazo de caducidade por via convencional – artigo 330º, nº1. No entanto, a caducidade convencional sofre duas limitações: o negócio não é válido quando estejam em causa direitos indisponíveis ou quando haja fraude das regras legais da prescrição.

- Contagem do prazo da caducidade:

- Artigo 326º: o prazo da caducidade, geralmente, começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido. Porém, pode acontecer que a lei fixe outra data para início de contagem do prazo, afastando-se do princípio geral.

- Artigo 328º: o prazo da caducidade, se a lei não admitir expressamente o contrário, não se suspende nem se interrompe.

- A única forma de evitar a caducidade é praticar, dentro do prazo correspondente, o acto que tenha o efeito impeditivo.

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- Invocação da caducidade:

- a caducidade é reconhecida oficiosamente pelo juiz se a caducidade respeitar a matérias excluídas da disponibilidade das partes.

- se a caducidade respeitar a matérias que estão na disponibilidade das partes, o artigo 333º, nº2 manda aplicar o artigo 303º. Nesses casos, a caducidade só pode ser invocada pelo interessado.

3.10. Ineficácia

- Ineficácia em sentido amplo: traduz, em termos gerais, a situação na qual os negócios jurídicos se encontram quando não produzem todos os efeitos que, dado o seu teor, se destinariam a desencadear.

- Modalidades – Inexistência jurídica – Invalidade (nulidade, anulabilidade e invalidades mistas) – Ineficácia stricto sensu – Irregularidade – inoponibilidade – Impugnabilidade

- Inexistência

Na inexistência jurídica, o negocio jurídico não existe; não produz qualquer efeito, pode ser invocado a todo o tempo por qualquer pessoa e não carece de declaração judicial.

Exemplo: o casamento que não preencha todos os requisitos é anulável ou inexistente – artigo 1627º

- A não produção de efeitos faz com que ao negócio inexistente não sejam aplicados os regimes de conversão e de redução consagrados nos artigos 292º e 293º.

Posição do Prof. Menezes Cordeiro – “ a inexistência não existe”: compara-a com a nulidade e com a ineficácia stricto sensu.

- Invalidades (noção)

O negócio nasce com um vício que se verificou até à celebração do contrato, que o torna susceptível de não subsistir na ordem jurídica (vício genético). Não existe, portanto, invalidade superveniente: não há nenhum negócio jurídico que se torne inválido depois da sua celebração.

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- Invalidade (modalidades)

Perante o negócio jurídico inválido, o Direito pode reagir de duas formas

Ou o negócio tem um vício e como tal o Direito erradica-o entendendo que ele afecta a própria ordem jurídica (reacção violenta) – nulidade – artigo 286º;

Ou o Direito, verificando que há um problema no negócio, é-lhe indiferente que este subsista uma vez que não afecta a ordem jurídica; quem decide erradicá-lo é a parte ou as partes que negoceiam – anulabilidade – artigo 287º

- Regra Geral – artigo 294º

- Regime comum à nulidade e à anulabilidade

A declaração de nulidade ou anulabilidade produz efeito retroactivo – artigo 289º, nº1.

A nulidade e a anulabilidade só são inoponíveis a terceiros (aqueles a quem se deu a constituição ou aquisição de algum direito fundado no negócio inválido e, que por isso, são afectados pela destruição retroactiva dos seus efeitos) – artigo 291º. Estabelece este artigo que os efeitos da declaração da nulidade e da anulabilidade só não são oponíveis quando se verifiquem, comulativamente, os seguintes requisitos:

- ter esse direito sido adquirido a título oneroso;- vir o terceiro a ser titular de um direito real;- o direito do terceiro ter por objecto coisa imóvel ou coisa móvel sujeita a

registo;- a propositura e registo da acção ter-se verificado para além de 3 anos após a

conclusão do negócio;- ser o registo de aquisição anterior ao registo da acção ou do acordo sobre a

invalidade do negócio;- tratar-se de terceiro de boa fé;

- Princípio do aproveitamento dos negócios jurídicos – o negócio nasça da autonomia privada, ideia que deve ser o mais possível protegida. Estando perante um negócio nulo ou anulável, o Direito vai tentar aproveitar o que nele possa ser aproveitado

- Redução: extra-se do negócio a parte em que se encontra o vício, mantendo-se o resto – artigo 292º

- Conversão: muda-se a tipologia do negócio – artigo 293º

Diferenças do regime entre a nulidade e a anulabilidade

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- Legitimidade para arguir

- A nulidade pode ser invocada por qualquer interessado (o sujeito de qualquer relação jurídica afectada, na sua consistência jurídica ou prática, pelos efeitos a que o negócio se dirigia) e pode ser declarada oficiosamente pelo tribunal – artigo 286º;

- A anulabilidade é arguida pela pessoa a quem o Direito quer tutelar ao estabelecer que o negócio é anulável; essa pessoa fica titular do direito potestativo de arguir a anulabilidade – artigo 287º.

- Prazo para arguir

- A nulidade pode ser invocada a todo o tempo. Mas, por razões de segurança e certeza jurídica, aplica-se o regime da prescrição.

- Para a anulabilidade existe um prazo de arguição, em geral, de um ano a contar da cessação do vício; terminado esse prazo, cessa, por caducidade, o direito de a arguir e a invalidade fica sanada – artigo 287º, nº1.

- Confirmação: acto pelo qual um negócio anulável é declarado sanado pela pessoa ou pelas pessoas a quem compete o direito de o anular – artigo 288º. Não se aplica aos negócios nulos.

