Arquimedes

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Andr Koch Torres Assis

Arquimedes, o Centro de Gravidade e a Lei da Alavanca

Arquimedes, o Centro de Gravidade e a Lei da Alavanca

Andr Koch Torres Assis

Apeiron Montreal

Publicado por C. Roy Keys Inc. 4405, rue St-Dominique Montreal, Quebec H2W 2B2 Canada http://redshift.vif.com Andr Koch Torres Assis 2008 Primeira Edio, 2008

Library and Archives Canada Cataloguing in Publication Assis, Andr Koch Torres, 1962Arquimedes, o centro de gravidade e a lei da alavanca / Andre K.T. Assis. Translation of: Archimedes, the center of gravity and the first law of mechanics. Includes bibliographical references. ISBN 978-0-9732911-7-9 1. Center of mass--Experiments. 2. Center of mass--Textbooks. 3. Mechanics--Experiments. 4. Mechanics--Textbooks. I. Title. QA839.A87167 2008 531'.14 C2008-904613-7

Capa da frente: Gravura de 1740 com Arquimedes planejando a defesa de Siracusa. Texto em grego que aparece em sua touca: Arquimedes o gemetra. Capa de trs: Fotografias de algumas experincias descritas neste livro. Um tringulo de papel carto em um plano horizontal apoiado por uma vareta vertical colocada sob seu baricentro. Um retngulo e um fio de prumo suspensos por uma agulha. Um equilibrista de cabea para baixo apoiado em sua cabea, com massa de modelar nas mos. Uma alavanca em equilbrio com pesos diferentes em cada brao.

Este livro dedicado a todos que tm trabalhado pela preservao, traduo, interpretao e divulgao da obra de Arquimedes ao longo dos sculos.

SumrioAgradecimentos 7

I

Introduo

913

1 Vida de Arquimedes

2 Obras de Arquimedes 23 2.1 Obras Conhecidas de Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23 2.2 O Mtodo de Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

II

O Centro de Gravidade

37

3 Geometria 39 3.1 Obtendo os Centros de Crculos, Retngulos e Paralelogramos . . 39 3.2 Os Quatro Pontos Notveis de um Tringulo . . . . . . . . . . . 40 4 Experincias de Equilbrio e Denio do Centro de Gravidade 4.1 Primeiro Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade: Experincias com Figuras Planas . . . . . . . . . . 4.2 Experincias com Figuras Cncavas ou com Buracos . . . . . . . 4.3 Experincias com Corpos Volumtricos . . . . . . . . . . . . . . . 4.4 Fio de Prumo, Vertical e Horizontal . . . . . . . . . . . . . . . . 4.5 Segundo Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.6 Terceiro Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.7 Condies de Equilbrio de Corpos Apoiados . . . . . . . . . . . 4.7.1 Equilbrio Estvel, Instvel e Indiferente . . . . . . . . . . 4.7.2 Estabilidade de um Sistema . . . . . . . . . . . . . . . . . 4.8 Condies de Equilbrio de Corpos Suspensos . . . . . . . . . . . 4.8.1 Equilbrio Estvel e Indiferente . . . . . . . . . . . . . . . 4.9 Caso em que o Centro de Gravidade Coincide com o Ponto de Suspenso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 45 45 56 62 64 68 75 76 80 81 85 86 88

4.10 Resumo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Explorando as Propriedades do Centro de Gravidade 5.1 Atividades Ldicas com o Equilibrista . . . . . . . . . . 5.2 Brinquedos de Equilbrio . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.3 Equilbrio de Botequim . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5.4 Equilbrio do Corpo Humano . . . . . . . . . . . . . . . 5.5 O ET . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

96 99 99 107 111 113 117

6 Alguns Aspectos Histricos sobre o Conceito do Centro de Gravidade 121 6.1 Comentrios de Arquimedes, Heron, Papus, Eutcius e Simplcio sobre o Centro de Gravidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121 6.2 Resultados Tericos sobre o Centro de Gravidade Obtidos por Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129

III

Balanas, Alavancas e a Primeira Lei da Mecnica133. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Fulcro . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137 137 144 148 156 156 159 160 160 165 165 167 176 178 183 183 185

7 Balanas e a Medida do Peso 7.1 Construo de uma Balana . . . . . . . . . . . . . . . 7.2 Medida do Peso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7.3 Melhorando a Sensibilidade de uma Balana . . . . . . 7.4 Alguns Situaes Especiais . . . . . . . . . . . . . . . 7.4.1 Condio de Equilbrio de um Corpo Suspenso 7.4.2 Balanas com o Centro de Gravidade Acima do 7.4.3 Outros Tipos de Balana . . . . . . . . . . . . 7.5 Usando o Peso como Padro de Fora . . . . . . . . .

8 A Lei da Alavanca 8.1 Construo e Calibrao de Alavancas . . . . . . . . . . . 8.2 Experincias com Alavancas e a Primeira Lei da Mecnica 8.3 Tipos de Alavanca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8.4 Denio Matemtica do Centro de Gravidade . . . . . .

9 Explicaes e Dedues da Lei da Alavanca 9.1 Lei da Alavanca como um Resultado Experimental . . . . . . . . 9.2 Lei da Alavanca Derivada a partir do Conceito de Torque . . . . 9.3 Lei da Alavanca Derivada a partir do Resultado Experimental de que um Peso 2P Atuando Distncia d do Fulcro Equivalente a um Peso P Atuando Distncia d x do Fulcro, Juntamente com um Peso P Atuando Distncia d + x do Fulcro . . . . . . 9.4 Lei da Alavanca como Derivada por Duhem a partir de uma Modicao de um Trabalho Atribudo a Euclides . . . . . . . . . . 9.5 Demonstrao da Lei da Alavanca a partir de um Procedimento Experimental Atribudo a Euclides . . . . . . . . . . . . . . . . . 4

188 191 193

9.6 9.7

Demonstrao Terica da Lei da Alavanca Atribuda a Euclides . A Demonstrao da Lei da Alavanca Apresentada por Arquimedes e o Clculo do Centro de Gravidade de um Tringulo . . . . 9.7.1 A Demonstrao da Lei da Alavanca por Arquimedes . . 9.7.2 Clculo do CG de um Tringulo por Arquimedes . . . . .

198 200 200 205 208

Apndices

A Traduo Comentada do Livro sobre a Balana, Atribudo a Euclides 209 A.1 Comentrios Gerais sobre esta Obra Atribuda a Euclides . . . . 209 A.2 Traduo do Livro sobre a Balana, Atribudo a Euclides . . . . 209 B Traduo Comentada da Primeira Parte do Trabalho de Arquimedes Intitulado Sobre o Equilbrio das Figuras Planas ou Sobre os Centros de Gravidade das Figuras Planas 215 B.1 Comentrios Gerais sobre esta Obra de Arquimedes . . . . . . . 215 B.2 Traduo da Obra de Arquimedes . . . . . . . . . . . . . . . . . 222 Referncias Bibliogrcas 241

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6

AgradecimentosA motivao para escrevermos este livro surgiu de cursos para aperfeioamento de professores de ensino fundamental e mdio que ministramos nos ltimos anos, dentro do projeto Teia do Saber da Secretaria de Educao do Governo do Estado de So Paulo. Foi um privilgio muito grande termos sido convidados a atuar neste programa. O apoio que recebemos por parte da Secretaria de Educao e do Grupo Gestor de Projetos Educacionais da Unicamp, assim como o contato com os alunos que participaram de nossas aulas, foram extremamente enriquecedores para ns. Tambm foram muito proveitosas as trocas de experincias com os colegas da Unicamp que participaram deste projeto. A inspirao para a maior parte das experincias relacionadas com o equilbrio e o centro de gravidade dos corpos veio dos excelentes trabalhos de Norberto Ferreira e Alberto Gaspar, [Fer], [Fer06] e [Gas03]. Foram extremamente valiosas as trocas de idias com eles e com seus alunos, dentre os quais Rui Vieira e Emerson Santos. Agradecemos ainda por sugestes e referncias a Norberto Ferreira, Alberto Gaspar, Rui Vieira, Emerson Santos, Dicesar Lass Fernandez, Silvio Seno Chibeni, Csar Jos Calderon Filho, Pedro Leopoldo e Silva Lopes, Fbio Miguel de Matos Ravanelli, Juliano Camillo, Lucas Angioni, Hugo Bonette de Carvalho, Ceno P. Magnaghi, Caio Ferrari de Oliveira, J. Len Berggren, Henry Mendell e Steve Hutcheon, assim como aos meus alunos do Instituto de Fsica com quem trabalhei este tema. Minha lha e Eduardo Meirelles ajudaram com as guras da verso em ingls, [Ass08]. Todas as guras desta verso em portugus foram feitas por Daniel Robson Pinto, atravs de uma Bolsa Trabalho concedida pelo Servio de Apoio ao Estudante da Unicamp, ao qual agradecemos. Agradeo ainda ao Instituto de Fsica e ao Fundo de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Extenso da Unicamp, que forneceram as condies necessrias para a realizao deste trabalho. Andr Koch Torres Assis Instituto de Fsica Universidade Estadual de Campinas UNICAMP 13083-970 Campinas, SP, Brasil E-mail: [email protected] Homepage: http://www.ifi.unicamp.br/assis 7

