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A proposta de uma história comparada das literaturas argentina e brasileira como uma prática efetiva de integração regional, no marco de um Mercosul cujos aspetos culturais são relegados frente aos econômico-comerciais e às estratégias políticas para enfrentar como bloco às potencias mundiais, apresenta uma série de aspetos positivos que operam como incentivo para que seja posta em prática. Por um lado, promove o desenvolvimento de um comparatismo local, livre das limitações que fomentam as literaturas comparadas como disciplina de origem metropolitana. Por outra parte, favorecem a elaboração de uma teoria e uma crítica literárias originais, retiradas “das ideias fora de lugar” que habitualmente se aplicam a tais propostas. Finalmente, ambicionam uma circulação cultural entre Argentina e Brasil que até agora permanece inédita e que se constitui mais em uma obrigação intelectual que em uma possibilidade desejável
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Proposta para aproximaes de
uma histria comparada das
literaturas argentina e brasileira
Marcela Croce | UBA-Argentina
Resumo: A proposta de uma histria comparada das literaturas argentina ebrasileira como uma prtica efetiva de integrao regional, no marco de umMercosul cujos aspetos culturais so relegados frente aos econmico-comerciaise s estratgias polticas para enfrentar como bloco s potencias mundiais,apresenta uma srie de aspetos positivos que operam como incentivo para queseja posta em prtica. Por um lado, promove o desenvolvimento de umcomparatismo local, livre das limitaes que fomentam as literaturascomparadas como disciplina de origem metropolitana. Por outra parte,favorecem a elaborao de uma teoria e uma crtica literrias originais,retiradas das ideias fora de lugar que habitualmente se aplicam a taispropostas. Finalmente, ambicionam uma circulao cultural entre Argentinae Brasil que at agora permanece indita e que se constitui mais em umaobrigao intelectual que em uma possibilidade desejvel.Palavras chave: Literaturas comparadas, histria cultural, crtica literria.
Introduo
A literatura brasileira foi isolada dos estudos comparados, cujasistematizao se depara com o conhecimento parcial e com a constante ansiedade
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pelo deleite proporcionado pelas influncias europeias ou prestigiosas, que tentam
dar conta de uma literatura latinoamericana. Por diversos motivos (entre eles o
desconhecimento da lngua portuguesa e a falta de bibliografia traduzida no so
menos importantes, mesmo que tambm no sejam determinantes por causa da
proximidade maior que se forja com literaturas escritas em lnguas estrangeiras
distantes da familiaridade imediata que preservam o espanhol e o portugus), nas
universidades mais importantes da Amrica de fala hispnica a literatura brasileira
se estuda dentro da grade curricular e em relao direta com a literatura portuguesa.
A lngua e a articulao colnia/metrpole aparecem como pobre justificativa,
metodicamente congregadas pelas universidades norteamericanas nas quais os
departamentos de Literatura Espanhola e Portuguesa sujeitam os gentlicos ibricos
abundante produo da Amrica Latina.
Com o objetivo de pesquisar e, por conseguinte, rebater ou confirmar
uma srie de desencontros na histria cultural da Argentina e do Brasil, a proposta
que agora formulo convida releitura da literatura gerada durante os sculos XIX e
XX em ambos os pases dentro de um contexto latino-americano. Um trabalho que
se expresse por meio desta orientao no se satisfaz nas previsveis caracterizaes
de original e de necessrio, mas solicita claramente a ampliao das possibilidades
reais de intercmbio e interveno terica, cultural, literria e editorial. O chamado
a uma postulao literria, formulada a partir de nossos pases, com disposio
integradora e carter performativo, tem a vontade de reverter tanto a inclinao
imperial das teorias importadas como o condicionamento automtico que geram
no nosso meio intelectual, recaindo com muita frequncia nesse sucedneo da
crtica que Roberto Schwarz estigmatizou, com um humor insidioso, como ideias
fora de lugar.1
Exceto em alguns casos isolados ou em narrativa de fatos curiosos,
os pontos de contato entre Argentina e Brasil no foram estudados em sua verdadeira
relevncia. Relegando a um segundo plano a inegvel unidade cultural entre ambos
os pases originada inequivocamente pela colonizao ibrica, deixando de lado
que os movimentos literrios e artsticos mundiais foram recebidos de forma similar
e que a evoluo histrico-social dos dois pases seguiu um caminho semelhante,
o marco que procuro desenhar nesta ocasio encontra sua melhor justificativa na
necessidade de fortalecer um vnculo reiteradamente dilacerado por competies
absurdas que resumem nos confrontos futebolsticos a intolerncia mais rasa. A
1. SCHWARZ. As idias fora do lugar.
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criao do Mercosul como projeto que, ao menos em seus postulados iniciais,
aponta para uma integrao que no se limite ao acordo alfandegrio, reclama
uma ateno peculiar dos aspetos culturais que ficaram desatendidos pelo enfoque
quase exclusivo dos negcios comuns e das economias integradas.