- Ineficácia stricto sensu – o negócio é válido e apto a produzir efeitos jurídicos, mas estes são impedidos, total ou parcialmente, de se produzirem, por circunstâncias externas que opõe aos seus requisitos de validade.

Ex: o negócio sujeito a registo – se não haver registo, o negócio é existente e válido mas não produz efeitos perante terceiros.

- Irregularidade – o negócio irregular subsiste na ordem jurídica porem o seu autor irá sofre uma consequência desfavorável – a sanção. Têm em comum com os negócios inválidos o problema genético

Ex: casamento de menores irregular – artigo 1649º

- Inoponibilidade – situação de irrelevância de um negócio jurídico perante certas pessoas e como tal não produz efeitos para estas.

- Impugnabilidade – o negócio é celebrada e susceptível de produzir efeitos mas pode surgir um direito na esfera jurídica, por um motivo qualquer, que seja inconciliável com o dito negócio.

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4. Pessoas Singulares

4.1. Começo da personalidade

O Código Civil estabelece no nº1 do artigo 66º que a personalidade se adquire “no momento do nascimento completo e com vida”. São dois requisitos da personalidade.

Há nascimento completo, para o Direito, quando o feto se separa inteiramente do útero materno. O nascimento pode dar-se com vida – nado vivo – ou sem vida – ou sem vida nado morto.

4.2. Nascituros

Estatui o nº2 do artigo 66º que “os direitos que a lei reconhece aos nascituros dependem do seu nascimento”.

- Nascituros stricto sensu – os entes ainda não nascidos, mas já concebidos- Concepturos – os entes nem se quer concebidos, no momento em que está em causa a atribuição de direitos, mas que se espera que venham a nascer de uma pessoa determinada.

- O Código Civil reconhece os seguintes direitos aos nascituros:

Artigo 952º: é possível fazer doações a nascituros lato sensu, desde que, tratando-se de concepturos, estes sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da declaração de vontade do doador; Artigo 2033º: reconhece a capacidade sucessória a nascituros e concepturos. Aos nascituros é atribuída capacidade sucessória na sucessão legal e voluntária (nº 1 e 2). Aos concepturos é reconhecida capacidade sucessória voluntária, desde que sejam filhos de pessoa determinada, viva ao tempo da abertura da sucessão [nº 2, alínea a)]. Artigo 1878º, nº1: atribui aos pais o poder de representar os filhos nascituros. Artigos 1847º, 1854º, 1855º: permitem a perfilhação do nascituro stricto sensu. Artigo 1884º, nº1: o nascituro stricto sensu goza da protecção jurídica reflexa que resulta de a mãe grávida ter direito a alimentos.

- Pode o nascituro ser titular de direitos e estar adstrito a vinculações? Há doutrina que defende haver personalidade jurídica desde a concepção. No entanto, a posição adoptada pelo Prof. Carvalho Fernandes é a que sustenta, no plano do direito constituído, não haver personalidade jurídica do nascituro. Além da contradição com o artigo 66º, nº1, a tese da personificação jurídica do nascituro implicaria também a atribuição da personalidade jurídica ao concepturo que resultaria num grave factor de incerteza ao atribuir-se esta qualidade a um ente nem se quer concebido.

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- Teoria dos direitos sem sujeito

Na pendência da incerteza quanto ao nascimento, os direitos deixados ao nascituro não têm sujeito, pois já não pertencem ao doador ou ao de cuius e ainda não pertencem ao nascituro. A incerteza resolve-se num de dois sentidos: ou o nascituro vem a nascer com vida e, adquirindo personalidade, torna-se titular desses direitos; ou o nascituro não chega a nascer ou nasce morto, nunca se tornando pessoa jurídica, e os direitos terão o destino estabelecido nas regras do instituto respectivo.

4.3. Termo da personalidade jurídica

- Dispõe o artigo 68º, nº1 que a “personalidade cessa com a morte”. Sobre a morte rege a Lei nº141/99, de 28 de Agosto, determinando o seu artigo 2º que “a morte corresponde a cessação irreversível das funções do tronco cerebral”.

- Só a morte física ou natural faz cessar a personalidade.

- Embora a morte termine a personalidade da pessoa, isto não implica necessariamente dos direitos e vinculações que lhe estavam atribuídos. O artigo 2025º, nº1 estabelece que tais direitos e vinculações se mantém e se transmitem aos herdeiros do falecido.

4.4. Incapacidades

Noção: (está aqui em questão a incapacidade de exercício) medida de direitos e vinculações de que uma pessoa NÂO pode exercer e cumprir por si, livre e pessoalmente.

Factores: idade; deficiências físicas ou mentais; determinados hábitos de vida.

4.5. Menoridade

Noção – Artigo 122º – É menor quem ainda não tiver completado 18 anos de idade.

- Efeitos da menoridade na capacidade de gozo:

O menor tem capacidade genérica de gozo (artigo 67º). Porém, assinalam-se algumas incapacidades particulares de gozo do menor, sobretudo no plano não patrimonial:

Ao menor, até aos 16 anos de idade, não são reconhecidos os direitos de contrair casamento e de perfilhar – artigos 1601º, alínea a) e 1850º, nº1; Ao menor não emancipado é vedado o direito de testar – artigo 2189, alínea a);

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O menor não emancipado não pode representar o filho nem administrar os seus bens – artigo 1913º, nº2.

Efeitos da menoridade na capacidade de exercício

- É no quadro da capacidade de exercício que os efeitos da menoridade se tornam verdadeiramente significativos, como resulta do artigo 123º – “salvo disposição em contrário, os menores carecem de capacidade para o exercício de direitos.” – Regime de incapacidade de exercício genérica.