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Parte I

Introduo

9

Um dos objetivos deste livro o de apresentar os fenmenos bsicos da mecnica atravs de experincias simples realizadas com materiais de baixo custo. So apresentadas as experincias elementares sobre queda de corpos, sobre equilbrio esttico e sobre oscilaes ao redor das posies de equilbrio. Alm disso, chama-se ateno de como os conceitos tericos vo sendo formados e modicados neste processo, o mesmo ocorrendo com a formulao das leis fundamentais da mecnica. Em seguida se ilustram como fenmenos mais complexos podem ser explicados e esclarecidos em termos das experincias elementares. So apresentadas tambm experincias ldicas e curiosas que estimulam a criatividade, o pensamento crtico e o senso de brincadeira na cincia. Elas tambm buscam relacionar fenmenos do dia a dia das pessoas com as leis bsicas da fsica. A nfase colocada em atividades experimentais. A partir delas se formulam as denies, os conceitos, postulados, princpios e leis que descrevem os fenmenos. Os materiais utilizados so bem simples, facilmente encontrveis em casa ou no comrcio, sendo todos de baixo custo. Apesar disto, so realizadas experincias bem precisas e construdos equipamentos cientcos muito sensveis. Com isto o leitor no vai depender de qualquer laboratrio escolar ou de pesquisa, j que ele prprio construir seus instrumentos e realizar as medidas. Para que este objetivo seja alcanado, apresentam-se vrias montagens diferentes para cada aparelho e mais de uma maneira para serem realizadas as medidas. Caso as experincias apresentadas aqui sejam feitas em sala de aula ou em cursos de aperfeioamento de professores, o ideal que sejam realizadas individualmente por cada aluno, mesmo que as atividades sejam em grupo. Isto , na medida do possvel cada aluno deve construir seus prprios equipamentos (suporte, o de prumo, alavancas etc.), recortar suas guras e depois levar o material para casa. Este procedimento bem mais enriquecedor do que a simples demonstrao das experincias pelo professor, quando ento o aluno apenas assiste aos fenmenos sem colocar a mo na massa. Alm da parte experimental, o livro rico em informaes histricas que fornecem o contexto do surgimento de algumas leis e tambm os diferentes enfoques ou pontos de vista relacionados a estas leis. Toma-se um cuidado especial sobre a formao dos conceitos e princpios fsicos, assim como sobre a apresentao e formulao destes conceitos e princpios. Mostra-se, por exemplo, como difcil expressar em palavras uma denio precisa do centro de gravidade englobando o conjunto das experincias realizadas. Nesta obra toma-se um cuidado especial com as palavras que vo sendo utilizadas ao longo do texto, distinguindo-se claramente o que so denies, postulados e resultados experimentais, a diferena entre a explicao e a descrio de um fenmeno etc. Estes cuidados ilustram os aspectos humanos e sociolgicos embutidos nas formulaes das leis da fsica. O livro voltado para professores e alunos dos cursos de fsica, de matemtica e de cincias. escrito de tal forma a poder ser utilizado no ensino mdio e no ensino universitrio, dependendo do grau de aprofundamento com que se v cada fenmeno ou lei da natureza. Ele tem material experimental e terico que pode ser desenvolvido em todos os nveis de ensino. Cada professor deve escolher 11

o material contido aqui para adapt-lo sua realidade escolar. Vrias das atividades podem ser utilizadas em cursos de formao ou de aperfeioamento de professores. Devido ao aprofundamento que o livro apresenta de diversos conceitos e princpios fsicos, pode tambm ser utilizado com proveito em cursos de histria e losoa da cincia. A melhor maneira de ler o livro realizando em paralelo a maior parte das experincias aqui descritas. No se deve simplesmente ler o relato destas montagens e atividades, mas sim tentar reproduz-las e aperfeio-las. Apesar da fsica conter aspectos loscos, tericos e matemticos, ela essencialmente uma cincia experimental. a juno de todos estes aspectos que a torna to fascinante. Esperamos que o leitor tenha o mesmo prazer ao realizar as experincias aqui descritas que ns prprios tivemos ao implement-las. Caso voc, leitor, goste deste material, caria contente se recomendasse o livro a seus colegas e alunos. Gostaria de saber como foi a realizao destas atividades, a reao dos alunos etc. Uma verso em ingls deste livro foi publicada em 2008 com o ttulo: Archimedes, the Center of Gravity, and the First Law of Mechanics, [Ass08]. Quando necessrio usamos no texto o sinal como smbolo de denio. Utilizamos o sistema internacional de unidades SI.

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Captulo 1

Vida de ArquimedesAs principais informaes que vo aqui foram tiradas essencialmente de Plutarco, [Plu], Heath, [Arc02] e [Hea21], Dijksterhuis, [Dij87], assim como de Netz e Noel, [NN07]. Todas as tradues so de nossa autoria. Arquimedes viveu de 287 a 212 a.C., tendo nascido e vivido a maior parte de sua vida na cidade de Siracusa, na costa da Siclia, atual Itlia, que naquela poca era parte do mundo Grego. Era lho do astrnomo Fdias, que obteve uma estimativa para a razo dos dimetros do Sol e da Lua. A palavra Arquimedes composta de duas partes: arch, que signica princpio, domnio ou causa original; e mdos, que signica mente, pensamento ou intelecto. Se interpretarmos seu nome da esquerda para a direita ele poderia signicar algo como a mente principal. Mas na Grcia antiga era mais comum interpretarmos o nome da direita para a esquerda. Neste caso seu nome signicaria a mente do princpio, assim como o nome Diomedes signicaria a mente de Deus, [NN07, pgs. 59-60]. Arquimedes passou algum tempo no Egito. provvel que tenha estudado na cidade de Alexandria, que era ento o centro da cincia grega, com os sucessores do matemtico Euclides, que viveu ao redor de 300 a.C.. Euclides publicou o famoso livro de geometria Os Elementos, entre outras obras, [Euc56]. Vrios dos trabalhos de Arquimedes eram enviados a matemticos que viviam ou que estiveram em Alexandria. O famoso museu de Alexandria, que inclua uma enorme biblioteca, uma das maiores da Antiguidade, havia sido fundado ao redor de 300 a.C. Algumas estimativas armam que em seu auge esta biblioteca chegou a ter mais de 500 mil rolos de papiro (com umas 20.000 palavras, na mdia, em cada rolo). A cidade de Alexandria cou sobre o domnio romano de 30 a.C. at 400 d.C. Quando Csar cou sitiado no palcio de Alexandria houve um incndio que atingiu um depsito de livros. Em 391 da nossa era houve um grande incndio nesta biblioteca e no se houve falar mais do museu e da biblioteca a partir do sculo V. O Imprio Romano foi fragmentado em duas partes, ocidental e oriental, em 395. Muitas obras de Arquimedes devem ter sido irremediavelmente perdidas neste perodo. Arquimedes considerado um dos maiores cientistas de todos os tempos e o 13

maior matemtico da antiguidade. comparvel nos tempos modernos apenas a Isaac Newton (1642-1727) no apenas por desenvolver trabalhos experimentais e tericos de grande alcance, mas pelo brilhantismo e inuncia de sua obra. Utilizando o mtodo da exausto, que um mtodo de se fazer integraes, Arquimedes conseguiu determinar a rea, o volume e o centro de gravidade, CG, de muitos corpos importantes, resultados que nunca haviam sido obtidos antes dele. considerado um dos fundadores da esttica e da hidrosttica. A capacidade de concentrao de Arquimedes bem descrita nesta passagem de Plutarco (c. 46-122), [Plu]: Muitas vezes os servos de Arquimedes o levavam contra sua vontade para os banhos, para lav-lo e unt-lo. Contudo, estando l, ele cava sempre desenhando guras geomtricas, mesmo nas cinzas da chamin. E enquanto estavam untando-o com leos e perfumes, ele desenhava guras sobre seu corpo nu, de tanto que se afastava das preocupaes consigo prprio, e entrava em xtase ou em transe, com o prazer que sentia no estudo da geometria. Esta preocupao de Arquimedes com assuntos cientcos em todos os momentos de sua vida tambm aparece em uma histria muito famosa contada por Vitrvio (c. 90-20 a.C.) em seu livro sobre arquitetura. Ela est relacionada ao princpio fundamental da hidrosttica, que lida com a fora de empuxo exercida por um uido sobre um corpo imerso total ou parcialmente no uido. Ela ilustra a maneira como Arquimedes chegou a este princpio ou ao menos como teve a intuio inicial que desencadeou a descoberta. Citamos de [Mac60, pg. 107] e [Ass96]: Embora Arquimedes tenha descoberto muitas coisas curiosas que demonstram grande inteligncia, aquela que vou mencionar a mais extraordinria. Quando obteve o poder real em Siracusa, Hiero mandou, devido a uma afortunada mudana em sua situao, que uma coroa votiva de ouro fosse colocada em um certo templo para os deuses imortais, que fosse feita de grande valor, e designou para este m um peso apropriado do metal para o fabricante. Este, em tempo devido, apresentou o trabalho ao rei, lindamente forjado; e o peso parecia corresponder com aquele do ouro que havia sido designado para isto. Mas ao circular um rumor de que parte do ouro havia sido retirada, e que a quantidade que faltava havia sido completada com prata, Hiero cou indignado com a fraude e, sem saber o mtodo pelo qual o roubo poderia ser detectado, solicitou que Arquimedes desse sua ateno ao problema. Encarregado deste assunto, ele foi por acaso a um banho, e ao entrar na banheira percebeu que na mesma proporo em que seu corpo afundava, saa gua do recipiente. De onde, compreendendo o mtodo a ser adotado para a soluo da proposio, ele o perseguiu persistentemente no mesmo instante, saiu alegre do banho e, retornando nu para casa, gritou 14

em voz alta que havia encontrado o que estava procurando, pois continuou exclamando, eureca, eureca (encontrei, encontrei)! Os trabalhos de Arquimedes que sobreviveram eram endereados ao astrnomo Conon de Samos (na poca vivendo em Alexandria), ao discpulo de Conon depois de sua morte, Dositeu de Pelsia, ao rei Gelon, lho do rei Hiero de Siracusa, assim como a Eratstenes, bibliotecrio do museu de Alexandria e famoso por sua estimativa precisa do raio da Terra. Arquimedes tinha o costume de mandar seus trabalhos juntamente com alguns textos introdutrios. Atravs destes textos conseguimos descobrir a ordem de algumas de suas descobertas, assim como um pouco de sua personalidade. Por exemplo, na introduo de seu famoso trabalho O Mtodo, ele arma, [Arc02, Suplemento, pgs. 12-13]: Arquimedes para Eratstenes, saudaes. Enviei a voc em uma ocasio anterior alguns dos teoremas que descobri, apresentando simplesmente os enunciados e convidando-o a descobrir as demonstraes, as quais no forneci naquela poca. (...) Escrevi as demonstraes destes teoremas neste livro e agora o envio a voc. (...) Este hbito que tinha de enviar inicialmente apenas os enunciados de alguns teoremas, mas sem as demonstraes, pode ter levado alguns matemticos a roubar os resultados de Arquimedes, armando que eram seus. Talvez por isso Arquimedes tenha enviado dois resultados falsos em uma ocasio, como arma no prefcio de seu trabalho Sobre as Espirais, [Arc02, pg. 151]: Arquimedes para Dositeu, saudaes. As demonstraes da maior parte dos teoremas que enviei a Conon, e dos quais voc me pede de tempos em tempos para lhe enviar as demonstraes, j esto com voc nos livros que lhe enviei por Heracleides; e [as demonstraes] de alguns outros esto contidas no livro que lhe envio agora. No que surpreso por eu levar um tempo considervel antes de publicar estas demonstraes. Isto aconteceu devido ao meu desejo de comunic-las primeiro a pessoas engajadas em estudos matemticos e ansiosas de investig-las. De fato, quantos teoremas em geometria que inicialmente pareciam impraticveis, no tempo devido foram solucionados! Mas Conon morreu antes que tivesse tempo suciente para investigar os teoremas acima; caso contrrio teria descoberto e demonstrado todas estas coisas, e alm disso teria enriquecido a geometria com muitas outras descobertas. Pois sei bem que ele possua uma habilidade incomum em matemtica, e que sua capacidade de trabalho era extraordinria. Mas, embora tenham passado muitos anos desde a morte de Conon, no vi qualquer um dos problemas ter sido resolvido por uma nica pessoa. Desejo agora resolv-los um por um, particularmente por haver dois dentre 15