Postular uma comunidade cultural impe no apenas resgatar os
pontos em comum entre iniciativas locais como tambm registrar o modo pelo
qual os acontecimentos mundiais atuam sobre o Cone Sul. Por isso no arbitrrio
comear a comparao por um fato que mudou o conceito continental e que
estabeleceu uma modernizao poltica irrevogvel: a Revoluo Francesa e, mais
precisamente, a leitura local do fenmeno e a verificao de suas consequncias
mais palpveis neste mbito. De um lado, a mudana da Corte portuguesa para
terras brasileiras; do outro, a Revoluo de Maio. A continuidade do percurso, sem
forar analogias e atendo-se cronologia latinoamericana, provida pela evoluo
do romantismo como modelo esttico e terico para pensar a nao e a identidade,
antes que as idiossincrasias locais, fomentadas pela balcanizao continental, se
expandissem em confrontos irredutveis, como os que conduziram Guerra do
Paraguai na dcada de 1870. Prximo ao final do sculo XIX, sem que a unio
transitria e brutal que representou a Triple Aliana interviesse decisivamente em
seu fomento, se comprovam aproximaes intelectuais entre Argentina e Brasil.
As influncias do naturalismo francs nas letras locais, o destino de ambos os pases
depois da consolidao como Estados-Nao modernos, os centenrios de 1910 e
1922, as vanguardas e a profissionalizao da escrita; a literatura durante o varguismo
e o peronismo, a possvel releitura do fenmeno conhecido como boom da literatura
latino-americana so outros momentos de coincidncia cultural, ao menos relativos
manifestao de interesses comuns e tendncia de ajustar as literaturas locais
ao processo proposto pelas literaturas europeias, de modo a assentar as bases do
que a crtica designou como sistema literrio.2 A colaborao durante a ltima
ditadura entre ambos os pases e seus vizinhos (o funesto Plano Condor) e a
resposta que o campo cultural, com variantes e extremismos, oferece a essa
organizao, representam os antecedentes mais manifestos mesmo que
evidentemente condenveis em seu propsito de extermnio dessa cooperao
que com o Mercosul se transformaria em uma base de apoio para negociar como
bloco regional o que a condio de pases do terceiro mundo negava a seus
integrantes.
2. CANDIDO. Formao da literatura brasileira. Momentos decisivos.
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Este desenvolvimento contempla, ento, a produo literria e
intelectual comparada da Argentina e do Brasil em relao a um contexto histrico,
poltico e cultural mais amplo: Amrica Latina e, em seguida, o Mercosul. Para
levar a cabo a empresa seria requisito imprescindvel a formao de um grupo de
pesquisadores que contasse com integrantes de ambos os pases e cujos progressos
fossem publicados nas duas lnguas, o que, alm de favorecer uma fluncia de
comunicao, pode operar como uma espcie de controle preventivo sobre as
arbitrariedades que costumam ser aplicadas quando se praticam leituras do outro,
alm de gerar um novo espao de discusso e intercmbio de produo intelectual.
O esquema geral est orientado pelos objetivos os quais convm
enumerar comeando do que mais imediato e vivel at o que mais pretensioso
e ambicionado. Em primeiro lugar, a formao de um grupo de pesquisadores
argentino-brasileiros que transforme em prtica habitual e normativa o intercmbio
de conhecimentos, bibliografia, obras de referncia e outras descobertas. Depois,
deveriam concentrar os esforos para conseguir que esta comunidade investigativa
intervenha diretamente na integrao cultural atravs da publicao dos resultados,
em princpio, parciais e tentativos, dos progressos obtidos no marco da investigao,
garantindo a circulao bilngue da informao. O estmulo leitura de obras produzidas
nos dois pases permitiria ampliar o campo de atuao dos escritores, acadmicos,
crticos e intelectuais, afianar a participao bilateral e, como propsito maior,
sistematizar os estudos comparados para desenvolver uma futura Ctedra de Estudos
Literrios do Mercosul.
Se bem que os protocolos fundadores do bloco regional preveem a
sano de leis propensas integrao tanto poltico-econmica quanto cultural
entre os pases membros, boa parte dessa legislao especialmente a que se
refere rea cultural no foi referendada pelos respectivos parlamentos. O
momento histrico para promover os progressos neste campo propcio: nos
ltimos vinte anos ocorreu mais pela integrao bilateral (desde a Declarao de
Foz de Iguau, assinada por Ral Alfonsn e Jos Sarney em 1985) que em toda a
histria moderna dos dois pases, apesar de que sempre se pode buscar e encontrar
antecedentes concretos ou ao menos atrativos espordicos para o incio de seu
funcionamento.3 Entretanto, a integrao cultural ainda apenas uma expresso
de desejo e permanece em uma condio hipottica. Uma histria comparada das
literaturas argentina e brasileira representa um pontap inicial rumo a uma integrao
3. FERNNDEZ BARAIBAR. Un solo impulso americano. El MERCOSUL de Pern.
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real neste aspecto e um ideal de trabalho pioneiro de referncia para arrancar as
ideias extraterritoriais e promover uma crtica, uma metodologia e um sistema
independentes.
