23
Apontamentos sobre a terceirização e o poder do término desmotivado da relação de emprego por iniciativa patronal: rotatividade da força de trabalho Victor Emanuel Bertoldo Teixeira “Somos ‘escravizados’ e temos nossos direitos negados. Após a integração dos bancos, somos ‘convidados’ a trabalhar aos sábados e domingos com pagamento de horas extras (que nem sempre são pagas corretamente e não temos direito a nenhum outro dia para descanso), mas no fundo não temos opção de escolha porque os superiores informam que se não comparecermos seremos mandados embora. Somos obrigados a atender todos os produtos (...) nos pressionam, nos humilham.” Terceirizado do setor bancário 1 1 DIEESE/CUT. Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha. São Paulo: 2011. p. 34. Disponível em: <http://www.sinttel.org.br/downloads/dossie_terceirizacao_cut.pdf> Acesso em: 02.04.2015.

Apontamentos sobre a terceirização e o poder do término ...cursos.lacier.com.br/artigos/periodicos/Apontamentos sobre a... · de seu trabalho, bem como transformou os meios sociais

  • Upload
    dobao

  • View
    215

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Apontamentos sobre a terceirização e o poder do término desmotivado da relação de

emprego por iniciativa patronal: rotatividade da força de trabalho

Victor Emanuel Bertoldo Teixeira

“Somos ‘escravizados’ e temos nossos direitos negados.Após a integração dos bancos, somos ‘convidados’ atrabalhar aos sábados e domingos com pagamento dehoras extras (que nem sempre são pagas corretamente enão temos direito a nenhum outro dia para descanso),mas no fundo não temos opção de escolha porque ossuperiores informam que se não comparecermosseremos mandados embora. Somos obrigados a atendertodos os produtos (...) nos pressionam, nos humilham.” Terceirizado do setor bancário1

1 DIEESE/CUT. Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha. São Paulo: 2011. p. 34.

Disponível em: <http://www.sinttel.org.br/downloads/dossie_terceirizacao_cut.pdf> Acesso em: 02.04.2015.

Na linha dos estudos desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa Trabalho e Capital,

vinculado ao Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de

Direito da Universidade de São Paulo, o presente artigo pretende expor como a

rotatividade das trabalhadoras e dos trabalhadores reflete a manifestação de poder

consistente na possibilidade de rompimento sem motivação da relação de emprego,

exacerbada com a terceirização.

1. Poder na relação de emprego e o término desta por iniciativa patronal

Em primeiro lugar, cumpre recordar que, conforme prelecionado por Karl Marx, as

mercadorias não se trocam no mercado por si próprias, de modo que, para elas se referirem

umas às outras como mercadorias, seus guardiões devem se reconhecer reciprocamente

como proprietários privados, apropriando-se da mercadoria alheia enquanto alienam a

própria, mediante um ato de vontade. Assim, o conteúdo dessa relação jurídica (ou de

vontade), cuja forma é contrato, é reflexo da relação econômica.2

Ocorre que o trabalhador não possui outra mercadoria senão a força de trabalho,

comprada por aquele possuidor de dinheiro, meios de produção e meios de subsistência, o

qual nesta relação empreende a valorização de suas posses.3 Este trabalho é, portanto,

obrigatório, como meio de satisfazer as necessidades da existência física. 4

Trata-se do trabalho estranhado. De forma breve, importante rememorar que ele se

manifesta no seu produto (trabalho fixado em um objeto), não pertencente ao trabalhador, e

no próprio ato de produção, visto como infelicidade e mortificação, além de arrancar do

homem sua vida genérica, já que a pessoa faz de sua essência mero meio para sua

existência.5

2 O Capital: Crítica da Economia Política, Vol. 1, Livro Primeiro, Tomo 1. Tradução de Regis Barbosa;

Flavio Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 79.

3 Idem. O Capital: Crítica da Economia Política, Vol. 1, Livro Primeiro, Tomo 2. Tradução de Regis

Barbosa; Flavio Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 262.

4 Idem. Manuscritos eeconômico-filosóficos. Tradução de Jesus Ranieri. São Paulo: Boitempo, 2010. p.83-

85.

5 Op. cit., p. 80-85. Explique-se o que o referido autor quer dizer com vida genérica. “O homem é um ser

genérico (Gattungswesen), não somente quando prática e teoricamente faz do gênero, tanto do seu próprio quanto do restante das coisas, o seu objeto, mas também – e isto é somente uma outra expressão da mesma coisa – quando se relaciona consigo mesmo como [com] o gênero vivo, presente, quando se relaciona consigo mesmo como [com] um ser universal, [e] por isso livre. (...) O homem faz da sua atividade vital mesma um objeto da sua vontade e consciência. Ele tem a atividade vital consciente. (...) Justamente, [e] só por isso, ele é um ser genérico. Ou ele somente é um ser consciente, isto é, a sua própria vida lhe é objeto,

Nesse sentido, não sendo sua atividade genuinamente livre, então o obreiro se

relaciona como algo sob jugo, domínio e violência a serviço de outro homem.6 Pondere-se

que a muda coação das condições econômicas sela o domínio do capitalista sobre o

trabalhador, sendo certo ainda que a constante existência de uma superpopulação mantém o

salário apropriado às necessidades de valorização do capital.7

Não por outro motivo que, conforme alertado por Evaristo de Moraes, a suposta

liberdade contratual de trabalho culmina na organização pura e simples do domínio do

mais forte, haja vista que, considerada a desigualdade das forças econômicas entre

empregador e empregado, a liberdade sem limitações constitui causa letal de usurpação e

de opressão.8

Como se percebe, os atributos das relações de trabalho não podem ser vistos como

algo natural ou inerente da condição humana, embora, em virtude do desenvolvimento do

capitalismo, tudo isso aparente ser proveniente de leis naturais do processo de produção.

Enfim, aquelas circunstâncias decorrem de um processo histórico, o qual separou o

trabalhador - produtor direto assalariado em tal conjuntura - da propriedade das condições

de seu trabalho, bem como transformou os meios sociais de subsistência e produção em

capital.9

Revela-se aí a importância de uma crítica política do poder privado patronal, que

deriva da correlata força econômica, pois os espaços do trabalho organizados para a

produção de bens e serviços em uma sociedade de mercado não são simplesmente neutros,

mas sim locais nos quais há manifestação de autoridade.10

precisamente porque é um ser genérico. Eis por que a sua atividade é atividade livre. O trabalho estranhado inverte a relação a tal ponto que o homem, precisamente porque é um ser consciente, faz da sua atividade vital, da sua essência, apenas um meio para sua existência.” (p. 83-85).

6 Op. cit., p. 87.

7 Idem. O Capital: Crítica da Economia Política, Vol. 1, Livro Primeiro, Tomo 2. Tradução de Regis

Barbosa; Flavio Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 277.

8 MORAES, Evaristo de. Apontamentos de Direito Operário. 4. ed. São Paulo: LTr, 1998. p. 16-17.

9 MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política, Vol. 1, Livro Primeiro, Tomo 2. Tradução de Regis

Barbosa; Flavio Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 262 e 277.

10 BAYLOS GRAU, Antonio; BAYLOS GRAU, Antonio; PÉREZE REY, Joaquín. A dispensa ou a

violência do poder privado. Tradução de Luciana Caplan. São Paulo: LTr, 2009. p. 44-45. Tanto é assim que, no final do século XIX e no início do século XX, as fábricas brasileiras eram frequentemente comparadas a estabelecimentos prisionais, havendo inclusive previsão de castigos físicos nos regulamentos internos (DECCA, Maria Auxiliadora Guzzo de. Indústria, trabalho e cotidiano: Brasil, 1889 a 1930. 4. ed. São Paulo: Atual, 1991. p. 14-15).

