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Arielly Dias Ferreira UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS LEIS Nº 12.619/2012 E 13.103/2015 Centro Universitário Toledo Araçatuba 2017

Arielly Dias Ferreira · Pai, estudar os obstáculos diários na sua profissão de ... que ainda nos dias atuais permanece sendo o ... debateu-se o advento da Lei 12.619/2012 e da

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Arielly Dias Ferreira

UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS LEIS Nº 12.619/2012 E

13.103/2015

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2017

Arielly Dias Ferreira

UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS LEIS Nº 12.619/2012 E

13.103/2015

Monografia apresentada como requisito parcial para

obtenção do grau de Bacharel em Direito à Banca

Examinadora do Centro Universitário Toledo, sob

orientação da Professor Me. Valdir Garcia dos Santos

Junior.

Centro Universitário Toledo

Araçatuba

2017

FOLHA DE APROVAÇÃO

Banca Examinadora

Araçatuba, ____ de _____________ de 2017

.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, primeiramente, pela força e coragem durante essa longa jornada.

À minha família, por sempre confiarem e investirem em mim. Mãe e pai, sou grata

pela determinação e luta na minha formação. Mãe, suas orações foi que me deram, em alguns

momentos, esperança para seguir. Pai, estudar os obstáculos diários na sua profissão de

motorista profissional, me fez admirá-lo ainda mais.

À minha irmã amada pelos socorros prestados.

À Milca, minha tia querida, pelo auxílio todos esses anos.

Aos meus amigos que sempre estiveram ao meu lado durante esse período difícil de

esforços e correria, dentre eles gostaria de citar alguns que sempre me apoiaram nessa

caminhada principalmente, me dando força para concluir a presente pesquisa: Jaqueline,

Karen e Renata

Ao meu namorado, melhor amigo e companheiro de todas as horas, Vinícius Bueno

Jorge, pelo carinho, infinita compreensão, amor e solidariedade.

Ao professor Valdir Garcia dos Santos Junior, pela paciência na orientação e

incentivo que fizeram possível a conclusão deste trabalho.

E a todos que contribuíram desde o início, direta ou indiretamente, para que eu

chegasse até aqui.

RESUMO

A presente pesquisa tenciona exibir estudo comparativo das Leis nº 12.619/2012 e nº

13.103/2015. Portanto, foi relatado o percurso trilhado pelos direitos trabalhistas durante as

Constituições brasileiras, de 1824 a 1988. Seguidamente, procedeu-se à exposição do por quê

da escolha do modal rodoviário pelo Brasil, que ainda nos dias atuais permanece sendo o

principal modo de transporte de cargas e passageiros no país. Posteriormente, a duração, o

controle e o limite das jornadas dos motoristas profissionais foram abordados, assim como os

danos ao trabalhador. Por fim, debateu-se o advento da Lei 12.619/2012 e da Lei,

13.103/2015, cujas alterações foram objeto de análise, a fim de identificar os benefícios e

retrocessos ocasionados, assim como a compatibilidade dos dispositivos da Lei nova com a

ordem constitucional decretada em 1988.

Palavras-chave: motorista de cargas e passageiros, regulamentação da profissão de motorista,

Lei 12.619/2012, Lei 13.103/2015, lei do descanso, proibição ao retrocesso social.

ABSTRACT

The present research intends to present a comparative study of Laws no. 12,619 / 2012 and nº

13,103 / 2015. Therefore, the trajectory traced by labor rights during the Brazilian

Constitutions, from 1824 to 1988, was reported. Afterwards, the reason for the choice of road

transportation in Brazil was discussed, which still remains the main mode of transportation of

cargo and passengers in the country. Subsequently, the duration, the control and the limit of

the journeys of the professional drivers were approached, as well as the damages to the

worker. Lastly, the advent of Law 12,619 / 2012 and Law 13,103 / 2015, whose amendments

were analyzed, were discussed in order to identify the benefits and setbacks caused, as well as

the compatibility of the provisions of the new Law with the order constitutional decree in

1988.

Key words: driver of loads and passengers, regulation of the profession of driver, Law

12.619 / 2012, Law 13.103 / 2015, law of rest, prohibition of social retrogression.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 8

I. A CONQUISTA DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES NO DECORRER DAS

CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: DE 1824 A 1988 ....................................................... 10

II. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS E PASSAGEIROS ........................... 25

2.1. O motivo da escolha brasileira pelo modal rodoviário ................................................... 25

2.2. Conceito, duração, jornada e horário de trabalho ........................................................... 29

2.3. Duração, controle e limites das jornadas efetuadas pelos caminhoneiros ...................... 30

2.3.1. Horas Extras antes e depois da Lei dos Motoristas ................................................. 32

2.4. Danos ao trabalhador ...................................................................................................... 35

2.4.1. Acidentes de trabalho ............................................................................................... 36

III. LEIS ESPECIAIS ACERCA DA ATIVIDADE DO MOTORISTA ....................... 39

3.1. O processo de criação da Lei 12.619/2912 ..................................................................... 39

3.2. A chegada da nova lei em 2015 ...................................................................................... 40

3.3. Aspectos gerais da nova Lei ........................................................................................... 40

3.3.1. Repercussões sobre o primeiro pilar protetivo: a limitação e o controle da jornada

de trabalho ............................................................................................................................. 40

3.3.1.1. Ampliação da jornada diária para até doze horas ................................................. 41

3.3.1.2. Jornada doze por trinta e seis ................................................................................ 43

3.3.1.3. Redução dos períodos dos descansos obrigatórios ............................................... 44

3.3.1.4. Tempo de espera ilimitado ................................................................................... 45

3.4. Repercussões sobre o segundo pilar protetivo: repulsa ao pagamento por comissão .... 46

3.5. Repercussões sobre o terceiro pilar protetivo: remuneração digna ................................ 47

3.6. Proibição ao retrocesso social......................................................................................... 48

CONCLUSÃO ......................................................................................................................... 51

REFERENCIAS ..................................................................................................................... 53

8

INTRODUÇÃO

A presente monografia aborda como tema o Direito do Trabalho e objetiva analisar o

progresso dos direitos trabalhistas no Brasil e as especificidades da profissão de motorista de

cargas e passageiros para, ao final, comentar os dispositivos legais acerca da atividade

exercida por esse trabalhador, previstos originariamente pela Lei nº12.619/2012 e

posteriormente pela Lei nº 13.103/2015, popularmente conhecidas como “Lei do Descanso”

ou “Lei dos Motoristas”.

O objetivo do estudo aqui exposto é, através de pesquisa de alteração dos direitos

trabalhistas ao longo das constituições nacionais, bem como do exame da escolha do Brasil

pelo modal rodoviário como mais importante meio de transporte de cargas e passageiros,

expor a importância do cumprimento dos direitos dos motoristas profissionais e os efeitos

físicos e psicológicos de sua inobservância.

Busca examinar a Lei 13.103/2015, com o propósito de verificar seus benefícios e

retrocessos, assim como contrapor suas disposições com a Constituição vigente em nosso

país.

Além disso, analisar-se-à posicionamentos jurisprudenciais e doutrinários relacionados

a matéria, e as mudanças trazidas pela nova lei supracitada.

Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizou-se o método dedutivo como forma de

abordagem, tendo em vista a base em argumentos gerais pelo subsídio das teorias de base

eleitas para, então, proceder-se a progressão de raciocínios inerentes acerca da hipótese

constituída.

Foi adotado também como método de investigação a análise em trechos doutrinários,

legislação e na jurisprudência.

O tema se revela atual, tendo em vista que as Leis comparadas foram promulgadas a

menos de 5 anos, mais especificamente em 2012 e 2015, e ainda geram polêmica, embora já

revogada a de 2012 (12.619/2012).

Para análise detalhada, dividiu-se a monografia em três capítulos.

No primeiro capítulo, será descrita a evolução dos direitos dos trabalhadores ao longo

das Constituições de 1824 a 1988, passando pela criação das Leis Trabalhistas.

O segundo capítulo tratará a razão da escolha do Brasil pelo modal rodoviário, da

utilização deste transporte e do progresso da profissão de motorista.

9

Expor-se-à, ainda, a duração, controle e limites das jornadas de trabalho exercidas por

esses profissionais e a íntima conexão desses aspectos com a decorrência de sinistros nas

estradas.

Por fim, o último capítulo discorrerá sobre o princípio das Leis que regem a atividade

do motorista profissional, expondo primeiramente o processo de criação da já revogada Lei

12.619/2012 e posteriormente acerca da nova lei que regulamenta a categoria, a Lei

13.103/2015, comentando seus aspectos gerais e repercussões sobre os pilares protetivos.

Outrossim, será examinada a recepção ou não dos dispositivos da lei vigente pela

Constituição de 1988 e pelos princípios dela decorrentes, tais como a dignidade da pessoa

humana e a proibição ao retrocesso social.

Concluir-se-à o trabalho com as ponderações finais e referencias das fontes

empregues.

10

I. A CONQUISTA DOS DIREITOS DOS TRABALHADORES NO

DECORRER DAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS: DE 1824

A 1988

Denominada oficialmente de “Constituição Política do Império do Brazil”, a primeira

Constituição Brasileira foi outorgada por Dom Pedro I em 1824.

Os pressupostos de fraternidade, liberdade e igualdade ecoavam pela Europa neste

período e desembarcaram em nosso país por meio desta Constituição, que, em que pese

proporcionar a manutenção da escravidão, foi uma das precursoras em determinar um rol de

direitos e garantias fundamentais.

Dispôs-se no texto legal:

Art.6° São Cidadãos Brazileiros

I. Os que no Brazil tiverem nascido, quer sejam ingenuos, ou libertos, ainda que o

pai seja estrangeiro, uma vez que este não resida por serviço de sua Nação.

II. Os filhos de pai Brazileiro, e Os illegitimos de mãi Brazileira, nascidos em paiz

estrangeiro, que vierem estabelecer domicilio no Imperio.

III. Os filhos de pai Brazileiro, que estivesse em paiz estrangeiro em serviço do

Imperio, embora elles não venham estabelecer domicilio no Brazil.

IV. Todos os nascidos em Portugal, e suas Possessões, que sendo já residentes no

Brazil na época, em que se proclamou a Independencia nas Provincias, onde

habitavam, adheriram á esta expressa, ou tacitamente pela continuação da sua

residencia

E ainda:

Art. 179 A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros,

que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida

pela Constituição do Imperio, pela maneira r. […]

XXIV. Nenhum genero de trabalho, de cultura, industria, ou commercio póde ser

prohibido, uma vez que não se opponha aos costumes publicos, á segurança, e saude

dos Cidadãos.

XXV. Ficam abolidas as Corporações de Officios, seus Juizes, Escrivães, e Mestres.

Como bem atenta Pedroso (2012, p. 451), nota-se que a definição de cidadania da

Constituição de 1824 afirmava o cidadão brasileiro na condição de “liberto”. Assim,

reafirmavam na condição de “não cidadãos” os escravos.

No entanto, conforme se verifica no artigo 179, ao extinguir as corporações de ofício,

garantiu a segurança individual e a propriedade de diversas maneiras, além da ampla

liberdade de trabalho (FERRARI, 2002, p. 54).

Proibidas as corporações de ofício, surgiram alguns tipos de associações, com fins

nem sempre coincidentes com os que tem hoje os sindicatos.

11

Haviam as denominadas ligas operárias e também as câmaras ou bolsas de trabalho

sendo que, esta primeira reivindicava melhores salários e redução da jornada, cumprindo

também funções assistenciais. Já a segunda, era destinada a pesquisa ou cadastramento das

colocações e mão-de-obra disponíveis, bem como as caixas beneficentes, uniões e sociedades

cooperativas (NASCIMENTO,2002, p. 79/80).

A referida Constituição trata ainda, no Título IV, no artigo 79 e seguintes, “Dos

Empregados”, e denomina assim o Secretário que receberia anualmente uma gratificação paga

pelas rendas do Conselho.

Todavia, a discussão sobre os direitos dos trabalhadores e a relação empregado e

empregador só deslanchou após o fim da escravidão, com a Lei Áurea, em 1888. Até então,

como acentua Viana (2013, p.30) em seus dizeres “o escravo trabalhava porque era negro, de

raça inferior. O branco trabalhava porque era pobre, miserável”, e dessa forma, o trabalho era

considerado de maneira negativa pela sociedade.

Após a alforria dos escravos, poucas mudanças ocorreram, vez que, a liberdade não

era garantia de vida digna. A legislação protetiva não existia e a oferta de trabalho era ínfima.

Somente em 1888 o primeiro período significativo na evolução do Direito do Trabalho

no Brasil ocorreu, identificado como fase de manifestações incipientes ou esparsas, que durou

até 1930, conforme classificação de Delgado (2012, p. 106):

Tratava-se de período em que a relação empregatícia se apresenta, de modo

relevante, apenas no segmento agrícola cafeeiro avançado de São Paulo e,

principalmente, na emergente industrialização experimentada na capital paulista e no

Distrito Federal (Rio de Janeiro). (...)

E acrescenta (p.107):

É característica desse período a presença de um movimento operário ainda sem

profunda e constante capacidade de organização e pressão. (...). Nesse contexto, as

manifestações autonomistas e de negociação privada vivenciadas no novo plano

industrial não têm ainda a suficiente consistência para firmarem um conjunto

diversificado e duradouro de práticas e resultados normativos, oscilando em ciclos

esparsos de avanços e refluxos.

Vez ou outra, em virtude de diálogos entre políticos quanto a miséria que o Brasil

vivenciava, surgiam leis tentando proteger alguns trabalhadores.

Em 12 de dezembro de 1890, o Decreto n° 1.162 retirou da tipificação penal a greve

como ilícito, mantendo somente os atos de violência exercidos no movimento como ilícitos

penais.