- No artigo 127º, prevê-se uma série de excepções a essa incapacidade ou, por outras palavras, um conjunto de actos para os quais o menor é considerado capaz.

Meios de suprimento – artigo 124º

- Poder paternal, como meio principal de suprimento;- Tutela, como meio subsidiário do poder paternal;- Administração de bens, como meio complementar dos restantes.

O poder paternal

- O poder paternal deve ser qualificado como um instituto complexo pois abrange:

poderes funcionais - dissociação entre a titularidade do poder, que sabe a certa pessoa, e a titularidade do interesse de outrem, através dele prosseguido; ex: o poder de dirigir a educação dos filhos – artigo 1878º, nº1;

direitos subjectivos – artigo 1896º; deveres jurídicos – artigos 1879º e 1880º; uma obrigação natural – artigo 1895º, nº2.

- Titularidade e exercício

- Normalmente, quem é titular do poder paternal também o exerce.

- Interessa ao regime da titularidade e do exercício do poder paternal a circunstância de os progenitores estarem ou não unidos, entre eles, pelo vínculo do matrimónio:

se estão unidos pelo vínculo do matrimónio, há que distinguir outras hipóteses consoante o matrimónio subsista normalmente ou a sociedade conjugal se tenha dissolvido ou deixado de existir com normalidade;

se os progenitores não estão casados um com o outro, releva sobretudo a circunstância de haverem ou não reconhecido o filho e ainda a de viverem ou não maritalmente.

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- Titularidade e exercício do poder paternal: progenitores casados

- O regime da titularidade e do exercício do poder paternal quando os progenitores estejam casados um com o outro baseia-se no princípio da igual dignidade dos cônjuges e da igualdade dos sexos. Resulta daqui a regra principal segundo a qual o poder paternal pertence a ambos os cônjuges e por ambos é exercido em igualdade de circunstâncias – artigo 1901º, nº1.

- O regime do exercício do poder paternal afigura-se mais pormenorizado em relação ao da titularidade, a fim de ordenar a actuação conjunta dos progenitores, da forma mais conveniente à tutela do interesse dos filhos.

Artigos 1901º e 1902º: determinam que o poder paternal deve ser exercido pelos cônjuges de comum acordo (princípio da igualdade).

No entanto, sendo esta regra exigente, se fosse aplicada rigorosamente poderia originar impasses, derivados do desacordo entre os cônjuges, prejudicando, assim o interesse dos filhos.

Salvo quando a lei expressamente imponha o consentimento dos cônjuges [ex: artigo1604º, al. a)], deve entender-se que este só é exigido para actos de particular importância. Só para estes actos a lei prevê um regime de suprimento judicial do comum acordo – artigo 1901º, nº2.

Por outro lado, para actos que não sejam de particular importância, se um dos progenitores agir isoladamente, a lei estabelece uma presunção de acordo – artigo 1901, nº2.

A falta de acordo, nos casos que não sejam de particular importância, ou em que o acordo não seja expressamente exigido, não é oponível a terceiros de boa fé. Contudo, o artigo 1902º, nº2 impõe ao terceiro o dever de se recusar a intervir no acto, quando seja só um dos progenitores a praticá-lo e se verifique uma das seguintes situações:

Tratar-se de uma questão de particular importância (tem-se em conta a importância do acto não só relativamente aos valores nele contidos, mas, também, em relação ao património do menor em causa;

Tratar-se de acto para que a lei exija expressamente o acordo; Conhecer o terceiro a oposição do outro progenitor.

- Quando um dos progenitores pratica um acto sem a intervenção ou o acordo do outro, quando necessários, entende-se que o acto é anulável, por analogia, remetendo para o regime fixado no caso de o a acto ser praticado sem a necessária autorização do tribunal – artigo 1893º.Quanto à anulação do acto, aplica-se o regime geral da anulabilidade – artigo 287º.Os efeitos da anulabilidade podem ser inoponíveis a terceiros de boa fé – artigo 1902º, nº2.

A tutela

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- A tutela é o meio subsidiário de suprir a incapacidade do menor, funcionando, assim, nos casos em que o poder paternal não pode, em absoluto, ser exercido.- Quando se institui a tutela?

A tutela pode ser instaurada nos seguintes casos previstos no artigo 1921º, nº1:

Falecimentos dos progenitores; Inibição dos progenitores quanto à regência da pessoa dos filhos; Impedimento de facto de exercício do poder paternal por mais de seis

meses; Não estabelecimento da filiação em relação a qualquer dos progenitores.

- Como se institui a tutela?

A instituição da tutela depende de decisão judicial, podendo o tribunal agir oficiosamente – artigo 1923º.

- Órgãos da tutela – artigo 1924º, nº1

Tutor – enquanto órgão executivo da tutela, cabe ao tutor a representação do menor, sendo-lhe reconhecidos, na sua actuação, poderes e deveres que são modelados pelos dos pais (artigos 1927º a 1958º).

Conselho de família – órgão consultivo e fiscalizador da acção da tutela (artigo 1954º). É constituído por três membros: dois vogais (artigo 1952º) e um agente do Ministério Público a quem cabe a presidência – artigo 1951º.

Protutor – órgão permanente de fiscalização da acção do tutor (artigo 1955, nº1). São-lhe atribuídas ainda funções de colaboração com o tutor ou de substituir este nas suas faltas e nos seus impedimentos [artigo 1956º, alíneas a) e b)].