Aliás, na esteira do exposto por Jorge Luiz Souto Maior, o Direito do Trabalho, cuja

difusão historicamente data do início do século XX, adota como premissa a crítica ao

modelo capitalista de produção e seu efeito alienante para os trabalhadores, que fazem do

Direto do Trabalho instrumento de luta para melhores condições. Isso porque consiste em

fonte de irradiação do Direito Social, buscando a preservação da paz mundial e da

dignidade humana, além de ter como princípio fundamental a busca da melhoria

progressiva da condição social e humana do trabalhador.11

No que se refere ao tema do término da relação de emprego por iniciativa patronal,

Antonio Baylos Grau e Joaquín Pérez Rey alertam que ela não pode deixar de ser encarada

como um ato de força da autoridade empresarial, tratando-se de violência consistente na

supressão do trabalho.12

Diante deste acontecimento, a pessoa se vê privada de uma esfera social e

culturalmente determinante, tendo em vista que do trabalho depende sua participação na

sociedade, cultura, educação e família. Assim, são retirados dela os referenciais que

conferem segurança na vida social, com a expulsão para o deserto da falta de trabalho e da

precariedade.13

Entretanto, justamente por ser violenta, a cessação unilateral por ato do empregador

acaba por se apresentar de modo a ocultar essa característica, o que corresponde ao

enfoque em termos de aspecto da relação contratual, da organização do processo produtivo

e do custo do empregador.14

Por isso, a importância, repita-se, de se ter em mente que o rompimento por parte

do empregador necessita ser tratado no âmbito da crítica do autoritarismo do poder privado

no local de trabalho. Uma violação privada contra o trabalhador, o qual não pode ser

avaliado senão como cidadão, jamais como mera energia produtiva vinculada à produção

dirigida pela empresa. 15

11 Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho, vol. I, parte I. São Paulo: LTr, 2011. p.

619-623.

12 Op cit., p. 42.

13 Ibidem, p. 42-43.

14 Ibidem.

15 Ibidem, p. 46-47.

A lógica democrática, por sua vez, busca ordenar e orientar tais atos de força,

utilizando do ordenamento jurídico trabalhista, a qual se pauta em duas linhas de atuação:

limitação da arbitrariedade empresarial e reparação do dano pela perda do emprego.

Evidentemente, a intensidade da proteção depende do contexto histórico e político de cada

país. De todo modo, ela reflete o grau de institucionalização da assimetria do poder na

empresa em um sistema jurídico, bem como o deslocamento real do autoritarismo

empresarial diante de controles democráticos efetivos.16

Ademais, pondere-se que o Direito Social não apenas desautoriza condutas

indesejadas, pensadas na perspectiva dos interesses exclusivos de uma classe dominante,

mas também confere limites ao capital, estabelecendo retornos econômicos à sociedade

para viabilização de projetos relativos à política de emprego e do seguro social, ao mesmo

tempo em que organiza o processo produtivo, preservando a dignidade do trabalhador,

elemento central da produção de riquezas, e fixando margens para a concorrência.17

Pois bem, no cenário brasileiro, a doutrina trabalhista reiteradamente tem se

manifestado no sentido de que a corriqueira prática da denúncia vazia do contrato de

emprego por iniciativa do empregador consiste em situação em desconformidade com o

disposto no art. 7º, I, da Constituição da República, bem como com a sistemática prevista

na Convenção nº 158 da OIT.18

16 Ibidem, p. 45-46.

17 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Op cit., p. 583.

18 Vide, por exemplo, DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo:

LTr, 2014. p. 1166-1167 e 1219-1220. O autor explica o que se sucedeu com a Convenção nº 158. “Ratificadapelo Brasil, por meio do Decreto Legislativo n. 68, publicado em 29.8.1992, com depósito do instrumento ratificado perante a Repartição Internacional do Trabalho da OIT em 05 de janeiro de 1995, iniciou sua vigência no Brasil em 5 de janeiro de 1996 (art. 16, item III, Convenção 158). Entretanto, lamentavelmente, foi denunciada pelo Presidente da República em fins do mesmo ano de 1996, com depósito da denúncia na OIT em 20.11.1996, com efeitos a contar de 20.11.1997, sendo declarada a denúncia pelo Decreto n. 2.100, de 25.12.1996, expedido pelo então Presidente da República. Ademais, em setembro de 1997 (pouco mais de 20 meses depois do início de sua vigência no Brasil), o Supremo Tribunal Federal, acolheu arguição de inconstitucionalidade da Convenção 158 da OIT, por considerar não auto-executável, dependendo de lei complementar, a regra do art. 7º, I, da Constituição da República” (p. 1220).

Recorde-se que, apesar de ter surgido como dita opção a ser realizada pelo

empregado no início da relação de emprego (art. 1º da Lei nº 5.107/66), a Constituição de

1988 tornou o FGTS aplicável a qualquer empregado (art. 7º, III), embora também

estipule, além do aviso prévio proporcional ao tempo de serviço nos termos da lei (art. 7º,

XXI)19, a proteção contra despedida arbitrária ou sem justa causa, conforme lei

complementar, ainda não promulgada, a qual preverá indenização compensatória, entre

outros direitos (art. 7º, I).

Como quer que seja, na prática vigora, segundo Mauricio Godinho Delgado, o

direito potestativo de denúncia vazia do contrato de trabalho por ato empresarial20,

aplicando-se desse modo o art. 10, I, do ADCT, o qual impõe indenização de 40% do

montante de todos os depósitos do FGTS realizados durante a vigência do contrato, que,

em regra, são de 8% da remuneração paga ou devida ao mês (art. 15 da Lei nº 8.036/90).

Conforme a RAIS - Relação Anual de Informações Sociais - do Ministério do

Trabalho e Emprego, essa é a principal forma de encerramento da relação de emprego,

correspondendo a 52,14% do total de desligamentos em 2009.21

Apesar de ainda existir debate sobre a viabilidade jurídica da manutenção desta

modalidade de ruptura contratual na atualidade22, o fato é que esta sistemática consiste em

prática em consonância com a chamada “liberalização do mercado de trabalho” levada a

cabo pela Ditadura, por meio da criação do FGTS ainda em 1966 (Lei nº 5.107).

Por isso, Valdete Souto Severo diz que, conquanto tenha a Constituição de

1988 promovido mudança, tudo restou exatamente como estava antes, diante da

supremacia do discurso empresarial prevalecente, consolidando-se interpretação menos

ajustada à ordem constitucional.23

19 Em 2011, foi editada a Lei nº 12.506.

20 Op. cit., p. 1225.

21 DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: 2011. p. 63-64. Disponível em:

<http://www.dieese.org.br/livro/2011/livroRotatividade11.pdf> Acesso em 02.04.2015.

22 Amauri Mascaro Nascimento, por exemplo, assevera inexistir atualmente óbice à dispensa imotivada

(Curso de Direito de Trabalho. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p. 1189-1192). Jorge Luiz Souto Maior, ao contrário, rechaça essa tese (Curso de direito do trabalho: a relação de emprego, v. II. São Paulo: LTr, 2008. p. 434-458).