12

O Decreto n° 565, de 12 de julho de 1890, ampliou a todos os ferroviários o direito a

férias de 15 dias e aposentadoria, que anteriormente eram benefícios oferecidos apenas aos

ferroviários da Estrada de Ferro Central do Brasil. (DELGADO, 2012, p. 107).

Em grande avanço à mentalidade da época, sobreveio o Decreto n° 1.313, de 17 de

janeiro de 1891 que, estipulou providências para regularizar o trabalho de menores em

fábricas.

Determinou a obrigatoriedade de fiscalização permanente, mensalmente, aos

estabelecimentos em que trabalhavam grande número de menores de idade. Ademais, proibiu

o trabalho de menores de 12 anos de idade se não estivesse na condição de menor aprendiz, e

regulamentou as condições e ambientes de trabalho em que poderiam os menores ser

expostos.

Estabeleceu ainda jornada máxima de sete horas diárias, não consecutivas, e sem

exceder quatro horas de trabalho contínuo aos menores do sexo masculino, de 12 a 14 anos, e

aos do sexo feminino, de 12 a 15 anos.

Em 1889 foi proclamada a República e iniciou-se o presidencialismo como forma de

governo, assim, o Brasil passou a reconquistar a democracia.

Como resultado da transformação do Império em República, entrou em vigor em 24 de

fevereiro de 1891 nova Carta Magna, denominada de “Constituição da República dos Estados

Unidos do Brasil”, a qual sofreu forte influência norte-americana.

Mesmo garantindo direitos políticos e sociais, a referida Constituição apresentou

limitações em razão de vigorar em uma sociedade na qual dominavam interesses ligados às

oligarquias latifundiárias. Logo, “ não se voltou para a questão social e as suas linhas

fundamentais omitiram-se do problema trabalhista que ainda não conseguia sensibilizar

determinado núcleo do pensamento político”. (NASCIMENTO, 2002, p. 163)

Não havia sequer um artigo dedicado aos direitos trabalhistas. A Constituição

limitava-se a prever apenas o livre exercício da profissão:

Art. 72 – A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no paiz a

inviolabilidade dos direitos concernentes á liberdade, á segurança individual e á

propriedade, nos termos seguintes:

[...]

§24. É garantido o livre exercício de qualquer profissão moral, intellectual e

industrial.

[...]

§34. Nenhum emprego póde ser creado, nem vencimento algum, civil ou militar,

póde ser estipulado ou alterado senão por lei ordinária especial.

13

Não obstante o supracitado artigo estabelecer a liberdade do exercício profissional, o

Congresso não possuía competência para legislar sobre o tema e, por não haver um freio

constitucional, ficou o patronato favorecido, possibilitando a super exploração da mão-de-

obra (PEDROSO, 2012, pg. 452).

Ainda assim, os direitos trabalhistas progrediram a partir desta data.

Em 1903, o Decreto n° 979, permitiu a reunião dos profissionais da agricultura e das

industrias rurais, com liberdade de associação e, conforme leciona Nascimento (2002, p. 83),

“como função do sindicato ganhou destaque o caráter assistencial, com a criação de caixas

para os sócios e cooperativas de crédito e de vendas dos seus produtos”.

Outro avanço na área trabalhista ocorreu em 1904, advindo do Decreto n° 1.150, que

instituiu a caderneta agrícola, que conferia privilégios para o pagamento da dívida proveniente

de salário dos trabalhadores rurais.

As greves operárias foram impulsionadas pela carência dos trabalhadores que

careciam do indispensável à subsistência. A paralisação geral da indústria e comércio do

Brasil ocorreu em 1917, porque postulavam a redução da jornada de trabalho, melhores

salários, entre outros.

Ainda em 1917, foi destaque a promulgação da Constituição Mexicana, que foi a

primeira a atribuis status de direitos fundamentais aos diretos trabalhistas, estipulando jornada

de trabalho de 8 horas.

Dois anos após, em 1919, terminada a primeira guerra mundial, surgiu a Constituição

Alemã de Weimar, responsável por elevar normas do Direito do Trabalho a nível

constitucional de direitos fundamentais, em especial as referentes à jornada de trabalho.

Assim, encaminhou-se para a regulamentação internacional de normas trabalhistas e

em 1919 foi criada a Organização Internacional do Trabalho – OIT, com o propósito de

proteger o trabalho e buscar a paz social, bem como formular e aplicar normas internacionais

mediante Convenções e Recomendações.

Já no ano de criação da OIT aprovou sua primeira Convenção, que estipulou em

âmbito internacional a limitação da jornada de trabalho em 8 horas diárias.

Desde a primeira reunião da Conferência Internacional do Trabalho o Brasil é membro

participante, sendo assim um dos seus membros fundadores, ratificando diversas convenções

aprovadas.

Ainda em 1919, surgiu no Brasil a Lei n° 3.724, regulamentando as obrigações

resultantes do acidente de trabalho. Em seu artigo 13, instituiu que em todos os casos o

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empregador seria obrigado a prestar socorros médicos, desde o momento do acidente, não

deixando faltar a devida assistência.

Estipulava também que a dívida proveniente de indenização devida em caso de

acidente laboral gozava de preferência excepcional atribuída aos créditos por salário de

trabalhadores agrícolas.

A evolução no campo do direito do trabalho teve continuidade e em 1923 duas formas

significativas surgiram: a Lei 4.682/1923 e o Decreto n° 16.027.

A Lei n° 4.682/1923, popularmente conhecida como Lei Elói Chaves, criou pensões e

caixa de aposentadoria para os empregados das empresas de estradas de ferro existentes no

país. Instituiu ainda, estabilidade para empregados com mais de dez anos de serviço efetivo,

que somente em caso de falta grave constatada mediante processo administrativo (artigo 42)

poderiam ser dispensados.

O Decreto n° 16.027/1923, a seu turno, instituiu o Conselho Nacional do Trabalho, “

órgão consultivo dos poderes públicos em assuntos referentes á organização do trabalho e da

previdência social” (artigo 1°).

Por meio da Lei n° 4.982/1925, em 1925, as férias anuais de quinze dias foram

concedidas aos empregados de estabelecimentos comerciais, industriais e bancários, sendo

essa, segundo preleciona Nascimento (2002, p.168) uma das seis primeiras leis, no mundo, a

disciplinar a matéria.

Posteriormente, já em 1927, o Código de Menores (Decreto n° 17.934-A) foi

promulgado. Medidas assistenciais e protetivas foram, então, introduzidas aos menores de 18

anos. Estipulou, entre outros, a criação da carteira de trabalho de menores, a proibição de

trabalho aos menores de doze anos de idade, a limitação de seis horas ao trabalho dos menores

aprendizes em determinados estabelecimentos, e a proibição do trabalho noturno.

A Lei de falências foi alterada em 1929, pelo Decreto n° 5.746 e conferiu privilégio

aos créditos de “prepostos, empregados e operários”.

Em um cenário em que as eleições ocorriam de forma burlista e pelas quais as

oligarquias se mantinham no poder alternadamente na política conhecida como “café com

leite”, abriu-se portas para a Revolução de 1930, que colocou Getúlio Vargas no poder e

depôs Washington Luis.

Conforme Delgado (2012,p.109) classifica, deu-se início à fase de institucionalização,

ou oficialização do Direito do Trabalho, que se estendeu até 1945.

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Um dos grandes projetos de Getúlio Vargas era a industrialização do país. Porém,

talvez seu maior projeto tenha sido o projeto trabalhista, porquanto, para existir indústria, era

necessário primeiramente valorizar os trabalhadores. (VIANA, 2013, p. 43)

No que se refere a este período, Nascimento (2001, p.169) afirma que:

Passaram a ter, com a política trabalhista de Getúlio Vargas, maior aceitação as

ideias de intervenção nas relações de trabalho, com o Estado desempenhando papel

central, grandemente influenciado pelo modelo corporativista italiano de 1927.

Sem discutir aqui se os fins visados por Vargas foram de dominação ou de elevação

das classes trabalhadoras, o certo é que nesse período foi reestruturada a ordem

jurídica trabalhista, adquirindo fisionomia que em parte até hoje se mantém.

O Governo de Vargas, em 1930, criou o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio

(Decreto n° 19.433/1930), responsável pelo estudo e despacho de todos os assuntos

concernentes a essas áreas (artigo 2°).

Desde então, iniciou-se um período de disputas, conforme ressalta Viana (2013, p.53).

Conforme ressalta o mesmo, “de um lado, o sindicato de resistência tentando manter-se

independente; de outro, o Governo buscando atrair os trabalhadores para o seu modelo de

sindicato”.

No entanto, a resistência operária foi minada pelo Governo, que estipulou que, para

acessar à Justiça do Trabalho era preciso o obreiro ser sindicalizado. Desse modo, conforme

registrou Gomes (2012, apud VIANA, 2013, p. 168) os trabalhadores foram atraídos para a

vida sindical: no ano de 1931 havia apenas três sindicatos reconhecidos oficialmente, já em

1939 esse número havia aumentado para 1.219.

Seguidamente entrou em cena a fiscalização do trabalho e, foram editados diversos

Decretos pelo Poder Executivo nos anos seguintes, cada qual direcionado a uma categoria.

Destaca Silva (2001, p. 234) dentre as determinações desses Decretos, a demarcação

da carga horária dos trabalhadores da indústria e do comércio, respectivamente por meio dos

Decretos n° 21.186 e n° 21.364, de 1932, que fixavam a jornada diária de oito horas e

quarenta e quatro semanais, podendo ser elevada a dez horas caso acordado entre empregados

e empregadores, assim como que, a cada seis dias trabalhados, correspondesse a um dia de

descanso obrigatório.

Após esse período, jornadas inferiores a oito horas foram estabelecidas para categorias

especiais, por meio de outro Decretos.

Ainda em 1932 dois organismos fadados a solucionar conflitos trabalhistas foram

criados: as Comissões Mistas de Conciliação e as Juntas de Conciliação e Julgamento,

responsáveis pela composição entre as partes em dissídios coletivos e individuais. Caso não

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houvesse sucesso na tentativa, era proposta a solução de conflito por meio da arbitragem ou

então, o caso era encaminhado ao Ministério do Trabalho.

Do Governo Provisório introduzido por Vargas em 11 de novembro de 1930 originou-

se a Constituição de 1934, que buscou estabelecer um regime democrático e introduziu em

seu texto um capítulo dedicado à Ordem Econômica e Social.

O ganho de uma dimensão social e função assistencial do Estado vieram com a

inserção no artigo 113 do direito à subsistência mediante trabalho honesto.

No capítulo II, dedicado aos direitos e garantias individuais registrou-se, no item 12,

que “ é garantia a liberdade de associação para fins lícitos. Nenhuma associação será

compulsoriamente dissolvida senão por sentença judiciária”, e no item 13 que “ é livre o

exercício de qualquer profissão, observadas as condições de capacidade técnica e outras que a

lei estabelecer, ditadas pelo interesse público.”

No título IV, que tratou da “Ordem Econômica e Social”, dispôs o artigo 115:

A ordem econômica deve ser organizada conforme os princípios da Justiça e as

necessidades da vida nacional, de modo que possibilite a todos existência digna.

Dentro desses limites, é garantida a liberdade econômica.

Parágrafo único - Os Poderes Públicos verificarão, periodicamente, o padrão de vida

nas várias regiões do País. (grifo nosso)

Além disso, a matéria sindical foi disciplinada pelo artigo 120, sinalizando que seriam

reconhecidos os sindicatos e associações profissionais de conformidade com a lei.

Em matéria trabalhista, outro grande progresso desta Constituição se exprime pelo seu

artigo 121, sendo o parágrafo 1° desse dispositivo seguido pelas Constituições brasileiras

posteriores, in verbis:

A lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições do trabalho, na

cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses

econômicos do País.

§ 1º - A legislação do trabalho observará os seguintes preceitos, além de outros que

colimem melhorar as condições do trabalhador:

a) proibição de diferença de salário para um mesmo trabalho, por motivo de idade,

sexo, nacionalidade ou estado civil;

b) salário mínimo, capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, às

necessidades normais do trabalhador;

c) trabalho diário não excedente de oito horas, reduzíveis, mas só prorrogáveis

nos casos previstos em lei;

d) proibição de trabalho a menores de 14 anos; de trabalho noturno a menores de 16

e em indústrias insalubres, a menores de 18 anos e a mulheres;

e) repouso hebdomadário, de preferência aos domingos;

f) férias anuais remuneradas;

g) indenização ao trabalhador dispensado sem justa causa;

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h) assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a esta

descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do emprego, e instituição

de previdência, mediante contribuição igual da União,

do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da maternidade e

nos casos de acidentes de trabalho ou de morte;

i) regulamentação do exercício de todas as profissões;

j) reconhecimento das convenções coletivas, de trabalho.

§ 2º - Para o efeito deste artigo, não há distinção entre o trabalho manual e o

trabalho intelectual ou técnico, nem entre os profissionais respectivos. […] (grifo

nosso)

Ajustou, assim, importantes direitos trabalhistas, tais como a limitação da jornada de

trabalho, férias anuais remuneradas, proibição de diferença de salário em razão do sexo,

estado civil, idade ou nacionalidade, e indenização em caso de dispensa sem justa causa do

trabalhador.

Lembrando que, apesar da previsão da Justiça do Trabalho, ela não foi instalada na

Constituição de 1934.

Conforme enfatiza Gomes (2012, apud VIANA, 2013 obra citada, p. 177) desde 1935

a repressão do governo começou a crescer, maiormente contra comunistas, originando o

discurso da “segurança nacional”, que foi crucial para justificar o golpe de 1937.

Surgiu nova Constituição em 10 de novembro de 1937, que, com o apoio das Forças

Armadas foi editada por Vargas, sob a justificativa de preservação e de defesa da paz, do

bem-estar e segurança do povo (FERRARI, 2002, p.56-57).