Metodologia
Como j havia dito, o mtodo mais propcio para encarar o trabalho
o das literaturas comparadas. Entretanto, convm estabelecer uma exceo,
dado que esta disciplina funciona geralmente como a confirmao da superioridade
de uma literatura central sobre outra perifrica. O comparatismo, longe de se
despojar dos juzos de valor o que seria ilgico e no contribuiria para uma crtica
efetiva seno que levaria a mera descrio , fomenta a dessimetria entre um
texto original e aquele que se transforma em seu reflexo ou, com uma carga
semntica mais virulenta, naquele sobre o qual o primeiro exerce sua influncia.
Rafael Gutirrez Girardot foi o primeiro a alertar sobre o significado da influncia,
em aparncia um conceito neutro e em realidade a aplicao de uma categoria
colonial.4 As literaturas comparadas, por outro lado, no se detm na confrontao
de dois textos, alm das caractersticas de pioneirismo ou derivao que se lhes
pretenda atribuir respectivamente, mas delineiam um terceiro termo que constitui
o ideal de comparao, frente ao qual se prev as abundncias de uma parte e as
deficincias da outra que, sob a aparncia de uma objetividade sempre desejada
nas atividades acadmicas, justificam o exerccio da comparao. Por sua vez, as
ctedras de literaturas comparadas, como informa Edward Said, foram criadas ao
final do sculo XIX, quando a conscincia do imprio reclamava um conhecimento
minucioso de suas colnias e daqueles territrios sobre os quais podia exercer sua
hegemonia, estabelecendo uma comunidade cultural forjada no laboratrio filolgico
como fez Renan com a lngua semtica5 ou na academia para instalar uma
proximidade que nivelava o caminho ocupao e invaso.6
Livres de tais exigncias que se opem, duas literaturas como a
brasileira e a argentina podem se comparar sem apelar a esses duvidosos rigorismos
e produzir um resultado muito mais produtivo. Para que o mtodo comparativista
4. GUTIRREZ GIRARDOT. Modernismo. Supuestos histricos y culturales.
5. SAID. Orientalismo.
6. SAID. Cultura e imperialismo.
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no naufrague em imanncias excessivas que poderiam conspirar contra a
formulao de um sistema mais amplo que a obra de um autor ou as almejadas
grandes obras de uma literatura, adequado apelar ao respaldo histrico,
formulando uma diacronia que se detm em sincronias compatveis em que cada
literatura registra um texto, um produtor, um modo de representao que
proporciona a semelhana.
Certa deformao profissional faz com que os crticos e ensastas
pensem em termos de ndices a formulao e o controle mais ajustado de suas
hipteses. Assim atuou ngel Rama quando planejou uma srie de exemplares
lamentavelmente nunca realizados que permitissem postular a literatura
latinoamericana como um conjunto.7 Como uma srie de temas que poderiam
configurar os eventuais captulos de uma historia comparada das literaturas, argentina
e brasileira, regida pela histria poltica e social, organizo estes enunciados que
podem parecer ambiciosos, cujas hipteses formuladas no mesmo esboo do plano
talvez recorram com demasiada veemncia confrontao, mas que em realidade
procuram encorajar uma empresa ajustada para que o Mercosul cultural comece
seu caminho rumo concretizao.
Primeiro momento
Da independncia Repblica oligrquica (1808-1810a 1890)
Os antecedentes das literaturas nacionais podem ser traados a partir
da Carta de Pero Vaz de Caminha e a Histria e Descobrimento do Rio da Prata
do alemo Ulrico Schmidl, por ocasio das aproximaes a uma regio que receber
em breve verso hiperblica e nomenclatura fundadora nas pretenses picas do
Dilogo das grandezas do Brasil, de Ambrsio Fernandes Brando e La Argentina
y Conquista del Ro de la Plata, de Martn del Barco Centenera.
Na sequncia, a Arcdia indigenista no Brasil corresponde ao
neoclassicismo romntico na Argentina, em uma linha traada entre Caramuru, de
Santa Rita Duro, e Dido y Argia, de Juan Cruz Varela, nos preldios da
Inconfidncia Mineira que serve de eixo central aos poetas Cludio Manoel da
7. RAMA. Literatura, cultura y sociedad en Amrica Latina.
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Costa, Toms Antnio Gonzaga, Baslio da Gama, Incio de Alvarenga Peixoto e
Manuel Incio da Silva Alvarenga.
Durante o momento independentista, o Hino Nacional argentino se
impe com sua retrica conservadora e seu impulso revolucionrio, como
consequncia das aventuras de La lira argentina, em que Vicente Lpez e Planes
concorda com Esteban de Luca e Fray Cayetano Rodrguez, enquanto Gonalves
de Magalhes e Gonalves Dias denunciam o trfico de escravos e reclamam as
propostas polticas de Jos da Silva Lisboa que encontram seu correlato rioplatense
na operao de Mariano Moreno de traduzir El contrato social, de Jean-Jacques
Rousseau.
