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Comissão de Cidadania e Direitos Humanos RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO PARA TRATAR SOBRE A SITUAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO RIO GRANDE DO SUL Porto Alegre Dezembro de 2012.

RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO PARA TRATAR … · A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS, em conjunto com diferentes entidades, debateu o tema

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Comissão de Cidadania e Direitos Humanos

RELATÓRIO FINAL DA SUBCOMISSÃO PARA TRATAR

SOBRE A SITUAÇÃO DOS POVOS INDÍGENAS NO RIO GRANDE DO

SUL

Porto AlegreDezembro de 2012.

A Subcomissão para tratar sobre a situação dos povos indígenas no Rio Grande do Sul, no âmbito da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, foi criada no dia 09 de maio de 2012 e funcionou até o dia 21 de setembro de 2012.

RDI 73/2012Processo nº 20410-01.00/12-6

Mesa Diretora – 2012

Presidente: Dep. Alexandre Postal (PMDB)

1º Vice-Presidente: Dep. Zilá Breitenbach (PSDB)

2º Vice-Presidente: Dep. Alceu Barbosa (PDT)

1º Secretário: Dep. Pedro Westphalen (PP)

2º Secretário: Dep. Luis Lauermann (PT)

3º Secretário: Dep. José Sperotto (PTB)

4º Secretário: Dep. Catarina Paladini (PSB)

Suplentes:

Álvaro Boessio (PMDB)

Luciano Azevedo (PPS)

Raul Carrion (PCdoB)

Carlos Gomes (PRB)

Comissão de Cidadania e Direitos Humanos

Presidente:Miki Breier – PSB

Vice-Presidente:Álvaro Boessio - PMDB

TITULARES

Adão Villaverde - PTEdegar Pretto - PT

Jeferson Fernandes - PTAna Affonso - PT

Aldacir Oliboni - PTPaulo Azeredo - PDT

Adolfo Brito - PPRonaldo Santini - PTB

Zilá Breitenbach - PSDBLuciano Azevedo - PPS

SUPLENTES

Alexandre Lindenmeyer - PTMarisa Formolo - PT

Nelsinho Metalúrgico - PTGiovani Feltes - PMDB

Marco Alba - PMDBGerson Burmann - PDT

Mano Changes - PPAloísio Classmann - PTB

Pedro Pereira - PSDBCatarina Paladini - PSB

Paulo Odone – PPS

Subcomissão para tratar sobre a situação dos Povos Indígenas no Rio Grande do Sul

Relator: Deputado Miki Breier (PSB)

Integrantes:Deputado Edegar Pretto (PT)

Deputado Jeferson Fernandes (PT)

ÍNDICE

Introdução.............................................................................................................................................

Elementos Históricos da Questão Indígena........................................................................................

Devolução dos Territórios Indígenas Transformados em categoria jurídica de Unidade de Conservação no RS...............................................................................................................................

Regularização Fundiária das Terras Guarani do RS........................................................................

O Estado Brasileiro afronta os direitos indígenas na duplicação das BRs 116 e 290.....................

ICMS Ecológico: Possibilidades de um novo incentivo e apoio aos Povos Indígenas....................

Organização do PPA/RS específico e diferenciado para os Povos Indígenas a partir de setorial indígena.................................................................................................................................................

Assistência em Saúde............................................................................................................................

Normatização Específica para atendimento à educação escolar indígena......................................

Repasse dos terrenos (urbanos), onde estão os indígenas, para a União.........................................

Reunião Inicial da Subcomissão..........................................................................................................

Relato de Viagem a Frederico Westphalen, Iraí e Carazinho..........................................................

Conclusões.............................................................................................................................................

Anexo 1..................................................................................................................................................

Anexo 2..................................................................................................................................................

INTRODUÇÃO

A subcomissão para tratar da Questão Indígena no Rio Grande do Sul, criada em meados de

2012, apresenta seu breve relatório. Antes das considerações finais e ou sugestões, estamos

apresentando subsídios teóricos capazes de orientar a atuação parlamentar dos deputados, e, acima

de tudo, cientificar à comunidade do RS sobre a situação vivida por estes grupos humanos.

Como preliminares cabe destacar que os trabalhos não tiveram a eficiência esperada, pois a

subcomissão foi constituída em período eleitoral e naquele momento os deputados não conseguiram

se fazer presentes nas diferentes atividades propostas.

Destacamos que duas reuniões preparatórias foram realizadas na Assembleia Legislativa.

Nelas tivemos a presença do deputado Jeferson Fernandes e assessores, assessores dos gabinetes

dos deputados Miki Breier (presidente da CCDH) e Edegar Preto e, também, membros da

Comissão de Cidadania e Direitos Humanos. Além destas reuniões, tivemos uma audiência pública

ocorrida em 08 de agosto de 2012 e, além destas atividades, fomos visitar uma amostra significativa

das comunidades indígenas do RS.

Nestas visitas, o deputado Miki Breier coordenou uma visita à cidade de Estrela e Lajeado;

nestas duas cidades as visitas foram feitas à comunidade Kaigang de Estrela (esta comunidade está

tendo problemas com membros presos – acusados de tráfico de drogas) e também a uma

comunidade Guarani de Lajeado.

As comunidades do norte do RS foram visitadas pelos deputados Jeferson Fernandes e

Edegar Preto. Nas visitas os deputados tinham em mente a questão da demarcação, da saúde, da

alimentação e dos investimentos aportados pelo governo do Estado aos indígenas.

1 ELEMENTOS HISTÓRICOS DA QUESTÃO INDÍGENA1

A história do povo brasileiro tem sido objeto de inúmeras interpretações nas suas múltiplas

dimensões nos últimos anos. Com a abertura democrática, a discussão permanente dos diferentes

temas é um aspecto positivo e isto está impulsionando o avanço de vários aspectos da existência

das comunidades neste imenso Rio Grande.

A Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do RS, em

conjunto com diferentes entidades, debateu o tema dos povos indígenas no RS, em 2011 e também

ao longo de 2012 em diferentes atividades.

Os seminários realizados nestes dois anos representaram momentos singulares de debates e

1Texto ancorado no seminário realizado no Plenarinho João Neves da Fontoura.

de proposições objetivas, viáveis e claras daquilo que deve ser feito para que esta parte da

população gaúcha possa se inserir no cenário atual de desenvolvimento da civilização conseguindo

preservar a sua singularidade e identidade culturais.

Neste relatório pretendemos apresentar a realidade e fazer com que os agentes públicos se

apropriem dela e sejam capazes de promover ações convergentes com os interesses, necessidades e

direitos dos povos Guarani.

2 DEVOLUÇÃO DOS TERRITÓRIOS INDÍGENAS TRANSFORMADOS EM

CATEGORIA JURÍDICA DE UNIDADE DE CONSERVAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL

A ideia de estabelecimento de parques naturais desabitados, que carrega em si a noção de

uma natureza intocada, do mundo selvagem, originada nos Estados Unidos em meados do século

XIX, foi sendo imposta a outros países e sociedades com características ecológicas e sociais

diferentes criando a dicotomia entre “povos” e “parques”. Esse pensamento (hostil e

preconceituoso) teve efeito devastador sobre os povos indígenas e populações tradicionais, pois

fundamentou inúmeros projetos de conservação ao redor do mundo visando o estabelecimento de

áreas protegidas, expulsando seus habitantes, com pouco respeito ao seu passado e futuro, em nome

da herança global da diversidade biológica. A criação de áreas naturais protegidas em territórios

ocupados por populações tradicionais é vista como uma usurpação do direito à ocupação de seus

territórios, o espaço coletivo no qual se realiza seu modo de vida distinto do urbano industrial.

Existe aí uma visão conflitante entre o espaço público e o espaço comunitário, segundo perspectivas

distintas e até opostas: por um lado, a visão do Estado, representando interesses das populações

urbano industriais, por outro, aquela dos povos indígenas e comunidades tradicionais (babaçueiros,

caiçaras, campeiros, jangadeiros, pantaneiros, pescadores artesanais, praieiros, vargeiros). Trata-se,

na verdade, de um processo de despossessão dos conhecimentos e técnicas patrimoniais em poder

das populações tradicionais e a afirmação do poder da ciência nas mãos dos cientistas e dos

administradores. O resultado dessas práticas conservacionistas tem levado, muito frequentemente, a

uma preservação insuficiente da fauna e da flora e a um número elevado de “refugiados da

conservação”, obrigados a abandonar seus territórios tradicionais pelas restrições que sofrem em

seu modo de vida. E não são raros os casos em que os povos autóctones se defrontam com a

interdição de seu acesso às fontes de reservas, erradamente ditas “naturais”, já que foram eles que,

por sua presença multissecular, contribuíram sutilmente para transformar sua ecologia. Ou seja, o

nosso ambiente é em grande parte antrópico, mesmo em regiões do mundo que parecem ter

conservado sua virgindade. A Amazônia, por exemplo, jamais foi um vazio humano antes da

invasão europeia e os povos indígenas encontraram, ao longo destes milênios de coadaptação com

os ecossistemas amazônicos, soluções de “sustentabilidade” infinitamente superiores aos processos

truculentos e míopes de desmatamento com correntes, desfolhantes, motosserras e assim por diante.

Em síntese, as florestas (na Amazônia ou aqui no Rio Grande do Sul) sempre foram povoadas e

nunca foram ou não são há muitos séculos, milênios talvez, “virgens” – a maioria das espécies úteis

das florestas proliferaram diferencialmente em função das técnicas indígenas de aproveitamento do

território e de seus recursos.

A relação entre os povos indígenas e seus ambientes de vida nunca foi uma adaptação

passiva dos primeiros ao segundo (que contrastaria com a destruição ativa levada a cabo pela

máquina produtivista ocidental), mas a de uma história comum, onde humanos e não-humanos

(plantas, animais) evoluíram juntos. A Amazônia, por exemplo, é uma região ocupada milenarmente

por povos autóctones, e secularmente por segmentos das populações adventícias (de origem

europeia e africana) que se acostumaram aos ritmos e exigências da floresta. Antes da invasão

europeia que dizimou seus ocupantes originários, esta era uma região densamente povoada por

coletivos que modificaram o ambiente tropical sem destruir suas grandes regulações ecológicas.

A ‘floresta virgem’ tem muito de fantasia: como hoje se sabe, boa parte da cobertura vegetal

amazônica, sua distribuição e composição específicas, é o resultado de milênios de intervenção

humana; a maioria das plantas úteis da região proliferaram diferencialmente em função das técnicas

indígenas de aproveitamento do território; porções não desprezíveis do solo amazônico (cerca de

12% da superfície total da região) são antropogênicas, indicando uma ocupação intensa e antiga.

Isso que chamamos ‘natureza’ é parte e resultado de uma longa história cultural e de uma aplicada

atividade humana. Daí não se segue que qualquer atividade humana ou qualquer intervenção

cultural seja compatível com o ambiente das florestas, estamos falando de povos indígenas, que seja

bem entendido.

Especificamente no Rio Grande do Sul, poderíamos citar diversos coletivos indígenas

“refugiados da conservação” (pretéritos e em iminência), porém apresentaremos um caso de

gravíssimo impacto social causado por políticas preservacionistas, que na maioria das vezes,

confronta com os modos de vida e ocupação dos territórios indígenas. O Parque Estadual de Itapuã

foi constituído através dos seguintes Decretos Estaduais: nº 22.535, de 14 de julho de 1973; n o

25.162, de 23 de dezembro de 1976; no 33.886, de 11 de março de 1991; e no 35.016, de 21 de

dezembro de 1993. Atualmente trata-se uma unidade de conservação sob proteção integral, que

abarca 5.566,50 hectares, localizados no distrito de Itapuã, Viamão – RS. Vejamos alguns excertos

do “Plano de Manejo do Parque Estadual de Itapuã/Departamento de Recursos Naturais

Renováveis/Secretaria da Agricultura e Abastecimento,1996”:

A palavra Itapuã é de origem indígena guarani e significa ponta de pedra, ou ainda, pedra

levantada, ou pedra redonda, com aspecto de ponta (p. 11).

[...]. Estudos realizados pela equipe de pesquisadores do Museu Antropológico do Rio Grande do Sul na

área do distrito de Itapuã, indicaram a existência de sítios arqueológicos da Tradição Tupi-guarani, [...].

Estes sítios Tupi-guarani foram localizados na Colônia de Itapuã [...], a 3 km da lagoa Negra e do Guaíba e

a 6 km da laguna dos Patos; no Morro da Fortaleza (na área do Parque, [...], a 1 km do Guaíba e a 30 m

acima do nível do mar); na praia do Araçá (no Parque Estadual de Itapuã, a 50 m do Guaíba); na praia das

Pombas (a 15 m da linha d'água do Guaíba, no limite da praia com o mato). [...]. Da mesma tradição,

foram informados outros sítios na ilha das Pombas, na ilha do Junco, nas praias da Onça, da Pedreira, do

Sítio, de Fora e na Prainha, estas no Parque Estadual de Itapuã (p. 25).

Nas cercanias do parque, por sua vez, situa-se a Aldeia Guarani de Itapuã (Tekoá Pindó

Mirim), onde antigamente localizava-se uma aldeia guarani. Verifica-se então, que a presença guarani

em Itapuã é de longa data, registrada pela perspectiva arqueológica, bem como pelos relatos da

vizinhança não-indígena local. Ademais aos testemunhos, foram feitos levantamento em arquivos de

jornais da capital da década de 1970 (data de criação do Parque). Foram realizadas seis reportagens

jornalísticas, entre 1973 e 1975, que descrevem as aldeias guarani de Itapuã. Quatro delas são uma

série do Correio do Povo escrita por Nórton Corrêa, antropólogo que visitou uma das aldeias na

década de 1970. A reportagem “Itapuã: nova escalada dos índios” (Zero Hora, 11 de dezembro de

1973) menciona a presença de mais de 60 índios, 17 famílias e 10 casas tradicionais nos morros de

Itapuã. Em relação ao comportamento dos Guarani, todas as reportagens indicam que eles não

gostavam de ser fotografados nem entrevistados. Residentes antigos do Parque dizem que eles eram

geralmente muito quietos, reservados e “não roubavam nada”. Eles se mantinham da terra e, em

casos extremos, pediam comida.

Alguns Guarani relataram que deixaram as aldeias por medo de ameaças que sofriam. Outros

contam que foram expulsos pela polícia. Os ex-moradores afirmam que eles foram impelidos a sair da

área pelo seu estilo de vida. Eles eram caçadores e, em vista da crescente visibilidade que ganharam

com a criação do Parque e com as visitas da imprensa, sua presença não era mais “desejável”.

A situação de insegurança fundiária dos Guarani no Rio Grande do Sul é alarmante e o

conflito gerado pela criação de unidades de conservação para “salvar” os remanescentes da Mata

Atlântica e a reivindicação dos Guarani pelo reconhecimento de suas terras é reflexo da situação de

ameaça em que se encontram a diversidade cultural no estado. O caso de Itapuã evidencia o quão

injusto o processo de cercamento das florestas pode ser com aqueles que dela dependem para viver.

Os Guarani sempre estiveram certos ao afirmar a tradicionalidade daquela área, e o quanto setores

influentes da sociedade não deram credibilidade às suas palavras. É lamentável que, embora o direito

dos povos indígenas às suas terras seja reconhecido como originário pela Constituição Federal de

1988, ainda seja necessário levantar tantas provas apenas para comprovar que os Guarani, habitantes

milenares dessa terra, realmente nela habitavam até pouco tempo atrás. Embora tenhamos evidências

contundentes acerca da ocupação tradicional Guarani em Itapuã, ainda há muitos obstáculos a serem

vencidos, sobretudo no que diz respeito ao preconceito da sociedade envolvente em relação aos povos

indígenas e à ideia preservacionista de que a natureza só pode ser conservada na ausência do ser

humano. Vale também lembrar, que a dispersão dos indígenas que viviam nestes espaços, foi

efetivada pela Brigada Militar do Estado, merecendo ainda o apagamento de qualquer registro de

existência “viva” indígena no interior do Parque. Sendo assim, o Plano de Manejo do Parque Estadual

de Itapuã conta apenas com o registro de material arqueológico guarani.

Sem medo de errar, afirmamos e chamamos a consciência de todos, que onde hoje se situa o

Parque Estadual de Itapuã sempre existiu ocupação tradicional guarani, claramente registrada. É de se

perguntar se não seria justamente pela ocupação guarani na área, desde tempos remotos, que ela

configurou-se atraente para “conservação/preservação”. Ou seja, são os próprios indígenas os

responsáveis pela até então “preservação” da mata e dos bichos (fauna e flora para os cientistas),

presumindo-se, então, que não seriam eles os possíveis inimigos do lugar.

Que os povos indígenas possam voltar a viver em paz nos espaços ambientalmente saudáveis

que sobraram de suas terras originárias. DEVOLUÇÃO IMEDIATA DOS TERRITÓRIOS

INDÍGENAS QUE FORAM TRANSFORMADOS EM CATEGORIA JURÍDICA DE UNIDADE

DE CONSERVAÇÃO NO RIO GRANDE DO SUL.

3 REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA DAS TERRAS GUARANI DO RIO GRANDE DO SUL

Apresentamos as reivindicações que as lideranças de comunidades Guarani do Rio Grande

do Sul encaminharam para os órgãos públicos e nas quais solicitam a demarcação e a regularização

fundiária de suas terras. No documento, as lideranças Guarani dizem que o governo federal, em

articulação com o governo do estado do Rio Grande do Sul, deve resolver um dos graves problemas

e que impede a ocupação e o usufruto das terras já demarcadas: os pagamentos das indenizações aos

ocupantes não indígenas das terras guarani. Este é um dever da Funai, pois cabe ao órgão

indigenista buscar soluções para as questões relativas aos problemas fundiários. Os Guarani

argumentam que somente haverá uma solução para os problemas fundiários através de

entendimentos entre os governos federal e estadual. Salientem que este entendimento deve ocorrer

principalmente no que se refere ao pagamento dos não-indígenas pelas terras que no passado foram

loteadas e tituladas pelo governo do Estado e que estão sendo demarcadas como terras indígenas.

Com isso, se pode acelerar os processos e diminuir os conflitos. Segue relação das terras destacadas

pelas lideranças como as prioritárias:

Cantagalo: O Cantagalo é uma das aldeias mais antigas no estado. Os estudos já foram

concluídos, tudo já foi feito, mas os colonos ainda estão lá. Não aceitamos mais a demora na

retirada dos ocupantes brancos. Já se passam anos da decisão da homologação da terra, mas até

agora a Funai não pagou as indenizações e nem procedeu a retirada dos brancos da terra indígena.

Além da demora na demarcação, as cercas estão abertas e os animais dos vizinhos entram na terra e

comem as plantações da comunidade indígena. A comunidade está muito desanimada com a

demora.

Mato Preto: Solicitam que a FUNAI assegure o direito à terra tradicional, garantindo a

continuidade do procedimento demarcatório uma vez que o relatório de identificação da área foi

publicado. É necessário agilidade na análise das contestações apresentadas como resultado do

direito ao contraditório das partes interessadas. A comunidade aguarda com expectativa a

publicação da portaria declaratória da área.

Irapuá: Agora que finalmente saiu a publicação de identificação e delimitação da área,

solicitam rapidez nos demais passos do procedimento demarcatório, principalmente para que se

possa estruturar comunidade e construir as casas longe da beira da estrada.

Estrela Velha: O GT é do início de 2008 e ainda não foi concluído. A TI Kaguy Poty é uma

das áreas mais tranqüilas para os estudos e conclusão do procedimento de demarcação no estado,

pois os não-indígenas têm vontade de sair. Por causa da demora do GT, estão começando a mudar

de ideia, e conflitos podem ocorrer. Exigem que os responsáveis pelos estudos de identificação e

delimitação sejam cobrados pela FUNAI para apresentar imediatamente o relatório de forma

definitiva.

Capivari, Lomba do Pinheiro, Estiva e Lami: Para estas antigas terras guarani houve o

compromisso da Funai de que o Gt seria constituído ainda no governo passado. A Funai não

cumpriu com seu compromisso. São situações difíceis, em função de nas áreas viverem muitas

famílias, que aguardam com ansiedade pelos encaminhamentos da Funai. Exigem que o prometido

seja cumprido, e essas terras sejam contempladas e demarcadas com a criação de GT`s.

Itapuã, Ponta da Formiga, Morro do Coco, Arroio do Conde, Petim e Passo Grande:

Estas terras tiveram os estudos de identificação e delimitação realizados nos anos 2008 e 2009. O

relatório foi concluído e entregue para a Funai. Exigem que o órgão indigenista proceda à análise e

publique o referido estudo. Vale ressaltar que as comunidades vivem em pequenas áreas e aguardam

pelo efetivo reconhecimento de suas terras.

Coxilha da Cruz: Aguardam por uma solução para a completa regularização do Tekoá

Porã,desapropriada pelo governo estadual em 2000, mas até hoje não foram pagas as indenizações.

O governo estadual não cumpriu com o protocolo de intenções para terminar o pagamento.

Atualmente a comunidade ocupa apenas a metade da área desapropriada.

Mata São Lourenço e Esquina Ezequiel: A Mata São Lourenço é uma das poucas áreas

com matas boas na região das Missões. A FUNAI deve encaminhar um GT, antes que essa mata seja

devastada para dar lugar à monocultura da soja. A Esquina Ezequiel, nas margens do Arroio Piratini,

deve estar junto com o GT da Mata São Lourenço, pois também é uma área importante para a

formação de aldeia na região das Missões.

Acampamento de Santa Maria: A situação das famílias acampadas no município de Santa

Maria necessita de atenção da FUNAI. Estão numa pequena faixa de terra na beira da BR 392, e

correm riscos quando vão buscar água e comercializar seus produtos. Aguardam por uma solução

para melhorar as condições de vida da comunidade. A comunidade reivindica que a Funai proceda

aos estudos de uma área para o assentamento das famílias.

Águas Brancas: Exige-se que a Funai conclua o procedimento de demarcação da TI Águas

Brancas, pois a portaria declaratória desta área foi publicada há mais de uma década.

Enfim, todas as comunidades têm muita preocupação por causa das incertezas quanto ao

futuro, principalmente porque eles não têm terra para plantar e dela extrair o sustento. O modo de

pensar e viver dos Guarani é bem diferente dos Juruá. Os Guarani sempre procuram o bem viver,

viver tranquilo, plantar para o consumo das famílias. Os brancos usam a terra como mercadoria e

não pra vida.

Os Guarani entendem que essas reivindicações são legítimas e cabe ao governo respeitar a

Constituição Federal demarcando as terras tradicionais. Exigimos também que sejam cumpridas as

normas e convenções internacionais, especialmente a Convenção 169 da OIT, sobre questões que os

afetam, como tem sido os empreendimentos de duplicações de estradas e barragens que cortam e

inundam as terras.

CONELHO DE ARTICULAÇÃO DO POVO GUARANI/CAPG. Documento entregue à Funai, MPF e outros órgãos públicos.

4 O ESTADO BRASILEIRO AFRONTA OS DIREITOS INDÍGENAS NA DUPLICAÇÃO

DAS BR's 116 E 290.

Se hoje, no início do século XXI, o Brasil se arvora por estar se tornando um país gigante na

economia mundial, nem todos segmentos da população têm motivos para comemorar. Para os povos

indígenas, os quinhentos e poucos anos de construção do Brasil significou sucessivas e

intensificadas perdas, pois o desenvolvimento que ora atinge o seu auge sempre foi, e segue sendo,

às custas da expropriação das terras indígenas e dos diversos modos de explorá-las.

Fora da região norte, última fronteira da expansão colonial, a situação é calamitosa. As terras

que restaram para os índios, em geral, são ínfimas, redutos para a mera sobrevivência física, quando

muito. A situação guarani no sul e sudeste do Brasil apresenta a face perversa da colonização nos

dias atuais, pois os representantes daqueles que ocupavam grandes extensões territoriais no cone sul

americano, ao longo das bacias dos formadores do Rio da Prata (rios Uruguai, Paraná e Paraguai)

são sistematicamente desprezados pelos governos dos diversos países e pelas sociedades nacionais.

O modo de distribuição espacial mbyá-guarani é resultante do histórico de perdas territoriais

ocorridas durante a longa experiência desse povo diante das agências coloniais europeias

(espanholas e portuguesas, nos primeiros séculos; alemãs, italianas, polonesas e outras, nos últimos

150 anos, aproximadamente). O avanço progressivo sobre suas terras promoveu a dispersão de

pequenos grupos familiares que se posicionaram nos interstícios da ocupação colonial.

