105
 Leonardo Marini Pereira  F  F U U  N  N  D  D  A  A  M  M  E  E  N  N T T O O S S  D  D  E  E  C C  A  A  R  R T T O O G G  R  R  A  A  F  F  I  I  A  A  2 2 0 0 1 1 1 1 A Ap p o os t t i i l l a a  r r e e f f e e r r e e n n t t e e à  p pr r i i m me e i i r r a a  p p a a r r t t e e d d a a  D Di is c ci i p p l l i i n n a a:  F Fu un nd da a m me e n nt t o o s s  d de e  C Ca ar r t t o og g r r a a f f i i a a,  o o f f e e r r e e c c i i d da a  a ao o s s  a a l l u u n no os  d do o  C Cu u r rs o o d d e e  F Fo o r r m ma ç ã ã o o  d de e  O Of f i i c c i i a ai i s s  E Es s p p e ec ci i a a l l i is t t a as  d d a a  e es p pe e c c i i a a l l i i d d a a d d e e  C Co on n t t r r o ol l e e  d d e e T Tr r á á f f e eg go o  A Aé é r r e eo.  

Apostila Cartografia CFOE-CTA 2011 ImpFV

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Apostila da primeira parte da disciplina Fundamentos de Cartografia, oferecida aos alunos do 1º ano do Curso de Formação de Oficiais Especialistas (CFOE) da especialidade Controle de Tráfego Aéreo (CTA).O documento foi elaborado pelo Engenheiro Cartógrafo Leonardo Marini Pereira em 2011, quando na ocasião servia como 1º Tenente do Quadro de Oficiais Engenheiros da Aeronáutica no Instituto de Cartografia Aeronáutica (RJ).A apostila reúne conceitos básicos de geodésia, cartografia, projeções cartográficas e de dados geoespaciais digitais, com ênfase em modelos digitais de terreno. A motivação para a elaboração do material se deu a fim de prover conhecimento sobre as áreas citadas aos oficiais elaboradores de procedimentos de voos IFR.A quase totalidade do texto é de autoria do próprio autor que utilizou como fonte de pesquisa os próprios conhecimentos associados a fragmentos de textos extraídos da internet e da apostila da Escola de Especialistas da Aeronáutica (EEAR) da especialidade de cartografia.O material conta ainda com diversas figuras, em sua maioria extraídas por meio da ferramenta de busca de imagens da Google e posteriormente adaptadas pelo autor.

Citation preview

Leonardo Marini Pereira

FUNDAMENTOS DE CARTOGRAFIA

Apostila referente primeira parte da Disciplina: Fundamentos de Cartografia, oferecida aos alunos do Curso de Formao de Oficiais Especialistas da especialidade Controle de Trfego Areo.

2011

Autoria de produo e reviso: Elaborado e produzido por: Leonardo Marini Pereira Finalizado em 21 de junho de 2011. ltima reviso em: 26 de junho de 2011 por Leonardo Marini Pereira

Dados pessoais para contato: [email protected] Rua Roquete Pinto, 88 SS 303 Urca, Rio de Janeiro-RJ 22.291-210 Tel: (21) 9321-7720 Dados profissionais para contato: [email protected] [email protected] Instituto de Cartografia Aeronutica Seo de Fotogrametria Av. General Justo, 169 Prdio do ICA Centro, Rio de Janeiro-RJ 20.021-130 Tel: (21) 2101-6245 / 6943

PREFCIOO presente material tem o propsito inicial de introduzir a qualquer leitor, leigo nos assuntos relacionados com a cartografia, alguns conceitos fundamentais necessrios correta manipulao de dados cartogrficos e de Modelos Digitais de Terreno. til para profissionais com qualquer formao afim, o enfoque recai sobre os elaboradores de procedimento do Sistema de Controle do Espao Areo Brasileiro (SISCEAB) no que diz respeito disposio do contedo e de alguns exemplos, alm do especfico captulo 5. A motivao para a elaborao desta apostila teve incio a partir dos diversos contatos que tive com oficiais elaboradores de procedimento do Departamento de Controle do Espao Areo (DECEA) em razo das demandas, apresentadas por estes profissionais, de informaes sobre o terreno, bem como dos obstculos para a aviao. Os profissionais em questo manipulavam sobremaneira cartas topogrficas em softwares do tipo CAD (Computer Assisted Design). Apesar do bom trabalho desenvolvido na incessante tarefa de conduzir com segurana as aeronaves do espao areo brasileiro a partir, dentre outros dados, da cartografia sistemtica nacional, faltava-lhes um pouco de fundamento a fim de lhes proporcionar maior autonomia e agilidade quando da manipulao de dados cartogrficos. O contedo aqui apresentado no considera nenhum conhecimento prvio do leitor na rea de geodsia, cartografia ou informtica e o conduz de maneira sequencial exigindo para a compreenso de um captulo, apenas a leitura do captulo anterior. Por esta razo o texto foi elaborado com uma linguagem simples de modo a fornecer o mnimo de subsdio que um usurio comum necessita a fim de gozar de maior autonomia frente a sistemas computacionais que tratam de dados geoespaciais. Alguns parmetros mais simples, comumente encontrado nos sistemas citados, como: datum, projeo, fuso UTM, resoluo dentre outros, podem confundir o usurio mal preparado. O objetivo final a ser alcanado preparar o leitor para o uso e manipulao de Modelos Digitais de Terreno (MDT), que em poucas palavras, pode ser entendido como uma representao tridimensional da superfcie terrestre. Este conceito apresentado apenas ao final do captulo 4, que se inicia com uma contextualizao do assunto, onde so introduzidos alguns conceitos sobre as estruturas de dados geoespaciais digitais. Dados estes que iro compor insumos elaborao de procedimentos. Boa parte destes dados tem origens nas cartas topogrficas do mapeamento sistemtico brasileiro. Sendo assim, de grande importncia, para os elaboradores de i

procedimento, o conhecimento da organizao dos dados de origem, bem como a correta interpretao das curvas de nvel presentes nestas cartas. Por isso, o captulo 3 aborda alguns conceitos gerais, como escala e a definio de um mapa e apresenta a organizao do mapeamento sistemtico brasileiro. Ainda no captulo trs so introduzidas tcnicas de interpretao de uma das principais informaes para o elaborador de procedimento: a altimetria. Tanto os dados geoespaciais digitais quanto as cartas topogrficas fazem uso de um sistema de projeo a fim de representar em um plano, as coordenadas referenciadas a um planeta curvo. Deste modo, o captulo 2 contempla as projees cartogrficas. Neste captulo so fornecidos alguns conceitos e propriedades inerentes aos tipos de projeo e ainda so apresentadas as principais projees utilizadas no Brasil. Qualquer sistema de projeo cartogrfica est associado a um Sistema Geodsico de Referncia (SGR), cuja definio exige o conhecimento da forma e da dimenso da Terra. O conhecimento em questo objeto de estudo da Geodsia. Conceitos introdutrios desta antiga cincia so apresentados no captulo 1. O primeiro captulo objetiva esclarecer ao leitor os parmetros envolvidos em um SGR e os mtodos de transformao entre datuns, bem como citar aqueles em uso no Brasil, que iro compor a referncia primria para todas as informaes espaciais aqui citadas. O captulo 5 direcionado aos profissionais de cartografia, informaes aeronuticas e elaborao de procedimentos do SISCEAB e tem o objetivo de apresentar em linhas gerais o captulo 10 do Anexo 15 da Organizao de Aviao Civil Internacional, que trata de Dados Eletrnicos de Terreno e Obstculo. respeito da produo dos textos, todos so de autoria do prprio autor. Pequenos trechos sobre curvas de nvel foram extrados e adaptados de BRASIL (1995) e trechos sobre o SRTM foram extrados e adaptados de Barros e Cruz (2007). exceo das duas referncias ora citadas, optou-se por no fazer uso de referncias bibliogrficas, uma vez que se trata de contedo conceitual com o texto elaborado de maneira simples pelo prprio autor. A bibliografia constante ao final do material consiste apenas de recomendaes, caso o leitor deseje um maior aprofundamento do que aqui apresentado. O presente material conta com diversas figuras, a fim de tornar mais didtico o contedo apresentado. Boa parte das figuras no foi produzida pelo autor, mas copiada de diversos stios disponveis na internet. A ferramenta de busca de imagens do Google comps o principal componente para a pesquisa. A autoria das figuras no mencionada, em razo da

ii

diversidade de stios que fazem uso da mesma figura. Contudo, a citao da fonte de onde a imagem foi extrada objeto a ser contemplado em uma futura verso deste material. Ao longo dos captulos so encontradas diversas notas de rodap numeradas de maneira sequencial da primeira ltima. As notas em questo visam apenas ao complemento de algumas informaes fornecidas de maneira mais simples e so alocadas como notas de rodap a fim de no quebrarem a sequncia lgica do texto. Recomenda-se que sejam lidas todas as notas de rodap, pois a grande maioria delas carrega importantes esclarecimentos. Por fim, o autor deseja ao usurio deste material uma boa leitura, carregando consigo grande expectativa de poder contribuir de maneira significativa com o crescimento intelectual do leitor. Leonardo Marini Pereira 20 de junho de 2011

iii

iv

SUMRIO1. FUNDAMENTOS DE GEODSIA1.1 INTRODUO 1.2 FORMA DA TERRA 1.3 SISTEMAS DE COORDENADAS 1.3.1 Sistema de coordenadas CARTESIANO 2D (Bidimensional) 1.3.2 Sistema de coordenadas CARTESIANO 3D (Tridimensional) 1.3.3 Sistema de coordenadas POLARES 1.3.4 Sistema de coordenadas ESFRICAS 1.3.5 Sistema de coordenadas ELIPSOIDAIS 1.3.6 Coordenadas Geodsicas 1.4 SISTEMAS GEODSICOS DE REFERNCIA 1.4.1 Concepo 1.4.2 Definio 1.4.3 Realizao 1.5 SISTEMAS GEODSICOS DE REFERNCIA UTILIZADOS NO BRASIL 1.5.1 Crrego Alegre 1.5.2 South American Datum (SAD-69) 1.5.3 Sistema de Referncia Geocntrico para as Amricas (SIRGAS) 1.5.4 World Geodetic System (WGS-84) 1.5.5 Resumo dos Sistemas de Referncia 1.6 CONVERSO ENTRE SISTEMAS GEODSICOS DE REFERNCIA 1.6.1 Frmulas simplificadas de Molodenski 1.6.2 Translaes no Sistema Cartesiano 1.6.3 Grade de transformao 1.7 CONSIDERAES FINAIS

1111 11 15 15 16 17 17 18 19 23 23 24 24 25 26 26 26 27 27 28 29 30 31 33

2.INTRODUO S PROJEES CARTOGRFICAS2.1 INTRODUO 2.2 PROJEES CARTOGRFICAS 2.2.1 Superfcies de Projeo 2.2.2 Propriedades Geomtricas das Projees 2.2.3 Coordenadas de Projeo _X_ Coordenadas Geodsicas 2.3 PROJEES MAIS UTILIZADAS NO BRASIL 2.3.1 Projeo Policnica 2.3.2 Projeo Cnica Conforme de Lambert

3535 35 36 38 40 42 42 44 v

2.3.3 Projeo Azimutal Estereogrfica 2.3.4 Projeo Universal Transversa de Mercator (UTM) 2.4 CONSIDERAES FINAIS

46 48 53

3. CARTOGRAFIA SISTEMTICA3.1 INTRODUO 3.2 CONCEITOS ENVOLVIDOS 3.3 MAPEAMENTO SISTEMTICO 3.4 CARTAS TOPOGRFICAS 3.4.1 Padres de Representao 3.4.2 Sistema de Coordenadas em uma Carta Topogrfica 3.4.3 Curvas de Nvel 3.4.4 Padro de Exatido Cartogrfica (PEC) 3.5 CONSIDERAES FINAIS