23 O dever de motivação da despedida na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2011. p. 105.

Ainda que partindo do panorama jurídico espanhol, o alarme de Antonio

Baylos Grau e Joaquín Pérez Rey também serve para a realidade nacional. De fato, a mera

monetização do rompimento patronal faz com que a privação do trabalho não seja

questionada, de modo que o assunto fica restrito ao quanto irá se pagar pelo ato,

marginalizando-se, consequentemente, a perspectiva de manutenção do posto de trabalho.24

No mais, embora a reparação patrimonial busque atenuar os danos ocasionados

pela perda do emprego, não se pode negar que igualmente cumpre papel de proteção dos

interesses empresariais, tendo em vista que estabelece custo extintivo mais ou menos fixo,

ou seja, previsível. Abre-se a possibilidade, consequentemente, de se realizar o cálculo do

montante necessário para o rompimento.25

Isso vai ao encontro do pensamento neoliberal, segundo o qual deve haver o

afastamento da atuação administrativa e judicial do Estado e da ação sindical no que se

refere à relação de emprego, com intuito de privilegiar negociação individual e menos

regulamentada das condições de trabalho.

Como ensina David Harvey, o neoliberalismo valoriza a capacidade

empreendedora individual das pessoas no contexto de um arcabouço institucional definido

por sólidos direitos de propriedade privada, livres mercados e livre comércio.26

A elevada taxa de exploração do trabalho constitui fator crucial à

neoliberalização, a qual se mostra hostil à solidariedade restritiva à acumulação do capital,

de modo que a palavra flexibilização se torna um lema.27 Consequentemente, ocorre ataque

às organizações dos trabalhadores e afrouxamento dos contratos de trabalho, os quais se

tornam mais inseguros para os obreiros, além de se verificar a redução dos salários e da

proteção ao trabalho.28

24 A dispensa ou a violência do poder privado. Tradução de Luciana Caplan. São Paulo: LTr, 2009. p. 135-

136. Os autores argumentam que, de modo geral, a solução da reintegração tem perdido cada vez mais espaçopara a indenização na Espanha, em contexto de afrouxamento das garantias relativas ao término da relação detrabalho por iniciativa do empregador.

25 Ibidem, p. 136-137.

26 O neoliberalismo: história e implicações. Tradução de Adail Sobral; Maria Stela Gonçalves. São Paulo:

Edições Loyola, 2013. p. 12.

27 Ibidem, p. 85-86.

28 Ibidem, p. 62-63. Oscar Ermida Uriarte assevera que a adoção da palavra da palavra flexibilidade resulta

de uma tomada de posição ideológica, a qual a evoca como algo positivo, em oposição à rigidez, vista como algo negativo, rude, inadaptável, grosseiro, tosco. Escondem-se, todavia, as condições negativas advindas (A flexibilidade. Tradução de Edilson Alkmim Cunha. São Paulo: LTr, 2002. p. 18). Jorge Luiz Souto Maior comperspicácia descreve este fenômeno linguístico: ‘‘ À onda de redução de direitos trabalhistas apelidou-se, eufemisticamente, flexibilização, que abalou a efetividade dos princípios da irrenunciabilidade e da irredutibilidade. Pela utilização de palavras mais dóceis para uma mesma situação procurou-se (e tem-se

O resultado disso é concentração de renda, por meio da restauração (ou criação

em alguns países) de poder de uma elite econômica.29 Assiste-se à disseminação do poder

monopolista de corporações em todo o planeta, as quais ainda influenciam os meios de

comunicação e os processos políticos, para convencer que vivemos melhores sob o regime

neoliberal de liberdades.30

Pois bem, segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico – OCDE, o Brasil proporciona uma baixa proteção ao emprego, encontrando-

se na vigésima primeira colocação no índice de proteção, entre quarenta países analisados

(a Turquia ficou em primeiro lugar e os Estados Unidos da América em último), tendo em

vista a pouca guarida no plano individual e a ausência no plano coletivo.31

conseguido) burlar a regra fundamental do Direito do Trabalho de perseguição da melhoria progressiva da condição econômica e social do trabalhador.’’ (A supersubordinação – Invertendo a lógica do jogo. Revista do TRT da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 48, n. 78, jul/dez. 2008. p. 161. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_78/jorge_luiz_souto_maior.pdf> Acesso em: 02.04.2015).

29 HARVEY, David. Ibidem, p. 27.

30 Ibidem, p. 47.

31 DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: 2011. p. 36-39. Pontue-se que,

além de algumas hipóteses de estabilidade (por exemplo, antigos contratados que já haviam adquirido a estabilidade da CLT; o servidor público celetista da administração direta, autárquica ou fundacional), dos diversos casos de garantias de emprego (gestante; acidentado; representante dos empregados na CIPA; representante dos empregados em comissão de conciliação prévia; dirigente sindical; representante dos trabalhadores no Conselho Nacional da Previdência Social e no Conselho Curador do FGTS; empregados eleitos diretores de cooperativas por eles criadas) e da proteção contra o rompimento discriminatório, previstana Lei nº 9.029/95, saltam aos olhos novas situações demandando a investigação a respeito dos motivos relacionados ao fim do vínculo. A Súmula nº 443 do TST, por exemplo, consagra a presunção da discriminação na despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. A Lei nº 12.984/2014 (art. 1º, III), por seu turno, pune com reclusão, de um a quatro anos, e multa a conduta discriminatória consistente na demissão do portador do HIV e do doente de aids em virtude de tais condições. Quanto à dispensa coletiva, o TST sistematicamente tem se manifestado no sentido da necessidade de negociação coletiva prévia, por força da Constituição e das convenções da OIT ratificadas pelo país (RO 51548-68.2012.5.02.0000, Rel. Min. Kátia Magalhães Arruda, DEJT 16/05/2014; RO 6-61.2011.5.05.0000, Rel. Min. Walmir Oliveira da Costa, DEJT 22/02/2013; RO 173-02.2011.5.15.0000, Rel. Min Mauricio Godinho Delgado, DEJT 31/08/2012).

Nesse contexto, exacerba-se a coisificação do empregado, que acaba por ser

meramente descartado em nome de maior competividade. Isso porque a cessação da

relação de emprego por iniciativa do empregador banaliza-se como algo sem notável

importância na organização da empresa, cuja cultura faz apologia à mobilidade, à

adaptabilidade, e à mudança pessoal. Nessa linha, a perda do posto de trabalho não se

revelaria como algo problemático, tendo em vista que se enfatiza a capacidade de

adaptabilidade e de requalificação profissional do trabalhador, a qual deve ser adquirida e

fortalecida.32

O efeito econômico do término do emprego (para o empregado) acaba se

esvaziando em face da retórica da administração empresarial e dos fundamentos da

autoridade da empresa, os quais se baseiam na individualização da autonomia dos obreiros,

buscando eliminar os espaços derivados da subjetividade coletiva, como a sindical.

Consequentemente, o trabalhador é caracterizado de modo isolado e a perda do posto de

trabalho descrita como resultado de um déficit pessoal, em virtude de uma atuação sem

competitividade.33

Há, pois, desmoronamento ideológico e político da dimensão coletiva do

trabalho, sendo certo ainda que, em substituição ao papel dos trabalhadores e dos cidadãos

como sujeitos históricos dotados de carga social e política positiva, a figura patronal

assume o posto de sujeito central na determinação da sociedade.34

32 BAYLOS GRAU, Antonio; BAYLOS GRAU, Antonio; PÉREZE REY, Joaquín. A dispensa ou a

violência do poder privado. Tradução de Luciana Caplan. São Paulo: LTr, 2009. p. 34-35.