eles que so de realizao impossvel [errados], [o que pode servir como um aviso] para aqueles que armam descobrir tudo, mas no produzem demonstraes de suas armaes, pois podem ser refutados como tendo de fato tentado descobrir o impossvel. Muitas vezes Arquimedes passava anos at conseguir demonstrar algum teorema difcil. Ao expressar as diculdades que encontrou podemos ver outra caracterstica sua, a grande perseverana at conseguir alcanar seu objetivo. Por exemplo, na introduo de Sobre Conides e Esferides, arma, [Arc02, pg. 99]: Arquimedes para Dositeu, saudaes. Neste livro apresentei e enviei para voc as demonstraes dos teoremas restantes no includas no que havia lhe enviado anteriormente, e tambm [as demonstraes] de alguns outros [teoremas] descobertas mais tarde as quais, embora eu tivesse muitas vezes tentado investig-los anteriormente, havia falhado em resolv-los pois tive diculdade em encontrar suas solues. E este o motivo pelo qual as prprias proposies no foram publicadas com o restante. Mas depois disto, quando os estudei com um cuidado maior, descobri as solues onde antes havia falhado. Embora estes trabalhos que chegaram at ns sejam de matemtica e de fsica terica, a fama de Arquimedes na antiguidade deve-se aos seus trabalhos como engenheiro e como construtor de mquinas de guerra (catapulta, guindaste, espelhos ardentes etc.). Entre as invenes atribudas a ele encontra-se um sistema de bombeamento de gua conhecido como cclea, ou parafuso de Arquimedes, usado at os dias de hoje. A palavra cclea tem origem grega, signicando caracol. Acredita-se que ele inventou este sistema de bombeamento durante sua estadia no Egito. Eram tubos em hlice presos a um eixo inclinado, acoplado a uma manivela para faz-lo girar. Era usado na irrigao dos campos e como bomba de gua. Tambm construiu um planetrio que cou famoso j que com um nico mecanismo hidrulico movimentava simultaneamente vrios globos reproduzindo os movimentos de rotao das estrelas, do Sol, da Lua e dos planetas ao redor da Terra. Tambm construiu um rgo hidrulico no qual o ar dentro dos tubos era comprimido sobre a gua em uma cmara de ar. Atribui-se a ele a inveno da polia composta, do elevador hidrulico e de alguns outros instrumentos mecnicos como a balana romana, com braos de comprimentos diferentes. Diversos autores mencionam uma frase famosa de Arquimedes em conexo com suas invenes mecnicas e sua capacidade de mover grandes pesos realizando pouca fora: D-me um ponto de apoio e moverei a Terra, [Dij87, pg. 15]. Esta frase foi dita quando ele conseguiu realizar uma tarefa solicitada pelo rei Hiero de lanar ao mar um navio de muitas toneladas, movendo-o apenas com a fora das mos ao utilizar uma engrenagem composta de um sistema de polias e alavancas. Vamos ver o que Plutarco nos diz a respeito, [Plu]: 16

Arquimedes escreveu ao rei Hiero, de quem era amigo prximo, informando que dada uma fora, qualquer peso podia ser movido. E at mesmo se gabou, somos informados, de que se houvesse uma outra Terra, indo para ela ele poderia mover a nossa Terra. Hiero cou admirado e lhe solicitou que demonstrasse isto com uma experincia real, mostrando um grande peso sendo movido por uma pequena mquina. De acordo com este desejo Arquimedes tomou um dos navios de carga da frota do rei, o qual no podia ser retirado das docas exceto com grande esforo e empregando muitos homens. Alm disso, carregou o navio com muitos passageiros e com carga total. Sentando-se distante do navio, sem fazer esforo, mas apenas segurando uma polia em suas mos e movendo as cordas lentamente, moveu o navio em linha reta, de maneira to suave e uniforme como se o navio estivesse no mar. Hiero cou to admirado com este feito que armou: A partir deste dia deve-se acreditar em tudo que Arquimedes disser, [Arc02, pg. xix]. Plutarco continua, [Plu]: O rei, admirado com o feito e convencido do poder desta arte, solicitou que Arquimedes lhe construsse armas apropriadas para todos os ns de um cerco, ofensivas e defensivas. O rei nunca usou estas armas, pois passou quase toda sua vida em paz e em grande abundncia. Mas toda a aparelhagem estava pronta para uso na poca mais apropriada, e juntamente com ela o prprio engenheiro. Durante a Segunda Guerra Pnica entre Roma e Cartago, a cidade de Siracusa associou-se a Cartago. Siracusa foi atacada pelos romanos em 214 a.C., comandados pelo general Marcelo. Muitas informaes sobre Arquimedes sobreviveram na famosa biograa sobre Marcelo escrita por Plutarco. Marcelo atacou Siracusa por terra e pelo mar, fortemente armado. De acordo com Plutarco, [Plu]: [Todos os armamentos de Marcelo] eram bagatelas para Arquimedes e suas mquinas. Ele havia projetado e construdo estas mquinas no como assunto de qualquer importncia, mas como meras diverses em geometria. Havia seguido o desejo e o pedido do rei Hiero, feito pouco tempo antes, tal que pudesse colocar em prtica parte de suas especulaes admirveis em cincia, e para que, acomodando a verdade terica para a percepo e o uso comum, pudesse traz-la para a apreciao das pessoas em geral. Em outro trecho ele arma, [Plu]: Portanto, quando os romanos assaltaram os muros de Siracusa em dois lugares simultaneamente, os habitantes caram paralisados de medo e de pavor, acreditando que nada era capaz de resistir a esta 17

violncia e a estas foras. Mas quando Arquimedes comeou a manejar suas mquinas, ele lanou contra as foras terrestres todos os tipos de msseis e rochas imensas que caam com grande estrondo e violncia, contra as quais nenhum homem conseguia resistir em p, pois elas derrubavam aqueles sobre quem caam em grande quantidade, quebrando suas leiras e batalhes. Ao mesmo tempo, mastros imensos colocados para fora das muralhas sobre os navios afundavam alguns deles pelos grandes pesos que deixavam cair sobre eles. Outros navios eram levantados no ar pelos mastros com uma mo de ferro ou com um bico de um guindaste e, quando os tinha levantado pela proa, colocando-a sobre a popa, os mastros os lanavam ao fundo do mar. Ou ainda os navios, movidos por mquinas e colocados a girar, eram jogados contra rochas salientes sob as muralhas, com grande destruio dos soldados que estavam a bordo. (...) Os soldados romanos caram com um pavor to grande que, se vissem uma pequena corda ou pedao de madeira saindo dos muros, comeavam imediatamente a gritar, que l vinha de novo, Arquimedes estava para lanar alguma mquina contra eles, ento viravam as costas e fugiam. Marcelo ento desistiu dos conitos e assaltos, colocando toda sua esperana em um longo cerco. Tambm relacionado defesa de Siracusa a famosa histria dos espelhos queimando os navios romanos. Arquimedes teria usado um grande espelho ou ento um sistema de pequenos espelhos para atear fogo nos navios romanos ao concentrar os raios solares. Os dois relatos mais conhecidos so devidos a Johannes Tzetzes, sbio bizantino, e John Zonaras, ambas do sculo XII: Quando Marcelo afastou seus navios do alcance dos msseis e echas, o velho homem [Arquimedes] construiu um tipo de espelho hexagonal, e em um intervalo proporcional ao tamanho do espelho colocou espelhos pequenos semelhantes com quatro cantos, movidos por articulaes e por um tipo de dobradia, e fez com que o espelho fosse o centro dos feixes do Sol seu feixe de meio dia, seja no vero ou no meio do inverno. Depois disso, quando os feixes foram reetidos no espelho, ateou-se um fogo medonho nos navios, e distncia do alcance de uma echa ele os transformou em cinzas. Desta maneira predominou o velho homem sobre Marcelo com suas armas, J. Tzetzes, citado em [Ror]. Finalmente, de maneira incrvel, Arquimedes ateou fogo em toda a frota romana. Ao girar uma espcie de espelho para o Sol ele concentrou os raios do Sol sobre ela. E devido espessura e lisura do espelho ele inamou o ar a partir deste feixe a ateou um grande fogo, que direcionou totalmente sobre os navios que estavam ancorados no caminho do fogo, at que consumiu a todos eles, J. Zonaras, citado em [Ror]. 18

Marcelo s conseguiu conquistar Siracusa depois de um cerco que durou trs anos. Arquimedes foi morto por um soldado romano em 212 a.C., durante a captura da cidade pelos romanos. Marcelo havia dado ordens expressas de que a vida de Arquimedes devia ser poupada, em reconhecimento ao gnio do inimigo que tantas baixas e diculdades lhe causou durante esta guerra. Apesar disto, um soldado acabou matando-o enquanto Arquimedes tentava proteger um diagrama contendo algumas descobertas matemticas. A ltima frase de Arquimedes parece ter sido direcionada a este soldado: Fique longe do meu diagrama, [Dij87, pg. 31]. Plutarco relata trs verses diferentes que ouviu sobre sua morte, [Plu]: Mas nada aigiu tanto Marcelo quanto a morte de Arquimedes, que estava ento, como quis o destino, concentrado trabalhando em um problema por meio de um diagrama e, tendo xado sua mente e seus olhos no tema de sua especulao, no percebeu a incurso dos romanos, nem que a cidade havia sido tomada. Neste estado de estudo e contemplao, um soldado, chegando at ele de maneira inesperada, mandou que o seguisse at Marcelo; o que ele se recusou a fazer at que tivesse terminado seu problema e chegado a uma demonstrao. O soldado ento, enfurecido, tirou sua espada e o matou. Outros escrevem que um soldado romano, correndo at ele com uma espada levantada, disse que ia mat-lo. Arquimedes, olhando para trs, implorou-lhe seriamente para esperar um pouco, para que ele no deixasse de forma inconclusa e imperfeita o trabalho que estava fazendo. Mas o soldado, no sensibilizado pelo seu pedido, matou-o instantaneamente. Outros relatam ainda que quando Arquimedes estava levando para Marcelo instrumentos matemticos, relgios de Sol, esferas e ngulos ajustados para medir com a vista o tamanho aparente do Sol, alguns soldados, vendo-o e pensando que transportava ouro em um recipiente, o assassinaram. O certo que sua morte muito aigiu a Marcelo; e que Marcelo sempre considerou aquele que o matou como um assassino; e que ele procurou pelos parentes [de Arquimedes] e os honrou com muitos favores. Arquimedes expressou em vida o desejo de que em seu tmulo fosse colocado um cilindro circunscrito a uma esfera dentro dele, Figura 1.1, juntamente com uma inscrio dando a razo entre os volumes destes corpos. Podemos inferir que ele considerava a descoberta desta razo como sendo seu maior feito. Ela aparece nas Proposies 33 e 34 da primeira parte do seu trabalho Sobre a Esfera e o Cilindro, dois resultados extremamente importantes obtidos pela primeira vez por Arquimedes: Proposio 33: A superfcie de qualquer esfera quatro vezes seu crculo mximo, [Arc02, pg. 39]. Isto , em linguagem moderna, com A sendo a rea da esfera e r seu raio: A = 4(r2 ). Proposio 34: Qualquer esfera igual a quatro vezes o cone que tem sua base igual ao crculo mximo da esfera e sua altura igual ao raio da esfera, [Arc02, pg. 41]. Vamos expressar este resultado em linguagem moderna. Seja VE o volume da 19

esfera e VC = r2 (r/3) o volume do cone de altura r e rea da base dada por r2 . O resultado de Arquimedes ento dado por VE = 4VC = 4(r3 /3). A inscrio desejada por Arquimedes em seu tmulo parece estar relacionada a um corolrio que apresentou ao m desta proposio: Do que foi demonstrado segue-se que todo cilindro cuja base o crculo mximo de uma esfera e cuja altura igual ao dimetro da esfera 3/2 da esfera, e sua superfcie juntamente com suas bases vale 3/2 da superfcie da esfera, [Arc02, pg. 43].