O artigo 137, “i”, quanto a jornada de trabalho, previu o “dia de trabalho em oito

horas”, que poderia ser reduzido e “suscetível de aumento nos casos previstos em lei”.

Conquanto manteve determinados direitos assegurados anteriormente assegurados, a

Constituição de 1937 apontou alguns retrocessos.

A expressão “social” foi retirada do capítulo dedicado à Ordem econômica, a greve foi

proibida por ser considerada antissocial e o sindicato converteu-se em assistencial, com

funções distribuídas até mesmo para impor cooperações a seus filiados.

Estabeleceu ainda, que “a todos é garantido o direito de subsistir mediante o seu

trabalho honesto e este, como meio de subsistência do indivíduo, constitui um bem que é

dever do estado proteger”. Ademais, foi permitido ao Chefe do executivo legislar sobre todas

as matérias competentes a União mediante decretos-leis, revelando o caráter intervencionista

do Estado no domínio econômico e na relevância do trabalho, nesta fase nova do governo

Vargas.

Instrui Ferrari (2001, p. 58) que a legislação observava os direitos assegurados pela

constituição de 1934, com destaque nos contratos coletivos concluídos pelas associações

18

reconhecidas legalmente, e, advertindo que a modalidade do salário seria a mais adequada às

exigências do operário e da empresa, de acordo com o que prevê o artigo 137.

Consecutivamente à Constituição, em 1940, os valores dos salários mínimos foram

fixados pelo Decreto n° 2.162.

Por fim, subsistiu ainda na Constituição de 1937 a previsão referente à Justiça do

Trabalho na esfera administrativa. Subsequente, essa Justiça especializada foi instituída e

organizada (Decreto n° 1237/1939), sendo efetivamente instalada em 1941.

As leis trabalhistas foram crescendo, desordenadamente, fazendo com que algumas

profissões ficassem regulamentadas e outras não. Por esse motivo, fez-se necessário a

unificação de um único diploma legal contendo todos os textos. Deu-se assim a criação da

CLT, em 1º de maio de 1943.

A respeito desta data, detalha Viana (2013, p.51/53):

[…] Era dia de festa – como todo Dia do Trabalhador. O lugar escolhido foi a

Esplanada do Castelo, no Rio. Os sindicatos chamaram seus filiados. Era um sábado,

e o Ministro do Trabalho tinha pedido aos patrões para liberar os empregados.

Segundo o Jornal do Brasil, quinhentas moças vestidas de branco faziam a guarda

de honra em frente ao prédio do Ministério, cada qual levando uma bandeira do

Brasil. Vendo aquelas moças e bandeiras, as pessoas podiam ter uma sensação de

ordem e patriotismo.

Houve vários discursos, foguetório e banda de música. O presidente estava lá. Seu

discurso foi longo, tratando de vários assuntos. O mais importante parecia ser a

guerra. Falou também dos sindicatos, da Justiça do Trabalho, da Previdência Social,

dos restaurantes populares… e, no meio de tudo, a CLT.

Segundo Pedroso (2012, p. 456), a CLT foi um “relevante avanço nas leis de proteção

ao trabalho, contraditado pela vigência de um governo ditatorial que mantinha uma política de

controle, cooptação e repressão aos trabalhadores”.

Complementa Delgado (2012, p. 111) que, “embora o nome reverenciasse a obra

legislativa anterior (consolidação), a CLT, na verdade, também alterou e ampliou a legislação

trabalhista existente, assumindo, desse modo, a natureza própria a um código do trabalho”.

Nascimento (2002, p. 99), não obstante, examina sob prisma distinto, e pondera que a

CLT, “vista como meio de aperfeiçoamento do sistema legal sobre relações coletivas de

trabalho, em nada contribuiu, não passando de mera reunião de textos já existentes com

algumas pinceladas pouco ou em quase nada inovadoras”.

Viana (2013, p. 76) opõe-se à ideia do autor supra referido, e elucidativamente

conclui:

19

A CLT reuniu as leis que já existiam, e não fez apenas isso: melhorou, articulou,

organizou, completou. Deixou de fora domésticos, trabalhadores rurais, funcionários

públicos. Mas de todo modo, em sua época, era talvez o que havia de melhor no

mundo. E algumas de suas invenções são até hoje elogiadas por juristas de outros

países.

A CLT foi resultado do trabalho de diversos juristas, como Arnaldo Lopes Sussekind,

Oscar Saraiva, Rego Monteiro e Dorval Lacerda. Consistiu em 922 artigos regulados em

quatro grandes blocos de regras: o primeiro com direitos individuais; o segundo versando

sobre o sindicato, greves, convenções e acordos coletivos do trabalho; o terceiro sobre o

processo e a Justiça do Trabalho; e o quarto relativo a fiscalização.

Para divulga-la, o Ministro do Trabalho Marcondes Filho participava, diariamente, do

programa de radio Hora do Brasil, e usava o tempo disponível para dilucidar os direitos e

obrigações de ambas as classes. Dessa forma, logo a CLT ganhou força.

A partir de Vargas, o país passou a produzir os produtos que anteriormente importava.

Com as indústrias as cidades foram crescendo e o coronelismo enfraqueceu.

Porém, o seu governo sofreu uma queda e em 1945 a ditadura do “Estado Novo”

encerrou-se.

Eleição direta foi realizada e Eurico Gaspar Dutra foi eleito como Presidente. Assim,

iniciou-se um novo regime democrático, comumente denominado “período populista”.

Em 18 de setembro de 1946, foi votada por Assembleia Constituinte a “Constituição

dos Estados Unidos do Brasil” que, revestida de caráter democrático, abordou o valor do

trabalho e a dignidade da pessoa humana e voltou a assegurar o direito de livre associação

sindical, além de inserir a Justiça do Trabalho como órgão do Poder Judiciário.

Segundo Delgado (2012, p. 112), o modelo de organização sindical foi mantido, bem

como o conjunto justrabalhista procedente do governo de Vargas.

No título V, destinado à Ordem Econômica e Social, pautado no princípio da justiça

social, ficou estabelecido que a todos deve ser assegurado trabalho que possibilite uma

existência digna, haja vista que o trabalho é obrigação social.

O artigo 157, por sua vez, continuou prevendo que a duração diária do trabalho não

ultrapassaria oito horas, exceto nos casos previstos em lei e acrescentou as demais garantias já

asseguradas pelas Constituições anteriores o direito à estabilidade do trabalhador rural; salário

ao trabalhador noturno superior ao diurno; assistência aos desempregados; obrigatoriedade de

seguro pelo empregador contra acidentes do trabalho, reconhecimento do direito de greve;

fixação de percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão

20

e nos estabelecimentos de determinados ramos do comercio e da indústria; e a participação

nos lucros.

Em 1948, no âmbito internacional, foi proclamada pela Assembleia Geral das Nações

Unidas a “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, que traçou os direitos humanos

básicos, prevendo que “toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a

condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego”; “toda pessoa,

sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho”; “toda pessoa que

trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à

sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se

necessário, outros meios de proteção social”; “toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e

neles ingressar para proteção de seus interesses” e que “toda pessoa tem direito a repouso e

lazer, inclusive a limitação razoável das horas de trabalho e férias periódicas remuneradas”.

Já no Brasil, no ano de 1951, após Gaspar Dutra perdurar no poder por cinco anos,

uma eleição presidencial foi convocada, e Getúlio Vargas saiu vitorioso, assumindo mais uma

vez o governo, entre o período de 1951 a 1964.

Posteriormente foram presidentes Juscelino Kubitschek (1956-1961), Jânio Quadros

(1961) e João Goulart (1961-1964) que, em 1964, sofreu golpe militar. (Tal período será

objeto de análise mais aprofundada no capítulo subsequente).

Assim, surgiu um governo ditatorial que, segundo Ferrari (2002, p. 68) foi inserido

sob a justificativa de “combater a inflação que atingia limites alarmantes” e “garantir a

harmonia e a solidariedade entre os fatores de produção, bem como a valorização do trabalho

humano”.

Seguidamente, no dia 24 de janeiro de 1967, o marechal Castelo Branco assumiu a

presidência e, em seu governo, foi promulgada a “Constituição da República Federativa do

Brasil”.

Manteve diversos direitos dos trabalhadores consagrados na Constituição de 1946. No

título III, intitulado “Da ordem economia e social”, estabeleceu no artigo 157 que a ordem

econômica tem a finalidade de realizar a justiça social e indicou como principio para tal, no

inciso II, a valorização do trabalho como condição da dignidade humana.

Entretanto, no 7° paragrafo do mesmo artigo restringiu o direito à greve no que diz

respeito aos serviços públicos e essenciais.

A mais importante alteração da nova Carta Constitucional foi a introdução do fundo de

garantia por tempo de serviço – FGTS, pelo inciso XII do artigo 158. Enfatizou ainda a

integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos

21

lucros e, excepcionalmente na gestão da empresa. A partir dessa inovação surgiu o programa

de integração social – PIS e posteriormente o programa de formação do patrimônio do

servidor público – PASEB. (FERRARI, 2002, p.60)

Porém, retrocedeu ao fixar como idade mínima para o trabalho 12 anos.

Após anos em um governo ditatorial, em 1985 o poder civil retornou com as eleições,

pelo Colégio Eleitoral, de Tancredo Neves para a presidência, fato este que iniciou a

redemocratização do país.

Finalmente, em decorrência do fim da ditadura e da instalação de um processo político

à favor da democratização, em 05 de outubro de 1988 foi aprovada por Assembleia nacional

Constituinte uma nova Constituição Federal, que listou a pessoa humana como sua bandeira

principal, tanto no âmbito individual como social.

O conceito de José Afonso da Silva foi trazido em seu bojo, definindo-a como Lei

fundamental que rege as relações entre os indivíduos por ela abrangidos, regulando a forma

do Estado, os limites de sua ação, tal como os direitos fundamentais do homem e as garantias

a ele inerentes.

Leciona o referido doutrinador (2009, p.38):

A constituição do estado, considerada como sua lei fundamental, seria, então, a

organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas

ou costumeiras, que regula a forma do estado, a forma do seu governo, o modo de

aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento de seus órgãos, os limites de sua

ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a

constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do

estado. (grifo nosso)

É também denominada de Carta Cidadã porque teve ampla participação popular em

sua elaboração e principalmente por se voltar decididamente à realização da cidadania.

(SILVA, p.90)

Iniciou-se então, segundo Delgado (2012, p.113), a uma fase de transição democrática

do Direito do Trabalho no país.

A nova “Constituição da República Federativa do Brasil – CRFB, ou Carta Cidadã,

assegurou direitos sociais e modificou o sistema jurídico das relações de trabalho pois, em seu

1° artigo, listou como princípios fundamentais os fundamentos da dignidade da pessoa

humana e do valor social do trabalho e da livre iniciativa.

Quanto ao princípio da dignidade da pessoa humana entende Awad (2006, p. 111) que

“é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde

o direito à vida”. O autor referido ainda complementa, assegurando:

22

O conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que

tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional, não uma qualquer

ideia apriorística do homem, não podendo se reduzir o sentido da dignidade humana

à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-as nos casos de direitos

sociais, ou invoca-la para construir “teoria do núcleo da personalidade” individual,

ignorando-a quando se trata de garantir as bases da existência humana. Daí decorre

que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna; a

ordem social visará á realização da justiça social, à educação, ao desenvolvimento

da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania.

O trabalho honesto e digno são os meios necessários para o exercício desse princípio,

sendo o homem livre para executar qualquer atividade em que pode atuar. Daí surge o

segundo fundamento mencionado, quer seja, a consagração dos valores sociais do trabalho e

da livre iniciativa. (FERRARI, p. 60)

Em análise ao texto constitucional é possível concluir que não é possível a existência

de um estado Democrático de Direito sem que haja trabalho digno. Desse modo, é necessário

que o trabalhador seja um fim em si mesmo e não mero instrumento para obter lucro.

(MACHADO; GOLDSCHIMIDT, 2013, p.5)

Em busca de um equilíbrio de orem legal, o texto constitucional procurou regular as

relações de trabalho no que tange à limitação da jornada, considerando a investida do capital

nesse direito social, dada a íntima relação do tempo designado para o trabalho pelo obreiro

com o lucro gerado ao empregador.

Disserta Delgado (2012, p. 122) que, no capítulo II, do Título II, destinado aos

“Direitos Sociais” da Carta Magna, foram formados os preceitos de natureza trabalhista, com

normas que contribuem com a normatização autônoma e valorizam a atuação sindical e a

participação dos obreiros nos locais de trabalho e nas negociações coletivas.

Introduziu-se no rol de direitos do artigo 6°, que prevê como direitos sociais “a

educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência

social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”.

O artigo 7°, por sua vez, compõe o cerne dos direitos trabalhistas, exibindo

modificações significantes, tais como: a elevação da remuneração do serviço extraordinário

para o mínimo de 50%; a elevação de 1/3 do valor do salário no mês de férias; a redução da

jornada semanal de quarenta e oito para quarenta e quatro horas semanais; idade mínima de

14 anos para admissão em emprego; a ampliação da licença gestante para cento e vinte dias;

licença-paternidade de cinco dias; estabilidade do dirigente sindical, do dirigente das

comissões internas de prevenção de acidentes – CIPA e das empregadas gestantes;

indenização em caso de dispensa arbitraria; a generalização do FGTS; a supressão da

23

estabilidade decenal; e a proibição da interferência e intervenção do estado nas organizações

sindicais.

Ainda, cabe ressaltar que o artigo 170 estabelece que “a ordem econômica” será

“fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa”, tendo como finalidade

“assegurar a todos existência digna” e o artigo 193 preceitua que “a ordem social tem como

base o primado do trabalho” e como objetivos “o bem estar e a justiça social”.

