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 MET FÍSI LIVR O  98 0a22 1. Todos os seres h u manos na tur almente desejam o conhe - cimento. Isso é indicado p elo a preço que expe r imentamos pelos sentidos, pois independentemente do us o destes , nós os esti- mamos por si mesmos, e mai s do q ue t odos o s outros, o sentido da vi são. Não somente objeti vando a ação , mas mesmo q uan- 9 80a25 do o se v isa nenhuma ação, prefe rimos a visão - no gera l - a todos os dem ais sentidos, isto p orque, de todos os sentidos, é a visão o que melhor contribui para o nosso con hecimento das coisas e o q ue reve la u ma multipl ici dade de distin ções. Or a, os anima is nasce m naturalmente dotados do p oder da sensação, e a partir de sta alguns desenvolvem a faculdade da 980 b 22 memória, enqua nto o utros não. Conseqüentemente, os primei- r os são ma is inte igentes e mais ca p azes de apr e nder do que os incapazes d e lembrar . Os animais in capazes de ou v ir sons (co - mo a abelha , e qua lquer outro tip o semelhante de criatura) são inteligentes, mas incapazes de apren der; ape n as são capazes d e 9 80b25 aprender os que possuem este se nti do somado à faculdade da memória. Assim, os outros animais [al ém do ser humano] vivem com b ase em im press ões e lembranças, contando apenas com uma modesta p arcela de e xperiência; a raça humana , entretanto, vive tam bém com b a se na a rte e no rac iocínio. É a partir da meria que os se res human os adquirem experiência, porque a s num erosas lembra nças de u ma mesm a coisa acabam por

ARISTÓTELES. Metafísica. Capítulos 1 a 4[1]

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Metafísica

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  • METAFSICA

    LIVRO I980a22 1. Todos os seres humanos naturalmente desejam o conhe-

    cimento. Isso indicado pelo apreo que experimentamos pelossentidos, pois independentemente do uso destes, ns os esti-mamos por si mesmos, e mais do que todos os outros, o sentidoda viso. No somente objetivando a ao, mas mesmo quan-

    980a25 do no se visa nenhuma ao, preferimos a viso - no geral - atodos os demais sentidos, isto porque, de todos os sentidos, aviso o que melhor contribui para o nosso conhecimento dascoisas e o que revela uma multiplicidade de distines.

    Ora, os animais nascem naturalmente dotados do poder dasensao, e a partir desta alguns desenvolvem a faculdade da

    980b22 memria, enquanto outros no. Conseqentemente, os primei-ros so mais inteligentes e mais capazes de aprender do que osincapazes de lembrar. Os animais incapazes de ouvir sons (co-mo a abelha, e qualquer outro tipo semelhante de criatura) sointeligentes, mas incapazes de aprender; apenas so capazes de

    980b25 aprender os que possuem este sentido somado faculdade damemria.

    Assim, os outros animais [alm do ser humano] vivem combase em impresses e lembranas, contando apenas com umamodesta parcela de experincia; a raa humana, entretanto,vive tambm com base na arte e no raciocnio. a partir damemria que os seres humanos adquirem experincia, porqueas numerosas lembranas de uma mesma coisa acabam por

    '"981a1 produzir o efeito de u~a nica experincia. A experincia pare-; ...

  • 44 A RISTTELESEDIPRO LIVRO I

    ce muito similar cincia e arte, mas na realidade atravsda experincia que os seres humanos obtm cincia e arte, pois

    5 como diz acertadamente Plo, 1 "a experincia produz arte, masa inexperincia, acaso".2 A arte produzida quando a partir demuitas noes da experincia forma-se um s juzo universalrelativamente a objetos semelhantes. Dispor de um juzo de quequando Clias padecia esta ou aquela doena, isto ou aquilolhe fazia bem, e semelhantemente com Scrates e vrios outrosindivduos, uma questo de experincia; mas julgar que faz

    10 bem a todas as pessoas de um certo tipo, consideradas comouma classe, que padecem desta ou daquela doena (por exem-plo, o fleumtico ou bilioso ao padecer uma febre ardente) uma questo de arte.