Figura 1.1: Uma esfera e o cilindro circunscrito. Neste trabalho Sobre a Esfera e o Cilindro Arquimedes encontra inicialmente a rea de uma esfera de forma independente na Proposio 33. Depois disso encontra o volume da esfera na Proposio 34. Em seu outro trabalho O Mtodo h uma citao a partir da qual se descobre que originalmente ele obteve o volume da esfera e ento, a partir deste resultado, resolveu o problema de encontrar a rea da esfera. A Proposio 2 de O Mtodo arma o seguinte, [Arc02, Suplemento, pg. 18]: (1) Qualquer esfera (em relao ao volume) quatro vezes o cone com base igual a um crculo mximo da esfera e com altura igual ao seu raio; e (2) o cilindro com base igual a um crculo mximo da esfera e altura igual ao dimetro 1 1 vezes a esfera. 2 Aps demonstrar que o volume do cilindro circunscrito a uma esfera igual a 3/2 o volume da esfera, Arquimedes arma o seguinte, [Arc02, Suplemento, pg. 20]: A partir deste teorema, com o resultado de que [o volume de] uma esfera quatro vezes to grande quanto [o volume] do cone tendo como base um crculo mximo da esfera e com uma altura igual ao raio da esfera, concebi a noo de que a superfcie de qualquer esfera quatro vezes to grande quanto um crculo mximo da esfera; pois, julgando a partir do fato de que [a rea de] qualquer crculo igual a 20

um tringulo com base igual circunferncia e altura igual ao raio do crculo, compreendi que, da mesma maneira, [o volume de] qualquer esfera igual a um cone com base igual superfcie da esfera e altura igual ao raio. Ou seja, a demonstrao destes teoremas como aparece em seu trabalho Sobre a Esfera e o Cilindro no segue a ordem em que foram descobertos. O general Marcelo ordenou que o tmulo de Arquimedes fosse construdo de acordo com seu desejo. Ccero (106-43 a.C.), o orador romano, quando foi magistrado encarregado da gesto dos bens pblicos (questor) na Siclia, chegou a ver este tmulo em 75 a.C. Desde ento ele nunca mais foi encontrado. Palavras de Ccero, citadas em [Ror]: Mas da prpria cidade Siracusa de Dionsio vou levantar da poeira onde seu basto traava suas linhas um homem obscuro que viveu muitos anos mais tarde, Arquimedes. Quando fui questor na Siclia consegui descobrir seu tmulo. Os habitantes de Siracusa no sabiam nada sobre ele e chegavam mesmo a armar que no existia. Mas l estava ele, completamente cercado e escondido por galhos de arbustos e espinheiros. Me lembrei de ter ouvido algumas linhas de verso que haviam sido inscritos em seu tmulo, referindo-se a uma esfera e um cilindro modelados em pedra no topo da sepultura. E assim dei uma boa olhada ao redor dos numerosos tmulos que estavam ao lado do Porto de Agrigentino. Finalmente percebi uma pequena coluna pouco visvel sobre os arbustos. Em cima dela havia uma esfera e um cilindro. Disse imediatamente aos principais habitantes de Siracusa que estavam comigo na ocasio, que acreditava que este era o tmulo que estava procurando. Foram enviados homens com foices para limpar o local e quando foi aberto um caminho at o monumento fomos at ele. E os versos ainda estavam visveis, embora aproximadamente a segunda metade de cada linha estivesse gasta.

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Captulo 2

Obras de Arquimedes2.1 Obras Conhecidas de Arquimedes

As obras conhecidas atualmente de Arquimedes podem ser encontradas no original em grego, assim como em latim, em [Hei15]. Uma traduo para o ingls em notao moderna encontra-se em [Arc02]. Uma outra verso encontra-se em [Dij87]. Uma traduo literal do grego para o francs encontra-se em [Mug70], [Mug71a], [Mug71b] e [Mug72]. Os trabalhos de Arquimedes j traduzidos para o portugus encontram-se em [Ass96], [Ass97] e [Arq04]. No Apndice B ao nal deste livro apresentamos uma nova traduo para o portugus da primeira parte de seu trabalho Sobre o Equilbrio dos Planos. At cem anos atrs, os manuscritos mais antigos e importantes ainda existentes contendo a obra de Arquimedes em grego (com exceo de O Mtodo, que no aparecia em nenhum manuscrito) eram principalmente dos sculos XV e XVI, encontrando-se em bibliotecas europias. Eles foram copiados de dois outros manuscritos do sculo IX ou X, em grego. Um destes manuscritos do sculo IX ou X pertenceu ao humanista George Valla, que ensinou em Veneza entre 1486 e 1499. Este manuscrito desapareceu entre 1544 e 1564, no se sabendo atualmente se ainda existe. Ele continha as seguintes obras, nesta ordem: Sobre a Esfera e o Cilindro, Medida do Crculo, Sobre Conides e Esferides, Sobre as Espirais, Sobre o Equilbrio dos Planos, O Contador de Areia, Quadratura da Parbola, comentrios de Eutcius em relao s obras Sobre a Esfera e o Cilindro, Sobre a Medida do Crculo, e Sobre o Equilbrio dos Planos. Os ltimos registros do segundo manuscrito do sculo IX ou X foram na Biblioteca do Vaticano nos anos de 1295 e 1311. No se sabe se ele ainda existe. Ele continha as seguintes obras, nesta ordem: Sobre as Espirais, Sobre o Equilbrio dos Planos, Quadratura da Parbola, Medida do Crculo, Sobre a Esfera e o Cilindro, comentrios de Eutcius em relao obra Sobre a Esfera e o Cilindro, Sobre Conides e Esferides, comentrios de Eutcius em relao obra Sobre o Equilbrio dos Planos, e Sobre os Corpos Flutuantes. Este trabalho de Arquimedes sobre os corpos utuantes, em duas partes, no estava contido 23

no manuscrito anterior. O trabalho Sobre os Corpos Flutuantes s era conhecido at 1906 por uma traduo para o latim feita por Willen von Mrbeke em 1269 a partir deste segundo manuscrito do sculo IX ou X. Ele realizou uma traduo para o latim de todas as obras de Arquimedes a que teve acesso, sendo isto muito importante para a divulgao de seu trabalho. O manuscrito original contendo a traduo de Mrbeke foi encontrado novamente em Roma em 1884, encontrando-se atualmente na Biblioteca do Vaticano. Arquimedes escrevia no dialeto drico. Nos manuscritos que sobreviveram sua linguagem original foi em alguns livros totalmente, em outros parcialmente, transformada para o dialeto tico comum da Grcia. A partir do sculo IX surgiram tradues de algumas obras de Arquimedes para o rabe. As primeiras tradues para o latim das obras de Arquimedes e de vrios cientistas e lsofos gregos foram feitas a partir dos sculos XII e XIII. A imprensa de caracteres mveis foi inventada no ocidente por Gutenberg em meados do sculo XV. As obras de Arquimedes comearam a ser impressas no sculo XVI, a mais antiga sendo de 1503, contendo a Medida do Crculo e a Quadratura da Parbola. Em 1544 foi impressa a obra Editio Princeps, contendo a maior parte das obras conhecidas de Arquimedes, em grego e latim, com exceo de Sobre os Corpos Flutuantes. A inveno da imprensa deu um grande impulso para a divulgao de suas obras. As primeiras tradues de algumas obras de Arquimedes para um idioma vivo foram publicadas em 1667 e 1670 por J. C. Sturm, traduzidas para o alemo. Em 1807 surgiu a primeira traduo para o francs do conjunto de suas obras feita por F. Peyrard. Em 1897 e em 1912 foi publicada a primeira traduo para o ingls por T. L. Heath. Apresentamos aqui as obras de Arquimedes que chegaram at ns, na ordem em que Heath supe que foram escritas, [Hea21, pgs. 22-23]. Mas existem muitas controvrsias em relao a este ordenamento. Knorr, por exemplo, coloca O Mtodo como uma das ltimas obras de Arquimedes, [Kno79]. Sobre o Equilbrio dos Planos, ou Sobre o Centro de Gravidade das Figuras Planas. Livro I. Arquimedes deriva teoricamente usando o mtodo axiomtico a lei da alavanca e os centros de gravidade de paralelogramos, tringulos e trapzios. No Apndice B ao nal deste livro apresentamos uma traduo desta obra. Quadratura da Parbola. Arquimedes encontra a rea de um segmento de parbola formado pelo corte de uma corda qualquer. Proposio 24: Todo segmento limitado por uma parbola e por uma corda Qq igual a quatro teros do tringulo que tem a mesma base que o segmento e a mesma altura, [Arc02, pg. 251]. Ele apresenta duas demonstraes para este resultado. Na primeira faz uma quadratura mecnica, utilizando a lei da alavanca. Na segunda faz uma quadratura geomtrica.

Sobre o Equilbrio dos Planos, ou Sobre o Centro de Gravidade das Figuras Planas. Livro II. 24

Arquimedes obtm o centro de gravidade de um segmento de parbola. O Mtodo dos Teoremas Mecnicos, endereado a Eratstenes.

Usualmente conhecido como O Mtodo. Arquimedes apresenta um mtodo mecnico utilizando a lei da alavanca e conceitos da teoria do centro de gravidade para obter resultados geomtricos. Apresenta vrios exemplos deste mtodo heurstico que seguiu, ilustrando como aplic-lo. Com isto obtm a quadratura da parbola, o volume e o CG de qualquer segmento de uma esfera, o CG de um semi-crculo, o CG de um parabolide de revoluo e vrios outros resultados. Na Seo 2.2 discutimos em mais detalhes este trabalho.

