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Direito Fiscal I Direito Fiscal I: INTRODUÇÃO: Capítulo I – O Direito Fiscal: 1. Actividade Financeira – sua caracterização: necessidades colectivas e meios financeiros do Estado: As exigências de satisfação das necessidades económicas de carácter público e de obtenção de meios indispensáveis à respectiva cobertura impõem ao Estado, e às outras entidades públicas uma actividade económica com características próprias, a actividade financeira. As particularidades específicas desta actividade resultam fundamentalmente da circunstância de as necessidades públicas não implicarem uma procura prévia individual e, consequentemente, ao contrário do que acontece com as necessidades privadas, a cobertura do seu custo não se situar no plano das livres opções individuais Destinada a assegurar a satisfação das necessidades públicas, a actividade financeira abrange a aquisição de meios económicos, o emprego desses meios e a coordenação dos meios obtidos e das utilidades a realizar. Todas as realizações de despesas orientadas para a aquisição de bens ou serviços destinados a satisfazer necessidades públicas se integram na actividade financeira. E para que as entidades públicas possam realizar essas despesas têm de obter receitas adequadas, as quais não correspondem a uma massa homogénea. Algumas assemelham-se a receitas de particulares, como é o caso das obtidas pela exploração do património do Estado. Muitas outras oferecem características inseparáveis do sector público. Assim sucede com os impostos e as receitas dos chamados “monopólios fiscais”. Não obstante a heterogeneidade dos fenómenos que se integram na actividade financeira, todos se situam no plano da obtenção e do emprego de meios económicos adequados à satisfação de necessidades públicas. Todos eles têm, pois, natureza económica. São fenómenos económicos. 2. Direito Financeiro, Direito Tributário e Direito Fiscal. Âmbito do Direito Fiscal: Só quando assume uma posição característica, inconfundível com as posições dos particulares, no exercício da sua actividade financeira, é que o estado se subordina a normas jurídicas próprias, cujo complexo tem sido designado por Direito Financeiro. Trata-se da definição jurídica dos poderes das entidades públicas na obtenção e no emprego dos meios económicos destinados à realização dos seus fins. Este conceito baseia-se numa ideia central de limitação de poderes das entidades públicas, como tais. Como disciplina jurídica da utilização de meios económicos pelas entidades públicas, o Direito Financeiro abrange um amplíssimo sector de receitas públicas (o das receitas públicas não apenas pelo destino, mas também pela natureza, pela origem), todo o sector das despesas públicas e a coordenação das despesas e das receitas públicas. O Direito Financeiro compreende três ramos que, embora, cada um deles, sem autonomia científica, são nitidamente separáveis – o direito das receitas, o direito das despesas e o direito da administração financeira. Por sua vez, estes ramos de Direito Financeiro admitem divisões. E entre elas ganham particular relevo, no Direito das Receitas, o Direito dos Impostos, o Direito Tributário ou o Direito Fiscal. O Direito dos Impostos, Tributário ou Fiscal formou-se através de um longo processo evolutivo, Noemi Pereira

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Direito Fiscal I

Direito Fiscal I:

INTRODUÇÃO:

Capítulo I – O Direito Fiscal:

1. Actividade Financeira – sua caracterização:

necessidades colectivas e meios financeiros do Estado:

As exigências de satisfação das necessidades económicas de carácter público e de obtenção de meios indispensáveis à respectiva cobertura impõem ao Estado, e às outras entidades públicas uma actividade económica com características próprias, a actividade financeira.

As particularidades específicas desta actividade resultam fundamentalmente da circunstância de as necessidades públicas não implicarem uma procura prévia individual e, consequentemente, ao contrário do que acontece com as necessidades privadas, a cobertura do seu custo não se situar no plano das livres opções individuais

Destinada a assegurar a satisfação das necessidades públicas, a actividade financeira abrange a aquisição de meios económicos, o emprego desses meios e a coordenação dos meios obtidos e das utilidades a realizar.

Todas as realizações de despesas orientadas para a aquisição de bens ou serviços destinados a satisfazer necessidades públicas se integram na actividade financeira. E para que as entidades públicas possam realizar essas despesas têm de obter receitas adequadas, as quais não correspondem a uma massa homogénea. Algumas assemelham-se a receitas de particulares, como é o caso das obtidas pela exploração do património do Estado. Muitas outras oferecem características inseparáveis do sector público. Assim sucede com os impostos e as receitas dos chamados “monopólios fiscais”.

Não obstante a heterogeneidade dos fenómenos que se integram na actividade financeira, todos se situam no plano da obtenção e do emprego de meios económicos adequados à satisfação de necessidades públicas. Todos eles têm, pois, natureza económica. São fenómenos económicos.

2. Direito Financeiro, Direito Tributário e Direito Fiscal.

Âmbito do Direito Fiscal:

Só quando assume uma posição característica, inconfundível com as posições dos particulares, no exercício da sua actividade financeira, é que o estado se subordina a normas jurídicas próprias, cujo complexo tem sido designado por Direito Financeiro.

Trata-se da definição jurídica dos poderes das entidades públicas na obtenção e no emprego dos meios económicos destinados à realização dos seus fins.

Este conceito baseia-se numa ideia central de limitação de poderes das entidades públicas, como tais.

Como disciplina jurídica da utilização de meios económicos pelas entidades públicas, o Direito Financeiro abrange um amplíssimo sector de receitas públicas (o das receitas públicas não apenas pelo destino, mas também pela natureza, pela origem), todo o sector das despesas públicas e a coordenação das despesas e das receitas públicas.

O Direito Financeiro compreende três ramos que, embora, cada um deles, sem autonomia científica, são nitidamente separáveis – o direito das receitas, o direito das despesas e o direito da administração financeira. Por sua vez, estes ramos de Direito Financeiro admitem divisões. E entre elas ganham particular relevo, no Direito das Receitas, o Direito dos Impostos, o Direito Tributário ou o Direito Fiscal.

O Direito dos Impostos, Tributário ou Fiscal formou-se através de um longo processo evolutivo,

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na base de convicções políticas generalizadas e relativamente estáveis. Daí constituir, na actualidade, o ramo ou sub-ramo do Direito Financeiro mais característico e melhor trabalhado pela legislação e, sobretudo, pela Doutrina.

As origens do Direito Fiscal e do Direito Orçamentário (sub-ramo do Direito da Administração Financeira) são, em larga medida, comuns. O Direito Fiscal parece ser muito antigo; mas, desenvolveu-se em torno da ideia nuclear da votação do imposto pelos órgãos representativos das comunidades políticas; e, a partir dos sécs. XVII e XVIII, passou a entender-se que a votação do imposto não seria inteiramente consciente se aqueles órgãos não tivessem conhecimento da situação financeira global, das necessidades públicas e dos créditos previstos.

É este sub-ramo do Direito Financeiro, o Direito das Receitas, que constitui o nosso Direito Fiscal.

A doutrina italiana considera que o Direito Tributário abrange mais do que o simples Direito dos impostos, ou seja, a cobrança de taxas, impostos,... O Direito Tributário seria o género e o Direito fiscal seria a espécie.

Destas confusões terminológicas resulta que a expressão Direito Tributário melhor corresponde à ideia de Direito dos Impostos. Mas esta mesma ideia também se exprime correctamente entre nós, tanto na legislação como na Doutrina, pela expressão Direito Fiscal.. E não se vê inconveniente em que as expressões Direito Tributário, Direito Fiscal e Direito dos Impostos sejam usadas como sinónimas, conforme é corrente na legislação e na Doutrina portuguesas.

Portanto, em Portugal e no nosso curso podemos dizer que o Direito Fiscal tem o mesmo âmbito que o Direito Tributário.

O Direito Fiscal é o sector da ordem jurídica que regula o nascimento, o desenvolvimento e a extinção das relações jurídicas suscitadas pela percepção do imposto.

As normas jurídicas do Direito Fiscal regulam aspectos diversos das determinadas relações jurídicas, sendo elas: o direito constitucional fiscal, o direito fiscal comunitário, o direito penal fiscal, o direito internacional fiscal,...

a) Direito Constitucional Fiscal (CRP) regula a formação da lei fiscal, o exercício da soberania financeira (arts. 103 e 104 CRP). Esta é a garantia primeira da legalidade dos impostos e da liberdade individual dos contribuintes contra abusos do legislador ordinário. Na última revisão constitucional foi consagrada expressamente a irretroactividade da lei fiscal. Os impostos são criados por lei (da A.R.). A liquidação e cobrança dos impostos pode ser feita por lei (da A.R. ou do Governo).

b) Direito Internacional Fiscal corresponde ao conjunto de normas que regulam os conflitos internacionais de tributação.

c) Direito Fiscal Comunitário é o conjunto de regras emanadas pelos órgãos comunitários, visando a harmonização fiscal comunitária. Releva aqui a 6ª Directiva do IVA, onde se estabelecem os princípios reguladores do IVA (imposto indirecto). Ao nível da tributação directa também já há algumas directivas comunitárias.

d) núcleo central do Direito Fiscal é constituído pelas normas que disciplinam o nascimento, desenvolvimento e extinção do vínculo jurídico obrigacional que surge entre o Estado e os cidadãos, vínculo este que surge quando se verificam os pressupostos integradores contidos na lei fiscal. O sujeito activo é o Estado e o sujeito passivo os particulares, o contribuinte.

e) As obrigações fiscais acessórias, juntamente com o conceito jurídico de imposto, integram a relação jurídica fiscal em sentido amplo. Neste contexto, temos as normas que impõem ao próprio contribuinte ou a uma terceira pessoa certos deveres relativos à determinação do sujeito passivo (devedor – p.ex., preencher declarações).

f) Direito Penal Fiscal é o conjunto de normas que prevêem as sanções correspondentes à violação das obrigações fiscais, dos comandos contidos em leis fiscais.

g) Processo Fiscal corresponde às normas adjectivas que prevêem a forma pela qual os contribuintes se podem opor aos actos administrativos definitivos e executórios da Administração Fiscal e que regulam ainda o modo de aplicação das sanções fiscais e a

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cobrança coerciva das dívidas tributárias.

Em resumo, importa precisar a posição do Direito Fiscal, tanto no plano científico, como no plano didáctico. Seria possível defini-lo como complexo de normas disciplinadoras das relações tributarias. Mas tal definição não viria solucionar os problemas que cumpre sejam apreciados. Limitar-se-ia a desconhecê-los provisoriamente, projectando-os para a análise do conceito de relação tributária.

Aliás, já conhecemos um conceito de relação juridico-tributária, restrito, para o qual esta será o vínculo obrigacional que liga o contribuinte ao Estado, ou a outra entidade pública, e tem por objecto mediato a prestação de imposto. Mas parece duvidoso que o Direito Fiscal deva limitar-se à disciplina dessas relações. Entende-se geralmente que ele abrange também as normas disciplinadoras de operações destinadas a tornar possível, ou facilitar, a cobrança dos impostos, sem contudo, dizerem respeito à estrutura do vínculo jurídico de imposto. E bem assim as normas que estabelecem sanções pelo não cumprimento de deveres tributários, que fixam os meios de defesa do contribuinte, etc.

Assim, Direito Fiscal será o sistema de normas jurídicas que disciplinam as relações de imposto e definem os meios e processos pelos quais se realizam os direitos emergentes daquelas relações.

Esta definição visa remover uma limitação do Direito Fiscal à disciplina da relação tributária stricto sensu - vínculo obrigacional que liga o contribuinte a uma entidade pública credora do imposto. É certo que essa disciplina constitui o aspecto nuclear, central, e mais característico, do Direito Fiscal; mas não o esgota.

Determinados autores, atendendo à natureza das normas de Direito Fiscal, dividem-no em dois ramos, o Direito Fiscal material e o Direito Fiscal formal.

Assim, Direito Fiscal material é o conjunto de normas que regulam a existência orgânica do imposto, bem como as obrigações que derivam da respectiva relação jurídica de imposto, tendo em vista os seus titulares, objecto e configuração pormenorizada (p.ex., direito constitucional fiscal, normas que regulam o núcleo central do direito fiscal, direito penal fiscal,...).

Por sua vez, Direito Fiscal formal é o conjunto de normas instrumentais, disciplinadoras do processo de determinação e percepção do imposto e também as normas que regulam a tutela jurisdicional (p.ex., normas de processo fiscal ou tributário e normas de carácter administrativo respeitante à liquidação e cobrança de impostos.

3. Natureza do Direito Fiscal:

Quer se adopte o critério dos interesses, quer o da situação relativa dos sujeitos, quer o critério da qualidade dos sujeitos, os autores são unânimes em considerar que o Direito Fiscal é um ramo de Direito Público. O sujeito activo (o Estado) aparece na sua veste de ente público, revestido das garantias e poderes - ius imperium – de que não beneficia o sujeito passivo.

4. O Problema da Autonomia do Direito Fiscal

(legislativa, didáctica e científica):

Põe-se a questão de saber se o Direito Fiscal terá autonomia legislativa, didáctica e científica. A resposta é, obviamente, sim. Desde logo, tem autonomia didáctica, pois se não tivesse não existiria nos cursos de Direito a cadeira denominada “Direito Fiscal”.

A resolução desta questão radica na estrutura das respectivas relações jurídicas desta área do Direito e assim a resposta à questão tem de ser positiva.

Para o Dr. Brás Teixeira, as relações do mundo jurídico em geral integram-se num de três tipos: ou são obrigacionais, ou são reais (de tipo real – direitos reais), ou ainda pessoais (de tipo pessoal). Estas relações, embora mantenham a sua estrutura (objecto, sujeito, ...), são objecto de regimes jurídicos diversos, conforme o ramo de Direito a que pertencem.

Ao lado do Direito das Obrigações, dos Direitos das Pessoas e dos Direitos Reais (Direito Comum Conjunto, para o autor), existem outros ramos do Direito, como o Direito da Família, o Direito das Sucessões, o Direito Comercial, Direito Fiscal... Aqui, as relações jurídicas têm a mesma natureza, mas um regime jurídico que se afasta do regime do Direito Comum.

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Para o Dr. Brás Teixeira é legítimo substituir as classificações dos ramos de Direito por uma classificação genérica que separe o Direito Comum (Direito das Obrigações, Direitos Reais e Direitos Pessoais) dos Direitos Institucionais (Direito da Família, Direito Fiscal,...). Em todo o caso, cada corpo de normas ordenado para um fim comum “vive ao lado” dos direitos institucionais.

Ainda para o Dr. Brás Teixeira, o fundamento de autonomia de qualquer ramo de Direito só se pode encontrar ao nível teleológico, ou seja, ao nível dos fins das normas.

Correspondendo o Direito Fiscal a um conjunto de normas com um fim comum (relações jurídicas que dão lugar à percepção dos impostos) tem carácter institucional. E é deste carácter institucional (fim diferenciado que unifica num corpo dinâmico essas normas) que derivam os princípios e institutos que individualizam o Direito Fiscal dos outros ramos do Direito, isto é, que dão autonomia ao Direito Fiscal, tornando-o um verdadeiro ramo de Direito.

O fim específico do Direito Fiscal é regular a percepção de receitas para o Estado. Soares Martinez fala antes na autonomia do Direito Financeiro. Quando falamos de autonomia ela tem sempre um carácter relativo.

5. Relações do Direito Fiscal com outros ramos do Direito:

Não se pode falar num sistema de normas fechado. As várias zonas do mundo jurídico relacionam-se entre si, ou seja, qualquer conjunto de normas está ligado ao conjunto de todas as outras normas. Também o Direito Fiscal se relaciona com outros ramos do Direito.

a) Assim, o Direito Fiscal relaciona-se com o Direito Constitucional, na chamada “Constituição Tributária”, que fixa limites e regula o exercício do poder tributário, os fins a prosseguir e as garantias dos particulares, bem como a estrutura dos impostos – arts. 13, 67, f), 103, 104, 168 e 229, i) CRP.

b) O Direito Fiscal liga-se também ao Direito Administrativo, pois apesar de o Direito Fiscal ser independente deste, é nele que busca a forma para regular a actividade de percepção do imposto, além dos órgãos da Administração Fiscal estarem integrados na AP, que é disciplinada pelo Direito Administrativo.

c) O Direito Fiscal tem também afinidades com o Direito Penal, pois a teoria da infracção fiscal é moldada pelos princípios da teoria da infracção penal (penas de prisão, multas, coimas).

d) O Direito Fiscal relaciona-se ainda com o Direito Processual, quer penal, quer civil, na medida em que foi com base nestes ramos de direito que em Direito Fiscal se procedeu à estrutura do processo tributário. Além disso, o CPCivil é subsidiário do CPTributário (Código de Processo Tributário) (p.ex., processo de impugnação judicial, processo de transgressão, processo de execução fiscal,...).

e) O Direito Fiscal tem ainda afinidades com o Direito Privado (comum), porque o Direito Fiscal, como Direito institucional que prossegue fins específicos, conceitos e institutos próprios, não dispensa a contribuição do Direito Privado Comum (aceita conceitos como o de “obrigação” vindo do Direito privado).

Por outro lado, existem outros institutos aos quais atribui um significado diferente de acordo com os seus fins. P.ex., transmissão de um imóvel (por escritura pública). Se for um contrato-promessa com traditio, o CSISA (Código da SISA)considera que a sisa deve ser paga a partir do momento em que há traditio, pois considera que aí já há transmissão.

f) Por fim, o Direito Fiscal associado ao Direito Internacional tem como objectivo evitar a dupla tributação dos produtos, para que haja maior e melhor circulação das mercadorias internacionais (este é também o objectivo do GATT).

O que se pretende é um desenvolvimento internacional harmonioso entre os vários países e em que o comércio internacional saia beneficiado. Por vezes, os países invocam restrições teóricas, que são egoístas, para que o comércio sofra certos entraves (p.ex., proibir a importação de carros com faróis redondos, só admitindo carros com faróis quadrados).

Por isso é que se celebram certos acordos internacionais, para que a saúde de cada Estado não saia deteriorada e para que o comércio internacional não sofra também qualquer tipo de doença; o objectivo é precisamente o contrário, ou seja, um comércio internacional saudável.

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Ex.: A OCDE pretende evitar conflitos positivos de regulamentação (dupla tributação), pois tal constitui obstáculo ao comércio internacional, e também evitar conflitos negativos, ou seja, um produto pode nem sequer ser tributado, pois um país (Portugal, p.ex.) diz que a tributação do produto deve ser feita no país de destino e outro país (o de destino) diz que o imposto deve ser pago na sede da entidade comercial e, assim, o produto não é tributado nem no país de origem, nem no país de destino.

Ainda no âmbito da relação do Direito fiscal com o Direito internacional cumpre referir o Direito Comunitário. De facto, não obstante as particularidades , as singularidades do Direito Comunitário originado no Tratado de Roma de 1957, e cujas normas, desde 1982, são aplicáveis a Portugal, em consequência do seu ingresso nas Comunidades Europeias, esse mesmo direito não deixa de situar-se no plano do Direito Internacional, sem prejuízo da hipótese de, por via de uma federalização, acabar por situar-se ao nível do Direito Interno.

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Capítulo II – O imposto:

6. Conceito de Imposto:

O elemento objectivo, subjectivo e teleológico da definição:

Juridicamente, o imposto é uma prestação definitiva e unilateral, estabelecida pela lei, a favor de uma pessoa colectiva de Direito Público para a realização de fins públicos; prestação esta que não constitui sanção de um acto ilícito.

O conceito de imposto tem como elementos essenciais o objectivo, o subjectivo e o teleológico.

a) Quanto ao elemento objectivo, o imposto é uma prestação. A relação jurídica de imposto tem um carácter obrigacional ou creditício, com objecto de natureza patrimonial, sendo que geralmente a respectiva prestação tem carácter pecuniário. Contudo, nem sempre o imposto tem natureza pecuniária. Ainda hoje existe um imposto que não tem natureza pecuniária, que é o imposto de selo.

O imposto tem carácter definitivo, ou seja, não dá ao sujeito passivo qualquer direito a um reembolso, retribuição ou indemnização. Todas as importâncias que o sujeito passivo transfere para o sujeito activo não são reembolsadas, a não ser que haja uma tributação indevida. Por isso é que o imposto é diferente de empréstimo e de requisição administrativa, dada a sua natureza definitiva.

A prestação do imposto é também unilateral. A esta prestação não corresponde qualquer contraprestação por parte do credor da receita (Estado), em termos directos. Assim se distingue o imposto do empréstimo forçado e da taxa.

Na taxa existe a prestação de um serviço pelo Estado. O imposto é uma prestação imposta por lei e só temos imposto quando os pressupostos que integram a previsão legal definida se verificam na prática. Mesmo no caso de impostos locais, a própria fonte desses impostos está na lei, é legal (p.ex., a imposição da derrama consta da lei).

A soberania fiscal exerce-se quando o Estado cria impostos. Quando o Estado aparece a exigir um imposto já criado, ele aparece não como Estado soberano, mas como entidade administrativa.

O imposto não é uma sanção de um acto ilícito, ao contrário da multa ou da coima, apesar de estas também serem definitivas.

b) Quanto ao elemento subjectivo, o imposto é uma prestação a favor de uma pessoa colectiva de direito público, sendo sempre desta natureza o sujeito activo da relação de imposto.

Como entidades públicas activas da relação fiscal podemos ter o Estado e as autarquias locais (e também as regiões autónomas, na opinião de Sá Gomes, enquanto Soares Martinez acha que não). Segundo o prof. M. Vasconcelos, a posição de Sá Gomes foi reforçada pela revisão constitucional de 1997.

Sujeito passivo da relação pode ser qualquer pessoa singular ou colectiva. Pode até ser uma pessoa colectiva pública, como o Estado. Por vezes, o Estado paga impostos a si mesmo (p.ex., quando o Estado arrenda um prédio como se fosse um particular).

c) Por fim, o elemento teleológico tem a ver com o fim do imposto.Até há alguns anos atrás entendia-se que os impostos tinham como finalidade dotar os entes

públicos com meios para a realização de tarefas – tarefa meramente fiscal. Com o alargamento da intervenção do estado – Estado de Direito Social – o imposto aparece como mecanismo de redistribuição da riqueza, de protecção da indústria, como elemento de intervenção nos rendimentos gerados pela economia, etc.

O imposto tem, pois, finalidades fiscais (receitas do estado) e extra-fiscais (intervenção na economia). A própria CRP, no art. 103, refere-se à afectação do imposto.

7. Distinção entre imposto e outras categorias jurídicas:

a) O imposto e o preço:

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A caracterização estabelecida permite distinguir o imposto e o preço.O preço pode ser devido a uma entidade pública que preste utilidades no plano do comércio

jurídico-privado. Vendendo, p.ex., frutos das suas propriedades. E, em tal caso, o preço integrar-se-á , como objecto mediato, numa relação obrigacional que visa a realização de uma receita pública. No entanto, essa relação obrigacional que tem por prestação um preço não será tributária, porque determina para o sujeito activo um dever de prestar específico. O da entrega dos bens vendidos. O preço tem origem num vínculo de carácter sinalagmático. E isso, só por si, distingui-o nitidamente do imposto.

Mais difícil será, em muitos casos, distinguir o preço da taxa. Ainda que se possa estabelecer um critério de separação na base dos regimes de concorrência ou de exclusividade estabelecidas quanto à prestação de bens, ou de serviços, por parte do estado e de outras entidades públicas.

b) O imposto e a taxa:

No imposto, desde logo, não há contraprestação; na taxa já existe essa contraprestação, dado que a taxa visa adquirir a prestação de um serviço.

[Questão polémica aqui é a da taxa de activação estabelecida pela “Portugal Telecom”, taxa esta que suscita a questão de saber se é ou não constitucional, precisamente por se pôr em dúvida o carácter de contraprestação desta nova taxa.]

As taxas são prestações estabelecidas por lei, a favor de uma pessoa colectiva de Direito Público, como retribuição de um serviço individualmente prestado, como retribuição pela utilização de determinados bens de domínio público, ou ainda como remoção de determinado limite jurídico à actividade dos particulares.

Do ponto de vista jurídico, a distinção passa pela existência ou não de uma contraprestação por parte do ente activo da relação, isto é, passa pelo carácter unilateral do imposto e o carácter bilateral da taxa.

O imposto resulta de se querer tributar um facto – a capacidade tributária – e a taxa resulta do facto de se quer compensar uma actividade individualizada prestada por alguém (exs. de taxa são o pagamento dos serviços de registo civil e predial).

c) O imposto e os tributos especiais:

Os tributos especiais são prestações exigidas pelo Estado em virtude de determinada vantagem que o contribuinte vai retirar do funcionamento de um serviço público.

P.ex., na reforma fiscal actual pretende-se lançar tributos especiais na margem sul da Ponte Vasco da Gama, nos terrenos aí situados, pois vão ser muito valorizados.

Soares Martinez considera que, como não há uma contraprestação individualizada ao utente, os tributos especiais não são uma taxa, mas também não são impostos (quando muito são equivalentes a estes). Assim, os tributos especiais são um tertius genus.

Por seu lado, Brás Teixeira considera os tributos especiais verdadeiros impostos, que apresentam características diferenciadoras do conceito de taxa.

d) O imposto e as contribuições para a Previdência:

Segundo Brás Teixeira, há que distinguir o desconto feito pelo funcionário/trabalhador do desconto feito pela entidade patronal. Esta parte paga pela entidade patronal é um verdadeiro imposto (embora especial). A parte paga pelo trabalhador é um prémio de seguro obrigatório de Direito Público.

Esta distinção faz-se, porque no prémio de seguro verifica-se um nexo sinalagmático entre a quantia paga e os benefícios que daí poderão advir (quer por doença, quer por reforma). Por parte da entidade patronal é um imposto, porque não há qualquer contraprestação, não há uma relação directa entre o contribuinte e o beneficiário (não são a mesma pessoa).

Para o prof. Miguel Vasconcelos, ainda que indirectamente, também há (sempre) benefícios para a entidade patronal (p.ex., proporciona bem-estar social).

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e) O imposto e o empréstimo público:

A figura do empréstimo público acha-se normalmente de tal modo distanciada do imposto que poderá razoavelmente duvidar-se da necessidade de tentar uma destrinça entre os dois conceitos. Importa ter presente, porém, que duas figuras híbridas reúnem elementos de ambos, em termos de tornar aconselhável a separação. Referimo-nos ao imposto reembolsável e ao empréstimo forçado. O hibridismo de tais figuras, só por si, justificará a destrinça, além de uma tomada de posição quanto à natureza dessas mesmas figuras.

Os empréstimos públicos criam normalmente, para o Estado, o dever de reembolso, de uma só vez, ou através de amortizações, e o de pagar juros. Os mesmos deveres de prestar decorrem dos empréstimos forçados, algumas vezes emitidos pelo Estado por não lhe parecer favorável o mercado de capitais. Aos particulares não é reconhecida liberdade para subscrever ou não os empréstimos forçados.

Quanto ao chamado imposto reembolsável, quando o reembolso resultasse da própria estrutura da relação jurídica, tratar-se-ía, apesar da designação, de um empréstimo público forçado. Naqueles casos em que o reembolso corresponde a uma mera faculdade do Estado, não há qualquer dever de prestar específico, e, consequentemente, pode incluir-se a figura na noção de imposto.

A tendência é para aproximar do imposto o empréstimo forçado, baseada num critério voluntarista, que levará a excluir do conceito de empréstimo relações cuja origem não é voluntária, não parece justificar-se. Pela obrigação de reembolso e de pagamento de juros, o empréstimo forçado não cabe nos quadros do imposto. Admite-se, no entanto, que também não caiba no conceito de empréstimo público, devendo constituir, por isso, uma categoria distinta também deste.

f) O imposto e a requisição administrativa:

A requisição administrativa consiste num acto pelo qual, em casos excepcionais, um órgão da AP exige dos particulares, mediante justa indemnização, a prestação de determinado serviço, ou a acessão de coisas móveis, ou ainda a utilização temporária de certos bens para acorrer a necessidades urgentes.

Assim, há um conjunto de diferenças a apontar.O imposto é uma forma normal de obtenção de meios financeiros para satisfazer necessidades

públicas. A requisição administrativa tem carácter excepcional.O imposto visa conseguir meios financeiros para acorrer a necessidades gerais. A requisição

administrativa destina-se a fazer face a determinadas necessidades concretas, de natureza urgente e individualizadas.

O imposto tem carácter de prestação unilateral e definitiva, a que não corresponde, por isso, qualquer contraprestação individualizada, nem dá direito a nenhuma retribuição ou indemnização. Por sua vez, a requisição tem como elemento essencial o pagamento ao requisitado do preço dos bens ou uma indemnização pelos danos sofridos.

A relação de imposto surge apenas quando se verificam os pressupostos da respectiva previsão legal, não cabendo à administração fiscal qualquer apreciação sobre a oportunidade ou o modo de cobrança. Na requisição pressupõe-se sempre uma prévia apreciação administrativa sobre a sua necessidade e uma escolha dos meios sobre os quais deve incidir.

Por fim, enquanto no imposto, na generalidade dos casos, temos uma prestação pecuniária, a requisição traduz-se numa prestação de serviços, ou na cedência de certas coisas, ou ainda na utilização temporária de determinados bens.

g) O imposto e a expropriação por utilidade pública:

O fim da expropriação por utilidade pública não consiste na realização de uma receita pública. Dela emerge o dever de indemnizar os expropriados, além do direito de reversão (cfr. Código das Expropriações – D.L. nº 438/91, de 9/Novembro).

8. Classificação dos Impostos:

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Conforme foi observado pertinentemente por Pugliese, as classificações de impostos oferecem, em geral, escasso interesse jurídico. Indicaremos, no entanto, algumas que podem reflectir-se, de certo modo, no plano da estrutura das relações jurídico-tributárias.

a) Os impostos directos e os impostos indirectos:

Vários são os critérios distintivos que se podem adoptar para fazer a classificação entre impostos directos e indirectos.

i – a primeira proposta de critério fez radicar a distinção no objecto do imposto. Assim, estamos perante impostos directos se incidirem sobre uma manifestação imediata/directa da capacidade retributiva. Estamos perante impostos indirectos se incidem sobre uma manifestação mediata/indirecta da capacidade retributiva. Esta 1ª proposta foi feita pela Doutrina e Jurisprudência Italiana. Contudo, deve ser afastada, pois ela baseia-se num critério que só faz referência ao elemento económico.

ii – uma segunda proposta faz radicar a distinção na diversa natureza do facto gerador da obrigação fiscal. Nos impostos directos verifica-se alguma permanência no facto gerador da obrigação fiscal. Já nos impostos indirectos, o facto gerador tem carácter transitório, temporário ou acidental, consistindo numa atitude eventual do contribuinte. Também esta tese é de ser afastada, pois, tal como a doutrina anterior, também esta se baseia exclusivamente em elementos económicos.

iii – uma outra posição faz a distinção com base no modo de determinação do sujeito passivo. Estamos perante um imposto directo se a incidência desse imposto está prevista num rol nominativo de contribuintes. Se não houver um rol nominativo de contribuintes, o imposto é indirecto. Mais uma vez, esta tese é também de afastar. Isto porque esta doutrina é formulada a partir de um critério rigorosamente jurídico, mas é excessivamente formal, tomando como elemento determinante o que não passa de uma consequência acidental e não um factor distintivo.

iv – uma quarta proposta diz que é impossível estabelecer a distinção com referência a um só elemento exclusivamente. A distinção deve ser referida a todos os elementos relevantes: o objecto, a natureza da prestação, o processo administrativo de liquidação do imposto, o rol nominativo e a natureza, grau e intensidade de privilégios creditórios de determinado imposto. A crítica é que esta tese conduz a um resultado praticamente impossível, pois não é fornecido um elemento distintivo, um critério objectivo único, mas vários elementos de distinção (“peca” por excesso).

v – ainda outra proposta afirma que a distinção deve procurar-se no tipo de relação jurídica que constitui a fonte da obrigação fiscal. Se se trata de uma relação jurídica que dá lugar a uma prestação isolada, o imposto é indirecto. Se, pelo contrário, há uma relação jurídica que dá origem a prestações periódicas, então esse imposto deve ser considerado directo. Ainda esta tese deve ser afastada, pois equivale à concepção que atende à natureza do facto gerador da obrigação fiscal (nada lhe acrescentando) e ainda porque faz coincidir esta distinção com a distinção entre impostos periódicos e impostos de obrigação única.

vi – Por fim, a tese, pelo menos actualmente, mais correcta tem por base os arts. 736 CC e 254 CRP. Da análise destes arts. concluímos que a nossa lei acolheu um critério económico para proceder à distinção. Assim, são impostos directos aqueles que recaem sobre os rendimentos e o património (exs.: IRS, IRC, Contribuição Autárquica, SISA, Imposto sobre Sucessões e Doações). São impostos indirectos aqueles que recaem sobre o consumo e a despesa (exs.: IVA, Imposto de Selo, Impostos especiais sobre o consumo – sobre a cerveja, sobre automóveis, sobre o tabaco, sobre produtos petrolíferos, impostos aduaneiros,...).

b) Os impostos pessoais e os impostos reais:

Os impostos directos distinguem-se entre impostos pessoais e impostos reais, conforme incidem sobre o conjunto ou parte dos bens do contribuinte, tendo em conta, em maior ou menor grau, a situação

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pessoal do contribuinte – estamos aqui perante um imposto pessoal; ou tributam os bens ou rendimentos objectivamente considerados – estamos então perante impostos reais.

c) Os impostos estaduais e os impostos não estaduais:

Nem sempre o estado é o credor do imposto, o sujeito activo da relação jurídico-tributária. Esta constitui-se, muitas vezes, em benefício de uma autarquia local ou de um instituto público. Daí a separação dos impostos estaduais dos não estaduais. A origem de uns e outros é legal e, portanto, estadual, mas só em relação aos primeiros o estado se apresenta como credor.