No estreito vnculo entre romantismo e nao convm recuperar a
funo dos publicitrios na configurao da literatura nacional: Hiplito da Costa
com o Correio Brasiliense, Evaristo da Veiga com a Aurora Fluminense, Juan
Bautista Alberdi (Figarillo) com La Moda e Domingo Faustino Sarmiento com El
Zonda. Por sua vez, a revista Niteri e a Minerva Brasiliense representam o
equivalente do Salo Literrio de 1837 em Buenos Aires, cujo vnculo mais aparente
constitudo por Juan Mara Gutirrez e cujas figuras distintivas Esteban Echeverra,
Marcos Sastre se situam no contexto do rosismo. Se Gonalves Dias antecipava
a reivindicao dos excludos, a presena do negro ser fundamental nos textos de
Fagundes Varela e na origem da gauchesca rioplatense, desde o comeo com o
mulato montevideano Bartolom Hidalgo ou com Juan Gualberto Godoy, como
sustenta outra hiptese at conseguir condio de denuncia direta do regime
com Hilario Ascasubi (Aniceto el Gallo).
De sua parte, Manuel Jos de Lavardn defende o utilitarismo
escravagista na Ode al Paran enquanto intelectual negreiro que exalta a rota da
sua mercadoria; no outro extremo os condoreiros Pedro Luis e Castro Alves se
horrorizam com Navio Negreiro. J fora da poesia e das urgncias denunciantes
surgem os intelectuais orgnicos da Nao. Crtica e oratria poltica se combinam
em Jos Bonifcio de Andrada e Silva, tutor do herdeiro imperial Pedro II, e Juan
Mara Gutirrez, redator da Constituio Nacional e ministro do Governo da
Confederao Argentina.
A organizao nacional convoca a recuperao ou a inveno de
lendas autctones, com a consequente canonizao da obra e do autor: Jos de
Alencar se dedica ao indigenismo romntico na verso tupi (Iracema) e guarani (O
guarani), enquanto a Argentina revisa a figura do gaucho na ensastica sarmientina
(Facundo) e na culminao gauchesca de Jos Hernndez (Martn Fierro). A
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literatura negreira tambm encontra seu apogeu, aplicando as variantes do modelo
norte-americano de A cabana do Pai Tomas A escrava Isaura, de Bernardo
Guimares, as nostalgias rosistas em Lucio Victorio e Eduarda Mansilla e o percurso
por uma cidade que se moderniza na arquitetura e muda sua fisionomia social em
La gran aldea, de Lucio V. Lpez. Na zona suburbana proliferam os bandoleiros:
Viriato e Silvino, de Gustavo Barroso, ao mesmo tempo que Juan Moreira e
Hormiga Negra, de Eduardo Gutirrez. Entre a cidade e aquilo que suburbano se
ergue a utopia provinciana do burgus conquistador que, se no Brasil implica o
classicismo de Machado de Assis, na Argentina se expande nos excessos de Sarmiento,
entre o desequilbrio pessoal e o rigor literrio, e outras combinaes possveis.
Com a Guerra da Triple Aliana impem-se as repercusses literrias,
mesmo em assincronia entre os dois pases: se A retirada da Laguna, de Alfredo
de Escragnolle Taunay, contempornea das cartas que da frente de batalha
escreve Lucio Victorio Mansilla, a trilogia de Manuel Glvez sobre o Paraguai (Los
caminos de la muerte, Humait e Jornadas de agona) j se inscreve na extenso
e na reviso do conflito, dividindo a dcada de 1920. A partir das tribunas
modernistas que constituiro os jornais se manifesta o maior promotor argentino
da guerra, o general Bartolom Mitre, fundando La Nacin como tribuna de
doutrina, enquanto Rui Barbosa no Brasil orienta tambm a nfase oratria voltada
para a poltica.
Chegando ao final do sculo XIX, as divisas nacionais de Ordem e
progresso e Paz e administrao promovem o ensaio positivista e a fico
naturalista no contexto que preveem os marechais brasileiros e o roquismo portenho.
o momento ideal para que se propague o ensaio exaltado com Silvio Romero,
Nina Rodrigues e o ltimo Sarmiento, obstinado na condenao em Conflicto y
armona de las razas en Amrica. Mais prximos ao cientificismo sociolgico que
ao impressionismo racista se mostram Tobas Barreto e Ernesto Quesada, que confluem
em uma germanofilia que renova as categorias de pensamento, antes que aparea o
cientificismo socializante representado por Joaquim Nabuco e Jos Ingenieros.
O naturalismo, por sua vez, se especializa em fico condenatria:
Alusio Azevedo e Joo Batista de Lacerda mantm num meio inspito os mesmos
argumentos equvocos de degenerao que seus homlogos argentinos: Eugenio
Cambaceres, Antonio Argerich e Manuel Podest. O incerto cientificismo apesar
da condio mdica de Argerich e Podest se expande em heterodoxia com os
raros finisseculares: Ral Pompia (O Ateneu), Rodolfo Tefilo (Violao,
violncia), Francisco Sicardi (Libro extrao) e, j entrando no sculo XX, Atilio
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Chiappori (Borderland). Do lado histrico-social se impe o sonho da raa ariana
nas elucubraes de Oliveira Viana e Vicente Fidel Lpez.