Os Guarani, diante deste avanço, procuraram os fragmentos de matas restantes para ali

estabelecerem suas aldeias. O cenário resultante da instauração do regime de propriedade privada

diminuiu radicalmente o volume de áreas florestadas, e restringiu o acesso indígena a elas. Em

virtude da escassez cada vez maior destas áreas, uma das alternativas encontradas foi refugiarem-se

nas beiras de estrada para a construção de suas casas, e a partir dali manejarem as pequenas matas

que restaram na região. É o que ocorre nas BR's 116 e 290, na região centro-sul do RS.

No processo de licenciamento das BR's 116 e 290, os Guarani foram consultados no âmbito

dos estudos de impactos ambientais. No momento em que necessitava da licença, o DNIT,

responsável pelas obras, conduziu a construção de acordos com os Guarani. Contudo, após obterem

a licença, o DNIT simplesmente comunicou que não irá cumprir com o acordo, numa absoluta

afronta do Estado aos direitos indígenas, expressos na Constituição Federal:

Art. 231. São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e

tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à

União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. § 5.º É vedada a remoção dos

grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de

catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País,

após deliberação do Congresso Nacional, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato

logo que cesse o risco.

O Estado brasileiro viola também o disposto na Convenção 169 da Organização

Internacional do Trabalho, da qual é signatário:

Artigo 169.

1. Com reserva do disposto nos parágrafos a seguir do presente Artigo, os povos interessados não

deverão ser transladados das terras que ocupam.

2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento desses povos sejam considerados

necessários, só poderão ser efetuados com o consentimento dos mesmos, concedido

livremente e com pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu

consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realizados após a conclusão de

procedimentos adequados estabelecidos pela legislação nacional, inclusive enquetes

públicas, quando for apropriado, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de

estar efetivamente representados.

3. No caso da duplicação das BR's 116 e 290, o que vemos é o Estado brasileiro obter o

consentimento dos Guarani para, imediatamente após a obtenção da licença, e quando

deveria iniciar a execução dos termos acordados, negar-se a cumprir com o que se

comprometeu, num processo conduzido pelo próprio DNIT. Logo, encaminha-se aqui a

reivindicação de que o Estado brasileiro, através de um de seus principais braços

empreendedores, o DNIT, cumpra com o que foi acordado com os Guarani.

5 ICMS ECOLÓGICO: POSSIBILIDADES DE UM NOVO INCENTIVO E APOIO AOS

POVOS INDÍGENAS.

O ICMS Ecológico foi criado para ajudar a criar um modelo de gestão ambiental

compartilhada entre os Estados e municípios no Brasil. A partir dele se consegue trabalhar temas

como a conservação da biodiversidade, o apoio a pequenas comunidades rurais e incentivo aos

povos indígenas no que se refere à preservação ambiental e ao apoio as produções agrícolas

autossustentáveis.

O ICMS ecológico se tornou possível graças a uma brecha legal alcançada pelo artigo 158

da Constituição Federal brasileira que permite aos Estados definir em legislação específica, parte

dos critérios para o repasse de recursos do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços –

ICMS, que os municípios tem direito. Neste caso a denominação ICMS Ecológico faz jus na

utilização de critérios que focam temas ambientais.

Nascido para dar uma espécie de compensação financeira aos municípios que possuíam

restrição do uso do solo em seus territórios para o desenvolvimento de atividades econômicas

clássicas, o ICMS Ecológico tinha tudo para se transformar numa ferramenta estéril, acrítica, uma

espécie de “chancelador” puro e simples para o repasse dos recursos, mas felizmente foi, e está

sendo possível transformá-lo em muito mais do que isto. O ICMS Ecológico tem representado um

instrumento de compensação, mas acima de tudo “incentivo” e em alguns casos, como

“contribuição” complementar à conservação ambiental.

No Rio Grande do Sul a lei estadual, Nº 12.907, DE 14 DE JANEIRO DE 2008. (publicada

no DOE nº 010, de 15 de janeiro de 2008) e que altera a Lei nº 11.038, de 14 de novembro de 1997,

dispõe sobre a parcela do produto da arrecadação do ICMS pertencente aos municípios. No inciso

III ficou estabelecido 7% (sete por cento) com base na relação percentual entre a área do município,

multiplicando-se por 3 (três) as áreas de preservação ambiental, as áreas de terras indígenas e

aquelas inundadas por barragens, exceto as localizadas nos municípios sedes das usinas

hidrelétricas, e a área calculada do Estado, no último dia do ano civil a que se refere a apuração,

informadas em quilômetros quadrados, pela Divisão de Geografia e Cartografia da Secretaria da

Agricultura , Pecuária e Agronegócio.

É necessário que os municípios repassem os recursos correspondentes para as comunidades

indígenas.

6 ORGANIZAÇÃO DO PPA/RS ESPECÍFICO E DIFERENCIADO PARA OS POVOS

INDÍGENAS A PARTIR DE SETORIAL INDÍGENA.

Devido às experiências anteriores sobre a participação dos indígenas nos Seminários

Regionais que tratava sobre o Orçamento participativo, essa população se tornava insignificante na

disputa pelo Orçamento, pois como essa participação era pequena ela não conseguia garantir suas

propostas, frente a uma população d massa de não indígenas.

Nesse sentido, entendemos que se o Poder Executivo se propõe a construir Políticas Públicas

contemplando essa parcela da população, respeitando a sua especificidade, e, principalmente,

atendendo a legislação, conforme o Decreto nº 5.051/2004, que promulga a convenção Nº 169 de

Organização Internacional do trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais. Artigo 6o

1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente,

através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou

administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;

b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo

menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de

decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis

pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;

c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e,

nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.

2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de

maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o

consentimento acerca das medidas propostas.

E ainda, a LEI N º 12.004/2003, que Dispõe sobre a criação do Conselho Estadual dos Povos

Indígenas – CEPI - Art. 3° - Será de competência do Conselho Estadual dos Povos Indígenas:

I - propor diretrizes para a política indigenista estadual, com objetivo de incentivar a

continuidade cultural das comunidades indígenas, garantindo-lhes os direitos que lhe são

constitucionalmente assegurados;

II - elaborar projetos que visem à implementação, por parte do Estado, de ações nas áreas

da saúde, educação, cultura, saneamento, habitação, agricultura, pecuária e outras atividades de

sustentação e meio ambiente, considerando as especificidades de cada comunidade indígena;

III - acompanhar a elaboração da proposta orçamentária dos órgãos de governo,

nas questões relacionadas às comunidades indígenas, propondo prioridades e alterações; faz-se

necessário que o estado proponha outra metodologia de participação do povo indígena no

Orçamento do Estado; tendo em vista que essa população esteve, praticamente, nos últimos anos a

margem do processo de Desenvolvimento.

7 ASSITÊNCIA EM SAÚDE

No que se refere à assistência em saúde, é urgente o cumprimento das normas legais

estabelecidas pela Lei Arouca (Lei 9836/99), bem como as decisões judiciais que determinam o

atendimento imediato, por parte da SESAI, a todas as comunidades indígenas, independentemente

de onde elas estão localizadas. A política de saúde e saneamento deve ser estendida aos indígenas

que se encontram em seus territórios tradicionais ou naqueles não demarcados/homologados,

também denominados como acampamentos.

8 NORMATIZAÇÃO ESPECÍFICA PARA ATENDIMENTO À EDUCAÇÃO ESCOLAR

INDÍGENA

O Estado precisa criar o Conselho Estadual Escolar Indígena como órgão que irá tratar

especificamente sobre a Educação Indígena. É necessário criar um Sistema próprio de Educação. A

legislação nacional é muito ampla e os estados precisam, em conjunto com os indígena,s construir

suas própria norma legal. Conforme Resolução do CNE/ CEB n° 03/99 do Conselho Nacional de

Educação/ Câmara de Educação Básica. Compete aos estados: Artigo 9º, II letra a)

responsabilizar-se pela oferta e pela execução da Educação Escolar Indígena; letra b)

regulamentar administrativamente as escolas indígenas, nos respectivos estados, integrando-as

como unidades próprias, autônomas e especificas no sistema estadual; Letra c) prover as escolas

indígenas de recursos humanos, materiais e financeiros para o seu pleno funcionamento. Art. 2º

Constituirão elementos básicos para a organização, a estrutura e o funcionamento da escola

indígena: II – ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas, como uma das

formas de preservação da realidade sociolinguística de cada povo.

9 REPASSE DOS TERRENOS (URBANOS), ONDE ESTÃO OS INDÍGENAS, PARA A

UNIÃO

A FUNAI deverá construir uma Política de atendimento aos indígenas no meio urbano, ou

seja, regularizar os terrenos que hoje pertencem aos municípios e estados onde estão acampados os

indígenas Guarani, Caingangue e Charrua para que a União, por ter competência privativa de

legislar sobre os indígenas, dar um atendimento diferenciado, conforme a legislação vigente. Além

do mais é uma reivindicação antiga dos indígenas, pois muitas vezes, a não aplicação de recursos

públicos da união nessas áreas fica restrita, seja na saúde, educação.

10 REUNIÃO INICIAL DA SUBCOMISSÃO

Aos vinte e cinco dias do mês de junho de dois mil e doze estiveram reunidos os caciques

representantes dos povos indígenas Guarani e Kaigang; membros dos gabinetes dos deputados

Edegar Pretto, Jeferson Fernandes e Miki Breier; o assessor especial da CCDH, professor

Trombetta, e representantes das secretarias do estado que lidam com esta temática, bem como os

representantes das entidades ( CIMI, CAPG, UNEGRO e COMIN) que acompanham as questões

relacionadas a este tema em nível estadual. Para começar a reunião o coordenador Trombetta deu as

boas vindas aos presentes e reafirmou a importância deste grupo na elaboração de um cronograma

de trabalhos propositivos a partir do seminário realizado em 2011 e da audiência pública realizada

em 2012, ambos por ocasião às celebrações do Dia do Índio (abril de cada ano). Em seguida o

deputado Jeferson Fernandes deu as boas vindas a todos e reforçou a importância desta subcomissão

e, acima de tudo, o compromisso que esta casa tem em relação aos povos indígenas. A primeira

intervenção feita foi a do senhor Ederson Silva, representante da SDR, que destacou o trabalho feito

pela secretaria e, como surpresa, destacou situações nas quais acampamentos indígenas enfrentam

dificuldades para conseguirem alimentações via cestas básicas – destacou que são distribuídas

somente oito cestas básicas e com isto quatro meses as comunidades não recebem nada. Além disso

destacou todo o trabalho feito durante o primeiro ano no qual as preocupações fundamentais

estiveram voltadas às questões da terra, ou, em outras palavras, dos que resistem às demarcações- os

proprietários. Neste contexto o senhor Ederson justificou e explicou que os que perderam foram os

indígenas. Outros pontos destacados por Ederson nesta intervenção reforçaram a ideia da

demarcação, das políticas públicas e da necessidade das comunidades indígenas serem inseridas

neste debate e no planejamento das ações. Na sequência passamos a palavra ao senhor Rodrigo,

representante da secretaria da Educação do RS, que enfatizou a ideia de que os maiores problemas

estão relacionados à questão das rodovias, estaduais e federais, e que neste contexto o DNIT e a

FUNAI, órgãos federais, devem ser chamados à responsabilidade. Em sintonia com as falas do

senhor Ederson, o Rodrigo corroborou a ideia de que se faz necessário um Plano para o

Desenvolvimento das comunidades Indígenas. A conclusão, quase que inevitável, segundo esta

intervenção passa pelo tema terra e os avanços que devem se concretizar a partir de 2012. A

irregularidade na entrega das cestas básicas foi o tema recorrente nesta duas intervenções e isso

culmina, segundo os dois debatedores iniciais, com a reforma das habitações às margens das

rodovias que atualmente enfrentam uma morosidade incompreensível. Houve, em 2011, segundo

Ederson, um investimento de R$ 250.000,00 com os povos indígenas e que para 2012 a previsão é

de um investimento de R$ 500.000,00. Neste momento da reunião o senhor Rodrigo sugeriu que se

incluísse na pauta a questão do etnodesenvolvimento a partir de políticas públicas dirigidas aos

indígenas (este tema foi reforçado pelo senhor Inácio). Dando continuidade a reunião o coordenador

Trombetta passou a palavra ao cacique Santiago Franco que descreveu o sofrimento dos povos

indígenas e reiterou a necessidade desta comissão realizar este trabalho de diagnóstico e, acima de

tudo, de proposições objetivas capazes de resolver os problemas vivenciados por todas as

comunidades. O cacique destacou que, de fato, o sofrimento dos indígenas é muito grande. A

senhora Evanir Kich, representante do COMIN, reforçou as ideias debatidas até então e enfatizou a

urgência destas ações idealizadas por esta subcomissão. Em sintonia com estas colocações está a

intervenção da senhora Maria Ione Pilger, membro do COMIN, que destacou os contatos feitos até

então pela CCDH e as reuniões prévias tidas com os caciques Charrua. Em sua fala destacou a

necessidade de um cronograma de trabalho e o envolvimento e comprometimento dos

parlamentares. Em sequência aos debates preparatórios aos trabalhos da subcomissão falou a

senhora Rabeca Peres da Silva (CIMI) que diz ser esta uma iniciativa muito importante e que o

senhor Roberto falaria pelo Conselho. O senhor Roberto Antonio Liebgott, membro do CIMI, em

suas colocações enfatizou a necessidade de compreendermos as atribuições dos poderes Legislativo

e Executivo e disse que, de fato, a realização de um diagnóstico sério é fundamental a esta

empreitada e que, segundo sua compreensão, a execução dos projetos é o segundo passo. Esta

hipótese é reforçada a partir das experiências que o mesmo teve a frente do CIMI. Destacou que os

órgãos federais devem ser chamados ao compromisso e que não podem fugir aos seus deveres.

Disse também que existe um sofrimento histórico dos povos indígenas, principalmente os que

vivem às margens das rodovias estaduais e federais. O sofrimento, segundo Roberto, se manifesta

através da fome, das doenças e no descaso dos branco e dos governos em relação aos

acampamentos nos últimos anos. Em seguida se manifestou o cacique Kaigang Antônio dos Santos;

em sua fala houve um clamor humano por justiça, pois, segundo colocações deste, os indígenas

ajudaram a construir o Brasil e que os brancos têm responsabilidades sobre os atos que cometem. O

sofrimento decorrente da falta de atenção dos governos resulta nas péssimas condições de vida dos

diferentes povos indígenas. O cacique fez um apelo: “Não se desliguem de nós! Olhem para nós!

Somos Gente!” Seguindo as colocações anteriores o cacique Valdomiro Vergueiro disse que em São

Leopoldo residem 35 famílias sobre 2,5 hectares de terra e que nos últimos cinco anos nasceram

doze crianças e destas morreram cinco. Enfatizou que este espaço de terra não é suficiente para

todos os habitantes e que o artesanato é o único meio de trabalho capaz de lhes proporcionar

condições de vida mínima. Depois da primeira rodada de intervenções o coordenador Professor

Trombetta passou a palavra ao deputado Jeferson Fernandes que propôs uma pauta com os

seguintes pontos: a) organização de um roteiro de visitas em todas as comunidades indígenas do

RS; b) elaboração e um diagnóstico sobre a realidade de cada um dos acampamentos; c) realização

de uma audiência pública (marcada para 08 de agosto de 2012 no Plenarinho: sala João Neves da

Fontoura) com o intuito de debater a questão da demarcação das terras indígenas (nesta audiência o

grupo deliberou que os seguintes órgãos e pessoas serão convidados: FUNAI, DNIT, Ministério

Público Federal, o antropólogo João Pacheco de Oliveira, as comissões de Direitos Humanos da

Câmara e do Senado Federal, o senhor Antônio Alves da SESAI, a doutora Débora do Prá da Sexta

Câmara de Brasília. Nesta audiência pública o tema a ser discutido girará em torno da demarcação

das terras indígenas. Ainda nesta reunião, e isto ficou em aberto, foi pautada a questão da

infraestrutura mínima necessária à realização da audiência pública: transporte dos indígenas e

alimentação (estes pontos não foram fechados, pois nenhum dos presentes soube apresentar uma

saída concreta). Na sequência da reunião outras interferências foram feitas pelos participantes, mas

todas elas com o sentido de garantir a pauta de trabalho nestes próximos cento e vinte dias sempre

tendo presente o diagnóstico e as sugestões para sanar os grandes problemas enfrentados pelos

indígenas. Como sugestão prática e pedagógica o senhor Rodrigo propôs a elaboração de um vídeo

de aproximadamente cinco minutos para ser usado como subsídio aos trabalhos de deputados,

educadores e demais interessados. A ideia foi acatada e a CCDH verá as condições para a

concretização da mesma. Na reunião, além do temas de pauta: demarcação das terras, saúde nas

aldeias, educação e discriminação dos estudantes índios na UFRGS, acampamentos indígenas nas

rodovias 116, 101, 040, 386, a prisão dos indígenas em celas comuns, também houve a proposta de

um grande seminário no mês de outubro para tratar de proposições e sugestões capazes de melhorar

a qualidade de vida dos indígenas. Neste contexto o senhor Gomes, coordenador da bancada do PT,

afirmou este ato teria caráter nacional (com a presença de ministros e responsáveis por estas pastas).

Depois de duas horas de debate o coordenador passou a palavra ao deputado Jeferson Fernandes

que concluiu entusiasticamente os trabalhos.

11 RELATO DE VIAGEM A FREDERICO WESTPHALEN, IRAÍ E CARAZINHO

Entre os dias vinte e nove de junho e primeiro de julho, Luis Carlos Trombetta e Santiago

Franco (cacique Guarani), representando a CCDH,LA, estiveram realizando uma “diligência” nos

municípios de Frederico Westphalen, Iraí e Carazinho com o intuito de verificar a realidade dos

povos indígenas e também do Conselho Missionário Indigenista. A caminhada começou as sete

horas da manhã de sexta e encerrou-se as 17 horas do domingo. O primeiro encontro formal foi

realizado na Cúria Metropolitana da Diocese de Frederico Westphaln; neste encontro

compareceram: Mário Rodrigues de Oliveira, membro do CIMI de Iraí; Moisés Cargnen, membro

do CIMI de Taquaruçu do Sul; Monsenhor Luis Dalacosta, representante da diocese; cacique

Santiago Franco (representante indígena Guarani) e Luis Carlos Trombetta, coordenador da

CCDH,AL. A reunião começou as quatorze horas, presidida por Luis Carlos Trombetta, este

destacou as finalidades e objetivos da subcomissão que tratará as questões indígenas. Em seguida, o

coordenador passou a palavra ao senhor Moisés que passou a relatar o que segue: a sede do CIMI na

cidade de Iraí é bastante modesta e tem uma pequena sala que comporta em torno de sete pessoas,

tem telefone convencional conectado a Internet, máquina de fotocópia ou xerox, mesa e algumas

cadeiras. Destacou que não tem nenhum funcionário remunerado e ou fixo para atender as

demandas e que são os próprios funcionários do CIMI que fazem a manutenção básica: limpeza e

eventuais trocas de equipamentos. Tanto o senhor Moisés quanto o senhor Mário destacaram que

toda a região norte do RS é atendida por eles e que o espaço territorial é muito abrangente. Nas

colocações feitas por estes dois conselheiros do CIMI transpareceu que este é um trabalho

voluntário e que as suas iniciativas é que possibilitam um atendimento mínimo a estas

comunidades. Os dois não são liberados para trabalhar com as questões indígenas. Na sequência das

exposições o senhor Mário destacou que em 2012 não houve um planejamento de médio prazo

como ocorrera em 2011, pois os recursos para isto são mínimos. O que os dois colaboradores

destacaram é que acontecem planejamentos semanais, principalmente a partir das demandas

surgidas durante a semana anterior.

As exposições continuaram e os conselheiros explicitaram que a prioridade é o atendimento

dos 11 acampamentos da região e que, muitas vezes, não ocorre um atendimento “a contento”

devido a falta de recursos do Conselho. Um fato singular que ambos destacaram é a parceria e ou

apoio da Diocese de Frederico Westphalen e a Arquidiocese de Passo Fundo. Em consonância com

estas colocações o senhor Mário disse que entre seis e oito de julho de 2012 acontecerá um

planejamento no estado do Paraná no qual o intuito principal será o de definir questões financeiras

do conselho. Até o presente momento o CIMI disponibiliza um automóvel Gol/modelo 2012 ao

trabalho de ambos. Mas o que é problemático, segundo os conselheiros, é conseguir recursos para a

formação e para concretizar as lutas em favor de terra e saúde.

Em seguida, moderado pelo coordenador, os conselheiros passaram a relatar a dura realidade

deles no Norte do RS. O primeiro cenário descrito envolve a realidade de Vicente Dutra. Neste

município existe um conflito explícito entre os agricultores e os indígenas. Ambos colocaram que

nesta cidade já tem o processo de DESINTRUSÃO dos agricultores e que falta agora o Estado

indenizar os agricultores e, logo em seguida, retirá-los das terras indígenas.

Uma segunda situação relatada foi o caso de Mato Preto em Erebando. Neste contexto,

segundo os conselheiros, já existe o levantamento fundiário, mas falta a Portaria Declaratória; é a

partir deste ato que se encaminha a indenização dos agricultores. É só depois disto que os índios

poderão ocupar as terras. Neste contexto todo o entrave esbarra no Ministro da Justiça, pois este

precisa deferir a liminar. Os relatos demonstram que em Erebango existem onze famílias. A área

total a ser demarcada gira em torno de 4.230 acres de terra. O que intriga os conselheiros neste

processo todo é a demora da decisão ante a existência do relatório antropológico circunstanciado

que já foi publicado há mais de um ano e que o ministro não delibera. Diante da questão terra os

senhores Márcio e Moisés relataram a seguinte lista que consta as áreas das terras indígenas do

norte do estado do RS que necessita de decisões objetivas e imediatas: 1) São Roque (kaingang) -

Erexim; 2) Xingu/Chêg'gu (kaingang) – Constantina; 3) Campo do Meio (kaingang) – Gentil; 4)

Carazinho (kaingang) – Carazinho; 5) Lajeado do Bugre (Kaingang) – Lajeado do Bugre; 6) Mato

Castelhano (kaingang) – Mato Castelhano; 7) Mato Preto (Guarani Nhandeva) – Erebango; 8) Passo

Grande da Forquilha (kaingang) – Cacique Doble; 9) Rio dos Índios (kaingang) – Vicente Dutra;

10) Votouro/Kandoia (kaingang) – Faxinalzinho; 11) Faxinal (Kaingang) – Água Santa; 12)

Borboleta (kaingang) – Salto do Jacuí; 13) Cacique Doble (kaingang) – Cacique Doble; 14)

Carreteiro (kaingang) – Água Santa; 15) Guarita (kaingang e Guarani) – Redentora; 16) Inhacorá

(kaingang) – São Silvério; 17) Kaingang de Iraí (kaingang) – Iraí; 18) Ligeiro (Kaingang) –

Charrua; 19) Monte Caseros (kaingang) – Caseiros e Gentil; 20) Rio da Várzea (kaingang) –

Liberato Salzano; 21) Serrinha (kaingang) – Ronda Alta, Três Palmeiras e Constantina; 22) Ventarra

(kaingang) – Erebango; 23) Votouro (kaingang) – Benjamim Constante do Sul; 24) Votouro Guarani

(Guarani Nhandeva) – Benjamim Constante do Sul; 25) Nonoai (kaingang) – Nonoai, Rio dos

Índios, Gramado dos Loureiros e Planalto; 26) Salto do Jacuí (guarani) - Salto do Jacuí; 27)

Inhacapetum (guarani) – São Miguel das Missões.

A questão da Demarcação das Terras Indígenas, conforme combinação prévia, será debatia

em Audiência Pública no Plenarinho da AL, em 08 de agosto de 2012 e também em Frederico

Westphalen, ou em 13 ou 20 de agosto próximo. Neste debate os protagonistas devem ser os

indígenas, atingidos pela falta de política objetiva a eles. Neste cenário a questão do transporte dos

indígenas às audiências públicas apareceu com um dado prioritário.