Além disso, anota-se o entendimento de José Afonso da silva (2009, p. 286/287) em

relação aos direitos referidos:

[...] os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são

prestações positivas proporcionadas pelo estado direta ou indiretamente, enunciadas

em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais

fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais.

São, portanto, direitos que se ligam aos direitos de igualdade. Valem como

pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida que criam condições

materiais para propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez,

proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.

Registre-se também que, conforme classificação do supracitado autor (2009, p.45), a

Constituição de 1988 é rígida, pois para alterá-la decorre maior dificuldade do que para a

mudança das demais normas jurídicas. Daí provém o princípio da supremacia da constituição,

o que exprime que “a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país” e que “é

nela que se acham as normas fundamentais do Estado”.

Tal princípio demanda que as situações jurídicas se adequem aos preceitos da

Constituição Federal, tendo em vista que toda autoridade apenas nela encontra fundamento.

Dele provém o princípio da compatibilidade vertical das normas, aquele que salienta que as

normas de grau inferior só possuem validade caso forem compatíveis com as normas de nível

superior, ou seja, a Constituição.

A compatibilidade deve processar-se no plano formal (norma produzida por autoridade

competente e conforme as formalidades legais) e material (o conteúdo da norma deve ser

harmônico com os princípios constitucionais).

Por fim, quanto ao controle de constitucionalidade das leis, as duas formas de uma

norma ser inconstitucional são: por ação (fazer) ou por omissão (não fazer).

Por meio desta breve retrospectiva apresentada, fica evidente o longo trajeto

percorrido desde a primeira Constituição brasileira, para se auferir os direitos assegurados nos

dias atuais aos trabalhadores.

24

Todos os avanços demonstraram que a regulação do tempo de labor e das relações

empregatícias interessa não somente aos empregados e empregadores, mas também à

sociedade e à conservação do sistema capitalista de produção.

Contudo, embora conquistados por meio de lutas seculares e concretizados na nossa

Constituição, vários desses direitos são negligenciados.

A remuneração e a jornada são alvo de ações insistentes e corrosivas de mutações

legislativas e da jurisprudência, que tornam os direitos flexíveis a ponto de oportunizarem o

seu desmanche constitucional, tratando-os como uma regra à disposição do Estado e do

Indivíduo. (SILVA, 2012, p. 145-246)

A exploração da força de trabalho tornou-se desmedida e a realização de horas extras

passou a ser algo natural. Porém, não é razoável aceitar um trabalho sem limitação legal e que

não disponha de condições mínimas de dignidade e de segurança ao trabalhador.

Nesse contexto, ater-se-á ao exame da profissão de motorista, sua conceituação,

caracterização do trabalho e importância da categoria tendo em vista a extensão do modal

rodoviário no nosso país. Ao final, proceder-se-á à análise da Lei nº 13.103/2015, em

comparação com o antigo regulamento da Lei nº 12.619/2012, conhecidas popularmente

como “lei dos motoristas” ou “lei dos caminhoneiros”, cujos dispositivos instituídos para a

modificação da Consolidação das Leis Trabalhistas serão objeto de crítica.

25

II. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS E PASSAGEIROS

2.1. O motivo da escolha brasileira pelo modal rodoviário

O Brasil surgiu em um contexto mundial onde se pregava a acumulação primitiva de

capital, baseando sua estrutura econômica em grandes propriedades rurais de monoculturas

tendentes à exportação. Sua formação caracterizou-se pelo isolamento, dada sua extensão

territorial, que resultou na falta de comunicação entre suas regiões.

Com a economia fundamentada no trabalho escravo e com um mercado de consumo

restrito, os Séculos XVI e XIX foram marcados pela fragmentação das vias de ligação, das

relações econômicas e da ocupação territorial.

O sistema ferroviário foi criado no Século XIX, cuja aplicação ofereceu avanços no

que tange à carga a ser transportada e à facilidade de atingir grandes distancias.

A “Estrada de Ferro Mauá” inaugurada em 1854, foi a primeira ferrovia do Brasil, no

trecho de 14,5 kms entre Mauá e Fragoso, no Rio de Janeiro. (OLIVEIRA, 2003)

O intuito da criação do sistema ferroviário era viabilizar a ligação de regiões agrícolas

com cidades portuárias. No entanto, no início do século XX, mostrou-se insatisfatório para

atender à demanda, principalmente por se concentrar nas regiões Sul e Sudeste do país.

Dessa forma, o modal rodoviário surgiu como uma alternativa, possibilitando maior

rapidez e eficiência, com custos mais baixos para transporte de passageiros e cargas.

No governo de Rodrigues Alves, o gene do modal rodoviário brasileiro pode ser

encontrado, uma vez que, propôs uma rede viária nacional e, através da Lei nº 1453/1905,

abalizou a abertura de créditos para a construção de estradas ligando as capitais dos estados.

Não obstante, Whashington Luis, último Presidente da República Velha, governante

de 1926 a 1930 – ocasião em que foi deposto- começou a empregar como política de Estado.

Em 1920, época em que ainda era governador de São Paulo discursou: “Governar é povoar;

mas, não se povoa sem se abrir estradas, e de todas as espécies; governar é, pois, fazer

estradas! ”

Em 05 de janeiro de 1927, com o propósito de financiar o desenvolvimento rodoviário

do país, pelo Decreto nº 5.141, instituiu o Fundo Especial para Construção e Conservação de

Estradas de Rodagens Federais, consistente conforme o artigo 1º da referida lei em

26

[…] um addicional aos impostos de importação para consumo a que estão sujeitos:

gazolina, automoveis, auto-omnibus, auto-caminhões, chassis para automoveis,

pneumaticos, camaras de ar, rodas massiças, motocycletas, bicycletas, side-car e

accessorios para automoveis.

Em 24/07/1928, criou a Polícia Rodoviária Federal, e finalmente em 25/08/1928, o

lema do presidente virou realidade quando inaugurou a primeira rodovia asfaltada do Brasil: a

“Rodovia Rio-Petrópolis”.

O acervo do jornal “O Globo” guarda o registro:

Ao ser aberta ao tráfego de veículos, a Rio-Petrópolis, então de mão dupla, tinha

pistas de oito metros de largura (no trecho que atravessa a Baixada Fluminense) e de

6,5 metros (na serra propriamente dita). A velocidade máxima era de 60 quilômetros

por hora. Na época, o Distrito Federal contava com pouco menos de 20 mil veículos,

entre caminhões e automóveis de passeio. E, no dia após a inauguração, 1.783 carros

passaram por ela.

Hoje, a estrada faz parte da BR-040, que liga o Rio a Belo Horizonte e a Brasília. O

trecho entre o Rio e Petrópolis leva o nome de Washington Luís.

Seguidamente, o referido Presidente inaugurou também a “Estrada Rio São Paulo”,

única ligação existente entre duas metrópoles até o ano de 1950, quando então foi aberta a via

Dutra.

A concepção de que o progresso era “abrir estradas” seguiu guiando a política de

transporte do país. A partir daí, começou a multiplicar a categoria de trabalhadores da estrada

– os caminhoneiros. Graças a abertura de novas estradas, a profissão ficou cada vez mais

popular.

Veio então, o governo de Getúlio Vargas, que extinguiu a Comissão de Estradas e

integrou o fundo ao orçamento da União. À época, apresentou planos contrários ao modelo

rodoviarista do antecessor.

Anunciada a extinção da comissão, um grupo formado em 1933 passou a elaborar o

projeto de lei que deu origem ao Departamento Nacional de Estradas de Rodagem – DNER,

em 1937 (posteriormente extinto para dar espaço ao Departamento Nacional de Infraestrutura

de Transportes – DNIT), sem recursos próprios e com atividades separadas dos sistemas

rodoviários estaduais e municipais. Diante disso, apenas 423 quilômetros de rodovias federais

e estaduais encontravam-se pavimentados em meados da década de 1940.

No período de 1951 a 1954, no governo de Getúlio Vargas, em decorrência da criação

da Petrobrás em 1953, o setor automotivo foi impulsionado, graças a suas fábricas de asfalto e

a refinaria de petróleo em Candeias, na Bahia, que diminuiu o valor dos combustíveis.

27

Nota-se que a primeira metade do século XX foi importante para o desenvolvimento

industrial do Brasil, pois foi nesse período que o país concluiu a transição de uma economia

agroexportadora para uma economia industrial.

Ainda assim, somente no governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961) que o

rodoviarismo foi implantado de maneira exponencial.

Juscelino, em seu “Plano de Metas” estipulou: “50 anos de progresso em 5 anos de

realizações”. Almejava, assim, a integração do território nacional, sobretudo em razão da

mudança da capital para Brasília. Pretendia ainda, no aspecto político-econômico, ampliar a

malha rodoviária com o objetivo de atrair empresas internacionais do ramo automotivo.

Programou a implantação de 12 mil quilômetros de rodovias, com 5 mil quilômetros

pavimentados. Destaca Freitas (2011) que, a malha rodoviária brasileira asfaltada duplicou,

em menos de quatro anos: o número que era de 7.063 quilômetros em 1957 saltou para 13.875

em 1961. Considerando as rodovias ainda não pavimentadas, a rede avançou de 23 mil

quilômetros, em 1955, para 43mil quilômetros, em 1961.

A referida autora descreve ainda que, Juscelino, em 1º de fevereiro de 1960, de pé,

pela abertura no teto de uma Romi-Isetta, desfilou, quando a Caravana da Integração Nacional

chegou a Brasília, vinda dos quatro pontos cardeais – Norte, Sul, Leste e Oeste. Tais

comboios montados no país eram a prova de que o Brasil estava ligado em todos os pontos,

em todos os lados.

Assim, todas as capitais estavam interligadas por estradas federais no final da década

de 1960, exceto Manaus.

O rodoviarismo foi mantido no decorrer do governo militar e, por meio do “Plano de

Integração Nacional” sugerido por Médici em 1970 e estabelecido pelo Decreto nº

1.106/1970, foi prometida a construção de 15 mil quilômetros de rodovias na região

amazônica, sendo 3.300 quilômetros destinados para a rodovia Transamazônica (BR-230).

Também foram construídas as rodovias: Cuiabá – Santarém (BR-163) e Manaus – Porto

Velho (BR-319).

Seguidamente, em 1974, 3.090 quilômetros de rodovias foram pavimentados e 2.433

implantados, além de 11.410 metros lineares de viadutos e pontes. Seis anos depois, em 1980,

as rodovias federais pavimentadas já contabilizavam 47 mil quilômetros.

Todavia, o investimento no modelo rodoviarista declinou após a promulgação da

Constituição de 1988, que deu fim ao Fundo Nacional Rodoviário. Em 1970 eram destinados

às rodovias federais US$ 2,3 bilhões. Já em 1998, somente US$ 1,2 bilhão.

28

Em consequência, as estradas se apresentam muitas vezes mal conservadas, reflexo de

um histórico de baixos investimentos no setor, oferecendo riscos a quem ali transita. Segundo

a pesquisa de Rodovias realizada pela Confederação Nacional do Transporte – CNT em 2016,

que avaliou 103.259 quilômetros em trinta dias de coleta em campo, 58,2% da extensão

avaliada apresentava alguma deficiência no pavimento, na sinalização, ou na geometria da

via. Os pontos críticos – situações que trazem graves riscos à segurança do usuário: trechos

com buracos grandes, quedas de barreiras, pontes caídas e erosões - aumentaram 26,6% do

ano de 2015 para o ano de 2016, passando de 327 para 414.

O mesmo estudo salienta que, em 2015, o investimento federal em infraestrutura de

transporte em todos os modais foi de apenas 0,19% do PIB (Produto Interno Bruto). O valor

de R$ 5,95 bilhões investido em rodovias foi quase a metade do que o país gastou com

acidentes apenas na malha federal (R$ 11,15 bilhões) em 2015. Já em 2016, até setembro, dos

R$ 6,55 bilhões autorizados para investimento em infraestrutura rodoviária, R$ 6,34 bilhões

foram pagos.

Ainda de acordo com a pesquisa, somente os problemas no pavimento acarretam um

aumento médio de 24,9% no custo operacional do transporte.

Quanto a frota de caminhões existente no Brasil, registra o historiador Rafael Antonio

Kapron em sua dissertação de mestrado intitulada de “História do trabalho dos Caminhoneiros

no Brasil: profissão, jornada e ações políticas (2012, p. 28/29):

Segundo o IBGE a frota nacional de “caminhões” cadastrada no ano de 1927 era de

1.600, no ano de 1950 de 10.966, em 1970 era de 384.346 e no ano de 1985 foi de

972.961 veículos.124 A Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes

(GEIPOT) informa na tabela da “Frota Nacional de Veículos Automotores” que no

ano de 2000 com a designação de “Veículos de Carga” havia a quantidade de

1.775.032 veículos com o combustível diesel, que era o predominante utilizado

pelos caminhões. A confederação Nacional do Transporte em sua “pesquisa

Rodoviária CNT 2005” indicou existência na “Frota de Veículos” a totalidade de

1.940.751 caminhões, tal número somando os índices da distinção “Caminhão” e

“Cavalo Mecânico” feito pela Confederação.

Esses números embora não os considerando de modo absoluto apresentam um

panorama da quantidade de trabalhadores motoristas de caminhão para o Brasil,

partindo da perspectiva generalizante da distribuição de um motorista para cada

caminhão, não considerando existência de uma frota excedente de caminhões ou de

desemprego, destacando-se a importância quantitativa que a profissão passou a ter

para o conjunto da economia e dos trabalhadores do país.Importância também

percebida nos anos 1970 com a concentração em mais de 70% de todos os

deslocamentos de cargas do país nesse modal e nos anos 2000 cerca de 60%

Nota-se, assim, a grande quantidade de caminhões e motoristas trafegando pelo

território nacional.