Administração de bens – artigos 1922º e 1967º a 1972º

Constitui um meio de suprimento complementar do poder paternal ou da tutela. O legislador preocupa-se, com este instituto, salvaguardar o património do menor.A administração de bens molda-se sobre o regime da tutela.

Formas de suprimento

Representação – artigos 1878º e 1881º - aos pais cabe representar os filhos observando, contudo, certas limitações a esse poder de representação contidas no nº1 do artigo 1881º.

Assistência – caso previsto no artigo 1612º.

Valores dos actos praticados por menores

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- Actos praticados pelo menor no âmbito da sua incapacidade de gozo:

O casamento celebrado por menor com idade inferior a 16 anos é anulável – artigo 1631º;

O acto de perfilhação praticado por menor é anulável segundo o artigo 1861º, nº1, aplicando-se o regime especial da anulabilidade disposto no nº2 do mesmo artigo.

O testamento feito por menor não emancipado é nulo – artigo 2190º.

Os actos praticados pelo menor para os quais ele não tem capacidade de gozo, que não tenham regime específico estabelecido na lei, são nulos.

- Actos práticos pelo menor no âmbito da sua incapacidade de exercício – artigo 125º

Regra geral – os actos praticados pelo menor para os quais não tem capacidade de exercício são anuláveis.

Regime jurídico da anulação dos actos do menor: legitimidade e prazo de arguição – artigo 125º

Situação especial do artigo 126º - domina a regra de que em matéria de anulabilidade dos actos praticados por menores, o valor negativo desses actos poder ser invocado e oponível a quem com ele contrata. Mas nem sempre assim acontece. O artigo 126º estabelece que o menor que tenha praticado o acto com dolo (artigo 253º) com o fim de se fazer passar por maior ou emancipado não tem o direito de invocar a anulabilidade. A letra deste artigo leva a crer que só o menor fica impedido de a invocar. O Prof. Carvalho Fernandes defende o recurso à interpretação extensiva do dito preceito, a fim de o entender aplicável a todos os que teriam legitimidade para invocar a anulabilidade do mesmo acto. Pretende-se, assim, proteger o interesse do terceiro.

- Termo da incapacidade por menoridade – artigo 129º:

Maioridade – artigo 130º: causa normal do termo da incapacidade do menor.

Emancipação – artigos 132º e 133º: o menor emancipa-se pelo casamento e adquire plena capacidade de gozo e de exercício.

Artigo 1649º (emancipação restrita) - Aplica-se quando o casamento é irregular. É vedada ao menor a administração dos bens que leve para o casal ou posteriormente adquira por título gratuito, antes de atingir a maioridade. A administração desses continua entregue ao representante legal do menor até à data do casamento, nunca podendo caber ao outro cônjuge – protege o nubente menor contra acções inadequadas do outro cônjuge.

Actos de administração – são actos de administração os que se traduzem no uso, fruição, conservação e melhoria dos elementos estáveis do património

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e no consumo dos seus elementos estáveis, executar bem essa administração, ou seja, o acto traduz a função económica normal do bem no património a que pertence.

Actos de disposição – não traduzem a função económica normal do bem, mas sim uma afectação profunda do património.

4.6. Interdição

- Aspectos do regime comum à interdição e à inabilitação:

São decretadas pelo tribunal; O Tribunal tem um poder de decisão especial em processos de interdição

e inabilitação, não se limitando, por isso, princípio do pedido. O juiz pode decretar decisões que não lhe tenham sido requeridas, de modo a proteger o incapaz.

Só os maiores estão sujeitos à interdição e à inabilitação – artigo 138º nº2 e artigo 156º (remissão, no caso dos inabilitados);

- Causas – artigo 138º, nº1: anomalia psíquica, surdez - mudez e cegueira.

Requisitos das causas: - incapacitantes: são causas de tal modo graves, que tornam a pessoa inapta para se reger a ela própria e aos seus bens. Se a causa não revestir esta gravidade não interdita, mas pode inabilitar; - actual: a causa deve existir no momento em que se pretende interditar a pessoa; - permanente: as causas têm que ter estabilidade, não se verificando intervalos lúcidos.

- Situação jurídica dos interditos:

Regime rígido ou fixo: a incapacidade do interdito é fixada por lei, não varia com a sentença de interdição e é, em princípio, comum a todos os casos de interdição.

Artigo 139º - a incapacidade por interdição é moldada sobre a de menoridade. O regime da menoridade funciona como subsidiário do regime da interdição.

Capacidade de gozo dos interditos por anomalia psíquica: Não podem casar [artigo 1601º, al. b)] Não podem perfilhar (artigo 1850º, nº1) Não podem testar [artigo 2189º, al. b)] Inibição de pleno direito do exercício do poder paternal [artigo 1913º, nº1, al. b)].

Os interditos pelas demais causas não sofrem as limitações acima mencionadas. A inibição do exercício do poder paternal por estas pessoas é apenas parcial – artigo 1913º, nº2.Nenhum interdito, independentemente da causa da sua incapacidade, pode ser tutor [artigo 1933º, nº1, al. a)], vogal do conselho de família (artigo 1953º, nº1), ou administrador de bens (artigo 1970º).

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Capacidade de exercício – artigo 139º: a incapacidade de exercício do interdito é moldada sobre a do menor. Aplica-se ao interdito, portanto, os artigos 123º e 127º.