Referem-se, frequentemente, a propósito da distinção estabelecida, os impostos parafiscais. Contudo, as receitas parafiscais, entre as quais avultam as contribuições para a Segurança Social e as “taxas” dos organismos de coordenação económica, caracterizam-se por algumas especialidades quanto à orçamentação e quanto à contabilização, que, aliás, tendem a esbater-se, sem deixarem de oferecer aspectos comuns ao impostos.

Note-se que os impostos não estaduais são os estruturados no sentido da sua atribuição a uma entidade diversa do Estado 8impostos regionais, provinciais, municipais, paroquiais,...)Mas acontece frequentemente que a receita de um imposto estadual seja cedida pelo Estado a outra entidade pública. Essa cedência não altera a natureza estadual do imposto. É o que acontece com os impostos lançados e cobrados pelo Estado nas áreas das Regiões Autónomas, de que estas podem “dispor” (art. 229, i) CRP), porque o Estado lhes cede as respectivas receitas, que, por essa cedência, passam a constituir receitas próprias das Regiões Autónomas (D.L. nº 22/77, 18/1, arts. 1º e 3º).

De modo semelhante, O Estado cede aos Municípios, juntamente com parte da receita de outros impostos, a totalidade da receita da contribuição autárquica, da SISA e do imposto municipal sobre veículos. Mas isso não parece modificar a natureza estadual destes impostos. Que o Estado ceda a uma autarquia, ou a outra pessoa, uma parte ou a totalidade da receita de um imposto não afecta a natureza deste.

Aliás, quando o Estado cria, lança, liquida e cobra um imposto, as relações jurídico-tributárias respectivas estabelecem-se entre os particulares e o Estado somente. A entrega subsequente da receita a outra entidade insere-se numa relação jurídica que nem sequer é de natureza tributária.

De qualquer modo, a distinção é feita com base na natureza do sujeito activo. Se temos impostos cujo sujeito activo é o Estado temos impostos estaduais. Se, pelo contrário, o sujeito activo é outro ente público que não o Estado, nomeadamente as autarquias locais, temos impostos não estaduais.

d) Os impostos gerais e os impostos locais:

A distinção entre impostos gerais e impostos locais tem em conta o âmbito territorial de aplicação dos tributos. Os impostos gerais abrangem todo o território nacional; os impostos locais destinam-se a uma determinada zona ou autarquia.

e) Os impostos periódicos e os impostos de obrigação única:

Atende à natureza permanente ou acidental dos factos sobre os quais incidem os impostos. Os impostos são periódicos se tributam situações ou actividades que duram no tempo, dando origem a sucessivas obrigações tributárias. São impostos de obrigação única os que recaem sobre factos isolados, sem carácter de continuidade.

Existe, como excepção à regra, um caso de um imposto de obrigação única, mas que tem carácter periódico: é o imposto sobre sucessões e doações por avença, previsto no art. 182 CSISA e Imposto sobre Sucessões e Doações.

f) Os impostos principais e os impostos acessórios:

A distinção reside no facto de existirem por si (impostos principais) ou de incidirem sobre mecanismos definidos pelos impostos principais (impostos acessórios). Os impostos acessórios consistem

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em adicionais que vão incidir sobre outros impostos principais, sendo o seu montante determinado pela aplicação de uma nova taxa sobre a colecta desses outros impostos (os impostos principais).

Ex.: IRC – 34%(imposto principal)

Derrama – 10%(imposto acessório)

IRC + Derrama = 34% + 10% (34%) =34% + 3,4% = 37,4%

9. Estrutura dos Impostos Portugueses:

A reforma de 1988 veio reduzir bastante o nº de impostos directos que estão em vigor. Foram abolidos a contribuição industrial, a contribuição predial, o imposto profissional, o imposto complementar, imposto sobre a indústria agrícola, imposto sobre as mais valias,...

Por outro lado, foram introduzidos e mantidos o IRS e o IRC (em substituição da contribuição industrial). Estes dois impostos vieram substituir e abolir todos os impostos acima referidos. E a eles se circunscreve toda a tributação com carácter periódico.

Actualmente, também existe a contribuição autárquica. A contribuição autárquica (imposto sobre o património) é cobrado periodicamente (anualmente), sendo suportado, em regra, pelo rendimento dos prédios sobre que incide. A contribuição autárquica destina-se ao Município.

Dos impostos de prestação única e sobre o património destacam-se o imposto sobre sucessões e doações e o imposto nacional de SISA (DL 41969 de 24/11/...). Estão ainda em vigor os impostos sobre a despesa e o consumo, que são, desde logo, o IVA (DL 394-B/88) e o imposto de selo (DL 21916 de 28/11/32).

Por fim, temos os impostos especiais sobre o consumo, nomeadamente os que incidem sobre bebidas alcoólicas, tabaco, bens petrolíferos,...

Sobre a desigualdade de taxas temos muitos outros – taxa de lixo, taxa de esgotos,... – que são verdadeiros impostos ocultos.

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Capítulo III – Soberania Fiscal

10. Soberania Estadual e Soberania Fiscal:

I. Soberania estadual, soberania fiscal e poder tributário:

Não é inteiramente pacífico o entendimento sobre a noção de soberania fiscal. Integrada no conceito de soberania do Estado, como um dos aspectos que ela reveste, a soberania fiscal deverá compreender apenas a delimitação de esferas tributárias, frente a outras soberanias estaduais, e a definição de regimes legais. Mas alguns autores, impressionados por todo o complexo de poderes que o Estado exerce, não só na definição de comandos tributários legais, mas também no uso dos direitos que estes lhe conferem, incluem na noção de soberania fiscal, ou de poder tributário, a capacidade para a realização de múltiplos actos, não apenas no plano legislativo, mas também no plano executivo.

A soberania fiscal constitui um dos aspectos da soberania financeira; e esta, por sua vez, um dos aspectos da soberania estadual. Por isso, relativamente à soberania fiscal deparam-se-nos os mesmos complexos problemas inseparáveis do conceito de soberania, um dos mais fugidios da enciclopédia jurídica. Mas não temos aqui de ocupar-nos desses problemas; apenas recordar que eles se projectam na figura da soberania fiscal.

Por soberania fiscal entende-se o poder de criar impostos, de extingui-los, de alargar ou restringir o seu âmbito, de estabelecer proibições de natureza fiscal. E, como aspecto da soberania estadual, a soberania fiscal apresenta as mesmas características. Em consequência, só os Estados, quer unitários, quer compostos, quer membros de Estados compostos, podem exercer a soberania fiscal.

Na actualidade, à face das ordens jurídicas vigentes, não se admite uma soberania fiscal, ou um poder tributário, um poder de imposição, de criação de impostos, que não caiba ao próprio Estado, embora os princípios institucionais-corporativistas, como as reivindicações regionalistas, pudessem encaminhar no sentido de soluções diversas, que, porém, de momento, não parece dominarem a consciência das comunidades políticas.

II. Entidades públicas menores e soberania fiscal:

Conforme já foi referido, alguns autores têm procurado distinguir uma soberania fiscal originária, do Estado, de uma soberania fiscal derivada, delegada em benefício de entidades públicas menores, ou até, nalguns casos, em benefício de entidades privadas que exerçam funções públicas.

Mas actualmente – bem ou mal, posto que uma concepção pluralista dos poderes políticos e dos ordenamentos jurídicos poderá conduzir a solução diversa – nenhuma entidade exerce poderes tributários que lhe não sejam concedidos pelo Estado. À margem da autoridade deste não é concebível que alguém exija de outrem prestações de tipo tributário.

Em suma, não há soberania fiscal delegada ou derivada. Porque as autarquias territoriais e as outras entidades públicas não são soberanas. Nem no plano fiscal nem noutros. Apenas beneficiam de créditos tributários constituídos ao abrigo de normas estaduais.

Com efeito, o Estado, por motivos de descentralização de funções públicas e para assegurar o exercício de tais funções descentralizadas, faculta às entidades públicas menores receitas tributarias. E fá-lo por três formas diversas.

Nuns casos, cedendo-lhes uma parte ou a totalidade da receita de um imposto [Constituição, art. 229, alínea i); art. 254 Estatuto Provisório da Região Autónoma dos Açores, aprovado pelo Decreto-Lei n.0 318-B/76, de 30 de Abril, arts. 53, e 54; Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei n.0 13/91, de 5 de Junho, art. 67; Código da Contribuição Autárquica, aprovado pelo Decreto-Lei n.0 442-C/88, de 30 de Novembro, art. 1.; Decreto-Lei n.0 22/77, de 18 de Janeiro; Lei n.0 1/79, de 25 de Janeiro, arts. 5 e 6; Estatuto Político-administrativo da Região Autónoma dos Açores, aprovado pela Lei n.0 39/80, de 5 de Agosto, art. 82).

Noutros casos, permitindo às entidades publicas menores o lançamento de adicionais aos impostos do Estado (Decreto-Lei n0 98/84, de 29 de Março, art. 12).

Noutros casos ainda, autorizando o lançamento e a cobrança de impostos autónomos, conforme

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estabelecia o Código Administrativo (arts. 703 e ss), quanto ao imposto de prestação de trabalho, ao imposto para o serviço de incêndios, e outros.

Nos dois primeiros casos, pode entender-se que não chegam a constituir-se relações entre as entidades públicas menores e os contribuintes. A posição credora daquelas ou é meramente acessória da posição tributária do Estado ou não chega mesmo a desenhar-se em relação aos contribuintes. Aquelas entidades públicas menores serão credoras do Estado, que arrecadou certas receitas fiscais a elas destinadas, e não credoras dos contribuintes. Mas na hipótese de lançamento de impostos autónomos já as relações jurídico-tributárias constituídas se desenvolvem entre as entidades públicas menores, sujeitos activos dessas relações, e os contribuintes, sujeitos passivos das mesmas.

Em qualquer dos três casos, porém, as manifestações soberanas são sempre estaduais. As entidades públicas menores não poderão criar qualquer imposto, sendo “nulas as deliberações de qualquer órgão das autarquias locais que determinem o lançamento de impostos, taxas, derramas ou mais-valias não previstos na lei”.

11. Fundamento da soberania fiscal:

a) O fundamento da soberania fiscal no plano da análise jurídica:

Constituindo a soberania fiscal um dos aspectos da soberania do Estado, o seu fundamento último há-de confundir-se com o fundamento filosófico-políticos do próprio Estado, que poderá entender-se como alheio ao plano da análise jurídica e cuja apreciação, em qualquer caso, não seria aqui oportuna. Contudo, tem-se entendido frequentemente que, aquém desse fundamento último, a soberania fiscal há-de encontrar uma fundamentação próxima em princípios gerais de Direito, cuja simples aplicação justificará o poder estadual de tributar. Algumas posições características dizem que o poder de tributar do Estado, independentemente do seu fundamento político, encontra justificação em princípios jurídicos gerais.

b) O domínio eminente do príncipe:

O imposto predial romano e alguns aspectos predominantes dos sistemas tributários medievais inspiraram uma teoria da tributação que atribui ao imposto a natureza de um direito real, de um direito sobre coisas.

O príncipe, por direito de conquista ou de defesa da terra, seria proprietário de todo o solo; e, quando cedia a outrem, a título perpétuo, direitos sobre qualquer fracção territorial, exigiria ao cessionário uma prestação periódica, também perpétua, uma espécie foro enfitêutico, o imposto. Esta construção reflecte a teoria do domínio eminente do príncipe, com raízes bem fundas nas instituições públicas do passado, sobretudo as de inspiração germânica, projectada nalgumas normas do antigo Direito português e que, de quando em vez, emerge nas instituições jurídicas da actualidade. Como, por exemplo, quando o Estado afirma direitos sobre o subsolo de todas as fracções prediais do território estadual.

A referida construção circunscreve-se aos impostos prediais, pois quanto aos outros mais dificilmente seriam de invocar os direitos de conquista, ou de defesa da terra, como base da tributação. Tanto bastaria para considerar a teoria do domínio eminente não ajustada à fundamentação do poder de tributar em face das modernas instituições jurídico-fiscais.

c) As concepções clássicas baseadas numa troca de utilidades:

A ideia de troca de utilidades, de “do ut des”, ou de “do ut facias”, ocorreu facilmente ao espírito de muitos autores que procuraram um fundamento jurídico para o poder de tributar. Esse fundamento estaria na contrapartida representada por utilidades prestadas ou a prestar. Mas foi numa base voluntarista que a ideia de troca de utilidades ganhou maior relevo nas tentativas para fundamentar a soberania fiscal

As construções assentes na ideia de troca de utilidades apresentam o imposto como um preço. Seria o preço da protecção estadual, para Adam Smith.

O imposto seria, pois, a contrapartida dos serviços prestados pelo Estado para protecção das

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actividades que tornam possível a obtenção e o gozo dos rendimentos dos particulares.

d) As concepções ético-sociais:

No decurso do século XIX, passou a tentar fundamentar-se a soberania fiscal em razões ético-sociais. O fundamento do poder de tributar residiria na exigência social de assegurar a cobertura financeira das despesas do Estado, na própria satisfação das necessidades públicas.

Esta ideia de satisfação das necessidades públicas, situada no plano do fundamento do imposto, abstraiu de qualquer princípio de troca, de "do ut des", ou de “do ut facias”.

As novas teorias, ditas ético-sociais, tentaram fixar critérios de repartição de encargos através das ideias de capacidade contributiva, de igualdade de sacrifícios, de utilidade marginal; mas essas ideias, menos precisas, são, sobretudo, de base política; e torna-se muito difícil aproveitá-las no plano da construção jurídica.

e) A negação de fundamento à soberania fiscal:

As concepções para as quais o fundamento do poder de tributar reside na necessidade social e económica das receitas tributárias acabaram por projectar o fundamento da soberania fiscal para o plano puramente político. Em nível inferior ao deste não se encontraria uma justificação do imposto. Assim o entenderam diversos autores, sobretudo alemães.

O Estado exerce os mais amplos poderes sobre os seus membros. Pode exigir-lhes o sacrifício dos seus bens, como pode exigir-lhes o sacrifício das suas vidas. O fundamento jurídico do imposto estaria em não se justificar em relação a ele qualquer fundamento jurídico; pois em face de um poder soberano não seria conveniente suscitar problemas de fundamento, ou de legitimidade. Quando o poder apresenta as características de soberano, ele será, por esse mesmo facto, legítimo e fundamentado.

A tributação encontraria o seu fundamento e a sua legitimidade na obediência do súbdito ao Estado em que se integra (Stahl, Helferich). Mas, deste modo, os autores que defendem tal concepção não puderam explicar o poder tributário exercido em relação aos estrangeiros.

Reconhecendo as insuficiências da teoria que nega fundamento à soberania fiscal, alguns outros autores, também alemães, formularam a teoria da supremacia de facto quanto ao poder de tributar.

f) As concepções modernas baseadas numa troca global:

Reconhece-se, em termos mais ou menos pacíficos, que qualquer equivalência do débito tributário individual e das vantagens colhidas do Estado pelo respectivo contribuinte não faz sentido. Ao menos à face dos modernos sistemas tributários. Nem essa equivalência no plano individual interessaria para fundamentar a soberania fiscal, que há-de situar-se num plano geral e abstracto.

Mas a ideia de troca, de equivalência funcionaria no sentido de a soberania fiscal se limitar pelas exigências das necessidades públicas. Seriam essas necessidades e a insuficiência dos rendimentos do património e do domínio para as satisfazer que fundamentariam o poder de tributar.

Uma teoria jurídica sobre o fundamento da soberania fiscal tem de assentar na presunção de que o emprego do produto dos impostos é vantajoso para a comunidade. Ainda que tal presunção seja ilidível, no plano da apreciação política.

Mesmo sem tentar fazer reviver as teorias da troca, importará não esquecer o seu mérito de fundar em termos jurídicos, numa ideia de justo equilíbrio de interesses, o poder de tributar. Parece indispensável, em tal matéria, o estabelecimento de uma correspondência entre sacrifícios tributários e benefícios particulares e gerais, recebidos do Estado. Sem essa correspondência, a soberania fiscal, desprovida de fundamento, estaria a ser exercida ilegitimamente .

12. Limites da soberania fiscal:

a) Os fins do Estado:

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Os poderes fiscais do Estado, mesmo os poderes soberanos, acham-se limitados, não apenas de facto, mas também de Direito. E a primeira limitação decorre dos próprios fins do Estado e das vantagens que advêm da sua prossecução.

O Estado não pode criar impostos para satisfazer fins que não sejam os seus próprios, nem para fazer face a despesas que não se traduzam em vantagens para a respectiva comunidade. Sem dúvida que essas vantagens têm de ser apreciadas à face de critérios políticos. Mas definidos estes, com eles terá de conformar-se o poder estadual; e terá, consequentemente, de admitir, à mesma luz, limitações à sua capacidade de exigir impostos.

Quando o Estado visava apenas a manutenção da paz social, e esta era considerada em termos restritos, como acontecia no século passado, o poder de tributar também não deveria exceder as exigências indispensáveis à manutenção das forças armadas, dos serviços de diplomacia, das polícias e dos órgãos jurisdicionais. Ao alargar a sua esfera de acção ao plano do fomento económico, mesmo supletivamente, o Estado teve de alargar também o seu poder de tributar. E, quando os Estados se propõem dirigir toda a vida das nações e o seu desenvolvimento económico, segundo planos gerais, os poderes financeiros orientados no sentido da disposição dos patrimónios dos particulares, quando estes sejam ainda admitidos, têm de ser muito mais extensos.

b) Os costumes, os tratados e as leis constitucionais:

Os limites da soberania fiscal do Estado dependem, pois, dos seus próprios fins, e do complexo de princípios e instituições que dominem a vida do país considerado. Mas, além destes limites, aos quais deve atribuir-se relevo, não apenas moral e político, mas também jurídico, os poderes tributários do Estado acham-se normalmente confinados dentro de fronteiras legais expressamente definidas.

A lei fundamental do Estado limita, embora transitoriamente, pelo tempo que a própria Constituição vigorar, os poderes tributários estaduais, que também são restringidos por costumes internacionais e por tratados, enquanto o Estado que os celebrou, ou a eles aderiu, os não denunciar.

Também à face da Constituição de 1976, poderá entender-se que o seu art. 13 veda ao Estado qualquer forma de tributação assente nas discriminações sociais aí excluídas.

É de referir que quando Portugal aderiu à União Europeia criou um novo limite à legislação tributária e à soberania do Estado.

c) A territorialidade do imposto:

No plano internacional, a soberania tributária do Estado acha-se naturalmente limitada, pela coexistência de outras soberanias, às suas fronteiras territoriais, só dentro delas se exercendo, em princípio, o poder de tributar. É esse o significado da chamada territorialidade do imposto.

Só excepcionalmente as normas tributárias emanadas de uma ordem jurídica se projectam para além dos limites territoriais a que essa ordem jurídica corresponde. O Estado que, salvos casos excepcionais, pretendesse exercer poderes tributários para além dos seus limites territoriais, não se sujeitaria apenas a verificar a ineficácia dos seus comandos, por incapacidade para os impor coercivamente; também estaria a assumir uma conduta ilícita, à face da ordem internacional, segundo princípios e usos imemorialmente aceites.

Em obediência ao próprio fundamento da soberania fiscal, o Estado só pode tributar aqueles que, pela posição assumida, de algum modo se presumem interessados na prossecução dos fins do Estado e nos benefícios, particulares ou gerais, que o mesmo Estado oferece. Para que a tributação seja legítima torna-se necessário que quem a suporta tenha estabelecido com a entidade impositora um vínculo político e económico que justifique o seu interesse em relação às actividades que essa mesma entidade desenvolve. O referido vínculo poderá ter origem na cidadania, no domicílio, na simples passagem pelo território, na constituição de direitos sobre bens situados no território do Estado, ou noutras circunstâncias ainda. Mas, em qualquer dos casos, para que a tributação seja legítima, quem a suporta deverá beneficiar, ou presumir-se que beneficia, em grau muito variável embora, da actividade estadual.

Deparam-se-nos algumas excepções relativamente ao princípio da territorialidade do imposto. E tanto no sentido de um alargamento dos espaços fiscais, como no sentido de uma restrição dos mesmos. Assim, por exemplo, os documentos expedidos, ou passados, no estrangeiro só podem ser admitidos em

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juízo, ou apresentados a qualquer autoridade portuguesa, desde que tenha sido pago imposto do selo, nos casos em que este recai sobre documentos passados em Portugal (vd. Regulamento do Imposto do Selo, art. 271). A circunstância de o acto que o documento titula, embora praticado no estrangeiro, ser invocado perante a ordem jurídica portuguesa dá lugar a tributação.

São mais numerosas as excepções ao princípio da territorialidade do imposto no sentido da sua restrição, as quais provêm de compromissos assumidos pelo Estado na ordem internacional, quer pela aceitação de usos e costumes, quer pela celebração de tratados internacionais, ou pela adesão a estes. O respeito pelos usos impedirá o Estado de tributar as entidades às quais o Direito Internacional reconhece personalidade, assim como os agentes diplomáticos estrangeiros, pelas actividades exercidas nessa qualidade. Quanto aos tratados internacionais com efeito na esfera da tributação, uns têm por objecto a protecção de pessoas, bens e actividades, outros a solução de conflitos suscitados no plano internacional relativamente a matérias tributárias.

Também a Convenção de Estocolmo de 1960, que instituiu a “Associação Europeia de Comércio Livre” (E.F.T.A.) e foi assinada por Portugal, estabeleceu para os Estados signatários e aderentes diversas limitações no campo fiscal, quanto à redução progressiva de impostos aduaneiros sobre a importação (art. 3º), quanto à incidência de quaisquer impostos sobre as mercadorias importadas (art. 6º), quanto à aplicação do regime aduaneiro de “draubaque” (art. 7º), quanto à proibição de impostos sobre as exportações (art. 8º).

O ingresso de Portugal na “Comunidade Económica Europeia”, ou “Mercado Comum Europeu” – hoje, União Europeia ou Comunidade Europeia -, determinou também outras, e mais acentuadas, limitações do poder de tributar, em obediência ao Tratado de Roma, de 1957, que instituiu aquela “Comunidade”, designadamente por força dos arts. 2º, 3º, 12 a 28 e 95 e seguintes desse Tratado.

d) Os conflitos internacionais de tributação:

Nas últimas dezenas de anos foram celebradas muitas convenções internacionais que visam os conflitos de tributação suscitados, ou que possam suscitar-se, no plano internacional. Esses conflitos resultam da adopção pelas várias ordens jurídicas de critérios diferentes na definição dos pressupostos tributários. Quando uma situação se acha ligada, pela diversidade dos seus elementos, a mais de uma ordem jurídica, essa disparidade na definição de pressupostos tributários pode determinar ou que mais de um Estado tribute tal situação ou que nenhum a tribute, quando, normalmente, sem essa bilateralidade de conexões, ela seria tributada. No primeiro caso, o conflito é positivo, dele resultando uma duplicação de impostos; no segundo caso, o conflito é negativo, e dá lugar a uma evasão fiscal, nalguns casos provocada por Estados que, com o fim de atraírem pessoas ou capitais aos seus territórios, procuram, através das suas legislações, criar os designados “paraísos fiscais”.

Mas os conflitos positivos verificam-se mais frequentemente; e oferecem inconvenientes sérios, do ponto de vista da manutenção e do desenvolvimento das relações económicas internacionais. Portanto, para não correrem o risco de serem tributados por dois ou mais Estados, na base de uma mesma e só situação, muitos contribuintes evitam estabelecer actividades conexas com mais de uma ordem jurídica. Com efeito, é fácil avaliar quanto poderá ser gravoso para uma sociedade comercial ser tributada pelo Estado em cujo território tem a sua sede, por todos os rendimentos obtidos, e ser tributada, por esses mesmos rendimentos, nos diversos Estados onde não tenha sede, mas exerça actividades. Ou para qualquer indivíduo que resida em país diverso daquele onde os seus rendimentos são produzidos, ser tributado por um Estado, em razão de aí receber os seus rendimentos, e noutro Estado, por motivo de nele terem origem esses mesmos rendimentos.

A questão suscitou também o maior interesse à O.C.D.E., cujo “Comité” Fiscal elaborou, em 1963, um modelo-tipo de convénios tendentes a evitar as duplas tributações dos rendimentos e dos patrimónios, no plano internacional, que já foi revisto em 1977. Também a Organização das Nações Unidas cometeu o estudo destes problemas a um grupo de trabalho que, em 1974, publicou um relatório sobre as questões de dupla tributação.

13. Expressão de Soberania Fiscal:

a) A natureza dos órgãos da soberania fiscal:

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Não sendo o Estado uma pessoa física, tem de servir-se de órgãos no exercício dos seus poderes tributários, como, aliás, de outros. Mas poderão suscitar-se dúvidas quanto à natureza desses órgãos.

As origens das instituições fiscais e a feição própria que lhes é característica parece exigirem que os órgãos da soberania fiscal sejam representativos do sentido da comunidade política e ofereçam garantias de justiça e de objectividade na definição do equilíbrio indispensável entre as necessidades públicas e os direitos patrimoniais dos particulares. Deste princípio se tem extraído a conclusão de que os órgãos da soberania fiscal hão-de ser colegiais e constituídos por membros designados através de um sufrágio directo e universal. Os órgãos da soberania fiscal hão-de ser representativos do sentido da comunidade, nos termos em que, segundo as ideias políticas dominantes, naturalmente reflectidas nos textos constitucionais, esse sentido deva manifestar-se.

À face dos regimes constitucionais vigentes, tanto nos países ditos capitalistas como nos ditos socialistas, são geralmente as assembleias políticas representativas das comunidades que, ao menos formalmente, manifestam a vontade soberana do Estado em matéria tributária. Tanto pela votação dos impostos, ou, ao menos, das normas gerais a que estes hão-de subordinar-se, como pelas autorizações concedidas aos governos para a cobrança das receitas fiscais.

b) Os regimes constitucionais quanto aos órgãos da soberania fiscal:

O Estado actua através de órgãos de soberania fiscal. Estes órgãos são colegiais e constituídos por membros eleitos por sufrágio directo e universal. Estes órgãos devem ser independentes na apreciação dos sacrifícios patrimoniais a exigir à nação e na própria repartição da carga tributária pelas diferentes regiões que compõem o Estado.

Durante alguns séculos, os poderes tributários foram repartidos entre os monarcas e as assembleias políticas. Só com a Revolução Francesa de 1789 é que a ideia de “Parlamento” ou “Assembleia” foi instituída.

Entre nós, foi a Constituição de 1822 que deslocou os poderes tributários soberanos dos monarcas para as Cortes (que na altura eram constituídas por membros eleitos pelos cidadãos). Na Constituição de 1976 há um afrouxamento da protecção dos particulares em matéria tributária. Isto, porque as normas tributárias na nossa CRP não se encontram no capítulo dos direitos, liberdades e garantias, mas no capítulo da organização política.

Quanto à questão de saber quais são, afinal de contas, os órgãos de soberania fiscal eles são todos de onde emana a lei (art. 103 e 104 CRP), pelo que cabe à A.R. fazer as leis sobre todas as matérias, com excepção das atribuídas ao governo (art. 161 e 198/2 CRP). Portanto, na nossa ordem jurídica, a AR é o órgão máximo de soberania fiscal. Cabe-lhe criar impostos e a sua incidência, bem como assegurar as garantias (graciosas, contenciosas e judiciais) dos contribuintes e os benefícios fiscais. O Governo pode legislar em todas as áreas que não sejam reservadas à AR. Pode ainda legislar sobre as matérias da competência da AR, desde que esta aprove uma lei de autorização legislativa ao Governo (lei-quadro de autorização).

14. Soluções constitucionais portuguesas:

a) Evolução Histórica:

Também em Portugal, na sequência das liberdades reconhecidas aos povos pelos Direitos visigótico e leonês, os poderes tributários soberanos começaram por ser exercidos pelos Reis e pelas Cortes, assembleia política representativa da Nação. Mas as Cortes não reuniram em Portugal desde 1698. A partir de então, e até 1821, data em que se reuniram novamente Cortes, embora estas de feição diversa, os poderes tributários soberanos foram exercidos exclusivamente pelos monarcas. E em termos ostensivos, com desconhecimento completo de quaisquer poderes das Cortes, desde o reinado de D. José.

As Constituições da Monarquia Liberal:A Constituição de 1822, fortemente influenciada pelas constituições francesas, e, sobretudo, pela

de 1791, deslocou os poderes tributários soberanos do Rei para as Cortes, assembleia política constituída

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por deputados eleitos pelo sufrágio dos cidadãos eleitores.Assim, à face da Constituição de 1822, o órgão da soberania fiscal era a assembleia política

designada por Cortes.

A Constituição de 1911:A Constituição republicana de 1911 incluiu no seu artigo 3º, entre os direitos garantidos a

portugueses e estrangeiros residentes no país, o de não serem obrigados “a pagar contribuições que não tenham sido votadas pelo poder legislativo ou pelos corpos administrativos, legalmente autorizados a lançá-las, e cuja cobrança se não faça pela forma prescrita na lei” (nº 27).

À face da Constituição de 1911, o órgão da soberania tributária era o Congresso da República, constituído pela Câmara dos Deputados e pelo Senado, ambos eleitos por sufrágio directo dos cidadãos.

Os regimes constitucionais anteriores a 1933 e a criação de impostos pelos governos:Desde 1822 até 1933 os regimes constitucionais portugueses reservaram às assembleias políticas

representativas da comunidade, exclusivamente, a criação de impostos. No entanto, durante esse mesmo período, muito frequentemente os governos legislaram sobre matérias fiscais; e, com frequência também, criaram impostos ou modificaram os respectivos regimes de incidência.

A Constituição de 1933:

A Constituição de 1933 rodeou de particulares cautelas as matérias financeiras em geral e as fiscais especialmente, não se afastando das tradições constitucionais do liberalismo, através dos seus artigos 70., 8, n.0 16, e 91., nº 4. Até poderá sustentar-se que a Constituição de 1933 foi mais rigorosa do que as anteriores em tais matérias, abrangendo o seu rigor tanto os aspectos jurídicos como os de garantia política das liberdades individuais, necessariamente ameaçadas quando o poder de criar impostos não é acautelado em termos convenientes.

b) A Constituição de 1976:

É frouxa a defesa dos particulares, em face das exigências fiscais, no texto da Constituição de 1976. Sobretudo em confronto com o interesse e a minúcia que lhe mereceram outros aspectos de defesa dos direitos e liberdades.

Sublinhe-se também que as disposições constitucionais respeitantes a impostos, ao contrário da tradição constitucional, tanto próxima como remota, deixaram de encontrar cabimento na parte respeitante aos “direitos, liberdades e garantias”. Foram inseridas apenas sob as rubricas “organização económica” e “organização do poder político”. No entanto, substancialmente, não parece que o tratamento reservado a tais matérias tenha mudado em termos radicais com a Constituição de 1976. Segundo esta, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes” (art. 106, nº 2).

Neste artigo, e na sequência das Constituições de 1911 e de 1933, reconhece-se o direito de não pagar impostos que não tenham sido criados nos termos da Constituição.

Segundo o citado artigo 106, “os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes”. Daqui se conclui que órgãos da soberania fiscal serão aqueles dos quais dimana a lei. Ora é à Assembleia da República que cabe “fazer leis” sobre todas as matérias, salvo, segundo o texto constitucional primitivo, as reservadas pela Constituição ao Conselho da Revolução ou ao Governo (art. 164, alínea d)).

Após a revisão de 1982, desapareceram do texto constitucional as referências ao Conselho da Revolução, abolido, pelo que as dúvida quanto à competência legislativa da Assembleia da República se põem apenas em relação ao Governo. Mas a conclusão é manifestamente a mesma que se impunha à face do texto primitivo.

Também à Assembleia da República compete, por lei, criar impostos (art. 106, nº 2). Este preceito não deverá interpretar-se no sentido de que só os impostos inteiramente novos devem sei estruturados por lei. Qualquer alteração de incidência de um imposto velho corresponde à criação de um imposto; de outro modo, sempre poderiam os governos, aproveitando designações anteriores e alguns pressupostos já definidos, modificar por completo as condições de tributação.

Da delimitação constitucional de matérias tributárias reservadas à lei resulta que o Governo poderá legislar quanto a essas matérias desde que não se trate de criação de impostos, de definição da

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incidência, da taxa, dos benefícios fiscais e das garantias das contribuintes.É de notar que, nos termos dos arts. 168 e 201 nº 1, alínea b) da Constituição, o Governo pode

“fazer decretos-leis em matérias de reserva relativa da Assembleia da República, mediante autorização desta”. Em cujo caso, o Governo poderá legislar sobre todas as matérias tributarias (art. 168, nº 1, alínea i) CRP). Nem mesmo assim, porém, se justificará atribuir ao Governo a qualidade de órgão da soberania fiscal; porque os poderes que assume em tal matéria lhe são delegados pela Assembleia da República, à qual cabe “definir o objecto, o sentido, a extensão e a duração da autorização” (art. 168, nº 2), e que poderá, inclusivamente, não delegar tais poderes, que a Constituição reserva àquela Assembleia.

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Parte I – As normas fiscais

Capítulo I – Fontes do Direito Fiscal:

A expressão “fontes de Direito” admite diversos entendimentos, ou conteúdos. Um, substancial, respeita à origem e à razão vinculativa das normas; outro, formal, abrange os revestimentos pelos quais os preceitos jurídicos se revelam, são enunciados, se apresentam aos seus destinatários.