29

2.2. Conceito, duração, jornada e horário de trabalho

Previamente ao ingresso no título subsequente cabe explanar o significado destas três

expressões, relevantes para o entendimento do assunto analisado adiante, cujos conceitos

similares acabam provocando distinções erradas.

Delgado (2012, p. 866) descreve a duração do trabalho como a compreensão do lapso

temporal de labor ou de disponibilidade do empregado diante do empregador. O dia pode ser

utilizado como parâmetro para auferi-lo, assim também como a semana, o mês ou o ano,

incluindo, dessa forma, “distintos e crescentes módulos temporais de dedicação do

trabalhador à empresa em decorrência do contrato empregatício”.

A expressão “jornada” representa o tempo diário em que o empregado encontra-se

disponível ao empregador, em razão do que foi estipulado em contratualmente. Pontifica o

citado autor (2012, p.867), ainda que

o avanço do Direito do Trabalho tem produzido a inserção de certos curtos períodos

de intervalo intrajornadas dentro do conceito de jornada, como forma de remunerar

tais curtos períodos e, ao mesmo tempo, reduzir o tempo de efetiva exposição e

contato do trabalhador à atividade contratada. Por essa razão é que se afirma que no

lapso temporal da jornada deve incluir-se ,também, não só o tempo trabalhado e à

disposição, mas também o tempo tido como contratual estritamente por imposição

legal (caso dos intervalos remunerados) – embora neste último lapso o empregado

não labore nem fique à disposição empresarial.

Pelo tempo efetivamente laborado compõe-se, ainda, o tempo à disposição no local de

trabalho e o tempo gasto no deslocamento residência-trabalho-residência e para sua fixação

tem-se como critérios especiais o tempo de prontidão e o de sobreaviso.

O período das horas diárias de trabalho, por sua vez, corresponde ao lapso temporal

que se desenrola entre o início e o fim da jornada. Todavia, aponta Delgado (2012, p. 867):

tem-se utilizado a expressão para abranger também o parâmetro semanal de trabalho

(horário semanal). Em tal amplitude, o horário corresponderia à delimitação do

início e fim da duração diária de trabalho, com respectivos dias semanais de labor e

correspondentes intervalos intrajornadas. […] 35

O horário de trabalho suscita importante discussão acerca de três tipos existentes de

jornada laborativa: jornadas controladas (com horário de trabalho definido, sujeito

a controle pelo empregador: art. 74, 2º e 3º da CLT); jornadas não controladas (sem

efetivo controle do horário de trabalho pelo empregador: art. 62, I e II, CLT);

jornadas não tipificadas […].

Outros tipos de jornada de trabalho previstas são o regime de tempo parcial, onde a

jornada semanal de trabalho é de até 25 horas; Jornada em turnos ininterruptos, na qual o

empregado, durante determinado período, trabalha em contínuo revezamento de horário, e

30

ainda a jornada em horas in itinere, aquela em que a empresa se situa em local de difícil

acesso e o empregador oferece a condução, e nesse momento já é considerada como jornada

de labor.

2.3. Duração, controle e limites das jornadas efetuadas pelos caminhoneiros

Não suficientes as péssimas condições das rodovias brasileiras, os motoristas ainda são

sujeitados a jornadas exaustivas, o que resulta em riscos tanto para o profissional quanto para

a coletividade.

Anteriormente, para situações passadas, o artigo 62, inciso I da CLT era utilizado

como parâmetro pelos Tribunais do Trabalho para regular questões referentes à jornada dos

motoristas:

Art. 62 – Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:

I – os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de

horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e

Previdência Social e no registro de empregados; (Incluído pela Lei nº 8.966, de

27.12.1994)

Os caminhoneiros não ficavam sujeitos a controle de horário, pois, costumeiramente

eram contratados pelas transportadoras como um trabalhador externo. Assim, horas extras

jamais eram pagas e os intervalos de descanso sequer observados.

Excepcionalmente, por meio de ação trabalhista, era possível comprovar que de

alguma forma a empresa controlava a jornada do caminhoneiro, porém era necessário

demonstrar que haviam meios cabíveis capazes de controlar quando esse empregado estava

dirigindo, podendo ser citado o uso de Rastreadores Eletrônicos, Tacógrafos, equipamentos de

posicionamento e funcionamento do veículo ou ainda mediante uma análise das viagens

realizadas pelo caminhoneiro, estimando-se, pela velocidade média, o tempo previsto para o

percurso.

A problemática da referida jornada não era somente uma questão financeira, inerente

ao recebimento ou não das horas extraordinárias, mas também um problema quanto a saúde e

a segurança do caminhoneiro na direção.

As situações abusivas em que esses caminhoneiros eram submetidos, muitas vezes por

anos, resultavam em doenças e processos depressivos, fazendo com que fizessem uso,

inclusive, de estimulantes

O número de acidentes também era um fator preocupante para as autoridades, e, diante

desse cenário, foi editada a Lei nº 12.619/2012.

31

A Lei nº 12.619/2012, mais conhecida como a Lei do Descanso, por limitar a jornada e

intervalos para repouso, estabeleceu uma série de direitos trabalhistas para o caminhoneiro,

podendo serem destacados os seguintes:

– Jornada de Trabalho limitada pela Constituição Federal de 8 horas diárias e 44 semanais,

com possibilidade de prorrogação por até 2 horas extraordinárias;

– Obrigação do empregador quanto ao ônus jurídico do controle de jornada, uma vez que

delimitada;

– Tempo à disposição do empregador tido como jornada de trabalho, excluídos período de

alimentação, repouso, espera e descanso;

– Direito ao recebimento de horas extraordinárias;

– Viabilidade de compensação de horas extras com horas de folga;

– Direito à hora noturna diminuída de 52min30s entre as 22 horas e fim da jornada;

– Direito ao adicional noturno;

– Quitação do valor da hora, somado com adicional de 30% para os períodos de espera para

carga e descarga;

– Viagens acima de 24 horas fora da base da empresa ou residência: parada para repouso de

30 minutos a cada 4 horas na direção; intervalo de 1 hora para alimentação e pausa de

descanso diário com caminhão estacionado;

– Viagens estendidas a mais de 1 semana: descanso semanal de 36 horas por semana quando

do regresso à base;

– Proibição da remuneração do motorista justificada pela distância percorrida ou quantidade

de produtos carregados quando resultar em violação de segurança;

– Intervalo de descanso de, pelo menos, 11 horas, a cada 24 horas.

Poucos anos após a promulgação da referida Lei, surge a Lei nº 13,103/2015,

modificando alguns aspectos, tais como:

– O controle de jornada passou a ser exigido expressamente, obrigando as transportadoras a

executar controle por meio de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho

externo, ou sistema e meios eletrônicos inseridos nos veículos;

– O tempo gasto na fiscalização da mercadoria transportada passou a ser considerado como

tempo de espera;

– A remuneração dos períodos de espera foi reduzida para pagamento de apenas 30% (trinta

por cento) do salário-hora normal (antes era o valor da hora mais um adicional de 30%);

32

– O Salário básico fica garantido, independentemente dos intervalos gastos em espera;

– o Caminhoneiro fica civilmente encarregado pela guarda, preservação e precisão das

informações apresentadas nas anotações em diário de bordo;

–O intervalo de repouso semanal de 36 horas após viagens de duração superior a 7 dias,

modifica-se para repouso de 24 horas, sem prejuízo de repouso diário de 11 horas,

aproveitado pelo Caminhoneiro quando do regresso da viagem;

– A espera poderá ser considerado como período de intervalo ou repouso, desde que haja

instalações apropriadas para tanto.

– O tempo de repouso poderá ser realizado mediante revezamento quando houver 2 motoristas

trabalhando em cada veículo, garantindo-se descanso de 6 horas com o veículo parado;

– A condução contínua por mais de 5 horas e meia fica terminantemente proibida;

– Intervalo de 30 (trinta) minutos de repouso a cada 6 (seis) horas de condução.

Após o advento da lei de 2015, nota-se uma diminuição dos direitos, porém, institutos

essenciais para o motorista foram preservados. Seu valor foi reconhecido, não apenas durante

a condução, mas também nos processos em que aguarda a carga, descarga e fiscalização

Há uma certa dificuldade das transportadoras em tornar efetiva essa implementação,

respeitando esses direitos fundamentais, o que consequentemente acarretará inúmeras ações

trabalhistas indenizatórias.

2.3.1. Horas Extras antes e depois da Lei dos Motoristas

Anteriormente à chegada da “Lei dos Motoristas” os profissionais que não exercessem

atividade externa compatível com a fixação do horário de trabalho, não tinham direito,

conforme previa o já mencionado artigo 62, inciso I da CLT, que tratava da jornada de

trabalho e períodos de descanso do trabalhador.

Assim, não tinham direito ao recebimento de horas extraordinárias com o adicional

mínimo de 50% que previa o artigo 7º, inciso XVI da Constituição, quando excedidas as 8

horas permitidas para o trabalho.

A negativa quanto ao direito à duração do labor tinha como justificativa a

inviabilidade de controle à jornada trabalhada.

Contudo, como bem respalda Silva (2012, p. 250)

33

[…] a limitação de jornada é uma conquista histórica que marca evolução

civilizacional, fruto das lutas operárias e da constatação de que o labor em

longas jornadas prejudica a produção, vez que o trabalhador rende menos e

fica sujeito a mais acidentes. A limitação da jornada veio proteger os

trabalhadores que, expostos a jornadas aviltantes, eram extremamente

prejudicados em sua vida social, familiar e mormente em sua saúde,

circunstâncias às quais também aqueles relacionados no art. 62 da CLT são

submetidos.

Nota-se que não era aceitável o fundamento apresentado para eliminar os

trabalhadores do direito à limitação da jornada, tanto pelo aspecto jurídico quanto pelo social.

Quanto ao viés jurídico, conforme já relatado no primeiro capítulo, as Constituições de

1946 e de 1967 garantiram a esses trabalhadores o direito ao repouso semanal remunerado e o

salário noturno superior ao diurno, porém, os excluíram da limitação da jornada, tendo em

vista as previsões na lei acerca da possibilidade de exceções.

Todavia, a Constituição de 1988 não manteve essa restrição e em seu artigo 7º, inciso

XIII ampliou a todos os trabalhadores o direito a limitação da jornada e, com o objetivo de

desestimular o trabalho excessivo, elevou o adicional de horas extras para 50%.

Dessa forma, percebe-se evidente a contradição do artigo 62 da CLT com o artigo 7º,

inciso XIII da CRFB, o que torna inconstitucional o referido artigo da CLT por não ter sido

abrangido em 1988, pela nova ordem constitucional.

Mesmo assim, inúmeros magistrados não concordaram que o artigo 62 não foi

admitido pela referida Constituição, conforme identifica-se pelo posicionamento da

Jurisprudência do TRT de Santa Catarina nos arestos conferidos abaixo:

MOTORISTA DE CAMINHÃO. HORAS EXTRAS. Faz jus ao pagamento de horas

extraordinárias o motorista de caminhão que realiza viagens de longo percurso, e

que produz, em juízo, prova cabal e robusta da existência de controle de horário.

(RO 01384-2004-027-12-00-3, Rel Des. Marcus Pina Mugnaini, 1ª Turma do TRT

da 12ª Região, julgado em 20/03/2007)

E além disso:

HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. MOTORISTA DE CAMINHÃO. A

prestação de serviço externo não obsta, por si só, o direito ao recebimento de horas

extras.

Entretanto, se a empresa não adota controle de jornada, mesmo que sutilmente,

através de formas indiretas, resta caracterizada a inserção do empregado na exceção

do inc. I do art. 62 da CLT.

(RO 0000616-23.2010.5.12.0015, Rel. Des. Edson Mendes de Oliveira, 3ª Câmara

do TRT da 12ª Região, julgado em 28/03/2012)

Ainda:

34

ATIVIDADE EXTERNA. HORAS EXTRAS. Conforme dispõe o art. 62, inc. I, da

CLT, o empregado que exerce trabalho externo sem controle de jornada não tem

direito ao recebimento de horas extras.

(RO 0001619-80.2010.5.12.0025, Rel. Des. Marcos Vinicio Zanchetta, 4ª Câmara

do TRT da 12ª Região, julgado em 29/02/2012)

Compreende-se pela leitura dos acórdãos que, a inconstitucionalidade do artigo 62,

inciso I da CLT foi ignorada e o entendimento era de que os motoristas, por desempenharem

atividade externa sem sujeição ao controle de seus horários e fiscalização, não faziam jus ao

recebimento das horas extraordinárias, tendo em vista a impossibilidade de certificar

efetivamente o cumprimento da jornada.

Pode então, surgir a seguinte reflexão: podia o empregador optar por não controlar ou

não fixar a jornada, para se desobrigar do pagamento de horas extraordinárias?

E a conclusão seria não, pois não deveria o controle estar vinculado à escolha do

empregador, devendo ser atestado nos autos a efetiva inviabilidade de fazê-lo, para assim,

ficar isento do pagamento do valor extra. Essa forma valia também para aqueles magistrados

que não assentiam a inconstitucionalidade do artigo 62 da CLT.

Nesse sentido, elucidam julgados do Tribunal Regional Catarinense, anteriores à

edição da Lei 12.619/2012:

HORAS EXTRAS. MOTORISTA. TRABALHO EXTERNO. POSSIBILIDADE

DE CONTROLE DE JORNADA.

A caracterização do trabalho externo não impede o reconhecimento da

realização de sobrejornada quando, no caso concreto, ficar demonstrado que o

empregador dispunha de meios de controle da jornada. Há que se privilegiar a

realidade contratual em detrimento do aspecto meramente formal do art. 62, I, da

CLT, em benefício do empregado. Nessa esteira, constatado que o obreiro, em

sua atividade de motorista de caminhão, externamente, poderia estar sujeito à

fiscalização horária, há que ser afastada a tese de enquadramento na hipótese

exceptiva do art. 62, I, da CLT, fazendo jus à percepção das horas extras

realizadas.