- Suprimento da incapacidade por interdição

O meio de suprimento da incapacidade por interdição é a tutela – artigo 139º.- Regime da tutela do interdito – artigos 143º a 146º.- Regime especial do artigo 144º: quando a tutela recai no pai ou na mãe, estes exercem o poder paternal segundo os artigos 1878º e seguintes.

A forma de suprimento é a representação

- Valores dos actos praticados por interditos: (artigos 148º a 150º – incapacidade de exercício):

Antes do anúncio da acção – artigo 150º: aplica-se o regime da incapacidade acidental disposto no artigo 257º.

Entre o anúncio da acção e o registo da sentença – artigo 149º: o acto é anulável se a interdição vier a ser decretada definitivamente e se causar prejuízo ao interdito. Cria-se a presunção de notoriedade da incapacidade, fundada na possibilidade que terceiros têm de a conhecer

Após o registo da sentença – artigo 148º: o acto é anulável sem mais requisitos.

- Cessação da interdição – artigo 151º

4.6. Inabilitação

-Causas – artigo 152º: - comuns à interdição: anomalia psíquica, surdez-mudez e cegueira;- específicas: habitual prodigalidade (tendência, a que a pessoa não pode resistir para fazer despesas injustificadas e ruinosas, por desproporcionadas aos seus meios patrimoniais), alcoolismo e toxicodependência.

Requisitos das causas da inabilitação:

- actuais;- permanentes;- prejudiciais (incapacidade da pessoa para reger o seu património).

- Situação jurídica dos inabilitados

Capacidade de gozo: é genérica mas com algumas incapacidades particulares consoante a causa da inabilitação.

- inabilitados em geral: não podem ser nomeados tutor [artigo 1933º, nº1, al. a)], vogal do conselho de família [artigo 1953º, nº1], administradores de bens (artigo 1970º);

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- inabilitados por uma causa que não seja anomalia psíquica: sofrem ainda de inibição legal parcial do exercício do poder paternal (artigo 1913º, nº2);- inabilitados por anomalia psíquica: além das limitações do regime geral, não podem casar [artigo 1601º, al. b)], e estão inibidos legal e totalmente do exercício do poder paternal [artigo 1913º, nº1, al. b)]- inabilitados por prodigalidade (regime mais atenuado que o dos inabilitados em geral): podem ser nomeados tutor, estando apenas impedidos de administrar os bens do pupilo (artigo 1933º, nº2) e de praticar actos abrangidos nesta proibição; não podem ser administradores de bens [artigo 1970º, al. a)].

Capacidade de exercício: regime flexível – a sentença delimita a incapacidade do inabilitado – artigos 153º e 154º.- Actos de disposição: o inabilitado só os pode praticar com autorização do curador – artigo 153º, nº1;- actos de administração- podem verificar-se três regimes diferentes: - se a sentença for omissa quanto a eles, o inabilitado tem capacidade para os praticar;- regime de assistência – artigo153º, nº1;- regime de representação – artigo 154º.

- Meios e formas de suprimento da inabilitação:

Quanto a actos de disposição e a outros que a sentença a eles assimile, a forma de suprimento é a assistência e o meio de suprimento é a curatela. Artigo 153º, nº1: o inabilitado só pode praticar actos de disposição com autorização do curador nomeado pelo tribunal.

Quanto a actos de administração: - se for estabelecido o regime do artigo 153º, nº1, ficam sujeitos à autorização do curador;- se a sentença atribuir a administração dos bens do inabilitado ao curado de acordo com o artigo 154º, a forma de suprimento é a representação – o curador passará a agir em nome do inabilitado e não apenas a autorizar a prática de actos de actos de administração.

- Valor dos actos praticados por inabilitados

Artigo 156º - aplicação subsidiária do regime da interdição disposto nos artigos 148º a 150º.

4.8. Incapacidade acidental

Artigo 257º- Aplicação genérica: qualquer pessoa perante a prática de qualquer acto é potencia objecto de aplicação do regime deste preceito.A sua função é proteger a incapacidade não decretada judicialmente ou por menoridade: a pessoa quando praticou o acto, estava incapacitada naquele determinado momento.A previsão do artigo 257º estabelece dois requisitos para a incapacidade acidental:

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1- a pessoa encontra-se incapacitada de entender o sentido da declaração ou de ter o livre exercício da sua vontade;2- a incapacidade do declarante tem de ser conhecida ou notória (quando uma pessoa de normal diligência a teria notado) do declaratário

Verificados estes requisitos, aplica-se o regime da anulabilidade do artigo 287º.

4.9. Domicílio

É relevante para o Direito que as pessoas tenham um local onde se encontrem e organizem a sua vida, quando, para variados efeitos jurídicos, seja necessário entrar em contacto com elas – Relevância positiva da localização espacial das pessoas.

Constata-se que a ligação da pessoa ao local onde decorre a sua vida pode ser variada em função da sua maior ou menor estabilidade.

Paradeiro: no artigo 82º, nº2, parte final dá-se alguma relevância a este instituto. É o lugar onde a pessoa se encontra em determinado momento.

Residência: local onde a pessoa tem a sua existência organizada e que, como tal, lhe serve de base de vida.

- residência habitual: local onde a pessoa normalmente vive e tem o seu centro de vida.

- residência ocasional: locais onde a pessoa vive, temporária ou acidentalmente.

- residência permanente: o único local onde vive.

- Noção de domicílio: em sentido jurídico, domicílio, em geral, o local de residência habitual de cada pessoa – artigo 82º, nº1.

Domicílio especial – local com relevância para determinadas situações jurídicas: domicílio profissional (artigo 83º) e domicílio electivo (artigo 84º).