Um segundo tema trabalhado na Cúria foi o que se relaciona a infraestrutura. Neste aspecto

o senhor Mário destacou que a luta do CIMI e das próprias comunidades está ligada a questão da

autossustentação, pois isto gera mais dignidade. O conselheiro acrescentou “temos que lutar para

que a terra seja garantida a todas as comunidades, pois ela é pré-requisito da dignidade dos povos

indígenas”. A Cesta Básica é o primeiro passo, mas não o fundamental. O que interessa, de fato, é o

apoio aos projetos e às políticas agrárias para a viabilização das comunidades indígenas. Neste

contexto a questão do maquinário, das sementes, da adubação, etc. vem como um complemento

significativo. O grande problema enfrentado pelas comunidades, segundo colocações, é a omissão

do Estado e do governo Tarso em não assumir a Desintrusão dos agricultores.

A angústia dos conselheiros e do cacique Santiago se manifestou em várias intervenções.

Eles, corroborando este clima, afirmaram categoricamente, que em Vicente Dutra ninguém assume

este compromisso. Também ratificaram que em Xingo, Mato Preto, Forquilha, Candóia e em outras

comunidades “todos lavam as mãos diante deste fato”.

Um fato que chama a atenção de todos é a negativa do secretário Ivar Pavan em aceitar

certas áreas como de direito indígena. Afirmaram que “o secretário assinou um documento no qual

o Estado do RS não reconhece nenhuma destas novas áreas indígenas” (com exceção das dez

primeiras da citação acima). Isto acontece mesmo já existindo o Estudo Antropológico e

Socioambiental destas comunidades. Neste cenário destacam que é de suma importância a

convocação do Secretário Ivar Pavan às Audiências Públicas.

Neste instante da reunião o grupo estabeleceu, como prioridade, a organização da Audiência

Pública na cidade de Frederico Westphalen na qual se deve estudar a possibilidade de transporte dos

indígenas de Carazinho, Vicente Dutra e outras cidades ao local do evento. Uma segunda Audiência

Pública que deve ser realizada é na cidade de Passo Fundo. Nesta as comunidades do entorno serão

chamadas: Mato Castelhano, Campo do Meio, Mato Preto e demais comunidades no entorno (como

Passo Grande, Candóia, etc.).

Quando chegamos no tema saúde a reclamação subiu o tom. Afirmaram que na passagem da

FUNASA para SESAI as coisas pioraram. Tudo ficou mais difícil: menos funcionários, menos

medicamentos, falta d'água, filas para o atendimento via SUS, falta de medicamentos e de

transportes aos doentes. O deslocamento dos doentes a longas distâncias nas situações que envolve

o atendimento à saúde.

Os conselheiros destacaram que, por incrível que pareça, a educação é o setor que “mais

funciona” entre as comunidades indígenas na região. O que acontece é a falta de documentação e

educação diferenciada aos povos indígenas. Como sugestão de trabalho apontaram os nomes de

Sandro Lukmann do COMIN e do Manoel (Manolo Boliviano) para trabalharem a questão da

educação e da auto sustentação destas comunidade do Alto Uruguai, norte do RS.

Neste momento os conselheiros assumiram o compromisso de elaborarem um roteiro para a

visitação e disponibilizarem aos deputados desta subcomissão e de seus colaboradores. Também

conversaram sobre a realidade das pessoas das comunidades desta região. O cronograma deverá ser

organizado e executado entre os meses de julho e outubro. Depois de diversas participações a

reunião foi concluída e o Cacique Santiago e o coordenador Trombetta partiram para a cidade de

Iraí para verificarem a situação existencial dos Kaigangs.

Na comunidade de Iraí acompanharam a exposição do artesanato na festa das laranjas; logo

em seguida foram ao encontro do cacique Jadir Jacinto, em sua própria aldeia (antigo aeroporto

municipal). O cacique destacou que a grande luta dos Kaigangs na aldeia gira em torno da terra

(garantir a posse). Na cidade de Iraí a principal atividade dos Kaigangs é o artesanato. No dia

estavam expondo seus produtos na Festa da Laranja que aconteceu no centro da cidade de Iraí, RS.

Também, nesta diligência, evidenciou-se a falta de atendimento à saúde dos indígenas (demora de

mais de um ano para procedimentos mais complicados). O cacique destacou que a educação está

bem: são mais de 350 estudantes frequentando aula atualmente. Constatou-se a existência de uma

escola dentro da reserva dos Kaigangs. Em consonância com este debate o cacique destacou que os

284 acres de terra são insuficientes para as cento e sessenta famílias que aí residem. Na comunidade

são muitas crianças brincando e sem muitas ocupações.

A terceira atividade aconteceu em Carazinho em outra comunidade Kaigang. Nesta, o

cacique que nos atendeu foi o Ivo Galles. Nesta comunidade o cacique destacou que são onze

famílias que fazem artesanato às margens da BR 386. No acampamento existem quarenta crianças.

As condições são difíceis: sem água, sem casa, sem condições mínimas de sobrevivência. O cacique

Ivo Galles destacou que mais famílias chegarão ao acampamento nos próximos dias. Nos dois

casos constatou-se a desconfiança dos indígenas em relação ao Judiciário, poder que, segundo eles,

“processas índios em caso de manifestações – estradas trancadas”.

Em todas as conversas foi destacada a preocupação dos deputados em relação as condições

de vida dos indígenas. Depois destas conversa nos deslocamos para Porto Alegre (domingo à tarde).

CONCLUSÕES

A partir das atividades realizadas é razoável afirmar:

1) A regularização das terras indígenas, por meio da demarcação, é de fundamental importância para a sobrevivência física e cultural dos vários povos indígenas que vivem no RS e no Brasil;

2) As terras indígenas, além de inalienáveis e indisponíveis, não podem ser objeto de utilização de qualquer espécie por outros que não os próprios índios;

3) A temática da terra, segundo diferentes depoimentos, é uma das mais importantes quando se trata da questão indígena no Rio Grande do Sul. Neste item é salutar destacar que muitas terras indígenas necessitam ser demarcadas no Estado;

4) A regularização das terras em territórios indígenas é um importante passo para se construir uma política pública verdadeira e eficiente aos povos indígenas, garantindo acesso à saúde, à educação e a atividades produtivas que permitam a subsistência com dignidade;

5) No RS, a população indígena vive em pelo menos 77 áreas, em diferentes estágios de demarcação e regularização;

6) Os investimentos governamentais do RS são insuficientes (R$ 250.000,00 em 2011 e uma estimativa de R$ 500.000,00 em 2012);

7) A estrutura de atendimento à saúde das comunidades indígenas é insuficiente e deixa muito a desejar (tanto pelos órgãos estaduais quanto pelos federais);

8) Os acampamentos às margens de rodovias estaduais e federais são fenômenos que preocupam as entidades indigenistas;

9) Os conflitos antropológicos e sociais que acontecem nos diferentes municípios do estado preocupam os administradores locais e podem fomentar uma onda de violência incomensurável se não forem solucionadas as questões da demarcação;

10) As mortes de crianças nos acampamentos indígenas urbanos devem ser monitoradas com mais atenção pelos diferentes órgãos governamentais;

11) O respeito às comunidades indígenas e os investimentos em políticas de desenvolvimento são condições indispensáveis ao futuro dos mesmos.

Como conclusão final é interessante ressaltar que a falta de políticas públicas claras à saúde, à educação, à habitação e ao desenvolvimento rural das comunidades indígenas no interior do RS está fazendo com que muitas famílias migrem para as margens de rodovias e cidades e isto, de fato, gera a perda de cultura, tradição e espiritualidade dos povos indígenas que habitam as terras gaúchas.

Porto Alegre, 13 de dezembro de 2012.

Deputado MIKI BREIER,

Relator.

ANEXO 1

OS DIREITOS HUMANOS DOS POVOS INDÍGENAS

OS POVOS GUARANI, KAINGANG E CHARRUA E A CONTÍNUA LUTA PELA GARANTIA DE SEUS DIREITOS!

Roberto Antonio LiebgottVice-Presidente do Cimi

1. Introdução

Para discutir os direitos humanos dos povos indígenas é importante levar em conta um conceito defendido por especialistas em matéria de direito e pelo que vem sendo debatido e refletido em fóruns, seminários e outros espaços que tratam do tema: “Direitos humanos são aqueles direitos inerentes à pessoa para assegurar a sua integridade física, psíquica, social e cultural. São valores caracterizados como constitutivos dos seres humanos”. Portanto, não são concessões de Estados ou de sociedades. Ao contrário, são conquistas que dizem respeito a todos e o poder público tem o dever de nortear suas ações a partir de tais direitos.

Há que se ter em conta, na análise deste tema, que a nossa Constituição Federal, especialmente o Capítulo VIII, artigos 231 e 232, fixa como garantias essenciais dos povos indígenas os direitos à terra e à diferença. Portanto, no que tange ao conceito acima referido e naquilo que reza a nossa Lei Maior, pode-se concluir que os povos indígenas receberam a atenção devida do legislador e o consequente amparo aos direitos individuais e coletivos. Contudo, ao olhar para povos indígenas, e, particularmente, para aqueles que habitam no Rio Grande do Sul, se evidenciam as graves questões que os afetam. São dezenas de comunidades que vivem em porções ínfimas de suas terras tradicionais ou acampadas nas margens de rodovias à espera de providências do poder público. Conclui-se que, na prática, o Estado e seus governantes não levam em conta os direitos humanos inscritos em leis, normas e tratados internacionais.

Nesta abordagem sobre os direitos humanos dos povos indígenas farei uma breve memória acerca das garantias estabelecidas pela Constituição Federal a estes povos. Na sequência apresento um relato histórico e contemporâneo sobre os três povos (Guarani, Kaingang e Charrua) que habitam tradicionalmente no Rio Grande do Sul, explicitando que as violações aos seus direitos humanos são históricas. Também especifico como estão estruturadas as políticas públicas para estes povos e, através de um quadro demonstrativo, aponto os dados sobre a situação fundiária das terras no estado.

Entre os temas abordados se consegue perceber algumas importantes conquistas quanto aos direitos inscritos nas leis e a sua aplicação prática no cotidiano. Saliento, no entanto, que estas se devem essencialmente à organização e mobilização dos povos e às alianças firmadas com diferentes seguimentos sociais, populares, igrejas, instituições e entidades no Brasil e no exterior.

2. Os Direitos Constitucionais

Com a promulgação da Constituição Federal no ano de 1988 se rompeu com a perspectiva política estatal da incorporação indígena à comunhão nacional, assegurando com isso o direito à diferença e consolidando garantias individuais e coletivas de todos os povos, base essencial de qualquer “direito humano”. A nossa Constituição passou a reconhecer os povos indígenas como portadores de organizações sociais próprias, com usos, costumes, crenças, tradições, línguas maternas e processos próprios de aprendizagem, os quais deveriam receber atenção respeitosa da sociedade e a proteção do Estado brasileiro.

O capítulo VIII, Dos Índios, é composto pelos artigos 231 e 232. Eles explicitam bem o reconhecimento à identidade cultural própria e diferenciada dos povos indígenas (organização social, costumes, línguas, crenças e tradições), bem como os seus direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. De acordo com este artigo: São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários ao seu bem-estar, e as necessárias à sua reprodução física cultural, segundo seus usos, costumes e tradições (art. 231, parágrafo 1º).

A partir deste marco constitucional se entende definitivamente que o Estado deve proteger as terras indígenas e demarcá-las sob duas formas de direitos territoriais: o primeiro, por meio do reconhecimento de direitos originários e imprescritíveis à posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes no solo, nos rios e lagos das terras de ocupação tradicional; e o segundo que, compete à União, o dever de demarcar as terras conforme os limites tradicionalmente ocupados, ou seja, de acordo com seus usos, costumes e tradições.

Esse reconhecimento do direito originário sobre as terras representa, em síntese, a garantia de continuidade da existência dos povos indígenas. O Estado brasileiro torna-se obrigado a reconhecer o caráter pluriétnico de sua população e ao mesmo tempo deve assegurar o direito à terra. De acordo com a Constituição Federal o conceito à posse indígena não se confunde com o conceito civil. Tanto é assim que o artigo 22, XIV afirma que compete à União “legislar sobre populações indígenas”.

É necessário fazer referência também ao que estabelece o artigo 20, XI da Constituição. Nele fica estabelecido que as terras tradicionais indígenas são bens da União, portanto a propriedade não é indígena. Essa norma explicita que não é somente a ocupação física da terra o objeto de proteção, mas assegura o direito à ocupação tradicional. Esta concepção mais adiante tomará corpo enfatizando que o uso tradicional da terra visa assegurar o desenvolvimento de atividades religiosas, a proteção das áreas sagradas, dos espaços culturais, tendo como referência o futuro do povo.

O direito à posse da terra, explicitado como direito originário e, portanto, que não depende de titulação, constitui-se num direito que precede sobre os demais direitos (Art. 231, caput). Do mesmo modo, o parágrafo 2º deste artigo estabelece que as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios se destinam à sua posse permanente e ao usufruto exclusivo das riquezas dos solos, rios e lagos. As terras são patrimônio da União. Os recursos hídricos nela existentes e as pesquisas de lavra mineral somente podem ser desenvolvidas mediante autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, que terão participação assegurada nos resultados da lavra, na forma da lei. Vale ressaltar, no entanto, que a possibilidade de ocupação e exploração dos recursos naturais em caso de relevante interesse público da União depende de lei complementar. Em relação a ocupações de boa fé, o mesmo artigo estabelece que a União indenizará as benfeitorias.

As terras indígenas são inalienáveis e indisponíveis e os direitos indígenas sobre elas são imprescritíveis, destacando-se o fato de que os povos indígenas não podem ser removidos de suas terras a não ser em casos de catástrofe, epidemia, ou em casos de interesse da soberania do país, com o referendo do Congresso Nacional, garantindo, em qualquer dos casos supracitados, o retorno imediato da população indígena, tão logo cesse o risco.

Já no artigo 232 afirma-se que “os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público Federal em todos os atos do processo”. Tal dispositivo configura-se em importante ferramenta de luta para os povos indígenas, uma vez que suas comunidades passam a ser consideradas entes com personalidade jurídica (não necessitando para isso de registros e estatutos específicos), dispensando inclusive a intermediação (tutela) de órgãos indigenistas em ações ajuizadas.

Faz-se necessário salientar que nas Disposições Transitórias (Artigo 67) foi estabelecido um prazo de cinco anos, a partir da promulgação da Constituição, para a demarcação de todas as terras indígenas. Esse prazo esgotou-se em 5 de outubro de 1993 e os governos não cumpriram com esta

determinação. Ainda hoje, no Brasil, existem mais de 600 terras indígenas a serem demarcadas.

3. Os Povos Guarani, Kaingang e Charrua

Apresento, de forma sucinta, alguns elementos acerca das culturas e das realidades dos povos Guarani, Kaingang e Charrua que habitam o Rio Grande do Sul, suas formas de ver o mundo, de se relacionarem com a natureza e a luta pela demarcação e garantia de suas terras como sendo espaços sagrados para o futuro.

3.1. O Povo Guarani

De acordo com muitos relatos históricos, o povo Guarani chegou a ser constituído por mais de quatro milhões de pessoas e ocupava especialmente a região de mata úmida dos rios da Bacia Platina, tendo chegado até a Bacia Amazônica. Também denominado Awá (termo que, em português, significa gente) é parte do grande tronco linguístico Tupi e pertence à família Guarani. Hoje, a população Guarani é superior a 280 mil pessoas em toda a América do Sul.

Os Guarani subdividem-se em grupos (parcialidades), assim definidos: Kaiowá (também referidos na literatura acadêmica como Kaiová, Kayová ou Paï-Tavyterã), Nhandeva (referidos ainda como Xiripá e Ava Katu Ete), os Mbyá e ainda Guaraios (Bolívia). As comunidades estão distribuídas em mais de 400 aldeias em quatro países da América do Sul. No Rio Grande do Sul são mais de duas mil pessoas vivendo em pequenas áreas de terra ou em acampamentos de beira de estrada.

Por ser um povo extremamente religioso, se relaciona com a terra como sendo espaço sagrado onde se estabelecem as relações com o mundo religioso, mítico e onde se estabelecem relações familiares, comunitárias e se desenvolvem os valores da reciprocidade. Em consequência disso, são avessos aos conflitos.

Na terra, espaço físico e simbólico, os Guarani cultivam uma grande variedade de plantas medicinais, frutíferas e para o alimento diário. Suas aldeias sempre foram construídas em lugares cobertos de mata e com muitas nascentes de água. Os Guarani denominam esses lugares de tekoha. O tekoha é o lugar físico – terra, mato, campo, águas, animais, plantas, remédios etc. – onde se realiza o teko, o “modo de ser”, o jeito de viver Guarani. Esse lugar tem que permitir que se realizem os rituais, as relações sociais, as ligações recíprocas entre as famílias e as atividades produtivas. A terra necessita ter água e mata, recursos de grande importância na vida, que asseguram as relações com o mundo espiritual dos Guarani. Indispensáveis são as áreas para plantio da roça familiar ou coletiva e a construção de suas habitações e lugares para atividades religiosas. Muitas das terras reservadas pelo Estado aos Guarani são pequenas, insuficientes, e não atendem aos critérios culturais, étnicos, religiosos e de subsistência.

Um aspecto importante da vida do povo Guarani diz respeito à palavra, que para eles é um importante elemento de constituição da pessoa e de elaboração contínua de seu modo de viver. Estudiosos como Curt Nimuendajú e Bartomeu Melià afirmam que os Guarani são “o povo da palavra”, e a prática de escutar e de falar configura sua organização social, política, religiosa. Graciela Chamorro afirma ainda que a espiritualidade Guarani é uma “experiência da palavra” ancorada em uma complexa teologia que só se pode observar frente a um estudo profundo e prolongado.

É pela palavra que a pessoa guarani vai sendo constituída, e essa produção se inicia antes mesmo do nascimento de um novo ser, ou de sua concepção propriamente dita. Para eles a vida se inicia quando um componente divino é enviado e se coloca a caminho, até chegar e fazer morada em um corpo Guarani. Essa porção divina é enviada em forma de palavra-alma e se torna pessoa à medida que vai sendo pronunciada, lida, inventada, através de palavras que são proferidas pelos pais, pelos líderes religiosos, pela comunidade, em diferentes momentos cotidianos e rituais. Observa-se, assim, que a palavra é um componente central no dia a dia dos Guarani e ela se converte em conselhos e ensinamentos (dos pais para os filhos, dos anciãos – karaí – para os jovens, e assim por diante).

Na atualidade, os Guarani lutam para manter suas formas tradicionais de vida , mesmo com

a intensa fragmentação de seu território e, em muitos casos, com a condição de habitantes de acampamentos, em barrancos e beiras de estradas. Brighenti (2010) discute, na obra Estrangeiros na própria terra, a forma como este povo restabelece sua identidade e suas vinculações com o território, frente às políticas estabelecidas pelos Estados brasileiro, argentino e paraguaio, que os trata como estrangeiros e recusa-se em demarcar territórios condizentes com as expectativas deste povo. A questão central que marca os conflitos atuais vividos pelos Guarani é a falta de espaços para viverem suas culturas e a necessidade crescente de estabelecerem diálogo com os Estados Nacionais que, na prática, não admitem a especificidade de suas formas de ocupação territorial e seu direito de acesso e usufruto deste território. Tal questão coloca para o povo Guarani a necessidade de atualização de seus discursos religiosos, no sentido de incorporarem neles a dimensão da luta política, conforme avalia o autor.

3.2. O Povo Kaingang

O nome Kaingang foi introduzido no final do século XIX por Telêmaco Borba. Antes disso, eles recebiam várias denominações. Embora sejam conhecidos pelo nome Kaingang, eles também se autodenominam Kanhgág. Falam a língua Kaingang, pertencente à família linguística Macro-Jê, e o português.

Quanto à cultura dos Kaingang, Ricardo Cid Fernandes, na sua tese de doutorado “Política e Parentesco entre os Kaingang: uma análise etnológica”, aborda o dualismo da organização social deste povo. Uma organização dualista é, de acordo com o autor, um tipo de classificação dos membros de uma sociedade em metades complementares. No caso dos Kaingang, as duas metades complementares são denominadas de Kamé e Kairu, sendo a metade Kamé composta pelas subdivisões Kamé e Wonhetky e a metade Kairu composta pelas subdivisões Kairu e Votor (FERNANDES, 2003). O dualismo Kaingang assenta-se na mitologia (descrita pela primeira vez por Telêmaco Borba), que narra a história de dois irmãos Kamé e Kairu que, após um grande dilúvio, saíram do interior da terra. A partir de então “Os irmãos mitológicos Kamé e Kairu não apenas criaram os seres da natureza, mas também as regras de conduta para os homens, definindo a fórmula de recrutamento às metades (patrilinearidade) e estabelecendo a forma como as metades deveriam se relacionar (exogamia)” (FERNANDES, 2003, p. 38).

A população Kaingang no Rio Grande do Sul é de aproximadamente 30 mil pessoas. Mas há dezenas de áreas e comunidades deste povo em São Paulo, Paraná, e Santa Catarina. Kimiye Tommasino (1998) afirma que os Kaingang formam um dos povos indígenas de maior contingente no Brasil. A pesquisadora avalia que os conflitos decorrentes da ocupação ocidental sobre as terras deste povo, engendraram transformações profundas no modo de vida Kaingang, especialmente porque destruiu as bases materiais de produção econômica, alterou os padrões tradicionais de abastecimento e, consequentemente, toda a organização social Kaingang.

Os Kaingang são tradicionalmente caçadores e coletores, mas a agricultura (em pequena escala) também era praticada no espaço entre a aldeia e as matas pertencentes a estes povos e nas encostas de morros - plantavam em especial milho pururuca, abóbora, amendoim e feijão vara. Os acampamentos fixos dos Kaingang eram, em geral, fixados na região de campos, e estes eram chamadas de emã (oujemã). Havia também acampamentos provisórios (wãre) nas florestas e beiras de rio para se abrigarem nos meses em que caçavam ou pescavam (TOMMASINO, 1998).

A forma de ocupação do território se dava de modo contínuo pelos grupos familiares e foi mantida até que as terras foram sendo colonizadas e expropriadas. Vale ressaltar que até os anos de 1940 e 1950, os Kaingang praticaram esses deslocamentos no interior de seus vastos territórios, quando ainda dispunham dos recursos florestais mais abundantes. Contudo, na atualidade a maioria deles vive em aldeamentos ou em periferias urbanas. Tommasino (2000) afirma que o processo de atração e de “pacificação” dos Kaingang teve por base as promessas de bem-estar e proteção, frente a um processo colonial em franca expansão. Além disso, eram oferecidos aos índios, para convencê-los a habitar somente os aldeamentos estabelecidos oficialmente, produtos que eles desconheciam: roupas, cobertores, miçangas, espelhos, instrumentos de ferro como machado, faca, serrote, objetos que os deixaram impressionados. A pesquisadora afirma que durante mais de um século os

Kaingang receberam esses "presentes" e acreditaram que os chefes brancos fossem generosos, tal como preconiza o modelo de chefia indígena. “É importante enfatizar a eficácia dessa estratégia - a distribuição de presentes e promessa de proteção - porque na cultura Kaingang a generosidade é o valor mais elevado e era esta qualidade que conferia prestígio político aos caciques ou Pai-bang” (TOMMASINO, 1998, p. 68).

Na atualidade, uma das alternativas econômicas para os Kaingang tem sido a produção do artesanato para comercialização em feiras, em praças, e outros espaços alternativos nas cidades em que habitam.

3.3. O Povo Charrua

Antes da colonização os Charrua eram milhares e habitavam a região pampeana, que compreendia parte do estado do Rio Grande do Sul e também da Argentina e Uruguai. Após o contato com os exploradores espanhóis e portugueses (que chegaram ao território Charrua através do Rio da Prata, em 1513), o que se sucedeu foi um grande extermínio. Referindo-se aos Charrua e Minuano da antiga Banda Oriental do Uruguai, Ítala Becker (1982, p. 93) escreve: “os colonizadores tornam-se cada vez mais donos dos animais e das terras, em pouco tempo, deixam os indígenas quase sem nenhum espaço para continuarem sobrevivendo e tendo suas vidas independentes”.

A mesma autora observa que, com relação à terra, entre os Charrua, parecia não haver uma delimitação individual e sim um usufruto coletivo do espaço ocupado pelo grupo. A tradição de uso coletivo dos recursos tornava desnecessária a apropriação e delimitação da terra por família ou núcleo familiar extenso. Assim, a prática da propriedade privada era totalmente estranha a este grupo, tal como aos demais povos ameríndios.