15. Noção e espécies de fontes do Direito Fiscal:

a) Princípios jurídicos fundamentais e costume internacional:

Também no plano do Direito Fiscal se poderá entender que a consciência jurídica contemporânea, ao menos em certas zonas geográfico-culturais, reclama a constitucionalidade de determinadas regras, tais como a legalidade e a anualidade do imposto, a igualdade de tratamento na repartição dos encargos tributários e a capacidade contributiva como base da incidência fiscal. De tal modo que, mesmo na hipótese de a Constituição formal não conter tais princípios, eles se imporiam ao legislador ordinário, por inseridos na Constituição material.

Nem sempre a ideia de costume constitucional permitirá o enquadramento de princípios fundamentais, inclusivamente tributários, não enunciados pela Constituição, no sistema jurídico. Porque pode acontecer que alguns desses princípios nunca tenham sido incluí em qualquer lei constitucional.

Com todas as reservas já referidas, admite-se que determinados princípios e normas de Direito Fiscal, pelo enraizamento na consciência dos povos, tenham assento supra-constitucional, que se imponha ao legislador, sem excluir o próprio legislador constitucional.

b) Lei Constitucional – Princípio da Legalidade e Princípio da Igualdade:

A lei constitucional ocupa, compreensivelmente, lugar de particular relevo na hierarquia das fontes de Direito em geral. E, no campo do Direito Tributário, para além da sua função comum de supremacia relativamente à lei ordinária, tem ainda a de definir a zona reservada à lei em sentido formal, em obediência ao princípio da legalidade do imposto.

As normas fundamentais em matéria de tributação, como nalgumas outras, acham-se normalmente, nos sistemas de Direito modernos, reunidas nas leis constitucionais. Assim, na Constituição vigente em Portugal, o princípio da legalidade do imposto, conjugado com o da anualidade, que as Constituições da Monarquia Liberal definiram expressamente reflecte-se nos arts.103/2, 108 e 165/1, al. i). Também poderá entender-se que o princípio da igualdade fiscal tem acolhimento na Constituição, através do art. 13 (Princípio da Igualdade) e do art. 104.

O Princípio da Legalidade Tributária concretiza-se na ideia da obrigação dos encargos tributários serem votados nas assembleias representativas. Esta ideia está consagrada no art. 103 da CRP actual. Isto reforça a ideia de que cabe à AR legislar sobre taxas, incidência, garantias dos constituintes e benefícios fiscais. Portanto, sobre estes quatro elementos fundamentais cabe apenas à AR legislar, a não ser que haja lei de autorização ao Governo [analisar cuidadosamente o art. 103 CRP].

A propósito do art. 103 suscitou-se uma polémica doutrinal acerca da 1ª e 2ª partes do nº 1. Existem duas doutrinas, sendo a 2ª a maioritária.

A 1ª corrente interpreta o art. 103 dizendo que o princípio da legalidade formal não se circunscreve aos elementos do nº2, mas estende-se também ao nº3. Defendem uma interpretação mais ampla, porque não faria sentido que no mesmo preceito constitucional o termo “lei” fosse utilizado com dois sentidos diferentes (em sentido formal no nº2 e em sentido material no nº3). Se o nº3 se referisse à lei material esta disposição seria inútil, porque o art. 266/2 já subordina os órgãos e agentes da AP à CRP e à lei. Um texto constitucional é coerente, unitário, sem elementos supérfluos. Nesta corrente é de salientar o

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nome de Nuno Sá Gomes.Uma 2ª corrente, liderada por Soares Martinez, Pamplona Corte Real e Vitor Faveiro, entre

outros, defendem que o princípio da legalidade em sentido formal deve-se limitar ao nº2 do art. 103.Seria mais incorrecto a CRP definir o princípio da legalidade em dois artigos do que usar o

termo “lei” em dois sentidos diferentes em dois números do mesmo artigo.O facto de se considerar estar patente no nº3 o termo “lei” em sentido formal não torna o art.

266/2 inútil, porque, enquanto que este último se limita a subordinar a AP em geral à lei, o art. 103/3 vai mais longe, atribuindo aos contribuintes uma garantia especial: não pagar impostos cuja liquidação e cobrança sejam ilegais (o que o art. 266/2 não refere).

Isto verifica-se na própria formulação dicotómica do art.103/3: numa 1ª parte refere “nos termos da CRP” e numa 2ª parte refere “nos termos da lei”. Assim, deve-se entender lei em sentido formal na 1ª parte (como no art. 103/2) e lei material na 2ª parte.

O prof. soares Martinez concorda com esta 2ª tese, mas discorda dos fundamentos invocados: há de facto contradição entre os dois números do art. 103, mas não estando a liquidação e cobrança abrangidos no nº2, não se exigirá que tal se faça de acordo com a lei formal.

Daqui se conclui que o artigo está mal concebido e que não se deve alargar o conceito.Mas, quais as consequências de uma violação deste art. 103 por parte de um órgão (ou seja, o

facto de haver um imposto que não foi criado nem pela AR, nem pelo Governo)?A violação do art. 103 gera o vício da inconstitucionalidade material, logo os tribunais não

devem aplicar disposições legislativas inconstitucionais.Do princípio da legalidade tributária decorre o princípio da tipicidade dos impostos Assim,

nullum tributo sine lege, ou seja, não pode haver tributo sem lei (como sucede no Direito Penal, quanto aos crimes e penas). Assim, não há imposto sem que haja uma lei anterior a consagrá-lo.

O Princípio da Igualdade Tributária está consagrado no art. 13 CRP e o seu conteúdo, em termos tributários, está concretizado nos arts. 103 e 104 CRP.

Da análise destas normas concluí-se que a nossa CRP entende a igualdade num sentido dinâmico, como uma meta a atingir, segundo uma concepção de justiça social, em que igualdade é igual a repartição igualitária do rendimento e da riqueza.

Para se alcançar este objectivo, atendeu o legislador constitucional aos seguintes meios:1. Personalização do imposto sobre o rendimento, o qual, além de único, deve atender às

necessidades do agregado familiar (é o que sucede com o IRS);2. Adopção da tributação progressiva do rendimento pessoal e da tributação de bens;3. Consideração das necessidades do desenvolvimento económico e da justiça social na

tributação da despesa (e consumo).

Parecer dos Drs. Miguel Vasconcelos e Miguel Judice sobre a criação do imposto de 12% dos serviços de restauração.

Para já ainda vigora a tributação do destino (ou seja, o IVA é cobrado à taxa do país de destino do bem), mas pretende-se o regime da Tributação Definitiva, que se destina a tributar os produtos no país de origem, para os sujeitos passivos do imposto. Por isso se diz que vivemos num regime de IVA transitório (pois vigora o tradicional e pretende-se alcançar o regime definitivo).

c) Lei ordinária formal e Decreto-Lei:

Só através de lei da AR se pode criar impostos e definir ou alterar a sua incidência. Também só através de lei da AR se pode condenar certa conduta fiscal como crime.

O Decreto-Lei, com excepção das leis de autorização que permitem ao Governo legislar sobre matéria reservada à AR, só poderá desenvolver e completar os princípios e as bases definidas por lei ou disciplinar os restantes elementos do imposto.

Por meio de lei da AR pode regular outros elementos da relação jurídico-tributária, além dos tradicionais – lançamento, liquidação, cobrança – bem como a disciplina dos chamados deveres fiscais acessórios.

No que respeita às matérias referidas no nº2 do art. 103 e na al. i) do nº1 do art. 165 CRP, a competência da AR é exclusiva, não podendo o Governo dispor por decreto-lei contra o preceituado na lei, sob pena de inconstitucionalidade material.

Já quanto às restantes matérias, a competência da AR e do Governo é concorrente (art. 112/2 CRP). Assim sendo, nada impede o Governo de alterar por via de DL o que estiver disposto em lei

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anterior da AR.

d) Regulamento:

O regulamento é uma norma geral e abstracta, emanada do poder executivo, no desempenho da actividade administrativa, com vista à boa aplicação das leis.

Com base no art. 103 CRP são possíveis regulamentos de execução ou complementares, que são regulamentos efectuados no seguimento de uma lei, com vista à boa execução dessa lei (não vai além das ideias contidas na lei). Não são possíveis, no entanto, regulamentos autónomos ou independentes.

As leis fixam as bases gerais do regime jurídico e, posteriormente, são objecto de regulamentação através dos regulamentos de execução (art. 199 CRP).

Os regulamentos fiscais só podem ser inovadores no âmbito das matérias não reservadas à lei (fora do art. 103).

e) Ordens internas da Administração (despachos, instruções e circulares):

O carácter geral e abstracto dos chamados “despachos genéricos”, das instruções e circulares, emanados de diversas entidades (Ministro e Secretários de Estado do Departamento das Finanças, Directores-Gerais das Contribuições e Impostos, das Alfândegas, etc.) sobre matérias tributárias, tem levado, por vezes, a considerar a questão de saber se tais “resoluções meramente administrativas”, pois essa é a sua natureza, serão fontes de Direito Fiscal.

Não parece que o sejam, porquanto a força vinculativa de tais diplomas se acha circunscrita a um sector da ordem administrativa. E essa mesma força vinculativa resulta tão somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm, e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem.

Assim, por exemplo, os “despachos genéricos”, as instruções e as circulares, emanados de um Secretário de Estado, e tendo por destinatários os funcionários da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, só vinculam aqueles mesmos funcionários, e em razão do seu dever de obediência hierárquica.

Tais diplomas não têm por destinatários os particulares, os cidadãos, os contribuintes. O que, evidentemente, não obsta a que, no plano prático, os contribuintes tenham o maior interesse em conhecer tais instruções, circulares e despachos. Porque é segundo os critérios ai definidos, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal aplicável, que os funcionários hierarquicamente vinculados a essas ordens de serviço vão apreciar os casos sobre os quais lhes cumpre decidir. E, na generalidade das situações, ou porque os critérios adoptados são correctos, ou por resignação em face das eventuais incorrecções, os contribuintes conformam-se com a orientação definida no plano administrativo. Tal orientação, porém, não os vincula. Nem aos Tribunais, que tratam de interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos “despachos genéricos”, das circulares e das instruções.

Assim, se os contribuintes inconformados com aqueles critérios não conseguirem convencer a Administração do bem fundado das suas razões contrárias, resta-lhes a via judicial, para através dela fazerem vingar os seus pontos de vista. E, frequentemente, por tal forma o conseguem.

Já se tem procurado atribuir a natureza de regulamentos e de fontes de Direito às referidas ordens internas da Administração. Mas integração de lacunas ou a interpretação das leis fiscais que elas visam não cabe na função regulamentar. E a limitação do poder vinculativo a uma esfera hierárquica retira-lhes a qualidade de fonte de Direito.

f) Costume:

Há ramos de Direito cujas normas vão sendo elaboradas pelos próprios destinatários, constantemente, através do ajustamento quotidiano de critérios de justiça, espontaneamente definidos, às situações concretas que se sucedem no tempo. E os legisladores, na sua função de descobrir as normas já existentes, ou em formação, numa sociedade, acabam, com maior ou menor lentidão, por formular essas normas assim criadas por via consuetudinária. Em tais esferas jurídicas, o costume - "tacitus consensus populi longa consuetudine inveteratus" há-de afirmar-se como fonte de Direito. Mas não parece que

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aconteça no campo tributário, onde as normas não são criadas espontaneamente pelos destinatários.

g) Deliberações das entidades públicas menores:

O problema da natureza das deliberações das entidades públicas menores sobre matérias tributárias prende-se com o da natureza, soberana ou não, dessas mesmas entidades, embora não se confunda com ele.

Aquelas entidades têm frequentemente de definir a sua posição relativamente às situações tributárias que o Estado lhes faculta, deliberando quanto ao “lançamento” de adicionais aos impostos do Estado, ou quanto ao “lançamento” de impostos autónomos, conforme estabelecia o Código Administrativo (arts. 703 e ss). E, mesmo relativamente às regiões autónomas, deverá entender-se que é da sua competência decidir, através de actos-condição, ainda que sob a forma de decretos legislativos regionais, se um regime tributário, se uma ou outra norma de incidência é ou não aplicável nos territórios respectivos.

Poderá entender-se que as referidas deliberações têm a natureza de actos que condicionam a aplicação das normas pelas quais se definiram as situações jurídicas objectivas correspondentes. Assim, se os órgãos de uma entidade pública menor que, nos termos legais, possa “lançar” um determinado imposto local, ou possa “lançar” um adicional sobre as colectas de um imposto do Estado, não deliberaram no sentido daquele “lançamento”, o imposto, ou o adicional, não será cobrado na circunscrição territorial respectiva, por não se verificar uma condição legal estabelecida pela norma tributária - a deliberação da entidade pública menor à qual cabe “lançar” esse imposto, ou esse adicional.

Contudo, não parece fazer sentido que se atribua natureza regulamentar a um acto cujo conteúdo consista apenas na decisão de “lançar” ou não “lançar” um imposto local legalmente criado. Ou na fixação da taxa de um adicional, dentro dos limites legais.

h)Normas internacionais:

Nos termos do art. 8º CRP, as normas internacionais vinculam directamente os cidadãos de um Estado, logo as normas internacionais são autênticas fontes de Direito Fiscal. As normas de tipo convencional são as que mais relevância assumem a nível internacional (p.ex., ADT’s).

i) Jurisprudência e Doutrina:

Nem a jurisprudência nem a doutrina constituem fontes imediatas de Direito Fiscal. No entanto, a jurisprudência e a doutrina desempenham um papel do maior relevo como fontes mediatas de Direito Fiscal, pela influência que exercem na evolução dos sistemas de Direito positivo. E esta influência é ainda mais marcada no campo do Direito Fiscal, por se tratar de um ramo de Direito que tem sofrido ultimamente, e está a sofrer, grandes e profundas alterações, as quais são muito frequentemente influenciadas pela opinião dos doutrinadores e pelas orientações jurisprudenciais.

16. Hierarquia das fontes de Direito Fiscal:

A multiplicidade de fontes de Direito Fiscal suscita necessariamente problemas de hierarquização dessas mesmas fontes, pois não seria conveniente atribuir a todas elas o mesmo relevo, de tal modo que uma norma posterior incompatível com outra anterior revogasse sempre esta, fosse qual fosse a forma, o processo de revelação, a fonte, de uma e de outra.

Hierarquia das Fontes de Direito Fiscal:1. Princípios jurídico-fiscais fundamentais;2. Constituição da República;3. Normas convencionais internacionais e Direito Europeu;4. Lei e Decreto-Lei;5. Regulamento.

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17. Codificação Fiscal – Referência à “Lei Geral Tributária”

actualmente em fase de preparação:

Tal como acontece no Direito Comunitário, o Direito Fiscal disciplina uma realidade cujas condicionantes políticas, económicas e sociais se encontram em permanente mutação. Nisto radica a dificuldade de codificação desta área do saber.

A 1ª grande codificação do direito Fiscal ocorreu em 1919, na Alemanha e ficou a dever-se a Becker, grande jurista alemão. A legislação alemã de 1919, pela definição de conceitos, sistematização e conceptualização de leis que operou foi um trabalho que se revelou muito importante pelo impulso que deu à Doutrina e à Jurisprudência não só alemãs, mas de todo o mundo europeu.

Em Portugal, a codificação tende a ser parcelar (imposto a imposto). Cada código consagra as normas relativas a um imposto, com excepção do Código de Imposto de SISA, que legisla sobre dois impostos (imposto municipal da SISA e imposto sobre sucessões e doações).

Em Portugal temos os seguintes códigos:§ C.IVA;§ C.Contribuição Autárquica;§ C.IRS;§ C.IRC;§ C.Imposto sobre sucessões e doações;§ C.Processo Tributário.Actualmente, há uma falta de codificação básica geral das normas tributárias, apesar dos

vários códigos parcelares existentes. O que conduz a que nestes códigos parcelares se contenham, actualmente, princípios de direito substantivo comuns às diversas espécies tributárias, com a consequente inevitabilidade da repartição de conceitos e da existência de contradições.

[Neste momento, uma comissão presidida por Leite Campos está a elaborar a “Lei Geral Tributária”.]

18. Categorias de normas fiscais:

a) normas de soberania fiscal:

As normas de Soberania Fiscal são o conjunto de normas que definem o poder de tributar e estabelecem limites a tal poder (art. 103 e 104 CRP).

b) As normas de incidência:

As normas de incidência definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação.

As normas de incidência determinam quem é o sujeito activo da obrigação de imposto (Estado, autarquias, institutos públicos); que são, em abstracto, os sujeitos passivos da mesma obrigação (contribuintes, responsáveis, substitutos, etc.), qual a matéria colectável, isto é, a riqueza, valores económicos, sobre que recai a tributação, qual a taxa imposto, quota ou percentagem, calculada sobre aquela matéria colectável para efeitos de fixação da colecta, da prestação tributária, a pagar qual o facto dinamizante, gerador, que, reunindo, pondo em contacto, os pressupostos tributários, permitirá que nasça, se constitua uma obrigação de imposto.

cfr. arts. 14 a 20 CIRS, 2º, 3º, 7º, 19 e 20 CSISA, 1º a 3º CIRS, 1º a 7º CContribuição Autárquica.

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c) normas de lançamento:

O lançamento consiste no conjunto de actos e operações pelos quais os serviços fazendários, ou os contribuintes, nos casos de auto-lançamento, determinam, em concreto, os elementos da obrigação de imposto. Não se trata da definição legal desses elementos, que cabe às normas de incidência, mas sim da fixação, em concreto, individual, desses elementos, integrados numa determinada obrigação de imposto.

Como exemplos de normas de lançamento poderão apontar-se as contidas nos arts. 28, 38, 50 e 66 do CIRS, nos arts. 16 e 51 a 56 do CIRC, e no art. 78 do CSISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações.

d) normas de liquidação:

Normas de liquidação são aquelas que regulam as operações que consistem na aplicação da taxa de imposto à matéria colectável com vista ao apuramento da colecta. São normas de liquidação as normas dos arts. 77 a 79 CIRS, 70 a 81 CIRC, 18 a 21 CCAutárquica.

e) normas de cobrança (ou pagamento):

São as normas que disciplinam as operações de arrecadação das receitas tributárias, ou seja, disciplinam a cobrança de impostos pelo Estado e o pagamento dos impostos por parte dos contribuintes.

arts. 90 a 104 CIRS, 82 a 93 CIRC, 22 e 23 CCAutárquica, 120 e 121 CSISA.

f) As normas de organização de serviços:

As normas de organização de serviços fiscais são nitidamente índole administrativa, não se podendo razoavelmente atribuir natureza diversa daquela que corresponde às normas de organização de outros quaisquer serviços do Estado. No entanto, a referida unidade teleológica do Direito Fiscal poderá aconselhar a que nele se incluam tais normas. E, do ponto de vista didáctico, será indiscutível a vantagem de tal inclusão.

Entre as normas de organização de serviços fiscais poderão citar-se, como exemplos, as contidas decreto-lei nº 252-A/82, de 28 de Junho, que estruturou a Direcção-Geral das Alfândegas, no Decreto-Lei nº 363/78, de 28 de Novembro, que reorganizou a estrutura da Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, à qual cabe assegurar o lançamento e a liquidação da generalidade dos impostos estaduais.

g) normas de fiscalização:

Entre as normas tributárias de fiscalização há que distinguir duas espécies. Umas respeitam à fiscalização dos serviços e essas são, nitidamente, de natureza administrativa. Outras respeitam à fiscalização dos contribuintes e de terceiros, que se julgue disporem de elementos susceptíveis de possibilitar, ou facilitar, as operações fiscais orientadas para uma regular percepção dos impostos.

Só por comodidade se têm incluído umas e outras normas de fiscalização na mesma categoria, porquanto a natureza administrativa e o carácter interno da primeira espécie não suscitam os mesmos problemas que poderão levantar-se relativamente às normas de fiscalização que implicam deveres e sujeições para os particulares, as quais, por esse motivo, e em defesa das liberdades, poderão exigir especiais cautelas, nalguns aspectos não diversas das que hão-de rodear as normas de incidência.

cfr. arts. 75 CPTributário, 122 e 130 CIRS, 107 a 110 CIRC, 25 a 30 CCAutárquica.

h) normas de sanção:

Normas de sanção são aquelas que prevêem as sanções correspondentes aos actos ilícitos

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praticados pelos contribuintes. Este tipo de normas tem natureza penal, daí que se lhes apliquem os princípio de Direito Penal. As sanções fiscais podem ser a pena de prisão, coimas ou multas.

cfr. RJIFA (DL 376-A/89, de 25/10) e RJIFNA (DL. 20-A/90, de 15/1) – no âmbito da actual reforma fiscal está prevista a fusão destes dois diplomas e a criação de um só abrangendo os dois tipos de infracções.

i) normas de contencioso:

As normas fiscais de contencioso acham-se actualmente concentradas, na quase totalidade, no CPTributário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 154/91, de 23 de Abril, no Regime Jurídico das Infracções Fiscais não Aduaneiras (RJIFNA) e no Regime Jurídico das Infracções Fiscais Aduaneiras (RJIFA). Trata-se das normas através das quais se disciplinam os processos contenciosos de impugnação judicial, de execução fiscal, e os punitivos, de contra-ordenação e aduaneiro.

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CAPITULO II - INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO

DAS NORMAS FISCAIS

19. Problemática da interpretação das normas fiscais:

No plano da interpretação das normas fiscais reflectem-se os problemas comuns da interpretação das normas jurídicas em geral. Em termos de relativamente a muitos deles não fazer sentido a hipótese sequer de especialidades quanto às normas tributarias. Estas poderão ser interpretadas pelo próprio legislador, através de normas interpretativas (interpretação autêntica, ou legislativa), quanto às quais importará ter presentes os preceitos do art. 13 do Código Civil. Poderão também ser interpretadas pelos tribunais (interpretação jurisprudencial) ou pelos jurisconsultos (interpretação doutrinária).

As controvérsias em torno da “jurisprudência dos conceitos”, oposta à “jurisprudência dos interesses”, como as teses favoráveis e adversas à interpretação histórico-evolutiva, não ganham no plano tributário colorido próprio. Apenas cumprirá observar quanto a elas o relevo especial que as preocupações de certeza e segurança revestem em matéria de tributação, embora reconhecendo que esse relevo possa não oferecer consistência bastante para se opor aos admissíveis excessos da interpretação histórico-evolutiva, fundada em concepções da vida e do Direito para as quais a preocupação de realizar a justiça tal como é entendida num momento histórico há-de sobrepor-se àquelas preocupações de segurança e de certeza.

Também o intérprete das normas fiscais, como o de quaisquer outras normas jurídicas, terá de fixar o respectivo sentido, conjugando o “elemento gramatical” com o “elemento lógico, ou “teleológico”, incluindo os aspectos racional, sistemático e histórico, e acabando por concluir umas vezes pela coincidência entre a letra e o espírito da norma (interpretação declarativa), outras vezes pela preferência em relação a um sentido restritivo, outras ainda pelo predomínio de um sentido extensivo.

As soluções são, por vezes, diametralmente opostas. Para uns, todas as normas fiscais hão-de ser interpretadas segundo os processos comuns de interpretação das normas jurídicas. Para outros, as normas fiscais, ou determinadas normas fiscais, à semelhança das normas penais e outras, oferecem particularidades em matéria de interpretação.

a) “In dubio contra fiscum” e “odiosa restringenda”:

Vem já do Direito Romano a orientação doutrinária segundo a qual, na dúvida, a norma fiscal deveria interpretar-se contra o Fisco, em termos favoráveis ao contribuinte. Donde o enunciado do princípio “in dubio contra fiscum”, cujo fundamento poderá encontrar-se no carácter “odioso” atribuído às normas fiscais. Na base daquele carácter “odioso”, admitido mais ou menos pacificamente até ao século XVII, também já se pretendeu que se aplicaria às normas fiscais o princípio “odiosa restringenda, devendo, pois, ser restritiva a sua interpretação.

Essa parece ter sido também doutrina assente entre os jurisconsultos portugueses dos séculos XVII e XVIII", afirmando Agostinho Barbosa, seguindo a opinião comum dos doutores, que “gabeloe jus est odiosum et recipit stríctam interpretationem".

Não se confunde o princípio “in dubio contra fiscum”, o qual pressupõe dúvidas de interpretação, com o princípio da interpretação restritiva, de aplicação permanente às normas fiscais, seja a sua interpretação duvidosa ou não, desde que se entenda que elas são “odiosas”. Mas ambos têm andado frequentemente confundidos, ou ligados, e têm sido também, de um modo geral, rejeitados pela mais recente doutrina fiscalista e pelos modernos sistemas de Direito positivo.

Segundo o entendimento dominante, as normas tributárias não têm carácter “odioso”, nem sequer “excepcional”. E, realmente, parece difícil defender a excepcionalidade, ou o carácter odioso, de normas de execução permanente, cuja normalidade é afirmada pela própria circunstância de serem indispensáveis ao funcionamento regular dos serviços públicos.

Tem-se observado pertinentemente que o princípio “in dubio contra fiscum” não constituirá propriamente uma regra de interpretação das normas, mas sim “uma regra de decisão sobre facto incerto na aplicação da lei", com alcance análogo ao do princípio “in dubio pro reo”, que respeita à apreciação

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das provas. Mas, por uma forma ou outra, continua tal regra a exercer influência na jurisprudência dos Tribunais superiores de bastantes países, entre os quais os Estados Unidos.

b) Interpretação literal:

Poderão aceitar-se, com maiores ou menores resistências, as críticas que invalidaram o princípio “in dubio contra fiscum”, assim como a aplicabilidade ao Direito Fiscal da regra “odiosa restringenda”. Mas já parece duvidoso que essas mesmas críticas permitam afastar liminarmente o princípio da interpretação literal, que tem sido defendido na base da legalidade do imposto e que, consequentemente, se aplicaria apenas às normas sobre matérias reservadas à lei.

Com efeito, tem-se entendido que tais normas só admitem uma interpretação literal, não devendo aceitar-se quanto a elas a interpretação extensiva, por motivos de segurança jurídica, e pela dificuldade de fixar onde termina a interpretação extensiva, e onde começa a aplicação analógica, que o princípio da legalidade veda quanto às matérias pelo mesmo princípio abrangidas.

É certo que os motivos de segurança jurídica poderiam opor-se à interpretação extensiva de toda e qualquer norma de Direito, pelo que aqueles motivos não serão invocáveis especialmente em relação às normas fiscais, a não ser no pressuposto de que estas sejam promulgadas sem equilibrada ponderação dos interesses em causa. Aliás, foi esse pressuposto que inspirou, por vezes, as particularidades admitidas relativamente à interpretação das leis fiscais.

Quanto à dificuldade de distinguir a interpretação extensiva da aplicação analógica, entende-se, geralmente, que se trata de uma dificuldade real, mas situada no plano de facto. No plano conceptual, a destrinça não seria difícil de estabelecer. E, assim, se tem julgado inconsistente a defesa do princípio da interpretação literal da norma tributária tão-somente na base da legalidade fiscal. No plano do Direito a constituir, porém, haveria vantagens na adopção daquele princípio de interpretação literal, que, aliás, a orientação jurisprudencial tem muito frequentemente perfilhado, em França, na Itália, em Espanha e em Portugal

c) “In dubio pro Fisco”:

Os mesmos argumentos que foram usados na base do afastamento de princípios de interpretação favoráveis ao contribuinte serviram já de fundamento a uma regra segundo a qual, sendo duvidosa a interpretação de uma norma fiscal, as dúvidas quanto a ela suscitadas deveriam solucionar-se adoptando o entendimento mais favorável ao Fisco.

Apesar de esta regra ser geralmente enunciada através da expressão “in dubio pro fisco”, não parece que ela provenha do Direito Romano.

Dando-se como assente que o poder não se exerce arbitrariamente, nem violentamente, nem em benefício de um só indivíduo, ou de um só grupo social, que o imposto é consentido, ou até voluntariamente prestado, pelos contribuintes, através dos votos dos seus representantes parlamentares, não é difícil de concluir que as dúvidas de interpretação das normas fiscais se desenvolvem entre dois polos de interesses - o geral e o particular. E, colocada assim a questão, não se duvidará também que deverá ser dada preeminência ao interesse geral, representado pelo Estado, pelas entidades públicas, pelo Fisco. E daí a regra “in dubio pro fisco”, defendida no século passado, na Itália.

d) interpretação histórico-evolutiva e interpretação funcional:

A teoria da interpretação funcional, defendida na Itália por Griziotti e por alguns dos seus discípulos da escola de Paiva, impondo ao intérprete que tenha em conta os aspectos político, económico, jurídico e técnico das normas fiscais, a fim de revelar a respectiva função, poderá ser julgada não inovadora, porquanto todos esses aspectos se haviam já de compreender na interpretação dita “lógica". A não ser na medida em que, por força desses mesmos aspectos, .o intérprete da lei fiscal se substitua ao legislador, criando uma norma nova.

A teoria da interpretação funcional situar-se-ia, por essa forma, no campo das doutrinas histórico-evolutivas. Estas doutrinas oferecem, por certo, muitas vantagens para a implantação de regimes políticos nascentes. E, partindo do princípio de que tais regimes possam assegurar melhores critérios de

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justiça, a interpretação histórico-evolutiva, em todas as suas modalidades, apresentar-se-á como mais justa.

Mas o Direito visa sempre o melhor equilíbrio entre a justiça e a certeza. Ora do ponto de vista da. certeza, da segurança, aquelas doutrinas serão fortemente objectáveis, facilitando mesmo a arbitrariedade das soluções pela interpretação das normas jurídicas em função de aspectos políticos e económicos alheios não apenas à “mens legislatoris”, mas à “mens legis”, objectivamente considerada.

e) Princípios gerais de interpretação:

O sistema actual tende a dar prevalência, quer na legislação, quer na Doutrina, aos princípios gerais de interpretação das leis (sistema literário, histórico, etc.). Esta solução actual de equilíbrio entre os interesses do fisco e os interesses dos particulares baseia-se na ideia de que o Direito Fiscal não é um direito restritivo das liberdades e não tem carácter excepcional. Ou seja, não é correcto apresentar como diferença da ordem jurídica tributária o facto das suas normas representarem restrições à liberdade individual, uma vez que tal característica é comum a todo o direito em geral. Na medida em que disciplina condutas humanas, o Direito em geral impõe limites ao agir das pessoas (e não só o Direito Fiscal).

O Direito Fiscal também não é excepcional, porque é um Direito institucional, um sector especial da ordem jurídica dotado de princípios próprios e ordenando em função de um fim específico, formado por um conjunto unitário de normas, que, se por um lado institui regimes diferentes dos regimes de Direito Civil, por outro lado, não contém comandos opostos ao Direito Civil, como seria próprio de um direito excepcional, o qual diligentemente poderia constituir um corpo autónomo de preceitos.

São de afastar, assim, as especificas correntes interpretativas que tem hoje interesse apenas histórico, e impõe-se ver que o Direito Fiscal é um ramo de direito constituído por normas jurídicas que devem ser interpretadas tal como as normas de outros ramos do direito.

20. Particularismos da interpretação das normas fiscais:

As questões de interpretação das normas fiscais têm sido prejudicadas, muitas vezes, pela deficiente metodologia do respectivo tratamento. E também pelas preocupações de ordem pragmática, que frequentemente dominam a discussão desta matéria. Alguns vêm nas especialidades de interpretação das normas fiscais um meio de facilitar as fugas ao imposto; e, por isso, as contrariam. Outros julgam tais especialidades fundamentais para defesa dos contribuintes; e essa é, frequentemente, a razão porque as entendem justificadas.

O problema nem sequer pode ser apreciado em termos globais, colocando no mesmo plano as normas de incidência, de lançamento, de organização de serviços, de sanção, de contencioso, etc.. Nem faz sentido também apreciar a questão simultaneamente do ponto de vista do Direito constituído e do ponto de vista do Direito a constituir.

Temos, pois, de considerar o problema no plano do Direito Tributário vigente em Portugal e em relação às diversas categorias de normas fiscais.

Soares Martinez, sobre a questão da interpretação do Direito Fiscal, faz a distinção entre dois grupos de normas.

Num 1º grupo, destaca as normas de soberania fiscal, de lançamento, de organização de serviços, de fiscalização e de contencioso. Quanto a este conjunto, a interpretação faz-se com base nos princípios gerais de Direito e pela analogia.

Um segundo grupo, composto pelas normas de sanção, de incidência, de liquidação, de cobrança e normas de contencioso que respeitam às garantias dos particulares, está sujeito ao princípio da interpretação literal, ficando excluída a interpretação extensiva e a analógica.

S. Martinez justifica a sua posição com base no art. 1º do CPenal e nos arts. 103 e 104 CRP.O Dr. Brás Teixeira entende que vale em Direito Fiscal, para toda e qualquer categoria de

normas, os princípios gerais de interpretação das leis, sem quaisquer específicidades senão aquelas que resultam da própria lei.

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21. Integração de lacunas em Direito Fiscal:

Se em termos de interpretação o Dr. Brás Teixeira não faz distinção de normas, já quanto à integração de lacunas distingue três categorias.

1º, para as normas de incidência, de benefícios fiscais, sobre taxas e sobre garantias dos contribuintes, a analogia está excluída, por força do art. 103 CRP.

2º, nas normas sobre infracções fiscais, a analogia está também excluída, em virtude d art. 1º/3 CPenal.

3º, quanto às restantes categorias de normas fiscais, nada obsta à sua aplicação analógica, a qual é admitida pela generalidade da Doutrina (podemos apontar os nomes de Teixeira Ribeiro, Cardoso da Costa, Alberto Xavier, Nuno Sá Gomes e Vitor Faveiro).