Domicílio voluntário – fixa-se pela vontade das pessoas.

Domicílio legal – é fixado, para certa pessoa, por uma norma jurídica. Ex: artigos 85º, 87º e 88º.

- Relevância jurídica

1. Critério geral para a competência de realização de actos jurídicos ( ex: artigos 772º e 774º );

2. Ponto legal de contacto não pessoal:

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- Ónus do domiciliado manter ligação com o seu domicílio;- Direito para as outras pessoas de poderem contar com essa ligação, se tiverem um interesse juridicamente protegido em contactar com o domiciliado.

4.10. Ausência

- Relevância negativa da localização espacial da pessoa – consequências provenientes da quebra da ligação entre a pessoa e certo local onde a sua vida se organiza e onde é possível estabelecer contacto com ela.

- Noção de ausência

em sentido amplo: significa o facto da pessoa não se encontrar no local da sua residência habitual

em sentido técnico-jurídico: dirige-se para o caso de a ausência determinar a impossibilidade de o ausente gerir o seu património.

- Tipos de ausência

- simples – a pessoa encontra-se fora do local onde tem organizada a sua vida;

- qualificada – ignorância generalizada do paradeiro da pessoa.

- Fases da ausência:

Ausência presumida – artigos 89º a 98º

- Requisitos: ausência qualificada, existência de bens carecidos de administração e falta de representante legal voluntário.

- Meio de suprimento: curadoria provisória.

Ausência justificada – artigos 99º a 113º

- Requisitos: ausência qualificada, existência de bens carecidos de administração e certo período de duração da ausência (artigo 99º - 2 anos)

- Meio de suprimento: curadoria definitiva.

Morte presumida – artigos 114º a 119º

- Requisitos: ausência qualificada e o decurso de certo período de tempo de ausência – artigo 114º, nº1 e 2.

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5. Pessoas Colectivas

5.1. Noção de pessoa colectiva: são organizações destinadas à prossecução de interesses colectivos a que o Direito atribui personificação jurídica. Os interesses são: plurais, comuns a mais que uma pessoa; duradouros, prolongam-se para além de uma vida.

5.2. Elementos da pessoa colectiva

- Elementos internos: (existem na estrutura da pessoa colectiva) substrato, organização formal, reconhecimento.

Substrato: é a realidade social à qual irá ser atribuída personalidade jurídica. A pessoa colectiva tem de ter alguma realidade palpável por isso, deve constar, pelo menos, de um elemento pessoal (conjunto de pessoas) ou de um elemento patrimonial (conjunto de bens).

Organização formal: é o elemento que convence o Direito a atribuir personalidade ao substrato. Traduz-se na adequação do substrato à realização do fim prosseguido pela pessoa colectiva. A organização formal prende-se com dois aspectos:

- Estatuto: conjunto de preceitos que regulam e definem a organização formal das pessoas colectivas. A sua definição tanto pode caber ao legislador como à vontade das pessoas que instituem a pessoa colectiva.

- Órgão: centro de imputação de poderes funcionais, com vista à formação e manifestação da vontade juridicamente imputável à pessoa colectiva. Podem ser internos (formam a vontade da pessoa colectiva) e externos (manifestam a vontade perante terceiros). Competência – conjunto de poderes funcionais atribuídos a cada órgão. Titulares – pessoas singulares que exercem os poderes específicos de cada órgão.

Reconhecimento: consiste na atribuição, pelo Direito, da personalidade jurídica.- Normativo: a atribuição é feita pela norma jurídica, de forma abstracta e geral, a todas a entidades que observem certos que requisitos nela fixados (reconhecimento genérico).

- Individual: resulta de um acto de certa autoridade, atributivo da personalidade jurídica a determinada entidade concretas (reconhecimento casuístico)

- Condicionado: quando o Direito impõe certos requisitos de personificação.

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- Incondicionado: quando a atribuição da personalidade só depende da existência de um substrato completo.

- Explícito: quando da norma legal ou do acto da autoridade decorre, imediata ou directamente, a atribuição da personalidade a determinados substratos.

- Implícito: o reconhecimento conclui-se do regime da organização em causa.

- Elementos externos:

Fim: são os interesses que a pessoa colectiva visa prosseguir. O fim tem de ser determinado, comum ou colectivo, lícito e possível.

Objecto: é a actividade que a pessoa colectiva se propõe a desenvolver para a prossecução do seu fim. Tem de ser determinado, lícito e duradouro.

5.3. Classificações

- Fundações e Associações (critério do substrato)

- Associações: o seu substrato é constituído, fundamentalmente, por pessoas (elementos pessoais). A pessoa colectiva é regida pela vontade dos seus membros que determinam a sua constituição, definem a sua organização, o seu fim e o seu conteúdo e dominam a sua vida (vontade imanente).

- Fundações: o seu substrato constitui-se por elementos patrimoniais. A pessoa colectiva é regida por uma vontade que lhe é estranha, provinda de alguém que não integra o seu substrato, isto é, o fundador (vontade transcendente).

- Classificações das Associações quanto ao fim:

- Altruísta: a titularidade do interesse prosseguido cabe a pessoas estranhas aos associados.

- Egoísta: o interesse a prosseguir é o dos associados.

- Económico: os interesses prosseguidos, independentemente de quem sejam os seus titulares, são susceptíveis de avaliação pecuniária.

- Lucrativo: visa o lucro (saldo positivo entre as receitas e despesas da associação) que é distribuído pelos associados.- Não lucrativo: não visa o lucro.

- Ideal: a associação prossegue interesses não económicos.