O povo Charrua foi particularmente vitimado pelas guerras e massacres, e os homens eram os alvos principais. Becker (1982) afirma, neste sentido, que em períodos de massacres se via muito comumente mulheres e crianças de menos de 12 anos poupadas do extermínio, espalharem-se entre vilas, povoados, estâncias e fazendas. Talvez por isso, na atualidade, os Charrua sejam um grupo tão disperso, com famílias que vivem em distintas regiões do Sul do Brasil, Argentina e Uruguai.

Vale ressaltar que os Charrua são citados em diferentes textos, particularmente naqueles associados à imagem e às tradições gauchescas. Para exemplificar, destaca-se, da literatura mítica de Jorge Salis Goulart (1978, p. 55), a seguinte afirmação: "estes exímios cavaleiros, estes laçadores, boleadores, magníficos tropeiros e lanceiros invencíveis, no campo de batalha, tinham a impetuosidade de um raio". Descritos como fortes, impetuosos e livres, esses índios tornaram-se símbolos de uma suposta raiz constituidora do povo gaúcho.

Conforme Lopes Neto (citado por DUTRA, 2011), a palavra charrua na língua Quíchua quer dizer “ribeirinho”. Contudo, assim como as tradições são reinventadas, também o significado ou o conceito dos nomes de povos são variáveis e continuamente ressignificados. Neste sentido a Cacique da comunidade Charrua de Porto Alegre Aquab, nos depoimentos e discursos proferidos em reuniões e audiências públicas faz questão de afirmar que a palavra Charrua quer dizer "chá abençoado por Deus, o pai Tupã". Ela também destaca que o povo se autodenomina Chonik, "os donos da terra". Essa denominação correspondia a uma das divisões internas dos Charrua tradicionais.

A comunidade Charrua de Porto Alegre tem uma população de 40 pessoas e ocupam nove hectares de uma terra cedida pela prefeitura, no bairro Lomba do Pinheiro. Nesta área há fonte de água, algum resquício de mata e de árvores frutíferas. Ali procuram viver reorganizando o modo de ser e refazendo os rituais dos ancestrais, como o Ketame (Dança da Lua), que celebra o nascimento das crianças. A comunidade está desenvolvendo estudos para recuperar partes de sua estrutura linguística.

As famílias Charrua, antes de receberem a pequena área de terra, viveram no Morro da Cruz, em Porto Alegre, e lá permaneceram por cerca de 40 anos. Andavam longas distâncias para conseguir água, e subsistiam dos empregos provisórios, reciclagem do lixo e venda de artesanato.

Foram reconhecidos como descendentes do povo Charrua pela Fundação Nacional do Índio

(Funai) no ano de 2007 (apesar de não haver necessidade de reconhecimento oficial, bastando a auto-afirmarão étnica, conforme a Convenção 169 da OIT). Esse reconhecimento se deu em função de um intenso processo de mobilização da comunidade ao longo dos últimos anos.

4. As terras indígenas no Rio Grande do Sul e a situação fundiária

Como se viu acima, a colonização se impôs violentamente contra os povos indígenas e os expulsou de suas terras, sendo divididas e loteadas pelo Estado, pelas oligarquias e pelas empresas de colonização. Expulsos das terras passaram a andar de um local para outro, sempre nas proximidades das áreas reivindicadas, tendo em vista a garantia da vida. Neste processo, as terras foram degradadas pela colonização. Pouco restou, no Sul do país, do que eram os territórios: áreas com matas, com animais para caçar, com rios e lagos. As terras, redutos sagrados, foram transformadas em fonte de renda, em capital especulativo através do plantio de grãos (soja, milho, trigo), através da implantação de grandes latifúndios (criação de gado e de grandes granjas da monocultura) e para a expansão imobiliária. E, nas últimas décadas, áreas que não serviam para a agricultura e nem para a criação do gado de corte e sobre as quais restavam recursos ambientais significativos ou, em muitos casos, em processo de extinção por causa da exploração indiscriminada da madeira, foram transformadas em reservas ou parques de preservação.

É importante referir que há 500 anos viviam no Brasil mais de 900 povos diferentes, com uma população de milhões de pessoas. Hoje são em torno de 240, com uma população, segundo o Censo do IBGE de 2010, de 817 mil pessoas. Do total de mais de 1.000 terras atualmente reivindicadas, em diferentes fases do procedimento demarcatório (reconhecimento oficial), estes povos ocupam um pouco mais de 50% dos territórios reivindicados.

Cabe aqui enfatizar que habitavam no espaço territorial do que é hoje o Rio Grande do Sul pelo menos 23 povos diferentes. Havia uma população de centenas de milhares de pessoas, sendo que atualmente é de pouco mais de 36 mil indígenas das etnias Guarani, Kaingang e Charrua.

O relacionamento desses povos com a natureza e com a terra sempre foi de profundo respeito. Diferente das práticas da sociedade eurocêntrica que invadiu rapidamente as suas terras para consumir e destruir. Na concepção da maioria dos povos, a terra é mãe e como tal precisa ser cuidada e protegida. Os Kaingang, por exemplo, cultuam a terra porque é dela que se faz toda a existência e sobre ela residem todas as coisas inclusive as espirituais. No caso dos Guarani a vida é entendida como um contínuo caminhar e esse caminhar se desenvolve num extenso território, ocupado ancestralmente. As famílias transitam de uma aldeia à outra.

Tradicionais ocupantes das terras litorâneas, os Guarani sentem-se impedidos de habitar a região e muito menos extrair o seu sustento. Os Kaingang que residem nos centros urbanos ou no seu entorno não conseguem coletar a taquara e o cipó para a confecção do artesanato e das cestarias, fonte de renda para a sua subsistência. Por essa razão circulam nestas áreas, acampando nas proximidades, movimentando-se sempre no entorno, ensaiando o regresso. Essa é a maneira de estabelecerem relações contínuas com seus lugares sagrados e com o mundo dos espíritos ancestrais.

Nas últimas décadas os povos indígenas, através de suas lutas, vêm obtendo importantes conquistas, no entanto, em sua grande maioria, as terras indígenas não foram demarcadas e/ou regularizadas. Algumas terras que hoje estão com os procedimentos demarcatórios concluídos ou em andamento situam-se no norte do Estado e nelas vivem mais de 85% dos indígenas Kaingang, especialmente nas áreas de Nonoai, Serrinha, Vontouro, Guarita, Ventarra, Cacique Doble entre outras. Em contraste, a grande maioria das comunidades Guarani vive em pequenas áreas de terras ou acampamentos na beira das estradas no centro do estado, no litoral e na região metropolitana de Porto Alegre.

4.1. Tabela das terras e da população indígena no Rio Grande do Sul

A tabela a seguir, foi elaborada a partir de dados oficiais divulgados pela Funai, bem como através de informações do Cepi/RS (Conselho Estadual dos Povos Indígenas), do CAPG (Conselho de Articulação do Povo Guarani do Rio Grande do Sul) e a partir de dados organizados pelo

Conselho Indigenista Missionário, Regional Sul. A tabela apresenta as terras demarcadas, aquelas que estão com os procedimentos

demarcatórios em curso e as terras sobre as quais o Governo Federal não tomou nenhuma providência, bem como os números que dispomos sobre a população que ocupa tais áreas.

Cimi Regional Sul - População Indígena no Estado do Rio Grande do Sul 2

Nº Terra e Povo Município Tamanho Situação População

POVO GUARANI: 43 terras

1. Ilha Grande (Guarani Mbyá)Palmares do Sul

(Lagoa dos Patos)? Reivindicam o direito à posse. 15

2. Irapuá (Guarani Mbyá) Caçapava do Sul 222

Acampamento na BR 290. Relatório Circunstanciado foi publicado em 26/01/2011

(Funai). Passou pela fase da contestação. Aguardando procedimentos.

80

3.Ka’amirindy/Água Grande

(Guarani Mbyá)Camaquã 165,34

Área adquirida pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul. Dec. Estadual 40.482 de

29/11/2000Aguardando pela criação do GT

45

4.Ygua Porá/Pacheca (Guarani

Mbyá)Camaquã 1.852

Criação do GT 1993.Declarada em 17/05/1996. Homologada em

01/08/2000. Registrada CRI 19/09/2000 e SPU 15/01/2001 (Funai).

62

5.Jataity/Cantagalo (Guarani

Mbyá)Viamão / Porto

Alegre286

Vivem em 47 hectares.GT de identificação em 1999.

Portaria do Relatório Circunstanciado 31/05/2000. DOU 02/06/2000.

Portaria do MJ demarcação física em 27/11/2003 (Funai).

Foi homologada, através do Decreto de 11/10/2007. DOU 15/10/2007. Registrada CRI

11-out-07 (Funai).Funai tem que indenizar famílias de não-

indígenas.

159

6.Tekoá Porã/Coxilha da Cruz

(Guarani Mbyá)Barra do Ribeiro 202

Vivem em 101 ha. Área adquirida pelo governo do Estado do RS. Aguardam desapropriação e

indenização aos ocupantes não-indígenas.130

7.Passo da Estância (Guarani

Mbyá)Barra do Ribeiro ?

Acampamento nas margens da BR 116. Impactada pela duplicação da BR 116.

30

8. Nhundy/Estiva (Guarani Mbyá) Viamão 07

Área sem documentação. De propriedade da Prefeitura que cedeu para a ocupação em substituição ao acampamento da Pimenta.

Aguardando criação de GT.

170

9. Lami (Guarani Mbyá) Porto Alegre ?Acampamento na margem da rodovia no Bairro

Lami-POA. Aguardando criação de GT.48

10. Porãi/Capivari (Guarani Mbyá) Capivari do Sul ?Acampamento RS 040. Aguardando criação do

GT.-68

11.Anheteguá/Lomba do Pinheiro

(Guarani Mbyá)Porto Alegre 10

Área particular do projeto Guarani PMG-Ong (extinta)área doada aos Guarani. Aguardando

criação do GT.

12. Granja Vargas (Guarani Mbyá) Palmares do Sul 43,32

Criação do GT em 1993. Portaria do MJ em 13/08/1999. Homologada, através do decreto no DOU 19/04/2001. Registrada CRI em 11/10/02

(Funai). Aguardam ampliação da área.

45

13.Guabiroba/Votouro (Guarani

Mbyá)Benjamin Constant

do Sul717

Homologada em 11/12/1998. Reg. CRI 04/02/1999. Reg. SPU em 15/01/2001(Funai).

134

14. Mato Preto (Guarani Mbyá)Erebango/Erechim/G

etulio Vargas4.230

Portaria para identificação e delimitação em 20/11/2009 (Funai).

O Relatório Circunstanciado foi publicado. Conclui-se a analise do contestatório.

A comunidade aguarda a Portaria Declaratória.

60

15. Arroio Divisa (Guarani Mbyá) Eldorado do Sul/Arroio dos Ratos

?Acampamento na BR 290. Impactada pela

duplicação da BR 290. Aguarda GT25

16.Pindó Mirim/ Itapuã (Guarani

Mbyá)Viamão ?

Portaria GT em 31/07/2008, DOU em 01/08/2008. Vivem em uma área de 24 ha, cedida

pelo governo do Estado, localizada ao lado do Parque de Itapuã. Aguardam publicação do

Relatório Circunstanciado junto com Morro do Coco e Ponta da Formiga.

50

2 No quadro, quando aparece o ponto de interrogação significa que a Funai não iniciou o procedimento demarcatório ou a área está em estudo, portanto sem a definição de limites e tamanho em hectares.

Cimi Regional Sul - População Indígena no Estado do Rio Grande do Sul

Nº Terra e Povo Município Tamanho Situação População

17.Nhu Poty/Passo Grande

(Guarani Mbyá)Barra do Ribeiro ?

Portaria de identificação e delimitação do GT em 17/08/2009. Acampamento BR 116. Impactada

pela duplicação. Aguardam conclusão dos estudos e publicação do relatório junto com Arroio do

Conde e Petim.

72

18.Salto Grande do Jacuí (Guarani

Mbyá)Salto do Jacuí 235

Declarada em 13/02/1996. Homologada em 11/12/1998. Registrada CRI em 21/01/199 e SPU

em 20/11/2002 (Funai).-

75

19.Ka’aguy Poty /Estrela Velha

(Guarani Mbyá)Estrela Velha ?

Área do Estado do rio Grande do Sul (CEEE) cedida à comunidade. Impactada por barragem

(Dona Francisca do Rio Jacuí).Criação do GT em 2008. Aguardam conclusão

dos estudos e a publicação do Relatório.

50

20.Ko’eju/Inhacapetum (Guarani

Mbyá)São Miguel das

Missões236, 33

Área comprada pelo governo do Estado do Rio Grande do Sul.

136

21. Varzinha (Guarani Mbyá) Caraá/ Maquine 796

Portaria criação do GT em 1999. Declarada em 23/04/2001. Homologada em 10/02/2003. Registrada em CRI 03/07/2003 e SPU em

16/09/2003 (Funai). Impactada pela duplicação da BR 101.

78

22. Barra do Ouro (Guarani Mbyá)Maquiné /

Riozinho /Caraá2.269

Criação do GT em 1993. Portaria n 499 de 10/07/1998. Homologada, através de Decreto

DOU 19/04/2001. Registrada CRI 23/04/2002 e SPU 04/06/2002. Impactada pela duplicação da

BR 101.

20

23. Torres (Guarani Mbyá) Torres 94Área adquirida por conta dos impactos sofridos

pela duplicação da BR 101. Aguarda GT.70

24.Estrela do Mar/Interlagos

(Guarani Mbyá)Osório 43

Área adquirida por conta dos impactos sofridos pela duplicação da BR 101. Aguarda GT.

50

25. Arenal (Guarani Mbyá) Santa MariaAcampamento na BR 392. Aguardam criação de

GT.50

26.Itapoty/Riozinho (Guarani

Mbyá)Riozinho 24

Vivem em 24 ha de área cedida pelo Banco do Estado do Rio Grande do Sul. Impactada pela

duplicação da BR 101.40

27. Kapi Owy (Guarani Mbyá) Pelotas ?Impactada pela duplicação da BR 116. Sem

providencias20

28. Arasaty/Petim (Guarani Mbyá) Guaíba ?

Portaria de identificação e delimitação do GT em 17/08/2009. Acampamento BR 116. Impactada

pela duplicação. Aguardam conclusão dos estudos e publicação do relatório junto com Arroio do

Conde e Passo Grande.

60

29.Água Branca/Arroio Velhaco

(Guarani Mbyá)Tapes 230

Portaria Declaratória em 1997. Aguarda procedimentos. Solicitam que o processo para

ocupação da TI Águas Brancas seja encaminhado. Área impactada pela duplicação da BR 116.

30.Ponta da Formiga (Guarani

Mbyá)Barra do Ribeiro ?

Portaria GT em 31/07/2008, DOU em 01/08/2008. Aguardam publicação do Relatório

Circunstanciado junto com Morro do Coco e Itapuã.

31. Morro do Coco (Guarani Mbyá) Viamão/Porto Alegre ?

Portaria GT em 31/07/2008, DOU em 01/08/2008. Aguardam publicação do Relatório

Circunstanciado junto com Itapuã e Ponta da Formiga.

32.Arroio do Conde (Guarani

Mbyá)Eldorado do Sul ?

Portaria de identificação e delimitação do GT em 17/08/2009. Acampamento BR 116. Impactada

pela duplicação. Aguardam conclusão dos estudos e publicação do relatório junto com Passo Grande

e Petim.

33.Mata São Lourenço (Guarani

Mbyá)São Miguel das

Missões? Sem providencias

34.Esquina Ezequiel (Guarani

Mbyá)São Miguel das

Missões? Sem providencias

35. Ita’y/Taim (Guarani Mbyá) Rio Grande ? Sem providencias

36.Mato Castelhano (Guarani

Mbyá)Camaquã ? Sem providencias

37. Ibicuí (Guarani Mbyá) Itaqui ? Sem providencias

38. Imbaa (Guarani Mbyá) Uruguaiana ? Sem providencias

39. Aguapé (Guarani Mbyá)Sto Antonio da

Patrulha? Sem providencias

40. Caaró (Guarani Mbyá) Caiboaté ? Sem providencias

41. Jaguarazinho (Guarani Mbyá)São Francisco de

Assis? Sem providencias

Cimi Regional Sul - População Indígena no Estado do Rio Grande do Sul

Nº Terra e Povo Município Tamanho Situação População

42. Raia Pires (Guarani Mbyá) Tapes ? Sem providencias

43.Gruta e Espraiado (Guarani

Mbyá)Maquiné ? Sem providencias

POVO KAINGANG: 32 terras

44.Guarita

(Kaingang)e Guarani)

Erval Seco/Redentora/ Tenente Portela

23.407Homologada em 04/04/1991. Registrada CRI em

17/05/1991 e SPU em 29/12/1994 (Funai).

7.700 Kaingang

69 Guarani

45.

Nonoai(Kaingang)

TI Passo Feio (Guarani)

Gramado dos Loureiros/Nonoai/Pla

nalto/Rio dos Índios

19.830Declarada (Funai)

Nonoai / Rio da Várzea (Kaingang)

Gramado dos Loureiros, Liberato Salzano, Nonoai,

Planalto, Trindade do Sul

16.415Declarada 11/12/1998. Homologada em

10/02/2003. Registrada CRI em 07/07/2003 e SPU em 16/09/2003 (Funai)

4.650

Nonoai (Kaingang)Nonoai / Rio dos

Índios14,30 Parte da TI Nonoai, ainda não desintrusada

Nonoai / Capão Alto (Kaingang)

Nonoai 1.196 Parte da TI Nonoai, ainda não desintrusada

Nonoai / Quarta Seção (Kaingang)

Planalto 249 Parte da TI Nonoai, ainda não desintrusada 1.067

Nonoai / Taquaruçuzinho (Kaingang)

Nonoai 804 Parte da TI Nonoai, ainda não desintrusada

46. Cacique Doble (Kaingang)Cacique Doble/São

Jose do Ouro4.426

Homologada em 27/03/1991. Registrada CRI em 05/06/1991 e SPU em 29/12/1994 (Funai).

2.350

47. Morro do Osso (Kaingang) Porto Alegre ?

Acampamento às margens da TI situado no Parque Municipal Morro do Osso. Criação do GT em 2010. Aguardando conclusão dos estudos e a

publicação do relatório.

169

48. Lomba do Pinheiro Kaingang) Porto Alegre 10 Aguarda GT 200

49. São Leopoldo (Kaingang) São Leopoldo 2,5Área adquirida pela Prefeitura em 2008. Aguarda

GT.150

50. Lageado (Kaingang) Lageado ? Acampamento. Aguada GT 50

51. Estrela (Kaingang) Estrela ?Acampamento na BR 386. Área impactada pela

duplicação. Criação do GT em 2010. Aguardando conclusão dos estudos e a publicação do relatório.

97

52. Farroupilha (Kaingang) Farroupilha ? Acampamento aguarda GT. 70

53. Santa Maria (Kaingang) Santa Maria ? Acampamento. Reivindicam área. 40

54. Borboleta (Kaingang)Espumoso / Salto do

Jacui.?

Reivindicam 30 mil ha. Impactados pela hidrelétrica do Salto do Jacui.

300

55. Cacique Doble II (Kaingang) Cacique Doble 1.022 Em estudo. 2.350

56. Carreteiro (Kaingang) Água Santa 603Homologada 27/03/1991. Registrada CRI 16/05/1991 e SPU em 29/12/1994 (Funai).

1.532

57. Inhacorá (Kaingang) São Valério do Sul2.843

Homologada em 27/03/1991. Registrada CRI em13/05/1991 e SPU em 29/12/1994 (Funai).

849

58. Inhacorá II (Kaingang) São Valério do Sul 3.016 Em estudo. 849

59. Kaingang de Irai (Kaingang) Irai 279Declarada em 28/05/1992. Homologada em

04/10/1993. Registrada CRI em 22/03/1994 e SPU em 05/04/1994 (Funai)

860

60. Kaingang de Irai II (Kaingang) Irai ? Em Estudo 860

61. Ligeiro (Kaingang) Charrua 4.566Homologada em 27/03/1991. Registrada CRI em

16/05/1991 e SPU em295/12/1994 (Funai).3.060

62. Monte Caseros (Kaingang) Moliterno / Ibiraiaras 1.112Declarada 17/12/1996. Homologada em

11/12/1998. Registrada CRI em 17/05/1999 e SPU em 02/06/1999 (Funai).

508

63. Rio dos Índios (Kaingang) Vicente Dutra 715Delimitada em 07/04/2003 e Declarada

23/12/2004 (Funai).102

64. Serrinha (Kaingang)Constantina, Engenho

Velho, Ronda Alta, Três Palmeiras

11.952 Declarada 2.850

65. Ventarra (Kaingang) Erebango 772Homologada Dec. s/n de 14/04/98 (DOU –

15/04/98)980

66. Votouro (Kaingang)Benjamin Constant

do Sul/ Faxinalzinho3.341

Homologada em 30/08/2000. Registrada CRI em 07/11/2000 e SPU em 04/06/2002 (Funai).

2.986

67. Votouro Kandoia (Kaingang)Benjamin Constant

do Sul/ Faxinalzinho5.977

Identificada, Despacho n. 62 de 07.12.09 (DOU – 08.12.09) . É a mesma do acampamento Kaidóia.

171

68. Mato Castelhano (Kaingang) Mato Castelhano ? Em estudo (Funai) 450

69. Passo Grande do Rio ForquilhaCacique Doble,

Sananduva1.916

Delimitada em 13/08/2008 e Declarada 26/04/2011 (Funai)

136

70. Novo Xingu (Kaingang) Novo Xingu Acampamento. Terra em estudo.

Cimi Regional Sul - População Indígena no Estado do Rio Grande do Sul

Nº Terra e Povo Município Tamanho Situação População

71. Caseiros (Kaingang) Caseiros ?Esse acampamento não existe mais, o que há é a

reivindicação de ampliação da área. O GT de identificação e delimitação já esteve a campo.

72. Lageado do Bugre (Kaingang) Lageado do Bugre ? Acampamento. Terra em estudo.

73. Morro Santana (Kaingang) Porto Alegre ?Ocupação da área em 2010. Desocuparam devido a uma reintegração de posse feita pela UFRGS contra a comunidade. Solicitam criação de GT.

74. Canela (Kaingang) Canela Reivindicam GT. Sem providencias.

75. Ligeiro II (Kaingang) Charrua 1.000 Sem providencias. -

POVO CHARRUA: 01 terra

76. Lomba do Pinheiro (Charrua) Porto Alegre 09 Área adquirida pela Prefeitura em 2008 40

POVO XOKLENG: 01 terra

77. Xokleng São Francisco ? Reivindicam uma área

Total da População Indígena no Rio Grande do Sul: 36.488

Apesar das garantias constitucionais e das incansáveis lutas dos povos indígenas, o Governo Federal se nega ao cumprimento de suas obrigações. Destaco alguns fatos conjunturais, políticos e econômicos que nos ajudam a entender as causas deste descumprimento constitucional: a) O governo considera dispendioso fazer a retirada dos agricultores, empresários e outros que se apropriaram das terras; b) O governo se sente pressionado por setores do poder público, por entidades ligadas ao meio ambiente ou por fazendeiros e agricultores que se opõem à demarcação das terras; c) Os povos indígenas não são reconhecidos pelo governo como portadores e detentores de direitos, especialmente à diferença e à terra; d) Assim como os invasores das terras indígenas, o governo acredita que as regiões Sul, Sudeste, Nordeste não são lugares para a ocupação indígena. Não é à toa que propõem que estes povos sejam removidos para outras regiões ou tenham direitos compensados através de ações assistenciais paliativas.

A Funai, infelizmente, tem se constituído numa espécie de corpo estranho dentro da estrutura do Governo Federal. Ou seja, quando há vontade e interesse em agir para assegurar os direitos indígenas, os servidores sofrem pressões oriundas do próprio governo, a fim de que não cumpram com suas obrigações e, quando há determinação em cumpri-las, sofrem pressões externas dos setores anti-indígenas. Neste contexto, a Funai apenas contribui para fomentar a discórdia entre índios e a população envolvente, entre índios e os latifundiários, entre índios e agricultores, entre índios e ambientalistas. Todos se voltam, neste momento histórico, contra os direitos dos povos indígenas e a consequência é a não demarcação das terras.