Em sentido contrário à maioria da Doutrina, destacam-se Soares Martinez e Armindo Monteiro. Estes autores entendem que relativamente às normas de liquidação e cobrança a analogia não é permitida, já que tal violaria o art. 103 CRP. Em todo o caso, S. Martinez admite que algumas alterações se justificam nesta matéria, nomeadamente as normas de liquidação e cobrança, em relação às quais o regime constitucional parece demasiadamente rígido.

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Capítulo III – Aplicação das Normas Fiscais

22. Aplicação no tempo:

a) Início e termo de vigência:

Poderá entender-se que as normas fiscais, ou, pelo menos, as de incidência, têm a força vinculativa condicionada pela autorização parlamentar anual de cobrança de receitas, que se integrará, ou não, no Orçamento de Estado. Quanto a outros aspectos, nenhuma particularidade oferecem as normas fiscais quanto à sua vigência e quanto à respectiva “vacatio legis”.

Também quanto à cessão de vigência das normas fiscais essa cessação verifica-se nos termos comuns da cessação de normas, pela revogação ou caducidade, nos casos em que a vigência daquelas normas tenha sido pelo legislador limitada no tempo, ou colocada na dependência de condições que deixaram de verificar-se.

É relativamente frequente no campo do Direito Fiscal a suspensão da vigência de normas, embora essa suspensão deva atribuir-se a precipitações do legislador, orientado para pôr em prática normas de difícil aceitação pelo meio social respectivo.

b) Problemática da não retroactividade das normas fiscais – sua consagração expressa no texto final aprovado pela IV Revisão Constitucional:

Quanto à questão da retroactividade ou não das normas fiscais, quanto a saber se uma norma fiscal nova, quando o legislador não tenha previsto disposições transitórias, se aplica (ou não) a relações jurídicas tributárias constituídas à luz da lei anterior, depois de várias controvérsias, ficou resolvida pela IV Revisão Constitucional (1997).

O art. 103 CRP passou a prever no nº 3 que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que tenham natureza retroactiva, ou seja, ficou constitucionalmente consagrado o princípio da não retroactividade da lei fiscal.

Alguns autores defendiam a retroactividade da lei fiscal, outros defendiam a não retroactividade. Com a actual CRP a questão ficou resolvida. Antes disso, já a própria Jurisprudência se tinha ocupado da questão – cfr. Acórdãos do Tribunal Constitucional de 2/3/88 e de 3/7/84: “Uma norma fiscal não pode ser retroactiva”, tal como prevê a actual Constituição Portuguesa.

23. Aplicação no espaço

O Princípio da territorialidade das normas fiscais:

Da territorialidade do imposto resulta a delimitação do âmbito de aplicação no espaço das normas fiscais. Estas, em princípio, só se aplicam no território do Estado de que dimanam, ou mesmo apenas num espaço delimitado desse território, quando, pela extensão e diversidade de características das parcelas de um Estado, os regimes tributários se aplicam apenas a um dos espaços fiscais nesse mesmo Estado compreendidos. Assim acontecia em Portugal, onde à Metrópole e a cada uma das Províncias Ultramarinas correspondia um espaço fiscal próprio e um regime tributário próprio também. Ainda na actualidade, ao território de Macau corresponde um espaço fiscal e um regime tributário característico. A aplicação da norma fiscal resulta, assim, de factos ocorridos no território estadual ou no espaço fiscal respectivo, aos quais o legislador atribui efeitos tributários; admitindo-se, no entanto, excepções, que já foram referidas a propósito dos limites da soberania fiscal.

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Parte II – A Relação Jurídica de Imposto:

Capítulo I – Generalidades:

24. Relação Jurídica Fiscal, Relação Jurídica de Imposto

e Relações Tributárias Acessórias:??????????

25. Natureza, Extensão e Especialidades

da Relação Jurídica de Imposto:

a) A natureza obrigacional da relação jurídica de imposto – refutação das teses contrárias:

Tendo já identificado uma das noções de imposto com a ideia de relação jurídica, procurámos então determinar os caracteres essenciais da relação tributária, ou relação de imposto: vínculo jurídico obrigacional ou creditício, constituído com o fim de obtenção de uma receita pública e autónomo, no sentido de não depender de situações jurídicas anteriores, nem criar novos vínculos legais. Mas as características assim enunciadas levantam problemas cuja solução está longe de ser pacífica.

As dificuldades em tal matéria são bem compreensíveis. A figura jurídica da relação obrigacional foi cuidadosamente trabalhada pelo Direito Romano e acha-se limitada por contornos relativamente precisos nas modernas instituições de Direito Privado.

Talvez por isso, e, possivelmente também pelo desejo de se apartarem dos quadros comuns traçados pelo Direito Civil, os cultores do Direito Público chegaram a julgar aquela figura necessariamente ligada a uma autonomia da vontade sem papel a desempenhar nas disciplinas jurídicas em que o interesse colectivo é dominante.

As transformações operadas no próprio campo do Direito Privado, porém, levaram mais facilmente ainda à convicção de que o conceito jurídico de obrigação não era inadaptável a situações que se constituam independentemente da formulação de qualquer vontade juridicamente relevante (ex.: situações de responsabilidade objectiva). E o conceito de vínculo obrigacional, já posto à prova pelas transformações operadas no seio do Direito Civil, acabou por penetrar, timidamente embora, na esfera jurídica em que o interesse público é predominante.

No entanto, e porque muito frequentemente se liga o conceito de obrigação jurídica aos quadros do Direito Civil, também muito frequentemente se nos deparam afirmações segundo as quais a obrigação tributária “não é bem uma obrigação”.

Há que encarar frontalmente a questão e esclarecê-la no sentido de que, admitida nos quadros do Direito dos Impostos a figura da obrigação tributária, da obrigação fiscal, ela se há-de incluir no conceito jurídico genérico de obrigação, que, embora elaborado pelo Direito Civil, constitui um elemento comum do património cultural da doutrina jurídica. A obrigação é um conceito comum de Direito, que apresenta especialidades nos diversos ramos, mas sem que isso obste à conservação, através dessas especialidades, dos seus caracteres essenciais.

A relação jurídico-fiscal é, pois, uma relação obrigacional, embora de Direito Público.

A tendência para omitir toda a problemática respeitante à relação obrigacional tributária talvez encontre a sua origem no tratadista austríaco Myrbach-Rheinfeld, cuja obra, do começo do século, teve grande projecção tanto em países de língua alemã, como, talvez sobretudo, em França e em Portugal. Aquele autor considera inadmissível apresentar como verdadeiras obrigações “as relações criadas pelas leis de imposto”; mas porque o conceito de “obrigação” saiu exclusivamente - segundo ele - da esfera do Direito Civil e, aceitando-o no campo do Direito Público, aí se teriam de aplicar princípios do Direito Privado das obrigações”. Tal argumentação de Myrbach-Rheinfeld, que, como veremos adiante, parece ter

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inspirado a sua teoria sobre o nascimento e a cisão dos vínculos jurídico-tributários, perdeu actualidade, tanto pela evolução do Direito Fiscal como pela aceitação da categoria obrigacional noutros ramos de Direito Público, em cujo âmbito aquele autor julgava inadmissível tal aceitação.

Na sua monografia sobre “a relação de imposto”, Giannini, ao apreciar a natureza daquela relação, reconheceu que a doutrina moderna (em 1937) quase unanimemente lhe atribuía natureza obrigacional; mas observou também que muitas vezes essa mesma doutrina considerava o vínculo obrigacional tributário apenas análogo, mas não idêntico ao vínculo obrigacional do Direito Privado. Giannini, porém, negou a existência da pretendida “nota distintiva”, ou “diferença estrutural”, entre a obrigação tributária e a obrigação civil.

A doutrina germânica sempre reagiu contra o estudo das matérias tributárias segundo o esquema da relação jurídica obrigacional, tido por privatístico e avesso à ideia de subordinação do contribuinte ao Estado, por vínculo de cidadania ou por uma supremacia de facto. Algumas vezes, admitindo embora, em princípio, a natureza obrigacional do vínculo tributário, os autores alemães tendem a hipertrofiar as especialidades, as particularidades, daquele vínculo, por forma a afastá-lo de qualquer domínio dos princípios gerais do Direito das Obrigações. É o caso de Hensel, que, no entanto, não parece convincente na sua indicação de tais especialidades, pois, para este autor, enquanto as relações privadas são determinadas por um “acordo bilateral de vontade” entre devedores e credores, as relações tributárias são fixadas pela lei, não podendo nelas o devedor influir no conteúdo dessas obrigações.

Mesmo a posição relativamente moderada de Hensel, que sempre admite um vínculo obrigacional tributário, é francamente objectável, pela falta de fundamento quanto às especialidades atribuídas à obrigação tributária.

Mais radicais ainda no sentido de submeterem o contribuinte à Administração fiscal, chegando a incorporarem-no nela, através de uma particular “relação de poder jurídico-financeiro”, eram as concepções de Otto Mayer, de Fleiner e de Biihler, pois “absorviam” a obrigação de imposto numa relação de “poder-sujeição”.

Para além das razões que aconselhassem o estudo da obrigação tributária como espécie da obrigação jurídica, em geral, nos quadros do Direito Fiscal, esse estudo é imposto pela orientação dos mais recentes códigos fiscais. E também a legislação tributária portuguesa aconselha esse estudo. Os arts. 4º e 7º do Código do Imposto de Capitais contemplavam, expressamente, a figura da obrigação de imposto; e muitas outras disposições legais do Direito Português a contemplam implicitamente. Também o Anteprojecto de Código dos Impostos sobre o Rendimento deu o maior relevo à obrigação de imposto. Mais recentemente, o CIRS (art. 102), O CIRC (art. 4º) e o CPTributário (art.34) situaram, nitidamente, no plano obrigacional as relações que se estabelecem entre os sujeitos activos e os sujeitos passivos da imposição.

b) A extensão da Relação Jurídica de Imposto – As relações tributárias acessórias:

A par do dever fiscal do pagamento da dívida de imposto, estabelece a lei um complexo de obrigações a cargo do próprio sujeito passivo ou de terceiros de algum modo ligados ao contribuinte ou ao facto tributário, obrigações estas que se destinam a garantir a percepção da dívida tributária – a estes obrigações chamamos obrigações tributárias acessórias (relações tributárias acessórias).

Exemplos destas obrigações são a obrigação de apresentar declarações (de IRS, de IRC,...) e a obrigação de se sujeitar a fiscalizações, entre outras.

Estas obrigações tributárias acessórias variam em número e em conteúdo de imposto para imposto, distinguindo-se em função quer da finalidade, quer dos sujeitos passivos, quer do seu objecto mediato.

Quanto a finalidades, podem destinar-se a:♦ Identificar o sujeito passivo da obrigação fiscal propriamente dita;♦ Determinar a matéria colectável;♦ Liquidar a dívida de imposto;♦ Garantir a cobrança do imposto;♦ Fiscalizar o cumprimento das obrigações em geral dos deveres que impendem sobre os

contribuintes.Quanto aos sujeitos passivos, podem recair sobre o próprio sujeito passivo da obrigação fiscal

propriamente dita, ou sobre pessoas diversas do próprio contribuintes (p.ex., entidades patronais).Quanto ao objecto mediato, podem-se distinguir dois tipos:

a) Obrigações cujo objecto se traduz numa acção (ex.: prestar informações, declarações à

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Administração Fiscal, entrega do valor de imposto,...);b) Obrigações que podem consistir numa omissão (ex.: art. 136 CSISA e Sobre Sucessões e

Doações).

Vejamos agora a natureza jurídica das obrigações tributárias acessórias. Quanto a esta questão não há unanimidade na Doutrina, existindo três correntes.

Uma primeira corrente, liderada por Brás Teixeira, as obrigações tributárias acessórias têm a natureza de verdadeiras e próprias obrigações fiscais, embora com carácter acessório. No vasto conceito da relação jurídico-fiscal destaca dois conceitos: a obrigação fiscal em si própria e a relação jurídica fiscal.

A obrigação fiscal designa o vínculo que, da verificação dos pressupostos de facto que integram o tipo legal tributário, nasce entre o Estado e o contribuinte. A relação jurídica fiscal refere-se a uma realidade jurídica complexa, na qual se incluem, para além da obrigação fiscal em si própria, todas aquelas relações de diferente objecto e conteúdo que aquela obrigação central dá origem.

São sujeitos passivos não só os próprios contribuintes, mas também outras pessoas (entidades patronais, p.ex.).

Em conclusão, quer a obrigação de imposto, quer as obrigações tributárias acessórias integram-se no conceito amplo de relação jurídica fiscal, como relação complexa, concorrendo em maior ou menor grau para tornar possível a realização da prestação de imposto.

Uma segunda corrente, pouco relevante, com pouca expressão, defendem que as obrigações tributárias acessórias são meros deveres de cooperação com a Administração Fiscal, logo não têm natureza jurídica de verdadeiras obrigações.

Por fim, Soares Martinez (terceira corrente) defende que estas obrigações não têm natureza fiscal, por não se destinarem directamente a obter uma receita pública, só se podendo considerar obrigações acessórias quando elas recaem sobre o sujeito passivo da relação fiscal propriamente dita (art. 94 CIRC).

Assim, S. Martinez distingue vários conceitos:♦ Obrigação fiscal propriamente dita;♦ Obrigações tributárias acessórias, cujo sujeito passivo é o mesmo da obrigação fiscal

propriamente dita;♦ Obrigações tributárias acessórias cujo sujeito passivo é uma pessoa diferente.Integram-se no conceito de relação jurídica fiscal os dois primeiros tipos de obrigações, em que

o sujeito passivo coincide – obrigação fiscal propriamente dita e obrigações tributárias acessórias cujo sujeito passivo é o mesmo da 1ª relação.

Quanto aos outros deveres tributários acessórios que recaem sobre terceiros, é mais difícil integrá-los no conceito de obrigação fiscal de imposto, “criando-se” aqui uma relação jurídica paralela, cuja natureza jurídica é discutível. P.ex., é difícil que um notário seja considerado sujeito passivo de uma relação jurídica fiscal resultante do imposto sobre o rendimento, só pelo facto dele lavrar a escritura de um contracto de mútuo.

A opinião de Soares Martinez é a que melhor se adequa ao nosso ordenamento tributário e à Teoria Geral do Direito.

c) Especialidades da relação jurídica de imposto – obrigação legal (ex lege), irrenunciável e sujeita a especiais garantias:

Constituindo a relação jurídica de imposto uma espécie dentro do género “obrigação”, hão-de corresponder-lhe especialidades; embora nem tantas, nem tão significativas, como aquelas que pretendem atribuir-lhe quantos visam afastar radicalmente a obrigação tributária da teoria geral das obrigações.

Segundo uma das especialidades mais frequentemente apontada pelos autores, a obrigação tributária é uma obrigação legal, “ex lege”. E tal afirmação não parece objectável, desde que se entenda por obrigação “ex lege” aquela cujo conteúdo, cujo regime, é o definido pela lei, pela norma, não tendo papel a desempenhar em tal definição a vontade das partes.

As relações jurídicas de imposto não são acordadas entre as partes. Exceptuar-se-á o caso da “concordata tributária”, que foi admitida nalgumas legislações, assim como os das avenças fiscais e dos benefícios fiscais que as legislações têm, por vezes, admitido se baseiem em “contratos”. Mas, quanto a generalidade das situações, pelo menos, parece indiscutível que as relações jurídicas de imposto não são

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definidas por acordo. Logo, nesse sentido, a obrigação tributária há-de ser legal, “ex lege”.Contudo, por vezes, tem-se dado sentido diverso a esse qualificativo, querendo-se por ele

significar que as obrigações tributárias têm a sua origem na lei, são constituídas pela lei, ao contrário das obrigações civis, que teriam a sua origem na vontade das partes.

Também poderá duvidar-se que corresponda a uma especialidade da obrigação de imposto a sua “irrenunciabilidade”, a que alguns autores se referem. Em primeiro lugar, importará observar que a “renunciabilidade”, ou “irrenunciabilidade”, respeita aos direitos e não propriamente às relações. Mas poderá admitir-se a qualificação de irrenunciáveis atribuída a relações que integram direitos como tal qualificáveis. Algumas dúvidas oferecerá a afirmação de que os direitos tributários sejam sempre e necessariamente, por essência, irrenunciáveis, como o são, por exemplo, os direitos de personalidade.

Mas, mesmo aceitando que tais direitos se apresentem normalmente como irrenunciáveis, restaria saber se o seriam pela natureza, pela estrutura, da relação do imposto. Parece que não. Também outro direitos do Estado, e de diversas entidades públicas, embora não tributários, serão, possivelmente, considerados como irrenunciáveis. Essa irrenunciabilidade, a admitir-se, dependerá, não da natureza da obrigação tributária, mas sim da qualidade do credor.

O Estado garante os seus créditos de imposto através de meio processual característico, a execução fiscal. E daqui se extrai, por vezes, mais uma especialidade da obrigação tributária. E até a conclusão de que nela o sujeito activo ocupa unia posição de especial preeminência.

Conclusão: O Dr. Soares Martinez, apesar de admitir que a obrigação fiscal é ex lege, não defende as duas características como ligadas à estrutura e natureza da obrigação fiscal. Diz que, por um lado, os direitos tributários não são sempre e necessariamente irrenunciáveis, pois o Estado concede amnistias e moratórias (ex.: Plano Mateus). O próprio processo das execuções fiscais aplica-se à cobrança coerciva de todas as dívidas ao Estado e não só aos impostos. Logo, não é característica específica do conceito de obrigação fiscal.

Concluindo, a obrigação fiscal é uma obrigação em sentido verdadeiro e próprio, a qual tem o seu nascimento com a verificação dos pressupostos que integram a previsão legal, não cabendo ao processo administrativo de liquidação outro papel que não seja o de determinar os elementos da obrigação e de a tornar líquida.

Normalmente, as características são as três já referidas, embora as duas últimas não sejam essenciais (devido às amnistias e moratórias do Estado).

26. Constituição da Relação Jurídica de Imposto:

a) As Leis como factos constitutivos:

A caracterização da obrigação de imposto como obrigação legal, aliada a um mau entendimento desta qualificação, tornou possível ideia, uma vez por outra aflorada na obra de alguns autores, de que a obrigação tributária decorre tão somente do preceito legal. Depois das referências ao problema contidas no capítulo anterior, a propósito das características da relação jurídica de imposto, bastará aqui deixar a menção de que as especialidades atribuídas à obrigação tributária já tornaram possível sustentar que ela fosse originada na !ei de imposto, que esta fosse o facto constitutivo da relação jurídico-tributária.

b) A Construção de Von Myrbach-Rheinfeld:

Deve-se ao professor austríaco Franz Von Myrbach-Rheinfeld a primeira construção jurídica relativa às particularidades da constituição do vínculo tributário, que se nos depara no ambiente próprio do início do século, no Império austro-húngaro, após um grande esforço aí realizado no sentido de aperfeiçoar a legislação fiscal e de dar autonomia ao ensino universitário respectivo.

Myrbach-Rheinfeld considerou inadmissível que se atribuísse carácter obrigacional às “relações criadas pelas leis de imposto”. Por se situarem no campo do Direito Público. E tal preconceito reflecte-se na sua construção. Assim, para Myrbach-Rheinfeld, o conteúdo da “obrigação de imposto” restringe-se a esse direito do respectivo sujeito activo e ao correspondente dever, aliás mal caracterizado, do sujeito passivo, de suportar aquela determinação e aquele acto de autoridade, com o qual se extingue a

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“obrigação de imposto”.A teoria de Von Myrbach-Rheinfeld acha-se há muito ultrapassada.É de notar, em primeiro lugar, que a própria construção de Myrbach-Rheinfeld parece negar

a sua afirmação segundo a qual as obrigações tributarias seriam criadas pela lei. Afinal a “obrigação de imposto” seria criada pelas circunstâncias que a lei previu, circunstâncias que mais tarde seriam designadas por pressupostos tributários, ou por pressuposto tributário, no seu conjunto. Também o próprio Myrbach-Rheinfeld reconheceu que a sua construção não se adaptava a todas as espécies tributárias. Tal reconhecimento, por parte do próprio autor da construção, diminui, em muito, o relevo da mesma.

Mas a crítica fundamental, nuclear, deverá assentar na escassez de conteúdo da “obrigação de imposto”, que, afinal, se limita a atribuir uma certa competência aos agentes fiscais para liquidarem o imposto, sem que se desenhe com nitidez qualquer dever para o sujeito passivo.

c) A “liquidação” como facto constitutivo:

Precisamente porque a teoria de Von Myrbach-Rheinfeld, baseada na figura da “ordem de pagamento”, teria de ser liminarmente afastada dos sistemas jurídico-tributários que não conhecem tal figura, alguns autores procuraram, nas suas adaptações, substituir aquela “ordem de pagamento” pela liquidação. Mas as construções que procuram atribuir o relevo de facto constitutivo da relação de imposto à respectiva liquidação transcendem, em muito, as adaptações da teoria de Von Myrbach-Rheinfeld.

E a ideia de que a liquidação de imposto tenha efeitos constitutivos torna-se ainda mais perturbadora para a construção de uma teoria da relação de imposto quando desligada do pensamento de Von Myrbach-Rheinfeld. Porque este autor ainda sustentou que as circunstâncias previstas pela lei de imposto criavam imediatamente um vínculo jurídico-tributário, a “obrigação de imposto”. Mas, afastada tal ideia de dualidade de vínculos tributários, chega-se à conclusão de que aquelas circunstâncias não têm qualquer valor constitutivo. O facto de alguém se situar no plano de incidência legal não dá lugar a qualquer relação, que só surgirá pelo acto administrativo da liquidação, isto é, da determinação do montante a prestar.

A crítica de tal entendimento inclui-se na crítica à construção de Von Myrbach-Rheinfeld.

d) A conjugação dos “pressupostos tributários” como facto constitutivo:

O facto constitutivo, ou facto gerador, da relação de imposto será aquele facto que conjuga os pressupostos previstos na lei tributária. É a realidade com vigor jurídico bastante, que lhe advém da lei, para pôr em movimento, para combinar, os pressupostos tributários, considerados estes como aquelas situações, pessoais e reais, previstas, expressa ou tacitamente, pelas normas de incidência tributária.

É preferível considerar em termos plurais os pressupostos tributários a aglutiná-los num só, que seria então, também, o facto constitutivo do vínculo jurídico de imposto.

Um pressuposto, em si mesmo, como tal, não é causa, não é facto constitutivo. É qualquer coisa sem a qual a causa, o facto constitutivo, se não verifica; não actua.

Exemplificando, será pressuposto da relação jurídica de contribuição predial a existência de um prédio. Mas se existir um prédio que foi há muito abandonado, cujo proprietário actual se desconhece, não havendo possibilidade de determinar quem seja a pessoa quanto à qual se possa presumir que aufere os rendimentos desse prédio, a relação jurídica de contribuição predial não se constituirá. Enquanto se mantiver tal situação. Mas se o prédio passar a ser possuído, e presumivelmente explorado, por alguém, então já se poderá constituir uma relação jurídica de contribuição predial. Porque houve um facto - neste caso a posse – que conjugou, que aproximou, o pressuposto tributário material, o prédio, do outro pressuposto tributário, pessoal - um ente dotado de personalidade tributária - reunindo, ao mesmo tempo, naturalmente, outros pressupostos ainda, de cuja conjugação a lei faça depender o nascimento da relação jurídica fiscal considerada.

É corrente, na jurisprudência, como na legislação, o emprego tanto da expressão “pressuposto”, ou “pressuposto de facto”, como da expressão “facto gerador” do tributo, no sentido de facto constitutivo da relação jurídica de imposto.

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e) Noção e classificação de pressupostos da relação de imposto:

Impõe-se definir os pressupostos tributários, ou pressupostos da relação de imposto.Esta relação nasce num certo ambiente, rodeada por determinado condicionalismo - moral,

social, político, económico, jurídico. As várias realidades, as várias circunstâncias, que se integram nesse condicionalismo, e sem as quais o vínculo tributário não se constituiria, ou não se constituiria de certo modo, são os seus pressupostos. Assim, os princípios da generalidade, da proporcionalidade ou da progressividade, por exemplo, serão pressupostos político-financeiros da relação tributária.

Pressupostos da relação jurídica fiscal são, portanto, o conjunto de condições de que a lei fiscal faz depender o nascimento da relação jurídica fiscal.

Quanto à sua natureza, estes pressupostos podem ser objectivos ou subjectivos, conforme digam respeito a qualquer dos sujeitos da relação ou digam respeito à relação jurídica (objectiva).

Quanto ao seu âmbito, os pressupostos dizem-se genéricos ou específicos. Os primeiros são relativos a todas as relações de imposto, os segundos só a certas relações. Os específicos são insusceptíveis de enumeração geral, só sendo possível serem analisados em função de cada tipo de relação jurídica fiscal. Os genéricos, por sua vez, são susceptíveis de uma análise e de uma enumeração geral (embora haja divergência doutrinal neste aspecto).

Quanto à enumeração dos pressupostos genéricos temos duas posições, a do Dr. Soares Martinez e a do Dr. Brás Teixeira.

Assim, para Soares Martinez, os pressupostos são:1. Soberania fiscal: para que exista um imposto é necessário o Estado e o exercício de poderes

soberanos fiscais.2. Personalidade tributária activa: para existir imposto é necessário que o crédito seja atribuído a

uma entidade que se integre numa relação jurídica tributária na posição de sujeito activo.3. Personalidade tributária passiva: para haver imposto é necessário que o débito fiscal recaia

sobre um sujeito passivo ou contribuinte, reconhecido como tal.4. Matéria colectável: para que exista imposto é necessário que exista previamente a definição de

uma realidade tributável.5. Leis de imposto: para haver imposto é necessária a pré-existência de enquadramento jurídico-

tributário (ou fiscal).Para o Dr. Brás Teixeira a enumeração limita-se a três pressupostos, sendo eles:1. Personalidade jurídica;2. Capacidade jurídico-fiscal;3. Matéria colectável.

Para o prof. M. Vasconcelos, a posição do Dr. Soares Martinez é a mais acertada.

27. Causa da Relação Jurídica de Imposto - Referência breve:

Sob as mesmas designações de causa do imposto, ou causa tributária, tem sido estudados dois problemas com aspectos comuns, mas que não deixam de ser diversos, pelo que cumpre separá-los.

Por um lado, o da causa do poder de tributar, por outro, o da causa da relação jurídica de imposto.

Causa do poder de tributar será o próprio fundamento da soberania fiscal; causa da relação jurídica de imposto será o motivo, ou o fim, de cada vínculo tributário, em concreto.

Quanto ao poder de tributar, importa determinar a sua causa, o seu fundamento, cuja apreciação encontra ampla justificação nos quadros de uma construção jurídica. Poderá não caber ao jurista, como tal, pronunciar-se sobre as razões políticas desse fundamento ou sobre as razões políticas da extensão do poder de tributar. Mas não deve o jurista, mesmo nessa qualidade, renunciar a conhecer a génese e o encadeamento causal que se acha na base dos institutos de Direito.

É mais difícil ajuizar sobre a causa da relação jurídica de imposto, podendo admitir-se que a não tenha. Ao menos à luz dos sistemas de Direito vigentes. Mas não se julgue que as dificuldades revelam mais uma das “especialidades” do Direito Fiscal e da obrigação tributária. De modo algum. A relação jurídica de imposto poderá achar-se desligada de uma causa jurídica apenas por não ter origem negocial.

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Frequentemente se tem usado a expressão “causa” referida à relação jurídica de imposto, no sentido de facto constitutivo, ou de “pressuposto”; mas não se vêem as vantagens da inovação terminológica, que pode oferecer inconvenientes.

Em face das dificuldades referidas, boa parte da doutrina fiscalista prefere ignorar o problema da causa da relação de imposto. Outra parte nega que tal causa, como causa final, possa determinar-se. Compreendem-se bem as razões de ordem pragmática que, em larga medida, têm ditado essas atitudes. Nas circunstancias actuais, a dependência da obrigação tributária de um princípio causalista poderia lançar uma permanente incerteza no campo das relações fiscais, através da constante discussão da legitimidade dos comandos tributários.

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Capítulo II – Os Sujeitos:

28. Personalidade Jurídica em Geral:

Personalidade Tributária; Capacidade Tributária

Esta é uma das matérias em que mais se nota a diferença de opiniões na Doutrina, porque, se em geral todos concordam em considerar como elementos da relação jurídico-fiscal o sujeito, o objecto e as garantias, já existem múltiplos modos de conceber e ordenar estes elementos, não faltando autores que autonomizam o facto jurídico, mas também outros que autonomizam outros elementos.

Sujeitos:

Todas as relações jurídicas em geral- e também a relação jurídica fiscal – desenvolvem-se entre pessoas. Estes sujeitos – os titulares – aparecem numa posição de titulares de direitos e deveres previstos na lei fiscal e o exercício desses direitos e deveres visa a percepção do imposto.

A característica 1ª destes sujeitos é a personalidade tributária, isto é, a susceptibilidade de ser titular de direitos e deveres de tipo tributário (art. 4º CPT).

Segundo o Dr. Soares Martinez, o conceito de personalidade jurídico-tributária é especifica do Direito Fiscal e diferencia-se do conceito de personalidade jurídica do Direito Civil. O Direito Fiscal, defende o mesmo autor, personaliza certos centros de interesses que outros ramos de Direito não personalizam (p.ex., actividades desenvolvidas por sociedades irregulares). O prof. Miguel Vasconcelos concorda com esta posição.

O Dr. Brás Teixeira entende que a noção de personalidade jurídica exprime uma qualidade e tem a ver com algo de absoluto e, portanto, não pode haver autonomização desse conceito no sub-ramo Direito Fiscal. Diferente é já, segundo o mesmo autor, a noção de capacidade jurídica em geral, pois, esta sim, pressupõe a existência de personalidade jurídica. A capacidade jurídica reporta-se a uma quantidade, logo ela pode ser maior ou menor, pelo que este conceito pode, assim, ser alterado de um ramo de Direito para outro.

Sendo assim, a capacidade jurídica fiscal é a medida dos direitos e deveres tributários de que um determinado sujeito pode ser titular. Daí que o conceito possa ser, como é, mais vasto no Direito Fiscal do que é no Direito Civil.

A diferenciação que Soares Martinez faz em relação à personalidade, o Dr. Brás Teixeira faz em relação à capacidade.

O conceito de capacidade de exercício tributária coincide, de acordo com o Dr. Brás Teixeira, com o conceito de capacidade de exercício em geral, no Direito Civil. De acordo com este autor, para termos uma relação tributária é necessário que os respectivos sujeitos tenham personalidade jurídica e capacidade jurídica tributária (titulares de direitos e deveres fiscais). O conceito de capacidade tributária de exercício, numa relação tributária, é dispensável, pois os incapazes tendem a ser capazes tributariamente.

29. Sujeito Activo – conceito e âmbito

A susceptibilidade de figurar em obrigações tributárias como sujeito activo, isto é, a personalidade tributária activa, é nitidamente separável da soberania fiscal. Não apenas porque aquela qualidade de sujeitos activos é atribuída a entidades diversas do Estado, não soberanas, mas também porque a personalidade do Estado se desdobra por dois planos, o do Estado-soberano, legislador, e o do Estado-administrador. E é este que aparece em relações tributarias como sujeito activo.

A lei de imposto, ao definir os pressupostos tributários de que faz depender o nascimento da relação jurídico-fiscal, atribui a certas entidades determinados direitos, dependentes da verificação daqueles pressupostos e integrados na relação jurídico-fiscal respectiva. Mas a lei de imposto não pode atribuir a qualidade de credor num vínculo tributário a uma entidade que não goze de personalidade tributária activa. Põe-se, pois, o problema de saber de que condições depende essa personalidade, a quem poderá a lei de imposto atribuir a qualidade de sujeito tributário activo.

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Não obstante a personalidade activa não se confundir com a soberania fiscal, ou com a personalidade jurídica do Estado, nem a todos os seres juridicamente personalizáveis, ou personalizados, poderá ser atribuída capacidade para assumir uma posição credora em vínculos tributários. Os sistemas fiscais só podem concedê-la a entidades que prossigam interesses públicos e para lhes permitir, ou facilitar, a prossecução desses interesses.

Compreende-se que assim seja, posto que a justificação do imposto reside na necessidade de realização dos fins do Estado. Daqui talvez se pudesse concluir, apressadamente, que só o Estado, embora o Estado-administrador, já desprovido de prerrogativas soberanas, goza de personalidade tributária activa. Mas é sabido que o Estado pulverizou algumas atribuições por várias outras entidades; e isso explicará o reconhecimento da qualidade de pessoas tributárias activas a diversas entidades, além do Estado-administrador.

Concorrendo para a realização dos fins do Estado e carecendo de meios bastantes para desenvolverem a consequente actividade, essas entidades reclamaram a posição de credores em relações tributárias. Não lhes foi dado o poder de criar impostos, esse reservado ao Estado. Mesmo quando praticam actos com a aparência de comandos tributários, tais entidades limitam-se a realizar a condição de que a lei fez depender certas situações tributárias objectivas. Mas quando a lei permite que tais entidades reclamem o pagamento de prestações tributárias, essa mesma lei está a atribuir-lhes personalidade tributária activa, abrindo o caminho para que, verificados certos pressupostos, aquelas entidades se situem em obrigações de imposto como sujeitos activos das mesmas.