As marcas de classe no discurso, se pelo lado novelstico e ensastico
recomendam a preveno contra os perigos sociais (mestios, emigrantes,
anarquistas), no campo da crtica adquirem um confuso matiz republicano, mas se
mantm na ordem dos preconceitos: assim com Araripe Jnior e Afrnio Peixoto,
revisando e rearmando o cnone brasileiro, do mesmo modo que Martn Garca
Mrou submete a escrutnio seus contemporneos em Libros y autores, antes de
se lanar ao primeiro exerccio de deferncia aos vizinhos em termos culturais e
diplomticos plasmado em El Brasil intelectual (1900). So os prembulos do
modernismo latino-americano que tem suas primeiras manifestaes em dois poetas
que optam pelas alturas: Fontoura Xavier (plagiado por Daro) em El guila e
Leopoldo Lugones com suas iniciais Las montaas del oro.
Segundo momento
Da crise da Bolsa de Valores at a queda dos governospopulistas (1891-1955)
Apogeu e crise do liberalismo, para retomar a nomenclatura
balzaquiana: se a Gerao de 1880 representava o primeiro termo, a crise de
1890-91 claramente o outro extremo, cujas consequncias literrias fornecem O
Encilhamento, de Visconde de Taunay, e La Bolsa, de Julin Martel, obra-chave
de um ciclo que se completa com Quilito, de Carlos Mara Ocantos, e Horas de
fiebre, de Severo Villafae. A dialtica se expande: fase de apogeu e crise se
sobrepe o reverso sinistro da aparncia esplendorosa, na forma de relatrios e
crnicas que compendiam evidentes denncias. Enquanto Euclides da Cunha
lamenta, em Os sertes (1902), um extermnio que nunca props a possibilidade
de integrao, Juan Bialet Mass revela as falncias do modelo liberal-oligrquico
em Informe sobre la clase obrera en la Argentina (1904), impondo uma releitura
da dialtica sarmientina sobre civilizao e barbrie.
Os conflitos fronteirios entre Brasil e Argentina exigem demarcao
de limites territoriais (atividade que corre por conta do Baro de Rio Branco e
Estanislao Zeballos) e culturais no marco da disputa Campos Salles/Roca, cuja
ramificao mais intolerante parece ser a proposta de Glvez para fomentar uma
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guerra entre Argentina e Brasil, a fim de fortalecer o sentimento nacional (El diario
de Gabriel Quiroga, 1910).
O impacto das novas tcnicas nas cidades modernizadas pelos liberais
promove a apario dos cronistas cinematogrficos: Coelho Neto admite a condio
efmera da atividade no ttulo Vida mundana, Elsio de Carvalho no deixa por
menos e o submete pura sociabilidade vazia do Five oclock, ao mesmo tempo
que Horacio Quiroga transforma essa ocupao em fundamento da profissionalizao
do escritor (O esposo de Dorothy Phillips ser o pseudnimo com o qual assina
suas colaboraes em Caras e Caretas) e Nicols Olivari instala a prtica como um
jogo de hbitos vulgares e desleais nos bosquejos contidos em El hombre de la
baraja y la pualada.
Na provncia, repondo a dialtica constante entre centro e periferia,
se situam gachos e gachos judeus: ao rio-grandense Jos Simes Lopes Neto lhe
correspondem as estampas entrerrianas do russo Alberto Gerchunoff. A imigrao,
atenuada como conflito, abordada em termos de integrao; por isso os
comedigrafos da burguesia triunfante (Artur Azevedo e Gregorio de Laferrre) a
separam dos seus interesses imediatos. Sobre eles operar a crtica literria, que
perto do Centenrio se junta confraria positivista certa de que o mtodo que a
move exato: Taine tem no Cone Sul uma descendncia que integra a Capistrano
de Abreu, Jos Verssimo e Ricardo Rojas, enquanto a literatura contempornea se
inicia em um protorregionalismo que, aps o adgio castigat ridendo mores,
promove os quadros costumbristas de Franklin Tvora e Roberto J. Payr. Descrentes
de ambas as tradies a cientificista e a regional , os reformistas universitrios
lanam o manifesto Para a juventude da Amrica do Sul e ampliam sua
proclamao pela Amrica Latina, de Crdoba ao Rio e So Paulo, passando por
Lima, Havana e Mxico.
As consequncias mais evidentes da crise econmica, social e cultural
sero os maus hbitos de boa parte da populao e o empenho para conseguir
ordem de qualquer maneira por parte dos governos. o momento em que se
disseminam os cronistas da monstruosidade, encabeados por Lima Barreto e Elas
Castelnuovo, iniciadores de uma srie que se atenua nas crnicas urbanas de Joo
do Rio e Enrique Loncn e se exaspera na dramaturgia da cidade hostil com os
grotescos de Armando Discpolo que expem o fracasso do projeto imigratrio.
Autores e editores se decidem pela profissionalizao: se esta
comeou no teatro e continuou no jornalismo, como prticas cuja remunerao
imediata alentava a dedicao exclusiva, agora ser o campo editorial que induzir
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a seguir este caminho: Monteiro Lobato e a Companhia Nacional Editora tero um
sucesso que nem de longe consegue Manuel Glvez com a Cooperativa Editorial
Buenos Aires. Mas o principal impacto mercantil aparece registrado nessa forma
galardoada que o folhetim (O Romance Semanal, O Romance do Dia), que pela
temtica e recursos, mesmo que no seja atravs da circulao, pode se comparar
com o produto popular em estado puro que a literatura de cordel.