5. As grandes demandas dos povos Indígenas no Rio Grande do Sul

5.1. A demarcação das terras indígenas

A demarcação de terras é, certamente, dentre os direitos, o que causa maior impacto, a questão mais crucial e polêmica e mostra toda a inércia do governo. São inúmeras as demandas para a demarcação de terras em todo o Estado. A Funai não consegue responder a estas necessidades, primeiro porque não constitui GT’s suficientes para elaborar os estudos de identificação e delimitação de terras indígenas e, quando os constitui, não lhes assegura as condições para que sejam concluídos tais estudos. Mesmo quando estes estudos chegam ao fim e o relatório circunstanciado é entregue, os processos administrativos tramitam numa morosidade e burocracia assustadoras, prejudicando as comunidades indígenas. Diante dessa situação, um procedimento que poderia ser concluído em nove meses pode chegar a mais de dez anos sem qualquer relatório aprovado pelo presidente do órgão.

Portanto, no que se refere às demarcações de terras indígenas, o que se exige é que o governo: a) Demarque todas as terras indígenas para assegurar o seu usufruto exclusivo pelas comunidades e

povos que nelas habitam; b) Retire os ocupantes não indígenas das terras demarcadas ou em procedimento de demarcação, bem como efetue os pagamentos das indenizações pelas benfeitorias de boa fé; c) Busque soluções para indenizar os ocupantes de terras indígenas de boa fé, que as adquiriram e foram tituladas, fundamentalmente os pequenos agricultores;d) Constitua políticas públicas contemplando toda a população indígena, respeitando as suas diferenças, e, principalmente, atendendo a legislação, a Constituição Federal, especialmente os artigos 210, 215, 231 e 232 e o Decreto nº 5.051/2004, que promulgou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e Tribais;

5.2. Assistência em Saúde Indígena

Residem nesta política, graves e profundas omissões. O novo modelo prevê a estruturação do Subsistema de Atenção a Saúde Indígena, tendo por base os Distritos Sanitários - DSEI’s - e que a gestão do sistema aconteça através da Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI), vinculada ao Ministério da Saúde.

Lamentavelmente a política em execução está desconectada do modelo previsto na Lei nº. 9.836/1999 (Lei Arouca), que instituiu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena, e pelo Decreto 6.878, de 18 de junho de 2009 que define seu funcionamento. As ações e serviços continuam sendo paliativas e têm um viés puramente emergencial, ou seja, não atende as demandas relativas à prevenção das doenças e muito menos leva em conta as diferenças, o modo de ser de cada comunidade ou povo e a realidade em que estão inseridas as famílias. Este talvez seja o aspecto mais contraditório no âmbito da assistência uma vez que as comunidades indígenas vivem, na sua grande maioria, em pequenas áreas de terra em que as condições ambientais e de saneamento básico são praticamente inexistentes. Há comunidades que não têm sequer água potável para beber.

Portanto, o governo deve prever que a assistência em saúde seja executada pela Sesai tendo como base de suas ações o Distrito Sanitário Especial Indígena, com infra-estrutura, orçamento, servidores em saúde, agentes de saúde indígena. É necessário investir em formação técnica para os profissionais em saúde, bem como para o exercício do Controle Social através dos conselhos locais e distrital.

5.3. Educação Escolar Indígena

Esta é outra, dentre as políticas, onde se evidenciam muitas contradições. A gestão é de responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), que repassa recursos e as atribuições pela educação escolar aos Estados, e estes podem transferi-las aos municípios. O MEC definiu através do Decreto nº. 6861, de 27 de maio de 2009, uma política embasada no que eles denominam de Territórios Etnoeducacionais. Esta política, como costumeiramente ocorre nas relações entre governantes e sujeitos de direito, não foi discutida com os povos indígenas.Há, portanto, a necessidade de o governo repensar o novo modelo e estruturar uma proposta que leve em conta as diferenças étnicas e culturais de cada povo e região.

No estado do Rio Grande do Sul as comunidades indígenas não têm participado efetivamente das discussões e das ações em torno da educação escolar. As escolas, quando administradas pelas prefeituras, seguem as políticas impostas pelo município e não respeitam as diferenças e quando administradas pelo estado tendem a assumir posturas de diálogo e de adequação do modelo tradicional de ministrar aulas e gerir as escolas, a realidade indígena. No entanto, os professores, na sua maioria, não estão qualificados para as especificidades da educação escolar indígena.

O governo deve investir na formação dos professores indígenas, discutir e propor, com a participação efetiva dos povos, um novo modelo de atenção em educação. Enquanto isso não acontece deve respeitar as normas existentes onde há a determinação de que a educação escolar indígena seja diferenciada e específica para cada povo.

5.4. Atividades Produtivas

Esta política é inteiramente desconectada das realidades indígenas. Não há definição e muito menos preocupação de se trabalhar com as demandas de auto-sustentabilidade dos povos indígenas levando em conta as diferenças étnicas, culturais e o modo de ser e de se relacionar com a terra e com o cultivo das plantas, sementes, frutas, ervas.

A rigor, algumas atividades produtivas são desenvolvidas através de pequenos projetos para o plantio de milho, soja e criação de animais como porco, galinha, gado e peixes. Na ausência de um órgão da federação que seja responsável pela elaboração e execução de uma política neste campo, as ações são pulverizadas no Ministério do Desenvolvimento Agrário, na Funai, que tem realizado algumas atividades, na Embrapa e nas secretarias estaduais e/ou em estruturas governamentais como a Emater, no Rio Grande do Sul.

Atualmente os problemas relativos à segurança alimentar são tratados em reuniões promovidas pelo Conselho de Segurança Alimentar (Consea) que, por sua vez, apresenta como alternativa a distribuição de cestas básicas. Ou seja, a busca de soluções para os problemas, que deveriam ser discutidas e buscadas a partir de políticas governamentais integradas, não ocorrem de maneira efetiva. As questões são debatidas por pessoas que atuam em secretarias de governo e mesmo assim quando provocadas por entidades indigenistas e pelos povos indígenas e suas organizações.

No campo das atividades produtivas o governo deve definir, com a participação indígena, uma política de segurança alimentar e de atividades autossustentáveis. Além disso, as terras precisam ser demarcadas, protegidas e recuperadas.

6. Considerações finais

Ao concluir esta abordagem, é importante enfatizar que a proteção dos direitos humanos indígenas está firmada na nossa Constituição Federal, bem como nas convenções e normas internacionais.

O juiz federal titular da 1ª Vara da Bauru (SP), Roberto Lemos dos Santos Filho, em artigo publicado no dia 19 de abril (Dia do Índio) de 2007, enfatiza e reafirma como aspecto fundamental que a Constituição de 1988 assegurou aos índios o direito à diferença.

A Constituição reconheceu a multietnicidade do país, rompeu e relativizou a postura universal predominante excludente das diferenças, imposta por regras fundadas em ideologia homogeneizante, criadoras do sujeito abstrato, individual e formalmente igual. Em inequívoco vigor no Brasil desde 19.04.2004, a Convenção 169 da OIT impõe aos Estados signatários o dever de reconhecer que a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas deve ser respeitada em todas as suas dimensões. A Convenção 169 da OIT obriga os governos a assumirem a responsabilidade de desenvolver ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade, e garantir o gozo pleno dos direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem discriminação (...) O avanço do trato da questão indígena pelo sistema normativo brasileiro é fato. Contudo, a eficácia das garantias postas ainda não é evidente. Com efeito, reiteradamente ocorrem situações onde o Judiciário não aplica devidamente os direitos consagrados aos índios pelo sistema positivado, proferindo decisões amparadas em doutrina e jurisprudência fundadas na ultrapassada visão integracionista, que via o índio como um ser fadado ao desaparecimento, obrigado a se amoldar ao padrão da sociedade envolvente (SANTOS FILHO, 2007, p. 1-2).

Esta reflexão proposta pelo magistrado aponta os caminhos a serem seguidos pelo Estado brasileiro, ou seja, este deve respeitar e assegurar a aplicação das normas constitucionais e estabelecer políticas e mecanismos para que tais direitos sejam devidamente implementados.

O magistrado também aconselha o Poder Judiciário a rever seus conceitos quanto aos povos indígenas, com vistas a se relacionar com o Direito a partir do respeito às diferenças, e entender o Brasil como um espaço onde coabitam diferentes culturas e que estas estão perfeitamente protegidas pela legislação.

O Governo Federal, a quem o legislador incumbiu de promover e executar as políticas para

os povos indígenas, deve se estruturar administrativa e financeiramente a fim de cumprir com as determinações legais e garantir que todos os povos tenham, por parte do Estado brasileiro, o amparo, a proteção e o respeito aos seus direitos humanos, especialmente quanto à demarcação e usufruto de suas terras, a promoção e execução de políticas públicas diferenciadas e o respeito étnico e cultural.

Apesar dos graves problemas, nos últimos 40 anos, os povos indígenas intensificaram sua participação na vida política, fortalecendo com isso, no seio da sociedade, o reconhecimento dos seus direitos. Nesse sentido foi fundamentalmente importante a consolidação do movimento indígena, articulado de Norte a Sul do Brasil. Esta mobilização tem sido uma resposta à política integracionista do Governo Federal e ao expansionismo desenvolvimentista, que avança para o interior dos territórios e terras. Hoje há significativos avanços, no entanto caminhos devem ser percorridos para que efetivamente sejam assegurados aos povos indígenas seus direitos humanos.

A resistência indígena vem sendo gestada em articulação com outros segmentos da sociedade e aponta para a humanidade, a possibilidade de um sistema de vida estruturado em experiências do “bem viver”. Este sistema vem sendo, ao longo dos séculos, tecido e propagado entre as culturas indígenas e pretende ser um projeto de vida concreto, capaz de revolucionar o modo de pensar e de interagir com a natureza e entre os seres humanos.

No entanto o “bem viver” exige uma mudança radical, pois pretende colocar o homem, não como centro, mas como parte da natureza e implicado com tudo o que acontece com a terra, com os animais, com o meio ambiente. É uma mudança na forma de organizar a vida social, considerando que os interesses coletivos prevalecem sobre os interesses individuais.

A base nas relações deve ser a solidariedade, pois a vida é vivida em rede, e todos têm necessidade uns dos outros. É uma mudança nas estruturas econômicas, reconhecendo que o desenvolvimento deve ser pensado para resguardar e potencializar a vida e, assim, não cabem projetos de exploração abusiva dos recursos naturais e nem aqueles que se baseiam na exploração do ser humano. É, por fim, uma mudança política, que visa à constituição de uma sociedade fundamentada na justiça, na partilha, no respeito às diferenças, sem manutenção das desigualdades.

Caberá a todos uma reeducação, fundamentalmente daqueles que governam ou governarão nosso país, nosso planeta. Os exemplos mostram que isso é possível.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Sítios: www.cimi.org.br e www.funai.gov.br

ANEXO 2

Transcrição da audiência pública realizada pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos (CCDH) realizada no dia 08 de agosto de 2012, às 09h30min, na Sala João Neves da Fontoura – Plenarinho, 3º andar.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Damos início à audiência pública da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos sobre a demarcação de terras indígenas no Rio Grande do Sul.

Registro a presença do deputado Jeferson Fernandes, um dos autores do requerimento.

Cabe lembrar que há uma subcomissão que trata deste tema e já foi aprovada, em reunião ordinária hoje pela manhã, a realização de uma nova audiência pública no dia 27 de agosto, no Município de Constantina, em conjunto com a Comissão Especial para Discutir a Situação das Áreas Indígenas e Quilombolas no Estado do Rio Grande do Sul.

Convido para compor a mesa dos trabalhos o Sr. Carlos César D’Elia, procurador do Estado, representando o governo do Estado do Rio Grande do Sul; o Sr. João Otávio Carmona Paz, da Defensoria Pública; os representantes dos povos indígenas: do povo guarani, Maurício da Silva Gonçalves, do Conselho de Articulação do Povo Guarani; do povo caingangue, Luis Salvador; do povo charrrua, cacique Acuab; o diretor do Departamento de Pesca, Aquicultura, Quilombolas e Indígenas da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Sr. Ederson Silva; e o representante da Funai, Sr. Adir Reginato.

Queremos dizer da importância deste debate tendo em vista as garantias constitucionais que queremos sejam não só discutidas e aprofundadas, mas encaminhadas ao governo estadual e federal para a resolução de várias questões. Há em torno de 77 áreas para os 36 mil indígenas existentes no Rio Grande do Sul – é claro que já tivemos muitos mais, centenas de milhares. Portanto, precisamos debater o assunto.

O papel desta comissão é, a partir da audiência pública, fazer os devidos encaminhamentos aos governos estadual e federal para a tomada de medidas.

Sabemos que às vezes o que é encaminhado fica trancado em alguns lugares dos setores públicos. Queremos que isso não aconteça mais.

Convido para compor a mesa também o Sr. João Ferrareze, da Funai, que trabalha com a questão dos guaranis.

Informo que esta audiência pública está sendo transmitida ao vivo pela TV Assembleia, no canal 16 da NET, e também pela Internet.

Daremos início neste momento à manifestação dos integrantes da mesa.

Com a palavra o Sr. Maurício da Silva Gonçalves, do Conselho de Articulação do Povo Guarani.

O SR. MAURÍCIO DA SILVA GONÇALVES – Bom dia a todos.

Agradeço ao deputado Miki Breier o convite para participar de mais uma audiência pública.

Para o povo guarani do Rio Grande do Sul é muito importante trazer à discussão nesta Casa a situação do povo guarani.

Primeiramente, nós, os povos indígenas, somos brasileiros e temos direito como povo, como nação guarani à terra, à saúde, à educação e às atividades produtivas.

Existem leis na Constituição Federal reconhecendo todos os direitos que temos como povo indígena, mas, ao longo do tempo, temos percebido que essas leis não estão sendo cumpridas devidamente conforme estão escritas. Elas estão bem escritas no papel, mas na prática não estão sendo cumpridas. Muito pelo contrário, esses direitos vêm sendo retirados dos povos indígenas. Em muitos momentos, a nação vem sendo atacada diretamente. Dizem que os povos indígenas têm muitos direitos e muita terra. Penso que isso não é verdade, basta ver como vivemos nas nossas terras.

Para terem uma ideia, o povo guarani resistiu a tudo, a todos os massacres, a todas as violências que sofreu. Mesmo assim, mesmo tendo perdido todo o grande território guarani ao longo dos mais de 500 anos, temos mantido a nossa cultura. Dentro desse território, trabalhamos, nos organizamos e reivindicamos para que as nossas terras, que ainda são adequadas para a sobrevivência do povo guarani, sejam reconhecidas pelo governo, pelo menos algumas partes. São terras ainda adequadas para serem remarcadas.

É essa a nossa reivindicação como povo guarani. Ao longo dos últimos anos, temos trabalhado junto com os nossos aliados, com entidades, com órgãos do governo, da própria Funai, para que esses direitos sejam, de fato, concedidos, para que sejam demarcadas as terras que são ainda adequadas para a sobrevivência do povo guarani.

Temos sofrido bastante. Enquanto as nossas terras não estão demarcadas, muitas das nossas famílias ainda vivem em beiras de estrada, debaixo de lona. Quem viaja pela BR-116 vê muitas de nossas famílias vivendo dessa forma, sendo que o povo indígena tem todos esses direitos garantidos, mas enquanto não se faz valer a nossa lei e nossas terras não são demarcadas, enquanto não se tomar alguma providência, a situação cada vez mais vem se agravando.

Nossos acampamentos muitas vezes não têm atendimento adequado na saúde, muitas vezes na própria Sesai alegam que não podem atender porque essas áreas não estão demarcadas, enquanto isso nossas crianças sofrem com o frio.

Estamos preocupados porque no período de inverno nossas crianças sofrem, porque não temos casas adequadas, não temos atendimento adequado. Tudo isso vem se agravando. Enquanto nossos direitos estão sendo negados pelo governo federal, a nossa situação cada vez mais está pior. As vidas das nossas crianças e velhos estão sendo colocadas em risco.

Estamos aqui neste espaço da comissão da Assembleia Legislativa trazendo nossa preocupação, para que sejam tomadas providências para resolver a situação. Que o governo olhe para os nossos direitos, é um dever do Estado fazer valer a nossa lei.

Trazemos também a nossa preocupação em relação à discussão no Congresso Nacional no sentido de fazer mudanças na lei que é fundamental para a garantia dos direitos dos povos indígenas. A PEC nº 215 quer tirar o direito do Executivo de demarcar as terras indígenas, o

Executivo demarcava e o ministro da Justiça declara a terra indígena, mas com esse projeto nº 215, tira do Executivo e delega ao Congresso Nacional a decisão de essa terra poder ou não ser demarcada.

Pela história que temos acompanhado no Congresso, pelo que notamos nos seus representantes, se for aprovado o referido projeto, nunca mais veremos a terra indígena sendo demarcada. Isso nos preocupa bastante, uma vez que a própria portaria, da AGU, afronta diretamente o direito dos povos indígenas, querendo restringi-lo ainda mais. E aqui me refiro ao direito a terra, que é fundamental para a nossa sobrevivência.

Não podemos aceitar de maneira nenhuma o que está acontecendo. Como povo indígena, estamos mobilizados em nível de Brasil para levar a denúncia de que o Estado Brasileiro está querendo, mais uma vez, iniciar o processo talvez de matança, de extermínio dos índios. Isso não pode acontecer.

Trazemos aqui essas preocupações a esta Casa, deputado Miki Breier. Existem várias terras guaranis aqui no Estado, que precisam ser demarcadas. Existem GTs em processo de reconhecimento de algumas terras guaranis, mas muitas delas ainda estão sem nenhuma providência da Funai.

Os povos indígenas vêm correndo um grande risco de, mais uma vez, viver um momento delicado. Em diferentes ocasiões, temos sofrido ataques a este direito que é fundamental à nossa sobrevivência. Parece que somos nós o grande risco para o avanço do Brasil, que quer dizer que é do Primeiro Mundo e respeita os povos. Pelo que estamos vendo, não é assim, não estão considerando os nossos direitos. Parece que os povos indígenas são um entrave para que o Brasil avance e para que possa dizer que pertence ao Primeiro Mundo. Mas creio que isso não é assim. O direito dos povos indígenas tem de ser preservado, e não podemos de maneira alguma aceitar que a Constituição seja modificada para atender aos interesses dos grandes fazendeiros, dos grandes empresários e do próprio governo.

Em nome do avanço da economia do Brasil, não se pode atropelar o direito dos povos indígenas. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Muito obrigado, Maurício Gonçalves.

(Registra a presença de alguns convidados e autoridades.)

Concedo a palavra a Luis Salvador, representante dos povos caingangues.

O SR. LUIS SALVADOR – Bom dia a todos.

Quero agradecer aos integrantes da mesa e aos deputados presentes a este ato público.

Nossa luta, deputado Edegar Pretto, é contínua. Temos grandes desafios pela frente. Vim aqui mais para denunciar o governo brasileiro, já que existe uma lei aprovada em Brasília que concede autonomia para que os povos indígenas possam adquirir os bens, que são nossas matas, nossos rios. Não estamos com isso negando os direitos dos grandes empresários, que são os produtores de soja e de cana-de-açúcar no Brasil, pois entendemos que todos têm o direito de sobreviver. Só que, dentro dessas legalidades, existe também a publicação da portaria nº 303 em Brasília. Se ela for aprovada pelo Senado, criará um conflito para todo o Estado Brasileiro, algo que

não gostaríamos que acontecesse.

Se eles acham que podem aprovar essa portaria da AGU, estarão criando um conflito para o Estado Brasileiro. Ao invés de podermos nos ajudar e de juntos buscar soluções, essa portaria cria um conflito para todo o povo brasileiro. Não sei se os senhores já mapearam onde existem povos indígenas, mas essa portaria não afetará os grandes empreendedores do Rio Grande do Sul.

O local em que hoje moro é uma área demarcada que se encontra em fase final de homologação. Está prevista a retirada de agricultores, mas lá não há grandes propriedades. Eles não querem que se crie mato em cima daquele lugar, mas lá existem águas termais, águas minerais, águas boas que podem oferecer saúde para toda a população brasileira.

A Amazônia, hoje, por exemplo, é o coração do mundo. Se deixarmos vingar leis brasileiras como essas que estão hoje na AGU, qualquer empresa poderá entrar para negociar água e para plantar cana-de-açúcar e soja, já que a terra passará a não ser mais do povo indígena. Isso irá afetar a água, vital para a saúde de todos. Se você não tem água boa para beber, você não tem saúde.

Então, essa é a nossa preocupação como índios. E, se os senhores consideram que devem passar, no Congresso, essas leis que nos estão afetando como povo indígena, quero dizer que vim aqui para esclarecer –sou da Comissão dos Povos Indígenas no Rio Grande do Sul – que vamos fazer com que as estradas parem. Vamos fazer isso tanto em Santa Catarina quanto no Paraná, no Mato Grosso do Sul e no sul de São Paulo.

A reação está sendo mobilizada. Queremos que, em Brasília, a AGU retire esse 303, para facilitar o trabalho e avançarmos em nosso direito. Se isso não acontecer, companheiro guarani, vamos apelar para a porrada mesmo, porque não há outro jeito.

Então, quero só clarear essa questão. Não tenho medo, pois já nos confrontamos com a Polícia Federal por um direito que tínhamos. Se o poder público acha que tem de passar isso, amém!

Como encaminhamento, gostaríamos que fossem enviados documentos dizendo que deve ser feita essa retirada, pois, caso contrário, vamos trancar o pé nas BRs. Vamos fazer uma grande mobilização e não vamos sair. Nem com força policial vão nos tirar desses locais, porque vamos mesmo nos confrontar; é um direito que temos. Por que querem tirar o direito do povo indígena?

Queremos apenas deixar esse alerta para os senhores, para que também possam encaminhar a documentação.

Outra questão, deputado, é a de que queremos igualar direitos. Queremos buscar isso juntos no Congresso, uma vez que, quando eles precisam recuar por outra questão que lhes diga respeito, o dinheiro existe. Quando é para o social, no entanto, para fazer uma casa ou banheiros para a população, ninguém tem dinheiro.

Por que não podemos pegar esse dinheiro do fundo do qual eles retiram recursos, que a própria Justiça utiliza para algumas questões, para investir naqueles que precisam? Aqui na Grande Porto Alegre existem grandes favelas que precisam de recursos.

Se não atentarmos para essa questão, será que vão continuar se matando? Não estou falando somente do povo indígena, mas de qualquer cidadão que precise. Nós, indígenas, precisamos da terra, de ter água boa e saúde. E temos de buscar isso conjuntamente.

Parabéns, deputado, pelo trabalho que realiza, reconhecendo esse direito do povo indígena.

Não estamos criando problemas para o Brasil; estamos procurando ajudar. Queremos garantir uma água boa e uma mata nativa para que o Brasil cresça para todos. Não queremos polêmica.

Não queremos a Grande Porto Alegre para morar. Ainda quero morar no meio do mato. Nasci em casa de capim, pelado, em roda do fogo. Então, eu precisava voltar neste momento ainda à mata.

Falo a língua indígena e a língua portuguesa.

(Procede a uma citação na língua indígena.)

Entenderam? Eu disse que todos nós somos filhos de Deus, mas podemos abraçar o outro, buscar soluções juntos perante Deus, porque somos filhos de Deus. Muito obrigado a todos.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Muito obrigado, Luis Salvador.

Concedo a palavra à Sra. AcuaB, representante do povo charrua.

A SRA. ACUAB – Sou a primeira mulher cacica geral do povo charrua do Rio Grande do Sul. Ali, tenho visto cacicas. (ininteligível) enquanto ele marchar direito, está sendo visto. É assim conosco lá.

Quero agradecer ao nosso (ininteligível) de estar todo o povo ouvindo as etnias, ao Pai Tupã pelos parentes que estão aqui e pelos cidadãos que fazem parte da mesa.

É importante a demarcação de terras.

Sou missioneira. Lá nas Missões sempre houve os povos guaranis e os charruas. Agora, há os parentes caingangues com sua aldeia lá.

A demarcação da terra do povo indígena é importante, porque, se não for demarcada, o índio estará ali, mas não terá a documentação provando que se a terra está no nome do guarani é do guarani, se está no nome do caingangue é do caingangue, se está no nome do charrua é do charrua. Estará reconhecido.