A personalidade tributária activa parece depender da prossecução de interesses colectivos. Poderá admitir-se que o Estado-legislador seja livre na concessão dessa personalidade tributária activa; mas aos sistemas políticos e jurídicos evoluídos repugnaria a atribuição de créditos fiscais a entidades que não prosseguissem fins de interesse público.

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a) Estado:

A organização administrativa fiscal portuguesa situa-se fundamentalmente no âmbito do Ministério das Finanças, embora, por vezes, seja atribuída competência sobre matérias tributárias a serviços de outros departamentos ministeriais, a entidades públicas menores, e até a entidades privadas, em termos que devem considerar-se excepcionais.

Na actualidade, cabe à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, entre outras funções, o lançamento e a liquidação dos impostos, quer directos quer indirectos (DL 363/78, art. 3º), com algumas excepções, entre as quais avultam as dos impostos aduaneiros, do IVA, quando recai sobre bens importados, e do imposto sobre produtos petrolíferos, quando importados. Porquanto o lançamento e a liquidação destes impostos compete à Direcção-Geral das Alfândegas. Á Direcção-Geral das Alfândegas cabe também a cobrança dos impostos que lança e liquida.

A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos compreende serviços centrais, serviços distritais, a cargo de direcções de finanças, e serviços concelhios, ou locais, constituidos por repartições de finanças. Os concelhos de Lisboa e Porto acham-se divididos por bairros fiscais, a cada um deles correspondendo uma repartição de finanças. Também nalguns outros concelhos há mais de uma repartição.

As direcções de finanças estabelecem ligação entre os serviços centrais e as repartições de finanças, nomeadamente transmitindo instruções e esclarecendo dúvidas. Mas são as repartições de finanças que normalmente mantêm contacto directo com os processos de lançamento e liquidação dos impostos nos respectivos concelhos e bairros fiscais, excepto pelo que respeita aos impostos cuja administração se acha centralizada (imposto sobre o valor acrescentado, impostos sobre o rendimento).

É, assim, à Direcção-Geral das Contribuições e Impostos que cabe o lançamento e a liquidação da generalidade dos impostos. Mas não a sua cobrança, que cabe à Direcção-Geral do Tesouro, antes designada Direcção-Geral da Fazenda Pública. Esta Direcção-Geral tem por funções administrar o património e realizar as operações de movimentação de fundos do Estado, nomeadamente as operações de cobrança dos impostos lançados e liquidados pela Direcção-Geral das Contribuições e Impostos. Esta cobrança é realizada através dos serviços concelhios da Direcção-Geral do Tesouro, que são as tesourarias da Fazenda Pública, as quais funcionam junto das repartições de finanças, cabendo-lhes, nas respectivas áreas, o pagamento das despesas do Estado e a arrecadação das respectivas receitas, entre as quais as de natureza tributária.

Tal como a Direcção-Geral das Contribuições e impostos e a Direcção-Geral do Tesouro, também a Direcção-Geral das Alfândegas dispõe, além dos serviços centrais, de outros, actualmente designados “regionais” e “periféricos”, cujas funções correspondem a áreas geográficas.

Também a Inspecção-Geral de Finanças, outro serviço integrado no respectivo Ministério, exerce funções no plano tributário, a par de outras, através da acção fiscalizadora em relação aos contribuintes e aos próprios serviços fiscais (vd. DL 353/89, de 16/10, que aprovou a Lei Orgânica da Inspecção-Geral de Finanças).

Embora o lançamento, a liquidação e a cobrança dos impostos caibam normalmente a serviços integrados no departamento das Finanças, é muito frequente que a outros serviços sejam cometidas funções de fiscalização do cumprimento das normas tributárias. Nomeadamente quanto ao imposto do selo.

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b) Autarquias Territoriais:

Entende-se por autarquia territorial, ou local, a pessoa de Direito Público cujos fins e atribuições se acham limitados a uma circunscrição do território do Estado e à população que nela reside (art. 237/2 CRP).

Assim, face do regime constitucional vigente, poderão considerar-se autarquias territoriais as regiões autónomas dos Açores e da Madeira, as regiões administrativas, a instituir, os municípios e as freguesias. Embora aquelas regiões autónomas se achem formalmente separadas das outras autarquias, pelo seu particular relevo político-administrativo.

Quanto às autarquias locais ou territoriais, a lei adopta três soluções fiscais diferentes:1. A lei fiscal impõe ao Estado a entrega, total ou parcial, do produto de imposto (p.ex., SISA e

Contribuição Autárquica) a tais autarquias territoriais.2. A lei fiscal cria impostos autárquicos, cujos sujeitos activos são as próprias autarquias,

embora a cobrança seja efectuada pelo Estado.3. A lei fiscal autoriza as autarquias territoriais a fixarem determinados adicionais à colecta nos

impostos estaduais (p.ex., a derrama).Na 1ª hipótese, para a totalidade das receitas pagas pelos residentes nas regiões autónomas, bem

como no caso dos Municípios (imposto local: SISA e contribuição autárquica), o verdadeiro sujeito activo é o estado, sendo a autarquia credora do Estado. Esta é a posição do Dr. Soares Martinez e também do Dr. Brás Teixeira. No entanto, aqui temos de ter em conta a revisão constitucional de 1997.

No entanto, já quanto aos impostos adicionais, o sujeito activo é a autarquia, embora os impostos sejam cobrados pela Administração Central.

À luz da CRP anterior à revisão de 1997, os profs. Soares Martinez, Brás Teixeira e Manuel Pires consideravam que só podiam ser sujeitos activos da relação fiscal os Municípios; as regiões autónomas dos Açores e da Madeira não, pois apenas possuíam receitas consignadas, logo, neste caso, sujeito activo seria apenas o Estado.

Após a 4ª revisão constitucional (1997), parece que as regiões autónomas foram fortalecidas , o que leva a dizer, com Nuno Sá Gomes e também com o prof. M. Vasconcelos, que estas assumem, no quadro jurídico-fiscal, a posição de verdadeiros sujeitos activos. Podemos retirar esta conclusão da análise e confrontação dos arts. 229/1, al. i) e 277/1, al. i).

Quanto aos Municípios não há qualquer dúvida ou divergência, eles são, de facto, sujeitos activos da relação jurídica.

c) Institutos Públicos:

Os serviços públicos funcionam, em regra, nos quadros das estruturas do Estado e das autarquias territoriais, sem vontade própria com projecção no plano jurídico. Alguns, porém, ou pela natureza técnica, que exige uma direcção independente, ou por concorrerem com os particulares no comércio jurídico-privado, ou por outros motivos ainda, gozam de autonomia administrativa e financeira, sendo-lhes reconhecida personalidade jurídica. São os institutos públicos como a Caixa Geral de Depósitos, as Administrações-Gerais do Porto, de Lisboa e dos Portos do Douro e Leixões, as Juntas Autónomas dos Portos, e outros.

Não repugna que a tais entidades, que prosseguem interesses públicos, às quais é reconhecida a natureza de pessoas colectivas de Direito Público, seja atribuída pela lei personalidade tributária activa. E, às vezes, assim acontece. Sendo frequentemente parte das receitas dos institutos públicos proveniente de taxas, cobradas pela utilização dos respectivos serviços, podem suscitar-se dúvidas, muitas vezes, sobre a situação tributária daqueles institutos, dada a dificuldade de destrinçar algumas taxas de certos impostos.

30. Sujeito Passivo – conceito e âmbito:

Conforme foi referido, as especialidades do conceito tributário de personalidade avultam quanto à susceptibilidade de ser sujeito passivo da obrigação fiscal, quanto à personalidade tributária passiva. Assim, tendo presente aqui quanto se afirmou relativamente à personalidade tributária em geral, importa

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agora pôr em relevo que as especialidades mais marcadas em tal matéria não respeitam à personalidade activa, mas sim à personalidade passiva.

Não oferece dúvidas a atribuição de personalidade tributária passiva às entidades que como pessoas são tidas pela generalidade das outras disciplinas jurídicas, quer se trate de pessoas físicas quer de pessoas meramente jurídicas. Mas põe-se a questão de saber se, para além das pessoas como tal geralmente reconhecidas pelas diversas disciplinas jurídicas, poderá também ser atribuída personalidade jurídica passiva a outras entidades ainda, não personalizadas à face dos outros ramos de Direito.

O problema da extensão do conceito de personalidade tributária passiva integra-se numa questão mais vasta. A qual consiste em saber se a tributação incide sobre situações de conteúdo jurídico ou de conteúdo meramente económico. A lei fiscal tributa situações de facto e não situações jurídicas. Do momento, parece que deveremos conformar-nos com este princípio fiscalista da tributação de situações económicas, quer sejam legais quer não o sejam. Essa tem sido a orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo.

As legislações alemã e italiana admitiram que fossem sujeitos de relações jurídicas de imposto, que gozassem de personalidade tributária passiva, entidades desprovidas de personalidade jurídica, “entidades meramente de facto”.

E a doutrina, a italiana pelo menos, adoptou amplamente essa admissibilidade. Mas tal entendimento parece liminarmente inaceitável. Porquanto a personalidade tributária integra-se no conceito genérico de personalidade jurídica. Logo, se tais “entes de facto” se situam como sujeitos em relações jurídicas de imposto, isso significa que são pessoas jurídicas, que gozam de personalidade jurídica, ao menos no campo do Direito Fiscal.

A legislação italiana mais recente não emprega já a expressão “entes de facto”; mas prevê a tributação de “sociedades sem personalidade jurídica”. Essa orientação foi também seguida pelas leis fiscais portuguesas, que prevêem a integração em relações tributárias, como sujeitos passivos, de entidades desprovidas de personalidade jurídica (CIRC, art. 2º/1, b) e c)).

A afirmação de que há entes de facto, desprovidos de personalidade jurídica, que, no entanto, são sujeitos de relações tributárias, gozam de personalidade tributária passiva, envolve uma insanável contradição. A personalidade tributária, susceptibilidade de ser titular de direitos e deveres fiscais, constitui uma forma de personalidade jurídica. Os entes aos quais seja atribuída têm a natureza de pessoas de Direito. Não são “entes de facto”, pelo menos a partir do momento em que o Direito Fiscal os personaliza (art. 4º CPT).

Portanto, o problema tem de ser posto em termos diversos. Trata-se de saber se os critérios adoptados para a atribuição de personalidade jurídica no campo do Direito Fiscal são diversos dos adoptados noutros ramos de Direito. E são-no, efectivamente. Aliás, em obediência ao referido princípio da base económica, e não jurídica, das situações tributárias, dos pressupostos tributários. É desse princípio que resulta o critério tributário de atribuição de personalidade passiva. Onde quer que o Direito Fiscal depare com um ente individualizável, do ponto de vista da sua actividade económica, aí reconhece uma base personalizável, desde que a personalização seja exigida pelo sentido teleológico da ordem tributária.

Geralmente circunscreve-se à tributação das sociedades irregulares a projecção prática de toda a problemática respeitante à personalização pelo Direito Fiscal de entidades não personalizadas pelos outros ramos de Direito. Mas o conceito fiscalista de personalidade não se projecta apenas no plano da tributação das sociedades irregulares. Ele permitirá considerar a personalização de muitas outras entidades. E entre elas a família, que os preconceitos individualistas não têm permitido personalizar, em geral, embora as instituições jurídicas revelem, por vezes, a necessidade dessa personalização.

No entanto, não parece que a família tenha sido personalizada para efeitos fiscais. A base económica familiar tem sido utilizada pelos legisladores apenas como base de determinação de uma matéria colectável global, o que, conjugado com a progressividade das taxas, se tem traduzido em penalizações dos contribuintes casados. E, na actualidade, face aos fenómenos de desagregação familiar, nota-se a tendência, em diversos países, para uma tributação individual dos rendimentos dos membros dos agregados familiares, solução que o legislador português não quis adoptar, conforme o Relatório do CIRS.

a) Sujeito Tributário Passivo, Contribuinte de Direito e Contribuinte de Facto

A expressão “contribuinte” depara-se-nos com frequência na legislação e na Doutrina. Em

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termos de tornar possível o seu uso com significado idêntico ao de sujeito passivo da relação jurídica de imposto, ou sujeito tributário passivo.

Será contribuinte quem é obrigado ao pagamento de uma contribuição, termo que os legisladores do século XIX procuraram substituir ao de imposto, por julgarem que aquela expressão melhor se amoldava aos sistemas fiscais modernos, à face dos quais a tributação se há-de realizar em termos de contribuições para as despesas públicas, consentidas pelos eleitores-contribuintes, através dos seus mandatários parlamentares.

O sujeito passivo da relação de imposto, pessoa a quem é juridicamente exigível a prestação tributária, apresenta-se-nos como o contribuinte, ou contribuinte de Direito, para distingui-lo da figura do contribuinte de facto, que se desenha em consequência de, por vezes, o sacrifício económico resultante do pagamento do imposto ser suportado por pessoa diversa daquela a quem é juridicamente exigível.

Ao Direito Fiscal, geralmente, não interessa saber quem realiza o pagamento da prestação tributária. Menos lhe interessará se o peso económico do imposto acaba por recair sobre um terceiro. E isso acontece, com frequência, através do fenómeno da repercussão tributária, na base do qual já se tem até tentado distinguir os impostos indirectos, que seriam repercutíveis, dos directos, que não o seriam. A repercussão pode respeitar tanto a impostos indirectos como a directos; e, por ela, o contribuinte de Direito transfere para outrem (contribuinte de facto) o sacrifício económico do imposto.

Assim, por exemplo, um comerciante, ou um industrial, procurando evitar os encargos resultantes de um aumento da taxa de um imposto, transferirá para os consumidores, através do aumento de preço dos produtos vendidos, ou para os fornecedores, através de uma redução de preço de matérias-primas, de bens instrumentais, e outros, o sacrifício tributário efectivo. Os consumidores, ou os fornecedores, serão, em tais casos, os contribuintes de facto, em consequência de uma repercussão descendente, ou de uma repercussão ascendente.

Esta figura do contribuinte de facto não parece ter relevância jurídica, embora alguns autores, entre eles Vanoni, entendam que sim; mas oferece grande interesse aos níveis da ciência das finanças, da política financeira, e até da economia em geral.

Poderá, talvez, o intérprete da lei tributária desconhecer o contribuinte de facto; mas o legislador fiscal deve ter bem presente a respectiva figura, procurando sempre prever em que plano vão sentir-se os efeitos económicos dos impostos criados, ou remodelados. Acontece até, com frequência, que a situação de contribuinte de facto não é meramente ocasional, tendo sido visada pelo legislador. Conhecendo as possibilidades de repercussão do imposto, a lei fiscal tributa pessoas diversas daquelas que procura atingir, sabendo previamente que elas não deixarão de libertar-se do encargo, transferindo-o no sentido desejado. Mas, mesmo nesses casos, a figura do contribuinte de facto, de indiscutível relevo económico-financeiro, não oferece relevo jurídico.

Já se pretendeu na doutrina portuguesa reservar a expressão “contribuinte”, pura e simplesmente, para a figura que designámos por contribuinte de facto. Mas a inovação terminológica não parece aceitável, por não se conformar nem com a linguagem legislativa, nem com a mais corrente e usual, que designam por contribuinte o devedor tributário, o sujeito passivo da obrigação de imposto. Esta parece ser a preferível. Especialmente depois de o CPT, de 1991, tendo definido a personalidade tributária como “susceptibilidade de ser sujeito de relações jurídicas tributárias” (art. 4º), definir também os “sujeitos passivos das relações tributárias” como “os contribuintes, incluindo os substitutos e responsáveis, bem como outras pessoas sobre as quais recaiam obrigações daquela natureza” (art. 10). Em suma, é contribuinte, é sujeito passivo, aquele que se acha juridicamente vinculado.

b) Sujeitos Tributários Passivos Originários e Não Originários

Tem-se procurado distinguir o sujeito passivo - titular de uma situação jurídico-tributária passiva - do contribuinte - pessoa em relação à qual se verificaram os pressupostos tributários - e do devedor de imposto - aquele sobre quem recai o dever de prestar. Mas não parece que tal destrinça se justifique. A pessoa relativamente à qual se verificaram os pressupostos tributários, ou o facto tributário, é necessariamente titular de uma situação jurídico-tributária. E aquele sobre quem recai o dever de prestar não pode deixar de ser também uma pessoa relativamente à qual se verificaram os pressupostos tributários, com cuja verificação essa mesma pessoa passou a ser titular de uma situação jurídico-tributária.

Não deverá pretender-se que o substituto de imposto, ou que o responsável tributário sejam devedores, mas não sejam contribuintes, nem sujeitos passivos, da relação de imposto. O substituto, como o responsável, como o devedor solidário, como o sucessor devem o imposto, são devedores, porque são

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contribuintes, porque são sujeitos passivos da relação jurídica de imposto (art. 10 CPT). Apenas não são sujeitos passivos, nem contribuintes, nem devedores originários.

O sujeito tributário passivo pode sê-lo por um débito originário ou por um débito não originário. O débito do sujeito tributário passivo é normalmente originário. Alguém auferiu um rendimento, recebeu um património, ou praticou um acto de que se presume certo benefício. Por essa razão constituiu-se um débito tributário, que é seu próprio, originário, pois a presunção legal de benefício, de utilidade económica definitiva, respeita a essa pessoa.

Contudo, as leis de impostos mostram particulares cuidados em acautelar, e facilitar, a realização dos créditos tributários. E um dos meios de que se servem para o fazer consiste na extensão do dever de prestar a entidades que não são originários devedores. Porque em relação a elas se não estabelece uma presunção de benefício, ou de beneficio definitivo, ou de beneficio total.

Alguns autores referem-se a obrigados por débitos tributários próprios e obrigados por débitos tributários alheios. O CPT também se refere a “responsabilidade fiscal por dividas de outrem” (art. 11). Mas a destrinça não parece inteiramente correcta. Desde que um preceito legal impõe a alguém, verificadas certas condições, o pagamento de uma prestação tributária, o débito é seu próprio. Embora possa não ser originariamente seu.

Também quanto ao carácter originário do débito tributário importa ter presente que aquele carácter não coincide sempre e necessariamente com o desenvolvimento normal da relação jurídica de imposto. Não serão sujeitos passivos não originários apenas as pessoas obrigadas a prestar em consequência do desenvolvimento patológico daquela relação.

Há casos em que a entidade obrigada a pagar na base de um desenvolvimento normal da relação de imposto é um sujeito passivo não originário. Assim acontece com os substitutos de imposto, chamados a pagar a prestação tributária normalmente, isto é, na base de um desenvolvimento normal da relação jurídica de imposto. Mesmo assim, os substitutos de imposto são devedores, sujeitos passivos, não originários; porquanto em relação a eles não se estabelece uma presunção de benefício que justifique a incidência tributária.

A contribuição autárquica incide sobre o proprietário, ou sobre o usufrutuário, na base de uma presunção de rendimento económico, de benefício auferido. O imposto do Selo incide sobre um anunciante porque se presume que do anúncio resulta para ele um beneficio. Os débitos tributários assentes na presunção de um benefício auferido são débitos originários. Como originários serão também os sujeitos tributários passivos relativamente aos quais se estabeleceu a presunção de beneficio.

Mas o legislador fiscal, procurando acautelar os créditos tributários, e simplificar as respectivas operações de lançamento, liquidação e cobrança, criou processos que permitem exigir o pagamento da prestação tributária a pessoas relativamente as quais se não pode estabelecer qualquer presunção de benefício auferido. Assim, se o antigo proprietário de um imóvel não tiver pago um imposto que devia, em razão da sua propriedade, essa prestação tributária poderá ser exigida ao novo proprietário do mesmo imóvel. Se o obrigado ao pagamento de taxa militar não realizasse a respectiva prestação, esta poderia ser exigida aos seus familiares. Nestes dois casos, apontados como exemplos, o dever de prestar do obrigado não originário situa-se numa fase de desenvolvimento patológico da relação de imposto. O obrigado não originário é chamado a prestar porque o obrigado originário não prestou. Mas noutros casos não.

Muitas vezes o legislador fiscal estabelece para o obrigado não originário o dever de prestar logo na fase de desenvolvimento normal da relação de imposto. Assim, a entidade patronal paga a antecipação de IRS baseada nos salários dos seus trabalhadores, antecipação essa retida na fonte, descontada, previamente, no montante global dos salários. A presunção de beneficio que justifica a incidência estabelece-a a lei fiscal em relação aos trabalhadores. As entidades patronais que se lhes substituem são utilizadas pelo Fisco para facilitar a cobrança do imposto. São sujeitos passivos não originários, embora os respectivos deveres de prestar se situem num plano normal, não patológico, do desenvolvimento das relações jurídicas.

Ex.: Soares Martinez - Um trabalhador tem um salário de 100 contos. A empresa retêm na fonte (ou, em termos jurídicos, substituição fiscal) 15%. Deste modo, o trabalhador só recebe 85 contos (100-15%). A empresa é um sujeito passivo não originário. O Dr. Brás Teixeira não faz qualquer ligação entre estes aspectos e considera a empresa sujeito passivo originário.

As situações de débitos tributários não originários correspondem a quatro tipos diferenciados: solidariedade, sucessão, responsabilidade e substituição.

c) Situações de Personalidade Tributária Passiva Não Originária:

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i) A Solidariedade Fiscal:

Quando várias pessoas se acham na posição de sujeitos passivos de um mesmo vínculo tributário, é de admitir que a lei fiscal as considere solidariamente obrigadas. E, nesse caso, o sujeito activo poderá exigir de uma o pagamento da totalidade da prestação tributária, nos termos comuns do Regime de solidariedade (Código Civil, arts. 521 e 524).

As obrigações tributárias podem assumir duas modalidades:

a) Conjunção: quando a cada um dos sujeitos corresponde apenas uma parte ou fracção do débito tributário comum estamos perante uma situação de conjunção ou parciaridade passiva. Cada devedor tributário responde apenas pela sua parte e só essa lhe pode ser exigida. Esta é a regra geral e está prevista no art. 241 CPT.

b) Solidariedade passiva: o sujeito activo pode exigir a qualquer dos devedores tributários a totalidade da prestação tributária comum, nenhum deles podendo socorrer-se do instituto do benefício da divisão (arts. 521 e ss CC).

Cada um dos devedores está legalmente obrigado a realizar por si à totalidade do débito tributário que impende sobre si e sobre os demais co-devedores, cabendo-lhe exigir aos demais devedores a parte que a mais pagou como direito de regresso.

Pela forma como se estrutura, a solidariedade passiva é a garantia mais forte da obrigação fiscal, uma vez que diferentes patrimónios respondem pelo cumprimento integral da prestação de imposto. No âmbito do Direito Fiscal português, o regime da solidariedade passiva assume um carácter excepcional.

Impõe-se agora distinguir solidariedade passiva de responsabilidade fiscal.O devedor solidário é um devedor originário em relação à sua cota parte, podendo-lhe ser

exigido o pagamento integral da prestação.O responsável solidário não é devedor originário nem pela totalidade, nem por parte da dívida

tributária. É um devedor não originário, uma pessoa alheia à constituição do vínculo tributário, que, em virtude de excepcionais relações de conexão com o originário devedor tributário, a lei fiscal considera responsável pelo pagamento da dívida de imposto, numa posição de fiador legal, posição em que se torna devedor originário. É o caso dos gerentes ou administradores (cfr. art. 13 CPT). Esta é a posição do Dr. Brás Teixeira.

Só quando no âmbito de uma execução fiscal se conclui, no fim, pela inexistência de bens suficientes na titularidade do devedor originário é que se recorre à figura da responsabilidade tributária.

Enquanto o devedor originário ocupa a posição de sujeito passivo na relação jurídica fiscal desde o início, sendo responsável pelo pagamento do débito fiscal total, já o responsável solidário só intervém numa fase processual executiva, só depois de se terem executado os bens do devedor originário e de se ter concluído a inexistência de bens suficientes para o pagamento da dívida fiscal.

No processo de execução fiscal, o Estado está numa posição credora (pelas dívidas ao fisco) privilegiada face aos demais credores. O processo de execução fiscal é feito por reversão contra o gerente da sociedade, da empresa. Cabe, então, ao gerente provar que o processo de falência não se deu por culpa sua, isto é, cabe-lhe o ónus da prova de que não é responsável pela falência.

Dentro da solidariedade fiscal, é ainda preciso distinguir entre sucessão tributária e substituição tributária.

Em geral, a posição do sujeito passivo é ocupada, desde o início até ao fim, sempre e unicamente por uma mesma pessoa ou pessoas, que se encontram na situação a que a lei tributária atribui eficácia constitutiva.

Porém, casos há em que a lei fiscal permite que no decurso da relação fiscal tal posição de sujeito passivo passe a ser ocupado por uma terceira pessoa, alheia à relação (sucessão tributária).

Diferentemente, há casos em que a lei fiscal de imposto atribui, desde o início, a posição de sujeito passivo a pessoas ou entidades diferentes daquelas em relação às quais se verificam os pressupostos da relação jurídico-tributária (substituição tributária).

ii) A Sucessão Fiscal:

Para se falar em sucessão fiscal é necessário que o sucessor venha a ocupar, na mesma relação jurídica, o lugar do sucedido (do de cujus). É necessário que, no momento em que se verifica a sucessão,

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a relação fiscal já exista e ainda não se tenha extinguido, passando o lugar de sujeito passivo a ser ocupado por entidade diversa do devedor originário.

Quanto à forma, a sucessão pode, em geral, realizar-se inter vivos, mortis causa, determinada por lei ou determinada por um acto de autonomia privada.

No Direito Fiscal, a sucessão fiscal só é possível por morte, dado o carácter da indisponibilidade da obrigação tributária, que decorre do facto das obrigações fiscais terem natureza de Direito Público.

cfr. arts. 239 e 240 CPT

No que se refere ao âmbito da sucessão fiscal, há que distinguir entre dívidas fiscais e penas fiscais.

Nas dívidas fiscais verifica-se a figura da sucessão.A responsabilidade do sucessor encontra um limite, que o art. 103 do Código das Execuções

Fiscais de 1913 claramente definia, ao dispor que “o herdeiro é responsável pelas dívidas à Fazenda Nacional até às forças da herança, nos termos do art. 2019 do Código Civil de Seabra”. E embora no Código de Processo das Contribuições e Impostos não se nos deparasse qualquer preceito equivalente, este deveria ser considerado aplicável por força dos arts. 2071 do Código Civil e 827 do Código de Processo Civil, antes da revisão de 1995. A mesma conclusão se chegará face ao actual CPT e ao CIRS (arts. 63, 64 e 65).

A posição do sucessor fiscal é diferente consoante a relação jurídica fiscal incorpora uma prestação instantânea ou uma prestação periódica. Nas prestações instantâneas, os herdeiros respondem unicamente pelas dividas existentes ao tempo da morte do anterior sujeito passivo e restringe-se a sua responsabilidade às forças da herança. Tratando-se de prestações periódicas, temos que distinguir as dividas fiscais que já existiam no momento da sucessão, daquelas que vieram a existir posteriormente. Isto porque, se em relação às primeiras a posição do sucessor é de verdadeiro herdeiro, em relação às segundas a sua posição é a de um devedor originário. Pelo que a sua responsabilidade se estende a todo o seu património e não se restringe às forças da herança.

Relativamente às dívidas em que o novo sujeito passivo figura como sucessor, no caso de haver pluralidade de herdeiros (sucessores), a sua responsabilidade é conjunta (art. 241 CPT) e não solidária.

O sucessor não pode ser responsabilizado por quaisquer penas, mesmo pecuniárias, que correspondam a transgressões fiscais cometidas pelo “de cujus”. Têm aqui aplicação plena as normas contidas no art. 30/3 CRP e nos arts. 125 e 127 CPenal de 1982, revisto em 1995.

A não ser que se trate de multas em que a respectiva sentença transitou em julgado em vida do de cujus, não há qualquer transmissibilidade de penas no âmbito do Direito Fiscal.

Existem dois casos em que o legatário pode vir a assumir a posição de sucessor fiscal.O 1º caso surge quando a herança tiver sido distribuída na totalidade por legados. Assim, por

aplicação do art. 2177 CC, deve entender-se que os encargos tributários da herança serão suportados por todos os legatários, na proporção dos seus legados, excepto se o testador houver disposto de outro modo.

O 2º caso surge quando a parte da herança atribuída aos herdeiros é insuficiente para o integral pagamento das dívidas fiscais do de cujus, caso em que se deverá exigir o restante aos legatários, na proporção dos seus legados, mas só depois de executada a parte da herança atribuída aos herdeiros.

iii) A Substituição Fiscal:

A substituição fiscal corresponde à adopção em termos jurídicos do conceito económico-financeiro de retenção na fonte. Verifica-se sempre que a lei impõe o dever de impostos não à pessoa em relação à qual se verificam os pressupostos de facto da tributação, mas a um terceiro, que vem assim ocupar na relação jurídica fiscal, desde o início até à sua extinção, o lugar de sujeito passivo.

Os casos em que a lei adopta este sistema de substituição fiscal são, na sua maioria, aqueles em que o substituto, em virtude de determinadas relações jurídicas, deve ao substituído quaisquer tipo de rendimentos ou prestações, destinando-se, deste modo, a substituição a facilitar a percepção do próprio imposto.

Na verdade, é muito mais seguro, rápido e cómodo a Administração Fiscal exigir das entidades patronais as colectas de imposto devidos pelos trabalhadores; assim como também é mais fácil à Administração Fiscal exigir dos bancos as colectas de imposto que recaem sobre juros de depósitos bancários, bem como exigir das sociedades as colectas do imposto que recaem sobre os lucros dos contribuintes, accionistas, obrigacionistas, etc.

Se, por um lado, através das substituição se reduzem os actos de liquidação, por outro lado,

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garantem-se melhor os créditos tributários pela atribuição do dever a determinadas pessoas ou entidades – os substitutos – cuja solvência parece mais facilmente assegurada.

O substituto fica, pois, encarregado pela lei (única fonte possível) de realizar a cobrança do imposto junto do substituído e de proceder à respectiva à Administração Fiscal (Fisco).

Quanto as elementos caracterizadores da substituição fiscal há polémicas doutrinais a analisar.O 1º elemento é o conceito de devedor originário.Soares Martinez defende que a substituição fiscal é uma situação característica da

responsabilidade tributária passiva, mediante a qual o substituto assume perante o sujeito activo da relação tributária uma posição de devedor tributário, satisfazendo um débito que é seu próprio, mas que não é originário, por não corresponder a uma posição de benefício económico, a qual respeita ao substituído (substituto – devedor não originário).

Brás Teixeira , na sequência da definição que dá de devedor originário, como pessoa ou entidade que ocupa a posição de sujeito passivo ou devedor do imposto, sendo a que a lei vinculou aos rendimentos, entende que na figura da substituição fiscal, o único obrigado originário é o substituto, só podendo o substituído ser chamado à execução como garante na falta de bens do substituto e no caso em que as importâncias que ao substituído tiverem sido deduzidos pelo substituto sejam de montante inferior ao legalmente devido. O substituto é, pois, devedor originário.

O 2º elemento tem a ver com o direito de regresso ou retenção, que a substituição normalmente determina e que, em geral, pode ser obrigatória ou facultativa. No entanto, face ao actual Direito Fiscal em vigor, o Direito de Retenção é obrigatório, pois a falta de entrega da prestação pelo substituto constitui uma infracção fiscal, desde que estivesse expressamente prevista a obrigatoriedade do proceder a essa mesma entrega (art. 29 RJIFNA). Há, porém, casos em que o direito de retenção é facultativo (art. 7º/3 CSISA).

Por fim, para generalidade da Doutrina Portuguesa, o direito de retenção tem uma verdadeira natureza civil e não tributária.

Concluindo, a substituição fiscal é o meio através do qual a Administração Fiscal rápida e seguramente aufere as receitas fiscais.

iv) A Responsabilidade Fiscal:

As figuras de situação tributária passiva anteriormente consideradas (solidariedade, sucessão, substituição) embora não correspondendo ao tipo mais corrente de situações tributárias passivas, que é o do devedor originário, apresentam-se-nos, no entanto, como normais, inseridas no desenvolvimento normal da relação jurídica de imposto e não no seu desenvolvimento patológico. Pelo contrário, a responsabilidade tributária é uma figura que só se desenha numa fase patológica do desenvolvimento da relação jurídica de imposto.

O responsável tributário é chamado ao pagamento do imposto porque o devedor originário (incluindo, para tais efeitos, o substituto), o não pagou oportunamente, e, em processo de execução fiscal, se tenha apurado a inexistência de bens penhoráveis daquele devedor originário, ou a sua insuficiência para satisfação da dívida exequenda (colecta e acrescido), nos termos do art. 239/2 CPT. O processo executivo correrá, por reversão, contra os responsáveis – arts. 233 e ss CPT.

A responsabilidade tributária depende de uma certa conexão com a falta de cumprimento do devedor originário.

A responsabilidade pode ser pessoal (administradores, gerentes,... – art. 13 CPT) ou pode ser real. A responsabilidade pode também ser pessoal no caso dos substituídos (art. 96 CIRS).

A responsabilidade é real quando uma pessoa adquire bens cujo imposto não foi pago, ou quando o seu antigo dono também não pagou o referido imposto (arts. 243 e 244 CPT).

A responsabilidade tributária corresponde sempre a um regime subsidiário, por existir uma situação patológica. No processo de execução fiscal tem que se provar a insolvência do devedor originário.

No caso específico dos administradores e gerentes, previsto no art. 13 CPT, a responsabilidade é subsidiária e também solidária, pois os gerentes respondem solidariamente entre si. Eles são responsáveis, salvo se provarem que não tiveram culpa, pois existe contra eles uma presunção de culpa e que estes têm de ilidir, embora seja muito difícil fazê-lo.