Tais exerccios ficcionais moralizadores so compreensveis em um
contexto em que a enunciao e a preservao dos valores no apenas se
transformaram em algo desejvel como tambm no hesitam em praticar excessos.
A organizao da direita catlica confirma esse ponto com Jackson de Figueiredo
e as fundaes do Centro Dom Vital e a revista A Ordem (1921), enquanto em
Buenos Aires Atilio DellOro Maini cria os Cursos de Cultura Catlica e d forma
revista Criterio (1928). Quando o catolicismo adquire inflexo poltica, se constitui
em estreito nacionalismo e deriva na Ao Integralista Brasileira conduzida por
Plnio Salgado, na Liga Republicana de Roberto de Laferrre e Carlos Ibarguren e
em uma multido de associaes e jornais de extrema-direita que circulam nas
dcadas de 1930 e 1940. Alguns dos ultradireitistas tinham se iniciado na vanguarda,
que no apenas almejava estes personagens como tambm a alguns velhos
escolhidos, como assim o confirmam Graa Aranha (o acadmico autor de Cana),
Ricardo Giraldes (o estranho autor de Xaimaca) e Macednio Fernndez (o
impenitente filsofo do Novela de la eterna).
A Semana de Arte Moderna e o martinfierrismo revelam os vnculos
entre governos democrticos e abertura esttica, alm de destacar o impacto das
vanguardas europeias na Amrica Latina, ao que preciso somar a presena de
Blaise Cendrars no Brasil e a de Filippo Marinetti na Argentina, antes que os exlios
da Guerra Civil espanhola atraiam aos peninsulares para o Rio da Prata e a
organizao das universidades no Brasil convoque os franceses ao pas (Lvi-Strauss,
Roger Bastide). Os rgos renovadores da vanguarda so as revistas: ao paralelo
entre Klaxon e Proa se soma o da Revista de Antropofagia e Martn Fierro, que
se desdobra em tupi com alade e gacho com viola. Os autores dos manifestos
que contm os programas de renovao se prestam a um paralelo mais exato:
Oswald de Andrade e Oliverio Girondo so submetidos a escrutnio por Jorge
Schwartz em um livro j clssico (Vanguarda e cosmopolitismo).
Mrio de Andrade prefere o papel de rapsodo indigenista, flexionando
rumo a um mundo clssico no qual tambm se inscrevem Nicols Olivari, inspirado
pela Musa de la Mala Pata, e Leopoldo Marechal com seus retornos permanentes
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ao mundo grego. De fato, Macunama e Adn Buenosayres tambm podem ser
esboados como equivalentes: em um caso o medievalismo como tantas leituras
enfatizaram e no outro o classicismo para os que encontram acolhida na bacia
Amazonas-Iguau.
Tambm, como j apontei, as inflexes da direita encontram espao
no panorama revulsivo promovido pela vanguarda: uma delas a que conduz da
faco do verde-amarelismo ao varguismo, e do nacionalismo ao peronismo: Tristo
de Athayde (Alceu de Amoroso Lima) e Cassiano Ricardo junto com Ernesto Palcio
e Marechal. Uma segunda inflexo a que representam Plnio Salgado e Hugo
Wast respectivamente, associados a dois animais com forte sentido territorial: Anta
e Huemul. A terceira permite comparar a Guilherme de Almeida e Julio Irazusta. A
eles se somam, com uma militncia menos poltica que esttica, os poetas catlicos,
num arco que se estende entre Festa (Murilo Mendes, Jorge de Lima, Augusto
Frederico Schmidt, Ceclia Meireles) e Sol y Luna (Marechal, Francisco Luis Bernrdez,
Ignacio Anzotegui). Do lado da poesia humanista se destacam Manuel Bandeira e
Ral Gonzlez Tun.
Nesses anos dcada de 1930 , o ensaio sobre a identidade se
especializa nos homens nacionais, entre o caf com leite e o radicalismo: ao
homem cordial de Srgio Buarque de Holanda corresponde o homem que est
s e espera de Ral Scalabrini Ortiz. Nos anos que na Argentina correspondem
Dcada Infame e no Brasil ao Estado Novo, cuja extenso ser a inevitvel comparao
entre Vargas e Pern, o ensasmo nacional produz textos que sero considerados
como a soluo para se entenderem os respectivos pases: Casa-grande & senzala,
de Gilberto Freyre, eleva o que regional ao que nacional da mesma forma que
Radiografa de la pampa, de Ezequiel Martnez Estrada, se extasia em determinismos
geogrficos nefastos. Por sua vez, Paulo Prado prefere traar um Retrato do Brasil
ao mesmo tempo que Eduardo Mallea sintetiza em dois pases afrontados sua
Historia de una pasin argentina.