5555 55 57 61 62 63 65 71 73

4. DADOS GEOESPACIAIS DIGITAIS4.1 INTRODUO 4.2 ESTRUTURAS DE DADOS GEOESPACIAIS 4.2.1 Estrutura de Dados Vetoriais 4.2.2 Estrutura de Dados Matricia ou Raster 4.2.3 Tabelas 4.3 MODELO DIGITAL DO TERRENO 4.3.1 Nomenclaturas e Siglas 4.3.2 Estruturas de armazenamento de um MDT 4.4 SHUTTLE RADAR TOPOGRAPHY MISSION (SRTM)

7575 76 76 78 80 82 82 83 88

5. DADOS ELETRNICOS DE TERRENO E OBSTCULO (E-TOD) 935.1 INTRODUO 5.2 ESTRUTURA DOS DADOS E-TOD 5.3 DEFINIO DAS REAS E REQUISITOS NUMRICOS 5.4 UTILIDADE NA ELABORAO DE PROCEDIMENTOS 93 94 95 101

BIBLIOGRAFIA RECOMENDADAvi

103

LISTA DE FIGURASFigura 1.1 A Terra vista do espao exterior. ..................................................................... 12 Figura 1.2 Acidentes naturais sobre a superfcie terrestre. ................................................ 12 Figura 1.3 Vulces com exposio do magma do interior da Terra. .................................. 12 Figura 1.4 Placas litosfricas e a dinmica da tectnica de placas. .................................... 13 Figura 1.5 Elipside com seus parmetros definidores...................................................... 14 Figura 1.6 Sistema de coordenadas cartesiano plano......................................................... 16 Figura 1.7 Sistema cartesiano tridimensional.................................................................... 16 Figura 1.8 Sistema de coordenadas polares....................................................................... 17 Figura 1.9 Coordenadas esfricas. .................................................................................... 18 Figura 1.10 Sistema de coordenadas elipsoidais. .............................................................. 19 Figura 1.11 Paralelos e meridianos com os domnios de latitude e longitude. ................... 21 Figura 1.12 Sistema de coordenadas geodsicas: cartesianas e elipsoidais. ....................... 22 Figura 1.13 Esquema geral da transformao de datum pelas frmulas de Molodenski..... 29 Figura 1.14 Translaes entre dois eixos cartesianos. ....................................................... 30 Figura 1.15 Exemplo de vetores com as distores entre SAD-69 e SIRGAS. .................. 32 Figura 2.1 Projeo plana ou azimutal.............................................................................. 36 Figura 2.2 Projeo cnica. .............................................................................................. 37 Figura 2.3 Projeo Cilndrica.......................................................................................... 37 Figura 2.4 Projees polissuperficiais: policnicas e polidrica........................................ 37 Figura 2.5 Exemplo de Projeo Azimutal Equidistante. .................................................. 38 Figura 2.6 Exemplo de Projeo Cilndrica Equivalente. .................................................. 39 Figura 2.7 Exemplo de Projeo Cnica Conforme. ......................................................... 39 Figura 2.8 Projeo Gnomnica. ...................................................................................... 40 Figura 2.9 Caso especial da projeo cilndrica equidistante com paralelo padro igual a 0 (Plate-Carre). ................................................................................................. 42 Figura 2.10 Esquema de construo da projeo Policnica. ............................................ 43 Figura 2.11 Projeo Policnica com meridiano central na longitude 100W.................... 44 Figura 2.12 Esquema de desenvolvimento da projeo cnica com um paralelo-padro. .. 45 Figura 2.13 Esquema de desenvolvimento da projeo cnica com dois paralelos-padro. 45 Figura 2.14 Projeo Cnica Conforme de Lambert. ........................................................ 45 vii

Figura 2.15 Variao do ponto de vista nas projees perspectivas planas. ....................... 47 Figura 2.16 Aparncia da projeo Gnomnica para duas diferentes origens. ................... 47 Figura 2.17 Aparncia da projeo estereogrfica para duas posies distintas com aspecto oblquo. Pontos de tangncia nos hemisfrios sul e norte............................... 47 Figura 2.18 Aparncia da projeo ortogrfica para duas posies distintas...................... 48 Figura 2.19 Cilindro secante superfcie de referncia e definio de um fuso UTM. ...... 49 Figura 2.20 Linhas de secncia com as zonas de ampliao e reduo da projeo UTM.. 49 Figura 2.21 Projeo UTM com meridiano central igual a 27W. ..................................... 50 Figura 2.22 Fusos UTM em territrio brasileiro. .............................................................. 51 Figura 2.23 Fusos e Zonas UTM. ..................................................................................... 52 Figura 2.24 (a) Aspecto geral de um do fuso no UTM; (b) Fuso no hemisfrio norte; (c) Fuso no hemisfrio sul. ................................................................................. 53 Figura 3.1 Escalas grfica acompanhadas de escalas numricas........................................ 57 Figura 3.2 Diviso da Carta Internacional ao Milionsimo no Brasil com a carta SF-23 em destaque.......................................................................................... 59 Figura 3.3 Desdobramentos da carta internacional ao milionsimo at a escala de 1:10.000 ........................................................................................................................ 60 Figura 3.4 Trecho da carta topogrfica de So Jos dos Campos. ..................................... 62 Figura 3.5 Diferentes representaes para a mesma rea com variao de escala. ............. 63 Figura 3.6 Referncias de coordenadas em uma carta topogrfica 1:100.000. ................... 64 Figura 3.7 Curvas de nvel resultantes da interseo do terreno com planos equidistantes de 100 m. ............................................................................................................. 66 Figura 3.8 Relao das curvas de nvel com os cursos dgua........................................... 67 Figura 3.9 Curvas de nvel de um morro........................................................................... 68 Figura 3.10 Morro e depresso. ........................................................................................ 68 Figura 3.11 Interpretao de curvas de nvel em uma carta topogrfica de escala 1:100.000 com equidistncia de 50 m. ........................................................................... 69 Figura 3.12 Curvas de nvel do morro do po de acar.................................................... 70 Figura 4.1 Elementos da estrutura vetorial em duas dimenses......................................... 77 Figura 4.2 Estrutura de dados matricial. Cada clula acessada pela coordenada da linha (n) e da coluna (m) e carrega um valor anm. .................................................... 78 Figura 4.3 Representao vetorial e matricial de um mapa temtico com trs classes........ 79 Figura 4.4 Tabela de atributos associada a dados geoespaciais (Exemplo do software SPRING). ........................................................................................................ 81 viii

Figura 4.5 Rede Irregular de Tringulos (TIN). ................................................................ 84 Figura 4.6 TIN representado com cores, sombreamento e vista perspectiva. Modelo interpolado a partir de curvas de nvel e pontos cotados em escala 1:250.000 no software Global Mapper. ................................................................................. 84 Figura 4.7 Interpolao de curvas de nvel em TIN no software SPRING......................... 85 Figura 4.8 MDT no formato de grade regular. .................................................................. 86 Figura 4.9 MDT com estrutura de grade regular representado como Imagens. .................. 87 Figura 4.10 Grade numrica de um MDT com cores associadas. ...................................... 87 Figura 4.11 Representao 3D de um MDT em formato de grade regular......................... 88 Figura 4.12 Sistema da misso SRTM.............................................................................. 89 Figura 4.13 Erros do SRTM no Rio de Janeiro. ................................................................ 90 Figura 4.14 Dados SRTM de altitude (a) e declividade (b) para a regio amaznica. ........ 91 Figura 5.1 Representao de dados de obstculos segundo o Anexo 15 da ICAO. ............ 94 Figura 5.2 Abrangncia dos dados e-TOD para a rea 1: Todo o territrio nacional......... 95 Figura 5.3 Superfcies para coleta de dados de terreno. rea 1 e rea 2. .......................... 96 Figura 5.4 Superfcie de coleta de obstculos: reas 1 e 2................................................ 98 Figura 5.5 Definio da rea 3. ....................................................................................... 99 Figura 5.6 Superfcie de coleta de obstculos para a rea 3............................................ 100 Figura 5.7 Superfcie de coleta para terreno e obstculos da rea 4. ........................... 100 Figura 5.8 Ambiente 3D do software ArcGIS com o relevo e os pontos de obstculos para o aeroporto Santos Dumont (abaixo e ao centro) no Rio de Janeiro. .................. 101 Figura 5.9 Interface do sistema FPDAM. ....................................................................... 102

ix

x

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

1. FUNDAMENTOS DE GEODSIA1.1 IntroduoO termo geodsia (portugus brasileiro) ou geodesia (portugus europeu) (do grego , composto de , "terra", e , "dividir") foi usado, pela primeira vez, por Aristteles (384-322 a.C.), e pode significar tanto 'divises (geogrficas) da Terra' como tambm o ato de 'dividir a Terra' (por exemplo, entre proprietrios). De maneira simplificada, Geodsia a cincia que tem por objeto o estudo da forma e dimenses da Terra e os parmetros definidores do campo da gravidade. Pela definio, nota-se de imediato duas grandes linhas de estudo: 1) a forma da Terra; e 2) seu campo de gravidade. A superfcie da Terra formada pelo seu campo da gravidade e a maioria das observaes geodsicas est a ele referida. Consequentemente, a definio de Geodsia inclui a determinao do campo da gravidade terrestre, que por sua vez est intimamente relacionado com a distribuio de massa do planeta. Para a Cartografia, o estudo da gravidade tem implicao na determinao de valores de altitudes. No entanto, este segmento da Geodsia (chamado de Geodsia Fsica) no ser objeto de estudo do presente material. O escopo a ser aqui abordado deter-se- vertente da Geodsia que estuda a forma da Terra e pode ser chamada de Geodsia Geomtrica. De maneira mais simplificada, possvel dizer que a Geodsia Geomtrica preocupa-se em determinar modelos matemticos (tambm podem ser entendidos com figuras geomtricas) para a melhor representao do planeta.

1.2 Forma da TerraQuando se pensa na forma do nosso planeta, a primeira imagem que vem mente a de uma bola. De fato, a Terra vista do espao, como na Figura 1.1, parece perfeitamente redonda como uma bola e em uma primeira aproximao, a Geodsia pode lanar mo da esfera como modelo matemtico (ou figura geomtrica) para representar a Terra. Porm, ao se assumir um ponto de vista mais prximo da superfcie, ou quando olhamos as paisagens ao nosso redor, percebemos a ocorrncia de diversos acidentes geogrficos, como vales, depresses, cnions e morros dos mais variados padres (Figura 1.2). Este segundo olharLeonardo Marini Pereira

11

permite-nos concluir facilmente sobre a irregularidade da superfcie do planeta, descartando a possibilidade de uma Terra perfeitamente esfrica.

Figura 1.1 A Terra vista do espao exterior.

Figura 1.2 Acidentes naturais sobre a superfcie terrestre.

Figura 1.3 Vulces com exposio do magma do interior da Terra.