Sobre a Esfera e o Cilindro, Livros I e II.

Arquimedes mostra que a superfcie de uma esfera igual a quatro vezes a rea do crculo maior passando pelo centro da esfera, encontra a rea de qualquer segmento da esfera, mostra que o volume de uma esfera vale dois teros do volume do cilindro circunscrito e que a superfcie da esfera vale dois teros da superfcie do cilindro circunscrito, incluindo-se as bases, Fig. 1.1. Na segunda parte deste livro o resultado mais importante de Arquimedes mostrar como cortar uma esfera por um plano, tal que a razo dos volumes dos dois segmentos da esfera tenha um valor desejado.

Sobre as Espirais.

Arquimedes dene uma espiral atravs do movimento uniforme de um ponto ao longo de uma reta que gira com velocidade angular constante no plano. Estabelece as propriedades fundamentais da espiral relacionando o comprimento do raio vetor com os ngulos de revoluo que geram as espirais. Apresenta resultados sobre tangentes s espirais. Demonstra como calcular reas de partes da espiral. A espiral utilizada para obter uma reticao da circunferncia. Como curiosidade citamos aqui as duas primeiras proposies e a denio principal apresentada por Arquimedes neste trabalho. Esta espiral representada hoje em dia em coordenadas polares pela relao = k, onde k uma constante, a distncia at o eixo z (ou at a origem considerando o movimento no plano xy) e o ngulo do raio vetor em relao ao eixo x. Nesta representao moderna no aparece o tempo. Por outro lado, a importncia histrica da denio original de espiral feita por Arquimedes a introduo do conceito de tempo na geometria, algo crucial para todo o desenvolvimento posterior da mecnica clssica: Proposio 1: Se um ponto desloca-se com uma velocidade uniforme ao longo de qualquer linha, e so considerados dois comprimentos sobre a linha, eles sero proporcionais aos tempos para descrev-los, [Arc02, pg. 155]. 25

Proposio 2: Se dois pontos sobre linhas diferentes deslocamse, respectivamente, ao longo de cada uma delas com uma velocidade uniforme, e se so considerados comprimentos, um em cada linha, formando pares, tal que cada par seja descrito em tempos iguais, os comprimentos sero proporcionais, [Arc02, pg. 155]. Denio: Se uma linha reta traada em um plano gira com uma velocidade constante ao redor de uma extremidade que permanece xa e retorna posio de onde comeou e se, no mesmo tempo em que a linha gira, um ponto desloca-se com uma velocidade constante ao longo da linha reta comeando da extremidade que permanece xa, o ponto vai descrever uma espiral no plano, [Arc02, pg. 165]. Sobre Conides e Esferides.

Arquimedes estuda os parabolides de revoluo, os hiperbolides de revoluo (conides) e os elipsides (esferides) obtidos pela rotao de uma elipse em torno de um de seus eixos. O principal objetivo do trabalho investigar o volume de segmentos destas guras tridimensionais. Demonstra, por exemplo, nas Proposies 21 e 22, que o volume do parabolide de revoluo vale 3/2 do volume do cone que tem a mesma base e a mesma altura. Resultados anlogos, mas mais complexos, so obtidos para o hiperbolide de revoluo e para o elipside.

Sobre os Corpos Flutuantes. Livros I e II.

Arquimedes estabelece os princpios fundamentais da hidrosttica com a lei do empuxo, dando o peso de um corpo imerso em um uido. Estuda tambm a estabilidade de um segmento esfrico utuante e de um parabolide de revoluo imerso em um uido. Na primeira parte deste trabalho Arquimedes cria toda a cincia da hidrosttica, no se conhecendo nenhum autor que tenha trabalhado sobre este tema antes dele. Seu postulado fundamental diz o seguinte, [Mug71b, pg. 6], ver tambm [Dij87, pg. 373]: Supomos como princpio que o uido possui uma natureza tal que, estando suas partes dispostas de modo uniforme e sendo contnuas, a parte que menos pressionada impelida de seu lugar pela parte que mais pressionada; e que cada uma de suas partes pressionada pelo uido que est verticalmente acima dela, a menos que este uido esteja encerrado em qualquer [recipiente] ou que seja comprimido por qualquer outra coisa.

A traduo de Heath deste postulado, publicada originalmente em 1897, diz o seguinte, [Arc02, pg. 253] e [Ass96]. 26

Postulado 1: Vai-se supor que um uido tem tal propriedade que, suas partes estando situadas uniformemente e sendo contnuas, aquela parte que menos pressionada impelida pela parte que mais pressionada; e que cada uma de suas partes pressionada pelo uido que est acima dela numa direo perpendicular se o uido for afundado em qualquer coisa e comprimido por qualquer outra coisa. Esta verso de Heath que havamos traduzido para o portugus em 1996, est baseada na traduo para o latim publicada por Mrbeke em 1269, no se conhecendo ento o texto original de Arquimedes em grego. Em 1906 Heiberg localizou um outro manuscrito contendo a verso original em grego deste trabalho. O manuscrito ainda tem algumas partes que esto faltando ou que esto indecifrveis. De qualquer forma, a parte legvel contm este postulado. Com isto foi possvel claricar o signicado da ltima passagem. Em vez da expresso do Heath, e que cada uma de suas partes pressionada pelo uido que est acima dela numa direo perpendicular se o uido for afundado em qualquer coisa e comprimido por qualquer outra coisa, o signicado correto aquele de Mugler e Dijksterhuis, a saber, e que cada uma de suas partes pressionada pelo uido que est verticalmente acima dela, a menos que este uido esteja encerrado em qualquer [recipiente] ou que seja comprimido por qualquer outra coisa. Ou seja, h uma expresso negativa (enfatizada em itlico) que mostra as condies que limitam a validade do postulado. A partir deste postulado Arquimedes chega a uma explicao para o formato esfrico da Terra, supondo-a composta apenas de gua. Depois demonstra um teorema fundamental da hidrosttica, chamado hoje em dia de princpio de Arquimedes (ou de princpio fundamental da hidrosttica), em suas Proposies 5 a 7. Deve-se observar que para o prprio Arquimedes estes resultados so proposies ou teoremas derivados a partir de seu postulado fundamental que acabamos de apresentar. Ou seja, para ele as Proposies 5 a 7 no so princpios fundamentais nem postulados, mas sim resultados secundrios demonstrados a partir de seu princpio fundamental. Ao armar que um slido mais pesado ou mais leve do que um uido, ele est se referindo ao peso relativo ou especco, isto , se o slido mais ou menos denso do que o uido: Proposio 5: Qualquer slido mais leve do que um uido car, caso colocado no uido, submerso de tal forma que o peso do slido ser igual ao peso do uido deslocado, traduzido em [Ass96]. Proposio 6: Se um slido mais leve do que um uido for foradamente submerso nele, o slido ser impelido para cima com uma fora igual diferena entre seu peso e o peso do uido deslocado, traduzido em [Ass96]. 27

Proposio 7: Um slido mais pesado do que um uido descer, se colocado nele, ao fundo do uido, e o slido ser, quando pesado no uido, mais leve do que seu peso real pelo peso do uido deslocado, traduzido em [Ass96]. Baseado nestas proposies, Arquimedes determina no nal do primeiro livro as condies do equilbrio de um segmento esfrico utuante. Na segunda parte deste trabalho Arquimedes apresenta uma investigao completa das posies de repouso e de estabilidade de um segmento de um parabolide de revoluo utuando em um uido. Seu interesse aqui parece bem claro, estudar a estabilidade de navios de forma terica, embora isto no seja mencionado explicitamente. como se fosse um trabalho de matemtica aplicada ou de engenharia terica. Este um trabalho monumental que por quase dois mil anos foi uma das nicas obras sobre o assunto, at ser retomado no renascimento, inuenciando a Stevin (1548-1620) e Galileu (1564-1642). Medida do Crculo.

Este trabalho no chegou em sua forma original at ns sendo, provavelmente, apenas um fragmento de um trabalho maior. Arquimedes demonstra que a rea do crculo igual rea do tringulo retngulo tendo por catetos o raio e a circunferncia reticada: Proposio 1: A rea de qualquer crculo igual a um tringulo retngulo no qual um dos lados ao redor do ngulo reto igual ao raio, e o outro [lado igual] circunferncia do crculo, [Arc02, pg. 91]. Em notao moderna este resultado pode ser expresso da seguinte maneira. Se chamamos de AC rea do crculo de raio r tendo circunferncia C = 2r, e se chamamos de AT rea do tringulo descrito por Arquimedes (dada por sua base vezes sua altura dividido por 2), ento AC = AT = r C/2 = r2 .

10 Arquimedes mostra ainda que o valor exato de situa-se entre 3 71 1 3, 1408 e 3 7 3, 1429. Obteve este resultado circunscrevendo e inscrevendo um crculo com polgonos regulares de 96 lados. Este resultado expresso por Arquimedes com as seguintes palavras na Proposio 3, [Arc02, pg. 93]: A razo da circunferncia de qualquer crculo para 1 10 seu dimetro menor do que 3 7 mas maior do que 3 71 . No meio da demonstrao desta proposio Arquimedes apresenta tambm aproximaes muito precisas para as razes quadradas de diversos nmeros, sem especicar como chegou a elas. Utiliza, por exemplo, o seguinte resultado em 265 notao moderna: 153 < 3 < 1351 , isto , 1, 7320261 < 3 < 1, 7320513. 780

O Contador de Areia.