A resposta a essas expanses pretensiosamente explicativas se assenta
na esttica da misria que desenvolvem tanto o regionalismo nordestino como o
grupo portenho de Boedo: Graciliano Ramos (Vidas secas) se situa em assincronia
com Juan Jos Manauta (Las tierras blancas); mais prximos no tempo esto Jos
Lins do Rego com seu ciclo da seca e Joaqun Gmez Bas com Barrio gris; em um
arco temporal mais amplo possvel situar a Jorge Amado com a tendncia pitoresca
do baiano e a Bernardo Verbitsky com sua recada villera (villa = favela),
assim como a rico Verssimo e seu realismo sulista junto fauna oficinesca do
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Estado de Roberto Mariani. Mas os cronistas mais precisos da cidade modernizada
so Marques Rebelo e Roberto Arlt. Em outro extremo aparecem os cronistas da
manso senhorial, Cornlio Pena e Enrique Larreta e, mais desapegados de ideologias
e nostlgicos, os cronistas da casa em decadncia, Lcio Cardoso e Manuel Mujica
Linez. Para que este paralelo no fique como um mero arbtrio especulativo,
convoco no traado do itinerrio aos que favoreceram e praticaram intercmbios e
tradues: Newton Freitas e Lidia Besouchet instalando-se em Buenos Aires, e
Benjamn de Garay e Ral Navarro, da Editora Claridad, levando a conhecer, em
espanhol, os seus vizinhos e instituindo as verses que ainda hoje circulam dos
textos mais identificveis da literatura brasileira na Argentina.
Terceiro momento
Desenvolvimentismo, ditadura e Mercosul (1956-2000)
Depois do populismo varguista-peronista surge um perodo de reviso,
privatizao e de reflexo. O fantstico aparece como o primeiro e elementar
refgio ante a imediatez: assim se apresenta nos contos de Clarice Lispector tanto
como nos dos acrrimos antiperonistas Julio Cortzar e Silvina Ocampo. Outros
autores optam pela ambgua proteo do refinamento: a esse seleto crculo
preciso adicionar o nome de Osman Lins e Jos Bianco.
No espao da exibio, o teatro se decide pela renovao cnica:
Ariano Suassuna e Osvaldo Dragn so os nomes mais representativos dessa
tendncia qual tambm presta tributos Agustn Cuzzani. A poesia, com maior
facilidade para se subtrair ao que imediato, se decide pelo radicalismo atravs
dos poetas concretos (Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Dcio Pignatari),
os surrealistas e sua proximidade (Aldo Pellegrini, Enrique Molina, Francisco
Madariaga, Edgar Bailey, Olga Orozco) e os respectivos rgos de difuso: a
filoprovenal revista Noigandres; as provocativas Qu, Letra y Lnea e A partir de
cero; a j cannica Poesia Buenos Aires.
Na poesia tambm se traa uma forma de colaborao frutfera nos
dois pases, tendo como eixo central msica e literatura: Vinicius de Moraes se
transforma em letrista de canes enquanto surge a Bossa Nova; Homero Manzi e
Enrique Santos Discpolo, dedicados s letras de tango, fornecem fortes condies
para que nos anos 1960 aparea Horacio Ferrer. So modos de interveno direta,
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O eixo e a roda: v. 18, n. 2, 2009
de criao de um pblico, de contato imediato com o receptor, que reclamam
ajustes correlativos em outros arranjos.
Dessa forma se produz a ressignificao do compromisso intelectual
que constituiu a militncia sartriana de extensas ressonncias na Amrica Latina. A
narrativa e a dramaturgia se impregnam com essa noo: o teatro de Joo Cabral
de Melo Neto tem a mesma vocao denunciante das no fices de Rodolfo
Walsh e a narrativa de Haroldo Conti. A poesia no vacila ante a militncia: Ferreira
Gullar, Juan Gelman e Paco Urondo so as figuras mais destacadas dessa eleio.
No ensaio socioeconmico se erradicam as tendncias impressionistas
e so preferidos os enfoques submetidos ao mtodo das cincias humanas. Entre
os anos 1950 e 1960 se assiste troca do desenvolvimentismo pelo dependentismo,
de modo que as postulaes de Celso Furtado e Ral Prebisch no marco da CEPAL
recebem sua crtica nos textos de Fernando Henrique Cardoso e Theotnio dos
Santos no Brasil, enquanto Juan Jos Sebreli prefere analisar as consequncias da
economia sobre a sociedade em Buenos Aires, vida cotidiana y alienacin. Parte
dessa cotidianidade est representada pela msica popular, cujo aspecto de protesto,
sem chegar a postulados revolucionrios, contudo suficientemente provocativa
a ponto de receber a censura do poder, se manifesta nas divergncias entre Caetano
Veloso e Chico Buarque de Holanda de forma similar distncia que se registra na
Argentina entre o rock nacional e o folclore. A MPB e o rock nacional constituiro
o cnone musical de cada pas a partir dos anos 1960, reeditando o paradoxo
estabelecido no campo literrio de um cnone apoiado em sua excentricidade. Os
grandes autores do momento so excntricos e cannicos ao mesmo tempo: Joo
Guimares Rosa e Jorge Luis Borges. Ambos foram evitados pelas luzes do boom
latino-americano. No obstante, no momento da comparao mais prxima, parece
inegvel que Grande serto: veredas no pode se comparar aos contos e ensaios
de Borges, mas reclama outro romance como contrapartida, e nesse ponto preciso
recorrer ao plano principal do boom e reconhecer o carter experimental de
Rayuela nesse papel.