(RO 0000490-06.2011.5.12.0025-12, relª.Desª. Ligia Maria Teixeira Gouvêa, 6ª

Câmara do TRT da 12ª Região, julgado em 06/12/2011) (grifo nosso)

E:

HORAS EXTRAS. ART. 62, I, DA CLT. TRABALHO EXTERNO. AUSÊNCIA

DE REGISTRO DE JORNADA.

Para que o trabalhador não faça jus ao pagamento de horas extras, por exercer

atividades externas, mister seja demonstrada a incompatibilidade de fixação de

horário para o desempenho de suas atividades. A questão, portanto, não se insere

no campo da volição do empregador - de querer ou não controlar os horários

cumpridos pelo trabalhador. Assim, demonstrado que, mesmo trabalhando

externamente, o empregador dispunha de meios eficazes de controle de

jornada, faz jus o trabalhador ao pagamento das horas trabalhadas além dos

limites máximos estabelecidos na legislação trabalhista.

(RO 0001694-10.2010.5.12.0029, Rel. Juiz Gracio Ricardo Barboza Petrone, 6ª

Câmara do TRT da 12ª Região, julgado em 02/08/2011) (grifo nosso)

35

Contudo, a maioria dos magistrados não se atentaram a esse prisma, de analisar a

probabilidade de controle, mesmo que não realizado, para que se retirasse a exceção do artigo

62, inciso I, da CLT e fosse atribuído ao trabalhador o que lhe era de direito.

Por não haver um posicionamento pacificado, enorme era a insegurança jurídica dos

obreiros, consequência das mais diversas posições acerca dos modos de aplicação do referido

artigo na jurisprudência.

Posteriormente à Lei de 2012, a Lei 13.103/2015 estabeleceu jornada diária de 8 horas,

tolerando até 2 horas extras de prorrogação ou então, no caso de previsão em convenção ou

acordo coletivo, por até 4 horas extras.

Outra novidade é a possibilidade do motorista empregado regularizar seus próprios

horários, ou seja, é livre para regular o início, o final e os intervalos de jornada.

Outra inovação trazida diz respeito ao tempo em que o motorista fica à disposição do

empregador, que com a nova lei passou a ser considerado trabalho efetivo, excluindo os

intervalos para refeição, repouso e descanso e o tempo de espera.

O adicional de 50% anteriormente estabelecido, permaneceu com a nova

regulamentação.

2.4. Danos ao trabalhador

Efetivamente, o descumprimento das normas trabalhistas e a comum sujeição desses

trabalhadores a jornadas abusivas, que não os coloca em uma situação digna ao ser humano, é

manifestada por decisões que destacam o dano ocasionado à própria existência, o que

consequentemente, viola seus direitos fundamentais.

Extrai-se da jurisprudência do c. TRT da 12º Região:

ASSÉDIO MORAL. MOTORISTA DE CAMINHÃO. JORNADA

EXTENUANTE.

A conduta abusiva da empresa, violadora dos direitos da personalidade que atenta,

por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade, a integridade física ou

psíquica do trabalhador, ameaçando o seu emprego ou degradando o meio ambiente

do trabalho, configura assédio moral e enseja o pagamento de indenização a título de

danos morais, nos termos dos arts. 5º, X, da CF e 186 do Código Civil, mormente no

caso em que o empregado, laborando nas atividades de motorista de caminhão,

foi submetido por um longo período contratual a jornadas estafantes de 18

(dezoito) horas diárias, fato gravíssimo que, indene de dúvidas, lhe causou

danos físicos e morais, e colocou em risco constante a sua integridade física e a

de terceiros. (RO 0002608-74.2010.5.12.0029, Relª. Desª. Viviane Colucci, 1ª Câmara do TRT

da 12ª Região, julgado em 23/11/2011) (grifo nosso)

36

Apesar disso, o legislador ignorou essa questão por anos, sendo necessário que

inúmeras consequências negativas do modelo instalado ocorressem para que se percebesse os

efeitos provocados no âmbito jurídico e sociológico e da incontestável necessidade de

regulamentação.

2.4.1. Acidentes de trabalho

O conceito de acidente de trabalho é trazido pela Lei 8.213/1991, em seu artigo 19,

caput, classificado como “o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa” e que

provoca “lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,

permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho”.

São ainda, nos artigos sequentes da mencionada lei, conceituadas as entidades

equiparadas aos sinistros laborativos, como os acidentes aturados, mesmo que não ocorridos

no horário e local de trabalho, “na execução de ordem ou na realização de serviço sob a

autoridade da empresa”.

Em relação aos acidentes de trabalho sofridos no desempenho da função, considera-se

como parte mais patente suas vítimas pessoais, os trabalhadores, já que possível visualizá-los.

Porém, podem ser “vítimas” também os componentes do patrimônio da empresa que são

lesados. (ZOCCHIO, 2001, p.13)

Zocchio (2001, p. 26) pontua que devemos nos atentar aos riscos do acidente

acontecer, pela análise das condições do ambiente ou dos meios de trabalho e comportamento

das pessoas que comprometem a segurança, às causas dos acidentes, seja por riscos pessoais

ou materiais e também às consequências do sinistro, que podem ser trabalhadores feridos ou

mortos, ônus para a sociedade e para a previdência social ou prejuízos à empresa. Conclui

apontando que a prevenção de acidentes é um dever de todos, sendo as empresas encarregadas

pela segurança e saúde de seus operários enquanto exercem suas funções (p. 31).

Ainda assim, inúmeros empregados não conhecem as regulamentações da lei

trabalhista, suas condições de saúde e segurança no trabalho, seja por desconhecerem de fato

ou serem mal informados quanto a eles, todavia, mesmo aqueles que tem conhecimento, as

vezes, optam por ignora-los.

É sabido ainda que, embora a malha rodoviária do país seja mal amparada e também

imprópria, é a alternativa central de transporte de cargas no Brasil. Não suficiente, os

37

trabalhadores, para assegurarem seus empregos, atendem as mais absurdas imposições de seus

empregadores a quem somente lucrar visa, como metas em tempo exaustivo, propiciando a

sobrejornada.

A consequência é o surgimento de fatores suscetíveis a gerarem acidentes.

Objetivando “Um diagnóstico de acidentes de caminhões”, a corretora de seguros e

gestora de riscos Pamcary analisou no ano de 2007, as características e os motivos dos

acidentes envolvendo veículos de cargas.

Realizou estudo de 4.200 sinistros sucedidos com veículos cujo carregamento estava

assegurado pela referida empresa ou com veículos que utilizavam o serviço de atendimento da

Pamcary.

Para cada acidente, catalogou as circunstâncias do acontecimento e suas

consequências, bem como outros pontos que poderiam ter sido fatores de risco.

Com os dados obtidos, concluiu que os tipos de acidentes com maior incidência

naquele intervalo colocam no topo o tombamento, responsável por 47% dos sinistros,

seguidamente, Capotagem, por 10%, Abalroamento por 27%, Colisão por 15%, Incêndio por

2% e Vazamento por 1%.

O “fator humano” e a “pista” foram apontados como fatores determinantes quanto aos

acidentes graves ocorridos corriqueiramente. Aliás, concluiu que a “falha do motorista”

determina 66% dos acidentes, a “imprudência” 43%, “velocidade incompatível” com a via

13% e por fim, a “fadiga” em 10%.

As condições da via levaram a 47% dos acidentes, tendo como aspectos principais que

interferiram para tanto, Curvas fechadas (20%), má conservação (15%) e Pista escorregadia

(7%).

Na análise, observou que inúmeros motoristas não são suficientemente qualificados e

constantemente são sujeitos a condições de trabalho excessivas que os colocam na direção por

períodos longos, tendo em vista que a remuneração de muitos se baseia na produtividade, o

que os estimula a aumentar a velocidade nas pistas.

Reforçou a carência desses veículos quanto a condições adequadas e a falta de um

sistema de segurança digno.

Finalmente, concluiu que, a principal justificativa para os acidentes mais graves e

frequentes é “um motorista dirigindo em velocidade incompatível ao fazer uma curva...e

cansado”.

Quanto ao consumo de drogas pelo motorista afim de se manter acordado por maior

tempo, uma pesquisa feita pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais entre os anos

38

de 2008 e 2010, concluiu que 50,9% dos condutores que sofreram acidente faziam uso do

conhecido “rebite”.

Dos entrevistados, apenas 51,3% admitiram o uso frequente de anfetaminas para

concluir o percurso, dos quais 86,9% alegaram dirigir mais de 13 horas seguidas e 75,8%

declararam dormir não mais que 5 horas diárias.

Anos depois, em novembro de 2015, objetivando amenizar o problema, o Ministério

do Trabalho tornou obrigatório o teste toxicológico para a contratação desses profissionais. O

teste revelou que 34% dos motoristas utilizavam drogas, mas o resultado alarmante colocava

em segundo plano o então famoso “rebite”, que aparecia em apenas 18% dos casos,

anunciando a cocaína como a principal droga, responsável por 73% dos testes positivos.

O uso desses estimulantes proporciona ao indivíduo um aumento na capacidade física

e mental, euforia e redução da fadiga, porém os efeitos podem ser contrários, ocasionando

tontura e perda dos reflexos.

A gravidade pode ser ainda maior, tendo em vista que, após o uso dessas drogas, o

indivíduo pode chegar a um estágio da sonolência em que dorme com os olhos abertos,

podendo ter alucinações e provocar acidentes.

Denota-se das pesquisas apresentadas que tanto os aspectos da via quanto o fator

humano são indicadores sobre os quais é necessário agir para redução do número desses

sinistros.

39

III. LEIS ESPECIAIS ACERCA DA ATIVIDADE DO MOTORISTA

3.1. O processo de criação da Lei 12.619/2912

Muito se discutiu sobre o tema descrito, foi então que, na tentativa de regulamentar a

situação criaram projetos de lei – PL que tramitaram em ambas as casas do Congresso

Nacional.

O magistrado José Antônio Ribeiro de Oliveira, em um dos seus artigos publicados,

colocou em foco o fato de que nenhum desses projetos mais conhecidos teve resultado com

suas propostas aprovadas pela legislação.

Em 1988, o Projeto de Lei nº1.113 visou “regulamentar a profissão de motorista de

transportes coletivos urbanos e interurbanos”, ajustando piso salarial de 8 salários mínimos e

jornada de trabalho de 6 horas em turnos ininterruptos de revezamento. Admitia também,

como tempo de labor, “todo tempo em que o motorista estivesse à disposição do empregador,

ainda que não fosse na direção do veículo”.

Anos após, em 2007, o Projeto de Lei nº 99, por sua vez, trazia a ideia de adicional de

penosidade de, pelo menos, 30% da remuneração mensal.

Porém, por muitos motivos, mas, maiormente por conta das discordâncias entre

empregados e empregadores, esses projetos não entraram em vigor.

A discussão se instaurou a nível nacional somente após a propositura da Ação Civil

Pública nº 1372.2007.021.23.00-3 pelo Ministério Público do Trabalho de Rondonópolis, no

Estado do Mato grosso, onde o juiz do trabalho da referida vara deferiu liminarmente uma

solicitação feita por um Procurador, determinando a limitação de todos os motoristas, em

território nacional, ao que havia sido convencionado na CLT, ou seja, 44 horas de trabalho

semanal, não podendo ultrapassar de 8 horas o labor diário, sob pena de multa em caso de

transgressão da medida.

Reconhecida a urgência em limitar a jornada desses trabalhadores, bem como de

outras medidas relativas à profissão, avançou-se para a promulgação do PL 319/2009, que

originou, em 30 de abril de 2012, à Lei 12.619/2012, responsável por regulamentar a jornada

de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional, entre outras disposições.

A mencionada lei estruturava-se por apenas nove artigos que alteraram a Consolidação

das Leis do Trabalho e também o Código de Transito Brasileiro.

40

Embora tenha sido uma Lei cheia de virtudes, devemos reconhecer a inutilidade de

parte do texto aprovado, que se tornou inconstitucional por afrontar diretamente o princípio

do não retrocesso social e por chocar-se com outros dispositivos constitucionais.

3.2. A chegada da nova lei em 2015

Resultado de uma greve promovida por caminhoneiros autônomos em fevereiro de

2015, a lei 13.103 surgiu para alterar uma Lei já existente em nosso país, a 12.619/2012 e

rapidamente entrou em vigor.

Com o objetivo de assegurar proteção viária à sociedade e dignidade ao motorista

profissional, a Lei criada em 2012 foi arquitetada em três pilares: o controle da jornada de

trabalho, o refreamento ao pagamento por comissão e a garantia de rendimento digno ao

profissional.

A lei nº 13.103/2015, dentre outros retrocessos contrários ao interesse social,

corrompeu o exato tratamento dado a esses pilares, derribando a lógica protetiva decretada

pela Lei 12.619/2012 e restaurando a atividade historicamente observada no setor, baseada na

dissimulada redução do frete rodoviário mediante excessiva exploração do motorista

profissional.

3.3. Aspectos gerais da nova Lei

3.3.1. Repercussões sobre o primeiro pilar protetivo: a limitação e o controle da

jornada de trabalho

Não pode a lei, de forma alguma, ignorar as necessidades fisiológicas básicas que o ser

humano possui, por esse motivo, a discussão que levou à edição da Lei nº 12.619/2012 teve

como causa eficiente o fato, comprovado pelo Ministério Público do Trabalho, de que os

motoristas do nosso país tinham que recorrer ao uso de entorpecentes para que fosse possível

suportar as extensas e absurdas jornadas de trabalho deles exigidas.

A garantia do repouso ao profissional da área tornou-se o elemento central de toda

construção arquitetada para solucionar a legislação que preservasse o direito à vida, dignidade

do motorista, assim como garantisse à toda sociedade um transito seguro.