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- Sociedade (associações de fim egoísta, económico e lucrativo) – visto que na lei não existe uma noção de sociedade, atende-se ao artigo 980º que define o acto pelo qual a sociedade se constitui. Assim, sociedade é uma associação de duas ou mais pessoas, que põe em comum os bens e serviços necessários ao exercício de uma actividade económica, que não seja de mera fruição, com vista à obtenção de lucro a repartir pelos sócios.

Sociedades Comerciais – Artigo 1º e 2º do Código das Sociedades Comerciais: a sociedade é comercial quando tenha por objecto a prática de actos de comércio e adopte um dos tipos regulados neste Código. As sociedades comerciais podem revestir as seguintes formas caracterizadas partir do regime de responsabilidade, dos sócios pelo passivo social:

em nome colectivo: caracteriza-se por cada sócio responder individual, solidária e subsidiariamente – artigo 175º do C.S.Com.

por quotas: cada sócio responde pela realização da sua quota e, solidariamente, pelas dos demais sócios, até completa integração do capital social – artigo 207º do C.S.Com.

sociedades anónimas: cada sócio responde apenas pela realização das acções por ele subscritas – artigo 271º do C.S.Com.

em comandita: os sócios comanditados respondem como os sócios das sociedades em nome colectivo e os sócios comanditários respondem apenas pela sua entrada – artigo 271º do C.S.Com.

Sociedades Civis – Artigo 18º do Código Comercial: caracterizam-se por não terem por objecto a prática de actos de comércio nem o exercício de qualquer das actividades previstas no artigo 230º do Código Comercial.A lei admite que as sociedades civis se constituam sob forma civil, segundo o regime da lei civil (sociedades civis simples), ou sob forma comercial, segundo o regime da lei comercial (artigo 4º, nº1, do C.S.Com.).

Aspectos particulares das sociedades civis simples : não podem praticar actos comerciais e estão sujeitas ao regime do artigo dos artigos 980º e seguintes do Código Civil.

A responsabilidade dos sócios das sociedades civis simples segue o modelo dos sócios das sociedades em nome colectivo

Artigo 997º: para além da sua responsabilidade pessoal pela entrega dos bens com que entram para a sociedade, este preceitos impõe-lhes a responsabilidade pessoal e solidária pelas dívidas sociais.

- Personalidade colectiva das sociedades civis simples: não existe nenhum preceito na lei que atribua lhes atribua esta qualidade. Surgem na doutrina duas teses: tese negativista e tese positivista.

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Tese negativista:

Elemento de ordem sistemática: o regime das sociedades civis não se contém no capítulo dedicado às pessoas colectivas, mas sim no Livro do Direito das Obrigações, a respeito de uma modalidade dos contratos – o contrato de sociedade – artigo 980º e seguintes.

Contraposição entre pessoas colectivas e sociedades (ex: art.º 2033, al. b, nº2)

Alguns preceitos sobre capacidade das pessoas colectivas apenas indicam associações (art.º 158, nº1) e fundações (art.º 158º, nº2).

Artigo 157º - manda aplicar às sociedades as disposições do capítulo das pessoas colectivas “quando analogia das situações o justifique”.

Tese positivista:

Há um conjunto de preceitos no regime das sociedades que indicam que sociedade é entidade jurídica própria, distinta dos sócios, ex: art.º 997º, nº1; art.º 998º, nº2; art.º 1000º; art.º 1014º; art.º 1016º;

Art.º 2033º - capacidade sucessória passiva e de acordo com uma tese basta haver apenas um Direito para haver personalidade jurídica;

A lei civil refere-se às sociedades sem distinguir se têm personalidade jurídica ou não.

Posição do Prof. Carvalho Fernandes:

Apurar se na sociedade civil simples se verificam os elementos de que depende a personificação das sociedades:

- substrato organizado – artigo 167º- requisito formal da escritura pública – artigos 158º, nº1 e 168º, nº1.

5.4. Constituição

- Denominação social: corresponde ao nome da pessoa colectiva; é o elemento da sua individualização. Tem de observar os seguintes requisitos:

- Princípio da verdade: impõe a necessidade de os componentes do nome serem verdadeiros e não induzam em erro sobre a identificação quer dos sócios, quer da actividade que constitui o objecto social;

- Princípio da novidade: exige a necessidade do nome ser distinto dos demais e não susceptível de confusão ou erro com outras já registadas;

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- Princípio da exclusividade: assegura ao titular do nome o direito ao seu uso exclusivo, com afastamento das demais pessoas;

- Princípio da legalidade: impede o uso nos nomes, de expressões ofensivas da moral pública e dos bons costumes.

- Sede – artigo 159º: exerce uma função semelhante à do domicílio da pessoa singular. É escolhida pelas pessoas que constituem a pessoa colectiva (sede voluntária), fixando-a no seu estatuto. Mas na falta de designação estatutária, aplica-se o regime supletivo do artigo 159º: a sede corresponde ao lugar em que funciona normalmente a administração principal (sede legal).

- Constituição:

- das associações em sentido restrito

- Artigo 168º, nº1 – o acto de constituição da associação tem de ter forma legal, devendo constar de escritura pública na qual se encontram as especificações referidas no artigo 167º, nº1, a fim de adquirir personalidade jurídica (artigo 158º, nº1

- Artigo 168º, nº 2 e 3 – exige a publicação do acto de constituição este ter plena eficácia.