33 Ibidem, p. 35-36.

34 Ibidem, p. 37.

Ademais, não se pode perder de vista que o rompimento patronal imotivado

inviabiliza a efetividade mais intensa dos direitos do empregado, principalmente no curso

da relação de emprego. Este acaba por se ver, na maioria das vezes, impotente diante da

insistente prática de desrespeito às leis trabalhistas35. A lesão se consuma por meio da

prescrição prevista no art. 7º, XXIX, da Constituição36, sendo o caso agravado pela

insuficiência história da fiscalização do Ministério do Trabalho e Emprego e pelo

sindicalismo pouco combativo.37

De fato, essa sistemática limita consideravelmente as possibilidades de o

trabalhador efetivar seus direitos no curso da relação, fazendo com que se submeta a

jornadas excessivas, ambientes insalubres e revistas, já que há apenas duas alternativas,

quais sejam: aceitar ou perder o emprego. Isso é potencializado em uma conjuntura de

desemprego, pois o empregado é alertado que muitos outros aguardam a possibilidade de

substituí-lo.38

35 Este descumprimento unilateral é chamado por Oscar Ermida Uriarte de flexibilização de fato (A

flexibilidade. Tradução de Edilson Alkmim Cunha. São Paulo: LTr, 2002. p. 17).

36 Marcio Túlio Viana propõe inclusive que não seja aplicada a prescrição nesse contexto (Os Paradoxos da

Prescrição: Quando o trabalhador se faz cúmplice involuntário da perda de seus direitos. Revista do TRT da 3ª Região, Belo Horizonte, v. 47, n. 77, jan/jun. 2008. p. 163-172. Disponível em: <http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_77/Marcio_Viana.pdf> Acesso em 02.04.2015).

37 Comprometido, entre outros fatores, pela falta de emprego seguro, em uma espécie de retroalimentação.

38 O dever de motivação da despedida na ordem jurídico-constitucional brasileira. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2011. p. 55-56. O Capital já indicava que, “se uma população trabalhadora excedente é produto necessário da acumulação ou do desenvolvimento da riqueza com base no capitalismo, essa superpopulação torna-se, por sua vez, a alavanca da acumulação capitalista, até uma condição de existência do modo de produção capitalista. Ela constitui um exército industrial de reserva disponível, que pertence ao capital de maneira tão absoluta, como se ele o tivesse criado à sua própria custa” (MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política, Vol. 1, Livro Primeiro, Tomo 2. Tradução de Regis Barbosa; Flavio Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 200). Na sequência, conclui-se que “o sobretrabalho da parte ocupada da classe trabalhadora engrossa as fileiras de sua reserva, enquanto, inversamente, a maior pressão que a última exerce sobre a primeira obriga-a ao sobretrabalho e à submissão aos ditames do capital” (p. 203).

Nesse contexto, Valdete Souto Severo afirma que a prescrição no curso da

relação de emprego, não protegida contra a dispensa arbitrária, consiste no “buraco negro

para onde vão os direitos fundamentais que a Constituição de 1988 consagra”39. A referida

autora assevera ainda que a organização e luta por melhores condições de trabalho

igualmente se mostra afetada, diante da possibilidade da perda da fonte de subsistência a

qualquer instante.40

Inevitável deixar de mencionar também outra peculiaridade da realidade pátria,

qual seja, a escravidão. Conforme alertado por Jorge Luiz Souto Maior, essa herança

escravagista reflete nas expressões comumente utilizadas para se referir ao término da

relação de emprego, tais quais: dispensa do empregado, pedido de demissão, demissão por

justa causa, rescisão indireta.41

Explique-se. A cessação do vínculo por iniciativa patronal, chamada de

dispensa, remete à noção de “jogar fora”, consolidando-se na expressão “mandar embora”.

De outra parte, o término da relação por ato de vontade do empregado, intitulado de pedido

de demissão, acaba por dar a ideia de que tal ação dependa da aceitação do empregador. A

carga cultural diferenciada reflete-se de forma ainda mais intensa nas hipóteses de

rompimento faltoso: a dispensa por justa causa, em caso de falta do empregado; rescisão

indireta, em caso de falta do empregador.42

39 Op. cit., p. 59. Impossível deixar de constatar, nesse ponto, que o Supremo Tribunal Federal reforçou essa

lógica no julgamento do ARE 709212, tendo em vista que reconheceu a inconstitucionalidade da prescrição trintenária do FGTS, adotando entendimento de que também nessa hipótese vigora o prazo quinquenal no curso da relação de emprego (Prazo prescricional para cobrança de valores referentes ao FGTS é de cinco anos. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 13 nov. 2014. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=279716> Acesso em: 02.04.2015).

40 Ibidem, p. 62-63.

41 Curso de direito do trabalho: a relação de emprego, v. II. São Paulo: LTr, 2008. p. 432. Esse é o motivo

pelo qual se tomou o cuidado neste artigo de se evitar tais expressões.

42 Ibidem. Aliás, pretende-se investigar as interligações entre o término da relação de emprego por iniciativa

imotivada do empregador no Brasil e o escravismo, o autoritarismo e o neoliberalismo, nos termos do projetode pesquisa aprovado no processo seletivo de ingresso no programa de pós-graduação (mestrado) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, junto ao Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social.

2. Terceirização

O receituário neoliberal repercute também no tratamento conferido à

intermediação da força de trabalho. De fato, não se pode olvidar que o Direito do Trabalho

se assentou na recusa dessa forma de vínculo, pois consubstancia contraponto aos

tradicionais objetivos tutelares e redistributivos juslaboralistas.43

Pedro Vidal Neto afirma ainda que:

“A locação de serviços por interposta pessoa ou se constitui em

marchandage¸ procedimento mediante o qual o intermediário explora o

trabalho alheio como mercadoria, objeto de comércio, ou visa subtrair o

beneficiário dos serviços, o empregador real, dos ônus da relação de

emprego. Em ambos os casos o procedimento atenta contra a moral e contra

a dignidade do trabalho, procurando ladear a aplicação das normas de

proteção. Em tais hipóteses e à luz do disposto no art. 9.º da CLT, é natural

que se reconheça a responsabilidade do tomador de trabalho.”44

O referido autor conclui, no entanto, não constituir a terceirização espécie de

marchandage.45 Márcio Túlio Viana, por outro lado, acredita existir aproximação das

figuras, tendo em vista que a empresa fornecedora da força de trabalho simplesmente aluga

os trabalhadores para a tomadora, comercializando pessoas como forma de obter

rendimento.46

43 DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. p. 452-453.

Veja-se também Pedro Vidal Neto: “O Direito do Trabalho tradicionalmente tem procurado combater a utilização de meios dessa natureza. Nessa linha de idéias, proíbe-se a intermediação, destinada a afastar a responsabilidade do empregador real pela utilização de mão-de-obra, mediante o expediente de contratação por meio de interposta pessoa, que figura na relação de trabalho como empregador aparente.” (VIDAL NETO, Pedro. Aspectos Jurídicos da Terceirização. Revista de Direito do Trabalho, São Paulo, n. 80, dez. 1992. p. 25). Nesta linha, o TST, antes de editar a conhecida Súmula nº 331 em 1993, tinha entendimento, consolidado na Súmula nº 256, no sentido de refutar a contratação de trabalhadores por empresa interposta, impondo consequentemente a formação do vínculo diretamente com o tomador, salvo nas hipóteses legais (Leis nº 6.019/74 e 7102/83). Por isso, importante o alerta de Márcio Túlio Viana no sentido de que a terceirização é “uma das formas mais potentes – e ao mesmo tempo mais sutis – de semear o caos no Direito do Trabalho, subvertendo os seus princípios e corroendo seus alicerces” (A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria. Revista do Tribunal Superior do Trabalho , Brasília,v. 78, n. 4, out/dez. 2012. p. 199. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35819/010_viana.pdf?sequence=3> Acesso em 02.04.2015).