    Pareceria que, para propsitos prticos, a experincia no ,de modo algum, inferior arte; de fato, vemos homens da ex-perincia obtendo mais xito do que aqueles que dispem de

    15 teoria sem experincia. A razo disso ser a experincia conhe-cimento dos particulares, enquanto a arte o dos universais,sendo que as aes e os efeitos produzidos dizem respeito, to-dos, ao particular, posto que no o ser humano que o mdicocura, salvo incidentalmente, mas sim Clias ou Scrates, ou

    20 alguma outra pessoa nomeada semelhantemente, que aconteceser tambm um ser humano. Assim, se algum dispe de teoriasem experincia, e conhece o universal, mas no conhece oparticular nele contido, com freqncia falhar em seu trata-mento, uma vez que o particular que tem que ser tratado.Entretanto, consideramos que o conhecimento e a competncia

    25 pertencem antes arte que experincia, e supomos que artis-tas sejam mais sbios do que homens de mera experincia (oque significa que, em todos os casos, a sabedoria depende maispropriamente do conhecimento), e isto porque os primeirosconhecem a causa, ao passo que os segundos no a conhecem,uma vez que os homens de experincia conhecem o fato, masno o porqu; os artistas, contudo, conhecem o porqu e a

    30 causa. Pela mesma razo, consideramos que os mestres, emtodo ofcio, merecem maiores apreos, conhecem mais e so

    981b1 mais sbios do que os artesos, porque conhecem as razes das

    I. Um dos interlocutores de S6crates no dilogo Grgias, de Plato.2. Grgias, 448 c.

    META FSICA 45LIVRO I EDlPRO

    coisas que so feitas; pensamos que os artesos - como certosobjetos inanimados - realizam coisas, mas sem saber o querealizam (como, por exemplo, o fogo queima); somente queenquanto os objetos inanimados executam todas suas aesdevido a uma certa qualidade natural, os artesos executam as

    5 suas atravs do hbito. Assim, os mestres dispem de maiorsabedoria, no devido sua capacidade de fazer coisas, masporque possuem uma teoria e conhecem as causas.

    Geralmente o sinal de conhecimento ou ignorncia a habi-lidade para ensinar, e por isso sustentamos que a arte - preferi-velmente experincia - conhecimento cientfico, visto que osartistas so capazes de ensinar, ao passo que os outros no so.

    10 Alm disso, no encaramos quaisquer dos sentidos como sabe-doria. Embora sejam realmente nossas principais fontes deconhecimento, no nos indicam a razo de coisa alguma, co-mo, por exemplo, o porqu o fogo quente, mas somente que quente.

    portanto provvel que, de incio, o criador de qualquer ar-15 te que foi alm das sensaes comuns fosse admirado por ou-

    tros seres humanos, no meramente porque algumas de suasinvenes foram teis, mas por ser ele uma pesso' ~1.-b.i;ae su-perior. E medida que mais e mais artes foram descobertas,algumas relacionadas s necessidades e algumas ligadas aosentretenimentos da vida, os criadores das segundas foram sem-

    20 pre considerados mais sbios do que aqueles das primeiras,porque os seus ramos do conhecimento no visavam a utilida-de. Conseqentemente, quando todas as descobertas deste tipoestavam completamente desenvolvidas, as cincias que no serelacionam nem com o prazer nem, ainda, com as necessidadesda vida, foram criadas e, primeiramente, naqueles lugares ondeos seres humanos dispunham de lazer. Assim, as cincias ma-temtcas" nasceram nas vizinhanas do Egito," porque a acasta sacerdotal podia desfrutar do lazer."

    \ Para Aristteles, a aritmtica, a geometria, a msica e a astronomia.

    I. Isto , Naucrtis, colnia comercial helnica no Egito; o autor extrai esta informao dePiaro, Fedro, 274 c.

    No antigo Egito, as cincias eram cultivadas e desenvolvidas pelos sacerdotes. Plato, not/edro, 274 c, d, atribui a descoberta da aritmtica, da geometria e da astronomia ao deusq~fpcio Thoth tTahuti em copta),

  • 46 ARISTTELESEDIPRO LiVRO I

    25 A diferena entre a arte e a cincia e as demais atividadesmentais afins foi indicada na tica;6 a razo da presente discus-so deve-se ao fato de supor-se geralmente que aquilo que chamado de sabedoria" diz respeito s causas primeiras e aos

    30 princpios, de maneira que, conforme j foi indicado, julga-se ohomem da experincia mais sbio do que os meros detentoresde qualquer faculdade sensorial, o artista mais do que o homemda experincia, o mestre mais do que o arteso; e as cincias

    982a1 especulativas mais ligadas ao saber do que as produtivas." Assim,fica claro que a sabedoria? conhecimento de certos princpiose causas.