12

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

Figura 1.4 Placas litosfricas e a dinmica da tectnica de placas. Ao analisar o planeta de maneira mais atenta, possvel adotar um outro ponto de vista que considera a interao entre a superfcie da Terra e o seu interior. Os terremotos, tsunamis e, sobretudo as erupes vulcnicas proporcionam uma idia mais clara sobre o agitado e instvel interior do planeta (Figura 1.3). A Terra divida em grandes blocos chamados de placas litosfricas (Figura 1.4) que se deslocam por conta da dinmica do interior terrestre, originando movimentos chamados de tectnicas de placas. As placas podem se afastar, se chocar, deslizar e se elevar uma sobre a outra. Estes movimentos resultam em deriva continental, cordilheiras, cnions, ilhas, depresses e cadeias de montanhas submarinas. Frente dinmica natural da Terra, pode-se concluir que o interior terrestre no rgido e est sujeito a deformaes, assim como toda a frgil superfcie do planeta. O movimento de rotao da Terra forte o suficiente para deformar um planeta nada rgido. A fora centrfuga, consequncia da inrcia resultante da rotao, faz com que um planeta aparentemente esfrico fique achatado nos plos e mais alongado no equador, poro mais distante do eixo de rotao. A figura resultante desta deformao uma esfera achatada, ou em termos mais tcnicos, um elipside de revoluo.Leonardo Marini Pereira

13

O elipside de revoluo o modelo matemtico (forma geomtrica) mais utilizada na representao da Terra. Seu nome se deve ao fato de que a figura gerada pela rotao (revoluo) de uma elipse em torno de seu eixo menor. Dois parmetros so necessrios para se definir um elipside: os comprimentos dos eixos maior e menor da elipse que d origem ao slido.

b semi-eixo menor (minor axis) a semi-eixo maior (major axis)

0

Figura 1.5 Elipside com seus parmetros definidores. Na Geodsia, bastante comum o uso dos valores dos semi-eixos, ou seja, a metade do comprimento dos eixos. Os semi-eixos maior e menor so representados na elipse da Figura 1.5 respectivamente pelas letras a e b. Na prtica, o semi-eixo menor no utilizado como parmetro na definio de um elipside, mas sim o valor de achatamento (f) da figura dado pela relao:

f =

a b a

[1]

Sendo assim, de posse de dois parmetros, possvel calcular o terceiro. O achatamento sempre apresentado na forma de frao com o valor 1 no numerador. Por exemplo, um achatamento igual a 1/297 significa dizer que a diferena entre os semi-eixos 1/297 avos do semi-eixo maior. Um achatamento igual a zero indica igualdade entre os semieixos e caracteriza uma esfera.

14

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

1.3 Sistemas de CoordenadasO objetivo da Geodsia modelar a forma da Terra, a fim de que este modelo possa ser utilizado como uma superfcie de referncia. A localizao em uma superfcie de referncia feita por meio de sistemas de coordenadas. A Geodsia, assim como a Cartografia e todas as cincias e tcnicas que fazem uso de algum tipo de superfcie de referncia com fins de localizao espacial, exige a definio de um sistema de coordenadas. Por este motivo, de extrema importncia familiarizar-se com diferentes sistemas de coordenadas. Neste tpico sero apresentados cinco diferentes sistemas de coordenadas, a saber: a) Sistema cartesiano 2D (plano); b) Sistema cartesiano 3D (espacial); c) Sistema de coordenadas polares. d) Sistema de coordenadas esfricas; e e) Sistema de coordenadas elipsoidal. Para o presente escopo julga-se relevante a familiarizao com todos os sistemas de coordenadas citados bem como a relao entre os mesmos. Ressalta-se que todo sistema de coordenadas possui uma origem. 1.3.1 Sistema de coordenadas CARTESIANO 2D (Bidimensional) definido por dois eixos, X e Y, normais entre si e a origem do sistema se d no cruzamento entre eles. As coordenadas de um ponto no sistema cartesiano 2D consiste nas distncias do ponto contadas respectivamente sobre os eixos X e Y. Sendo assim, diz-se que um ponto P possui coordenadas (x, y) quando est localizado a uma distncia x da origem ao longo do eixo X e a uma distncia y ao longo do eixo Y. A Figura 1.6 ilustra um ponto no sistema de coordenadas cartesiano bidimensional.

Leonardo Marini Pereira

15

Y

y

P(x,y)

0

x

X

Figura 1.6 Sistema de coordenadas cartesiano plano. 1.3.2 Sistema de coordenadas CARTESIANO 3D (Tridimensional) definido por trs eixos, X, Y e Z, todos normais entre si. A origem do sistema se d no cruzamento dos trs eixos. As coordenadas de um ponto no sistema cartesiano 3D consiste nas distncias do ponto contadas respectivamente sobre os eixos X, Y e Z. Sendo assim, diz-se que um ponto P possui coordenadas (x,y,z) quando est localizado a uma distncia x da origem ao longo do eixo X, a uma distncia y ao longo do eixo Y e a uma distncia z contada ao longo do eixo Z. A Figura 1.7 ilustra um ponto no sistema de coordenadas cartesiano tridimensional.

Zz

P (x,y,z)

x

0

X

y

Y

Figura 1.7 Sistema cartesiano tridimensional.

16

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

1.3.3 Sistema de coordenadas POLARES Usa como referncia um sistema cartesiano 2D com os eixos normais entre si. A origem a mesma do sistema cartesiano, dada pelo cruzamento dos dois eixos. As coordenadas polares so formadas por duas componentes e consistem em uma distncia contada em linha reta a partir da origem e no ngulo formado por esta linha e um dos eixos de coordenadas.YP(r, ) r 0

X

Figura 1.8 Sistema de coordenadas polares. Desse modo, um ponto P com coordenadas (r, ) est localizado a uma distncia r da origem e formando um ngulo entra linha que une o ponto origem e um dos eixos. A Figura 1.8 ilustra um exemplo em que o eixo X tomado como referncia para a contagem dos ngulos. A transformao entre os sistemas cartesiano 2D e polar obtida por relaes trigonomtricas como segue: x = r.cos() y = r.sen() 1.3.4 Sistema de coordenadas ESFRICAS Utiliza como referncia um sistema cartesiano 3D com os eixos normais entre si. A origem tambm dada pelo cruzamento dos trs eixos. As coordenadas esfricas possuem trs componentes, sendo uma distncia e dois ngulos.

[2]

Leonardo Marini Pereira

17

A Figura 1.9 ilustra um ponto P com coordenadas (r, , ), onde: r (raio da esfera) a distncia entre P e a origem; (latitude) o ngulo formado entre a linha que une P origem e a projeo desta linha no plano XY. O valor de 90 chamado de colatitude ou ngulo polar; (azimute ou longitude) o ngulo entre o eixo X positivo e a linha que une a origem com a projeo do ponto P no plano XY.

Z

P (r,,)r

X

Y

Figura 1.9 Coordenadas esfricas.

1.3.5 Sistema de coordenadas ELIPSOIDAIS Utiliza um elipside de revoluo como referncia e o sistema de coordenadas mais utilizado na Geodsia. Por esta razo, o uso de um sistema de coordenadas elipsoidais exige o conhecimento prvio dos parmetros do elipside. As componentes se assemelham ao sistema de coordenadas esfricas, porm apresentam algumas peculiaridades que devem ser esclarecidas. O primeiro detalhe a ser considerado que a grande maioria dos pontos referenciados neste sistema estaro acima do elipside. Desta maneira, a distncia r do sistema de coordenadas esfricas contada a partir da origem (ou centro da esfera) substituda pela componente h, chamada de altura geomtrica ou altitude elipsoidal, que ir representar a altura ou distncia da superfcie do elipside contada sobre uma linha perpendicular superfcie do mesmo. Linha esta chamada de normal do ponto. interessante notar pela Figura 1.10 que a normal do ponto no passa pela origem do elipside devido ao achatamento do slido. 18

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

Uma outra componente do elipside a latitude , que o ngulo formado entre a reta normal do ponto e a sua projeo no plano do semi-eixo maior do elipside. Ressalta-se novamente que o vrtice deste ngulo no o centro do elipside. Por fim, a longitude o ngulo formado pelo plano que contm a normal do ponto e o semi-eixo menor e um outro plano de referncia que tambm contm o semi-eixo menor. Este ltimo chamado de meridiano de origem. A Figura 1.10 ilustra um ponto P (, , h) no sistema de coordenadas elipsoidais. P(, , h)

h

M.O .

Figura 1.10 Sistema de coordenadas elipsoidais. 1.3.6 Coordenadas Geodsicas Quando se fala em coordenadas geodsicas, surgem alguns termos que caracterizam a diviso das componentes da superfcie de referncia a ser utilizada como aproximao da Terra. Estes termos balizam um grande conjunto de conceitos que sero apresentados a seguir antes da apresentao das componentes que definem um sistema de coordenadas geodsicas propriamente dito. 1.3.6.1. Meridianos O eixo de rotao terrestre o eixo sobre o qual a Terra realiza o movimento ao redor de si mesma, proporcionando dois pontos naturais: os plos. As linhas traadas entre os plos pela superfcie do elipside so chamadas de meridianos.

Leonardo Marini Pereira

19

Todos os meridianos so arcos sobre o elipside cujas extremidades coincidem com os plos norte e sul da Terra. Um meridiano apenas metade de uma elipse completa, ou seja, um arco de 180. O nmero de meridianos que se pode traar sobre o elipside infinito. Assim, pois, existe um meridiano para qualquer ponto do elipside. Para sua representao em mapas, os meridianos se apresentam separados por distncias iguais adequadas. 1.3.6.2 Paralelos O equador o crculo mximo contido no plano perpendicular ao eixo de rotao e divide a Terra em dois hemisfrios: norte e sul. Os paralelos so crculos menores completos, obtidos pela interseco do elipside com planos paralelos ao equador. Como sugere o prprio nome, so sempre paralelos entre si na direo leste-oeste. Os paralelos cortam os meridianos formando ngulos retos em qualquer lugar do elipside, exceto nos plos, uma vez que o paralelo passante por eles se reduz a um ponto. Assim como os meridianos, o nmero de paralelos que se pode traar sobre o elipside infinito. Por conseguinte, qualquer ponto sobre o elipside, com exceo do plo norte e do plo sul, est situado sobre um paralelo. 1.3.6.3 Latitude () ngulo formado entre a reta normal do ponto e a sua projeo no plano do equador. Cada paralelo representa uma linha onde todos os pontos possuem a mesma latitude. O equador representa os pontos de latitude igual a 0. A latitude positiva ao norte do equador e negativa no hemisfrio sul, com valores de +90 e 90 respectivamente para os plos norte e sul. Os valores angulares de latitude podem ser representados com sinais positivo e negativo a fim de indicar o hemisfrio a que se referem. Porm, bastante comum encontrar a notao com as letras N ou S para se referirem aos hemisfrios norte ou sul respectivamente (ex: +62 = 62 N ou 23 = 23 S). 1.3.6.4 Longitude () A longitude o ngulo diedro formado entre o plano que contm o meridiano do ponto considerado e o plano do meridiano de origem. Em um sistema geodsico, o meridiano de origem passa pelo observatrio de Greenwich, distrito de Londres. A partir do meridiano de Greenwich, as longitudes so contadas na direo leste ou oeste e variam de 0 a 180, sendo positivas a leste e negativas a oeste. comum 20

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

encontrar a letra E para designar as longitudes positivas, ou leste de Greenwich, e a letra W para as longitudes negativas, ou a oeste de Greenwich.