Em todo e qualquer caso de responsabilidade tributária, os responsáveis, a posteriori, depois de terem sido exigidas as quantias de imposto, podem exercer o seu direito de regresso face ao devedor originário, por tudo quanto pagaram.

O Dr. Brás Teixeira considera o responsável tributário um verdadeiro fiador legal. O Dr.

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Soares Martinez não o considera como tal, mas não lhe atribui nome específico, diz-nos apenas que é uma figura característica do Direito Fiscal.

d) Particularidades da tributação de Entidades Públicas, de Sociedades e de outros Entes:

A atribuição de personalidade tributária passiva depende de vínculos de carácter político e económico. É o factor político que fixa os limites da tributação no espaço. A ordem jurídico-fiscal tributa situações económicas; mas apenas aquelas que se desenvolvem na esfera da respectiva soberania. Esta esfera é limitada por elementos políticos, tais como a cidadania, o domicílio, a residência, a passagem pelo território estadual, a situação de bens nesse mesmo território; a propositura de uma acção judicial perante os tribunais do Estado, etc..

Tais são alguns dos vínculos políticos de que pode depender, genericamente, a situação tributária. Estes vínculos políticos são normalmente completados, para efeitos de sujeição fiscal, por vínculos económicos, tais como o recebimento de um rendimento, a aceitação de uma herança, qualquer circunstância que determine, ou se presuma que determina, um benefício patrimonial. Assim, sujeito passivo de uma relação tributária predial, ou de contribuição autárquica, será quem se presume auferir um rendimento - elemento económico - proveniente de um prédio situado no território do Estado - elemento político: Será sujeito passivo de uma relação tributária de imposto de selo quem, tendo celebrado um contrato no estrangeiro, queira invocá-lo perante a ordem jurídica portuguesa. Ao contrato, do qual se presume um benefício patrimonial, corresponde um elemento económico; à necessidade de invocá-lo perante a ordem jurídica portuguesa, um elemento político.

Os exemplos de dependência da sujeição tributária de um vínculo político e de um vínculo económico poderiam, naturalmente, multiplicar-se. E desses exemplos importaria induzir que a atribuição de personalidade tributária passiva depende da individualidade económica da entidade personalizada; de um vínculo político estabelecido entre essa individualidade e uma ordem estadual; e, finalmente, de um vínculo económico que ligue essa mesma individualidade a um facto do qual se presume lhe advenha um benefício, uma utilidade.

Em resumo, coloca-se a questão de saber se se pode atribuir personalidade passiva a entidades não personalizadas, ao nível do Direito Fiscal. Brás Teixeira diz que não; Soares Martinez diz que sim, que o Direito Fiscal personaliza certos centros de interesse que outros ramos de Direito não personalizam (tal como já foi referido anteriormente).

O problema da personalidade jurídica tributária vai ter resolução no âmbito da Lei Geral Tributária (que vai surgir na sequência da nova reforma fiscal em curso). O prof. M. Vasconcelos concorda com esta posição do Dr. S. Martinez.

Temos que nos conformar com o princípio fiscalista de que a tributação tem em vista realidades económicas, quer estas satisfaçam ou não critérios de legalidade à face de outros ramos de Direito. O Direito Fiscal não se preocupa em saber se certa actividade é ilícita ou não, desde que, sendo o caso, pague os impostos devidos.

O Direito Fiscal actual tributa na base de uma actividade exercida e no benefício dela retirado, deixando de lado a legalidade e até a moralidade da actividade.

i) Personalidade tributária passiva das entidades publicas:

A personalidade tributária activa é normalmente reservada a entidades públicas. Importa agora saber se a essas entidades públicas é reconhecida personalidade tributária passiva.

O problema desdobra-se por duas questões. A de saber se uma entidade pública pode ser sujeito passivo de uma obrigação tributária, em geral; e a de apurar se uma mesma entidade pública poderá aparecer como sujeito activo e como sujeito passivo numa mesma relação jurídica de imposto.

Quanto à actividade específica do Estado, desenvolvida para realização dos seus fins próprios, não parece facilmente admissível a sua tributação. Mas quanto às actividades económico-privadas que eventualmente exerça, alguns argumentos poderão ser aduzidos pró e contra a sujeição tributária.

Tem-se dito que a tributação do Estado é uma ficção contabilística, não só inútil mas dispendiosa, porquanto exige a realização de tarefas das quais nenhuma vantagem se pode esperar. O Estado pagaria com uma mão a quantia que receberia com a outra. Contudo, tem-se defendido a tributação das actividades económico-privadas do Estado com o fundamento de que só por essa via é possível colocar tais actividades em posição de igualdade com as empresas particulares concorrentes e, assim, conhecer os custos reais e as vantagens das referidas actividades.

Não bastará a tributação das actividades económico-privadas do Estado para conseguir essa

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posição de igualdade; porquanto tais actividades beneficiam também muitas vezes de subsídios e privilégios vários que falseiam as condições de concorrência. Em qualquer caso, o problema é de política financeira. E, do ponto de vista jurídico, o argumento mais impressionante parece adverso à tributação das actividades económico-privadas do Estado nos casos em que o credor do imposto seja também o próprio Estado. Com efeito, em tais casos, poderá entender-se que o vínculo jurídico-tributário se extinguiria pela confusão do crédito e do débito respectivos.

No entanto, a circunstância de frequentemente as leis fiscais estabelecerem isenções em favor do Estado leva a concluir que o princípio geral é o da sujeição aos impostos, mesmo estaduais. Se as leis de impostos declaram o Estado isento; quando o não fizerem será admissível a tributação. A menos que se conclua no sentido de que a generalidade da concessão de isenções, estabelecidas para prevenir a hipótese de desnecessárias operações de lançamento, liquidação e cobrança, traduza um princípio geral de isenção, ou mesmo de não incidência tributária, quanto ao Estado e em relação aos seus próprios impostos.

Por vezes, porém, os termos em que são estabelecidas as isenções em favor do Estado não tornam possível este entendimento, pela especificação das circunstâncias que condicionam essas isenções, da qual se poderá concluir, “a contrario sensu”, que, não se verificando tais condições, o Estado não estará isento. É este um dos problemas que conviria solucionar definitivamente através dos preceitos de uma lei tributaria de caracter geral. É de notar que o Estado não se acha isento do imposto sobre o valor acrescentado, cujos diplomas disciplinadores apenas estabeleceram isenções de carácter objectivo.

Afigura-se perfeitamente admissível que o Estado seja contribuinte em relação a outras entidades públicas, autarquias territoriais ou institutos públicos. Essa é a solução generalizada na doutrina, não obstante a oposição de alguns autores.

Também as outras entidades públicas não deverão ficar sujeitas a impostos de que sejam elas próprias beneficiárias, nada obstando, no entanto, a que se lhes atribua personalidade tributária passiva em relação ao Estado ou a outras entidades públicas, quando se tratar de actividades de carácter económico-privado, semelhantes às das empresas privadas, em conformidade com o princípio da similitude.

O princípio geral de possibilidade de tributação das entidades públicas não oferecerá dúvidas. Mas as leis fiscais usam, geralmente, de cautelas no sentido de isentar o Estado, não apenas dos impostos estaduais mas também, com frequência, de outros. E também muitas vezes isentam entidades públicas menores. Assim, não apenas o Estado mas também as autarquias locais não se acham sujeitos à contribuição autárquica (C. da Contribuição Autárquica, art. 9º), à sisa e ao imposto sucessório (CSISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações, art. 13), etc.

Conclusão: como podem as entidades públicas intervir passivamente na relação jurídico-fiscal? Temos que autonomizar aqui duas situações.

Primeiro temos os casos em que em relação ao Estado ou autarquia territorial se verificam respectivamente os pressupostos da tributação estadual ou os pressupostos da tributação autárquica – exercício da soberania fiscal no 1º caso e lançamento de impostos adicionais ou outros no 2º caso. Nestes casos, o Estado ou a autarquia territorial não podem aparecer como sujeitos passivos da relação jurídico-tributária, pois coincidem com o sujeito activo da mesma relação e numa relação são precisos dois sujeitos: o sujeito activo e o sujeito passivo.

Num segundo caso, em relação ao Estado verificam-se os pressupostos da tributação autárquica (autarquia sujeito activo/ Estado sujeito passivo) e em relação à autarquia territorial os pressupostos da tributação estadual (Estado sujeito activo/ autarquia sujeito passivo). Aqui já não há coincidência entre sujeito activo e sujeito passivo, logo, tanto o Estado, como o Município (autarquia territorial) podem ser sujeitos passivos.

ii) Particularidades da tributação de sociedades

A natureza colectiva de uma pessoa não tem obstado a que seja tributada. E, assim, não oferece dúvidas que tanto as entidades públicas como as empresas públicas, sob forma pública ou sob forma privada, como as associações e fundações, como as sociedades comerciais, possam ser tributadas. Desde que se situem no respectivo plano de incidência. E dele não sejam removidas por qualquer isenção.

Mas põe-se o problema de saber se, nalguns casos, o fenómeno associativo determinará uma individualidade diversa da dos sócios. A questão é suscitada, especialmente, em relação às sociedades civis e às sociedades comerciais irregulares. A situação tributária destas últimas já foi aflorada como projecção de maior relevo das particularidades da atribuição de personalidade tributária passiva.

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O problema da individualidade das sociedades puramente civis não se circunscreve ao Direito Fiscal. Também face ao Código Civil vigente, como, aliás, face ao anterior, se tem discutido se essas sociedades civis gozam de personalidade. Mas a questão tem de ser agora apreciada no plano do Direito Fiscal.

Importa distinguir se as sociedades civis se acham ou não constituídas sob forma comercial. Na segunda hipótese, o CIRC exclui-as do plano de incidência respectivo, ao atribuir os rendimentos das sociedades civis não constituídas sob forma comercial aos sócios (art. 5º). E a mesma exclusão foi estabelecida relativamente às sociedades de profissionais (ex.: Advogados) e às de simples administração de bens.

Quanto às sociedades civis constituídas sob forma comercial, foi-lhes reconhecida “uma individualidade jurídica diferente da dos associados” (art. 108 do Código Comercial). E a essa individualidade corresponde a atribuição de personalidade tributário passiva (CIRC, arts. 2º/1, a), 5º e 12).

Quanto às sociedades irregulares, segundo o art. 107 do Código Comercial, “ter-se-ão por não existentes as sociedades com um fim comercial que não se constituíram nos termos e segundo os trâmites indicados neste Código, ficando todos quantos em nome delas contratarem obrigados pelos respectivos actos, pessoal, ilimitada e solidariamente”. E o Código das Sociedades Comerciais, de 1986, tendo reconhecido personalidade às sociedades apenas a partir do seu registo definitivo, afirmou a responsabilidade solidária e ilimitada pelas obrigações contraídas daqueles que tenham criado uma “falsa aparência” de contrato de sociedade (arts. 5º e 36). Em face de disposições semelhantes do Direito Privado, têm diversas leis tributárias afirmado que, não obstante tal inexistência, as sociedades irregulares, assim como outras unidades económicas, são susceptíveis de tributação.

E é também a orientação adoptada, no Direito Tributário português, através da alínea b) do nº 1 do art. 2º do CIRC. Aliás, já antes, no silêncio da lei sobre tal matéria, a doutrina e a jurisprudência se tinham geralmente pronunciado no sentido da sujeição tributária das sociedades irregulares.

Apenas parecerá objectável a forma usada, por via legislativa - tributação de “entidades desprovidas de personalidade jurídica”. A lógica da construção jurídica aconselhará uma rectificação formal. O legislador reconheceu personalidade jurídico-tributária a entidades que dela não gozam à face dos critérios adoptados por ramos de Direito alheios ao Fiscal. É, aliás, esse entendimento o que melhor se ajusta ao que se contém no art. 4º CPT, como ao que já se continha no art. 10 do Código de Processo das Contribuições e Impostos, de 1963.

De harmonia com tal orientação, os impostos originados em actividades praticadas em nome das sociedades irregulares são lançados e liquidados às próprias sociedades irregulares e não àqueles que realizaram os actos respectivos.

As sociedades irregulares gozam de autonomia patrimonial e de personalidade judiciária, nos termos do art. 8º do Código de Processo Civil, aplicável, subsidiariamente, ao processo tributário, não podendo opor, quando demandadas, a irregularidade da sua construção. E, mesmo sem querer saber se a personalidade judiciária tem eficácia substantiva, pela definição judicial de poderes e deveres substantivos, o reconhecimento daquela personalidade às sociedades irregulares, com todas as consequências que envolve, aliada ao movimento generalizado no sentido da sua personalização no plano fiscal, e à preocupação de defesa dos interesses do Fisco, quanto à sua participação na riqueza produzida, tornam difícil a defesa da tese avessa à tributação das sociedades irregulares.

Não são convincentes as razões já aduzidas no sentido de que, à face do art. 980 do Código Civil, as sociedades comercias irregulares teriam a natureza de sociedades civis, não sendo, consequentemente, tributadas. A questão reclamará, por certo, tratamento legislativo adequado numa lei geral de impostos. Mas não se descortina com facilidade uma solução legislativa Contrária à tributação das sociedades irregulares. Porquanto uma solução diversa do problema abriria vias a práticas orientadas no sentido de evitar a incidência, ou de protelar o pagamento de impostos, sobre actividades cuja tributação é amplamente justificada.

Os problemas da tributação em face do fenómeno associativo tornam-se mais complexos ainda pelas concentrações de empresas.

Frente a agrupamentos do tipo “Trust”, ou de sociedades “holding”, põe-se ao legislador fiscal a questão de saber onde se encontra a base económica que deverá suportar a tributação. Se no agrupamento, se nas entidades agrupadas. Também em tal matéria o critério da individualidade jurídica

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de Direito Privado se mostra geralmente menos adequado às exigências da tributação do que o critério da individualidade económica.

O Direito Fiscal português orientou-se por forma a tributar tanto os agrupamentos como as entidades agrupadas em contribuição industrial e em imposto de capitais, embora permitindo, como privilégio de caixa a dedução de alguns rendimentos, a fim de evitar, ou reduzir, duplas tributações.

O CIRC, na sequência do regime do DL 414/87, de 31 de Dezembro, continua a reflectir, quanto ao problema, a preocupação de fazer assentar a incidência em situações económicas reais. E, por isso, além da dedução de lucros distribuídos (art. 45), admitiu que os lucros tributáveis dos grupos de sociedades sejam calculados em conjunto, para todas as empresas agrupadas, mediante a consolidação de balanços. Mas fez depender essa tributação global de diversos requisitos, que serão apreciados pelo Ministro das Finanças, na base de solicitação da sociedade dominante (art. 59).

Semelhante solução oferece todos os inconvenientes do casuísmo, mas parece justificada pela diversidade de situações reais que se deparam e pela previsão razoável dos abusos aos quais se prestaria, em tal matéria, uma solução geral uniforme.

31. Capacidade Tributária Passiva de Exercício:

a) As pessoas físicas e a sua capacidade tributária passiva de exercício

O Direito Fiscal conforma-se, geralmente, com as normas de Direito Civil quanto à capacidade tributária passiva de exercício. Não cria incapacidades de exercício que valham só para as relações tributárias. Limita-se a verificar se as manifestações de vontade produzidas através do desenvolvimento de um vinculo jurídico de imposto dimanam de uma pessoa que não esteja ferida por qualquer das incapacidades do Direito Civil.

Assim, o art. 5º CPT comete aos representantes dos incapazes, designados de acordo com a lei civil, o cumprimento dos deveres fiscais dos representados e o exercício dos respectivos direitos. A essa representação correspondem, necessariamente, responsabilidades, nos termos gerais de Direito. E ainda as resultantes da eventual prática de infracções fiscais, sendo as multas e as coimas por elas aplicadas devidas pelo representante, e não pelo representado.

Era esta já há muito a doutrina defendida no plano jurisprudencial, que acabou por receber consagração legislativa no art. 5º CPT. Quanto à prestação tributária, só os bens do representado respondem pelo respectivo pagamento; mas quanto a multas, e outros encargos resultantes de faltas cometidas, que não podem ser imputáveis ao representado, em razão da sua incapacidade, é perfeitamente admissível a responsabilidade pessoal do representante (cfr. RJIFNA, aprovado pelo DL 20-A/90, de 15 de Janeiro, arts. 6º e 22).

b) As pessoas colectivas e a sua capacidade tributária passiva de exercício

São de natureza muito diversa as pessoas colectivas que podem estar sujeitas ao cumprimento de deveres tributários. A cada uma delas corresponderão, segundo essa natureza e a sua forma de constituição, um ou mais órgãos próprios. Também aqui o Direito Fiscal se conforma com as normas de Direito Civil, Direito Comercial e Direito Administrativo aplicáveis.

O órgão competente para manifestar a vontade de uma pessoa colectiva no desenvolvimento de outras relações de Direito será também aquele que a legislação tributária como tal reconhece no plano das relações jurídico-fiscais. Serão órgãos das entidades de Direito Público os que as leis administrativas assim admitirem; serão órgãos das pessoas colectivas privadas os seus gerentes, directores, administradores, gestores, consoante o que for determinado pelos respectivos pactos sociais ou outros instrumentos constitutivos.

Suscita naturais dúvidas a manifestação de vontade daquelas entidades cuja personalidade jurídica se acha limitada às relações tributárias. Não definindo o Direito Fiscal os órgãos das pessoas colectivas, e não tendo aquelas entidades existência para os outros ramos de Direito, torna-se difícil admitir que manifestem a sua vontade através de órgãos que, aliás, nem sequer podem estar legalmente constituídos. Mas, admitida a personalidade tributária de entidades que não oferecem condições de personalização para as outras disciplinas jurídicas, terá o Direito Fiscal de admitir também como válida a

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manifestação de vontade de órgãos, mesmo irregularmente constituídos, que desenvolvam uma actividade no sentido da defesa de interesses concentrados numa unidade económica que as leis tributárias tenham personalizado.

c) A representação voluntária em Direito Fiscal

Quem se achar na plenitude da sua capacidade jurídica pode realizar pessoalmente os actos que as leis admitem em relação aos sujeitos tributários passivos, desde que ocupe a respectiva posição. Designadamente, prestar declarações, impugnar, reclamar do lançamento de contribuições, apresentar requerimentos vários. Mas pode também o sujeito tributário passivo, na plenitude da sua capacidade de exercício, confiar a outrem a realização de tais actos, fazer-se representar. Não se trata agora de representação legal, mas de representação voluntária, através do mandato tributário, isto é, do mandato conferido para a prática de actos que se inserem no desenvolvimento de uma relação jurídico-tributária.

O CPT, através do seu art. 6º, seguindo o teor do anterior Código de Processo das Contribuições e Impostos (art. 9º), admite que os interessados, ou os seus representantes legais, confiram mandato, “sob a forma prevista na lei, para a prática de actos tributários que não sejam de natureza pessoal”. A “lei” que há-de prescrever a forma do mandato é a lei civil, devendo o referido mandato, para efeitos tributários, constar de procuração com poderes especiais para o efeito, nos termos do Código do Notariado.

Assim, podem os sujeitos tributários passivos, ou “terceiros”, desde que legitimamente interessados num processo tributário de qualquer natureza, fazer-se representar através de mandato, salvo para a prática de actos de natureza pessoal. É o caso dos “esclarecimentos” em processos tributários graciosos, também designados por processos administrativos tributários.

Pelo pagamento das prestações tributárias responde exclusivamente o património do representado, podendo este fazer-se indemnizar pelo representante, nos termos comuns, por danos emergentes de mora no pagamento, se esta for imputável ao mandatário. Mas pelas multas e pelas coimas aplicadas em razão de infracções fiscais é responsável o representante, sem prejuízo da responsabilidade solidária do representado (vd. RJIFNA, art. 6º).

32. Domicílio Fiscal e registo do contribuinte:

A noção de domicílio oferece algumas particularidades no campo tributário. Além de apresentar relevo especial tanto para fixação da competência dos agentes fiscais, no plano interno, como para terminar a sujeição a uma soberania tributaria, no plano internacional, porquanto essa sujeição relativamente a diversos impostos depende do domicílio.

Quanto às pessoas singulares, o critério com mais frequência seguido para definir o domicílio fiscal nas mais diversas legislações é o da residência habitual, adoptado também pelo Código Civil português de 1966 (arts. 82 ss). É esse igualmente o critério que foi seguido pelo DL nº 579/70, de 24 de Novembro, respeitante aos diversos ordenamentos fiscais por que se repartia a soberania tributária do Estado português. Do mesmo modo, o critério da residência habitual tem sido adoptado pelas convenções internacionais sobre dupla tributação celebradas por Portugal.

Este critério, julgado preferível, não obsta, no entanto, a frequentes conflitos no plano internacional quanto a contribuintes que têm residências em mais de um pais, tornando-se difícil, muitas vezes, determinar qual seja a residência habitual. O CIRS considerou residentes as pessoas que, no ano ao qual respeitem os rendimentos, tenham permanecido em território português mais de 183 dias, ou disponham aí de habitação em condições que permitam presumir uma residência habitual (art. 16).

O domicílio fiscal das pessoas colectivas é normalmente a sua sede, estabelecida pelo respectivo pacto social ou outro instrumento constitutivo. Mas, a fim de evitar a adopção de sedes fictícias, muitas vezes adoptadas apenas para atingir certos fins tributários, como acontece frequentemente com os chamados "domicílios postais" e as denominadas "sociedades de domicílio", numerosas em países considerados "paraísos fiscais", o preceito do art. 162. do Código da Contribuição Industrial, de 1963, substituiu a sede pelo local de "direcção efectiva". O mesmo critério da "direcção efectiva" foi fundamentalmente seguido também pelo citado DL nº 579/70, através do seu art. 6º. Também a ideia de "direcção efectiva", em alternativa à sede, foi recebida pelo CIRC (arts. 2º, 4º e 95).

Com bastante frequência a sujeição a uma ordem tributária não depende do domicílio, mas sim da situação num espaço fiscal de um estabelecimento permanente, ou de um estabelecimento estável.

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Este conceito tem sido usado pelas convenções internacionais sobre dupla tributação. E também o é pelo CIRC (arts. 4º, 49, 50 e 95), para o qual estabelecimento estável se considera qualquer instalação fixa, ou representação permanente, através das quais se exerça uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola (art. 4º, nº 5).

Ainda que o contribuinte possa estar ligado, pela multiplicidade dos seus interesses, a mais de uma circunscrição fiscal, as legislações tributárias modernas tendem a fixá-lo a um único centro, que é o do seu domicílio fiscal; e, por vezes, a um registo central, a que poderá corresponder um número de contribuinte, que acompanha este em todas as suas relações fiscais e deverá ser invocado em diversíssimas situações, para efeitos de fiscalização tributária de actividades desenvolvidas. Assim aconteceu em Portugal, onde o DL nº 463/79, de 30 de Novembro, estabeleceu um registo central e um numero para cada contribuinte.

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Capítulo III – O objecto:

33. Objecto do imposto

Pressupostos objectivos da tributação:

a) Os pressupostos objectivos e o objecto da relação jurídica de imposto:

Os pressupostos tributários são uns subjectivos e outros objectivos. Ou, se se considerar um único pressuposto tributário (Hensel), no sentido de facto constitutivo, facto gerador, haverá sempre nele uma zona subjectiva, correspondendo a aspectos pessoais, e uma zona objectiva, correspondendo a aspectos reais do plano de incidência fiscal.

Pressuposto objectivo genérico, sem a verificação do qual nenhum vínculo jurídico-tributário se constitui, é a matéria colectável. Não havendo riqueza, bens materiais, bens económicos, assim como uma entidade à qual se atribua a usufruição dessa riqueza, não há também imposto. No entanto, é de notar que essa riqueza pode ser presumida pelas leis fiscais, o que acontece frequentemente.

A constituição do vínculo tributário nem sempre depende de uma produção, ou de uma circulação real de riqueza; pode depender de factos que a lei tenha definido como índices de tal produção ou dessa circulação, as quais se presumem. E embora as últimas normas tributárias portuguesas tenham afirmado o principio da tributação dos rendimentos reais, principio recebido a nível constitucional quanto à tributação das empresas (CRP, art. 107, nº 2), os impostos continuam a incidir, em larga medida, sobre presunções, o que, por vezes, determina injustiças menores do que tributar, como se fossem reais, rendimentos cuja realidade não pode ser apreendida, por deficiências de contabilização e outras razões ainda. Mas este é problema de suma importância no plano da política financeira, que aqui não encontra o assento mais adequado.

Presumida ou real, constitui a matéria colectável, ou tributável, pressuposto necessário de qualquer imposto. Por isso é qualificado como genérico.

A matéria colectável, para além da característica essencial de ter natureza económica, oferece aspectos muito diversos, de imposto para imposto. Assim, na contribuição autárquica, é constituída pelo valor dos prédios, estabelecido na base de avaliações matriciais. No IRS, a matéria colectável é constituída por rendimentos globais do trabalho, do comércio, da indústria, da agricultura, de capitais, de prédios, de pensões, do jogo, e ainda por mais-valias, as quais, em plano diverso do fiscal, dificilmente serão qualificáveis como rendimentos. Na SISA, à matéria colectável correspondem bens imóveis transmitidos a título oneroso; no imposto sucessório, bens transmitidos a título gratuito; no imposto do selo, variadíssimos actos quanto aos quais se presume a produção de um beneficio económico; nos impostos aduaneiros, a posse de mercadorias que transpuseram, ou se pretende transponham, uma fronteira, com as consequentes vantagens económicas também presumidas; no IVA, as valorizações económicas sucessivas dos bens, através dos respectivos processos de produção e de aperfeiçoamento.

Esta variedade que a matéria colectável oferece dá lugar também a novos pressupostos tributários objectivos, mas estes específicos, característicos de cada imposto.

A matéria colectável, através das suas várias formas, é muitas vezes designada por objecto do imposto. E esta designação, já adoptada por Myrbach-Rheinfeld, parece correcta. Trata-se das coisas sobre as quais o imposto incide. Mas não deve confundir-se este objecto do imposto com o objecto da relação jurídica de imposto. Aquele é logicamente anterior à constituição do vínculo tributário. E mesmo que em relação a um certo imposto não se constituísse qualquer vínculo jurídico-tributário, por não se terem verificado os respectivos pressupostos, o objecto do imposto manter-se-ia no plano da previsão e da estatuição legais. Não assim com o objecto da relação jurídica de imposto que, nela integrado como seu elemento, com ela nasce e com ela se extingue.

b) As isenções objectivas:

A propósito do pressuposto tributário subjectivo e genérico - a personalidade - foram referidas as isenções subjectivas, como pressuposto negativo da tributação. Tendo presente quanto sobre as

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isenções subjectivas foi referido, cabe agora considerar as isenções objectivas, concedidas em atenção à matéria colectável e não em atenção às pessoas.

Para além dos fins de protecção de actividades, de cumprimento de regras internacionais, de protecção de grupos sociais, fins que umas vezes são visados através de isenções subjectivas e outras através de isenções objectivas, o Estado soberano muitas vezes concede estas por reconhecer a inexistência de matéria colectável, como no caso dos terrenos estéreis, ou a sua exiguidade. Outras vezes, concede-as para incentivar actividades. É o caso das isenções de prédios destinados a habitação, das mais-valias de acções, dos juros de depósitos a prazo em moeda estrangeira, etc. (vd. Estatuto dos Benefícios Fiscais, aprovado pelo DL nº 215/89, de 1 de Julho, arts. 34, 40-A, 52).

Acontece, por vezes, tornar-se difícil qualificar uma isenção como subjectiva ou objectiva, quando ela é concedida a determinadas pessoas que exploram certas actividades. O critério de destrinça deverá assentar nas razões pelas quais a isenção foi estabelecida.

Também as isenções objectivas podem ser temporárias ou absolutas, automáticas ou não automáticas. Será mais difícil deparar com isenções objectivas de carácter individual; mas é possível admitir que o legislador fiscal estabeleça isenções em relação a uma coisa certa e determinada, como, p.ex., um imóvel de interesse artístico, ou histórico, uma actividade produtiva, com independência de qual seja a pessoa que o possuir, ou que a explore.

É de notar que muitas das considerações expostas quanto às isenções, quer subjectivas quer objectivas, são aplicáveis aos chamados benefícios fiscais que não consistam em isenções, como acontece com as reduções de taxas de imposto e de matéria colectável. Nos outros casos, os benefícios fiscais têm a natureza de isenções, embora parciais ou temporárias.

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34. Objecto imediato e mediato da relação jurídica de imposto:

Tal como na teoria geral da relação jurídica, também aqui cumprira distinguir o objecto imediato da relação de imposto do seu objecto mediato. Aquele constituído pelo próprio conteúdo do vínculo, pelos direitos e deveres que nele se integram; este correspondendo à prestação.

O objecto imediato da relação de imposto, também designado por conteúdo, é, pois, constituído pelos direitos e deveres nessa relação incluídos. E como cada direito de um dos sujeitos encontra contrapartida num dever do outro, bastara indicar os direitos e os deveres correspondentes ao sujeito activo, ou ao sujeito passivo, para se fixar o conteúdo da relação de imposto. Indicar-se-ão, assim, os deveres e os direitos do sujeito passivo, do contribuinte.

O dever fundamental do sujeito tributário passivo é o de realizar a prestação de imposto, que corresponde ao objecto mediato da relação. Mas, além deste, deparamos com deveres acessórios que, quando impendem sobre a pessoa à qual é também exigível a prestação de imposto, parece preferível incluir na relação jurídico-tributária, à semelhança com o que acontece quanto a outros deveres acessórios incluídos em obrigações diversas das tributarias. Alguns desses deveres acessórios são estabelecidos a fim de permitir ou facilitar o lançamento e a liquidação dos impostos (ex.: o dever de prestar declarações); outros têm em vista prevenir e reprimir fraudes fiscais (ex. o dever de suportar exames à escrita comercial e outras fiscalizações).

Quanto aos direitos do contribuinte, afirmando-se correntemente que a relação jurídica de imposto é unilateral, respeitando essa unilateralidade para uns autores apenas à origem mas para outros também ao conteúdo, poderá parecer duvidoso que naquela relação se incluam direitos do sujeito passivo. Como exemplos desses direitos refere Tesoro a restituição de tributos indevidos. o direito às isenções e o direito de recurso. A qualificação poderá suscitar objecções. Se determinada pessoa tem direito a uma restituição de um tributo indevido será porque, afinal, não era sujeito passivo da relação de imposto em causa. Se beneficia de uma isenção é porque também não é contribuinte.

Se recorre de qualquer acto da Administração fiscal, o direito respectivo é de carácter geral, decorrendo do princípio comum de petição e recurso (arts. 52 e 268 CRP). No entanto, se se tratar não da restituição de um tributo indevido, mas sim da restituição de uma colecta mal lançada, ou mal liquidada, já poderá admitir-se que seja o contribuinte, o sujeito passivo, como tal, que tem direito a essa restituição. Também poderá entender-se que a isenção, ao menos quando parcial, não exclui a qualidade de contribuinte de quem dela beneficia. Aliás, aos direitos do sujeito passivo indicados por Tesoro poderá acrescentar-se o de ser informado pela Administração fiscal sobre a sua própria situação tributária.

Se a todo o cidadão cabe o direito de ser esclarecido pelo governo e outras autoridades acerca da gestão dos assuntos públicos (art. 48, nº 2 CRP) e o de tomar conhecimento e exigir a rectificação e a actualização dos dados que a seu respeito constarem de registos informáticos (art. 35, nº 1), por maioria de razão tem de reconhecer-se ao contribuinte o direito de ser informado sobre elementos de que depende a defesa do seu património, nos termos do art. 268, nº 1 CRP. Aliás, tal direito achava-se expressamente reconhecido, desde 1963, pelos preceitos do art. 14 do Código de Processo das Contribuições e Impostos. E o actual CPT enumera, como direitos dos contribuintes, os direitos à informação, à fundamentação dos actos tributários, à notificação dos mesmos actos, os direitos de reclamar, de impugnar, de opor, de ser ouvido, de haver juros indemnizatórios e de lhes serem reduzidas as coimas, em certas circunstâncias (arts. 19 ss). O Estatuto dos Benefícios Fiscais refere-se ao direito a esses benefícios (art. 11). O DL nº 492/88, de 30 de Dezembro, consigna um direito ao reembolso (art. 19). Mas, sem que ofereça dúvidas o interesse pragmático de tais declarações de direitos dos contribuintes, sobretudo nos quadros de ordenamentos jurídicos que pretendem assentar a realização da justiça no respeito de direitos subjectivos, e com as reservas suscitadas por todas as declarações de direitos, pôr-se-á em dúvida - isso sim - que os referidos direitos, ou todos, ou a maioria deles, caibam na esfera do objecto da relação de imposto.

O objecto mediato da relação de. imposto é uma conduta, uma prestação, positiva, .de dare, "de facere", ou negativa, "de non: facere"..

Entende a generalidade da doutrina que a prestação tributaria principal é sempre "de dare", só se apresentando como "de facere" ou "de 'non facere" as prestações acessórias.

Poderia pôr-se o problema de saber se não haverá prestações tributárias principais "de facere", dando-se como exemplo a prestação de imposto do selo, quando consiste na inutilização de uma estampilha fiscal.

Poderá assentar-se em que as prestações tributárias principais são "de dare".Mas, em relação às prestações acessórias, já se admitirá, sem reservas, que possam ser "de

facere" as prestações de declarações, de apresentação de documentos, de estabelecimento de vedações

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em torno de estabelecimentos fabris, de produção de sinais, por motivo da aproximação de navios de instalações aduaneiras, etc. São "de non facere" as prestações correspondentes aos deveres tributários que impõem a sujeição a exames, avaliações e fiscalizações. Nestes casos, o obrigado cumpre abstendo-se de tentar impedir ou dificultar as respectivas operações realizadas pelo sujeito activo através dos seus agentes.