    2. Uma vez que estamos investigando este tipo de conheci-5 mento, necessrio que consideremos quais so as causas e

    princpios cujo conhecimento sabedoria. Talvez seja maisesclarecedor se tomarmos as opinies sustentadas quanto aosbio. Consideramos, em primeiro lugar, portanto, que o sbioconhece todas as coisas, na medida do possvel, sem ter conhe-cimento de cada uma delas individualmente; em seguida, que o

    10 sbio aquele capaz de compreender coisas difceis, as que nose mostram fceis compreenso humana (visto que a percep-o sensorial, comum a todos, fcil e nada tem a ver com asabedoria); e, ademais, que em todo ramo do conhecimento,um indivduo mais sbio proporcionalmente sua maior in-formao precisa e sua melhor capacidade de expor as cau-sas. Alm disso, entre as cincias, consideramos que a cincia

    15 desejvel em si mesma e em funo do conhecimento est mais

    6.. tica a Nicmaco, Livro VI, 1139 b 14 - 1141 b 8. Obra constante em Clssicos Edipro.

    7. ...coicv ... (sofian), ou seja, a metafsica. Ver em "Aristteles: Sua Obra", neste volume, aorigem ela palavra metafisica.

    8. Para Aristteles, as cincias especulativas (0ElprynKo:t - theoretikaii. para ele as maisimportantes, so as que carecem e prescindem de uma finalidade que as transcende, tais co-mo a fsica, ti metoflsica (palavra por ele no utilizada e que nesta obra ele chama de sopa(sabedoria) e teologia, e as matemticas; as cincias produtivas (nomruccov - poietikon) soas que resultam num produto que as transcende, como a medicina, a construo de embarca-es, a tecelagem, a carpintaria (e as vrias outras formas de artesanato) e as artes em geral(como a poesia, a escultura, a pintura, etc); Aristteles distingue uma outra modalidade decincia, a saber, a prtica (ou a da npalCJ - prxis), que envolve a ao humana, individualou coletiva - a este tipo pertencem a economia, a tica e poltica. Ver os tratados aristotli-:os r;c()//())//io. tica a Nicmaco e Poltica.

    'J MI'lIdINII'II,

    METAFSICA 47

    LiVRO I EDIPRO

    prxima da sabedoria do que aquela que desejvel por seusresultados, e que a cincia superior est mais prxima da sabe-doria do que a subsidiria, pois o sbio deve dar ordens e noreceb-Ias; nem, tampouco, deve ele obedecer a outros, deven-do sim o menos sbio obedec-Io.

    20 Tais so em gnero e nmero as opinies sustentadas quan-to sabedoria e ao sbio. Das qualidades descritas, o conheci-mento de todas as coisas tem, necessariamente, que pertencerquele que, no mais elevado grau, possui conhecimento douniversal, porque ele conhece, num certo sentido, todos os par-ticulares compreendidos no universal. Estas coisas, quais sejam,as mais universais, so talvez as de mais difcilapreenso para o

    25 ser humano, porque so as mais distanciadas dos sentidos. Quese acresa que as cincias mais exatas so as que mais concer-nem aos primeiros princpios, pois as que esto baseadas empoucos princpios so mais exatas do que aquelas que incluemprincpios adicionais; por exemplo, a aritmtica mais exata doque a geometria. Alm disso, a cincia que investiga causas mais instrutiva do que a cincia que no o faz, pois so os quenos informam acerca das causas de qualquer coisa particular

    30 que nos instruem. Ademais, o entendimento e o

  • 48 A RISTTELESEDlPRO LiVRO I

    e, originalmente, comearam a filosofar; maravilhando-se pri-meiramente ante perplexidades bvias e, em seguida, por um

    15 progresso gradual, levantando questes tambm acerca dasgrandes matrias, por exemplo, a respeito das mutaes da luae do sol, a respeito dos astros e a respeito da origem do univer-so. Ora, aquele que se maravilha e est perplexo sente que ignorante (de modo que, num certo sentido, o amante dos mi-tos um amante da sabedoria," uma vez que os mitos so

    20 compostos de maravilhas); portanto, se foi para escapar igno-rncia que se estudou filosofia, evidente que se buscou acincia por amor ao conhecimento, e no visando qualquerutilidade prtica. O curso factual dos acontecimentos testemu-nha isso, pois a especulao desse tipo principiou visando arecreao e o passatempo numa poca na qual praticamentetodas as necessidades da vida j eram atendidas. Fica claro,

    25 ento, que no por uma vantagem externa que buscamosesse conhecimento; tal como classificamos um indivduo huma-no como independente pelo fato de existir por si mesmo e nograas a uma outra pessoa, classificamos essa como a nicacincia independente, uma vez que somente ela existe por simesma.