Figura 1.11 Paralelos e meridianos com os domnios de latitude e longitude. respeito das unidades de medida, os ngulos de latitude e longitude so apresentados em sua maioria em graus sexagesimais. Porm, tambm comum encontrar valores em graus decimais. A Figura 1.11 ilustra de maneira resumida os conceitos apresentados de meridianos, paralelos, latitude e longitude. 1.3.6.5 Componentes de um Sistema de Coordenadas Geodsicas A definio de um sistema de coordenadas Geodsicas envolve coordenadas cartesianas 3D e coordenadas elipsoidais associadas com referenciais terrestres. Portanto, coordenadas Geodsicas podem ser dadas pelo sistema cartesiano tridimensional ou sistema elipsoidal. Na associao de um sistema de coordenadas elipsoidais a um referencial terrestre, o eixo menor do elipside representa o eixo de rotao da Terra e o plano que contm o eixo maior e perpendicular ao eixo de rotao representa o equador. Quando um sistema cartesiano 3D associado a um sistema geodsico de referncia, recebe a denominao de sistema cartesiano geodsico de modo que a origem do sistema cartesiano coincide com o centro do elipside. Os eixos cartesianos ficam definidos da seguinte maneira:Leonardo Marini Pereira

21

O eixo X coincidente ao plano equatorial, positivo no sentido de longitude 0; O eixo Y coincidente ao plano equatorial, positivo no sentido longitude 90; O eixo Z paralelo ao eixo de rotao da Terra e positivo no sentido norte. A Figura 1.12 ilustra os dois sistemas das coordenadas geodsicas, onde um

mesmo ponto pode ser localizado por coordenadas (X, Y, Z) ou (, , h). importante lembrar que a origem do sistema cartesiano para as coordenadas geodsicas sempre o centro do elipside.Z

P(, , h) (x, y, z)h

M.O .

Y

X

Figura 1.12 Sistema de coordenadas geodsicas: cartesianas e elipsoidais. A relao matemtica entre as coordenadas cartesianas e elipsoidais dada por: X = (N+h).cos().cos() Y = (N+h).cos( ).sen() Z = [N.(1-e)+h].sen() onde, N chamada de grande normal e e, chamado de segunda excentricidade, dados por: e = 2f f [4] [3]

22

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

N=

a 1 e.sen ()

[5]

1.4 Sistemas Geodsicos de RefernciaA localizao dos acidentes naturais e dos objetos artificiais sobre a superfcie terrestre feita por meio de um sistema de coordenadas. Uma vez que o objetivo fazer referncia superfcie terrestre, este sistema de coordenadas deve considerar a forma da Terra e ser apropriado finalidade que se destina no que se refere abrangncia do sistema com aplicaes locais ou globais. Um sistema geodsico de referncia (SGR), tambm chamado de datum, pode ser definido de maneira simplificada, como um sistema de coordenadas que leva em conta os fatores descritos acima, ou seja, a forma e as dimenses da Terra e a abrangncia da aplicao do sistema (local ou global). Na definio do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), um sistema geodsico de referncia um sistema de coordenadas, utilizado para representar caractersticas terrestres, sejam elas geomtricas ou fsicas. Na prtica, serve para obteno de coordenadas que possibilitam a representao e localizao em mapa 1de qualquer elemento da superfcie do planeta. Um SGR faz uso de coordenadas geodsicas, ou seja, um sistema cartesiano tridimensional (X,Y,Z) e um sistema de coordenadas elipsoidal (, , h). O estabelecimento de um sistema geodsico de referncia passa por trs etapas distintas, a saber: Concepo, Definio e Realizao. 1.4.1 Concepo A concepo de um SGR a fase de estabelecimento da origem2 do sistema de coordenadas bem como a sua orientao quanto Terra. Quando o centro do elipside de referncia coincidir com o centro de massa da Terra, diz-se que o datum geocntrico ou importante deixar claro que a representao em mapa de um elemento da superfcie do planeta trabalho da cartografia, que foge ao escopo deste captulo e ser abordada no captulo 2. Porm, j possvel adiantar que a construo de um mapa exige necessariamente o conhecimento de um sistema geodsico de referncia. Portanto, a Geodsia utilizada para o estabelecimento de um modelo (um sistema) que ser utilizado como referncia para a cartografia. 2 A origem do sistema de coordenadas de um datum refere-se localizao da coordenada (0,0,0) no sistema cartesiano 3D, ou o centro do elipside de referncia. No deve ser confundido com o ponto origem (interpretado por alguns autores como o prprio datum) considerado na etapa de concepo e realizao de alguns sistemas de referncia categorizados como clssicos. Leonardo Marini Pereira1

23

global. A no coincidncia da origem com o geocentro (centro da Terra) caracteriza um sistema local ou topocntrico. A orientao dos eixos cartesianos com relao ao planeta tambm atribuda na concepo de um datum. Para a maior parte dos sistemas geodsicos de referncia, o eixo Z do sistema cartesiano paralelo ao eixo de rotao da Terra e como consequncia, o plano XY do elipside fica paralelo ao plano do equador terrestre. Contudo, a orientao de um datum considera principalmente as caractersticas fsicas da Terra que evolvem o campo de gravidade terrestre3. 1.4.2 Definio Os parmetros definidores do elipside (semi-eixo maior e achatamento) so estabelecidos na etapa de definio do SGR4, a fim de dar forma superfcie que servir como referncia das coordenadas. Durante o sculo XX muitos geodesistas se ocuparam intensamente pela busca de um elipside que melhor representasse matematicamente o planeta. O resultado deste trabalho pode ser notado nos nomes de quase todos os elipsides que em boa parte agregam o ano da conferncia internacional em que os parmetros foram apresentados e recomendados pela International Union of Geodesy and Geophysycs (IUGG). Exemplos: GRS-67, GRS-80, WGS-84 etc. A escolha de um elipside tambm tem influncia na abrangncia do sistema a ser utilizado. Para um sistema local, a definio preocupa-se com o ajuste do elipside apenas rea de aplicao de um determinado pas ou regio. J um sistema global, procura um elipside que possa se adequar melhor a todo o planeta ou a todo um continente. 1.4.3 Realizao A realizao de um sistema geodsico de referncia consiste na materializao de pontos na superfcie a fim de concretizar fisicamente o datum e serem usados como referncia em levantamentos topogrficos, geodsicos e fotogramtricos. Desse modo, os resultados da

3

O estudo da gravidade da Terra foge ao escopo do que proposto por este material, porm, vale a pena exemplificar que a concepo de um SGR pode assumir que para um determinado ponto, a linha normal (perpendicular superfcie do elipside no ponto considerado) paralela linha da vertical (fio de prumo, cuja direo varivel para cada ponto em funo do campo de gravidade). Pode-se assumir ainda que a altura geomtrica neste mesmo ponto seja igual sua altitude ortomtrica (distncia contada ao longo da vertical que vai do ponto at o geide, uma superfcie fsica que se aproxima do nvel mdio dos mares). 4 Alguns autores e usurios consideram a concepo do SGR como parte da etapa de definio.

24

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

realizao de um SGR so marcos materializados na superfcie acompanhados de uma lista com as respectivas coordenadas ajustadas no sistema de referncia em questo. A realizao a ltima das etapas para o estabelecimento de um SGR, a fim de torn-lo operacional. Mesmo aps a finalizao do estabelecimento de um SGR, a rede de pontos pode ser adensada com a incorporao de novos pontos e conseqente reajuste de todas as coordenadas que materializam o sistema. Sendo assim, uma vez concebido e definido, um datum pode ser refinado com mais de uma realizao.

1.5 Sistemas Geodsicos de Referncia Utilizados no BrasilAntes de apresentar os principais SGR utilizados no Brasil, julga-se relevante esclarecer primeiro a diferena entre sistemas locais e globais. Os sistemas geodsicos de referncia locais ou topocntricos so caracterizados pela no coincidncia da origem do sistema de coordenadas (centro do elipside) com o centro de massa da Terra. Sistemas de referncia locais pertencem gerao dos chamados sistemas clssicos e esto caindo em desuso na atualidade. O estabelecimento de um datum desta natureza objetivava um ajuste apenas para um determinado pas ou regio. Neste contexto, a definio do datum assumia determinadas condies para um determinado ponto respeito da orientao entre a superfcie matemtica (elipside) e a superfcie fsica (geide) no ponto considerado. Com isso, o conceito de datum, entendido por alguns como o ponto origem do sistema de referncia, ou seja, o ponto sobre o qual foram assumidas condies que caracterizaram a orientao do sistema de referncia. O levantamento de pontos para a realizao de sistemas de referncia locais utiliza, em sua maioria, tcnicas mais antigas como astronomia, triangulao e tcnicas de posicionamento por satlite que no o GPS (Global Positioning System). Os sistemas geodsicos de referncia globais ou geocntricos apresentam a origem do sistema de coordenadas coincidente com o centro de massa do planeta. So da gerao dos sistemas modernos e representam a tendncia mundial. Um SGR geocntrico possui um propsito mais global para as aplicaes que o utilizam. Dessa maneira, a realizao do sistema no se restringe apenas a uma rea, mas a todo o planeta. Como consequncia, a viso de datum como ponto origem deixa de fazer sentido, uma vez que no h um ponto origem sobre o qual so assumidas condies de orientao, mas sim um conjunto de etapas que visam a uma referncia de ajuste mundial. 25

Leonardo Marini Pereira

Sistemas de referncia desta natureza fazem uso do GPS na etapa da realizao da grande maioria dos pontos. A seguir sero apresentados os sistemas geodsicos de referncia adotados no Brasil alm do sistema global WGS-84. 1.5.1 Crrego Alegre um datum topocntrico e foi adotado pelo Brasil na dcada de 50 com o ponto origem sendo o vrtice Crrego Alegre5, medido por astronomia de posio. Utiliza como referncia o Elipside Internacional de Hayford de 1924 e foi contemplado com duas realizaes: uma com dados de 1961 e outra com dados de 1970 a 1972. 1.5.2 South American Datum (SAD-69) Tambm um sistema topocntrico adotado oficialmente pelo Brasil a partir de 1979, tendo como ponto origem o vrtice Chu5, pertencente rede de triangulao do IBGE. O elipside de referncia adotado o Geodetic Reference System de 1967 (GRS-67). Contou com duas realizaes: a primeira na dcada de 60 com pontos da rede clssica e a segunda em 1996 j com pontos medidos pelo sistema GPS. 1.5.3 Sistema de Referncia Geocntrico para as Amricas (SIRGAS) Sistema Geocntrico criado em 1993, contando a princpio, com a participao de pases da Amrica do Sul, a fim de estabelecer um referencial geocntrico comum para toda a Amrica do Sul. Posteriormente contou com a adeso dos pases da Amrica Central e do Norte. Foi oficialmente adotado como Referencial Geodsico Brasileiro em 2005, atravs da Resoluo do Presidente do IBGE N1/2005, onde alterada a caracterizao do Sistema Geodsico Brasileiro, estando atualmente em um perodo de transio de 10 anos, onde o SAD-69 ainda poder ser utilizado pela comunidade, com a recomendao de que novos trabalhos sejam feitos j no novo sistema. Na prtica, para grande parte das aplicaes, o SIRGAS pode ser considerado idntico ao WGS-84.

5

Neste caso, ponto origem do datum no deve ser confundido com a origem do sistema de coordenadas.