Arquimedes lida com o problema de contar os gros de areia contidos na esfera das estrelas xas, usando resultados de Eudoxo, de seu pai Fdias e de Aristarco. Prope um sistema numrico capaz de expressar nmeros at o equivalente moderno de 8 1063 . neste trabalho que Arquimedes 28

menciona que a adio das ordens dos nmeros (o equivalente de seus expoentes quando a base 108 ) corresponde a achar o produto dos nmeros. Este o princpio que levou inveno dos logaritmos, muitos sculos depois. tambm neste trabalho que Arquimedes menciona o sistema heliocntrico de Aristarco de Samos (c. 310-230 a.C.). O trabalho de Aristarco descrevendo seu sistema heliocntrico no chegou aos nossos dias. Por isto apresentamos aqui a introduo ao Contador de Areia de Arquimedes. Esta introduo o testemunho mais antigo e mais importante da existncia de um sistema heliocntrico na antiguidade. Devido sua idia extremamente importante, Aristarco chamado hoje em dia de o Coprnico da antiguidade (embora o mais correto fosse chamar Coprnico de o Aristarco da modernidade). No nal da introduo Arquimedes refere-se a um trabalho de nome Princpios, sendo provavelmente o ttulo do seu trabalho contendo um sistema de numerao que havia enviado a Zeuxipus, citado na prpria introduo. Este trabalho est perdido atualmente. Vamos ao texto de Arquimedes, [Dij87, pgs. 362-363] e [Arc02, pgs. 221-222]: Existem alguns, rei Gelon, que pensam que o nmero de gros de areia innito. Quero dizer no apenas da areia que existe em Siracusa e no restante da Siclia, mas tambm aquela que existe em toda regio, seja habitada ou desabitada. Outros j no assumem que este nmero seja innito, mas pensam que ainda no foi nomeado nenhum nmero que seja grande o suciente para ultrapassar o nmero imenso de gros de areia. claro que se aqueles que tm este ponto de vista imaginassem um volume de areia to grande quanto seria o volume da Terra, incluindo neste volume todos os mares e buracos na Terra preenchidos at uma altura igual das maiores montanhas, eles estariam ainda menos inclinados a acreditar que qualquer nmero pudesse ser expresso que excedesse o nmero imenso de gros desta areia. Mas tentarei mostrar por meio de demonstraes geomtricas que voc ser capaz de seguir, que os nmeros que nomeamos, como publicados no trabalho destinado a Zeuxipus, incluem alguns nmeros que excedem no apenas o nmero de gros de areia ocupando um volume igual ao da Terra preenchida da maneira descrita, mas tambm o da areia que tem um volume igual ao do cosmo. Voc sabe que cosmo o nome dado pela maioria dos astrnomos esfera cujo centro o centro da Terra e cujo raio igual distncia entre o centro do Sol e o centro da Terra. Esta a explicao comum, como voc j ouviu dos astrnomos. Mas Aristarco de Samos enunciou certas hipteses nas quais resulta das premissas que o universo muito maior do que o que acabou de ser mencionado. De fato, ele supe que as estrelas xas e o Sol no se movem, mas que a Terra gira na 29

circunferncia de um crculo ao redor do Sol, que est no centro da rbita, e que a esfera das estrelas xas, situada ao redor do mesmo centro que o Sol, to grande que o crculo no qual se supe que a Terra gira tem a mesma razo para a distncia at as estrelas xas que o centro de uma esfera tem para sua superfcie. Mas bvio que isto impossvel; pois como o centro de uma esfera no tem magnitude, no pode ser concebido que ele tenha qualquer razo para a superfcie da esfera. provvel, contudo, que Aristarco tenha querido dizer o seguinte: j que concebemos a Terra sendo, por assim dizer, o centro do universo, ele supe que a razo que a Terra possui para o que chamamos de cosmo igual razo que a esfera contendo o crculo no qual se concebe que a Terra gira possui para a esfera das estrelas xas. Pois suas demonstraes dos fenmenos concordam com esta suposio e, em particular, ele parece supor a magnitude da esfera na qual representa a Terra em movimento como sendo igual ao que chamamos de cosmo. Digo ento que, mesmo se uma esfera fosse feita de areia, com uma magnitude como a que Aristarco supe que tenha a esfera das estrelas xas, os nmeros nomeados nos Princpios ainda incluiriam alguns que ultrapassariam o nmero de gros de areia que existem em um volume igual ao da esfera mencionada, desde que sejam feitas as seguintes suposies: (...) Alm destes trabalhos, sabe-se ainda que Arquimedes escreveu outras obras que atualmente existem apenas em fragmentos ou menes sobre elas escritas por outros autores. Estas obras so as seguintes (ttulos ou assuntos de que tratam): O Problema Bovino. ( contido em um epigrama comunicado por Arquimedes aos matemticos de Alexandria em uma carta para Eratstenes. um problema de lgebra com 8 incgnitas. A soluo completa do problema leva a um nmero com 206.545 dgitos.) Livro de Lemas. (Coleo de lemas importantes relacionados com guras planimtricas.) Poliedros Semi-Regulares. (Os slidos regulares j eram conhecidos por Plato e so descritos por Euclides em seu livro Os Elementos, [Euc56]. Suas faces so compostas por polgonos iguais regulares, eqilteros e eqingulos. S existem 5 slidos regulares: o tetraedro, o cubo, o dodecaedro, o octaedro e o icosaedro. Neste trabalho Arquimedes descreve a construo dos slidos semi-regulares que descobriu. Suas faces so polgonos regulares mas tendo diferentes nmeros de lados, como quadrados e tringulos eqilteros. S existem 13 destes slidos, todos descobertos por Arquimedes.) 30

Stomachion. (S sobraram fragmentos deste trabalho. Aparentemente ele um jogo tipo tangram mas com 14 partes que se juntam para formar um quadrado. Ver alguns exemplos na Figura 2.1. Provavelmente Arquimedes se preocupou em resolver o problema de quantas formas estas 14 partes podem ser juntadas para formar novamente o quadrado. Para Netz e Noel este trabalho d incio ao clculo combinatrio, [NN07, pgs. 329-366]. De acordo com estimativas modernas existem 17.152 maneiras diferentes de combinar as peas do Stomachion formando o quadrado, [NN07, pg. 363].)

Figura 2.1: Duas conguraes possveis para o Stomachion de Arquimedes. rea do Tringulo. (Alguns autores consideram que Arquimedes descobriu a expresso atribuda usualmente a Heron, sculo I d.C., da rea de um tringulo em termos de seus lados.) Sobre o Heptgono em um Crculo. (Apresenta a construo do heptgono inscrito em um crculo.) Existem ainda algumas obras de Arquimedes mencionadas por ele ou por outros autores mas que encontram-se perdidas atualmente. Muitas vezes so mencionados por Arquimedes ou por outros autores antigos apenas os ttulos e algumas vezes alguns resultados ou teoremas demonstrados nestes trabalhos. A lista a seguir pode conter o mesmo trabalho citado s vezes por nomes diferentes. Princpios. (Sobre como expressar nmeros grandes.) Sobre os Centros de Gravidade. Elementos de Mecnica. (Sobre o CG e a lei da alavanca. Provavelmente o trabalho Sobre o Equilbrio dos Planos uma parte deste tratado maior.) Equilbrios. (Sobre o CG de slidos.) Livro das Colunas ou Livro dos Suportes. (De acordo com Heron, Arquimedes tratou aqui de corpos apoiados em duas ou mais colunas e resolveu o problema de saber qual parte do peso total do corpo suportada em cada pilar.) 31

Sobre Balanas ou Sobre Alavancas. (Sobre o CG e a lei da alavanca.) Um trabalho sobre ptica. (Inclui a lei de reexo e estudos sobre a refrao.) Sobre a Construo de Esferas. (Um trabalho mecnico descrevendo a construo de uma esfera representando os movimentos dos corpos celestes, provavelmente uma descrio do famoso planetrio construdo por Arquimedes.) Calendrio. (Sobre a durao do ano.) Sobre os Crculos que se Tocam. Sobre Linhas Paralelas. Sobre Tringulos. Sobre as Propriedades dos Tringulos Retngulos. Sobre as Suposies dos Elementos de Geometria. Livro dos Dados ou Denies.

2.2

O Mtodo de Arquimedes

Entre as obras atualmente conhecidas de Arquimedes, nenhuma tem chamado tanta ateno quanto O Mtodo. A nica informao que se tinha sobre este trabalho at 1906 era seu ttulo. Entre 1880 e 1881 o erudito dinamarqus J. L. Heiberg (1854-1928), professor de lologia clssica na Universidade de Copenhagem, publicou a obra completa de Arquimedes ento conhecida, em grego e latim, em trs volumes. Esta obra serviu como base para a traduo completa recente das obras de Arquimedes para vrios idiomas, como o ingls feita por T. L. Heath (1861-1940) publicada em 1897. Ao descrever as obras perdidas de Arquimedes, Heath cita O Mtodo em uma nica frase, [Arc02, pg. xxxviii]: `o, um Mtodo, mencionado por Suidas, que arma que Theodo o sius escreveu um comentrio sobre ele, mas no fornece informaes adicionais. Suidas foi um dicionarista grego que viveu no sculo X, enquanto que Theodosius (c. 160-90 a.C.) foi um matemtico da Anatlia, atual Turquia. Mas em 1899 Heiberg leu uma informao sobre um palimpsesto de contedo matemtico localizado em Constantinopla. A palavra palimpsesto signica raspado novamente. Em geral trata-se de um pergaminho (pele de animal raspada e polida para servir de escrita) usado duas ou trs vezes, por meio de raspagem do texto anterior, devido escassez do material ou ao seu alto preo. Este palimpsesto especco continha uma coleo de oraes usadas na igreja ortodoxa oriental escritas por volta do sculo XIII, redigida sobre um texto manuscrito matemtico do sculo X. Por algumas poucas linhas a que teve acesso, Heiberg suspeitou que se tratava de um texto de Arquimedes. Conseguiu viajar 32

a Constantinopla e examinou o manuscrito por duas vezes, em 1906 e 1908. Felizmente o texto original no tinha sido totalmente apagado com sucesso e Heiberg conseguiu ler a maior parte com o auxlio de lupas e fotograas. O manuscrito continha 185 folhas com obras de Arquimedes em grego. Alm dos textos j conhecidos, continha trs tesouros: (I) Fragmentos do Stomachion, (II) A nica verso ainda existente em grego de partes importantes da obra Sobre os Corpos Flutuantes. Anteriormente s se conhecia a traduo para o latim feita por Willem von Mrbeke em 1269 a partir de um outro manuscrito grego atualmente perdido. (III) A maior parte do trabalho O Mtodo de Arquimedes! Uma obra que estava perdida por dois mil anos (o ltimo a estud-la parece ter sido Theodosius), no se conhecendo nem mesmo seu contedo, surgiu de repente ampliando enormemente nosso conhecimento sobre Arquimedes. At os comentrios de Theodosius sobre esta obra no so conhecidos. Este manuscrito continha as seguintes obras, nesta ordem: a segunda parte de Sobre o Equilbrio dos Planos, Sobre os Corpos Flutuantes, O Mtodo, Sobre as Espirais, Sobre a Esfera e o Cilindro, Medida do Crculo, e Stomachion. Em 1907 Heiberg publicou o texto da obra O Mtodo em grego e uma traduo para o alemo, com comentrios de Zeuthen. Em 1912 Heath publicou um complemento sua traduo para o ingls das obras completas de Arquimedes, incluindo agora O Mtodo. Entre 1910 e 1915 Heiberg publicou uma segunda edio das obras completas de Arquimedes, em grego e latim, em trs volumes. Esta segunda edio bem melhor do que a primeira e foi reeditada em 1972, [Hei15]. A descoberta de Heiberg foi manchete do New York Times em 1907. Mas a histria no termina aqui. No perodo entre 1908 e 1930 o manuscrito desaparece, acreditando-se que tenha sido roubado. Ao redor de 1930 um colecionador de antiguidades francs compra o manuscrito, sem o conhecimento do mundo exterior. Em 1991 a famlia deste francs coloca o manuscrito para ser leiloado e s ento todos cam sabendo que se tratava do manuscrito descoberto por Heiberg em 1906 e que se considerava novamente perdido. Em 1998 ele foi leiloado pela Christies, em Nova York. Foi comprado por cerca de 2 milhes de dlares por um bilionrio annimo e emprestado para o Walters Arts Gallery, de Baltimore, EUA. Um grupo de eruditos, dirigido por Nigel Wilson e Reviel Netz, da Universidade de Stanford, est trabalhando para a restaurao, digitalizao e publicao do manuscrito, que contm a nica cpia existente de O Mtodo, um trabalho que se considerava perdido por aproximadamente 2.000 anos! A importncia deste trabalho que ele contm praticamente o nico relato de um matemtico da antiguidade apresentando o mtodo que o levou descoberta dos seus teoremas. Em todos os outros trabalhos s temos os teoremas apresentados em sua forma nal, deduzidos com rigor lgico e com demonstraes cienticamente precisas, a partir de axiomas e de outros teoremas, sem que se saiba qual foi o caminho ou a intuio que levou ao resultado nal. O Mtodo alterou tudo isto. Neste caso Arquimedes apresenta o caminho que utilizou para chegar a diversos resultados importantes e difceis de quadratura e de cubatura (obteno de reas e de volumes por integrao), assim como ao centro de gravidade de diversas guras geomtricas. Nada melhor agora do que dar a palavra 33