35. A prestação – suas espécies:

A prestação tributária pode ser divisível ou não divisível, consoante o legislador permite ou não que ela se pague por fracções, também designadas por prestações.

Algumas vezes a prestação tributária é fixa; e, por isso, conhecida antecipadamente, com anterioridade a qualquer operação de lançamento.

Os impostos portugueses, na generalidade, porém, são de prestação variável, dependente do montante da matéria colectável e da taxa tributária que lhes seja aplicável.

As prestações tributárias acessórias, quer "de facere" quer "de non facere", geralmente não são fungíveis, pois pressupõem uma conduta pessoal do contribuinte. Põe-se o problema de saber, porém, se as prestações tributarias "de dare" serão necessariamente fungíveis. Num plano prático poderá entender-se que sim. Mesmo que se discuta se as prestações tributárias principais são ou não necessariamente pecuniárias, em cujo caso a fungibilidade será indiscutível, é difícil de admitir o pagamento de impostos em bens não fungíveis, até na hipótese de esse pagamento se fazer em géneros. Ainda quando se admite a dação em cumprimento de bens em si mesmos não fungíveis (obras de arte, títulos de crédito), esses bens são recebidos pelo Fisco em razão do valor de troca que lhes é atribuído. No plano teórico, no entanto, é admissível considerar o pagamento de impostos através da prestação de serviços, não fungíveis; embora essa admissibilidade possa suscitar dificuldades de ordem vária.

Distinguem-se, frequentemente, a prestação tributária principal, resultante da aplicação da taxa básica do imposto, os adicionais e os adicionamentos. Mas importará observar que a prestação global, resultante da aplicação da taxa básica, dos adicionais e dos adicionamentos, é, em regra, incindível.

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Capítulo IV – Formas de Extinção da

Relação Jurídica de Imposto:

36. Cumprimento:

a) lugar do pagamento (cumprimento):

Em regra, qualquer imposto é pago junto da Tesouraria da fazenda Pública correspondente à Repartição de Finanças que lançou e liquidou o imposto. Pode-se ainda pagar o imposto junto das alfândegas, ou ainda junto dos serviços do IVA.

Há ainda outros casos em que o lugar do pagamento do imposto é indiferenciado, como no caso do imposto de selo, que pode ser adquirido num quiosque que venda valores selados.

Actualmente, o pagamento de alguns impostos também pode ser efectuado junto dos serviços dos Correios.

b) prazo do pagamento:

No caso dos impostos directos, a modalidade normal designa-se “cobrança à boca do cofre” (designação histórica). Nesta fase, o pagamento é efectuado dentro do prazo normal (do cumprimento voluntário), sem que lhe sejam acrescidos juros de mora ou compensatórios.

Não sendo pago dentro desse prazo normal, de cumprimento voluntário, surge a fase da cobrança voluntária (na expressão do Dr. Soares Martinez), ou com juros de mora. Ou seja, o pagamento já é efectuado com juros de mora.

Por fim, vem a fase da cobrança coerciva, que é feita depois de se ter iniciado a execução fiscal, tendo já sido extraída a certidão de dívida de imposto (ou relaxe).

Podemos apontar duas situações especiais: 1º, temos o imposto municipal de SISA, que é pago antes da compra de um imóvel (o contribuinte dirige-se à Repartição de Finanças e afirma que vai adquirir um imóvel); depois, temos o imposto sobre sucessões e doações, cujo pagamento se realiza num momento posterior ao facto originário da tributação.

Quanto aos impostos indirectos, p.ex. o IVA, são pagos no momento da compra do bem.

37. Dação em cumprimento:

A dação em cumprimento, dação em pagamento, ou "datio in solutum", que, tal como o próprio cumprimento extingue imediatamente a obrigação, distinguindo-se, assim, da "datio pro solvendo", ou "dação em função de pagamento", é admitida, por vezes, no Direito Fiscal português.

Um dos casos acha-se contemplado no art. 129-A do CSISA e do Imposto sobre as Sucessões e Doações. Nos termos desse artigo, pode o Ministro das Finanças autorizar a entrega ao Estado de bens de uma herança, pelos valores que serviram de base à liquidação do imposto sucessório, em substituição do cumprimento da respectiva dívida.

A partir de 1984, foi permitida, no Direito português, a extinção de qualquer obrigação tributária por dação em cumprimento, a qual será oferecida, e requerida, ao Ministro das Finanças, na fase de cobrança coerciva, de execução fiscal (DL nº 52/84, de 15 de Fevereiro; CPT de 1991, arts. 273 e 284).

Não deverão ser entendidas como casos de dação em cumprimento as formas de pagamento por cheque, por vale de correio, ou por transferência de conta. Pela liquidez imediata que aquelas formas envolvem, elas não correspondem à figura da dação em cumprimento, a qual, para mais, implica a prestação ao credor de uma coisa diversa da inicialmente prevista e estipulada. Ora, tratando-se de cumprimento por cheque, por vale de correio, ou por transferência de conta, não há substituição de uma

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prestação prevista, e estipulada, por outra, que o não estava quando a obrigação se constituiu. Desde que a lei admitiu o cumprimento de obrigações fiscais por cheque, por vale de correio e por transferência de conta que tais formas de cumprimento se acham previstas e estipuladas.

Acresce que a dação em cumprimento só é admissível na base do assentimento do credor (art. 837 CC); e o Estado-credor do imposto não tem que assentir no pagamento deste por cheque, por vale de correio ou por transferência de conta.

38. Prescrição:

Como qualquer outra obrigação também a relação jurídica de imposto se extingue quando o cumprimento respectivo não é realizado num certo período de tempo. Importa determinar qual seja o momento em que esse período se inicia e qual a sua duração.

No Direito Privado tem-se entendido que o instituto da prescrição extintiva encontraria o seu fundamento na negligência, no desinteresse, do credor, que seriam interpretados como renúncia tácita ao seu direito. E como geralmente se afirma que os créditos tributários são irrenunciáveis, poderia também julgar-se que as obrigações tributárias não fossem prescritíveis. Mas o instituto da prescrição encontra também fundamento na certeza e na estabilidade das relações sociais, que não se compadecem com a cobrança de impostos cujos pressupostos, ou cujo vencimento, se situem em épocas muito remotas. Assim, sempre se tem admitido a prescrição em Direito Fiscal.

No regime do Código das Execuções Fiscais de 1913 o período de prescrição começava a contar-se da autuação do processo executivo.

Preferível parece ter sido a solução do Código de Processo das Contribuições e Impostos, de 1963, para o qual aquele período se conta "do inicio do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário" (art. 27). E tal critério foi mantido pelo CPT de 1991 (art. 34, nº 2).

Mas alguns casos especiais quanto ao inicio da prescrição fiscal se nos deparam.Nos termos do citado art. 27 do Código de Processo das Contribuições e Impostos, o prazo

normal da prescrição tributária era de vinte anos, tendo sido reduzido para dez anos, pelo CPT (art. 34, nº 1). Mesmo assim reduzido, este período parece ser ainda demasiado longo, quanto aos impostos directos periódicos, que recaem sobre rendimentos, cujo prazo de prescrição comum é de cinco anos (art. 310 CC).

A prescrição tributária interrompe-se em virtude de reclamação, impugnação judicial, recurso ou execução fiscal. Mas a interrupção cessa "se o processo estiver parado por facto não imputável ao contribuinte, durante mais de um ano, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após este período com o que tiver decorrido até à data da autuação". Assim, em tal hipótese, os factos que normalmente interrompem a prescrição limitar-se-ão a suspende-la (Código de Processo das contribuições e Impostos, art. 27, § 1º; CPT, art. 34, nº 3).

Nos termos do art. 259 do CPT, "a prescrição será conhecida oficiosamente pelo juiz se o chefe da repartição de finanças não o tiver feito". Quer dizer, a Administração fiscal deve conhecer, oficiosamente, da prescrição, sem dependência de ela ser invocada pelo contribuinte, antes de instaurar o procedimento executivo respectivo. E, não o tendo feito, dela deverá conhecer o juiz, também "ex officio". A actual solução legal é preferível à do Código de Processo das contribuições e Impostos, que fazia depender o conhecimento oficioso, da parte do juiz, das circunstâncias de o executado não ter sido citado pessoalmente e não intervir no processo (art. 27, §§ 2º e 3º).

Com a prescrição das obrigações de imposto não deverá confundir-se a preclusão, ou caducidade, do poder de liquidar os impostos (CPT, art. 33). Dessa preclusão, ou caducidade, se tratará adiante, a propósito do acto tributário de liquidação.

39. Compensação:

As obrigações fiscais seguem também a forma de extinção das obrigações civis, nos termos do art. 847 CC.

No Direito Fiscal, autores como Cardoso da Costa, Brás Teixeira e Sousa Franco defendem que há compensação e extinção da dívida fiscal quando o sujeito passivo possui contra o Estado determinado crédito derivada de outra dívida de imposto e com a qual pode solver total ou parcialmente a sua dívida, p.ex., de IRS.

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Estamos perante uma situação de compensação quando há anulação total ou parcial da dívida fiscal, realizada oficiosa ou judicialmente, e quando ao sujeito passivo é passado um título de anulação do seu crédito face ao Estado, com o qual pode extinguir as suas dívidas face ao Estado.

Diferentemente, o Dr. Soares Martinez entende que extinguindo-se a dívida ao Estado com a entrega do título de anulação, não pode falar-se em compensação.

Posteriormente a esta posição do Dr. Soares Martinez foi publicado o DL nº 20/97, de 21/1. Este DL veio aditar ao CPT os arts. 110-A e 110-B, artigos em que o próprio legislador vem admitir a compensação de dívidas de imposto, quer por iniciativa do particular, quer por iniciativa da Administração Fiscal.

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40. Confusão:

Cardoso da Costa, Brás Teixeira e Sousa Franco defendem esta forma de extinção da obrigação fiscal. O Dr. Soares Martinez não admite esta possibilidade.

O caso mais comum de confusão poderá ser o da situação da ordem de sucessão legítima (arts. 2132 e ss CC). O Estado também pode ser herdeiro. Assim, a situação de confusão surge quando o Estado, tendo uma dívida contra o contribuinte, se torna único herdeiro do contribuinte, quando este falece. A dívida extingue-se, porque, no momento em que existe a obrigação fiscal, coincide na mesma pessoa a personalidade activa e a personalidade passiva.

41. Outras formas de extinção – sua admissibilidade:

A generalidade dos autores não admite no Direito Fiscal três formas de extinção de obrigações admitidas no Direito Civil:

§ Insolvência;§ Extinção;§ Consignação em depósito.

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Capítulo V:

42. Garantia Geral:

O cumprimento de qualquer obrigação acha-se assegurado pela faculdade conferida ao credor de obter coercivamente do devedor a respectiva prestação. A acção creditória sobre o património do devedor constitui, como se sabe, a garantia comum das obrigações (arts. 601 e 817 CC). Também o património do sujeito tributário passivo constitui a garantia geral das obrigações fiscais. Mas estas beneficiam de um regime particularmente favorável quanto à acção creditória sobre o património do devedor, que corresponde a execução fiscal.

Em regra, a realização coerciva do interesse do credor é precedida de uma acção declarativa, na qual se reconheça o crédito, embora esse reconhecimento prévio não seja, muitas vezes, necessário, como no caso da acção de letra, ao mesmo tempo declarativa e executiva. Mas o Estado, como, aliás, outras entidades, beneficia de um processo executivo próprio para a realização dos seus interesses de credor, quer se trate de créditos tributários, quer de outra qualquer natureza (art. 233 CPT), pelo que deste processo das execuções fiscais se não podem extrair conclusões quanto à natureza da obrigação tributária e até quanto à natureza do Direito Fiscal. Precisamente por se tratar de um processo comum a créditos de natureza muito diversa.

No processo das execuções fiscais, estruturado para tornar mais rápida e segura a cobrança coerciva dos créditos do Estado, insere-se uma acção declarativa, posto que nele se pode ter de apreciar a existência da dívida, através da oposição ou dos embargos (arts. 286 e 319 CPT). Mas a execução fiscal pressupõe que, normalmente, aquela existência já foi apurada através de um processo conducente ao acto tributário (arts. 249 e 250 CPT). E, por isso, o processo das execuções fiscais mostra-se adequado à cobrança coerciva das dívidas de imposto quanto às quais tal apuramento tem geralmente lugar. E não à cobrança coerciva de outras dividas do Estado, cujo reconhecimento a nível minimamente responsável pode não se ter verificado.

43. Garantias Pessoais:

Além da garantia geral temos também garantias especiais, que se destinam a reforçar a 1ª. As garantias especiais podem ser de duas espécies: pessoais ou reais. Se estamos perante a afectação de mais de um património à dívida fiscal estamos perante garantias pessoais. Se temos a afectação de apenas um ou determinados patrimónios estamos perante garantias reais.

Quanto às garantias pessoais temos duas: a fiança legal (ou responsabilidade) e a fiança voluntária (ex.: art. 136 CSISA).

A fiança legal ou responsabilidade verifica-se sempre que as normas fiscais determinam que certas pessoas, alheias à constituição do vínculo jurídico, mas com especial conexão ao mesmo, podem ser chamadas à execução fiscal (ex.: gerentes ou administradores).

Tal como no regime da solidariedade, temos que mais do que um património vai responder pelo integral cumprimento da obrigação tributária, mas enquanto o devedor solidário responde pela totalidade da prestação, já o responsável só é chamado à execução depois de excutido o património do devedor originário. Quando o responsável é chamado à execução, tem, depois, direito de regresso contra o devedor originário.

A natureza jurídica desta responsabilidade, segundo Brás Teixeira, é a de fiança legal e é a situação em que alguém, por força de lei, vai garantir o cumprimento de dívida alheia, ficando obrigado perante o credor (art. 627/1 CC).

Como exemplo típico de fiança voluntária temos o art. 136 CSISA e sobre sucessões e doações.

44. Garantias Reais:

1. A nossa lei fiscal admite três espécies de garantias reais: privilégios creditórios (art. 733 CC), hipoteca (art. 705, al. a)) e prestação de caução (arts. 255, 282 e 294 CPT). Além destes, temos também

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que apontar como garantias reais os juros de mora e compensatórios.

a) privilégios creditórios:

O privilégio creditório é a faculdade que a lei concede a certos devedores de serem pagos preferentemente a outros, independentemente do registo dos seus créditos (art. 733 CC).

Os privilégios creditórios podem ser mobiliários ou imobiliários, consoante recaiam sobre bens móveis ou imóveis.

Os privilégios creditórios mobiliários podem ser gerais (se abrangem todos os bens móveis do património do devedor) ou especiais (se recaem apenas sobre certos móveis).

Os privilégios creditórios imobiliários são sempre especiais, pelo que incidem sempre sobre determinado imóvel.

O regime dos privilégios foi bastante alterado pelo CC de 1966. O actual CC seguiu de perto o Código Civil italiano de 1942 e veio simplificar o regime jurídico dos privilégios creditórios, mas fê-lo de tal forma que estabeleceu um regime que suscita dúvidas e dificuldades de interpretação.

A lei actual (CC) admite os seguintes privilégios creditórios:• Privilégio mobiliário geral a favor do Estado e autarquias locais para garantia dos créditos

decorrentes de impostos indirectos e de impostos directos, estes desde que inscritos para cobrança no ano corrente, na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores. Este privilégio não compreende o imposto municipal de SISA, o imposto sobre sucessões e doações e os impostos que gozem de privilégios creditórios especiais (art. 736 CC).

• Privilégio especial, que pode ser mobiliário ou imobiliário, consoante a natureza dos bens transmitidos para garantia dos créditos resultantes do imposto sobre sucessões e doações (arts. 738/2 e 744/2 CC).

• Privilégio imobiliário sobre bens transmitidos para garantia de créditos resultantes do imposto municipal de SISA, ou de bens sujeitos a contribuição autárquica, nestes últimos só os referentes aos créditos inscritos para cobrança no ano corrente, na data da penhora, ou acto equivalente, e nos 2 anos anteriores (art. 744/1 e 2 CC).

O Código Civil de 1966 extinguiu todos os privilégios e hipotecas legais destinados à garantia de débitos tributários conferidos por legislação especial, ou seja, todos os privilégios creditórios e hipotecas que não sejam concedidos pelo actual CC foram abolidos, pelo que actualmente as garantias reais reconhecidas pela lei fiscal se limitam às acabadas de enunciar.

b) hipoteca:

O CC mantém a hipoteca legal (como garantia real), relativamente aos créditos de contribuição autárquica (art. 705, al. a) CC).

c) Prestação de caução:

A lei fiscal admite a possibilidade do cumprimento de um imposto ser assegurado através da prestação de caução, ou seja, por uma garantia real de natureza voluntária.

Esta caução surge em determinadas situações. Quando o contribuinte pretende exercer determinados direitos sem proceder ao pagamento prévio do imposto que em princípio seria exigível (ex.: quando o contribuinte apresenta uma petição ou um recurso contencioso).

A prestação de caução decorre da iniciativa do contribuinte e é um meio de garantir eficácia suspensiva ao pagamento do imposto (arts. 255, 282 e 294 CPT).

d) Juros de mora e compensatórios como garantias tributárias:

Poderá discutir-se se o vencimento de juros de mora não constituirá uma forma de garantia

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tributária. Tanto pelo efeito disuasor sobre o contribuinte remisso (= pouco diligente) para que pague a prestação tributária ainda na fase de cobrança voluntária, ou já na fase de cobrança coerciva, como, sobretudo, pelo efeito que os juros de mora possam ter no espírito de outros contribuintes, os quais, por receio de ficarem sujeitos ao pagamento daqueles juros, cuidarão de cumprir pontualmente as suas obrigações tributárias. Tudo dependerá da natureza atribuída a esses juros de mora, que já foi considerada como a de uma "taxa compulsiva", destinada precisamente a impelir o contribuinte ao cumprimento das suas dívidas fiscais.

É de notar, com efeito, que, quando o nível das suas taxas é muito elevado, os juros de mora não parece terem a função compensatória dos juros no Direito Privado, mas sim uma função compulsória, por excederem largamente os rendimentos normais das importâncias em dívida.

Se o imposto não for pago dentro do prazo legalmente estabelecido, começam a vencer-se juros de mora, a uma taxa mensal de 2% (decretos-lei nº 49 168, de 5 de Agosto de 1969, e 318/80, de 20 de Agosto; Código de Processo Tributário, de 1991, arts. 109, nº 1, e 341, nº 7).

Os juros de mora só serão devidos quando o cumprimento não tenha sido pontual. Mas poderá não haver mora do contribuinte e, no entanto, o pagamento ser retardado por se ter procedido tardiamente às operações de lançamento e liquidação. Se esse atraso não for imputável ao contribuinte, este só terá que realizar a prestação tributária, não acrescida de quaisquer juros. Mas se tal atraso lhe for atribuível, à prestação acrescerão juros compensatórios, sem prejuízo das multas e outras penas porventura aplicáveis (art. 83 CIRS; CPT, art. 83).

Também as multas fiscais e outros meios compulsórios poderão, em termos paralelos, constituir garantias de cumprimento da obrigação tributária.

2. O Dr. Brás Teixeira apresenta uma crítica ao regime actual (acabado de analisar):Da análise dos privilégios creditórios resulta que o nosso legislador adoptou uma dualidade de

regimes. Enquanto que os privilégios creditórios de que gozam os impostos indirectos (SISA e imposto sobre sucessões e doações) não têm qualquer limitação temporal. Diferentemente, os respeitantes aos créditos por contribuição autárquica e restantes impostos directos apenas aproveitam aos impostos inscritos para cobrança no ano da penhora ou acto equivalente, ou nos dois anos anteriores.

O critério distintivo entre impostos directos e impostos indirectos utilizado pelo CC não coincide com o critério vigente na lei actual, parecendo no fundo que o CC faz corresponder essa distinção àquela que separa impostos periódicos e impostos de obrigação única, considerando elemento essencial dos primeiros aquilo que se chama inscrição para cobrança.

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Parte III – As relações tributárias formais:

Capítulo I – O acto tributário – sua formação:

45. O acto tributário – conceito, natureza e efeitos:

A relação jurídica de imposto a que a verificação da previsão legal dá origem é uma relação de sujeito indeterminado e ilíquida, pelo que se impõe uma actividade destinada a determinar em concreto quem é o sujeito passivo, qual o valor dos bens sobre que incide o imposto, qual o montante da prestação e qual o débito tributário.

Esta actividade de concretização dos pressupostos do pagamento do imposto, que normalmente é desenvolvida pela AP fiscal, por uma sequência de formalidades, visa a aplicação a um caso concreto de uma norma tributária e vai culminar na prática de um a.a. final, o acto tributário.

A Doutrina distingue nesta actividade processual duas operações :a de lançamento e a de liquidação. A 1ª corresponde à determinação em concreto do sujeito passivo da obrigação fiscal e da matéria colectável. A 2ª consiste na aplicação à matéria colectável, apurada no lançamento, da taxa do imposto em causa, com vista ao apuramento final da colecta.

Estas duas operações constituem o processo tributário gracioso de formação do acto tributário (a.a. final que fixa o débito tributário que o contribuinte terá que pagar como resultado da aplicação da lei fiscal).

O estudo do processo tributário gracioso corresponde à análise do conjunto das operações realizadas pela AP fiscal para, pela aplicação da lei fiscal ao caso concreto, determinar a dívida de imposto que certo contribuinte tem que pagar.

Por vezes, não é o contribuinte a pagar o imposto, mas a entidade patronal. Logo, o acto tributário é efectuado pela empresa – substituição fiscal.

Também no caso dos impostos indirectos a liquidação cabe aos contribuintes (ex.: IVA).À AP fiscal cabe controlar o lançamento e a liquidação do imposto, ou seja, exercer fiscalização

sobre essas operações. No âmbito do controlo da legalidade que a AP fiscal faz após o procedimento do contribuinte vai homologar o acto, desde que o contribuinte tenha apurado bem a colecta.

Enquanto não há homologação do acto, pelo menos tácita, a liquidação é apenas provisória, só se tornando definitiva após a homologação. A homologação pode surgir, pois, tacitamente. Tal sucede ao fim de 5 anos, prazo em que caduca o direito de liquidação adicional da AP fiscal.

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46. A formação do acto tributário – o processo tributário gracioso:

a) Princípios:

O processo tributário gracioso está submetida a determinados princípios.Desde logo está submetido ao princípio da legalidade. Toda a actividade da AP está sujeita à lei

e nunca está sujeita a qualquer critério de oportunidade, a considerações de oportunidade e conveniência.Um segundo princípio é o princípio do inquisitório, que decorre directamente do princípio da

legalidade. Segundo este princípio fica excluído da disponibilidade das partes todo o material probatório, material este que deve ser carreado para a AP fiscal, para que esta o analise, de modo a dar cumprimento às obrigações tributárias principais e acessórias dos contribuintes.

Outro princípio, que também deriva do princípio da legalidade, é o princípio da verdade material. Este princípio confere à entidade competente o poder para apreciar livremente todo o material probatório disponível.

Está também submetido ao princípio da imparcialidade da decisão. O Estado, ou mais propriamente a AP fiscal está sujeita à lei e deve aplicá-la o mais objectiva e imparcialmente possível.

Um quinto princípio é o princípio da não preclusão, segundo o qual desde que seja respeitado o prazo geral de caducidade (5 anos – art. 33 CPT), os actos tributários podem ser praticados em que sejam sujeitos a um processo formal e rígido (flexibilidade do acto).

Temos ainda o princípio da estabilidade da decisão. Só dentro de certo prazo é que um determinado acto tributário pode ser administrativa ou judicialmente impugnado, tendo por base os fundamentos previstos na lei (p.ex., art. 120 CPT), sendo que estes fundamentos não são taxativos, mas antes enunciativos.

O princípio da forma escrita aplica-se também ao processo gracioso de formação do acto. Todos os procedimentos tributários estão sujeitos à forma escrita, mas sem sujeição a um processo rígido.

Um último princípio é o princípio da natureza gratuita do processo.

b) Fases:

Dentro do processo tributário gracioso podemos distinguir três fases: a fase introdutória, a fase instrutória e a fase decisória.

A fase introdutória é aquela que dá origem ao processo e pode ser de iniciativa do contribuinte (prestando declarações) ou da própria AP fiscal.

Em regra, esta fase é de iniciativa do contribuinte, que se dirige à AP e, através de declarações escritas, inicia o processo. As declarações são efectuadas em impressos, em formulários, previamente aprovados pelo Governo e produzidos pela Imprensa Nacional.

Quanto à natureza jurídica destas declarações as opiniões dividem-se. Alguns afirmam que são actos constitutivos. A doutrina maioritária (Soares Martinez e Brás Teixeira) considera-as uma participação de ciência, pois o contribuinte cumpre uma prestação tributária acessória e leva à AP fiscal todos os dados para que esta possa determinar o acto final.

A fase de instrução destina-se a comprovar os dados constantes das declarações prestadas pelos contribuintes (preenchidas na fase anterior), acrescentando aqueles dados que não constem da mesma declaração.

Quando os contribuintes preenchem e prestam as declarações iniciam o processo. As declarações devem ser verdadeiras, reais e corresponder de facto à situação verificada. Todos os elementos devem ser apresentados e sobretudo fundamentados. Ou seja, se, p.ex., há despesas deve-se apresentar os documentos correspondentes (exemplo típico dos recibos ou facturas). Além da prova documental, também pode haver prova testemunhal e prova por arbitramento, podendo esta última ser por exame (coisas móveis), vistoria (coisas imóveis) ou avaliação (em todos os outros casos).

A fase decisória culmina o processo e consiste na realização de um acto com características de executoriedade e definitividade, que define o montante em dívida ao Estado e que deve ser notificado ao

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contribuinte para que este proceda ao pagamento.Nesta fase concluí-se o processo tributário através do acto final da liquidação. Este acto

tributário tem que ser executado dento do prazo de 5 anos (art. 33 CPT). O prazo de 5 anos conta-se, no caso dos impostos periódicos, a partir do termo do ano em relação ao qual se verifica facto tributário (p.ex, se o facto tributário é de 1992, a liquidação deve ser efectuado nos 5 anos seguintes, ou seja, até 1997). A única excepção é a do imposto municipal de SISA e sobre sucessões e doações, cujo prazo é de 20 anos.

47. O acto de liquidação ou acto tributário:

a) Notificação no processo tributário:

Uma questão que se suscita a propósito do prazo de caducidade é saber se basta que a AP fiscal inicie o processo para se começar a contar o prazo de caducidade ou se é necessário que, apesar de iniciado e concluído o processo, se proceda à notificação do contribuinte.

De facto, é necessária a notificação do contribuinte para se começar a contar o prazo (art. 18 CPT). Tendo em conta que o acto tributário se dirige a um sujeito, logo, que este tem de tomar conhecimento do acto e se tivermos em conta a segurança do Direito, temos de concluir que só com a notificação o acto tributário se torna completo e perfeito, pois trata-se de um verdadeiro acto receptício.

b) As autoliquidações:

Sempre existiram alguns impostos de autoliquidação. É o caso de imposto do selo e de alguns impostos de consumo. Na actualidade, a autoliquidação, aliás precedida de um auto-lançamento também, porque o contribuinte só pode fixar a colecta depois de ter determinado os vários elementos tributários, é admitida, ou até exigida, em relação a numerosos impostos directos. Assim acontece, no Direito Fiscal português, com os contribuintes que autoliquidam a colecta respectiva no próprio instrumento de declaração dos elementos tributários (arts. 70 e 71 CIRC). Nuns casos, a autoliquidação é obrigatória, noutros facultativa.

Tem sido muito discutida a natureza desta autoliquidação, à qual vários autores negam a natureza de acto tributário, enquanto outros pretendem que se trata de uma liquidação realizada pelo contribuinte, no uso de uma delegação do Fisco.

c) As liquidações provisórias, definitivas e adicionais:

A liquidação do imposto é, em regra, definitiva (art. 18 CPT).Por vezes, surgem liquidações provisórias, quando os serviços da AP fiscal não dispõem de

todos os dados necessários à correcta liquidação do imposto, mas, ainda assim, procedem à sua liquidação (art. 56 CSISA).

Um exemplo de liquidação provisória do imposto de SISA é aquele em que o comprador faz uma avaliação patrimonial do imóvel, por este ter um valor inferior ao que consta da liquidação.

Também podem surgir liquidações adicionais, quando os serviços da AP fiscal procedem, após um acção de fiscalização, a uma acção de correcção dos erros ou omissões constantes das declarações efectuadas pelo contribuinte (art. 111 CSISA).

48. Revisão e Anulação do acto tributário

recursos graciosos e contenciosos:

Um acto tributário, apesar de definitivo, esta sujeito a revisão ou anulação oficiosa pela AP fiscal, ou pode ser objecto de reclamação por parte do contribuinte (reclamação graciosa ou judicial).

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Vamos aqui analisar os mecanismos de revisão da iniciativa do particular, que são quatro: reclamação graciosa (arts. 95 e ss CPT), impugnação judicial, reclamação para uma comissão distrital de revisão e recurso hierárquico (arts. 91 e 92 CPT).

a) reclamação graciosa:

A reclamação graciosa é dirigida por requerimento ao director geral das finanças respectivo (em princípio, do distrito). Os fundamentos são normalmente os previstos no art. 120 CPT. O requerimento da pessoa singular ou colectiva, apesar de dirigida ao director geral, tem de ser entregue na repartição de finanças da área de residência.

O processo de reclamação graciosa é, em regra, gratuito. Quanto ao prazo, a reclamação deve ser entregue na repartição de finanças nos 90 dias após o surgimento do facto tributário que se contesta (art. 123 CPT).

A decisão de reclamação pode ser feita através de deferimento, ou de indeferimento expresso (pode-se recorrer, depois, aos meios judiciais no prazo de 8 dias, nos termos do art. 123/2), ou ainda de indeferimento tácito (o particular tem 90 dias para recorrer judicialmente, prazo que se conta a partir das alíneas do art. 123; pode ainda recorrer ao recurso hierárquico, que será analisado de seguida).

Esquema: Liquidação Indeferimento tácito

Modelo 90 dias 30 dias 90 dias Reclamação Graciosa Recurso hierárquico Recurso Judicial

Se em vez de indeferimento tácito tivéssemos indeferimento expresso, tínhamos 8 dias para propor impugnação (recurso) judicial.

b) impugnação judicial:

É dirigida em requerimento ao Juiz do Tribunal Tributário de 1ª instância. Neste caso, junto podem ir além dos documentos comprovativos, as respectivas testemunhas. A petição é apresentada junto da respectiva repartição de finanças.

O contribuinte, após a liquidação adicional, tem 90 dias para apresentar a impugnação judicial.

Esquema: 90 dias ***

Liquidação Reclamação Decisão Adicional Graciosa da AP fiscal

*** - indeferimento expresso – 8 dias – impugnação judicial; indeferimento tácito – 90 dias – impugnação judicial.

c) reclamação para uma comissão distrital de revisão:

Em resposta ao recurso feito pela AP fiscal aos métodos indiciários, que são admitidos (art. 51 CIRC), o CPT apresenta uma nova garantia (arts. 84 e ss), que é a reclamação para uma comissão distrital de revisão, actualmente constituída por três entidades: o director-geral de Finanças; o vogal nomeado pela Fazenda Pública e o vogal nomeado pelo contribuinte.

A constituição e os poderes desta comissão vão ser reforçados no âmbito da reforma fiscal em curso.

A reclamação para esta comissão tem efeitos suspensivos (art. 90 CPT), ao contrário das duas garantias anteriores. A lei permite a reclamação graciosa ou a impugnação judicial da decisão desta comissão, com base no fundamento da errónea quantificação da matéria colectável fixada pela comissão.

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Só se pode reclamar ou recorrer da decisão final da comissão (reclamação graciosa ou impugnação judicial).

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d) recurso hierárquico:

O recurso hierárquico deve ser accionado no prazo de 30 dias, directamente para o Ministro das Finanças, sendo que dessa decisão é possível recurso para o STA.

O fundamento deste recurso é que é a via processual correcta para que o contribuinte conteste as alterações introduzidas pela AP fiscal ao nível da qualificação e quantificação da matéria colectável.

Para mais detalhe, consultar lista 133, pp. 5, 6 e 7.

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49. Direitos e garantias dos contribuintes:

Não é líquida a noção de garantias do contribuinte. Isto porque, juridicamente a expressão “garantias” anda associada a um reforço de uma posição jurídica já detida.. Não será nesse sentido que a expressa releva tributariamente, antes parecendo ser importante reconduzir tal conceito ao de quaisquer direitos que tutelam o contribuinte, enquanto tal e face ao poder tributário estatal. Serão como que meios de compressão da soberania fiscal crescentemente exigidos em qualquer Estado de Direito.

Vejamos então o elenco das garantias substantivas ou materiais do sujeito passivo da obrigação do imposto, que mereceram uma referência especial na secção IV do capítulo II do título I do CPT (arts. 19 e ss).

Em primeiro lugar, o direito à informação, a que se reportam os arts. 20 e 72 CPT e que é a expressão da pretendida transparência nas relações fisco-contribuinte. Para além do esclarecimento sobre a interpretação das leis tributárias, da informação sobre a fase em que se encontram as petições ou reclamações do contribuinte, da comunicação da existência, teor e autoria das denúncias dolosas não confirmadas, a ele respeitantes, do acesso directo ou por via dos seus representantes, aos respectivos processos individuais, instituiu o CPT a chamada informação prévia vinculativa.