26

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

O elipside de referncia adotado pelo SIRGAS o Geodetic Reference System de 1980 (GRS-80). Conta at o momento com duas realizaes: uma em 1995 e outra em 2000. 1.5.4 Wold Geodetic System (WGS-84) O WGS-84 a quarta verso do sistema de referncia geodsico global estabelecido pelo Departamento de Defesa Americano (DoD) desde 1960 com o objetivo de fornecer posicionamento e navegao em qualquer parte do mundo. o sistema de referncia utilizado pelo sistema GPS. Da a importncia do WGS-84 frente aos demais sistemas de referncia. A Organizao de Aviao Civil Internacional (ICAO) preconiza o WGS-84 como sistema de referncia a ser adotado por todos os pases signatrios, a fim de que as coordenadas utilizadas pela aviao ao redor do mundo sejam compatveis, ou seja, possuam um nico referencial. O elipside utilizado por este datum leva o mesmo nome do sistema de referncia (WGS-84) que conta at o momento com quatro realizaes. A primeira utilizou observaes de efeito Doppler oriundas de um antigo sistema de posicionamento denominado Transit. As seguintes utilizaram observaes do sistema GPS com diversas estaes espalhadas pelo mundo. Por conta do GPS, os nomes das realizaes so compostos pela letra G seguida da semana GPS cujos dados foram utilizados no ajuste. Os refinamentos do WGS-84 ocorreram em 1994 (G730), 1997 (G873) e 2001 (G1150). 1.5.5 Resumo dos Sistemas de Referncia O quadro constante na Tabela 1 resume as principais caractersticas dos sistemas geodsicos de referncia citados, bem como apresenta os parmetros definidores dos respectivos elipsides de referncia. Cada SGR de referncia foi concebido, definido e realizado a fim de se adequar a um propsito, seja local ou global. At o final do sculo XX, a tendncia mundial era a de adoo de um sistema de referncia que atendesse apenas as necessidades locais de um determinado pas ou regio. Com a maior popularizao do GPS e a grande tendncia de disseminao e compartilhamento de dados geospaciais, a tendncia mundial a utilizao de um SGR que atenda a propsitos mais globais, como o caso do SIRGAS e do WGS-84.

Leonardo Marini Pereira

27

Ressalta-se que os parmetros de um elipside apenas no caracterizam um datum, podendo haver diferentes sistemas de referncia com o mesmo elipside. importante notar que as figuras geomtricas (elipsides) sobre a qual so baseados os sistemas de referncia possuem tamanhos e formas diferentes (parmetros definidores: semi-eixo maior e achatamento). Este fator juntamente com as diferentes orientaes e realizaes dos SGR so suficientes para concluir que as coordenadas geodsicas de um ponto, sejam cartesianas ou elipsoidais, so inteis se no for conhecido o sistema geodsico de referncia ao qual esto associadas. TABELA 1 Parmetros e caractersticas dos Sistemas de Referncia. Crrego Alegre Origem ElipsideTopocntrica Internacional de Hayford 1924 6.378.388,0 m 1/ 297

SAD-69Topocntrica

SIRGASGeocntrica

WGS-84Geocntrica

GRS-67

GRS-80

WGS-84

a f

6.378.160,0 m 1/ 298,25

6.378.137,0 m 1/ 298,257222101

6.378.137,0 m 1 / 298,257223563 Doppler (1987),

Realizaes 1961, e 1970/1972

SAD-69, e SAD-69/96

SIRGAS (1995), e SIRGAS (2000)

G730 (1994), G873 (1997), e G1150 (2001)

1.6 Converso entre Sistemas Geodsicos de RefernciaApesar da tendncia mundial de utilizao de um datum global, como o WGS-84, boa parte do mapeamento existente no Brasil encontra-se ainda em referenciais topocntricos, uma vez que foram executados na poca em que estes se encontravam em vigor. Muitas vezes, existe a necessidade de se integrar dados de diferentes fontes e com sistemas de referncia diferentes. A integrao de dados geoespaciais, de qualquer tipo e de qualquer poca, exige que todos os dados utilizem a mesma referncia, ou seja, estejam no mesmo

28

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

datum. Sendo assim, existe a necessidade de converso entre os diferentes sistemas geodsicos de referncia. A fim de compreender melhor os mtodos de converso, importante que estejam devidamente esclarecidas as diferenas envolvidas nos sistemas de coordenadas apresentados no tpico 1.3. Por este motivo, recomenda-se uma releitura do tpico 1.3 Sistemas de Coordenadas, antes de prosseguir. 1.6.1 Frmulas simplificadas de Molodenski As frmulas simplificadas de Molodenski consistem em uma transformao direta das coordenadas geodsicas elipsoidais de um datum para as coordenadas geodsicas elipsoidais de um outro datum. A aplicao da frmula exige o conhecimento de cinco parmetros: a: Variao do semi-eixo maior entre os elipsides dos dois SGR; f: Variao do achatamento entre os elipsides dos dois SGR; X: Translao do eixo X no sistema de coordenadas geodsicas cartesianas; Y: Translao do eixo Y no sistema de coordenadas geodsicas cartesianas; e Z: Translao do eixo Z no sistema de coordenadas geodsicas cartesianas; A Figura 1.13 resume o esquema das frmulas de Molodenski:

(1, 1)

a, f

X Y Z

(2, 2)

Figura 1.13 Esquema geral da transformao de datum pelas frmulas de Molodenski. Como resultado, as frmulas fornecem as variaes em latitude ( e longitude ) ( entre os SGR envolvidos, dadas por: ) = (1/M1) {(a1f + f1a) sen21 x sen1 cos1 y sen1 sen1 + z cos1}(180/) = (1/N cos1) {x sen1 + y cos1} (180/) [6]

Leonardo Marini Pereira

29

onde, as variveis com subndice 1 referem-se ao datum a partir do qual se deseja fazer a transformao e M uma medida geomtrica do elipside chamada de raio de curvatura da seo meridiana, calculada em funo de parmetros do elipside. A aplicao das frmulas da expresso [6] permite o clculo das coordenadas (2,2) do SGR2 a partir das coordenadas (1,1) do SGR1 por meio das expresses:

2 = 1 + 2 = 1 + 1.6.2 Translaes no Sistema Cartesiano

[7]

O mtodo de translaes no sistema cartesiano aplicvel quando possvel assumir que os sistemas geodsicos envolvidos so paralelos entre si. Esta condio pode ser aplicada a todos os SGR citados no tpico 1.5. A transformao executada sobre as coordenadas geodsicas cartesianas e os parmetros envolvidos so as translaes X, Y e Z respectivamente sobre os eixos X, Y e Z entre os SGR envolvidos. A Figura 1.14 ilustra as translaes entre dois eixos cartesianos tridimensionais.Z Z

X X X

Z Y Y Y

Figura 1.14 Translaes entre dois eixos cartesianos. Sendo assim, quando se deseja transformar coordenadas geodsicas elipsoidais de um sistema em coordenadas geodsicas elipsoidais de outro sistema, o mtodo de translaes exige que se faa primeiramente a converso para coordenadas cartesianas por meio das expresses [3]. Com as coordenadas cartesianas, aplicam-se as translaes e so obtidas as coordenadas cartesianas no sistema geodsico transformado. Para se obter as novas

30

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

coordenadas no sistema elipsoidal, necessria a converso por expresses que produzem o inverso do apresentado em [3]. A Tabela 2 apresenta os valores de translaes do sistema geodsico cartesiano do datum WGS-84 para os sistemas SIRGAS, Crrego Alegre e SAD-69. TABELA 2 Valore de translaes do WGS-84 para outros SGR. WGS-84 Translao em X Translao em Y Translao em Z 1.6.3 Grade de transformao A transformao de datum por este mtodo faz uso de uma grade com valores das variaes em latitude e longitude entre os dois SGR envolvidos. Este mtodo pode ser considerado, mais preciso do que o de Molodenski ou o de translaes nos eixos cartesianos, uma vez que as variaes envolvidas na maior parte das vezes no so uniformes. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica (IBGE), rgo responsvel por manter o Sistema Geodsico Brasileiro (SGB) disponibiliza um software chamado ProGrid que utiliza este mtodo de transformao para converter coordenadas de Crrego Alegre e SAD-69 para o datum SIRGAS. A grade utilizada pelo referido software no formato Ntv26 com extenso gsb. O trecho abaixo, retirado do website do IBGE, explica um pouco do software ProGrid e do princpio de transformao de datum pelo mtodo de grade: SIRGAS -0,478 m -0,491 m +0,297 m Crrego Alegre +205,57 m -168,77 m -72,623 m SAD-69 +66,87 m -4,37 m +38,52 m

O ProGriD representa um avano no tratamento da transformao de coordenadas entre referenciais geodsicos. Em geral, dois referenciais geodsicos se relacionam atravs de parmetros de transformao constantes para qualquer rea coberta por estes referenciais. O que esses parmetros no conseguem transformar, tornam-se resduos, representando as distores da rede geodsica. O ProGriD modela esses resduos (ou seja, a prpria distoro da6

Ntv2 (National Transformation) um software canadense que utiliza grade de transformao na converso entre SGR da Amrica do Norte. Muitos softwares possuem capacidade para lerem arquivos no formato NTv2. Leonardo Marini Pereira

31

rede), possibilitando um resultado final mais preciso. O ProGriD se vale de arquivos contendo uma grade de valores em latitude e longitude que permite a direta transformao entre o Crrego Alegre, SAD69 e SIRGAS2000, seguindo o formato NTv2. A Figura 1.15 apresenta vetores de diferenas entre o datum SAD-69 e SIRGAS. Estes vetores so oriundos das diferenas entre as coordenadas dos pontos que compuseram a realizao do SAD-69 e os mesmos pontos que fizeram parte da realizao do SIRGAS 2000. As diferenas encontradas so interpoladas de maneira a gerar uma grade regular que possui os valores de e para qualquer ponto dentro dos limites nacionais.

Figura 1.15 Exemplo de vetores com as distores entre SAD-69 e SIRGAS.

32

Captulo 1: Fundamentos de Geodsia

1.7 Consideraes FinaisO objetivo deste captulo foi o de apresentar o modelo matemtico (elipside de revoluo) utilizado na representao da forma da Terra, bem como os Sistemas Geodsicos de Referncia adotados no Brasil. Para isto, fez-se necessrio citar os diferentes tipos de sistemas de coordenadas e posteriormente os mtodos de transformao entre datuns. Ressalta-se que o presente captulo ainda no abordou a questo da representao de elementos da Terra em mapas. Para este fim, a Geodsia preocupa-se apenas em localizar elementos da superfcie terrestre referenciados ao elipside. Por este motivo, o elipside, quando associado a um Sistema Geodsico de Referncia, entendido como uma superfcie de referncia geodsica7. Da a grande importncia de se conhecer o Sistema de Referncia ao qual esto associados os dados ou as coordenadas que se est trabalhando. Sem esta informao, os dados so praticamente inteis e podem acarretar problemas de posicionamento quando da integrao de dados de diferentes fontes.

7

Uma superfcie geodsica de referncia uma superfcie terica destinada a servir de modelo superfcie da Terra, com forma e dimenses to prximas quanto possvel das da Terra, destinada a estabelecer com grande exatido, a posio relativa entre os vrios lugares.

Leonardo Marini Pereira

33

34

Captulo 2: Noes de Cartografia

2. INTRODUO S PROJEES CARTOGRFICAS2.1 IntroduoA cartografia consiste de um conjunto de tcnicas com o propsito de representar elementos especficos da superfcie terrestre em um plano (2D). de interesse da cartografia a apresentao visual dos elementos da superfcie, ou seja, a simbologia a ser adotada a fim de representar de maneira mais adequada os acidentes naturais e as feies artificiais presentes na superfcie terrestre, uma vez que existe o propsito de se elaborar uma carta. Entretanto, esta ltima vertente foge do escopo dado neste captulo e de toda a proposta do presente material. O enfoque da cartografia a ser aqui abordado se d nas implicaes de representar elementos que esto referenciados a uma superfcie curva (elipside de revoluo) em uma superfcie plana. Por primeiro, existe a necessidade de que os elementos a serem mapeados estejam devidamente referenciados a uma superfcie associada a um Sistema Geodsico de Referncia8. Estabelecido o datum apropriado, deve-se definir um sistema de coordenadas plano sobre o qual sero projetadas as coordenadas de todos os pontos selecionados da superfcie de referncia. Esta ltima chamada de superfcie de projeo.