Quanto a doenças, já está precária a saúde indígena. E cada vez estará mais precária se não tivermos alguém disponível trabalhando com os indígenas. Vejam bem, vereadores, deputados e presidente da Casa que estão à mesa, a saúde dos charruas está precária. Não temos posto – por enquanto, mas vamos ter –, então temos que ir longe para consultar.

As crianças vêm chorando de fome, pois passam horas sem comer. Quando dá para tirar remédio nos postos, tiramos. Esta é a verdade: os charruas ficam com uma pilha de notas, e não há remédio pela Sesai. Só coçam os piolhos da cabeça e dizem assim: Mas não dá, não veio da Sesai não sei de onde.

Assim, o índio está doente no meio do mato. Se não tiver alguém que ajude as etnias, vamos acabar morrendo.

Peço desculpas mais uma vez para as pessoas da mesa. Não vamos sair fazendo coisas erradas, porque todos têm direito de viver. Nós, indígenas, choramos; os portugueses choram; morremos; vivemos. É assim. Não vamos sair matando os portugueses, mas, no lugar de portugueses – olhem na cidade grande, olhem no centro e nos bairros –, os índios eram para ser

maioria. Há bem pouquinho índio. A maioria é de portugueses.

A nossa alimentação está precária, há doença, há morte. É muito triste, porque o índio é o dono da terra.

Outra coisa muito importante que quero falar é que o charrua guerreiro dos meus antepassados deu nome ao Rio Grande do Sul.

Aqui, nesta mesa, todos são portugueses. Eles estão prestando atenção no que a Acuab está falando. Estou falando com meu espírito de guerra, mas na paz. Não que eu vá sair dando flechada envenenada nos outros, não é a esse lado que estou me referindo.

O gaúcho usa boleadeira, chiripá, facão. O gaúcho come churrasco, usa cavalo. Cem por cento do que gaúcho do Rio Grande do Sul usa é da cultura do meu povo charrua. Por exemplo, o gaúcho do Rio Grande do Sul usa bombacha, que é do país turco, a Turquia. A camisa é dos judeus. O chapéu é espanhol.

Vocês não me perguntem, gurizada que está aqui, quem é o dono da cueca, porque até agora não apareceu o dono. O meu povo charrua tenho certeza que não é.

Agradeço e peço apoio de vocês para o meu povo charrua, porque estamos numa péssima situação. Muito obrigada a todos.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Muito obrigado, cacique Acuab.Saúdo o deputado Altemir Tortelli, que está aqui presente participando da audiência

pública.

Lembro aos participantes que os deputados que desejarem fazer o uso da palavra o microfone está à disposição.

Passo a palavra ao Dr. Carlos César D’Elia, nosso conhecido Vermelho, da Procuradoria-Geral do Estado, para falar em nome do governo do Estado.

O SR. CARLOS CÉSAR D'ELIA – Bom dia a todos. Minha saudação aos povos indígenas, nas pessoas da Acuab, do Maurício Gonçalves e do Luis Salvador, e aos demais representantes deste Parlamento e outras representações institucionais de governo na pessoa do deputado Miki Breier.

Agradeço a oportunidade e o parabenizo por mais esta iniciativa.

Trago a todos o que está pensando a Procuradoria do Estado, o governo do Estado com relação a este tema tão candente e importante.

O aspecto considerado o mais delicado na discussão da demarcação das terras indígenas é fundamentalmente um tensionamento. No Direito se poderia falar em colidência de direitos. São legitimidades que no primeiro momento se demonstram em conflito.

Temos de um lado aquela legitimidade albergada pela Constituição Federal no que se refere aos direitos dos povos indígenas. De outro lado, temos a legitimidade também albergada pelo sistema interno, pelo Direito Constitucional brasileiro, no que se refere aos agricultores que foram

assentados em diversas áreas, muitas delas hoje reconhecidas, ou em processo para tanto, como áreas indígenas.

A grande questão, portanto, é como trabalhamos no sentido de compor isso. Efetivamente não há o que se negar, e a fala dos povos indígenas pelos seus representantes aqui deixou isso muito claro, incontestável, até porque tanto a Constituição Federal quanto a Constituição Estadual reconhecem os direitos desses povos, que incluem o direito a todos os serviços e políticas públicas e, fundamentalmente, o direito ao seu espaço, à sua terra, nesse sentido profundo, inclusive de identidade cultural, que é a questão da terra para os povos indígenas.

Não menos verdade e não menos legítimo também é, de outro lado, o processo daqueles agricultores que foram trazidos em colonização, por políticas promovidas pelo próprio Estado Brasileiro, que os colocou em áreas, onde eles vivem até hoje, que foram adquiridas, compradas, pagas e cujos títulos de propriedade foram concedidos.

Trata-se, portanto, de duas legitimidades – insisto – a serem compostas. Portanto, essa questão da demarcação é complexa, porque inclui, de um lado, todas as considerações que a ordem jurídica determina, tudo o que tem de ser levado em consideração. E há considerações outras que também são importantíssimas nesse complexo problema de natureza antropológica, sociológica, histórica. Mais do que isso, para além de buscar solução jurídica definitiva para essa questão, é preciso buscar a construção de soluções que efetivamente sejam assimiladas, compreendidas e atendidas por todos os implicados, especialmente no que se refere a esse conflito que se estabeleceu entre os povos indígenas e os agricultores.

Para a solução dessa questão há, do ponto de vista técnico-jurídico, outras precisões a serem feitas no que se refere às competências e responsabilidades das instituições envolvidas com a questão, dos entes federados – o Estado do Rio Grande do Sul e a União –, da Funai, e do Ministério Público Federal. É preciso ir muito além das muitas ações judiciais já propostas em relação ao tema: é preciso um comando judicial que defina juridicamente a questão e é preciso que se construam soluções concertadas que procurem muito mais apaziguar do que pura e simplesmente definir.

O cacique Luis Salvador falou que na perspectiva filosófica e religiosa todos somos filhos de Deus. Na perspectiva do direito, é necessário construir a igualdade de direitos respeitando-se as diferenças culturais, de identidade, etc. Nesse esforço e com essa preocupação, muito além de pura e simplesmente definirem-se e delimitarem-se essas áreas – o que evidentemente é importante do ponto de vista jurídico –, é preciso buscar a solução que efetivamente componha uma sociedade pacífica, que saiba conviver com a igualdade e também com a diferença, que respeite as legitimidades jurídicas, históricas, antropológicas e sociológicas que devem ser reconhecidas e consolidadas.

Nesse sentido, deputado, anuncio aos povos indígenas, às instituições e a todos que estão envolvidos com esse tema que, junto com os esforços e as dicussões feitas especialmente pela Procuradoria Geral do Estado, que trata especificamente das ações judiciais – inclusive com os inquéritos que estão abertos para discutir essa questão –, o governador assinará, até no máximo na semana que vem, o decreto que determinará a composição de um grupo de trabalho do qual participarão diversas secretaria e representações, inclusive do SPI, para que consigamos construir essa solução de forma global e efetiva.

Serão reunidos todos os processos, todas as ações que envolvem a questão das demarcações. Nesse trabalho técnico será estabelecida uma permanente relação dialógica, uma interlocução qualificada entre os povos indígenas, os agricultores, o Ministério Público Federal, a

Funai e as representações da União. Enfim, será um esforço no sentido de construir soluções qualificadas do ponto de vista técnico-jurídico, soluções que apontem efetivamente o que é justo e correto da perspectiva do direito e, ao mesmo tempo, que busquem um consenso possível, que sejam assimiladas, acatadas e respeitadas por todas as partes.

Esse grupo terá representação do Gabinete do Governador, da Casa Civil, da Procuradoria Geral do Estado – que vai coordenar o grupo –, da Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos, da Secretaria da Agricultura, Pecuária e Agronegócio, da Secretaria do Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo e do SPI.

Junto com isso, evidentemente, estaremos permanentemente dialogando com todas as demais instituições e representações com a perspectiva, com o desiderato, com o objetivo fundamental de buscar definitivamente, de forma coordenada, para todas as áreas que estiverem sendo discutidas, soluções pertinentes, corretas e justas e que, ao mesmo tempo, contemplem as diversas leituras e consigam dar conteúdo não apenas jurídico, mas sociológico, para que haja a pacificação de todas as partes envolvidas, especialmente os povos indígenas e os agricultores, cujo conflito não interessa a ninguém. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Com a palavra o representante da Funai, Sr. Adir Reginato.

O SR. ADIR REGINATO – Saúdo os deputados que compõem a mesa e que por várias vezes já encontramos nesta Casa – percebemos a sua presença em favor da causa indígena –, e as demais representações.

Queremos parabenizá-los por este momento, pois sabemos da importância deste assunto e do sofrimento que ele causa. Se causa sofrimento para quem está de fora, trabalhando, ajudando, imaginem para quem luta por isso – os nossos indígenas.

Parabenizamos por este momento de diálogo que envolve a todos nós, que é a demarcação de terra tão necessária, tão questionada, tão bloqueada por tanta gente que não tem interesse em que isso aconteça.

Gostaríamos também de fazer um relato bem rápido das terras homologadas, demarcadas. Represento aqui os índios caingangues e charruas.

Temos, no Rio Grande do Sul, 10 terras homologadas, que são: Cacique Doble, Carreteiro, Guarita, Nonoai, Inhacorá, Iraí, Ligeiro, Monte Caseiro, Ventara e Votouro. Temos três terras demarcadas: Nonoai, Serrinha e Rio dos Índios. Temos uma terra declarada: Passo Grande da Forquilha. Temos sete terras em estudo para ampliação: Cacique Doble, Carreteiro, Inhacorá, Iraí, Ligeiro, Montecaseiro e Rio da Várzea. Temos oito áreas em estudo: Borboleta, Carazinho, Lajeado do Bugre, Estrela, Morro do Osso, Votoro Candoia, Mato Castelhano e Novo Xingu. Temos três terras aguardando estudo: Morro Santana, Campo do Meio e Santa Maria, bem como seis terras cedidas pelas prefeituras ou pelo Estado, que são: Farroupilha, Lomba do Pinheiro, Lajeado, São Leopoldo, Santa Maria e Charrua. Temos três acampamentos: Safira, São Roque e São Miguel do Carreteiro.

Percebemos que se trata de um montão de terras indígenas, e a maioria delas ainda em processo de regularização. Sabemos de todos os entraves até que cheguemos a homologar.

Por isso, neste momento, nós, da Funai, queremos contar com vocês do Estado, pois a causa é nossa. Os índios residem, moram aqui no nosso Estado. Queremos, assim, unir forças para que isso aconteça. Já que há tantas forças que se opõem, que criemos entre nós uma conjuntura favorável para que de fato possamos acelerar, priorizar onde é possível fazer acontecer.

Como citou o Salvador, existe a PEC. E agora a AGU publicou essa portaria nº 303, que vem contra, vem paralisando, vem amarrando, mas a gente tem de conseguir lutar, unir forças. E nós, da Funai, contamos com o apoio e com a força do Estado para acelerarmos onde é possível.

Muitas vezes somos muito questionados na Funai porque as coisas não andam. Vocês, indígenas, que estão mais por dentro, percebem quantos entraves existem, não é? Mas a luta continua, devagarinho chegaremos lá. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Muito obrigado, Adir.

Com a palavra João Otávio Carmona Paz, da Defensoria Pública.

O SR. JOÃO OTÁVIO CARMONA PAZ – Bom dia a todos. Saúdo o presidente da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado Miki Breier, a quem parabenizo pela iniciativa e na pessoa de quem saúdo as demais autoridades da mesa.

Faço uma saudação especial aos representantes dos povos indígenas, Sr. Maurício, Sr. Luis Salvador e cacique Acua B.

Eu gostaria de dizer que a Defensoria Pública, em momentos passados, não pôde estar tão junto a essa causa principalmente por falta de estrutura.

A Defensoria Pública conta com aproximadamente a metade dos agentes com que contam os outros órgãos da Justiça. Não temos quadro de servidores, mas quero dizer que essa situação está mudando. Já temos, com o apoio desta Casa Legislativa, aumentado o nosso número de agentes. Já está prevista a realização de um concurso para contratar servidores.

Com isso, a ideia é de que possamos implementar projetos que já temos. No núcleo de direitos humanos da Defensoria Pública, temos pensado muito também sobre a questão indígena.

Temos um projeto que prevê o atendimento de um defensor público direto nas aldeias, junto aos povos indígenas.

Esse projeto já está todo formatado e o que faltou foi gente para poder executá-lo. Tenho certeza de que muito em breve isso vai mudar e vocês terão mais esse apoio.

Também temos um defensor designado para tratar das questões de conflito de terras, tendo em vista que muitas vezes estão envolvidos indígenas. Pretendemos, com essa ação, pacificar a situação.

O núcleo de direitos humanos – e esta é uma notícia recente – a partir de agora também vai ter um defensor exclusivamente designado, sendo sua única função tratar da questão dos direitos humanos. Por óbvio, com muito afinco e com muita atenção para a situação do indígena.

Vou fazer força para isso, se por acaso eu tiver a honra de liderar a posição no núcleo de direitos humanos de estar próximo de vocês.

A minha casa, a Defensoria Pública, está aberta para recebê-los.

Independentemente disso, quero buscar ter contato com vocês para que possamos unir forças e, de uma vez por todas – isso é idealismo, mas por que não o termos? –, resolver essa questão da terra indígena.

Sabemos que o Estado Brasileiro está inadimplente. O Estado Brasileiro, quando promulgou a Constituição, estabeleceu, no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que, em 1993, cinco anos depois, as terras estariam demarcadas. Já se passaram quase 20 anos e ainda não conseguimos concretizar essa meta.

Por outro lado, temos conhecimento de decisões de cortes internacionais, como a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que condenam os Estados pela demora excessiva na resolução da questão da terra indígena.

Resumindo, não nos cabe olhar para traz, muitas dificuldades aconteceram. Sabemos dos interesses muitas vezes legítimos tanto do indígena quanto do agricultor. Olhando para frente, diria que temos vontade e instrumentos para resolver esse problema. A Defensoria Pública está de portas abertas para recebê-los e unir forças nessa batalha. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Com a palavra ao diretor do Departamento de Pesca, Aquicultura, Quilombolas e Indígenas da Secretaria de Desenvolvimento Rural, Sr. Ederson Silva.

O SR. EDERSON SILVA – Bom dia a todos os indígenas, ao Maurício, ao Sr. Salvador e à Acua B; aos deputados Miki Breier e Jeferson Fernandes, com quem conversamos algumas vezes antes desta audiência.

As propostas e os encaminhamentos do governo do Estado para o tema fundiário foram apresentados pelo Carlos. No entanto, peço licença para ler uma nota assinada pelo governo do Estado em maio do ano passado, quarto mês do nosso governo. A partir do debate realizado com representações dos indígenas e dos agricultores o Estado tem uma posição para tratar o tema fundiário. Agora, com esse grupo de trabalho que o governo cria, certamente conseguiremos aprimorar.

A nota contextualiza e apresenta no seu item 4 a posição do governo do Estado sobre o tema, a qual passarei a ler:

(Procede-se à leitura.)

O governo do Estado do Rio Grande do Sul reconhece o direito das comunidades indígenas garantido pela Constituição Federal. Ao mesmo tempo, reconhece o direito dos agricultores por terem sido colocados nas áreas pelo próprio poder público, terem pago pelas terras e possuírem título de propriedade. Tendo por base essa compreensão, o governo gaúcho é parceiro do governo federal para buscar uma solução para o problema, conforme posição já manifestada por essa secretaria, aos presidentes da Funai e do INCRA, quando da audiência realizada em Brasília, no dia 22 e 23 de março do ano passado.

O entendimento do governo do Estado é de que a indenização e o reassentamento de agricultores ocupantes de áreas indígenas situadas na faixa de fronteira ou em áreas nunca

demarcada como reserva cabe à União. Nesse sentido, os caras elaboraram uma proposta completa, ou seja, que garanta uma indenização das benfeitorias e também das terras que foram adquiridas pelos agricultores.

Com base nessa compreensão, o governo do Estado, em parceria com o governo federal, também criará as condições para dar prosseguimento às indenizações e reassentamentos de agricultores ocupantes das áreas de Serrinha, onde estão instaladas 87 famílias, Planalto, que eram 27 famílias, e, em Monte Caseros, cinco famílias.

Essa nota data de 10 de maio de 2011.

Quero entregar essa nota para a comissão. É um documento público, que foi assinado pelo secretário Ivar Pavan. Esse documento foi apresentado aos agricultores, na primeira reunião que ocorreu do SEPI, ano passado, na qual o governo do Estado já manifestou o interesse em abordar o tema. É importante deixar isso claro para que não se crie alguns entendimentos, no sentido de que o governo do Estado não teria interesse em tratar do tema fundiário.

Quero trazer aqui alguns encaminhamentos, que dão conta do que está escrito nessa nota. Desde o ano passado, retomou-se, então, o processo de indenização dos agricultores, que haviam sido desalojados dessas áreas. Isso vem de um processo permanente.

É importante destacar que, durante alguns anos, esse processo interrompeu-se. Hoje, algumas famílias estão completamente desagregadas, inclusive mudaram de Estado. A secretaria vem identificando esses agricultores para que possa proceder à indenização. Alguns deles morreram, enfim.

Assim, vem-se fazendo um processo de indenização e também iniciou-se o processo de licitação para contratação de empresas, para que seja dado prosseguimento a um outro tema que é importante: a titulação dos agricultores que foram desalojados.

Portanto, o governo está tratando desse tema, porque o agricultor tinha a área, que ele ou seu avô comprou do Estado em determinado momento. A partir do processo de demarcação, ele passou a ter uma concessão de uso de uma área pública, perdeu a propriedade da terra.

Esta gestão vem tratando tanto do tema da indenização como do tema da titulação dos agricultores que foram reassentados. Isso é importante e vem sendo tratado sob a perspectiva que o Carlos levantou aqui, de que não se fortaleça o conflito, que não é interessante nem para os indígenas e nem para os agricultores.

Rapidamente, discorrerei sobre algumas ações que temos feito no sentido de promover o etnodesenvolvimento indígena, que, no nosso entendimento, passa pela questão fundiária, que é fundamental e central. Mas só a terra não resolve o problema sob ponto de vista do desenvolvimento e do fortalecimento das comunidades indígenas.

Nesse sentido, com a criação da Secretaria de Desenvolvimento Rural e, dentro dela, de uma divisão específica para tratar do tema indígenas, temos trabalhado no Programa de Etnodesenvolvimento das Sociedades Indígenas, que envolve diversas secretarias do governo e tem sido articulado junto à Casa Civil.

No dia 4 de maio deste ano, realizamos um seminário, do qual participaram várias secretarias de governo, em que foram discutidas quais as ações interface de cada secretaria nesse programa.

O orçamento que herdamos em 2011 previa uma aplicação de 150 mil reais. Com o esforço da secretaria, conseguimos aplicar 250 mil reais em parceria, através de um convênio com a Emater, para uma produção autossuficiente nas aldeias. A previsão orçamentária agora lançada no Plano Safra gaúcho é de 2 milhões de reais.

Portanto, multiplicou-se mais de 10 vezes o recurso que herdamos há apenas um ano para o fortalecimento e o desenvolvimento de ações voltadas à segurança alimentar indígena que tratem não só do fornecimento de alimento, mas proporcionem às próprias comunidades indígenas, orientadas pela assistência técnica da Emater, produzir seu alimento.

Tem também o tema da habitação, em que o governo vem trabalhando. No ano passado, já foram assinados contratos para construção de 150 casas, e neste ano estamos trabalhando na construção de 300 casas, das quais 230 para a etnia caingangue e 70 para os guaranis.

É importante dizer que isso não acaba. Trata-se de um programa do governo, que pretende, até o final desta gestão, pelo menos sanar o déficit habitacional daquelas famílias que não têm hoje habitação.

Na área da educação, é importante registrar que este governo mais do que triplicou o número de escolas indígenas em apenas um ano e meio, e que a meta até o final do governo é de que inclusive tenhamos uma escola técnica indígena. Retomamos um processo que esteve interrompido durante alguns anos na perspectiva de criação dessa escola técnica indígena.

É importante destacar também a retomada e a rearticulação do CEPI, com a recomposição do conselho. Estamos agora numa fase de discussão no sentido de que o próprio governo, através de convênio, proporcione uma maior participação dos indígenas nas tarefas e ações que dialoguem com o CEPI, porque um dos temas identificados e dos problemas levantados pelos próprios indígenas é a dificuldade – e a plenária aqui hoje representa um pouco isso – de mobilidade dos indígenas. Para sair lá de onde moram, São Salvador, e chegar aqui, tem um custo, e muitas vezes as comunidades e os próprios indígenas não têm condições de arcar com esse custo.

Para concluir, não como medida que vá resolver o problema, mas que minimize um pouco a situação de algumas comunidades, o governo do Estado vem trabalhando no sentido de identificar algumas áreas públicas disponíveis e, numa discussão com as comunidades e com as famílias, a possibilidade de que algumas famílias possam estar ocupando essas áreas. Isso foi feito em Santa Maria, e a secretaria vem fazendo isso de forma permanente para que se consiga, pelo menos de uma maneira provisória, transitória, resolver o problema de alguns acampamentos. Isso foi feito com o acampamento Guarani, em Santa Maria. Estamos tratando da mesma forma o acampamento caingangue daquele Município. Mais um conjunto de áreas estão identificadas, e os técnicos da secretaria vêm fazendo vistorias no sentido de identificar a possibilidade de ocupação dessas áreas.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Concedo a palavra ao Sr. Luís Salvador.

O SR. LUÍS SALVADOR – Sr. Presidente, pergunto se haveria a possibilidade de chamar o pessoal do INCRA como parceiro, porque terras indígenas são responsabilidade dele também. O companheiro falou muito em parceiro do governo federal, e ele também está enquadrado no governo federal. Tem que ser facilitado ao Estado fazer o pagamento de indenizações. O INCRA também tem que estar ligado para que facilite ao agricultor em cima da terra indígena. Sem esse parceiro, não somos nada. O Estado também não irá bancar tudo. Para isso, tem que existir o recurso. O INCRA tem que se mobilizar neste momento, porque é uma briga feia. Se não tivermos

essa parceria, fica difícil. Se os agricultores saírem de lá, onde é que irão morar? O INCRA tem que estar no nosso acampamento para poder resolver o problema.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Concedo a palavra ao procurador regional da República, Domingos Sávio Dresch da Silveira.

O SR. DOMINGOS SÁVIO DRESCH DA SILVEIRA – Bom dia a todos e a todas. É uma alegria estar aqui representando o Ministério Público Federal, instituição que represento aqui. Componho a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal da Procuradoria-Geral da República em Brasília, que tem por atribuição, fundamentalmente, organizar a atuação, a política e a intervenção do Ministério Público Federal com relação a índios, quilombolas e às demais minorias.

É uma tarefa constitucional do Ministério Público Federal a defesa dos interesses indígenas. Estamos aqui e, antes de mais nada, queremos dizer que temos um compromisso com a luta de vocês. É um compromisso com o resgate de uma dívida assumida de forma expressa na Constituição de 1988, que é a da identificação e demarcação de todas as terras indígenas.

Tem sido essa a postura do Ministério Público Federal pelo País afora e também aqui neste Estado, com muita clareza, na defesa dessa luta.

Quando olhamos para a nossa realidade, tudo parece muito duro, muito difícil. A dor que sentimos, o nosso calo, é o que nos importa concretamente. Isso é assim porque não se trata de um calo em abstrato, mas, sim, de um calo concreto, de uma dor. E é essa luta que temos de enfrentar.

No ano passado, tive a possibilidade e a rica experiência de ser o ouvidor nacional de direitos humanos. Em função desse cargo, caminhei País afora, vendo um pouco de perto essa dor que representa o descumprimento dos direitos humanos como prática de governo.

Vemos isso pelo País todo, inclusive aqui. Vimos mais no governo passado, mas ainda podemos ver acontecendo por aqui. Há um déficit de muito tempo.

Mas, o que pude perceber é que existem governos estaduais que são anti-índios, enquanto outros, com mais ou menos dificuldades, maior ou menor vontade política, assumem como responsabilidade sua, também, a realização dos direitos humanos das populações indígenas.

Talvez tenhamos de olhar para a situação que tínhamos há quatro anos, para poder dizer que bons tempos são os que estamos vivendo atualmente. Os avanços são insuficientes, é verdade, e o movimento social tem, sim, o papel de cumprir, cobrar e pressionar o governo, tendo o Ministério Público Federal como um aliado nessa cobrança.