    Por esse motivo poder-se-ia com justia supor que sua aqui-sio est alm da capacidade humana, visto que, em muitos

    30 aspectos, a natureza humana escrava, caso em que, como dizSimnides, "Somente a Divindade pode ter este privilgio",devendo o homem!' apenas buscar o conhecimento que estao seu alcance. De fato, se os poetas estiverem certos e a Di-

    983a1 vindade for naturalmente ciumenta, provvel que nesse casoela seja particularmente ciumenta, e todos os que se destacamno conhecimento, infelizes. Mas impossvel que a Divindadeseja ciumenta (na realidade, como diz o provrbio, "os poetasproferem muitas mentiras"), nem tampouco devemos supor que

    5 qualquer outra forma de conhecimento seja mais preciosa doque essa, pois o que o mais divino, o mais precioso. Ora, sexistem duas maneiras nas quais a cincia pode ser divina.Uma cincia divina se for caracteristicamente posse da Divin-dade, ou se disser respeito a assuntos divinos. E somente essa

    10. Um filsofo.11. ...cvpc ... (andra), ser humano do sexo masculino.

    METAFSICA 49LiVRO I EDIPRO

    cincia preenche essas duas condies, pois todos crem que aDivindade seja uma das causas e um tipo de princpio (1) e que

    10 a Divindade quem possui exclusiva ou principalmente essetipo de conhecimento (2). Conseqentemente, ainda que todasas demais cincias sejam mais necessrias do que essa cincia,nenhuma melhor do que ela.

    A aquisio desse conhecimento, contudo, tem, num certosentido, que resultar em alguma coisa que seja o contrrio daperspectiva na qual iniciamos esta investigao. Todos come-am - como dissemos - maravilhando-se pelas coisas serem

    15 como so, por exemplo, relativamente s marionetes, ou aossolstcios, ou incomensurabilidade da diagonal de um qua-drado; por isso parece maravilhoso, a todos que ainda noperceberam, a causa de que uma coisa no poder ser mensur-vel nem mesmo atravs da unidade mnima. Mas preciso queterminemos no contrrio e (conforme o provrbio), na melhorposio, como o caso desses exemplos, quando os homens

    20 conhecem a causa, pois no haveria nada que mais maravilhas-se um gemetra do que a diagonal se tornar comensurvel.

    Assim indicamos a natureza da cincia que estamos buscan-do e o objeto a ser necessariamente atingido por '.frdsslbusca ea totalidade de nossa investigao.

    3. Est claro que precisamos obter conhecimento das causasprimeiras porque quando pensamos compreender sua causa

    25 primeira que reivindicamos conhecer cada coisa particular. Ora,h quatro tipos reconhecidos de causa. Destes, afirmamos queum deles a essncia ou natureza essencial da coisa (uma vezque o "porqu" de uma coisa , em ltima instncia, reduzvel sua frmula, e o "porqu" em ltima instncia uma causa e

    30 princpio); um outro a matria ou substrato; o terceiro [tipo decausa] o princpio do movimento; e o quarto a causa que seope a isso, nomeadamente a finalidade ou "bem" (visto serisso o fim de todo processo gerador e motriz). Isto foi por ns

    983b1 investigado suficientemente em nossa obra sobre a natureza."entretanto, recorramos evidncia daqueles que antes de nsempreenderam a investigao da realidade e filosofaram acerca

    12. Ou seja, a Fsica.

  • 50 A RIS TTELESEOIPRO LIVRO I

    da verdade, pois claramente tambm eles reconhecem certosprincpios e causas, de modo que representar alguma ajudapara nossa presente investigao estudarmos seu ensinamento,na medida em que ou descobriremos algum outro tipo de cau-

    5 sa, ou ficaremos mais convictos quanto aos que acabamos dedescrever.