2.2 Projees CartogrficasUma projeo cartogrfica o resultado de um processo de converso ou transformao de coordenadas de um ponto na superfcie de referncia (latitude/longitude) para coordenadas em um plano (x/y). Em outras palavras, as projees cartogrficas constituem-se de frmulas matemticas que transformam coordenadas geodsicas em coordenadas planas, mantendo correspondncia biunvoca entre elas. Nesta converso, baseada em relaes matemticas ou geomtricas, as distores acontecem. Qualquer projeo acarreta em algum tipo de distoro, uma vez que ocorre a transformao de uma superfcie curva em uma superfcie plana.

8

A superfcie associada com um SGR na grande maioria dos casos um elipside de revoluo. Porm, em aproximaes menos precisas, possvel utilizar uma esfera como modelo de referncia da Terra. Leonardo Marini Pereira

35

Ressalta-se que um sistema de projeo ser sempre associado a um sistema geodsico de referncia. O oposto, porm, no ocorre, ou seja, um SGR ser independente de projeo cartogrfica, pois um datum possibilita o uso de qualquer projeo. 2.2.1 Superfcies de Projeo A superfcie resultante de uma projeo sempre um plano, pois a informao oriunda do elipside ser representada em um mapa ou na tela de um computador. Entretanto, superfcies intermedirias podem ser utilizadas. Alm de um plano propriamente dito, so comumente utilizados cilindros e cones, que so facilmente desenvolvidos em um plano. Deste modo, respeito da superfcie, as projees podem ser classificadas em: a) Planas ou Azimutais: Fazem uso de um plano propriamente dito para projetar a superfcie de referncia. Projees planas so quase sempre tangentes em um ponto especfico da superfcie de referncia9, sendo mais comum um ponto no equador ou um dos plos. No ponto de tangncia a distoro nula.

Figura 2.1 Projeo plana ou azimutal. b) Cnicas: Cones so utilizados como superfcies auxiliares e podem ser desenvolvidos em planos sem que haja distores. Sua posio com relao superfcie de referncia pode ser transversa ou oblqua ao eixo da Terra, porm, a grande maioria das projees desta natureza assume o cone posicionado no hemisfrio norte ou sul com o eixo do cone coincidente com o eixo da Terra. Nestes casos, o cone fica tangente a um paralelo ou secante em dois paralelos. Tangente ou secante, so denominados de paralelos-padro e apresentam distoro nula em toda sua extenso.

9

Em casos menos comuns, o plano pode ainda ser secante superfcie de referncia.

36

Captulo 2: Noes de Cartografia

Figura 2.2 Projeo cnica. c) Cilndricas: Um cilindro tambm pode ser desenvolvido em um plano sem que haja distores. Em projees cilndricas, a superfcie de projeo pode assumir uma posio tangente ao equador (normal ao eixo da Terra) ou a um meridiano especfico (transverso ao eixo da Terra). O cone pode ainda ser secante superfcie de referncia ou assumir uma posio oblqua ao eixo da Terra.

Figura 2.3 Projeo Cilndrica. d) Polissuperficiais: se caracterizam pelo emprego de mais do que uma superfcie de projeo (do mesmo tipo) para aumentar o contato com a superfcie de referncia e, portanto, diminuir as deformaes (plano: polidrica; cone: policnica; cilindro: policilndrica).

Figura 2.4 Projees polissuperficiais: policnicas e polidrica.

Leonardo Marini Pereira

37

2.2.2 Propriedades Geomtricas das Projees Na impossibilidade de se desenvolver uma superfcie esfrica ou elipsidica sobre um plano sem deformaes, na prtica, buscam-se projees tais que permitam diminuir ou eliminar parte das deformaes de acordo com a aplicao desejada. Entre distncias, reas ou formas dos elementos representados, pode-se optar por preservar apenas uma propriedade em detrimento das outras duas (preservar as trs impossvel). Pode-se ainda no preservar nenhuma propriedade geomtrica e assumir uma outra propriedade relevante para determinadas aplicaes. Sendo assim, quanto s propriedades geomtricas, as projees cartogrficas se classificam em: a) Equidistantes: No apresentam deformaes lineares para algumas linhas em especial, isto , os comprimentos so representados em escala uniforme10. Em outras palavras, pode-se dizer que nas projees equidistantes, algumas linhas da superfcie de projeo possuem o mesmo comprimento que na superfcie de referncia.

Figura 2.5 Exemplo de Projeo Azimutal Equidistante. b) Equivalentes: Tm a propriedade de no alterarem as reas, conservando assim, uma relao constante com as suas correspondentes na superfcie de referncia. Em projees desta natureza, os meridianos e paralelos podem no se interceptarem em ngulos retos. As formas so mais distorcidas para reas maiores e menos perceptveis em reas menores.

10

Neste contexto, o termo escala se refere proporo da superfcie de projeo com a superfcie de referncia.

38

Captulo 2: Noes de Cartografia

Figura 2.6 Exemplo de Projeo Cilndrica Equivalente. c) Conformes: Preservam as formas dos elementos e, portanto representam sem deformao, todos os ngulos em torno de quaisquer pontos. Decorrente disso, no deformam pequenas regies11. Uma vez que os ngulos so preservados, as projees conformes representam os paralelos e meridianos interceptando-se em ngulos de 90. Aproveitando-se desta propriedade, as cartas de navegao (nuticas e aeronuticas) fazem uso de projees conformes, a fim de representarem como retas as linhas de rumo ou loxodrmia12.

Figura 2.7 Exemplo de Projeo Cnica Conforme. d) Afilticas: No possui nenhuma das propriedades dos outros tipos, isto , equivalncia, conformidade e eqidistncia. Portanto, nas projees afilticas, as reas, os ngulos e os comprimentos no so conservados. Entretanto, podem possuir uma ou outra propriedade que justifique sua construo. A projeo gnomnica (Figura 2.8), por exemplo, apresentando

11 12

Nenhuma projeo cartogrfica capaz de preservar a forma de grandes reas. Chamada de rumo na navegao nutica e aeronutica, a loxodrmia representa uma linha de azimute constante. O azimute o ngulo contado a partir do norte at uma dada direo pelo leste. Leonardo Marini Pereira

39

todas as deformaes, possui a excepcional propriedade de representar as ortodrmias13 como retas.

Figura 2.8 Projeo Gnomnica. 2.2.3 Coordenadas de Projeo _X_ Coordenadas Geodsicas Uma projeo cartogrfica converte coordenadas geodsicas em coordenadas de um sistema plano. Nesta converso podem ser utilizadas superfcies intermedirias, como o cilindro e o cone, alm do plano propriamente dito. Dentre os diversos mtodos de projeo com as superfcies citadas, algumas propriedades geomtricas (equidistncia, equivalncia ou conformidade) so perdidas e outras so conservadas. Face ao breve resumo descrito acima, possvel distinguir claramente dois sistemas de coordenadas: 1) o sistema de coordenadas geodsicas14, associadas superfcie de referncia; e 2) o sistema de coordenadas de projeo, associadas superfcie de projeo. Quando se trabalha com dados cartogrficos, seja em um mapa impresso ou na tela de um computador, o sistema de coordenadas empregado sempre o de projeo, uma vez que se trata de coordenadas planas. Desse modo, qualquer medida de ngulo, distncia ou de rea feita com coordenadas de projeo estar sujeita s propriedades da projeo cartogrfica adotada. Por este motivo, o usurio deve ter sempre em mente a projeo utilizada bem como as propriedades inerentes da mesma, principalmente quando se trata de grandes reas. Por outro lado, boa parte dos softwares que trabalham com dados geoespaciais contam com a possibilidade de se efetuar medidas com as coordenadas geodsicas, livre dos

13

o arco que liga dois pontos e representa a menor distncia entre eles na superfcie de referncia da Terra. A navegao sobre uma ortodromia exige constantes mudanas de rumo, pois os arcos de menor distncia formam ngulos variveis com os meridianos. 14 Neste contexto, as coordenadas geodsicas sero sempre elipsoidais, ou seja, latitude e longitude (,).

40

Captulo 2: Noes de Cartografia

efeitos de inevitveis distores resultantes da projeo cartogrfica. Neste caso, o usurio deve estar atento apenas escolha do sistema de coordenadas sobre o qual esto sendo efetuadas as medidas. bastante comum encontrar softwares que apresentam a possibilidade de se referirem ao sistema de projeo como Sistema de Coordenadas Geogrficas15 (Lat/Long), acompanhado do seu respectivo sistema geodsico de referncia (Exemplo: Geographic [Lat/Long] WGS-84). Citaes desta natureza indicam que a projeo cartogrfica foi ignorada e que esto sendo utilizados os valores de latitude e longitude (,) diretamente nos eixos cartesianos planos y e x respectivamente, da maneira como descrita na expresso abaixo: x= y= [8]

Neste caso, mais uma vez deve-se atentar ao sistema de coordenadas que so efetuadas as medidas. Quando se opta pelo sistema plano, ocorrem distores naturais nas medidas de distncias e reas, pois so usados valores de coordenadas elipsoidais para clculos executados em um plano cartesiano, ou seja, valores angulares como lineares. Ao se optar pelas coordenadas geodsicas quando da execuo das medidas, a superfcie utilizada nos clculos o elipside e os valores medidos sero mais prximos da realidade. O uso de coordenadas geodsicas como se fossem coordenadas planas bastante utilizado em sistemas computacionais pela simplicidade na converso de coordenadas e a inexistncia de clculos complexos na transformao entre o sistema geodsico e o sistema plano. A abordagem em questo o caso especfico16 (e muito comum) denominado PlateCarre17 de uma antiga projeo cilndrica equidistante meridiana18. A Figura 2.9 ilustra o aspecto da projeo Plate-Carre com paralelo padro igual a 0. comum encontrar usurios leigos referindo-se erradamente a esta projeo simplesmente como Lat/Long, dada a descrio encontrada na grande maioria dos sistemas computacionais que comportam a projeo.

15

O emprego do termo coordenadas geogrficas frequente entre os usurios de dados geoespaciais, porm, o termo tcnico mais correto coordenadas geodsicas. 16 O caso especfico em questo assume o equador como paralelo-padro da projeo, ou seja, = 0. 17 Plate-Carre uma expresso francesa que pode ser traduzida como Malha Quadrada, dado o aspecto dos paralelos e meridianos da projeo quando o paralelo padro o equador. O clculo da projeo extremamente simples e sua origem remonta ao ano 200 a.C. 18 Significa dizer que a projeo usa um cilindro como superfcie de projeo e os meridianos so igualmente espaados.

Leonardo Marini Pereira

41

Figura 2.9 Caso especial da projeo cilndrica equidistante com paralelo padro igual a 0 (Plate-Carre).

2.3 Projees mais utilizadas no BrasilA escolha de um sistema de projeo deve considerar a rea de abrangncia e as propriedades que se deseja obter. Existem diversas projees cartogrficas, porm cada pas, estado ou municpio em funo da sua localizao no planeta e das suas necessidades, adota uma projeo que seja mais conveniente s suas aplicaes. Neste tpico sero apresentadas algumas projees mais comumente utilizadas por rgos oficiais de cartografia no Brasil. 2.3.1 Projeo Policnica A projeo policnica afiltica e de natureza polissuperficial utilizada em algumas aplicaes em cartografia. Embora esta projeo no apresente a propriedade de conformidade, nem de equivalncia, ela se tornou padro para alguns produtos oficiais. Como exemplo de aplicao pode-se considerar a srie de cartas CIM Carta Internacional do Mundo, ao milionsimo (vide captulo 3) at 1962. No caso do Brasil a projeo policnica utilizada na produo em mapas do IBGE da srie Brasil, regionais, estaduais e temticos. Sua utilizao mais apropriada para mapeamentos com escalas pequenas19 e em reas com orientao predominantemente norte-sul.