41

O direito ao repouso está expressamente reconhecido em nosso ordenamento jurídico

interno, tendo em vista que provém do direito ao lazer previsto em nossa Constituição, mais

precisamente em seu artigo 6º. Constitui um direito essencial, conforme prevê o artigo 24 da

Declaração Universal dos Direitos Humanos:

Artigo 24. Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres, especialmente, a uma

limitação razoável da duração de trabalho e as férias periódicas pagas.

Assim, pode-se afirmar que a Lei 12.619/2012, certamente, contribuiu garantindo que

o motorista profissional tivesse o direito de ser regulado mediante controle do empregador,

dentro dos limites constitucionais, quanto as jornadas diárias e períodos de descanso

obrigatórios.

A indispensabilidade do descanso para a saúde do trabalhador, além de ser protegida

pelo ordenamento jurídico internacional e constitucionalmente reconhecida, vem sendo

irrefutavelmente comprovada cientificamente.

O Tribunal Superior do Trabalho, em setembro de 2013, realizou um seminário acerca

das condições de trabalho do motorista, especialmente daqueles que conduzem cargas.

No mencionado evento, um dos maiores pesquisadores brasileiros do sono, o Dr.

Marco Túlio de Mello, professor da UNIFESP, expos sobre o assunto.

O consagrado cientista, dentre muitas observações de enorme relevância, indicou que

o repouso irregular com o ciclo circadiano possui qualidade baixa e consequentemente

acarreta um efeito reparador muito menor do que o repouso realizado em harmonia com o

“relógio biológico”.

Quanto aos riscos em provocar acidentes, o estudo apresentado é de estrema

relevância. Quanto aos turnos de trabalho, advertiu que o matutino é o ideal, tendo em vista

que, no vespertino o risco relativo eleva-se a 18,3% e, se realizado no período noturno, esse

risco cresce em 30,4%.

A Lei 13.103/2015 ignora os princípios jurídicos e o que precisa a ciência, ainda que

mantenha formalmente os direitos a limitação e ao controle de jornada de trabalho, chegando

ao princípio de tornar tais direitos letra morta.

3.3.1.1. Ampliação da jornada diária para até doze horas

Conforme letras do artigo 235-C, caput da CLT:

42

Art. 235-C. A jornada diária de trabalho do motorista profissional será de 8 (oito)

horas, admitindo-se a sua prorrogação por até 2 (duas) horas extraordinárias ou,

mediante previsão em convenção ou acordo coletivo, por até 4 (quatro) horas

extraordinárias.

De acordo com o que foi evidenciado pelo estudo científico já mencionado, a

sobrejornada no tipo de atividade em estudo coloca em risco além do motorista, todos os

outros que trafegam pelas estradas.

Com o intuito de preservar a saúde desses trabalhadores, a CLT, desde sua edição de

1943, já prevê a restrição para sobrejornadas em atividades insalubres. Nesse sentido dispõe o

artigo 60, verbis:

Art. 60 - Nas atividades insalubres, assim consideradas as constantes dos quadros

mencionados no capítulo “Da Segurança e da Medicina do Trabalho”, ou que neles

venham a ser incluídas por ato do Ministro do Trabalho, Industria e Comercio,

quaisquer prorrogações só poderão ser acordadas mediante licença prévia das

autoridades competentes em matéria de higiene do trabalho, as quais, para esse

efeito, procederão aos necessários exames locais e à verificação dos métodos e

processos de trabalho, quer diretamente, quer por intermédio de autoridades

sanitárias federais, estaduais e municipais, com quem entrarão em entendimento

para tal fim.

Delgado (2013, p. 877/878) estuda com precisão a íntima relação que existe entre

jornada e saúde e leciona:

Modernamente, o tema da jornada ganhou importância ainda mais notável, ao ser

associado à análise e realização de uma consistente política de saúde no trabalho.

Efetivamente, os avanços dos estudos e pesquisas sobre a saúde e segurança laborais

têm ensinado que a extensão do contato do indivíduo com certas atividades ou

ambientes é elemento decisivo à configuração do potencial efeito insalubre de tais

ambientes ou atividades. [...] Noutras palavras, as normas jurídicas concernentes à

duração do trabalho já não são mais – necessariamente – normas estritamente

econômicas, uma vez que podem alcançar, em certos casos, a função determinante

de normas de saúde e segurança laborais, assumindo, portanto, o caráter de normas

de saúde pública. A Constituição da República apreendeu, de modo exemplar, essa

nova leitura a respeito da jornada e duração laborativas e do papel que têm no

tocante à construção e implementação de uma consistente política de saúde no

trabalho. Por essa razão é que a Constituição de 1988, sabiamente, arrolou como

direito dos trabalhadores a “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de

normas de saúde, higiene e segurança” (art. 7º, XXII).

O doutrinador prossegue com a conclusão:

Noutras palavras, a modulação da duração do trabalho é parte integrante de qualquer

política de saúde pública, uma vez que influencia, exponencialmente, a eficácia das

medidas de medicina e segurança do trabalho adotadas na empresa. Do mesmo

modo que a ampliação da jornada (inclusive com a prestação de horas extras)

acentua, drasticamente, as probabilidades de ocorrência de doenças profissionais ou

acidentes do trabalho, sua redução diminui, de maneira significativa, tais

probabilidades da denominada “infortunística do trabalho” (grifos acrescidos).

43

Dessa forma, no que diz respeito ao direito fundamental à saúde, o constituinte, além

de de indica-lo no artigo 6º, ainda enfatizou sua fundamentalidade no artigo 196 da

Constituição Federal, verbis :

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas

sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação.

Conclui-se que a Nova Lei percorreu caminho contrário à diretriz dada pelo artigo

acima referido, tendo em vista que, patrocinou absurdamente a elevação do risco de doença ao

motorista, ao invés de garantir sua redução.

3.3.1.2. Jornada doze por trinta e seis

A lei 13.103/2015 atribuiu nova redação ao artigo 235-F, da CLT, que aborda a

jornada de doze por trinta e seis, contudo, o que se observa é que pouco ou nada mudou.

Ainda neste dispositivo, constata-se que o legislador deu efetivo poder às convenções

e acordos coletivos sobre a Constituição, estabelecendo abstratamente um limite de doze

horas de trabalho diário, violando, assim, o limite de oito horas estabelecido pelo artigo 7º,

XIII da CF.

Atualmente, a jurisprudência consolidada do TST, vem aceitando a aplicação da

jornada “12x36” por meio de negociações coletivas. Daí vem o seguinte questionamento, se a

mencionada jornada é admitida pelos Tribunais em determinadas situações, por que o novo

artigo 235-F da CLT deveria ser considerado inconstitucional?

O questionamento leva a acreditar que a constitucionalidade do dispositivo deva ser

considerada, já que o Poder judiciário aceita a jornada nele prevista, não podendo, dessa

forma, falar em vícios.

No entanto, não é assim. O Judiciário julga as situações concretas e não abstratas,

onde o julgador deverá ponderar os valores envolvidos de modo a ser justo.

Por esse motivo, o Poder Judiciário, em determinados casos, ao avaliar os valores

jurídicos envolvidos nos casos concretos, tem permitido a aplicação da jornada em comento.

Verifica-se que a situação aqui estudada não se refere a um caso concreto, e sim a um

direito objetivo que, aparentemente vulnera o artigo 7º, XIII da Constituição.

44

Longe de ser uma hipótese extraordinária, basta citar o artigo 5º da Lei 11.901/2009,

que embora regule o exercício de bombeiro civil, bem menos sofrida que a do motorista,

padece do mesmo vício no que diz respeito ao limite diário da jornada e embora hostilizada

através de ação direta de constitucionalidade, até o momento não fora retirado do

ordenamento jurídico.

O retrocesso social é ainda mais aparente em relação a norma examinada, se

considerado que o seu destinatário é o motorista rodoviário, que exerce atividade

naturalmente penosa, fatigante e insalubre, exigindo do profissional extrema atenção durante

toda jornada de trabalho.

3.3.1.3. Redução dos períodos dos descansos obrigatórios

A nova norma ampliou a jornada de trabalho e acabou por diminuir o intervalo

destinado ao descanso obrigatório do motorista, reduzindo a possibilidade concreta de que o

profissional repouse o bastante para que seu organismo suporte as vicissitudes do labor.

São três as inovações detectadas, sendo uma delas a redução do intervalo entre um dia

e outro de trabalho de onze para oito horas, conforme prevê o artigo 235-C, § 3º da CLT e art.

67-A, § 3º do CTB, a elevação, para o motorista transportador de carga, do período máximo

de condução ininterrupta de quatro para cinco horas e meia (art. 67-C, § 1º do CTB), assim

como a prescrição, no caso de condução do veículo em dupla, de apenas seis horas de repouso

com o veículo parado a cada setenta e duas horas (arts. 235-D, § 5º e 235-E, III da CLT).

Quanto ao intervalo interjornada, a manutenção de referência a um período de onze

horas, é falaciosa, pois, ao admitir o fracionamento sem limite, o repouso no veículo e, ainda

assim, a coincidência com outros intervalos impostos, o que ocorreu foi a redução pura e

simples do intervalo de onze para apenas oito horas.

Importante ressaltar que as oito horas que restaram seguradas aos motoristas,

destinam-se não somente ao repouso, como também à alimentação, à higiene e a eventual

atividade de lazer, considerando o fato de que o empregador pode exigir que o motorista

usufrua desse período de descanso dentro do veículo (art.235-C, §4º da CLT).

Atualmente, o transporte rodoviário de cargas já lidera a colocação em acidentes de

trabalho e a nova lei surgiu para colaborar decisivamente para que essa liderança permaneça.

No que se refere à condução em dupla, a Lei 13.103/2015 exerceu duas mudanças

essenciais, uma de caráter socioambiental e outra de índole patrimonial.

45

Sob o cunho patrimonial, a norma reduziu o adicional pelo tempo de reserva, até então

previsto pelo art.235-E, §6º da CLT, que era de 30% sobre o valor da hora normal, o período

que ultrapassasse a jornada do motorista.

Trata-se de modificação que presume um erro estratégico daqueles que a efetuaram,

pois, com o vácuo normativo criado no novo sistema, aplicar-se-á a regra geral do tempo à

disposição prevista no art. 4º da CLT, ou seja, as horas remanescentes à jornada normal

deverão ser remuneradas como extras.

No entanto, a alteração mais interessante diz respeito à mudança do período mínimo

de seis horas de descanso com o transporte estacionado. Antes da Lei n. 13.103/2015, era uma

garantia diária, conforme disposto pelo art. 235-E, § 7º da CLT, e atualmente, a teor dos

artigos 235-D, § 5º e 235-E, III da CLT, esse descanso passa a ocorrer a cada setenta e duas

horas.

A modificação desafia o critério do admissível, tendo em vista que não é necessário

estudo científico para constatar que é impossível conseguir um repouso digno repousando no

interior de um veículo em movimento, principalmente quando circulando em estradas nas

condições das existentes em nosso país e em cabines desconfortáveis como as dos caminhões

nacionais.

Ademais, considerando que o leito dos caminhões não está equipado com cinto de

segurança, a previsão para o repouso com o veículo em movimento viola o disposto no art. 65

do CTB, verbis:

Art. 65. É obrigatório o uso do cinto de segurança para condutor e passageiros em

todas as vias do território nacional, salvo em situações regulamentadas pelo

CONTRAN.

Não é difícil reconhecer que contrariamente ao que determinou o constituinte, a Lei n.

13.103/2015 não promove a redução dos riscos inerentes ao trabalho, mas sim a insustentável

elevação desses riscos, o que resulta na violação aos direitos à segurança e à saúde (arts. 6º c/c

196 da CF).

3.3.1.4. Tempo de espera ilimitado

O tempo de espera foi inicialmente previsto pela Lei 12.619/2012, no entanto, a

limitação temporal que anteriormente era de quatro horas ao dia, agora, com o advento da lei

13.103/2015, passou a ser ilimitada, isto é, permite que o profissional fique o dia todo em

46

espera, sem que isso seja considerado jornada de trabalho. Não bastasse, a remuneração pelo

tempo de espera passou de 130% para apenas 30% do salário-hora

O parágrafo 11 do artigo 235-C da CLT traz a possibilidade de que o motorista

permaneça vinte e quatro horas em espera e a correlação entre esse tempo de espera e os

intervalos de descanso intra e interjornada, ou seja, o profissional mantém-se na fila em

espera, porém, legalmente, está dormindo.

Procurando amenizar o arruinamento econômico ao motorista, o legislador garantiu no

§10 do artigo 235-D da CLT o salário-base diário. Dessa forma, mesmo ficando o motorista

vinte e quatro horas do dia em espera, ele receberá o salário-dia que lhe é de direito por oito

horas laboradas normalmente.

Nota-se o absurdo quando observado o fato de que, o motorista trabalhará 24 horas

para receber o equivalente a apenas oito horas, sem calcular os adicionais de horas

extraordinárias e as repercussões em férias, FGTS e décimo terceiro que teria direito.

Ademais, tendo em vista que o tempo de espera não é tido como jornada, em uma

análise puramente literal, o dia todo em espera poderá ser encarado como falta ao serviço,

ocasionando perda do direito à fruição do descanso semanal remunerado e ecoando na

diminuição da pausa anual de férias.

O único apontamento positivo que limita o prejuízo social e biológico do motorista, foi

a garantia de repouso ao menos oito horas seguidas diárias, de acordo com o que prevê a parte

final do §12 do art.235-C da CLT.

3.4. Repercussões sobre o segundo pilar protetivo: repulsa ao pagamento por

comissão

O pagamento por comissão é totalmente incompatível com a lógica de proteção ao

motorista, tendo em vista que, aquele profissional que é remunerado desta forma tende,

mesmo quando sujeito a limites de jornada, a extrapolar o que foi fixado pelo empregador

para extrair uma renda maior.