No aspecto teatral, a resistncia poltica encontra a dramatizao mais
conveniente nas obras de Augusto Boal e Eduardo Pavlovsky. A crtica, por sua
vez, se divide entre a tentao terica e a incorporao do contexto. A partir da
Academia possvel reconhecer as figuras simtricas de lvaro Lins e Ana Mara
Barrenechea, enquanto no conceito da literatura como prova das relaes sociais
os nomes que se impem como criadores de um mtodo que exercitam durante
dcadas e que mudam o modo de escrever crtica na Amrica Latina so Antonio
Belo Horizonte, p. 1-210
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Candido e David Vias. Essas afirmaes locais no evitam, entretanto, a
modernizao referente aos modelos estrangeiros, praticada por Afrnio Coutinho
unido ao new criticism e difundida pela revista Los Libros instalando-se como tribuna
do estruturalismo na Argentina. Mais rara e parcial a figura do leitor-artista, seja
Augusto Meyer, ou seja Borges em sua fase de crtico de textos; e menos massiva
em seu cultivo de um mtodo que conduz da filologia estilstica se destaca a
prtica de Agripino Grieco e Enrique Pezzoni.
Os efeitos do boom como fenmeno mercantil do a pauta sobre a
qual se desenvolve a produo literria dos anos 1960 e os seguintes, que permitir
pensar a possibilidade de integrao cultural atravs de uma iniciativa comercial
como o Mercosul. Entre as sinuosidades do boom conseguem um lugar tanto a
costumbrista Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado, como a vanguardista
Rayuela, de Julio Cortzar. Se no campo dos autores centrais so esses nomes os
que se destacam, no plano dos laterais do boom aparecem Osman Lins e Manuel
Puig. Outra forma de incluso no mercado, midiatizada pelas empresas jornalsticas,
so as misturas de cdigos entre o que verbal e o que icnico, fornecidas pelas
histrias em quadrinhos. Se do lado brasileiro aparece A turma da Mnica, do lado
argentino prolifera nos livros de Mafalda e, em ambos os casos, apela para a
manejo social dos seus personagens: campanhas de vacinao, preveno de
acidentes e uma infinidade de temas vinculados infncia.
As imagens tambm contribuem com sua especificidade para a
transposio cinematogrfica da literatura e da poltica locais: o Cinema Novo de
Glauber Rocha se encontra com o exerccio mais socializante da Escola de Santa
F e o Cine Liberacin organizado por Fernando Birri (como consta inclusive na
afetuosa evocao que Birri faz de Glauber para o filme de Eryk Rocha, Rocha
que voa, em 2000); Nelson Pereira dos Santos, mais preocupado com a restituio
de certos aspectos de ordem social que com as investigaes rituais de Rocha,
tem seu correlato no retrato da classe mdia urbana que realiza Leopoldo Torre
Nilsson. Do rural passou para o urbano, criando um pano de fundo para que se
escrevam os romances da cidade sitiada, desde os policiais negros de Rubem
Fonseca at os mais rurais de Osvaldo Soriano, sempre com tendncia ao grotesco.
Em cidades brasileiras encontram acolhida trs exilados argentinos: o poeta Nstor
Perlongher, o cineasta Hctor Babenco e o romancista Puig, cujo pretexto tropical
pode ser encontrado na prolongamento de Jos Mrmol.
A ltima comparao deve renunciar literatura e se colocar
exclusivamente na rbita mercantil. O ttulo inovador e desconcertante se proclama
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Autoajuda na lngua latina, e seus guias mais enfticos e bem-sucedidos (ainda
que com uma notria diferena de popularidade, lucros e inclusive expectativas)
so Paulo Coelho e Jorge Bucay.
Seguindo o modelo sempre orientador da Biblioteca Ayacucho, que
estabeleceu o cnone da literatura latino-americana sob a direo de ngel Rama,
de se esperar que este projeto se desenvolva com algumas ferramentas que, se
no oferecem a vantagem de um controle do mtodo, ao menos apoiam o conjunto
atravs de uma cronologia de fatos locais e mundiais.
Proposal for approaches to a comparative historyof Argentinean and Brazilian literatures
Abstract: The proposal for a comparative history of Argentinian and Brazilianliterature as an effective regional integration practice, in a case of Mercosul inwhich cultural aspects are relegated face of economic and trade policies andstrategies to face up world powers as a block, it presents many positive aspectsthat operate as an incentive to be put into practice. On the one hand, promotesthe development of a local comparativism, without the constraints that encouragethe comparative literature as a discipline of metropolitan origin. On the otherhand, favors the development of an original theory and literary criticism,taken from the ideas out of place that usually apply to such proposals. Finally,aims a cultural movement between Argentina and Brazil, which so far remainsunpublished and constituted more as an intellectual obligation than in adesirable possibility.Keywords: Comparative literature, cultural history, literary criticism.
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