19

O conceito de escala ser abordado no captulo 3.

42

Captulo 2: Noes de Cartografia

Nesta projeo os cones tangenciam a superfcie de referncia em seus paralelos, de modo que cada paralelo corresponda a um cone tangente. Em conseqncia, cada paralelo ser desenvolvido separadamente, por meio do cone que lhe tangente, e representado por um arco de crculo, da a denominao policnica. Deste modo os paralelos so arcos de circunferncia no concntricos, porque cada um ter como centro o vrtice do cone que lhe deu origem (Figura 2.10). Estes centros esto todos sobre o mesmo segmento de reta, pois os eixos dos cones so coincidentes, situados no prolongamento do meridiano central.

Figura 2.10 Esquema de construo da projeo Policnica. O principal parmetro da projeo policnica a longitude do meridiano central, que ir determinar o centro da projeo20 e ser representado por uma reta ortogonal ao equador que tambm ser uma reta. Os paralelos so representados em verdadeira grandeza e as distores so nulas ao longo do meridiano central. Os demais meridianos apresentam distores simtricas em relao ao meridiano central e so curvas complexas calculadas para cada posio de cone tangente, sendo o resultado a unio destes pontos. O aspecto global da projeo policnica apresentado na Figura 2.11.

20

importante frisar que nesta projeo no existe o conceito de paralelo padro, como nas projees cnicas, justamente pelo fato de ser uma projeo de natureza polisuperficial. Entretanto alguns softwares exigem que seja arbitrada uma latitude origem para o sistema de coordenadas cartesianas. Nestes casos, normalmente se utiliza o equador (latitude igual a 0). Leonardo Marini Pereira

43

Figura 2.11 Projeo Policnica com meridiano central na longitude 100W. 2.3.2 Projeo Cnica Conforme de Lambert Projeo cnica com propriedade conforme, ou seja, preserva os ngulos das feies projetadas. Porm, em altas latitudes, a propriedade no vlida, dadas as grandes deformaes introduzidas. Foi apresentada por Johann Heinrich Lambert em 1772 e tambm conhecida como projeo cnica ortomrfica. Por ser conforme possui aplicaes em cartas de navegao (martima e rea). a projeo utilizada nas cartas aeronuticas da srie WAC (World Aeronautical Chart) e nas cartas de procedimentos IFR (Instrument Flight Rules). A partir de 1962 foi adotada para a Carta Internacional do Mundo, ao milionsimo21 (vide captulo 3). A projeo Cnica Conforme de Lambert pode considerar um cone tangente a um paralelo da superfcie de referncia, ao longo do qual no haver distoro. Esta abordagem mais indicada para reas com pequena variao em latitude. Quando ocorre uma maior variao nas latitudes, as reas de distoro podem ser reduzidas ao considerar o cone cortando a superfcie de referncia em dois paralelos, ao longo dos quais no haver distoro. Pelo fato de as reas sem distoro serem paralelos, a projeo mais apropriada para reas com extenso predominantemente leste-oeste. Os paralelos de secncia ou de tangncia recebem o nome de paralelo-padro, sendo sua(s) latitudes(s) o(s) principal(is) parmetro(s) desta projeo, alm da longitude do

21

At ento, a projeo adotada para a srie CIM era a Policnica.

44

Captulo 2: Noes de Cartografia

meridiano central. As Figuras 2.12 e 2.13 ilustram o esquema de tangncia e secncia da superfcie de projeo.

Figura 2.12 Esquema de desenvolvimento da projeo cnica com um paralelo-padro.

Figura 2.13 Esquema de desenvolvimento da projeo cnica com dois paralelos-padro.

Figura 2.14 Projeo Cnica Conforme de Lambert.

Leonardo Marini Pereira

45

Nesta projeo (Figura 2.14), os meridianos so igualmente espaados por retas convergindo para um dos plos. Os paralelos so arcos de crculos concntricos centrados no plo de convergncia e os espaos entre eles aumentam conforme a distncia das latitudes centrais. A escala se mantm constante ao longo de qualquer paralelo. O plo mais prximo do paralelo de referncia um ponto, enquanto que o outro no pode ser representado. 2.3.3 Projeo Azimutal Estereogrfica A Projeo Plana Estereogrfica foi bastante utilizada em mapas antigos, por ser conforme (mais apropriada para os princpios de navegao) e de simples concepo e implementao. Nos dias de hoje a aplicao mais corriqueira no mapeamento das regies polares. No mbito da aviao brasileira, a projeo adotada no vdeo-mapa do Sistema de Tratamento e Visualizao de Dados (STVD) nas consoles dos sistemas X-4000 e SAGITARIUS dos Centros de Controle de Aproximao (APP) e Centros de Controle de rea (ACC) do Sistema de Controle do Espao Areo Brasileiro (SISCEAB). Esta projeo pertence ao grupo das chamadas projees perspectivas22. Projees desta natureza fazem uso do conceito de ponto de vista, a partir do qual partiro raios que iro projetar a superfcie de referncia na superfcie de projeo23. Para as projees planas, o principal parmetro consiste nas coordenadas do ponto de tangncia com a superfcie de referncia, onde as distores sero nulas e aumentaro com a distncia deste. A posio do ponto de vista d origem a diferentes projees (Figura 2.15). Quando o ponto de vista est situado no centro da superfcie de referncia, tem-se a projeo Gnomnica (Figura 2.15-a), cuja principal propriedade representar as ortodrmias como retas. O ponto de vista localizado no ponto diametralmente oposto ao ponto de tangncia do plano de projeo d origem Projeo Plana Estereogrfica (Figura 2.15-b). A projeo ortogrfica ento caracterizada pelo ponto de vista no infinito (Figura 2.15-c). As aparncias das projees citadas para dois diferentes pontos de tangncia (ou de origem) so apresentadas nas Figuras 2.16, 2.17 e 2.18 respectivamente para as projees Gnomnica, Estereogrfica e Ortogrfica. Ressalta-se que o enfoque deste tpico recai sobre a projeo estereogrfica, sendo as outras apresentadas visando apenas uma melhor compreenso do mtodo de desenvolvimento por perspectiva.22

Este tipo de classificao considera o mtodo de desenvolvimento da projeo. Neste caso diz-se que o mtodo de desenvolvimento da projeo por perspectiva. 23 Nas projees perspectivas as superfcies de projeo podem ser um plano, um cilindro ou um cone. No presente tpico ser abordado apenas o plano como superfcie de projeo.

46

Captulo 2: Noes de Cartografia

(a) Gnomnica

(b) Estereogrfica

(c) Ortogrfica

Figura 2.15 Variao do ponto de vista nas projees perspectivas planas.

Figura 2.16 Aparncia da projeo Gnomnica para duas diferentes origens.

Figura 2.17 Aparncia da projeo estereogrfica para duas posies distintas com aspecto oblquo. Pontos de tangncia nos hemisfrios sul e norte.

Leonardo Marini Pereira

47

Figura 2.18 Aparncia da projeo ortogrfica para duas posies distintas. Na projeo plana estereogrfica os paralelos e meridianos se interceptam em ngulos retos (propriedade de projees conformes). Os crculos da superfcie de referncia, independente do tamanho, so preservados como crculos na superfcie de projeo (mais uma propriedade de projees conformes). Entretanto, distores de rea aumentam quanto mais se afasta do ponto de tangncia. Na projeo estereogrfica com aspecto oblquo24, o meridiano do ponto de tangncia representado como uma reta. Para uma origem no hemisfrio sul, os demais meridianos so curvas que convergem para o sul e so mais espaadas ao norte. Com o ponto de tangncia do hemisfrio norte observa-se o comportamento oposto, ou seja, curvas convergindo para o norte e mais espaadas ao sul. Esta caracterstica pode ser sutilmente notada na Figura 2.17. O uso da projeo estereogrfica recomendado quando h necessidade de um mapeamento conforme (propsitos de navegao) e para reas com formato aproximadamente circular. Acredita-se que sejam estes os motivos da escolha desta projeo para o vdeo mapa do STVD dos APP e ACC do SISCEAB. 2.3.4 Projeo Universal Transversa de Mercator (UTM) A projeo Universal Transversa de Mercator (UTM) talvez seja a projeo mais utilizada no mundo. Isto ocorre devido a muitos fatores, entre eles a facilidade na interpolao de coordenadas, medida de distncias, clculo de ngulos e clculo de reas. adotada no mapeamento sistemtico brasileiro nas cartas de escala maiores que 1:500.000.

24

Quando o ponto de origem da projeo no est localizado sobre um dos plos ou no equador, diz-se que o aspecto da projeo oblquo.

48

Captulo 2: Noes de Cartografia

uma projeo conforme, uma vez que no distorce os ngulos. Utiliza o cilindro como superfcie de referncia em posio transversa, ou seja, com o eixo do cilindro perpendicular ao eixo da Terra25. A projeo UTM assume ainda o cilindro secante em duas linhas na superfcie de referncia .(Figura 2.19) Nestas duas linhas de secncia, as distores so nulas. Na regio entre as linhas de secncia, as distncias e as reas so reduzidas. Nas regies externas a estas linhas ocorrem distores proporcionais distncia das linhas de secncia. O esquema descrito ilustrado na Figura 2.20 com a vista superior e o perfil da projeo.26

Figura 2.19 Cilindro secante superfcie de referncia e definio de um fuso UTM.Vista SuperiorAmpliao Ampliao

Perfil

Reduo

Reduo

Ampliao

Reduo

Ampliao

Linhas de Secncia Superfcie de Referncia Meridiano Central Linhas de Secncia Superfcie de Projeo

Figura 2.20 Linhas de secncia com as zonas de ampliao e reduo da projeo UTM. O principal parmetro desta projeo a longitude do meridiano central, a partir do qual sero definidas as linhas de tangncia a aproximadamente 180 km do meridiano central. O meridiano central tambm a linha que concentra o menor valor de reduo desta projeo com um valor de 0,9996. Isto significa dizer que qualquer distncia medida sobre o25

Deve-se atentar para a distino entre a projeo Universal Transversa de Mercator (UTM) e a projeo de Mercator. A primeira apresentada neste tpico e considera o cilindro perpendicular ao eixo da Terra com duas linhas de secncia, enquanto que a segunda considera o cilindro tangente no equador posicionado com eixo paralelo ao eixo de rotao terrestre. 26 Quando o cilindro tangente superfcie de referncia, h apenas uma linha de distoro nula e a projeo recebe o nome de Projeo Transversa de Mercator. Leonardo Marini Pereira

49

meridiano central deve ser multiplicada por 0,9996 para se obter o valor da distncia sobre a superfcie de referncia. A Figura 2.21 ilustra o aspecto da projeo UTM com meridiano central em 30W. Nesta figura possvel notar uma grande distoro nas regies mais afastadas do meridiano central. Por este motivo, esta projeo mais utilizada em reas com pequena extenso no sentido leste-oeste. A projeo UTM faz uso do chamado sistema UTM, que divide a superfcie de referncia em 60 fusos, cada um com 6 de amplitude longitudinal. Cada um destes fusos tem como padro um determinado meridiano central, a partir do qual sero definidos limites a 3 a leste e a oeste. possvel projetar pontos fora dos limites de um fuso (conforme pode ser verificado pela Figura 2.21). Porm, recomenda-se o uso desta projeo at no mximo 30 de longitude alm desses limites. comum encontrar definies de limites em latitude para a projeo UTM, adotando-se o intervalo entre 84 N e 80 S. A contagem dos fusos tem incio no anti-meridiano de Greenwich, ou seja, na longitude igual a 180 W (ou 180 E) e aumenta para o leste. Sendo assim, o fuso n1 tem como meridiano central a longitude igual a 177 W. Uma vez que a amplitude de cada fuso de 6, o fuso n2 tem como meridiano central a longitude igual a 171 W e assim sucessivamente. A Figura 2.22 ilustra os fusos UTM que cobrem o territrio nacional e a Tabela 3 apresenta as longitudes dos meridianos centrais para cada fuso UTM no Brasil.