a Arquimedes na descrio do seu trabalho, [Arc02, Suplemento, pgs. 12-14]: Arquimedes para Eratstenes, saudaes. Enviei a voc em uma ocasio anterior alguns dos teoremas que descobri, apresentando apenas os enunciados e convidando-o a descobrir as demonstraes, que no havia fornecido naquela ocasio. Os enunciados dos teoremas que enviei naquela ocasio so como segue. (...) Alm disso, vendo em voc, como digo, um estudante srio, um homem de eminncia considervel em losoa, e um admirador [da pesquisa matemtica], achei apropriado apresentar e explicar para voc detalhadamente no mesmo livro a peculiaridade de um certo mtodo, atravs do qual ser possvel a voc ter um comeo para capacit-lo a investigar alguns dos problemas em matemtica por meio da mecnica. Estou persuadido de que este procedimento no menos til at mesmo para a demonstrao dos prprios teoremas; pois algumas coisas tornaram-se claras para mim por um mtodo mecnico, embora tivessem de ser demonstradas depois pela geometria, pois a investigao destas coisas por este mtodo no forneceu uma demonstrao real. Mas obviamente mais fcil fornecer uma demonstrao quando j adquirimos anteriormente, pelo mtodo, algum conhecimento das questes, do que encontrar a demonstrao sem qualquer conhecimento. Este o motivo pelo qual, no caso dos teoremas que Eudoxo foi o primeiro a descobrir as demonstraes, a saber, que o [volume do] cone a tera parte do cilindro [circunscrito], e [o volume] da pirmide [a tera parte] do prisma [circunscrito], tendo a mesma base e a mesma altura, devemos dar uma parte importante do crdito a Demcrito que foi o primeiro a armar isto com relao a esta gura, embora ele no tenha demonstrado isto. Eu prprio estou na posio de ter feito inicialmente a descoberta do teorema a ser publicado agora [pelo mtodo indicado], e considero necessrio expor o mtodo, parcialmente por j ter falado sobre ele e no quero que se pense que proferi palavras em vo, mas tambm porque estou persuadido de que o mtodo ser bem til para a matemtica. Pois entendo que alguns dos meus contemporneos ou dos meus sucessores sero capazes, por meio do mtodo uma vez que ele esteja estabelecido, de descobrir outros teoremas adicionais, os quais ainda no ocorreram para mim. Em primeiro lugar vou apresentar o primeiro teorema que descobri por meio da mecnica: Qualquer segmento de uma parbola igual a quatro teros do tringulo que tem a mesma base e a mesma altura. Aps isto apresentarei cada um dos teoremas investigados pelo mesmo mtodo. Ento, no 34

nal do livro, apresentarei as [demonstraes] geomtricas [das proposies]... [Apresento as seguintes proposies que usarei ao longo do trabalho.] (...) Aps esta introduo sobre a vida e a obra de Arquimedes, descreveremos agora diversas experincias que levam a uma denio conceitual precisa do que vem a ser este famoso centro de gravidade dos corpos.

35

36

Parte II

O Centro de Gravidade

37

Captulo 3

GeometriaComeamos nosso trabalho com um pouco de matemtica. Vamos recortar algumas guras planas e obter suas propriedades geomtricas principais. Mais tarde elas sero utilizadas em algumas experincias. As dimenses que apresentamos aqui so adequadas para atividades individuais, sendo que os tamanhos devem ser maiores no caso de serem feitas experincias de demonstrao em sala de aula ou em palestras e seminrios. Material Empregado - Cartolina, papelo, carto duro ou papel carto plano (o papel carto melhor que a cartolina pois um pouco mais espesso e, portanto, mais rme). Tambm pode ser usada a espuma EVA, lminas de madeira (tipo madeira de balsa), folhas de isopor, chapas planas e nas de plstico rgido ou de alumnio etc. - Folhas de papel em branco. - Rgua, caneta, esquadro, compasso e transferidor.

3.1

Obtendo os Centros de Crculos, Retngulos e Paralelogramos

Traamos e recortamos no papel carto um crculo com 7 ou 8 cm de dimetro. Caso o crculo tenha sido traado utilizando um compasso, marca-se depois o centro do crculo (ponto furado pelo compasso) com uma caneta, indicando-o pela letra X. Caso o crculo tenha sido traado utilizando um copo colocado em cima do papel carto, pode-se encontrar o centro pelo cruzamento de dois dimetros. Os dimetros podem ser traados com uma rgua. Mas difcil ter certeza se a rgua est passando exatamente pelo centro, caso este centro no tenha sido localizado anteriormente. Um procedimento alternativo para se encontrar os dimetros e o centro do crculo utiliza dobraduras. Nas experincias que sero feitas em seguida melhor 39

utilizar as guras planas de papel carto plano sem dobras. Todas as dobraduras devem ento ser feitas com guras anlogas feitas de folha de caderno ou de papel sulte. Coloca-se o crculo de papel carto em cima de uma folha de papel e corta-se nesta folha um crculo igual ao que havia sido feito com o papel carto. Depois dobra-se o crculo de papel em duas metades iguais. Faz-se ento mais uma dobra para que o crculo que dividido em quatro partes iguais, ver a Figura 3.1. Pode-se ento traar com caneta os dimetros no crculo de papel. O centro do crculo ser o cruzamento destes dimetros. Furando-se o centro do crculo de papel e colocando-o novamente sobre o crculo de papel carto, pode-se marcar no papel carto com uma caneta o centro do crculo.

X

X

Figura 3.1: Achando o centro de um crculo com dobraduras. Recorta-se de um papel carto a gura de um retngulo com lados de 6 cm e de 12 cm. No caso do retngulo existem duas maneiras alternativas de se encontrar o centro. A mais simples ligando os vrtices opostos. O centro do retngulo o cruzamento destas diagonais, que deve ser marcado pela letra X. A outra maneira encontrando (com uma rgua ou com dobradura) inicialmente o ponto mdio de cada lado. Liga-se ento os pontos mdios dos lados opostos. O centro do retngulo o cruzamento destas duas retas. O paralelogramo um quadriltero plano cujos lados opostos so paralelos. Recorta-se de um papel carto uma gura na forma de um paralelogramo com lados de 6 cm e de 12 cm, com o menor ngulo interno sendo de 30o (ou de 45o ). Pode-se encontrar o centro de um paralelogramo utilizando os dois mtodos empregados no caso do retngulo, como na Figura 3.2.

X

X

Figura 3.2: Achando o centro de um paralelogramo com dobraduras.

3.2

Os Quatro Pontos Notveis de um Tringulo

Existem trs tipos de tringulo: eqiltero (trs lados iguais), issceles (apenas dois lados de mesmo comprimento) e escaleno (trs lados diferentes). Todo 40

tringulo possui quatro pontos notveis que so chamados de circuncentro (C), baricentro (B), ortocentro (O) e incentro (I). Vamos encontrar estes quatro pontos notveis no caso de um tringulo issceles com base de 6 cm e altura de 12 cm. Com estas dimenses cada um dos lados iguais ter um comprimento de 12,37 cm, Figura 3.3.

cm 12 cm41

cm 12,37

12,37

6 cmFigura 3.3: Tringulo issceles. Este tringulo ser traado e recortado em um papel carto. Recortam-se tambm outros quatro tringulos iguais de uma folha de papel. Cada um destes tringulos de papel ser utilizado para que se tracem sobre eles as retas para encontrar os pontos notveis. Quando necessrio, tambm as dobraduras devem ser feitas com estes tringulos de papel, para evitar que se amassem as guras de papel carto que sero utilizadas em experincias posteriores. O circuncentro o encontro das mediatrizes, que so as retas cortando cada lado no ponto mdio, perpendicularmente. Para achar o ponto mdio de cada lado pode-se utilizar uma rgua. Com um esquadro ou utilizando o retngulo de papel carto traa-se ento uma reta perpendicular a cada lado passando por seu ponto mdio. O cruzamento destas retas o circuncentro (C), Figura 3.4. Outra maneira de se encontrar o ponto mdio de cada lado com dobradura. Neste caso basta que se juntem os vrtices dois a dois. A dobra do papel j ser a reta ortogonal ao lado entre os vrtices e passando pelo centro de cada lado, o que facilita o trabalho. Uma propriedade importante do circuncentro que ele eqidistante dos vrtices. Por este motivo ele o centro da circunferncia circunscrita ao tringulo, chamada de circuncrculo, Figura 3.4. Em todo tringulo acutngulo (que possui os trs ngulos agudos, ou seja, menores do que 90o ), o circuncentro estar localizado no regio interna do tringulo. No tringulo obtusngulo (que possui um ngulo obtuso, ou seja, maior

C

C

Figura 3.4: O circuncentro e o circuncrculo. do que 90o ), o circuncentro estar localizado na regio externa ao tringulo. No tringulo retngulo, o circuncentro estar localizado no ponto mdio da hipotenusa. O baricentro o encontro das medianas, que so as retas que ligam os vrtices aos pontos mdios dos lados opostos. Como vimos no caso do circuncentro, os pontos mdios de cada lado podem ser facilmente obtidos com uma rgua ou com dobraduras. Aps encontrar estes pontos mdios, basta que eles sejam ligados aos vrtices opostos. O cruzamento destas retas o baricentro (B), ver a Figura 3.5. O baricentro est sempre dentro do tringulo e possui uma propriedade importante: A distncia do vrtice ao baricentro sempre o dobro da distncia do baricentro ao ponto mdio do lado oposto ao vrtice.