44 Op. cit., p. 25.

45 Ibidem, p. 28.

46 70 anos de CLT: uma história de trabalhadores. Brasília, Tribunal Superior do Trabalho, 2013. p. 119.

Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35179/2013_viana_marcio_tulio_70_anos_clt.pdf?

Oportuno recordar que o agenciamento de trabalhadores ainda era prática

comum quando do surgimento do Direito do Trabalho, motivo pelo qual, em 1919,

inclusive constou no Tratado de Versalhes que o trabalho humano não é um mero artigo de

comércio (art. 427).47 Em 1944, essa ideia foi ratificada na Declaração da Filadélfia, anexo

da Constituição da OIT, de modo bastante destacado, como segue ipsis litteris:

“A Conferência reafirma os princípios fundamentais sobre os quais repousa a

Organização, principalmente os seguintes: a) o trabalho não é uma

mercadoria;”48

A subcontratação se manifesta como método recorrente no capitalismo.

Conforme alertam Annie Thébaud-Mony e Graça Druck, a consolidação das fábricas na

época da Revolução Industrial, embora tenha diminuído sua importância, não eliminou a

utilização do trabalho em domicílio, remunerado por produção, na busca de menores custos

e da preservação da dispersão dos operários.49

A esse respeito, Karl Marx descreve que:

sequence=1> Acesso em: 02.04.2015. O aludido autor está se referindo a terceirização interna, que será explicitada adiante.

47 SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Curso de direito do trabalho: a relação de emprego, v. II. São Paulo: LTr,

2008. p. 227. Destaque-se parte do art. 427 do Tratado de Versalhes : “(...) Among these methods and principles, the following seem to the HIGH CONTRACTING PARTIES to be of special and urgent importance: First. — The guiding principle above enunciated that labour should not be regarded merely as a commodity or article of commerce.” (INTERNATIONAL LABOUR OFFICE. Official Bulletin, Geneva, Volume I, 1923. p. 345. Disponível em: < http://www.ilo.org/public/english/bureau/leg/download/partxiii-treaty.pdf > Acesso em: 02.04.2015). Interessante notar que Karl Marx indica existir tráfico de carne humana no século XIX na Inglaterra. Com efeito, os fabricantes encomendavam famílias das regiões agrícolas, bem como crianças pobres e órfãs das workhouse (O Capital: Crítica da Economia Política, Vol. 1, Livro Primeiro, Tomo 1. Tradução de Regis Barbosa; Flavio Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 213-214). Márcio Túlio Viana também ressalta tal fenômeno: “No início, para recrutar mão de obra, o industrial recorria com freqüência aos gatos – que lhe ofereciam bandos de mendigos, mães solteiras ou crianças, dentre as quais podiam estar os seus próprios filhos.” (As várias faces da terceirização. In: VIANA, Márcio Túlio (coord.). O que há de novo em direito do trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 501).

48 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Constituição e Declaração da Filadélfia.

Disponível em: < http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/decent_work/doc/constituicao_oit_538.pdf> Acesso em: 02.04.2015

49 Terceirização: a erosão dos direitos dos trabalhadores na França e no Brasil. In: DRUCK, Graça;

FRANCO, Tânia (Orgs.). A perda da razão social do trabalho: terceirização e precarização. São Paulo: Boitempo, 2007. p. 23-24.

“Ao lado dos trabalhadores fabris, dos trabalhadores manufatureiros e artesãos,

que concentra espacialmente em grandes massas e comanda diretamente, o

capital movimenta, por fios invisíveis, outro exército de trabalhadores

domiciliares espalhados pelas grandes cidades e pela zona rural.”50

Nesse contexto, o autor de O Capital indica ocorrer uma intensificação da

exploração do trabalho, principalmente infantil e feminino, pois a capacidade de resistência

do operariado diminui com sua dispersão e intermediários (parasitas) se colocam entre o

empregador propriamente dito e o trabalhador. 51

Por isso, Annie Thébaud-Mony e Graça Druck advogam que a terceirização e a

subcontratação seriam fenômenos velhos e novos, ou seja, práticas existentes desde a

Revolução Industrial, como visto, mas para as quais são conferidas amplitude e

centralidade no contexto da acumulação flexível.52

De fato, segundo o Ministério Público do Trabalho, havia, em 2012,

aproximadamente 8 milhões de trabalhadores terceirizados e 31 mil empresas

terceirizadas.53 Na mesma linha, levantamento do DIEESE e da CUT, aponta que, em 2011,

os terceirizados perfaziam 25,5% do mercado formal de trabalho.54

Márcio Túlio Viana indica que a terceirização se manifesta de duas maneiras. A

terceirização externa, cujo exemplo típico é a indústria de automóveis, na qual ocorre a

externalização de etapas do processo produtivo, sendo a produção dividida entre diversas

parceiras. A terceirização interna, por sua vez, consiste na exploração por uma empresa de

empregados de outra, como ocorre na contratação de serviços de conservação e limpeza.55

50 O Capital: Crítica da Economia Política, Vol. 1, Livro Primeiro, Tomo 2. Tradução de Regis Barbosa;

Flavio Kothe. 2. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. p. 71.

51 Ibidem, p. 72.

52 Op. cit., p. 27-28.

53 Aumento de terceirização preocupa Ministério Público do Trabalho (entrevista com o Procurador-Geral

do Trabalho). Repórter Brasil. São Paulo, 19 dez. 2012. Disponível em: < http://reporterbrasil.org.br/2012/12/aumento-de-terceirizacao-preocupa-ministerio-publico-do-trabalho/> Acesso em: 02.04.2015.

54 DIEESE/CUT. Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha. São Paulo: 2011. p. 5.

55 A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da matéria. Revista do

Tribunal Superior do Trabalho , Brasília, v. 78, n. 4, out/dez. 2012. p. 198-199. Disponível em: <http://aplicacao.tst.jus.br/dspace/bitstream/handle/1939/35819/010_viana.pdf?sequence=3> Acesso em 02.04.2015.

Ressalte-se ainda que, para o aludido autor, a primeira modalidade estaria

inserida na figura do grupo econômico do art. 2º, §2º, da CLT, considerado de forma

ampla, como organização em rede para produzir. A segunda seria aquela contemplada pela

Súmula nº 331 do TST, bem como de forma parcial pela legislação.56

Não se pode perder de vista ainda que a terceirização externa cinde a classe

trabalhadora em termos objetivos, por meio da sua produção em rede. Por outro lado,

terceirização interna separa os trabalhadores subjetivamente, tendo em vista que

proporciona uma diferenciação entre aqueles contratados diretamente pela tomadora do

trabalho e os terceirizados. Enfim, ambas as formas servem ao capitalismo, já que se busca

produzir sem unir os trabalhadores (terceirização externa) e reunir sem os unir

(terceirização interna).57

Ao se percorrer a aludida produção em rede, nota-se uma crescente fragilidade

das empresas, as quais acabam por receber as pressões daquela que fica em evidência, bem

como perpetuam a precarização. No contexto da terceirização interna, o trabalhador

terceirizado se vê transformado em mercadoria a ser adquirida pelo tomador58, enfim,

consonante Jorge Luiz Souto Maior, “são tratados como coisa ou simplesmente não são

vistos. Estão por ali, mas deve ser como se não estivessem.”59

De todo modo, ambas as formas se baseiam na lógica da externalização de

custos e da precarização, em uma busca de desresponsabilização. Contudo, conforme

aponta Victor Araújo Filgueras, o tomador dos serviços continua gerindo a atividade

terceirizada, de modo que o trabalhador terceirizado se insere no processo de acumulação

daquele.60

56 Ibidem, p. 207-208. A esse respeito, podem ser mencionadas as seguintes leis: 6.019/74 e 7.102/83.

57 Ibidem, p. 202.

58 Ibidem, p. 201-202.

59 Curso de direito do trabalho: teoria geral do direito do trabalho, vol. I, parte I. São Paulo: LTr, 2011. p.

651.