Não há dúvida disso, mas é preciso também reconhecer que estamos vivendo hoje tempos muito melhores do que os do passado. Esse reconhecimento não tem o significado de cessarmos a cobrança, de deixarmos de ficar em cima, mas, sim, de trazer um pouco de alegria à alma, o que é necessário para a caminhada, para a continuidade da luta.

Como bem disse Vermelho, em geral a realização dos direitos humanos traz um conflito de interesses. No caso da demarcação das terras indígenas, traz o conflito de comunidades pobres. Em geral, a ocupação das terras que vêm sendo identificadas como de índios estão nas mãos de pequenos agricultores. Há outra área ocupada por empresas rurais – lá a disputa é mais tranquila.

Quando se trata de assegurar o resgate da dívida constitucional, a realização desse direito

humano fundamental que é a preservação do meio material para que as comunidades indígenas possam assegurar suas culturas, seu modo de viver, de ser enfim, com frequência, encontramos o conflito. Ele tem de ser tido como um falso conflito de populações brancas, de camponeses pobres que já estão há muitos anos situadas nessas áreas.

Com razão o cacique diz que não querem retomar as terras dos índios para botar irmãos pobres e brancos na estrada. Portanto, há uma colisão de direitos fundamentais. Há o direito do agricultor de ter terra, produzir alimentos, ganhar sua vida e viver com dignidade. Por outro lado, há o direito também fundamental dos índios de terem suas terras demarcadas, estabelecerem suas áreas.

O grupo de trabalho que o governo do Estado organiza é importante exatamente para que possamos sentar e identificar as responsabilidades. Ele tem o sendido de que possamos, governo federal, governo estadual, Ministério Público Federal, estabelecer uma forma em que não tenhamos de violar o direito de ninguém, do pequeno agricultor mais diretamente, para realizar o direito dos índios. Precisamos encontrar uma solução. O desafio que se põe para nós todos é como realizar a demarcação das terras dos índios no Estado sem despir outro santo.

Contem com o Ministério Público Federal nessa luta pela conclusão da identificação e demarcação das terras dos índios no Rio Grande do Sul. É nossa tarefa, nossa função institucional lutar pela reforma agrária e pela proteção e defesa dos direitos indígenas.

O SR. JEFERSON FERNANDES – Bom dia a todos e a todas.

Tenho acompanhado de perto duas situações que envolvem desapropriação de agricultores e o primeiro caso de indígenas aqui no Estado. A primeira diz respeito ao projeto das barragens ao longo do rio Uruguai, que vai desapropriar milhares de famílias e compensar as pessoas que precisam ser retiradas dessas terras. A segunda, refere-se à luta dos povos indígenas para ocupar um território que originariamente é seu, mas que também desapropria agricultores.

Noto nesses dois projetos que quando se trata de hidrelétricas que envolvem um capital monumental de empresas privadas ou públicas, por mais que haja atrito, conflito e resistência dos agricultores, o processo se resolve, porque apresentam uma proposta concreta para os agricultores. Em muitos casos, eles são convencidos de que aquela compensação vale a pena, ou seja, que vale a pena ser removido para outro local, às vezes, até melhor em termos de cultivo.

Quando tratamos de desapropriação de terras para os povos indígenas, demora. Temos avanços, é bem verdade, mas muito aquém do que precisamos.

Percebo que é legítimo e adequado governo do Estado, Ministério Público, Defensoria, deputados e entidades trabalharem na perspectiva de acelerar esse processo. No entanto, essa aceleração tem que ser muito mais intensa. Atribuo a lentidão do processo não só ao problema de propriedade da terra, existe por detrás um preconceito muito acentuado em relação ao direito dos povos indígenas. Preconceito que contagia os políticos em especial que atuam nesses casos.

Em muitas aldeias que tenho visitado, mesmo que de forma velada, os brancos não querem abordar esse tema. Agora no processo eleitoral, candidatos pedem para não tratar dessa temática porque podem se prejudicar com o voto dos brancos, ou dos indígenas.

Enquanto não enfrentarmos esse tema com a cabeça erguida, na perspectiva de que é um direito dessas populações, sem negar o direito dos pequenos agricultores, mas fazendo com que haja

projetos que compensem efetivamente a sua saída daquele espaço, não resolveremos. Vejo postergação e, quando se trata do tema, ou é uma visão só dos agricultores, ou só dos indígenas.

Aplaudo a iniciativa do governo do Estado. Ao mesmo tempo, reivindico uma representação da Comissão de Direitos Humanos no grupo de trabalho, para que possamos acelerar o processo de resolução do tema.

Finalizo dizendo que, embora não seja tema desta audiência, muitas comunidades que já possuem o direito à terra estão totalmente abandonadas no que se refere a políticas públicas. Não há assessoria técnica para produzir. Em que pese o esforço da Emater, melhorou neste governo, não havia nada nos governos que nos antecederam, ainda é muito acanhado.

Na educação, há escolas abandonadas nas aldeias, sem energia elétrica, sem água potável. As crianças não têm nenhuma assistência adequada no que diz respeito à prevenção às doenças.

Fui a várias aldeias, e, quando pergunto quais são os principais problemas, o pessoal diz que é preciso um caderno para anotar, porque há problemas em todas as áreas. É preciso que haja uma política pública também para quem já possui o direito à terra. Friso aqui que, em que pese o esforço deste governo para atender o que não vinha sendo atendido, tudo o que fizermos ainda será pouco perto da injustiça, que, ao longo dos séculos, foi sendo cometida contra os guaranis, os caingangues, os charruas e outras etnias, que inclusive já foram extirpadas do Estado do Rio Grande do Sul.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Concedo a palavra ao deputado Edegar Pretto, que é um dos autores do requerimento que deu origem a esta audiência pública.

O SR. EDEGAR PRETTO (PT) – Bom dia a todos os senhores e as senhoras.

Cumprimento o presidente da comissão, deputado Miki Breier; os meus colegas deputados Jeferson Fernandes, Altemir Tortelli e Aldacir Oliboni; as autoridades do governo do Estado e do governo federal; os companheiros da liderança dos povos indígenas; as autoridades do movimento social; os defensores dos direitos humanos que aqui estão; e os companheiros do INCRA.

Como disse o deputado Miki Breier, sou proponente também desta audiência pública e acho que é sempre atual podermos debater, contribuir e ajudar para que essa dívida histórica possa ser cumprida. Nessa luta, não há coluna do meio: apoiam ou não apoiam.

Reafirmo aqui às nossas lideranças indígenas o nosso compromisso e a nossa luta pela demarcação das terras indígenas. Não se trata de um favor que está sendo feito. Fazer isso acontecer não significa que não possa ser objeto também de uma condenação daqueles que estão em cima da terra, porque foram colocados lá. Cabe ao Estado também resolver essa questão. Somos, sim, a favor da devolução das terras demarcadas, que são de direito dos povos indígenas. Agora estamos lidando com mais um problema: os pequenos agricultores pobres que lá estão, que também têm direito à terra. E, aí, vão ficar jogando a culpa num e outro? Vai haver conflito de um pobre contra o outro? É agora que o Estado tem que agir.

Considero muito certo utilizar os mecanismos internacionais de proteção dos direitos humanos, que têm que ser acionados e que, se for preciso, devem condenar, porque essa é uma dívida que o nosso País tem com os povos indígenas. Não é fácil entender essa problemática. O resumo disso é que as normas e as leis do nosso País não foram organizadas para beneficiar os pobres. É por isso que é tão difícil um recurso chegar aos pobres.

Quanto à questão da seca que ocorreu no nosso Estado, empreendemos uma luta agora para garantir um cartão estiagem quase que simbólico de 500 reais aos pequenos agricultores assentados da reforma agrária, mas foi muito difícil para esse dinheiro chegar. Para o dinheiro público chegar ao pobre, é dificílimo, mas, para chegar à montadora de automóvel, é muito fácil, o dinheiro sai rápido, sai fácil a isenção de impostos, porque as normas no Brasil foram organizadas para beneficiar os grandes grupos.

Muitas vezes não entendemos como é que uma decisão política é tomada e não se concretiza no dia a dia. Aí entra a luta dos direitos humanos, do movimento social e dos nossos mandatos, que tem que ser uma ferramenta também para ajudar no sentido de que a decisão política se sobressaia à burocracia do nosso País.

É muito bom ter um espaço como este lotado de pessoas com disposição de alma e de bom coração, que estão juntos nesta luta.

Concordo que, para não desanimarmos, temos que olhar para trás e ver o que tínhamos e o que temos hoje. Há um governo do Estado que não usa mais a repressão, que recebe os índios no Palácio Piratini, os sem-terra, os desempregados. Há um abrigo lá para receber as pautas e colocar à disposição mecanismos para resolver essas questões. Antes, não passávamos da porta do Palácio Piratini. Avançamos bastante, mas cabe continuar com a luta do movimento social.

Há um ditado que diz que o feijão bom é feito no fogo alto e na panela de pressão. Então, temos que colocar lenha nessa fogueira para que ocorram avanços. O importante será o final: quantas terras foram demarcadas, quantos índios já estão em cima da sua terra e quantos agricultores não foram simplesmente tirados da terra e deixados à margem da estrada. Isso irá acontecer com a nossa força e com a nossa mobilização. Podem contar conosco.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Concedo a palavra ao deputado Altemir Tortelli, que nos prestigia com sua presença.

O SR. ALTEMIR TORTELLI (PT) – Bom dia.

Saúdo o presidente desta comissão, deputado Miki Breier, e os companheiros deputados Jeferson Fernandes, Edegar Pretto e Aldacir Oliboni; as lideranças das comunidades indígenas; os representantes do governo; as entidades aqui presentes.

Não faço parte da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, somente de outras comissões da Casa. E ontem, às 11 horas, tivemos reunião de uma comissão especial criada para tratar também deste tema na Assembleia Legislativa.

Decidimos, na reunião, promover audiências públicas e construir um conjunto de debates sobre o assunto no Estado. Mas, no meio da conversa, alguém levantou que poderíamos tratar da questão junto com a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, que vem debatendo o problema há mais tempo.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Deputado Altemir Tortelli, gostaria de informá-lo que hoje, nesta reunião ordinária, deliberamos que a audiência do dia 27 de agosto, em Constantina, já será realizada em conjunto com a comissão especial. Entendo que em algumas ações talvez possamos caminhar juntos.

O SR. ALTEMIR TORTELLI (PT) – Não tenho dúvida de que devemos criar condições políticas de diálogo nessa questão, de forma a permitirmos que especialmente as partes prejudicadas no processo possam obter soluções. Há séculos assistimos à problemática vivenciada pelos nossos companheiros indígenas, havendo, também, a problemática que envolve as regiões com predominância de agricultores familiares.

Isso tudo torna a questão mais complexa, mais difícil de ser tratada. Como dizia o nosso amigo do Ministério Público, há uma população que está naquela área que está sendo desapropriada há 100 anos, entendendo-se como legítimo o direito de lá estarem vivendo. Por esse motivo, não tenho dúvidas de que o caminho a ser construído deve ser no sentido de que essas duas partes possam dialogar.

Juntamente com isso, é preciso que chamemos o Estado à responsabilidade, tanto em nível federal quanto em nível de cada unidade da Federação – no nosso caso, de Rio Grande do Sul. Isso se faz necessário, para que possamos encontrar caminhos alternativos.

Quero parabenizar o nosso governo do Estado e a procuradoria pela notícia de constituição de um grupo de trabalho. Reforço a observação do deputado Jeferson Fernandes, quando S. Exa. aponta para a perspectiva de estar junto, no referido grupo, a Assembleia Legislativa. Percebi, no entanto, que a necessidade de participação dos entes da sociedade não foi colocada.

Então, não sei se não seria importante alargarmos um pouco a presença de representações no debate, com a participação dos agricultores familiares e da comunidade indígena. Assim, ambos os segmentos poderão estar presentes na construção do processo, que é muito importante para consolidarmos um resultado mais profundo, mais sólido, mais firme.

No meu entendimento, as condições políticas não são fáceis. Está havendo um movimento contra o direito dos povos indígenas, promovido pela bancada ruralista em Brasília. As organizações patronais estão-se movimentando com o objetivo de retirar do governo a atribuição da demarcar as áreas, para repassá-la ao Congresso Nacional.

Existe, portanto, um movimento fortíssimo do outro lado, o que me faz considerar muito necessário, muito positivo que juntemos forças. Acredito ser possível construir convergências entre as representações dos pequenos agricultores e dos povos indígenas, convergências essas que envolvam também governos como o do Rio Grande do Sul, que tem essa sensibilidade, tem-se posicionado claramente, compreendendo as duas partes e a necessidade de todos sentarem-se ao redor da mesa e discutirem ações conjuntas.

Acredito que temos condições de criar rumos para o Brasil. Com a condição política de governo e a participação da Assembleia Legislativa – nesse esforço que precisamos fazer, presidente Miki Breier, para juntar o movimento das duas comissões –, o Rio Grande do Sul tenha venha a ter a grande oportunidade de apontar caminhos para o Brasil. O grupo de trabalho pode ser um bom espaço, mas talvez ele deva alargado pela presença da Assembleia e da representação social do Estado.

Parabenizo a CCDH pela iniciativa de debater este assunto. Estamos participando da luta dos companheiros das comunidades indígenas, porque a consideramos legítima, mas também consideramos importante olhar para este outro povo, que são os pequenos agricultores. Eles também precisam de caminhos de luz, que não podem situar-se à beira da estrada, não podem resultar em uma contrarreforma agrária.

Se apenas indenizarmos as benfeitorias realizadas pelas milhares de famílias que hoje

vivem naquelas áreas, também estaremos ajudando a jogá-las na beira das estradas ou nas periferias das cidades. Acho que esse povo também precisa receber um olhar de complementaridade, de ação conjunta, que considero possível construirmos.

Acredito na possibilidade de definirmos caminhos para que os dois – companheiros irmãos indígenas e agricultores familiares – tenham os seus espaços, os seus direitos respeitados. Entendo que não somos os inimigos. Muito pelo contrário, os inimigos dos povos indígenas e dos agricultores familiares são aqueles que sempre mandaram no Brasil, que foram hegemônicos e continuam construindo a concentração de terra, expulsando agricultores e penalizando os povos indígenas. Creio ser esse o grande compromisso que precisamos assumir. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Já temos várias inscrições. Pedimos que os inscritos utilizem o microfone sem fio.

De imediato, concedo a palavra ao representante do CEPI, o caingangue Jaime Alves.

O SR. JAIME ALVES – Bom dia a todos!

Quero contribuir um pouco. Muitas vezes, tenho participado de reuniões. Só vemos confronto com os povos indígenas.

Por outro lado, queria reforçar que nós, como povo, estamos organizados. Falta o Estado Brasileiro fazer a sua parte. Falaram em 2 mil, 2 milhões, parece, enquanto isso, ao pequeno agricultor são 22 bilhões de reais. Fico muito chateado com esse pouquinho de dinheiro.

No ano passado, muitas comunidades pegaram só 250, 300 reais. O que dá para fazer com isso numa comunidade de 30 famílias?

Essa era a minha colocação.Também queria falar de quando se criam comissões, sem ter a participação dos povos

indígenas. Segundo a convenção nº 169, podemos entrar em juízo para nós também ajudar essa comissão. Está na convenção. Então, cuidem muito bem ao criar uma comissão.

Só queria colocar isso, porque ficamos chateados de ver, mais uma vez, gente sofrendo. Muitas vezes, são criadas comissões para gastar o dinheiro público, que poderia ser usado para solucionar o problema do nosso povo.

Quero também agradecer muito a participação do Ministério Público Federal e também da Defensoria Pública. Sem eles não somos nada. Agradeço também a Procuradoria da Fundação Nacional do Índio. São as partes que fazem a nossa defesa na questão do direito a terra.

Era isso. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Edegar Pretto – PT) – Muito obrigado pela sua participação, Jaime Alves.

Concedo a palavra ao superintendente do INCRA do Rio Grande do Sul, Sr. Roberto Ramos.

O SR. ROBERTO RAMOS – Bom dia a todas e a todos!

Cumprimento o deputado Edegar Pretto, que substitui neste momento o presidente desta comissão, deputado Miki Breier, e os demais integrantes da mesa. Saúdo ainda o representante do governo do Estado, da SDR, da Defensoria Pública e da Procuradoria-Geral do Estado e meus colegas da Funai, Adir Reginato e João Alberto Ferrareze.

Sou solidário com a nossa guerreira Funai, que, com o INCRA, talvez seja uma das instituições federais mais sucateadas no âmbito nacional. Temos os servidores com os piores salários na esfera federal. O INCRA está há mais de um mês em greve. Várias instituições estão entrando em greve, mas a situação do INCRA é gritante em relação ao estado de sucateamento dessa instituição e ao achatamento dos salários.

Cumprimento os representantes indígenas.

Aproveito este espaço e a provocação do Salvador que chamou o INCRA à responsabilidade para tentar resolver o problema das demarcações das terras indígenas.

Dentro das atribuições do INCRA que são de conhecimento público, começando pelo controle de toda a malha fundiária do Estado por meio do cadastro de imóveis rurais, há uma missão fundamental definida na Constituição que é a de promover a reforma agrária. Essas são atribuições precípuas do órgão.

Fazendo um paralelo e uma analogia com o tema aqui discutido, a partir de 2003, com a publicação do decreto nº 4.887, o INCRA passou também a ser responsável pela demarcação das terras quilombolas aqui no Estado.

O Adir relatou umas duas dezenas de terras indígenas que estão em processo aqui no Estado e que se encontram em fases de demarcação, homologação e desintrução.

Hoje há, no INCRA, 75 processos de territórios quilombolas que precisam ser demarcados somente aqui no Rio Grande do Sul. Desses 75, apenas três estão titulados, 13 com RTID publicado, que é o primeiro documento que reconhece o território, e 20 com relatório antropológico, que é o primeiro documento que define uma comunidade quilombola.

Para passar uma ideia do tamanho dessa missão que está hoje com INCRA e aproveitar o espaço para que mais pessoas se engajem nessa luta, quero dizer que somente no território quilombola do Morro Alto, em Maquiné, temos a obrigação de desintrusar, retirar aproximadamente 500 famílias não quilombolas.

É uma missão bastante grande e com forte impacto social. Trata-se de pequenos agricultores, pequenos posseiros que precisam ser retirados do território quilombola.

Sobre a diferença entre a questão do território indígena e a do território quilombola, quero dizer que está claro que o INCRA tem base legal para indenizar as apropriações dos ocupantes não quilombolas dentro desses territórios, com indenização das benfeitorias e da terra nua.

Quer me parecer que o que mais dificulta para o avanço das demarcações das terras indígenas – o Ederson leu uma manifestação oficial da Secretaria de Desenvolvimento Rural em relação a isso – é a indenização, principalmente em faixa de fronteira, dos ocupantes não índios.

O INCRA já tem um parecer da Advocacia-Geral da União – AGU –, que norteia um

pouco a nossa procuradoria em relação à base legal, dizendo que o INCRA ou o governo federal não podem indenizar ocupantes de terras indígenas por se tratarem de terras públicas. Diferentes dos territórios quilombolas, as terras indígenas são públicas e, por isso, não são indenizadas. A Funai também somente tem competência para indenizar as benfeitorias. E o que se faz com os agricultores que lá estão de boa-fé produzindo? Como fica a indenização? Penso que esse é o grande impasse.

Apesar da grande missão que temos na área quilombola, está claro que o INCRA tem como indenizar os ocupantes que não são quilombolas, diferentemente da terra indígena.

Já participamos em várias oportunidades de reuniões. O superintendente anterior era um entusiasta do assunto. Trouxe aqui uma série de documentos que coletei da superintendência com manifestações do INCRA e questionamentos da Procuradoria e do Ministério Público.

Inclusive foi por motivação do próprio INCRA que o Ministério Público Federal, em Passo Fundo, ajuizou uma ação civil pública. Entendíamos que, se o INCRA fosse condenado a indenizar os ocupantes não índios, os de boa-fé, dentro das áreas indígenas, na faixa de fronteira, poderíamos superar o entrave constitucional de que não se indeniza terra nua nas áreas indígenas – e isso está tramitando, não está encerrado.

Tivemos várias iniciativas para que pudéssemos colaborar com essa missão, que é atribuição da Funai, em que o INCRA tem experiência, competência e base legal para ajudar, principalmente com relação a pensar numa solução para aqueles que estão nas terras indígenas e não são índios.

Atualmente, temos colaborado com a Funai, pois disponibilizamos funcionários e servidores do corpo técnico do INCRA para avaliarem as terras ou auxiliarem nos levantamentos que ela faz.

É possível, hoje, o INCRA incluir esses ocupantes que precisam sair das terras indígenas no programa de reforma agrária, mas isso não é bem aceito por parte dos pequenos agricultores.

A compensação que o Estado está lhes está oferecendo é muito pequena: um lote de reforma agrária em que há apenas a concessão do uso, um domínio precário, que não pode vender, não pode doar, não pode dividir, seguindo as regras normais do programa da reforma agrária.

O grande entrave é que nenhum agricultor que está hoje em terra indígena aceita sair com a promessa de um lote de reforma agrária, que é o que atualmente podemos oferecer, pois não temos como indenizar as terras e nem outra forma de compensação.

O INCRA coloca-se à disposição para o que puder colaborar, mas, como disse, a nossa atividade, o nosso poder é complementar nessa questão, pois temos outras atribuições.

Novamente, peço a colaboração da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos e dos deputados para trazerem discussões – e já participamos de algumas – sobre a questão quilombola no Estado, que também é importante e que visa a reparar as injustiças históricas cometidas por nós mesmos. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Obrigado, Sr. Roberto Ramos.

Passo a palavra ao Sr. Sérgio Anibal, vice-cacique Charrua.

O SR. SÉRGIO ANIBAL – Pedi à secretária para guardar um lugar à mesa para a cacica Acuab.

Nasci e cresci em Santana do Livramento, fronteira com o Uruguai.

Hoje, quando chegamos a qualquer Município do Rio Grande do Sul, nos apresentamos para vender produtos, para mostrar a nossa cultura e somos muito maltratados. Somos tratados pior do que bichos.

Quando chega um indígena para vender o artesanato, falam que o indígena não existe e chamam outros indígenas de outras partes do Brasil, outros parentes.

O nosso povo Charrua passou 40 anos a cacicar com toda a família, perambulou pela Região das Missões, depois veio para Porto Alegre e passou 40 anos no Morro da Cruz para depois não ser reconhecido.

Ajudei a cacicar com a Acuab, porque sou parte desse povo, para conseguir o processo de reconhecimento, e hoje o Estado do Rio Grande do Sul tem essa dívida conosco, povos indígenas e Charruas. Como a cacica falou: 100% da cultura gaúcha é Charrua.

Hoje, alguém diz: Bah, tchê, tem uma escola indígena! Chega lá, mas que escola? Qual a educação que nos é dada? Se alguém chegar em qualquer evento de professores e falar em educação indígena, o cara o fica olhando de lado.

Quanto à demarcação de terras, antigamente eram 30 mil, 40 mil, 50 mil hectares, e hoje o que é? Meio metro.

Portanto, o que queremos é o nosso direito, o direito à nossa terra, à saúde, à nossa cultura, às nossas tradições, a manter vivo o que os nossos antepassados vinham fazendo.

Hoje, em Nova Hartz, há uma empresa que se chama Monolito, na qual estão extraindo minérios, extraindo granito e estão destruindo uma coisa valiosa para o Estado. O quê? A pintura rupestre, que os antepassados charruas deixaram nas pedras. As pinturas rupestres têm um valor inestimável. São mais valiosas que a Mona Lisa.

Mantemos a nossa aldeia a partir da pintura tradicional. Não conseguimos, com o pessoal da Agricultura, um espaço dentro da Expointer para poder mostrar a nossa cultura, a pintura tradicional, nossa comida, nossa dança.

Hoje, quando o assunto é terra, primeiro pensam no agricultor. Nós temos um inimigo muito grande, que é a Ana Amélia. Para ela é muito fácil juntar um grande número de agricultores aqui no plenário, no Teatro Dante Barone, mas, quando dois indígenas chegam para falar, o microfone é cortado. Foi o que foi feito. O País está (ininteligível). É isso que acontece.

Nós pedimos o quê? Esta audiência é para um direito nosso à terra, à vida. A terra para nós é vida. É só isso.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Muito bem, Sérgio.