    A maioria dos primeiros filsofos concebeu apenas princ-pios materiais para todas as coisas. Aquilo de que todas as coi-sas consistem, de que procedem primordialmente e para o que,por ocasio de sua destruio, so dissolvidas em ltima instn-

    10 cia, permanecendo a essncia, ainda que modificada por suasafeces - isso, dizem, um elemento e princpio das coisasexistentes. Da acreditam que nada gerado ou destrudo, umavez que essa entidade primria conserva-se sempre. Deste mo-do, no dizemos que Scrates gerado13 absolutamente aotornar-se belo ou instrudo, nem que destrudo ao perder

    15 essas qualidades, porque o substrato, o prprio Scrates, persis-te. Da mesma maneira, nada mais gerado ou destrudo, vistoque h alguma entidade (ou mais de uma) que se conservasempre e da qual todas as demais coisas so geradas.

    Nem todos concordam, entretanto, quanto ao nmero e ca-rter desses princpios. Talcs," fundador dessa escola de filoso-

    20 fia,15 afirma que esse princpio permanente a gua (razo pelaqual ele igualmente props -que a terra flutua na gua). pre-sumvel que tenha chegado a essa hiptese a partir da observa-o de que o nutriente de tudo mido, e que o prprio calor gerado da umidade, sua existncia dependendo dela (e aquilode que uma coisa gerada sempre seu primeiro princpio).

    25 Extraa sua hiptese, portanto, disso e tambm do fato de assementes de tudo apresentarem uma natureza mida, e a gua o primeiro princpio da natureza de coisas midas.

    Alguns pensam que os homens de tempos muito antigos,muito anteriores presente era, os quais pela primeira vez es-

    30 pecularam a respeito dos deuses, tambm sustentavam essamesma opinio sobre o princpio primordial, uma vez que re-

    13. O sentido mais ontolgico do que biolgico: vem a ser, passa a existir.14. Tales de Mileto (639-546 a.c.).

    15. Conhecida como escolajnica.

    METAFSICA 51LIVRO I EOIPRO

    presentavam Oceano" e Ttis'? como sendo os pais da criao,e o juramento dos deuses como sendo pela gua, ao que elesprprios chamam de Estige. Ora, aquilo que o mais antigo, omais reverenciado, e o que o mais reverenciado, aquilo peloque juramos. possvel que se julgue duvidoso se essa opinio

    984a1 relativa ao princpio primordial realmente antiga e reverencia-da pelo tempo. Entretanto, declara-se que foi essa a opinio deTales a respeito da causa primeira. Nada digo quanto a Hpon,"pois ningum pensaria em inclu-Io neste grupo, considerando-se a insignificncia de sua inteligncia.

    5 Anaxmenes'? e Digenes/" sustentaram que o ar anterior gua, e , de todos os corpos simples, o mais primordial.Hipaso de Metaponto'" e Herclito de fes022 sustentam issorelativamente ao fogo; e Empdoclas" - acrescentando a terracomo quarto princpio aos j mencionados toma todos os qua-tro. Estes - diz ele - conservam-se sempre e somente esto

    10 submetidos ao devir pela agregao ou desagregao ao seunirem numa unidade ou dela se separarem.

    Anaxgoras de Clazrncnas," mais velho do que Empdo-eles, mas posterior em sua atividade [filosfica), sustenta que osprimeiros princpios so em nmero infinito, uma vez que afir-ma que, como regra geral, todas as coisas que so-~7"\~omo o

    15 fogo e a gua - homogneas, so geradas e destrudas somenteneste sentido - por agregao e desagregao; caso contrrio,no so nem geradas nem destrudas, mas conservam-se eter-namente.

    Com base nesses dados, poder-se-ia supor que a nica cau-sa a do tipo classificado como "material"; mas medida queos homens prosseguiram por esse caminho, as prprias circuns-

    16. Na mitologia primitiva e pr-olmpica, Oceano (personificao divina da gua), filho de Urano(personificao divina do cu) e de Gaia (personificao divina da Terra) o deus do mar.

    17. Esposa de Oceano.18. Hpon de Sumos, filsofo ecltico que viveu na ltima metade do sculo Va.c.19. Anaxmenes de Mileto floresceu em torno de 545 a.c.

    20. Digenes de Apolnia, filsofo ecltico florescente na segunda metade do sculo V a.c.21. Filsofo pitagrico aproximadamente contemporneo de Herclito.2. Floresceu no incio do sculo V a.c.J. Empdocles de cragas floresceu em torno de 450 a.c.