VIANA, Márcio Túlio. A terceirização revisitada: algumas críticas e sugestões para um novo tratamento da

matéria. Revista do Tribunal Superior do Trabalho , Brasília, v. 78, n. 4, out/dez. 2012. p. 198.

60 Terceirização e trabalho análogo ao escravo: coincidência? Jun/2014. p. 5. Disponível em: <

https://indicadoresdeemprego.files.wordpress.com/2013/12/tercerizac3a7c3a3o-e-trabalho-anc3a1logo-ao-escravo1.pdf> Acesso em 02.04.2015.

O referido autor traça ainda relação entre trabalho análogo ao escravo e

terceirização, ressaltando inclusive que prevalecem os terceirizados entre as pessoas

submetidas àquelas condições. Isso porque a terceirização consiste em estratégia de gestão

de força de trabalho destinada a driblar os marcos da relação de emprego, cujo limite seria

o trabalho análogo ao escravo.61

Enfim, a terceirização promove a supremacia empresarial, tendo em vista que

incrementa a exploração do trabalho e diminui a perspectiva de atuação dos agentes

limitadores desse fenômeno, como o Estado e os sindicatos. Assim, incorpora maior

propensão às piores condições de trabalho. 62

Não se pode perder de vista ainda o contexto global no qual a terceirização

atualmente se insere. Conforme indicado por Ricardo Antunes, o capital, a partir da década

de setenta, inaugurou uma reorganização da produção de modo global, bem como de seu

esquema ideológico e político de autoridade. As manifestações mais palpáveis deste

fenômeno são o neoliberalismo, a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos

trabalhistas e a desmontagem do setor produtivo estatal.63

No que se refere à organização da empresa, ocorre o processo de liofilização,

qualificado pela redução do trabalho vivo e ampliação do trabalho morto, por meio da

substituição de trabalhadores manuais pelo maquinário tecnocientífico e do aumento da

exploração do trabalho intelectual, além do crescimento dos obreiros terceirizados e

precarizados. Emerge-se a acumulação flexível do toyotismo.64

Assiste-se, em pequena proporção, ao surgimento de trabalhadores

intelectualizados, polivalentes e multifuncionais, da era informacional, entretanto, ao

mesmo tempo, há uma multidão de desempregados e de trabalhadores precarizados, sem

qualificação, sob as formas do trabalho terceirizado, parcial e temporário.65

61 Ibidem, p. 2.

62 Ibidem, p. 7. “Na média, nos quatro últimos anos abrangidos [entre 2010 e 2013], em 90% dos 10 maiores

resgates [pelo Ministério do Trabalho e Emprego], os trabalhadores submetidos a condições análogas às de escravos eram terceirizados.” Na mesma linha, Annie Thébaud-Mony e Graça Druck consideram a terceirização como “principal forma ou dimensão de flexibilização do trabalho, pois ela viabiliza um grau de liberdade do capital para gerir e dominar a força de trabalho quase sem limites, conforme demonstra a flexibilização dos contratos, a transferência de responsabilidade de gestão e de custos trabalhistas para um ‘terceiro’.” (Op. cit., p. 28).

63 O caracol e sua concha: ensaios sobre a nova morfologia do trabalho. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 85-

86.

64 Ibidem, p. 50 e 86.

65 Ibidem, p. 27 e 32.

Os trabalhadores, flexíveis, são dispostos em função direta das necessidades da

produção, pois o toyotismo estrutura-se a partir de um número mínimo de obreiros,

potencializando-os por meio de horas extras, trabalhos temporários ou subcontratação,

dependendo das condições do mercado, em um contexto de flexibilização do Direito.66

Fica claro, desse modo que, tal qual o término da relação de emprego por

iniciativa patronal desmotivada, a terceirização se coaduna com as imposições da agenda

neoliberal. O neoliberalismo já foi tratado no capítulo anterior, contudo ainda se mostra

importante trazer uma reflexão de David Harvey:

“se não existirem mercados (em áreas como a terra, a água, a instrução, o

cuidado de saúde, a segurança social ou a poluição ambiental), estes devem

criados, se necessário pela ação do Estado. Mas o Estado não deve se aventurar

para além dessas tarefas. As intervenções do Estado nos mercados (uma vez

criados) devem ser mantidas num nível mínimo, (...)”67

Considerando isso, dizer que a intermediação da força de trabalho consistiria

no mercado da terceirização não seria inoportuno. Ainda que não haja uma criação deste

negócio pelo Estado, já que, como visto, existe desde os primórdios do capitalismo, hoje o

Estado tem cumprido um papel de incentivo a tal prática de modo explícito, em prejuízo à

classe trabalhadora.68

Frise-se que todo o exposto não se resume a meras questões conceituais e

dogmáticas inócuas. Há repercussões diretas na vida dos terceirizados e das terceirizadas.

O aludido estudo do DIEESE e da CUT indica remuneração 27,1% menor para estas

pessoas e jornada superior em 3 horas, ou seja, trabalham mais e ganham menos.69 A

chance de um terceirizado falecer por força de um acidente de trabalho é cinco vezes

maior, segundo dados do DIEESE expostos pelo coordenador de Saúde do Trabalho do

Ministério da Saúde.70

66 ANTUNES, Ricardo. Adeus ao trabalho? Ensaios sobre as metamorfoses e centralidade do mundo do

trabalho. 8. ed. São Paulo/Campinas: Cortez/Unicamp, 2002. p. 36.

67 O neoliberalismo: história e implicações. Tradução de Adail Sobral; Maria Stela Gonçalves. São Paulo:

Edições Loyola, 2013. p. 12.

68 Tanto é assim que Jorge Luiz Souto Maior, ao abordar o Projeto de Lei nº 4.330/2004, o qual busca

legalizar a terceirização em toda a atividade empresarial, como se verá adiante, enfatiza “a formação de uma espécie de shopping center fabril, onde o objeto principal de comércio é o próprio ser humano” (PL 4.330, o Shopping Center Fabril: Dogville mostra a sua cara e as possibilidades de redenção. Migualhas. 14 ago. 2013. Disponível em: < http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI184300,81042-PL+4330+o+Shopping+Center+Fabril+Dogville+mostra+a+sua+cara+e+as> Acesso em: 02.04.2015).