- das sociedades civis

- Artigo 158º, nº1 – aplicação analógica às sociedades civis simples: o acto deve revestir a forma de escritura pública ainda quando essa forma não seja imposta pelo regime específico do contrato de sociedade (artigo 981º)

- Artigo 981º, nº1 – só impõe a forma de escritura para o contrato de sociedade quando ela seja exigida pela “natureza dos bens com que os sócios entram para a sociedade” – bens imóveis.

- Consequências da inobservância da forma legal:

- quando imposta como requisito da personificação da sociedade civil: abstraindo-nos do artigo 981º, a consequência é a da não aquisição da personalidade jurídica;

- quando viola o artigo 981º: a forma legal é exigida quando se tratam de bens imóveis para a sociedade. Artigo 219º Artigo 294º - a inobservância de forma legal devia determinar a nulidade do contrato. Contudo o artigo 981º, nº2 estabelece que o negócio só determinado nulo se não puder converter-se ou reduzir-se.

Redução – artigo 292º - a sociedade mantém-se sem a participação do sócio que entra com os bens condicionantes da forma legal.

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Conversão – artigo 293º - atribui-se a esta a posição de comandatário (artigo 1133º).

- Reconhecimento das associações – Artigo 158º, nº1: reconhecimento normativo explícito: a associação constituída por escritura publica e com observância dos requisitos estatuídos no artigo 167º adquire automaticamente personalidade jurídica.

- Reconhecimento das sociedades civis simples: reconhecimento normativo implícito: conclui-se a aquisição da personalidade jurídica do regime do artigo 981º

- Constituição das fundações – negócio jurídico, unilateral e gratuito

Dotação ou instituição – acto de atribuição do património constitutivo do substrato, isto é, determinação do conjunto de bens afectos à realização dos fins do substrato.

A instituição da fundação pode ocorrer, segundo o artigo 185º, nº1, por:

Acto entre vivos: este reveste a forma de escritura pública – artigo 185º, nº2;

Por testamento: observa-se a forma deste negócio – artigos 2204º e seguintes.

Formalidades – artigo 185º, nº5: manda aplicar o artigo 168º, nº1 e 2 sempre que a instituição conste de escritura pública.

Estatuto:

Artigo 187º - o instituidor não tem de elaborar o estatuto, ainda que o possa fazer.

Se o instituidor não o elaborar ou se o fizer de forma inadequada, quem faz?: no caso de instituição por acto entre vivos – artigo 187º, nº 2,

primeira parte: a elaboração parcial ou total do estatuto cabe à autoridade competente para o reconhecimento da fundação;

no caso de instituição por testamento – artigo 187º, nº 1 e 2, cabe aos executores do testamento elaborá-lo ou completá-lo no prazo de um ano. Se não o fizerem dentro desse prazo, encarregar-se-á desta tarefa a entidade competente para o reconhecimento.

Artigo 187º, nº 3 – seja qual for a entidade que faça o estatuto em substituição do fundador, deve ter em conta, na medida do possível, a vontade real ou presumível do fundador.

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Reconhecimento das fundações: reconhecimento individual e explícito

Artigo 185º, nº 2 – o reconhecimento pode ser requerido pelo próprio instituidor, pelos seus herdeiros ou executores testamentários ou promovido pela autoridade competente para o conceder.

Artigo 185º, nº3 – a partir do momento em que se requer o reconhecimento torna-se irrevogável a instituição

Requisitos do reconhecimento – artigo 188º:- a fundação tem de ter fim social;- suficiência patrimonial para a prossecução do fim, ou, sendo insuficiente, seja previsível o suprimento da insuficiência

Falta de reconhecimento:

- Por insuficiência patrimonial – artigo 188º, nº3: se o instituidor for vivo, a instituição fica sem efeito e os bens pertencem ao instituidor. Se já tiver falecido há duas hipóteses: se ele previu a situação de insuficiência patrimonial e tenha estipulado sobre ela, segue-se o regime por ele estabelecido; caso contrário, a autoridade competente para o reconhecimento indicará a associação ou fundação de fim análogo à qual os bens deverão ser entregues.

- Pelo fim não ser considerado de interesse social – não há disposição legal sobre esta matéria. Segundo o Prof. Carvalho Fernandes, o negócio é nulo por impossibilidade originária do fim – artigo 158-A artigo 280º. A sua conversão é sempre viável, mediante a atribuição, à fundação, de um fim diverso do previsto no acto de instituição, desde que ajustado ao fim prático visado pelo instituidor.

5.5. Capacidade de gozo

Artigo 160º - princípio da especialidade da capacidade das pessoas colectivas: só podem ser titulares de situações jurídicas necessárias ou convenientes á prossecução dos seus próprios fins. O preceito contém um elemento positivo e dois elementos negativos:

Elemento positivo: admite a possibilidade de a pessoa colectiva ser titular dos direitos adequados à prossecução dos seus fins.Não se exclui a hipótese de uma sociedade fazer donativos ou liberalidades integrando movimentos de solidariedade social ou de auxílio em situações de catástrofes.

Questão das doações feitas por sociedades – artigo 940º - Fora desta questão estão as distribuições de prendas ou brindes, saldos, donativos. Não são nulos todos os actos que não prossigam o intuito do lucro das sociedades, mas que se baseiam na solidariedade social e no mecenato – artigo 6º, nº 2 do C.S.Com.

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Outro exemplo de doação são as gratificações a trabalhadores – artigo 261º, nº 2, do C.Trab.

Elementos negativos:

Não podem ser titulares de direitos e estar adstritas a vinculações proibidos por lei;

Limitações da capacidade de gozo resultantes do próprio estatuto.

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