    24. Circa 500-428 a.c.

  • 52 ARISTTELESEDIPRO

    LIVRO I

    20

    tncias do caso os conduziram adiante e os impeliram de avan-ar em suas buscas; porque se realmente verdadeiro que todagerao e destruio procede de um elemento, ou mesmo demais de um, por que sucede assim e qual a causa? No ,certamente, o prprio substrato que produz sua prpria mudan-a. Quero dizer, por exemplo, que nem a madeira nem o bron-ze so responsveis pela transformao de si mesmos: a madei-ra no fabrica um leito, nem o bronze uma esttua, mas al-guma coisa mais, que a causa da transformao. Ora, investi-gar isso significa investigar o outro tipo de causa: o princpio domovimento, como deveramos dizer.

    Os que foram efetivamente os primeiros a empreender estainvestigao, e que sustentaram que o substrato uma coisa,no experimentaram apreenses com seu objeto de estudo.Alguns daqueles, porm, que o consideram como uma coisa,estando - por assim dizer - frustrados com a investigao, di-zem que essa uma coisa - e, de fato, o mundo fsico inteiro - imutvel no que toca no apenas gerao e a destruio (issoconstitua uma crena antiga e era, geralmente, admitido), masno que toca toda outra transformao. Esta crena lhes peculiar.

    Nenhum daqueles que sustentavam que o universo umaI

    unidade atingiram qualquer conceito desse tipo de causa, talvezcom a exceo de Parmnides." e mesmo ele na medida queadmite, num certo sentido, no uma causa apenas, mas duas.Aqueles, contudo, que reconhecem mais de um princpio, porexemplo, quente e frio, ou fogo e terra, esto mais bem capaci-tados para apresentar uma explicao sistemtica, porque sevalem do fogo como tendo uma natureza cintica, e da gua,da terra, etc., como sendo os opostos.

    Depois desses pensadores e a descoberta dessas causas,posto que eram insuficientes para explicar a gerao do mundoreal, houve um novo impulso - como dissemos - da prpriaverdade para que se investigasse o prximo primeiro princpio,isso porque presumivelmente carece de naturalidade que o fogoou a terra, ou qualquer outro 'desses elementos faa coisas exis-tentes manifestarem excelncia e beleza; ou, de fato, que esses

    25

    30

    984b1

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    25. Parrnnides de Elia viveu em torno de 475 a.c.

    METAFSICA 53LIVRO I EDIPRO

    15

    pensadores tenham sustentado tal ponto de vista. Tampoucoera satisfatrio atribuir uma matria de tal importncia espon-taneidade e sorte. Assim, quando algum afirmou que hinteligncia na natureza, tal como nos animais, e que esta acausa de toda a ordem e arranjo, pareceu um homem ajuizadoem contraste com as afirmaes casuais de seus predecessores.Sabemos, decididamente, que Anaxgoras adotou esse parecer,mas credita-se a Hermtimo de Clazmenas'" o mrito de t-Iaformulado antes. Esses pensadores, portanto, que sustentavamessa opinio, supuseram um princpio nas coisas que a causada beleza e do bem, e o tipo de causa pela qual o movimento comunicado s coisas.

    20

    25

    4. Poder-se-ia concluir que a primeira pessoa que abordouessa questo foi Hesodo'" ou, na verdade, qualquer outra pes-soa que sups o amor ou o deseic/" como um primeiro princ-pio das coisas, como, por exemplo, Parmnides, uma vez queele diz quando descreve a criao do universo:

    Ela29 concebeu o Amor antes de todos os deuses. 30E Hesodo diz:

    30

    ,""/~.f1.\.Antes de todas as coisas, foi o Caos criado,e depois aTerra de amplos seios ...e o Amor, o mais notvel entre todos os imortais.31

    sugerindo assim que deve haver no mundo alguma causapara mover as coisas e agreg-Ias.

    A questo de dispor esses pensadores numa ordem de prio-ridade pode ser tratada posteriormente. Agora, uma vez que eraaparente que a natureza tambm contm o oposto daquilo que bom, isto , no apenas ordem e beleza, mas desordem edisformidade; e que h mais coisas ms e vulgares do que boas

    85a1

    .111. Personagem cuja existncia histrica altamente duvidosa.11. Ilesodo de Ascra, poeta pico que viveu entre 900 e 800 a.c.

    IH .... t::pltU Y] Em8u!-'tav ... (erota e epithmian): conceitos pura e francamente sexuais.111. Presume-se que Parrnnides aludia a Afrodite, a deusa do amor sexual, me de Eros (Amor),

    que a personificao divina masculina do amor sexual.lI!. lrngrnento 13 de Diels.

    11. Trogonia, 116-20. A citao de Aristteles no rigorosamente exata.