69 Op. cit., p. 6.

No mais, o cotidiano forense confirma a fragilidade da situação, pois são

postulados frequentemente salários, adicionais e verbas rescisórias em face de empresas

fornecedoras de força de trabalho que simplesmente desapareceram, deixando os

trabalhadores à deriva.71

Por isso, não se pode aceitar o Projeto de Lei 4.330/2004, cuja intenção é

legalizar a terceirização para qualquer tipo de serviço, representando desse modo a

legitimação da perversidade, conforme enfatiza Jorge Luiz Souto Maior.72 Enfim, os efeitos

visados com tal proposta são:

“empresas constituídas sem empregados, com setores inteiros da linha de

produção, da administração, do transporte e demais atividades geridos por

empresas interpostas cujo capital social é bastante reduzido se comparado com

a contratante, gerando, por certo, uma redução de ganhos, além de um grande

feixe de relações jurídicas e comerciais, que se interligam promiscuamente,

mas que servem para evitar que os diversos trabalhadores, das variadas

empresas, se identifiquem como integrantes de uma classe única e se

organizem.”73

3. Rotatividade da força de trabalho

Nos termos do proposto em estudo do DIEESE, pode-se definir rotatividade

como a “substituição do ocupante de um posto de trabalho por outro, ou seja, a demissão

seguida da admissão, em um posto específico, individual, ou em diversos postos,

envolvendo vários trabalhadores”.74

70 Brasil é o quarto país em número de acidentes fatais no trabalho. Conjur. Brasília, 4 jul. 2014. Disponível

em: <http://www.conjur.com.br/2014-jul-04/brasil-quarto-pais-numero-acidentes-fatais-trabalho> Acesso em: 02.04.2015.

71 “É impossível ir à Justiça do Trabalho e não se deparar, nas milhares audiências que ocorrem a cada dia,

com ações nas quais trabalhadores terceirizados buscam direitos de verbas rescisórias, que deixaram de ser pagas por empresas terceirizadas, que sumiram. Esses trabalhadores, além disso, que já passaram, durante o vínculo de emprego, por um processo de segregação, de discriminação, de fragilização, quando não de invisibilidade, ainda se veem obrigados a suportar anos de lide processual para receber parte de seus direitos.” (SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. PL 4.330, o Shopping Center Fabril: Dogville mostra a sua cara e as possibilidades de redenção).

72 Op. cit..

73 Ibidem.

74 Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: 2011. p. 11. Disponível em: <

http://www.dieese.org.br/livro/2011/livroRotatividade11.pdf> Acesso em: 22.03.2015.

No Brasil, muito embora o postulado neoliberal acerca da necessidade da

flexibilização dos contratos tenha ganhado força a partir da década de noventa, já havia a

consolidação nos meados da década de sessenta de um regime marcado pela instabilidade

dos vínculos empregatícios, cuja raiz se encontra no governo militar.

A estratégia consistia em relegar ao livre-arbítrio dos patrões a forma de dispor

e remunerar a força de trabalho, o que resultou em elevada rotatividade e baixos salários,

em um contexto de repressão da atividade sindical e política, bem como de política de

contenção de remuneração no setor público e privado.75

O FGTS (Lei nº 5.107/66) surge em tal momento. Por isso, Oscar Ermida

Uriarte diz que ele pode ser tido como antecedente remoto da desregulamentação imposta

na América Latina, bem como promotor da rotatividade no emprego, diante da completa

liberdade de encerramento do vínculo em um sistema “pré-pago”, já que o empregador,

como se sabe, realiza depósitos na conta pessoal do empregado no curso da relação.76

Depois do golpe, a industrialização brasileira caracterizou-se por um arranjo

entre taxas de crescimento elevadas e de exclusão social, com uma notável flexibilidade do

mercado de trabalho, manifestada em significativa rotatividade no emprego.77

No que se refere à Constituição de 1988 o Oscar Ermida Uriarte é enfático: “o

FGTS continua sendo um estímulo à extinção da relação de trabalho.”78

Não é surpreendente desse modo que se mantinha aquele diagnóstico em

meados da década de noventa. Nesta época, já se alertava que o desembaraço para o

empregador iniciar e terminar uma relação de emprego no Brasil provoca um vínculo

bastante flexível, de modo que as empresas se valem de um núcleo relativamente enxuto de

empregados fixos e de uma grande margem daqueles cuja permanência acaba por ser

determinada pelo ritmo da atividade econômica, bem como pelas estratégias de redução de

salários. Tudo isso resultou em proporção significativamente grande de empregados com

pouco tempo de serviço.79

BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade; PRONI, Marcelo Weishaupt. Sobre o regime de trabalho no Brasil:

rotatividade de mão-de-obra, emprego formal e estrutura salarial. In: OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de; MATTOSO, Jorge Eduardo Levi (Orgs.). Crise e trabalho no Brasil modernidade ou volta ao passado? São Paulo: Scritta, 1996. p. 113-114.

75 Ibidem, p. 116-117.

76 A flexibilidade. Tradução de Edilson Alkmim Cunha. São Paulo: LTr, 2002. p. 29.

77 MANZANO, Marcelo Prado Ferrari. Custo de demissão e proteção do emprego no Brasil. In:

OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de; MATTOSO, Jorge Eduardo Levi (Orgs.). Op. cit., p. 255.

78 Op. cit., p. 30.

Muito embora o país tenha experimentado um ciclo de crescimento a partir dos

meados da primeira década deste século, com redução significativa do desemprego,

aumento das ocupações formais e expansão da massa salarial, o quadro não se alterou,

persistindo a rotatividade e insegurança na população.80

Entre 2001 e 2010, os cálculos do DIEESE, baseados na RAIS, indicam

elevação da taxa de rotatividade de 45,1% para 53,8%, ou seja, para cada 100 contratos

constantes na aludida relação aproximadamente metade se refere ao volume de

desligamentos substituído pelo volume de admissões equivalentes, durante o decorrer de

cada ano. Revela-se, assim, um regime por meio do qual milhões de pessoas têm vínculos

desligados, enquanto outros tantos milhões são admitidos, em um movimento permanente

e incessante durante todos os meses de cada ano.81

Ainda que limitada à potencial demanda do seguro-desemprego e do FGTS,

descontando nessa linha os desligamentos decorrentes de transferência, pedido do

trabalhador, aposentadoria e falecimento, a referida entidade indica a manutenção de taxas

elevadas, sendo de 37,28% em 2010.82

Salta aos olhos ainda que 79% dos desligamentos em 2009 se deram em relação a

empregos de até 2 anos de duração (em 63,6% dos términos o tempo de trabalho nem

mesmo durou um ano)83, o que reflete o diminuto tempo médio de emprego no Brasil, que

era de 5 anos em 2009.84 Em uma comparação com 25 países, o Brasil supera apenas os

Estados Unidos da América no que se refere ao tempo médio de emprego, sendo a Itália a

campeã com 11,7 anos.85

Embora o levantamento exposto nos últimos parágrafos não especifique a situação

dos terceirizados86, outros dados podem auxiliar no entendimento da questão. No também

79 BALTAR, Paulo Eduardo de Andrade; PRONI, Marcelo Weishaupt. Sobre o regime de trabalho no Brasil:

rotatividade de mão-de-obra, emprego formal e estrutura salarial. In: OLIVEIRA, Carlos Alonso Barbosa de; MATTOSO, Jorge Eduardo Levi (Orgs.). Op. cit., p. 119-120.

80 DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: 201. p. 35-36.

81 Ibidem, p. 13.

82 Ibidem, p. 14.

83 Ibidem, p. 53-54.

84 Ibidem, p. 56.

85 Ibidem, p. 58-59.

86 “Neste caso [da terceirização], haverá o fechamento de postos de trabalho em uma e a contratação em

outra, o que, do ponto de vista da realização da atividade produtiva, representa uma substituição para a realização de certas tarefas. (...) Como este tipo de contratação não é informada nem pela contratante nem

aqui já mencionado estudo do DIEESE e da CUT, com base na RAIS de 2010, indicou-se

uma permanência no trabalho em média de 2,6 anos para terceirizados, com elevada

rotatividade de 44,9%, sendo que, por sua vez, os contratados diretamente teriam média

próxima de seis anos e uma taxa de rotatividade 22%.87

Essa maior precariedade no vínculo não é de todo inesperada. Isso porque, como

exposto no capítulo anterior, a terceirização não só permite a intensificação da exploração,

bem como solapa a proteção ao emprego, resultando em condições de trabalho

concretamente piores.