Por esse motivo, no campo internacional, a União Europeia restringe o pagamento por

comissão, norma esta que serviu como parâmetro para a redação da Lei 12.619/2015, agora

revogada.

O corrompimento desse importante pilar do sistema de proteção dado pela Lei de 2012

fica nítido quando comparado o art. 235 G da CLT com a atual redação da Lei 13.103/2015

47

O texto original da Lei 12.619/2012 dizia:

Art. 235-G. É proibida a remuneração do motorista em função da distância

percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de produtos

transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de

vantagem, se essa remuneração ou comissionamento comprometer a segurança

rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação das normas da presente

legislação.

Vejamos agora a atual redação dada pela Lei n. 13.103/2015:

Art. 235-G. É permitida a remuneração do motorista em função da distância

percorrida, do tempo de viagem ou da natureza e quantidade de produtos

transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de

vantagem, desde que essa remuneração ou comissionamento não comprometa a

segurança da rodovia e da coletividade ou possibilite a violação das normas

previstas nesta Lei.

Constata-se que a artimanha semântica inverteu a mensagem a ser reproduzida. Se

antes admitia o comissionamento apenas em hipóteses excepcionais, agora transformou-se em

taxativa, determinando o pagamento comissionado como a regra geral.

3.5. Repercussões sobre o terceiro pilar protetivo: remuneração digna

A Lei revogada não dispôs quanto ao patamar mínimo para a remuneração dos

motoristas profissionais. Porém, no sistema implementado conduzia a uma elevação gradual e

consistente da remuneração do motorista, de forma a garantir remuneração digna ao

trabalhador, para sua subsistência e a de sua família.

A Lei 13.03/2015 ampliou a jornada de trabalho para até doze horas diárias, resgatou o

pagamento por comissão, trouxe inúmeras hipóteses de jornada ilimitada e não satisfeito o

legislador, ainda reduziu o valor da hora paga no tempo de espera, todavia, todas essas

disposições levam a um mesmo resultado, ou seja, a redução do salário desse profissional.

A atual regulamentação viola diretamente uma das garantias consagradas ao

trabalhador, senão, vejamos:

Art. 7º ...

[...]

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas

necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação,

saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes

periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para

qualquer fim (destaques acrescidos).

48

Ao colocar o motorista em situação em que, para obter remuneração minimamente

decente seja necessário arriscar-se, nega-se a este outro bem jurídico tutelado pela

Constituição: a dignidade (art. 5º).

Assim, após essa absurda inversão na lógica normativa, podemos intitular o binômio

anteriormente conhecido como segurança-dignidade, graças à Lei 12.619/2012, como

binômio insegurança-exploração, fruto da atual legislação que, nos proporcionou um

retrocesso social.

3.6. Proibição ao retrocesso social

Reconhece-se que, atualmente, quando se trata de normas que resguardam direitos

sociais, fica impedido o legislador de revogá-las ou anulá-las, sob pena de ser considerado tal

ato inconstitucional, por violar o princípio da vedação ao retrocesso social.

Tal evolução encontra apoio em normas internacionais, tais como o artigo 26 do Pacto

de San José da Costa Rica que dispõe:

“Artigo 26 - Desenvolvimento progressivo

Os Estados-partes comprometem-se a adotar as providências, tanto no âmbito

interno, como mediante cooperação internacional, especialmente econômica e

técnica, a fim de conseguir PROGRESSIVAMENTE a plena efetividade dos direitos

que decorrem das normas econômicas, sociais e sobre educação, ciência e cultura,

constantes da Carta da Organização dos Estados Americanos, reformada pelo

Protocolo de Buenos Aires, na medida dos recursos disponíveis, por via legislativa

ou por outros meios apropriados” (destacou-se).

No mesmo prisma determina o artigo 2º, item 1 do Pacto Internacional sobre Direitos

Econômicos, Sociais e Culturais:

“Cada Estado Parte do presente Pacto compromete-se a adotar medidas, tanto por

esforço próprio como pela assistência e cooperação internacionais, principalmente

nos planos econômico e técnico, até o máximo de seus recursos disponíveis, que

visem a assegurar, PROGRESSIVAMENTE, por todos os meios apropriados, o

pleno exercício dos direitos reconhecidos no presente Pacto, incluindo, em

particular, a adoção de medidas legislativas” (destaques acrescidos).

O princípio da vedação ao retrocesso também é reconhecido pelos Tribunais, como foi

apontado na seara trabalhista pela decisão do Tribunal Superior abaixo transcrita:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. PRESCRIÇÃO. PRONÚNCIA DE OFÍCIO.

Ante a aparente violação do art. 769 da CLT, nos termos exigidos no art. 896 da

CLT, dá-se provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento

do recurso de revista. RECURSO DE REVISTA. PRESCRIÇÃO. PRONÚNCIA

49

DE OFÍCIO. INCOMPATIBILIDADE COM OS PRINCÍPIOS APLICÁVEIS NA

JUSTIÇA DO TRABALHO. A Corte Regional confirmou decisão que, de ofício,

declarou prescrita a pretensão do autor, com supedâneo no art. 219, § 5º, do CPC.

Todavia, tal dispositivo não se compatibiliza com os princípios que regem o Direito

do Trabalho, notadamente o da proteção (art. 8º da CLT), que busca reequilibrar a

disparidade de forças entre empregado e empregador. Essa nova regra pode ser bem

recebida em outras searas, mas não se pode olvidar que o art. 7º da Constituição

revelase como uma centelha de proteção ao trabalhador a deflagrar um programa

ascendente, sempre ascendente, de afirmação dos direitos fundamentais. Quando o

caput do mencionado preceito constitucional enuncia que irá detalhar o conteúdo

indisponível de uma relação de emprego e de pronto põe a salvo “outros direitos que

visem à melhoria de sua condição social”, atende a um postulado imanente aos

direitos fundamentais: a proibição de retrocesso. Precedentes da SBDI-1 e de todas

as Turmas desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido.” (destaques

acrescidos) (Processo: RR - 174-81.2011.5.01.0030 Data de Julgamento:

25/03/2015, Relator Ministro: Augusto César Leite de Carvalho, 6ª Turma, Data de

Publicação: DEJT 04/05/2015).

Nesse mesmo sentido se posicionou o Supremo Tribunal Federal:

“CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE - ATENDIMENTO EM

CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA - SENTENÇA QUE OBRIGA O MUNICÍPIO DE

SÃO PAULO A MATRICULAR CRIANÇAS EM UNIDADES DE ENSINO

INFANTIL PRÓXIMAS DE SUA RESIDÊNCIA OU DO ENDEREÇO DE

TRABALHO DE SEUS RESPONSÁVEIS LEGAIS, SOB PENA DE MULTA

DIÁRIA POR CRIANÇA NÃO ATENDIDA - LEGITIMIDADE JURÍDICA DA

UTILIZAÇÃO DAS “ASTREINTES” CONTRA O PODER PÚBLICO -

DOUTRINA - JURISPRUDÊNCIA - OBRIGAÇÃO ESTATAL DE RESPEITAR

OS DIREITOS DAS CRIANÇAS - EDUCAÇÃO INFANTIL - DIREITO

ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208,

IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006) - COMPREENSÃO GLOBAL

DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO - DEVER JURÍDICO CUJA

EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO

MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º) - LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA

INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM CASO DE OMISSÃO ESTATAL

NA IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PREVISTAS NA

CONSTITUIÇÃO - INOCORRÊNCIA DE TRANSGRESSÃO AO POSTULADO

DA SEPARAÇÃO DE PODERES - PROTEÇÃO JUDICIAL DE DIREITOS

SOCIAIS, ESCASSEZ DE RECURSOS E A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS

TRÁGICAS” - RESERVA DO POSSÍVEL, MÍNIMO EXISTENCIAL,

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E VEDAÇÃO DO RETROCESSO

SOCIAL - PRETENDIDA EXONERAÇÃO DO ENCARGO CONSTITUCIONAL

POR EFEITO DE SUPERVENIÊNCIA DE NOVA REALIDADE FÁTICA -

QUESTÃO QUE SEQUER FOI SUSCITADA NAS RAZÕES DE RECURSO

EXTRAORDINÁRIO -PRINCÍPIO “JURA NOVIT CURIA” - INVOCAÇÃO EM

SEDE DE APELO EXTREMO - IMPOSSIBILIDADE - RECURSO DE AGRAVO

IMPROVIDO. POLÍTICAS PÚBLICAS, OMISSÃO ESTATAL

INJUSTIFICÁVEL E INTERVENÇÃO CONCRETIZADORA DO PODER

JUDICIÁRIO EM TEMA DE EDUCAÇÃO INFANTIL: POSSIBILIDADE

CONSTITUCIONAL. (...) DESCUMPRIMENTO DE POLÍTICAS PÚBLICAS

DEFINIDAS EM SEDE CONSTITUCIONAL: HIPÓTESE LEGITIMADORA DE

INTERVENÇÃO JURISDICIONAL. – (...). A CONTROVÉRSIA PERTINENTE À

“RESERVA DO POSSÍVEL” E A INTANGIBILIDADE DO MÍNIMO

EXISTENCIAL: A QUESTÃO DAS “ESCOLHAS TRÁGICAS”. – (...) A

PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL COMO OBSTÁCULO

CONSTITUCIONAL À FRUSTRAÇÃO E AO INADIMPLEMENTO, PELO

PODER PÚBLICO, DE DIREITOS PRESTACIONAIS. - O princípio da proibição

do retrocesso impede, em tema de direitos fundamentais de caráter social, que sejam

desconstituídas as conquistas já alcançadas pelo cidadão ou pela formação social em

que ele vive. - A cláusula que veda o retrocesso em matéria de direitos a prestações

50

positivas do Estado (como o direito à educação, o direito à saúde ou o direito à

segurança pública, v.g.) traduz, no processo de efetivação desses direitos

fundamentais individuais ou coletivos, obstáculo a que os níveis de concretização de

tais prerrogativas, uma vez atingidos, venham a ser ulteriormente reduzidos ou

suprimidos pelo Estado. Doutrina. Em conseqüência desse princípio, o Estado, após

haver reconhecido os direitos prestacionais, assume o dever não só de torná-los

efetivos, mas, também, se obriga, sob pena de transgressão ao texto constitucional, a

preservá-los, abstendo-se de frustrar - mediante supressão total ou parcial - os

direitos sociais já concretizados. LEGITIMIDADE JURÍDICA DA IMPOSIÇÃO,

AO PODER PÚBLICO, DAS “ASTREINTES”. – (...)” (destacou-se)

(ARE 639337 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma,

julgado em 23/08/2011, DJe-177 DIVULG 14-09-2011 PUBLIC 15-092011

EMENT VOL-02587-01 PP-00125)

Diante do exposto cabe questionar; o que fez a Lei 13.103/2015 a não ser auxiliar um

enorme retrocesso social?

A violação do mencionado princípio não fornece outra alternativa que não seja a

urgente inconstitucionalidade da norma, que foi inteiramente contaminada.

51

CONCLUSÃO

A interpretação da Lei 13.103/2015 se torna simples até mesmo para aqueles que

sequer convivem em meio ao universo jurídico. Fica fácil concluir que o mais relevante

princípio da convivência humana foi ignorado: o da razoabilidade.

Não é necessário ser jurista para concluir que não é razoável exigir até doze horas

diárias de trabalho a um motorista. Que é absurdo estabelecer que o profissional dirija por até

cinco horas e meia sem parar, que durma em caminhões em movimento, arriscando-se a

acidentes com uma simples freada por ausência de cinto de segurança, que permaneça em

filas por até vinte e quatro horas sem que esse trabalho seja tido sequer como jornada de

labor, que tenha que mover o caminhão nas filas e ainda assim, a lei considerar que esteja

dormindo, que tenha que ser excluído do mercado de trabalho porque consome as drogas que

o sistema lhe submete, que tenha que viver desafiando os limites do seu organismo, uma vez

que, a remuneração por comissionamento lhe obriga a agir dessa forma se desejar obter

mensalmente uma renda digna.

Em meio as outras inúmeras regras previstas pela nova lei, essas violam o mais

comum princípio de hermenêutica jurídica. Tudo aquilo que não é razoável não pode ser

considerado lícito, nem justo e sequer constitucional.

O estatuto do motorista deixou de proteger para ser norma que coloca em risco esse

trabalhador e a sociedade. A nova Lei consiste em uma sentença de morte para esses

profissionais e demais utilizadores das rodovias nacionais.

Àqueles que opinam pelo exagero, basta fazer um paralelo entre o artigo 149 do

Código Penal com as atuais regras para constatar que a Lei nº 13.103/2015 legaliza a redução

dos mencionados trabalhadores à condição análoga a de escravo, ao passo em que permite

expressamente que jornadas exaustivas e sem limitação sejam realizadas.

A gravidade é observada ainda, quando o processo legislativo que resultou na Lei

13.103/2015 questiona o próprio sistema político e democrático do país, que de partidário

tornou-se corporativo.

Perante essa absurda inversão de valores, indiscutível a conclusão de que a violência à

Constituição se iniciou já pelo seu primeiro artigo 1º.

52

Considerando que todo poder mana do povo, que em regra, o exerce mediante seus

representantes, a Lei 13.103/2015 se materializa em uma prova crucial de que nossos

representantes desonraram o mandato que receberam da sociedade.

Compete ao Judiciário, no desempenho da sua mais nobre missão, garantir a força

normativa da Constituição e assim, consequentemente, devolver o poder ao seu legítimo

possuidor – o povo.

53

REFERENCIAS

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Justiça do Direito. Passo Fundo, v. 20, n. 1, p. 111-120, 2006.

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Artigo Jornada de Trabalho. Disponível em:

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MOTORISTA PROFISSIONAL Disponível em:

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