Figura 2.21 Projeo UTM com meridiano central igual a 27W. 50

Captulo 2: Noes de Cartografia

Figura 2.22 Fusos UTM em territrio brasileiro. TABELA 3 Longitudes dos meridianos centrais (M.C.) para fusos UTM no Brasil. Fuso M.C. 18 -75 19 -69 20 -63 21 -57 22 -51 23 - 45 24 -39 25 -33

O sistema UTM divide tambm a superfcie de referncia em zonas identificadas por letras, conforme ilustrado na Figura 2.23. Entretanto, a informao mais relevante desta diviso diz respeito ao hemisfrio da zona UTM. As coordenadas do sistema de projeo UTM so dadas sempre em duas componentes de unidades mtricas, convencionada como E e N para as coordenadas X e Y respectivamente. Para as zonas do hemisfrio norte, a coordenada N tem incio no equador com valor N = 0 m. A fim de se evitar o uso de valores negativos, soma-se o valor de 10.000.000 m coordenada N de todas as zonas do hemisfrio sul, ou seja, o equador passa a ter o valor de N = 10.000.000 m. Com o mesmo intuito de evitar valores negativos, na componente E arbitrado o valor de 500.000 m ao meridiano central do fuso, independente do hemisfrio. A Figura 2.24 apresenta o aspecto de um fuso UTM com os valores arbitrados da coordenada E para o meridiano central e da coordenada N para o equador nos casos dos hemisfrios norte e sul.

Leonardo Marini Pereira

51

Figura 2.23 Fusos e Zonas UTM. Sendo assim, sabe-se, por exemplo, que um ponto no hemisfrio sul com coordenadas E = 550.000 m e N = 8.500.000 m est localizado a leste do meridiano central de um fuso e a 1.500.000 m ao sul do equador. Ainda, um ponto no hemisfrio norte com coordenadas E = 400.000 m e N = 500 m est localizado a oeste do meridiano central e a 500 m ao norte do equador. Deve-se ressaltar a importncia de se ter definido o fuso e o hemisfrio da zona UTM quando do uso desta projeo. A localizao de um ponto na superfcie de referncia27 s possvel por meio de coordenadas UTM quando se tm definidos o fuso e a zona. Um ponto com uma coordenada E = 600.000 m, por exemplo, por estar situado em qualquer um dos 60 fusos da projeo. Do mesmo modo, um ponto com coordenada N = 7.000.000 m pode estar situado a 7.000 km ao norte do equador ou a 3.000 km ao sul do mesmo. Da a importncia de se conhecer o fuso e o hemisfrio da zona UTM. Uma minoria de softwares faz uso especfico da zona UTM (Ex: Zona 22M), porm, a grande maioria dos sistemas refere-se apenas ao hemisfrio (Ex: Zona 23S). Em um software, no possvel manipular conjuntamente dados cartogrficos situados em fusos UTM distintos, j que cada fuso apresenta um sistema de coordenadas nico, com sua origem definida pelo cruzamento do meridiano central do fuso e a linha do Equador. Para que seja possvel a manipulao, necessrio converter o sistema de

27

A localizao de um ponto na superfcie de referncia deve ser entendida como os valores das coordenadas geodsicas (latitude e longitude) associadas a um datum.

52

Captulo 2: Noes de Cartografia

coordenadas para um fuso nico para todos os dados. Entretanto preciso estar ciente do aumento das distores decorrentes deste processo por conta da caracterstica da projeo.

(a)

(b)

(c)

Figura 2.24 (a) Aspecto geral de um do fuso no UTM; (b) Fuso no hemisfrio norte; (c) Fuso no hemisfrio sul.

2.4 Consideraes FinaisAs projees cartogrficas consistem em uma transformao de um sistema de coordenadas geodsico para um sistema de coordenadas plano. Esta transformao sempre acarretar algum tipo de distoro. O uso de dados cartogrficos ou a escolha de uma projeo cartogrfica devem ser feitos de maneira consciente de modo a sempre se atentar para as propriedades da projeo que se est utilizando. No conveniente, por exemplo, executar medidas de rea com coordenadas UTM ou calcular ngulos a partir de uma projeo policnica. Quando se deseja manipular conjuntamente dados cartogrficas com diferentes projees, existe a necessidade de converso para uma projeo (que deve ser entendido como um sistema de coordenadas) que seja nico a todos os dados que se queira manipular. ALeonardo Marini Pereira

53

grande maioria dos softwares que trabalham com dados geoespaciais executam esta converso de maneira simples e automtica. Entretanto, independente da projeo, deve-se atentar para o fato de que todos possuam o mesmo sistema de referncia (datum). Raros so os softwares que executam automaticamente uma transformao de datum sem o fornecimento de parmetros para tal. Aps a concluso deste captulo, o leitor deve relembrar o captulo 1 e ter em mente que antes de manipular qualquer dado geoespacial, a projeo e o Sistema Geodsico de Referncia adotados so informaes de extrema relevncia.

54

Captulo 3: Cartografia Sistemtica

3. CARTOGRAFIA SISTEMTICA3.1 IntroduoDe posse dos conceitos da Geodsia e da definio de um Sistema Geodsico de Referncia sobre o qual sero referenciados todos os elementos de interesse presentes na superfcie terrestre (captulo 1), a Cartografia ocupou-se primeiramente de transformar as coordenadas de uma superfcie curva em uma superfcie plana por meio das projees cartogrficas (captulo 2). O passo seguinte a representao grfica dos elementos da superfcie plana de referncia com a simbologia adequada em um meio que seja manipulvel. Neste captulo, sero abordados os conceitos envolvidos nesta representao denominada de mapa ou carta, bem como a sistemtica adotada na diviso do mapeamento oficial brasileiro. Este mapeamento composto pelas chamadas cartas topogrficas, constitudas por aspectos naturais e artificiais da rea, dentre eles, um aspecto de grande interesse para a aviao: o relevo.

3.2 Conceitos EnvolvidosUm mapa ou uma carta28 a representao geomtrica, sobre um plano, de uma poro de superfcie terrestre. Esta representao feita em um plano horizontal limitado. Para isso, h a necessidade de que as suas propores sejam reduzidas. Surge assim, o conceito de escala. A escala uma relao matemtica de proporo entre a superfcie de projeo29 e o plano da carta (um papel ou a tela de um computador). De modo geral, as escalas podem ser de ampliao ou de reduo. No caso da cartografia, so sempre aplicadas escalas de reduo, representadas matematicamente por uma frao, onde o numerador representa uma distncia d na carta e o denominador a distncia D correspondente na superfcie de projeo (equao 3.1). Na cartografia, a apresentao de uma escala sempre feita com o valor 1 no numerador,28

As definies de mapa e carta apresentam distines, sendo uma carta caracterizada, dentre outros aspectos, pela organizao das reas de maneira mais sistemtica. Entretanto, as distines so irrelevantes ao propsito deste material. Deste modo, na presente abordagem, mapa e carta sero considerados sinnimos. 29 bastante comum encontrar definies precipitadas de escala, oriundas de usurios leigos, afirmando que a escala a relao entre as dimenses do mapa e as dimenses reais no terreno. A escala aplicada superfcie de projeo, que estando sujeita s distores das projees cartogrficas nem sempre representar as reais dimenses do terreno. Leonardo Marini Pereira

55

de modo que o denominador indicar o fator de reduo, ou seja, quantas vezes a superfcie de projeo foi reduzida de modo a ser representada na carta (equao 3.2). Sendo assim, a relao entre a escala de um mapa e as distncias d e D envolvidas feita pela equao [3.3].

E=

d D

E=

1 FR

d 1 = D FR [3.3]

[3.1]

[3.2]

onde, E a escala; d a distncia na carta (representao); D a distncia na superfcie de projeo; e FR o fator de reduo que ser sempre o denominador da escala da carta. A apresentao de uma escala como na equao [3.2] a mais comum e se l da forma um para..., de modo que uma escala dada por 1:100.000 se l um para cem mil. Sendo assim, uma unidade qualquer de medida no mapa representa 100.000 unidades da mesma medida na superfcie de projeo. Portanto, 1 cm no mapa corresponder a 100.000 cm na superfcie de projeo, ou seja, 1 km. Quando apresentada na forma de frao, a escala dita numrica e pode ser apresentada como na equao [3.2], como 1:50.000 ou ainda 1/50.000. Deve-se atentar para o fato de que a escala uma frao com o valor 1 no numerador. Por ser usada sempre como reduo na cartografia, o denominador ser sempre muito maior que 1. Sendo assim, maiores denominadores resultam em uma frao menor e maiores denominadores em uma frao maior. Por este motivo, uma escala de 1:25.000 maior que uma escala de 1:500.000. Uma outra forma de apresentao bastante comum e de fcil interpretao e aplicao prtica a escala grfica. Neste ltimo tipo, a escala apresentada por meio de uma barra subdividida em unidades (geralmente em metros) da superfcie de projeo e pode ou no ser acompanhada da escala numrica. A escala grfica permite a obteno direta de uma distncia real (da superfcie de projeo) sem a necessidade de clculos, mas apenas comparando-se o tamanho da extenso que se deseja medir com a graduao da barra da escala grfica e vice-versa. A Figura 3.1 apresenta diversas escalas grficas para diferentes escalas numricas.

56

Captulo 3: Cartografia Sistemtica

Figura 3.1 Escalas grfica acompanhadas de escalas numricas.

Outra vantagem interessante de se ter uma escala grfica que as eventuais alteraes de proporo no mapa (mais frequente para cartas em meio digital) so acompanhadas pela escala grfica dispensando, a princpio, quaisquer alteraes30. importante ressaltar que todo mapa deve vir acompanhada de sua respectiva escala, seja ela numrica ou grfica. A ausncia de escala em um documento cartogrfico caracteriza um croqui, que dentre outros aspectos, no possui relao de proporo com uma superfcie de projeo. Deste modo, cabe complementar a definio apresentada no primeiro pargrafo deste tpico: Um mapa ou uma carta a representao geomtrica, sobre um plano, de uma poro de superfcie terrestre em escala reduzida.

3.3 Mapeamento SistemticoA cartografia uma ferramenta de auxlio ao gerenciamento, planejamento e execuo nas mais diversas reas. O monitoramento do desmatamento de uma floresta, o planejamento e a realizao de uma viagem, a construo de uma usina hidreltrica, a cobrana de impostos municipais e outras inmeras aplicaes exigem o conhecimento do territrio onde se dar o trabalho. Por esta razo a cartografia , antes de tudo, um instrumento de interesse estratgico. A fim de atender as mais variadas expectativas para as diversas aplicaes que movem a economia de um pas, o mapeamento de uma unidade territorial (estado, pas, continente ou o mundo) precisa abranger diferentes nveis de detalhamento, ou seja, diferentes30

As alteraes em uma escala grfica quando da ampliao ou reduo so convenientes quando os intervalos de medidas necessitam ser modificados por estarem muito largos ou muito curtos. Leonardo Marini Pereira

57