Pois bem, não só os trabalhadores são diretamente prejudicados em virtude desta

insegurança, mas essa sistemática afeta também os fundos organizados para sua proteção

em caso de rompimento imotivado patronal, quais sejam, o FGTS e o seguro-

desemprego.88

Nessa linha, a Medida Provisória nº 665, de 30 de dezembro de 2014, ao elevar o

período de carência para o seguro-desemprego (de 6 meses para 18 meses na primeira

solicitação e de 6 meses para 12 meses na segunda solicitação), sob a alegação da

necessidade de redesenho para acerto de contas em virtude de distorção89, somente pode

ser entendida como um agravamento na crise da insegurança da classe trabalhadora.

Justamente a vítima de um sistema que permite amplamente o rompimento patronal do

vínculo empregatício, como visto.

Criticando também a Medida Provisória nº 664, de mesma data, a qual, por sua vez,

abala benefícios previdenciários (pensão por morte, auxílio-doença, auxílio-reclusão),

Jorge Luiz Souto Maior argumenta que, na esteira da lógica neoliberal, está se tentando

resolver entraves próprios do modelo capitalista por meio da supressão dos direitos dos

trabalhadores, que não são os culpados, mas, ao contrário, responsáveis pela produção de

riquezas.90

pela contratada, torna-se impossível precisar a criação e a destruição de postos de trabalho nas empresas que se utilizam da ‘terceirização’. É possível detectar no mercado de trabalho apenas a movimentação de empregos, realizada pelas empresas que oferecem a ‘mão de obra terceirizada’, comumente denominadas de ‘locadoras de mão de obra’.” (Ibidem, p. 83).

87 DIEESE/CUT. Terceirização e Desenvolvimento, uma conta que não fecha. São Paulo: 2011. p. 6-7. A

diferença dos percentuais apontados pelos estudos mencionados deve se dar pela diferente metodologia de cálculo e abrangência de dados coletados.

88 DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: 2011. p. 12.

89 Vide exposição de motivos disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-

2014/2014/Exm/ExmMP%20665-14.doc> Acesso em: 02.04.2015. Recorde-se que esta medida provisória afeta também o abono salarial vinculado ao PIS/PASEP e o seguro-defeso do pescador artesanal.

Além de diversas inconstitucionalidades presentes nos aludidos textos, cumpre

frisar que José Antônio Ribeiro de Oliveira Silva e Sandro Sardá apontam que o

contingente daqueles não beneficiados pelo seguro-desemprego deve subir

aproximadamente de 3,2 milhões para 8 milhões, ou seja, quase 65% do total dos

rompimentos imotivados.91 Acrescente-se ainda que, considerando a maior rotatividade

entre os terceirizados, de todo esperado que eles também sintam mais o peso de tais

medidas.

Não por outro motivo os mencionados autores indicam violação ao art. 7º, II, da

Constituição, sendo certo ainda que ressaltam que jovens, sobretudo os de baixa

escolaridade, serão os mais afetados por tal política, com o incremento de sua

vulnerabilidade no que tange à rotatividade 92

Havia, por óbvio, outro caminho. Uma nova ratificação da Convenção nº 158 da

OIT, que limita o rompimento patronal ao estipular a regra da motivação (art. 4º)93, poderia

causar menores índices de rotatividade e estaria em acordo com o disposto no art. 7º, I, da

Constituição. Além disso, caberia a regulamentação do parágrafo §4º do art. 239 do texto

constitucional, o qual estipula, para o custeio do seguro-desemprego, contribuição

adicional da empresa cujo índice de rotatividade da força de trabalho superar o índice

médio da rotatividade do setor, na forma estabelecida por lei.

4. Conclusão

O recado de Evaristo de Moraes parece não ter sido compreendido mesmo após

mais de 100 anos.

Isso porque prevalece uma lógica jurídica que não consegue conter a violência

patronal consistente na supressão do trabalho pelo rompimento do vínculo de modo

imotivado. As elevadas taxas de rotatividade e as comparações com outros países

90 Tragédias anunciadas: as medidas provisórias de Dilma. 2 fev. 2015. Disponível em:

<http://blogdaboitempo.com.br/2015/02/02/tragedias-anunciadas-as-medidas-provisorias-de-dilma/> Acesso em: 02.04.2015.

91 Apontamentos sobre a redução de direitos previdenciários (MP 664/14) e ao seguro-desemprego (665/14)

– ou: nunca uma vaca tossiu tão alto e de forma tão inconstitucional. Disponível em: < https://www.sinait.org.br/docs/Apontamentos_mp_664_mp_665.pdf> Acesso em 18.04.2015. p. 24.

92 Ibidem, p. 24-26. O maior contingente de desligamentos na última década se concentra na faixa até 29

anos (DIEESE. Rotatividade e flexibilidade no mercado de trabalho. São Paulo: 2011. p. 74).

93 Art.4º. Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma

causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.

comprovam este fenômeno, que não pode ser encarado como uma mera questão de término

contratual.

Ademais, a terceirização, que ganha força com o neoliberalismo, exacerba a

dominação inerente à relação de emprego, pois cinde a classe trabalhadora e afasta a

efetivação do Direito do Trabalho como promotor de melhores condições de vida. Há

nítida precarização do trabalho e, no limite, exploração análoga à escravidão.

Assim, a maior rotatividade dos terceirizados só pode ser vista como combinação

entre a licença para o término patronal desmotivado da relação de emprego e a

terceirização, legitimadas pelos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.

Nesse ponto, relembre-se que, como prelecionado por Walter Benjamin, muitas

vezes a sociedade não segue o caminho mais democrático e libertário, pois o progresso

científico, industrial e técnico pode ser acompanhado pela barbárie social e política.94

Daí a importância da atuação dos trabalhadores para a efetivação do Direito

Trabalho, conforme proposto por Márcio Tulio Viana, segundo o qual se faz necessário o

ambiente de pressão representado pela sanção paralela da greve, pois “a norma exige que

as mesmas forças que a fizeram brotar continuem a existir”, já que o empregador tende “a

aplicar a lei como, quando e quanto quer, e assim mesmo se quiser”.95

De todo modo, sempre é bom ter em mente que os rumos da história não estão

dados previamente, na esteira da reflexão de Michael Löwy em leitura das teses “Sobre o

conceito de história” de Walter Benjamin:

“se a história é aberta, se o ‘novo’ é possível, é porque o futuro não é

conhecido antecipadamente; o futuro não é o resultado inevitável de uma

evolução histórica dada, o produto necessário e previsível de leis ‘naturais’

da transformação social, fruto inevitável do progresso econômico, técnico e

científico – ou o que é pior, o prolongamento, sob formas cada vez mais

aperfeiçoadas, do mesmo, do que já existe, da modernidade realmente

existente, das estruturas econômicas e sociais atuais.”96

São Paulo, abril de 2015.

94 LÖWY, Michael. Walter Benjamin: aviso de incêndio: uma leitura das teses “Sobre o conceito de

história”. Tradução de Wanda Nogueira Caldeira Brant [tradução das teses]; Jeanne Marie Gagnebin; MarcosLutz Müller. São Paulo: Boitempo, 2005. p. 83-85.

95 As várias faces da terceirização. In: VIANA, Márcio Túlio (coord.). O que há de novo em direito do

trabalho. 2. ed. São Paulo: LTr, 2012. p. 502.

96 Op. cit., p. 149.