Tal informação será solicitada por escrito ao Director-Geral das Contribuições e Impostos, com a descrição dos factos cuja qualificação jurídico-tributária se pretenda (art. 72/2 CPT). Os serviços da AP fiscal não poderão proceder de forma diversa do teor da informação prestada, salvo em cumprimento de decisão judicial (art. 73).

Trata-se inequivocamente de uma garantia de largo alcance, cuja índole jurídica não deixa de suscitar, face à sua amplitude, alguma perplexidade.

Outra garantia importante dos contribuintes traduz-se no direito à fundamentação e notificação dos actos tributários. Trata-se da concretização da exigência do nº 3 do art. 268 CRP. Assim, todas as decisões em matéria tributária que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos conterão os respectivos fundamentos de facto e de direito, sendo tal fundamentação notificada aos contribuintes, conjuntamente com a decisão (arts. 21 CPT, 67 CIRS, 53 CIRC e 82 CIVA).

Se a comunicação ou notificação não contiverem a sua fundamentação legal, ou outros requisitos exigidos por Lei, poderá o interessado, no prazo de 30 dias ou no prazo para a reclamação, recurso ou impugnação, se inferior, requerer a notificação ou passagem de certidão dos fundamentos que tenham sido omitidos. Neste caso, o prazo para reclamar ou impugnar judicialmente só se conta a partir de tal notificação ou da entrega da certidão.

Goza ainda o contribuinte do direito a receber juros indemnizatórios, quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se determinar que houve erro imputável aos Serviços (art. 24/2 CPT), ou quando, por motivo imputável aos serviços, não seja cumprido o prazo legal de restituição oficiosa dos impostos (indevidamente auto-liquidados ou pagos – arts. 89 CIRS, 71/2, al. e) e 82/2 e 3 CIRC e 24/3 CPT). O direito a haver os referidos juros indemnizatórios (igualando-se o seu montante ao dos juros compensatórios a favor do estado), inovação recentemente introduzida, depende, entretanto, da iniciativa do contribuinte, através de “reclamação graciosa ou processo judicial, em que se determine a existência do erro imputável aos Serviços (art. 24/1 CPT).

Existindo infracção fiscal, tem ainda o contribuinte direito à redução do montante das coimas (se à infracção não couber sanção acessória), se as pagar através de pedido apresentado antes de instaurado o processo contra-ordenacional. Tal redução depende do carácter espontâneo ou meramente voluntário (efectuado após notificação do arguido dos factos apurados no processo e da punição em que incorre – art. 209 CPT) do pagamento da coima, e no caso de pagamento espontâneo, depende do prazo em que é efectuado (arts. 25 a 30 CPT).

Representa também uma garantia dos contribuintes a caducidade do direito à liquidação de imposto e de outras prestações de natureza tributária, quando tal direito “não for exercido ou a liquidação não for notificado ao contribuinte no prazo de 5 anos contados, nos impostos periódicos, a partir daquele em que se verifica o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu (art. 33/1 CPT).

O mesmo se dirá da prescrição da obrigação tributária, no prazo de dez anos a contar do início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário (art. 34 CPT) ou da prescrição do próprio

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procedimento judicial contra-ordenacional – no prazo de 5 anos a contar do momento da prática da infracção (art. 35 CPT); e, por fim, da própria prescrição das coimas – no prazo de cinco anos do trânsito em julgado da decisão condenatória..

Trata-se de situações que atendem a factores de segurança, estabilidade e certeza da vida jurídico-fiscal, geradoras de legítimas expectativas do contribuinte ante a celeridade exigível no exercício da função tributária.

A concluir, dir-se-ia apenas que releva em sede tributária, como virtual reflexo da tutela constitucional do direito à intimidade da vida privada (art. 26/1 CRP) e da consequente proibição de acesso a dados pessoais constantes de ficheiros e registos informatizados (cfr. arts. 35 CRP e 2º e 11 da Lei nº 10/91, de 29/4 – Lei de Protecção de Dados Pessoais face à Informática), o direito à confidencialidade fiscal, expressamente consagrado no art. 17, al. d) do CPT, o qual abrange “os dados relativos à situação tributária dos contribuintes”.

Ainda em matéria de sigilo sublinha-se, no entanto, a relevância do sigilo bancário face à própria Administração Fiscal.

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Capítulo II – Cobrança do Imposto:

50. Processo de cobrança – suas espécies:

a cobrança virtual e a cobrança eventual:

Há que distinguir uma cobrança tributária virtual de uma cobrança tributária eventual. Essa é a destrinça que as leis fiscais têm estabelecido (Código de Processo das Contribuições e Impostos, de 1963, art. 19); embora na doutrina já se tenha sustentado, e com alguma razão, que a cobrança virtual, como a cobrança eventual, resultam de dois tipos diversos de liquidação, aos quais deveriam corresponder igualmente essas mesmas designações de virtual e eventual. Também neste ponto são estreitas as ligações entre os processos de cobrança e de liquidação.

A cobrança virtual é uma cobrança previsível; pelo que se torna possível estabelecer os prazos respectivos. Consequentemente, a cobrança normal dos impostos periódicos é também virtual; sendo eventual apenas quando baseada em liquidações adicionais e noutros casos que se afastam da normalidade em relação àqueles impostos.

Os impostos periódicos são, pois, em regra, cobrados virtualmente; embora haja excepções. Também o imposto sucessório pode ser cobrado virtualmente, quando pago em prestações. Estabelecido tal regime de pagamento em prestações, a respectiva cobrança passa a ser previsível e prevista, realizando-se em prazos certos (CSISA e do imposto sobre as Sucessões e Doações, art. 125.0, § único).

São normalmente de cobrança eventual, não prevista nem previsível, os impostos alfandegários, a sisa e o imposto do selo.

Assim, p.ex., quem quer adquirir um imóvel por compra, e já ajustou a transacção respectiva com o actual proprietário, solicita à repartição de finanças da aérea correspondente à situação desse imóvel que lhe seja liquidado o imposto de sisa devido, sem a prova do pagamento do qual o notário não lavrará a escritura de compra e venda. A transacção referida não poderia ser razoavelmente prevista pela Administração, à qual o contribuinte fornecerá todos os elementos indispensáveis à liquidação, que dará lugar a uma cobrança eventual, realizada na base da guia para pagamento que a repartição de finanças entregará ao contribuinte para o efeito de realizar a prestação tributária junto da tesouraria da Fazenda Pública.

Na actualidade, a cobrança dos impostos, quer virtual quer eventual, cabe, geralmente, a serviços públicos (tesourarias da Fazenda Pública e alfândegas).

51. Fases de cobrança:

a) A cobrança à boca do cofre:

A cobrança à boca do cofre, quer dizer, realizada no período inicial da abertura dos cofres da Fazenda Pública para determinados efeitos, é aquela que se opera no prazo legal e normalmente previsto para arrecadação de um certo imposto. Esse prazo, nos impostos periódicos, é, em regra, de um mês. E porque se trata de cobrança de impostos arrecadados no prazo normal, essa cobrança à boca do cofre abrange apenas a prestação tributária liquidada, que envolverá, quando for caso disso, adicionais e adicionamentos, mas não juros de mora, inadmissíveis em tal caso, pois o contribuinte que paga à boca do cofre cumpre pontualmente; não se encontra numa situação de "mora debitoris” que justifique o vencimento de juros.

Esta expressão "cobrança à boca do cofre" tem, por certo, sabor anacrónico, recordando os tempos em que o dinheiro dos impostos era guardado em arcas, removidas para lugares mais seguros quando findava o período normal de cobrança. Mas tal expressão enraizou-se; e talvez não houvesse motivo para abandoná-la (arts. 102,107 e 110 CPT).

b) A cobrança com juros de mora:

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Esta cobrança com juros de mora, antes designada cobrança voluntária, por contraposição à cobrança coerciva, foi admitida nas legislações fiscais por se julgar não justificada a remessa imediata aos tribunais, para efeitos de execuções fiscais, dos conhecimentos de imposto, ou das notas de cobrança, ou das respectivas certidões, que não foram pagos pontualmente, no período de cobrança à boca do cofre. Há contribuintes que não são pontuais no pagamento dos impostos, mas que não deixarão de pagá-los, sem necessidade de usar medidas coercivas, se se lhes conceder uma moratória legal, necessariamente diversa de qualquer moratória concedida pela Administração. E assim o entenderam, geralmente, as leis fiscais, ao admitirem a cobrança de impostos, para além dos prazos normais, durante um certo período, que, no Direito Fiscal português, costumava ser de sessenta dias. Mas o contribuinte que beneficia de tal moratória legal não cumpriu pontualmente; pelo que o pagamento da prestação devida só deverá ser admitido fazendo-se-lhe acrescer os respectivos juros de mora. Donde a designação desta fase de cobrança. Se à mora não correspondessem juros, compensatórios da mora, muitos contribuintes prefeririam realizar o pagamento nessa fase subsequente.

c) A cobrança coerciva:

Decorridos os prazos de cobrança voluntária, “com juros de mora” sem que um imposto tenha sido pago, proceder-se-á ao acto tributário designado por relaxe. Com ele se inicia a fase de cobrança coerciva, a qual corresponde ao processo de execução fiscal, que corre pelas repartições de finanças e pelos tribunais tributários.

Um dos significados da expressão "relaxe” é a de "entrega”. Nesse sentido foi já usada pelo antigo Direito português. Também no Direito Fiscal, o relaxe põe fim ao processo administrativo de cobrança e dá início a um processo coercivo que é da competência da ordem judicial.

Segundo o conhecimento comum, na grande maioria dos processos de execução fiscal não são deduzidas oposições pelos executados, nem embargos, por parte de terceiros. Ora, em tais condições, a remessa do processo para o tribunal e a posterior devolução do mesmo à repartição de finanças, para efeitos de penhora de bens, traduzia-se, na prática, em inútil perda de tempo e sobrecarga de actividades. Dai que, pelo actual regime do Código de Processo Tributário, de 1991, o processo de execução fiscal só seja remetido ao tribunal se forem deduzidos embargos ou oposição (arts. 290 e 319), ou para verificação e graduação de créditos (art. 333).

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Parte IV – estrutura actual dos impostos portugueses:

52. Análise do Sistema Fiscal Português actualmente em vigor.

A “Lei Geral Tributária” actualmente em fase de preparação.

Análise global dos Quadros Gerais para a Reforma Fiscal

“um sistema fiscal para o Portugal desenvolvido no limiar do séc. XXI”

actualmente em fase de audição e debate público:

Antes da reforma de 1989, o sistema fiscal ao nível dos impostos directos era formado por um conjunto de impostos parcelares: imposto profissional, contribuição industrial, contribuição predial,...

Até 1989, estes eram impostos reais, que abstraiam da situação do contribuinte. A este sobrepunha-se o imposto parcelar, que recai sobre o rendimento pessoal do contribuinte.

A Constituição de 1976 vem por em crise os impostos existentes, pois nos arts. 106 e 107 defende a finalidade dos impostos e defende ainda a existência de quatro impostos:

1. Imposto sobre o rendimento das pessoas singulares;2. Imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas;3. Imposto sobre o património (sucessões e doações);4. Imposto sobre o consumo.O 1º devia incidir sobre o rendimento de cada contribuinte e ser progressivo, tendo em conta

a situação do agregado familiar. O 2º devia incidir sobre lucro real (e não indiciado). O 3º devia também ser progressivo e, finalmente, o 4º devia adaptar a estrutura do consumo às necessidades do desenvolvimento económico, devendo onerar o consumo de produtos de luxo.

Foi o texto constitucional de 1976, o pensamento pragmático do legislador de 1976 que esteve na base da reforma fiscal de 1989.

Foi em 1986 que se iniciou a reforma fiscal de 1989, com a reforma da tributação indirecta (impostos sobre a despesa), motivada pela adesão de Portugal à CEE (6ª directiva do IVA), sobretudo pela inclusão do imposto do IVA no nosso país, que veio substituir o imposto de transacções (DL 394/84).

O IVA incide sobre a despesa, é plurifásico e não cumulativo e é também impessoal (não tem em conta a situação pessoal dos contribuintes, impondo-se a todas, ricas ou pobres, nas despesas efectuadas). O IVA é o imposto mais perfeito no nosso país. O IRC, p.ex., não é tão justo quanto o IVA. O IVA entrou em vigor em 1/1/86.

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A Reforma de 1989 introduziu vários impostos:• IRS (DL 442-A/88);• IRC (DL 442-B/88);• Contribuição Autárquica (DL 442-C/88);• Estatuto dos Benefícios Fiscais (DL 215/89 – os benefícios fiscais foram reformulados e

compilados num único diploma).

Em 1990 foram publicados novos regimes jurídicos relativos às infracções fiscais, nomeadamente o RJIFA (DL 376-A/90) e o RJIFNA (DL 20-A/90). Estes dois diplomas contêm normas gerais e processuais e vieram tipificar os crimes e contraordenações fiscais, aduaneiras e não aduaneiras. Com estes diplomas deu-se um grande passo na repressão da evasão fiscal.

Em 1991, substituiu-se o Código de Processo das Contribuições e Impostos pelo Código de Processo Tributário, aprovado pelo DL 154/91.

Desde então, no âmbito de toda a estrutura do sistema fiscal, tem-se verificado:Um conjunto avultado de medidas avulsas, que introduzem novas medidas e alterações;O anterior Governo criou uma comissão para a reforma fiscal; o actual Governo aguardou o

relatório dessa comissão e, simultaneamente, ampliou o interesse numa reforma global, tendo sido feito novo estudo, que se intitulou “A Reforma para preparar o Portugal Desenvolvido do Séc. XXI”.

Com esta nova reforma fiscal pretende-se:

1. Manter a configuração essencial dos actuais impostos sobre o rendimento – IRC e IRS. Na CE há 50 anos que se tenta harmonizar o IRC, sem êxito!... O objectivo é alterar e não revolucionar o sistema fiscal.

2. Introduzir alterações, sobretudo as imanadas da EU relativas ao IVA e aos impostos especiais sobre o consumo. A 6ª directiva do IVA veio uniformizar a base tributável IVA.

Ao nível da tributação directa há a considerar as seguintes directivas, todas de 1990:1. Directiva das Fusões e Cisões de Sociedades;2. Directivas das Sociedades Mães e das sociedades Afiliadas;3. Convenção no âmbito da dupla tributação.No entanto, ao nível da tributação directa não há uniformização, como na tributação indirecta

(IVA).

3. Reforma da tributação do património, constituída pela SISA, imposto sobre sucessões e doações e contribuição autárquica. Os dois primeiros têm tendência a serem substituídos e o 3º será alterado.

4. Reforma da Administração Fiscal e da Justiça Fiscal.

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Todas estas reformas serão feitas à luz das grandes directivas e princípios orientadores do sistema fiscal, patentes na CRP: Princípio da Legalidade Tributária e Princípio da Igualdade Tributária, bem como com respeito pela estrutura constante do art. 104 CRP.

Vejamos agora o sistema actual e façamos uma análise global da reforma fiscal.Quanto às garantias dos contribuintes, actualmente encontram-se na CRP e no CPT,

abrangendo um conjunto de princípio que regem a actividade fiscal e garantem a posição dos contribuintes. Além destes, também o CPA prevê algumas garantias exaustivas, que regem a actividade dos órgãos do Estado.

No CPA destaca-se o princípio da procedimentalização dos direitos tributários. A vontade da AP deve ser formada e manifestada através e ao cabo de uma sucessão ordenada de actos e formalidades, que se integram no processo tributário gracioso.

O art. 19 CPT prevê ainda um sem número de garantias, como o direito à informação, o direito à fundamentação e notificação dos actos, fundamentação esta de facto e de direito. O que se pretende é uma relação de confiança entre a AP fiscal e os contribuintes. A reforma fiscal pretende melhorar o canal de informação entre a AP fiscal e os contribuintes, via Internet, p.ex..

Quanto ao acesso à justiça fiscal, a lei geral tributária é um reforço às garantias dos contribuintes. Na lei geral pretende-se motivar a participação do contribuinte na fase graciosa do processo de formação do acto, de tal modo que a via contenciosa fique reservada a questões só de direito, estando as questões de facto já resolvidas na fase graciosa. Assim, podemos mesmo dizer que a lei geral tributária será uma espécie de Teoria Geral da Relação Tributária.

A Lei Geral Tributária tem o carácter de lei e compreende diversos princípios e regras de interpretação das leis fiscais. Pretende-se até que as normas fiscais sejam interpretadas à luz do CC. Com esta lei o Direito Fiscal ganhará um relevante reforço jurídico.

Uma figura importante é a do defensor do contribuinte, prevista no art. 27 da Lei Orgânica do ministério das finanças e cujo estatuto está consagrado no DL 205/97.

Esta é uma entidade destinada a reforçar as garantias dos contribuintes, tal como o Provedor de Justiça, no âmbito geral. O defensor do contribuinte ainda não existe concretamente, está apenas previsto na lei.

O defensor do contribuinte é uma figura autónoma e independente do Provedor de Justiça e visa garantir e receber as petições que os contribuintes formulam junto da AP fiscal, bem como exarar decisões sobre os diversos documentos apresentados. Servirá como estímulo ao respeito pelos diversos direitos humanos.

O defensor é um órgão novo que funcionará com total independência material e hierárquica, mas que continuará integrado na AP fiscal. Exercerá um mandato de 7 anos, não renovável. Tem de ser independente, e é inamovível e indispensável.

A par desta figura, está em fase de projecto a chamada Lei Geral Tributária. Esta lei será um código no âmbito fiscal, que conterá um vasto conjunto de princípios substantivos, que irão reger toda a actividade fiscal.

Esta lei não se impõe aos contribuintes, é uma lei geral e normal e visa promover uma maior intervenção do contribuinte na fase graciosa do processo, para que na fase judicial a situação já esteja “de facto” consolidada.

A Lei Geral será uma espécie de Teoria Geral da Relação Jurídico-Fiscal e conterá uma previsão genérica dos diversos tributos e impostos: conceito de obrigação acessória, formas possíveis de extinção da obrigação fiscal, preceitos fiscais vários, etc. Prevê-se que seja contemplada uma fase de audiência prévia do contribuinte – uma espécie de audiência dos interessados do Direito Administrativo.

Hoje em dia, a inexistência de uma moderna Justiça Fiscal é uma negação do Estado de Direito. O actual CPT está reforçado pela Lei Geral e visa promover e assegurar uma justiça de qualidade, para que o Estado cobre convenientemente os seus créditos.

Ao nível dos actos tributários, os erros são muito frequentes, mas as pessoas como se sentem intimidadas pelo Fisco muitas vezes nem reclamam.

Hoje em dia, a melhoria do justiça fiscal é uma coisa indispensável. De facto, já existem várias garantias adjectivas para defesa dos contribuintes.

Ao nível das Garantias Adjectivas a reforma fiscal pretende:• reforço da independência das comissões distritais de revisão;• Promover uma descentralização das decisões, ao nível da reclamação graciosa (mais

facilidade na tomada de decisões dos processos);

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• Informatização de todas as repartições de finanças;• Formação dos próprios funcionários;• Maior participação dos contribuintes.

Os tribunais fiscais são actualmente de 1ª instância, de 2ª instância (TCA) e Supremo (STA – secção de contencioso, pleno da secção ou pleno do STA).

Quanto aos magistrados, a reforma fiscal pretende instaurar cursos de especialização, a nível tributário, dado os juizes “normais” de hoje saberem apenas de Direito Civil e de Direito Penal.

A intervenção do estado nos tribunais tributários também será remodelada com a reforma fiscal. Actualmente, só o MP e o coordenador da Fazenda Pública intervém em nome do estado.

Pretende-se ainda harmonizar os sistemas criminais e contra-ordenacionais, no que se refere ao Direito Fiscal, num único código. Serão revistos os tipos de infracções fiscais e a desometria (?) das sanções ou penas no âmbito dos crimes e contra-ordenações.

53. Análise dos impostos portugueses:

a) IVA:

1. Base legal e princípios fundamentais do imposto sobre o valor acrescentado (IVA):

A adopção do IVA, em substituição do "imposto de transacções", foi consequência da adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia. Com efeito, a 6ª Directiva do Conselho das Comunidades Europeias, de 1977, orientou-se no sentido da criação por todos os Estados membros de um imposto geral sobre a despesa do tipo plurifásico. Sem prejuízo de, ainda antes da referida adesão, a preferência pela tributação do valor acrescentado ter sido ponderada, pelos méritos do sistema em si mesmo, que poderão justificar a aceitação dos pesados custos do IVA, inerentes à sua complexidade administrativa.

Assim, na base da autorização legislativa conferida pela Lei nº 42/83, de 31 de Dezembro, o DL nº 394-B/84, de 26 de Dezembro, aprovou o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1986. O mesmo DL revogou o Código do Imposto de Transacções, de 1966, o DL nº 374-D/79 ("imposto de transacções sobre as prestações de serviços") e aboliu o imposto ferroviário, o imposto de turismo, o imposto do selo sobre especialidades farmacêuticas e algumas tributações consignadas pela Tabela Geral do Imposto do Selo. Porque os planos de incidência desses impostos foram absorvidos pelo IVA.

O novo imposto visou tributar todo o consumo, tanto em bens materiais, corpóreos, como em serviços, abrangendo as diversas fases do circuito económico, desde o produtor ao retalhista, incidindo a tributação, em cada fase, sobre o "valor acrescentado" aos bens. Por isso o imposto se diz "plurifásico". Consequentemente, o IVA. determinou um acentuado alargamento do número de contribuintes. A par desse alargamento subjectivo da tributação, em confronto com os "impostos de transacções", reclamou também o IVA um muito mais amplo plano de incidência objectiva. E consideravelmente maior o número de mercadorias e de serviços atingidos pelo imposto.

Este alargamento e todas as consequentes dificuldades de implantação do IVA. muito têm contribuído para que o texto primitivo do Código respectivo fosse modificado por abundante legislação. Contam-se já quase pela meia centena os diplomas que alteraram o Código do IVA, ou que, mesmo não o alterando, nalguns casos, respeitam a este imposto.

2. Sujeitos da relação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA)

O sujeito activo da relação jurídico-tributária de IVA. é o Estado. E sujeitos passivos serão "as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, as agrícolas e as das profissões livres, e, bem assim, as que do mesmo modo independente pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC". São ainda sujeitos passivos as pessoas que adquiram determinados serviços a entidades que não tenham domicilio ou sede em Portugal, as que importem bens,

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aquelas que, em facturas emitidas, mencionem indevidamente a cobrança do IVA., e as que efectuem operações "intracomunitárias" (art. 2º CIVA).

Em suma, sujeito passivo será o que pratique, por sua conta, sob sua responsabilidade, qualquer acto de produção de bens ou de prestação de serviços, incluindo na produção as colocações comerciais. E ainda o adquirente do serviço, quando o produtor não se situe na esfera da tributação nacional.

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3. Matéria colectável do imposto sobre o valor acrescentado (IVA)

A matéria colectável no IVA é constituída pelo "valor tributável" das transmissões de bens e das prestações de serviços, efectuadas no território nacional, a título oneroso, pelas importações de bens e pelas "operações intracomunitárias" (arts. 1º, 3º e ss CIVA; Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias, aprovado pelo DL nº 290/92, de 28 de Dezembro). O novo regime do IVA, quanto às transacções intracomunitárias foi exigido pela abolição de fronteiras aduaneiras, dentro da CE, a partir de 1993.

As novas regras relativas ao IVA que incidem sobre as trocas comunitárias entraram em vigor em 1/1/93, altura em que entrou em funcionamento o Mercado Único e constam do DL 290/92, de 28/12, que transpôs para Portugal a directiva 91/680, que veio alterar a 6ª Directiva do IVA.

Em 1/1/93 foram abolidas as fronteiras aduaneiras, tendo-se mantido a tributação generalizada no país de destino, através da institucionalização do regime transitório do IVA, que pôs fim à cobrança do IVA sobre as importações efectuadas entre os Estados-membros, o que impôs novo sistema de pagamento do IVA face aos bens que circulam entre estes países.

O mercado único europeu implicou apenas a abolição das fronteiras fiscais de tipo aduaneiro até então existentes, ou seja, a eliminação dos controlos físicos de mercadorias associados à sua passagem pelas fronteiras internas da comunidade.

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ÍNDICE:INTRODUÇÃO: 1

CAPÍTULO I – O DIREITO FISCAL: 11. Actividade Financeira – sua caracterização: 1necessidades colectivas e meios financeiros do Estado: 12. Direito Financeiro, Direito Tributário e Direito Fiscal. 1Âmbito do Direito Fiscal: 13. Natureza do Direito Fiscal: 34. O Problema da Autonomia do Direito Fiscal 3(legislativa, didáctica e científica): 35. Relações do Direito Fiscal com outros ramos do Direito: 4

CAPÍTULO II – O IMPOSTO: 66. Conceito de Imposto: 6O elemento objectivo, subjectivo e teleológico da definição: 67. Distinção entre imposto e outras categorias jurídicas: 6

a) O imposto e o preço: 6b) O imposto e a taxa: 7c) O imposto e os tributos especiais: 7d) O imposto e as contribuições para a Previdência: 7e) O imposto e o empréstimo público: 8f) O imposto e a requisição administrativa: 8g) O imposto e a expropriação por utilidade pública: 8

8. Classificação dos Impostos: 8a) Os impostos directos e os impostos indirectos: 9b) Os impostos pessoais e os impostos reais: 9c) Os impostos estaduais e os impostos não estaduais: 10d) Os impostos gerais e os impostos locais: 10e) Os impostos periódicos e os impostos de obrigação única: 10f) Os impostos principais e os impostos acessórios: 10

9. Estrutura dos Impostos Portugueses: 11CAPÍTULO III – SOBERANIA FISCAL 12

10. Soberania Estadual e Soberania Fiscal: 12I. Soberania estadual, soberania fiscal e poder tributário: 12II. Entidades públicas menores e soberania fiscal: 12

11. Fundamento da soberania fiscal: 13a) O fundamento da soberania fiscal no plano da análise jurídica: 13b) O domínio eminente do príncipe: 13c) As concepções clássicas baseadas numa troca de utilidades: 13d) As concepções ético-sociais: 14e) A negação de fundamento à soberania fiscal: 14f) As concepções modernas baseadas numa troca global: 14

12. Limites da soberania fiscal: 14a) Os fins do Estado: 14b) Os costumes, os tratados e as leis constitucionais: 15c) A territorialidade do imposto: 15d) Os conflitos internacionais de tributação: 16

13. Expressão de Soberania Fiscal: 16a) A natureza dos órgãos da soberania fiscal: 16b) Os regimes constitucionais quanto aos órgãos da soberania fiscal: 17

14. Soluções constitucionais portuguesas: 17a) Evolução Histórica: 17b) A Constituição de 1976: 18

PARTE I – AS NORMAS FISCAIS 20

CAPÍTULO I – FONTES DO DIREITO FISCAL: 2015. Noção e espécies de fontes do Direito Fiscal: 20

a) Princípios jurídicos fundamentais e costume internacional: 20b) Lei Constitucional – Princípio da Legalidade e Princípio da Igualdade: 20

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c) Lei ordinária formal e Decreto-Lei: 21d) Regulamento: 22e) Ordens internas da Administração (despachos, instruções e circulares): 22f) Costume: 22g) Deliberações das entidades públicas menores: 23h)Normas internacionais: 23i) Jurisprudência e Doutrina: 23

16. Hierarquia das fontes de Direito Fiscal: 2317. Codificação Fiscal – Referência à “Lei Geral Tributária” 24actualmente em fase de preparação: 2418. Categorias de normas fiscais: 24

a) normas de soberania fiscal: 24b) As normas de incidência: 24c) normas de lançamento: 25d) normas de liquidação: 25e) normas de cobrança (ou pagamento): 25f) As normas de organização de serviços: 25g) normas de fiscalização: 25h) normas de sanção: 25i) normas de contencioso: 26

CAPITULO II - INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO 27DAS NORMAS FISCAIS 27

19. Problemática da interpretação das normas fiscais: 27a) “In dubio contra fiscum” e “odiosa restringenda”: 27b) Interpretação literal: 28c) “In dubio pro Fisco”: 28d) interpretação histórico-evolutiva e interpretação funcional: 28e) Princípios gerais de interpretação: 29

20. Particularismos da interpretação das normas fiscais: 2921. Integração de lacunas em Direito Fiscal: 30

CAPÍTULO III – APLICAÇÃO DAS NORMAS FISCAIS 3122. Aplicação no tempo: 31

a) Início e termo de vigência: 31b) Problemática da não retroactividade das normas fiscais – sua consagração expressa no texto final aprovado pela IV Revisão Constitucional: 31

23. Aplicação no espaço 31O Princípio da territorialidade das normas fiscais: 31

PARTE II – A RELAÇÃO JURÍDICA DE IMPOSTO: 32

CAPÍTULO I – GENERALIDADES: 3224. Relação Jurídica Fiscal, Relação Jurídica de Imposto 32e Relações Tributárias Acessórias: 3225. Natureza, Extensão e Especialidades 32da Relação Jurídica de Imposto: 32

a) A natureza obrigacional da relação jurídica de imposto – refutação das teses contrárias: 32b) A extensão da Relação Jurídica de Imposto – As relações tributárias acessórias: 33c) Especialidades da relação jurídica de imposto – obrigação legal (ex lege), irrenunciável e sujeita a especiais garantias: 34

26. Constituição da Relação Jurídica de Imposto: 35a) As Leis como factos constitutivos: 35b) A Construção de Von Myrbach-Rheinfeld: 35c) A “liquidação” como facto constitutivo: 36d) A conjugação dos “pressupostos tributários” como facto constitutivo: 36e) Noção e classificação de pressupostos da relação de imposto: 37

27. Causa da Relação Jurídica de Imposto - Referência breve: 37Capítulo II – Os Sujeitos: 3928. Personalidade Jurídica em Geral: 39Personalidade Tributária; Capacidade Tributária 39Sujeitos: 3929. Sujeito Activo – conceito e âmbito 39

a) Estado: 41

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b) Autarquias Territoriais: 42c) Institutos Públicos: 42

30. Sujeito Passivo – conceito e âmbito: 42a) Sujeito Tributário Passivo, Contribuinte de Direito e Contribuinte de Facto 43b) Sujeitos Tributários Passivos Originários e Não Originários 44c) Situações de Personalidade Tributária Passiva Não Originária: 45d) Particularidades da tributação de Entidades Públicas, de Sociedades e de outros Entes: 49

31. Capacidade Tributária Passiva de Exercício: 52a) As pessoas físicas e a sua capacidade tributária passiva de exercício 52b) As pessoas colectivas e a sua capacidade tributária passiva de exercício 52c) A representação voluntária em Direito Fiscal 53

32. Domicílio Fiscal e registo do contribuinte: 53CAPÍTULO III – O OBJECTO: 55

33. Objecto do imposto 55Pressupostos objectivos da tributação: 55

a) Os pressupostos objectivos e o objecto da relação jurídica de imposto: 55b) As isenções objectivas: 55

34. Objecto imediato e mediato da relação jurídica de imposto: 5735. A prestação – suas espécies: 58

CAPÍTULO IV – FORMAS DE EXTINÇÃO DA 59RELAÇÃO JURÍDICA DE IMPOSTO: 59

36. Cumprimento: 59a) lugar do pagamento (cumprimento): 59b) prazo do pagamento: 59

37. Dação em cumprimento: 5938. Prescrição: 6039. Compensação: 6040. Confusão: 6241. Outras formas de extinção – sua admissibilidade: 62

CAPÍTULO V: 6342. Garantia Geral: 6343. Garantias Pessoais: 6344. Garantias Reais: 63

a) privilégios creditórios: 64b) hipoteca: 64c) Prestação de caução: 64d) Juros de mora e compensatórios como garantias tributárias: 64

PARTE III – AS RELAÇÕES TRIBUTÁRIAS FORMAIS: 66

CAPÍTULO I – O ACTO TRIBUTÁRIO – SUA FORMAÇÃO: 6645. O acto tributário – conceito, natureza e efeitos: 6646. A formação do acto tributário – o processo tributário gracioso: 67

a) Princípios: 67b) Fases: 67

47. O acto de liquidação ou acto tributário: 68a) Notificação no processo tributário: 68b) As autoliquidações: 68c) As liquidações provisórias, definitivas e adicionais: 68

48. Revisão e Anulação do acto tributário 68recursos graciosos e contenciosos: 68

a) reclamação graciosa: 69b) impugnação judicial: 69c) reclamação para uma comissão distrital de revisão: 69d) recurso hierárquico: 71

49. Direitos e garantias dos contribuintes: 72CAPÍTULO II – COBRANÇA DO IMPOSTO: 74

50. Processo de cobrança – suas espécies: 74a cobrança virtual e a cobrança eventual: 7451. Fases de cobrança: 74

a) A cobrança à boca do cofre: 74b) A cobrança com juros de mora: 74

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c) A cobrança coerciva: 75

PARTE IV – ESTRUTURA ACTUAL DOS IMPOSTOS PORTUGUESES: 76

52. Análise do Sistema Fiscal Português actualmente em vigor. 76A “Lei Geral Tributária” actualmente em fase de preparação. 76Análise global dos Quadros Gerais para a Reforma Fiscal 76“um sistema fiscal para o Portugal desenvolvido no limiar do séc. XXI” 76actualmente em fase de audição e debate público: 7653. Análise dos impostos portugueses: 79

a) IVA: 79

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