Concedo a palavra ao representante da Funai, Sr. João Alberto Ferrareze.

O SR. JOÃO ALBERTO FERRAREZE – Bom dia a todos. Cumprimento os integrantes da mesa, todos os presentes e, em especial, os representantes das comunidades indígenas.

Queremos agradecer o convite de poder participar deste evento, cuja importância foi enfatizada por todos os que já me antecederam e, em especial, pelas lideranças indígenas que já falaram aqui.

Os índios buscam a regularização fundiária, que é um direito garantido a eles na Constituição. A regularização fundiária, o direito à terra, isso representa a vida deles.

Sempre que se fala em regularização fundiária, tudo é muito sofrido e é muito demorado. Além dos entraves necessários técnicos como a regularização fundiária, como já foi falado aqui, tem muito problema de preconceito desde o início até o fim do processo. O preconceito já começa ali, na comunidade envolvente. Não dá para generalizar, mas começa na comunidade envolvente, no Município, no Estado e, depois, segue até o Congresso Nacional.

Nós temos processos de regularização fundiária no Estado do Rio Grande do Sul que passam de 10, 15, 20 anos. E os índios já não se entusiasmam tanto com o início de um processo de regularização fundiária. O nosso amigo lá, do Rio dos Índios, sabe do que estou falando. Há mais de 10 anos estão nisso. Temos processos demarcados no Cantagalo, também com mais de 10 anos. São muitos processos complexos, que vão se complicando com o passar do tempo.

Agora, com a PEC e a portaria da AGU, se aprovadas, se seguirem adiante, os processos de regularização fundiária ficarão altamente comprometidos. Repito, altamente comprometidos.

Atualmente, no Rio Grande do Sul, no banco de dados da Funai, há 33 novas reivindicações: uma xocleng, uma charrua, nove caingangues e 22 guaranis.

No caso das comunidades guaranis do Estado do Rio Grande do Sul, um total de 34 entre aldeias e acampamentos, cinco estão com regularização fundiária concluída, cinco foram adquiridas pelo governo do Estado, e é possível dizer que os índios estão tranquilos lá, três áreas foram adquiridas pelo processo de compensação da duplicação da BR-101, pelo componente indígena. Ainda está se abrindo mais um processo de aquisição de área pelo mesmo processo da BR-101. Agora, nos próximos dias, terá início a aquisição de mais sete áreas pelo programa da duplicação da BR-116, também em razão do componente indígena.

Os processos de regularização fundiária só podem prosseguir com a união de esforços: Funai, governo do Estado, deputados, INCRA, Ministério Público Federal, Defensoria Pública. Todos. Se não se unirem os esforços, não vai adiante. Dá para dizer que, no Estado do Rio Grande do Sul, embora tenha sido dito que a regularização não está totalmente concluída, os processos tiveram andamento quando o governo do Estado participou. Alguns não estão concluídos, mas quase, como Serrinha, Ventarra e Monte Caseiros.

O processo anda, mas quando chega na indenização da terra – os agricultores, às vezes, estão ali de boa-fé –, ele paralisa. Os agricultores não querem sair, porque não são indenizados. A situação complica, passam dois, três, quatro, cinco anos e quem acaba sofrendo são as comunidades indígenas. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Miki Breier – PSB) – Transfiro a presidência dos trabalhos ao deputado Edegar Pretto, pois tenho que representar a Assembleia Legislativa em outra atividade.

(Transfere-se a presidência.)

O SR. PRESIDENTE (Edegar Pretto – PT) – Com a palavra o Sr. Merong Tapurumã.

O SR. MERONG TAPURUMÃ – Bom dia a todos.

Sou pataxó-hã-hã-hãe e vivo no acampamento Guarani há mais de três anos. Estou representando o cacique Joel, que não pode estar aqui por motivo de força maior, e trouxe um documento que a comunidade mandou entregar a vocês.

Quero deixar um desabafo e uma pergunta da nossa comunidade e de outros que enfrentam a mesma situação. Não sei se será respondida, mas quero deixar esse desabafo. Até quando nosso povo vai ter que esperar? Até quando vamos ter que olhar para nossas crianças doentes por causa do agrotóxico, por falta de saneamento básico? Até quando vamos passar sede? Até quando o nosso povo vai beber água ruim?

Vemos nossas crianças nascendo, crescendo, muitas vezes adoecem. As pessoas que passam na beirada da estrada nos agridem verbalmente. Até quando isso vai continuar? Porque vai ano, entra ano, nasce criança, morre velho e a história do índio no Brasil é a mesma coisa. Sempre. Vemos o Guarani mais velho triste, porque quer plantar, mas não tem terra. Quer criar, mas não tem terra. Quer fazer artesanato, mas não tem semente, não tem de onde tirar, porque o vizinho do lado, que é o dono da terra, que veio lá da Itália, não sei de onde, não deixa tirar. Até quando vai continuar essa situação?

Vocês são pais e avós, os que não são têm sobrinho. Olhar para a sua criança doente por falta de saneamento básico. Damos água para a criança sabendo que aquela água não é boa. O nosso Brasil era rico. Tínhamos uma natureza limpa, matas e água, e tudo isso nos foi tirado. Quando a terra do índio vai ser entregue? A terra foi explorada, e a natureza está destruída. O que vamos encontrar quando essa terra for entregue? É isto que quero dizer: o povo indígena continuará lutando unido e nunca vai desistir.

O SR. PRESIDENTE (Edegar Pretto – PT) – Concedo a palavra à diretora do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania da Secretaria de Justiça e Direito Humanos, Sra. Tâmara Biolo Soares.

A SRA. TÂMARA BIOLO SOARES – Cumprimento o presidente Edegar Pretto e a Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa por ter nos convocado para estar aqui hoje a fim de debater esse tema.

Bom dia a todos e a todas.

Irei cumprimentá-los, tanto aos integrantes da mesa como ao público, na pessoa do Luis Salvador, que é um dos nossos coordenadores do Conselho Estadual dos Povos Indígenas, que está vinculado à Secretaria da Justiça e dos Direitos Humanos. Aqui represento a secretaria, que também irá compor o GT que está sendo criado pelo governo do Estado.

Fui precedida por companheiros de governo que já listaram uma série de ações. Procurarei não repeti-las, mas darei ênfase a alguns temas que considero importantes. O primeiro deles – um dos últimos aqui citados – diz respeito ao Conselho Estadual de Povos Indígenas, que está

vinculado à Secretaria da Justiça e Direitos Humanos técnica e administrativamente. Efetivamente estamos modificando a cara desse conselho com algumas ações.

A primeira delas, que acredito ser a mais importante, é justamente fazer com que o conselho seja o lugar institucional do protagonismo dos povos indígenas perante o governo. Esse fortalecimento tem que ser concreto, orçamentário, e deve proporcionar aos indígenas condições de se deslocarem a Porto Alegre para outras atividades institucionais do conselho. É preciso também trazer os próprios indígenas para a secretaria executiva do conselho, o que nunca aconteceu. A secretaria executiva sempre existiu, mas nunca nenhum indígena trabalhou lá diariamente. Essa é uma das nossas prioridades hoje.

Já conversamos com o Salvador e, por intermédio da Arpinsul, que é justamente uma articulação das lideranças indígenas para os Estados do sul, mediante um convênio com a Arpinsul vamos contratar indígenas para trabalhar na secretaria executiva do SEPI, o que, acreditamos, fortalecerá o conselho e a noção de protagonismo que desejamos que os povos indígenas tenham perante o governo e, obviamente, a sociedade.

Obviamente existe algumas dificuldades em relação às políticas sociais, uma vez que temos uma demanda social reprimida de oito anos. Este governo recebeu essa demanda social reprimida. Digo que oito anos antes do seu início, deputado Edegar Pretto, simplesmente não havia Estado para os grupos vulneráveis no Rio Grande do Sul. Se havia, era um Estado de controle e repressão social.

Assim, nós recebemos uma demanda reprimida. Mas, aos poucos e com dificuldades – e também com escassez de recursos financeiros e humanos –, conseguimos nos colocar muito à frente do processo. Tendo a Secretaria de Desenvolvimento Rural, Pesca e Cooperativismo à frente do processo, estamos tentando retomar com relação aos povos indígenas.

Quanto à questão fundiária, foi muito bem dito aqui que ela andou com o governo estando à frente de todas as ações. Concordo com isso, acrescentando apenas que, além do governo, é importante a PGE estar à frente do processo.

Neste ponto, quero transmitir nossos cumprimentos ao Vermelho, representante da PGE, uma vez que foi da procuradoria a iniciativa da criação deste grupo de trabalho. É importante que faça esse registro.

Também é da PGE uma das principais iniciativas no sentido de fazer com que este processo ande internamente. Outras administrações ou outras caras que a PGE teve no passado colocavam tais processos embaixo da pilha, mas agora, felizmente, contamos com o procurador-geral Carlos Henrique Kaipper e o Vermelho à frente da Comissão de Direitos Humanos do órgão. Comprometidos que estão com esse tema, S. Exas. certamente vão fazer com que os processos caminhem mais rapidamente.

O deputado que me antecedeu comentou que talvez fosse importante trazermos a sociedade civil para dentro do GT. Vou respeitosamente discordar de sua posição, porque nos parece que cabe ao governo oferecer essa resposta à sociedade. Se trouxermos a sociedade civil para dentro do GT, de certa forma vamos estar compartilhando uma responsabilidade que compete ao governo; é ele que tem de dar essa resposta.

Portanto, considero melhor o GT ser de caráter interno. No final de seus trabalhos, o governo é que fará a prestação de contas, dará essa resposta à sociedade.

Quanto à expectativa de que a partir de agora o governo gaúcho passe a ser exemplo, quero

dizer que tenho representado nossa administração no Codesul, no esforço de discussão sobre o tema indígena que, no âmbito do BRDE, é feito pelos Estados do Sul – Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Estive em várias reuniões ao longo deste ano, reuniões essas que foram realizadas no Paraná e aqui em Porto Alegre.

Hoje, a presidência do Codesul está com o Estado do Paraná. O Rio Grande do Sul, no entanto, já é exemplo, pelo menos em relação a outras unidades da Federação. Como disse o Dr. Domingos, há Estados que ainda praticam uma política de extermínio em relação aos povos indígenas, e alguns dos que participam desses esforços têm demonstrado mais uma prática desse tipo do que uma política, efetivamente, de protagonismo e preservação dos povos indígenas.

Mesmo assim, temos uma dívida ainda muito grande. Trata-se de uma dívida histórica, e quatro anos de governo talvez não sejam suficientes para pagá-la, para saldá-la. O atual governo, no entanto, tem esse compromisso, e está empreendendo esforços conjuntos com vista a atendê-lo.

De nada adiantaria dizermos internamente, no governo, que essa questão é de responsabilidade apenas da Secretaria da Justiça e Direitos Humanos, da SDR, da PGE, da Casa Civil. Não, essa é uma responsabilidade de Estado. Ela é uma responsabilidade do governador Tarso Genro, que cunhou a sentença: Vamos construir um círculo benigno ao redor das populações indígenas.

É isso que nos anima, enquanto grupo de trabalho, enquanto governo, a resolver um problema tão histórico quanto o fundiário. A maioria das lideranças indígenas, por outro lado, também considera legítimo o direito de os pequenos agricultores serem retirados de suas terras e assentados adequadamente.

Digo isso porque muitas vezes se instala um conflito que, na prática, não existe. Como afirmei, a maioria das lideranças indígenas entendem ser legítimo o direito dos agricultores, desde que o atendimento a essa reivindicação não venha a atrasar o processo por mais cinco, 10 ou 15 anos. Trata-se de um direito legítimo, mas vamos trabalhar para que ele não signifique atrasar a quitação da dívida da demarcação das terras indígenas.

Muito obrigada, e parabéns, mais uma vez, pela reunião da comissão.

O SR. PRESIDENTE (Edegar Pretto – PT) – Concedo a palavra ao representante do núcleo de Educação Indígena da Secretaria de Educação, Rodrigo Venzon.

O SR. RODRIGO VENZON – Vou falar não do tema da educação, mas, sim, como alguém que acompanha a luta dos povos indígenas há 30 anos. Faço isso desde 1982. Nesta Casa, inclusive, juntamente com os povos indígenas, acompanhei o processo de formulação dos direitos dessas comunidades na Constituinte Estadual.

A Constituição de 1989 tem definidos instrumentos jurídicos para a indenização não de terras dos agricultores, porque isso é vedado constitucionalmente, mas de títulos de terras indígenas expedidos irregularmente. Então, se os agricultores estão há 220 ou 240 anos nessas áreas, podemos lembrar que os indígenas nelas vivem há 12 mil anos. O tempo de ocupação por populações europeias representa 1% ou 2%, apenas, do tempo de existência de povos indígenas em nosso Estado.

Quando da elaboração da Constituição Estadual, lideranças indígenas propuseram uma emenda popular prevendo que houvesse uma compensação dos títulos expedidos irregularmente

para agricultores. Isso foi feito em acordo com a Constituição Federal de 1988, que reconhece as terras indígenas como tradicionais. O entendimento foi de que o Estado deveria pagar, aos agricultores, os títulos que lhes havia vendido irregularmente.

O Rio Grande do Sul, nesse sentido, criou um precedente qua ainda não existe em termos nacionais e que visa a resolver situações de conflito geradas pela ocupação de terras indígenas por pequenos agricultores. Isso deu margem ao surgimento da legislação do Funterra, que também foi aprovada pela Assembleia Legislativa e que, nestes 23 anos de vigência da Constituição Estadual, conseguiu restituir 20 mil hectares de terras aos povos indígenas no Estado.

Essa restituição foi feita com a devida compensação aos agricultores. Esses, conforme seu interesse, receberam ou uma compensação em dinheiro, para a aquisição de outras terras, ou foram assentados em outras áreas. Isso aconteceu inclusive com agricultores que não tinham módulo rural; eles foram contemplados com a possibilidade de assentamento e, depois, de aquisição do restante do módulo.

Também os posseiros que estavam instalados de terras indígenas passaram a ter a possibilidade de ser assentados. O Funterra é constituído por recursos do governo do Estado – 50% – e do INCRA – outros 50%.

A indenização desses 20 mil hectares de terras indígenas foi feita ao longo de vários governos no Estado, e de forma diferente. Ela teve início no governo Alceu Collares, embora o governo que mais indenizou tenha sido o de Olívio Dutra. O que não indenizou foi o governo Yeda. Esses 20 mil hectares indenizados não tiveram a contrapartida do INCRA, que pela lei do Funterra deve depositar 50% do recurso ao próprio Funterra.

Seria esta a alternativa, a contrapartida que se pediria ao INCRA: que seja efetuado o depósito do recurso do Funterra para indenizar esses títulos dos agricultores, porque não se trata de uma legislação federal, é a Constituição do Estado que permite. Não é a indenização da terra nua que é proibida pela Constituição federal, mas a indenização do título sobre essas terras.

As terras já demarcadas para comunidades indígenas, que eram os toldos, representavam 20% das terras públicas na época da colonização que depois foram expropriadas dos indígenas. Os outros 80% foram colonizados.

Deixaram para os indígenas, como se fosse uma reserva florestal da colonização, 20% das terras, que representam o que os indígenas tiveram reconhecimento ao longo do século XX. A partir da década de 50, foram colonizadas quando a fronteira agrícola esgotou no Estado e se começou a colonizar mesmo as terras que estavam demarcadas para os povos indígenas, porque cada filho de agricultor que casava ganhava um lote de terra do governo do Estado, e as famílias indígenas perdiam com esse processo.

Hoje as populações indígenas estão reconstituindo suas comunidades. Eles passaram a ter os mesmos direitos que os agricultores tinham há um século, o mesmo direito de terem restituídas as terras necessárias para poderem ter seu modo de vida, que é assegurado pela Constituição Federal de 88.

O que eu penso ser significativo? O INCRA deve fazer um esforço no sentido de depositar recurso no Funterra e os deputados estaduais devem determinar uma quantia significativa de recursos ao Funterra para a indenização dos agricultores, além de trabalhar de comum acordo com esses agricultores a questão da restituição para os indígenas.

Lembro que temos um tempo de governo – já se passou um ano e meio – e não sabemos quem irá governar depois o Rio Grande do Sul. Temos um tempo para realizar essas questões e temos os instrumentos jurídicos para resolvê-las, não vamos inventar a roda.

Há uma questão que funcionou ao longo de todos os outros governos, menos do último por falta de vontade política ou de outra perspectiva política em favor dos grandes proprietários e contra os povos indígenas. Por isso, temos que seguir na mesma linha dos governos anteriores, que com um esforço significativo conseguiram contemplar a questão dos pequenos agricultores e devolver terras em quantias significativas aos povos indígenas, seus legítimos donos.

Peço aos deputados um esforço no sentido de que no orçamento do Estado sejam proporcionados recursos suficientes para o restante da compensação das terras indígenas, que necessitam da própria parte do governo do Estado, e que o INCRA dê sua contrapartida. Só isso seria suficiente para que os processos fundiários em andamento de reconhecimento de terra sejam realizados. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Edegar Pretto – PT) – Muito obrigado, Rodrigo.

Estamos nos encaminhando para o final desta audiência pública, peço a compreensão dos senhores.

O SR. LUÍS SALVADOR – Apenas para concluir, quero lembrar ao pessoal desta plenária e clarear a situação.

Onde moramos, nos Municípios onde estão os povos indígenas, só os vereadores conseguem segurar os pequenos agricultores.

Não tem problema de conflito nas terras demarcadas, que são asseguradas pelo poder político dos que moram dentro da terra indígena. Isso é o mais dificultoso que se enfrenta.

Quando vocês estão no Congresso já trazem as coisas com algo diferente. Mas para resolver lá, eles estão sempre atacando. O problema maior está na política deles, do Município.

Então tem que retirar, porque lá a maioria é representante dos indígenas que moram nas terras. Por isso essa demarcação das terras não avança, porque eles confrontam diretamente conosco.

É conflitante, sim. Então tem que tomar muito cuidado, deputado Edegar Pretto, para que se crie de fato. Vocês representam os direitos humanos, e eu queria que localizassem o mapeamento e conversassem com os agricultores. Eles não são contra. Em Vicente Dutra, aquela batalha só aconteceu por causa de dois políticos que moram lá. Se não fosse isso não teria acontecido esse conflito. Muito obrigado.

O SR. PRESIDENTE (Edegar Pretto – PT) – Com a palavra a Sra. Rabeca Peres da Silva.

A SRA. RABECA PERES DA SILVA – Bom dia a todos. Sou do Conselho Indigenista Missionário.

Penso que os direitos humanos são assegurados aos povos indígenas quando as suas terras são e forem demarcadas. Aí os direitos são garantidos. Cabe à Funai e ao governo federal tratar das demarcações das terras indígenas no Estado do Rio Grande do Sul. O governo estadual tem a sua função e precisa colaborar para que as políticas públicas sejam efetivadas, mas não pode interferir na política de demarcação das terras indígenas.

Cabe à Funai, junto com o INCRA, essa política de indenizações aos pequenos agricultores, que merecem toda a atenção e que devem ser assentados. Tem que se ter muito cuidado com relação a qualquer outra instância que for criada e que possa interferir diretamente, pois nenhuma está acima do governo federal, da Funai, que é o órgão indigenista, ao qual compete a execução da política de demarcação de terras dos povos indígenas.

Peço à comissão que sejam concretizados alguns encaminhamentos, além das demandas dos povos indígenas, que constam em documentos. Solicito que a Casa, por intermédio da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, encaminhe um pedido no sentido da revogação da portaria nº 303 da AGU, que é inconstitucional, ditatorial, que vai contra os povos indígenas, bem como da PEC nº 215, que viola os direitos dos povos indígenas e quilombolas.

Peço ainda que se assegure aos povos guaranis, atingidos pela duplicação da BR-116, que as obras do PAC dessa duplicação não sejam iniciadas enquanto não for garantido o acordo feito entre a Funai, o DNIT e as comunidades indígenas de aquisição de 700 hectares de terra. Eles estão lutando por terra há muito tempo, e essa indenização tem que ser concretizada, bem como as demarcações de terras indígenas que estão em processo GT para as comunidades de Petim, de Arroio do Conde e de Passo Grande. Uma questão não interfere na outra: uma diz respeito à aquisição das terras, à indenização a essas comunidades atingidas; a outra é pertinente à demarcação que tem que seguir seu rumo e também à demarcação de Itapuã, Ponta da Formiga e Morro do Coco.

O Parque Estadual do Itapuã é da esfera do governo estadual, que se diz parceiro dos povos indígenas e que também, se quiser colaborar, poderá entregar o parque para os povos indígenas, para o povo guarani, no caso. Também precisam ser asseguradas as terras do povo caingangue, da duplicação da BR-386. Lá eles estão sofrendo os impactos do PAC na BR-386, bem como o povo guarani na BR-290.

Agradeço a oportunidade de poder me manifestar e também a força das comunidades indígenas aqui presentes.

O SR. PRESIDENTE (Edegar Pretto – PT) – Concedo a palavra à Sra. Denise Wolf.

A SRA. DENISE WOLF – Bom dia a todos os presentes, especialmente aos caciques e lideranças indígenas que vieram até de longe para participar. Parabenizo a iniciativa.

Todos os governos falham ao esquecer as lutas às vezes de décadas anteriores.

Integro o Conselho Nacional de Políticas Culturais, no qual estão presentes umas 20 etnias, inclusive em processo de eleição para que novos representantes indígenas tomem parte desse colegiado.

Na minha opinião, não se deve diminuir a luta do Conselho Estadual de Povos Indígenas em governos ou décadas anteriores. Muito pelo contrário. Como já foi dito, a dívida é histórica, de milhares de anos, de séculos e, ultimamente, de décadas pela falta de demarcação de terras por parte da Funai.

É importante salientar que só vamos respeitar a autonomia indígena no momento em que os próprios indígenas estiverem participando de grupos de trabalho, conselhos, comissões, colegiados e dos próprios órgãos públicos.

Em Brasília, estou tendo oportunidade de ver que cada vez mais os indígenas estão presentes na Funai, na Funasa e nos órgãos públicos. Enquanto não se permitir esse papel aos próprios povos dentro dos órgãos públicos, será muito difícil respeitar a sua autonomia.

A demarcação de terra está diretamente envolvida com essa questão. Já foi muito bem manifestado aqui a dificuldade dos processos e a demora na demarcação de terras. Ultimamente, as compensações pelas próprias BRs têm permitido a aquisição de algumas áreas. Esse é um processo mais rápido e uma dívida que tem de ser resgatada.

Além disso, no Brasil inteiro as unidades de conservação da natureza têm sido muitas vezes sobrepostas a territórios indígenas. Implantaremos em breve o Sistema Municipal de Unidades de Conservação da Natureza. Duas unidades a serem criadas se relacionam com terras ocupadas por indígenas, sendo uma delas na Lomba do Pinheiro. Escrevemos muitos textos e relatórios sobre essa questão.

Peço a atenção de vocês para que, quando criarem o SNUC, respeitem os povos indígenas. Temos exemplos muito tristes aqui no Estado. O próprio Parque Estadual de Itapuã se estabeleceu com mais de 500 hectares, e os Guaranis possuem cerca de 40 hectares. Isso não pode se repetir. Imploro a vocês.

Se a perspectiva do sistema de unidades de conservação da natureza é a conservação da biodiversidade, não podemos esquecer que os povos indígenas preservam o território que ocupam. Afinal, sempre foram eles os principais guardiões da natureza.

Se existem unidades de conservação da natureza muitas delas sobrepostas, é porque eram as únicas áreas ainda conservadas. Por quê? Porque estavam nas mãos dos indígenas.

Peço a atenção de todos para a criação do Sistema Municipal de Unidades de Conservação da Natureza, o respeito à autonomia e a garantia da participação dos povos indígenas em todas as instâncias possíveis. Muito obrigada.

O SR. PRESIDENTE (Edegar Pretto – PT) – Agradeço às senhoras e aos senhores, às entidades, aos membros do governo estadual, do governo federal e do movimento social a presença.

Todos os depoimentos e os documentos que recebemos farão parte do relatório da Subcomissão de Demarcação das Áreas dos Povos Indígenas da Comissão de Direitos Humanos. Está tudo devidamente gravado e documentado pela nossa comissão. Muito obrigado pela presença e pela ajuda.

Está encerrada a presente reunião.