B

Figura 3.5: O baricentro de um tringulo. O ortocentro o encontro das alturas, que so as retas que ligam os vrtices perpendicularmente aos lados opostos. A maneira mais fcil de encontrar estas retas utilizando um esquadro ou o retngulo de papel carto. Vai-se escorregando com a base do esquadro ou do retngulo por um dos lados do tringulo (com a base do esquadro ou do retngulo coincidindo com o lado do tringulo) at que o lado perpendicular do esquadro ou do retngulo encontre 42

o vrtice oposto do tringulo. Neste momento traam-se estas retas que vo dos vrtices at os lados opostos, sendo perpendiculares a estes lados, Figura 3.6. O cruzamento das alturas o ortocentro (O). As alturas representam tambm as menores distncias entre os vrtices e os lados opostos. Dependendo das dimenses do tringulo, o ortocentro pode se localizar dentro ou fora do tringulo.

OFigura 3.6: O ortocentro. O incentro o encontro das bissetrizes, que so as retas que dividem os vrtices em dois ngulos iguais. Estas retas podem ser encontradas com o auxlio de um transferidor. Mas a maneira mais prtica de localiz-las com dobraduras. Basta que se encontrem pelos vrtices os lados vizinhos do tringulo, Figura 3.7. As dobras do papel dividem cada vrtice em dois ngulos iguais. O cruzamento destas retas o incentro (I).

I

I

Figura 3.7: O incentro e o incrculo. O incentro sempre localiza-se dentro do tringulo. O incentro eqidistante dos lados. Por este motivo ele o centro da circunferncia inscrita no tringulo, tambm chamada de incrculo, Figura 3.7. Depois que estes quatro pontos foram localizados nos tringulos de papel, 43

fura-se os papis nestes pontos e colocam-se os tringulos de papel sobre o tringulo de papel carto. Em seguida marcam-se sobre o tringulo de papel carto os quatro pontos notveis. O resultado no caso deste tringulo issceles com base de 6 cm e altura de 12 cm mostrado na Figura 3.8. Vemos que os quatro pontos so distintos entre si, com o ortocentro mais prximo da base, depois o incentro, depois o baricentro e por ltimo o circuncentro. Estes quatro pontos esto sobre uma reta que ao mesmo tempo mediatriz, mediana, altura e bissetriz.

cm 12 cm

12,37 cm

12,37

C B I O

6 cmFigura 3.8: Um tringulo issceles e seus quatro pontos notveis. No caso de um tringulo eqiltero estes quatro pontos se sobrepem, Figura 3.9a.

O I B C

7 cm

C

14

I

12 cm

10 cm

Figura 3.9: Os quatro pontos notveis em alguns casos particulares. No caso de um tringulo issceles com base de 12 cm e altura de 7 cm a ordem dos pontos em relao base invertida quando comparada com os pontos do tringulo issceles com base de 6 cm e altura de 12 cm, Figura 3.9b. No caso de um tringulo escaleno estes quatro pontos no esto ao longo de uma reta e tambm no esto necessariamente todos dentro do tringulo, como pode ser visto pela Figura 3.9c, baseada em um tringulo obtusngulo com lados de 7 cm, 10 cm e 14 cm. Vemos que o baricentro e o incentro esto dentro do tringulo, enquanto que o circuncentro e o ortocentro esto fora dele. 44

7 cmO

cm B

Captulo 4

Experincias de Equilbrio e Denio do Centro de Gravidade4.1 Primeiro Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade: Experincias com Figuras Planas

At o momento lidamos apenas com geometria. A partir de agora comeamos a realizar experincias. A maior parte das experincias descritas aqui foram inspiradas nos excelentes trabalhos de Ferreira e Gaspar, que recomendamos fortemente: [Fer], [Fer06] e [Gas03]. Vamos precisar de alguns conceitos primitivos, isto , conceitos que no podemos denir sem cair em crculos viciosos. Os conceitos primitivos que vamos usar so o de corpo, disposio relativa de corpos (corpo B localizado entre os corpos A e C, por exemplo), distncia entre corpos, mudana da disposio relativa entre os corpos e tempo entre eventos fsicos. Experincia 4.1 Seguramos uma moeda e a soltamos do repouso em uma certa altura do solo. Observa-se que a moeda cai em direo Terra, 4.1. O mesmo ocorre com qualquer uma das guras de papel carto (crculo, retngulo ou tringulo). Esta uma das experincias mais simples e mais importantes de toda a mecnica. Nem todos os corpos caem ao serem soltos no ar. Uma bexiga cheia de hlio ou um balo cheio de ar quente, por exemplo, sobem ao serem soltos no ar, afastando-se da Terra. Porm, caso fossem soltos no vcuo, tambm cairiam em direo Terra. Neste livro vamos realizar todas as experincias ao ar livre e todos os corpos que consideraremos sero aqueles que caem ao serem soltos. 45

V

Figura 4.1: A vertical (V) denida como a direo de queda dos corpos em direo ao centro da Terra. Denies Denimos agora alguns conceitos que usaremos em todo este trabalho. Estes conceitos j esto implcitos na descrio da experincia anterior e tambm surgem na descrio de diversas outras experincias que realizaremos ao longo deste trabalho. Corpo rgido: Qualquer corpo cujas partes no mudam de posio relativa entre si enquanto o corpo est parado ou enquanto se desloca em relao a outros corpos. O tringulo de papel carto, por exemplo, pode ser considerado um corpo rgido para os propsitos deste livro. Mesmo enquanto o tringulo cai girando em relao Terra, as partes do tringulo permanecem xas entre si (a distncia entre dois pontos quaisquer do tringulo permanece constante no tempo etc.). J um gato andando no solo ou caindo em direo Terra no pode ser considerado um corpo rgido, pois suas patas e seu rabo deslocam-se entre si durante estes movimentos. Na maior parte das experincias deste livro lidaremos com corpos rgidos, mas em alguns casos lidaremos com corpos compostos (como no caso da balana, do ET etc.). Quando nos referirmos a um corpo, em geral queremos dizer corpo rgido, a menos que seja especicado algo diferente. Movimento e repouso: Dizemos que dois corpos A e B esto em movimento (repouso) relativo entre si, quando a distncia entre eles varia (no varia) com a passagem do tempo. Aqui estamos supondo corpos pontuais tais que se possa desprezar seus tamanhos ou dimetros em comparao com a distncia entre eles. No caso de corpos tridimensionais reais vo existir vrias distncias entre suas partculas diferentes. Neste caso dizemos que A e B esto em movimento (repouso) relativo entre si quando a distncia entre uma partcula i qualquer do corpo A e uma partcula j qualquer do corpo B varia (no varia) com a passagem do tempo. Neste livro vamos em geral falar do movimento ou do repouso de um corpo em 46

relao Terra. Quando dizemos que um corpo est em repouso (movimento), em geral queremos dizer que ele est parado (em movimento) em relao Terra. O mesmo deve ser entendido para todas as partes do corpo em relao a todas as partes da Terra. Equilbrio: Em geral vamos nos referir ao equilbrio como sendo a falta de movimento em relao Terra. Isto , ao dizer que um corpo est em equilbrio, queremos dizer que todas as suas partes permanecem em repouso em relao Terra com a passagem do tempo. Ou seja, todas as partes de um corpo dito em equilbrio permanecem paradas em relao Terra, no se aproximando nem se afastando dela, nem deslocando-se horizontalmente em relao Terra. Enquanto o tringulo est parado em nossas mos, dizemos que ele est em equilbrio. Enquanto est caindo, deixa de estar em equilbrio. Gravidade: Nome que se d propriedade que faz com que os corpos caiam em direo Terra ao serem soltos do repouso. Outra maneira de expressar isto dizer que a gravidade a tendncia dos corpos em serem atrados em direo ao centro da Terra. Descer e subir: Quando dizemos que um corpo desce (sobe), queremos dizer que ele est se aproximando (se afastando) da superfcie da Terra com a passagem do tempo. Em vez de descer, podemos usar tambm verbos anlogos como cair, tombar, se aproximar da Terra ou se inclinar em direo Terra, por exemplo. Da mesma maneira, em vez de subir, podemos usar verbos anlogos como levantar ou se afastar da Terra, por exemplo. Em cima e embaixo, superior e inferior: Quando dizemos que um corpo A est em cima de um corpo B, queremos dizer que o corpo B est entre a Terra e o corpo A. Quando dizemos que um corpo A est abaixo de um corpo B, queremos dizer que o corpo A est entre a Terra e o corpo B. Quando nos referimos parte superior (inferior) de um corpo, queremos dizer sua parte mais (menos) afastada da superfcie da Terra. Vertical: Linha reta denida pela direo seguida por um pequeno corpo (como uma moeda metlica) ao cair em direo Terra pela ao da gravidade, partindo do repouso. tambm a linha seguida por um corpo que sobe em relao Terra ao ser solto do repouso (como uma bexiga cheia de hlio, em uma regio sem vento). Ou seja, a vertical (V) no uma linha reta qualquer. uma linha reta bem especca que est ligada com a gravidade da Terra. Para diminuir a inuncia do ar e do vento o ideal realizar esta experincia com corpos pequenos e densos como moedas, Figura 4.1. Horizontal: Qualquer reta ou plano ortogonal reta vertical. Deve ser ressaltado que todos estes conceitos esto ligados Terra, indicando propriedades fsicas relacionadas interao gravitacional dos corpos com a 47

Terra. Ou seja, no so conceitos abstratos ou puramente matemticos. So conceitos denidos a partir de experincias mecnicas realizadas na Terra. importante apresentar explicitamente todos estes conceitos pois sero utilizados ao longo deste trabalho. Apesar disto, deve ser enfatizado que estas so idealizaes que no se encontram exatamente assim na natureza. Por exemplo, nenhum corpo verdadeiramente rgido. Mesmo quando um livro est parado em cima de uma mesa, suas molculas esto vibrando. Neste sentido, nenhum corpo est verdadeiramente em equilbrio, j que sempre existiro partes deste corpo deslocando-se em relao superfcie da Terra, mesmo quando o corpo como um todo, macroscopicamente, no esteja se deslocando em relao Terra. Ao ser apoiado sobre um pequeno suporte como ser descrito a seguir, todo corpo sempre vai se curvar um pouco, mesmo que seja uma chapa metlica. Apesar disto, para fenmenos em escala macroscpica estes detalhes (como as vibraes das molculas, ou a pequena curvatura sofrida pelo corpo) nem sempre so observveis ou nem sempre so relevantes para o que est sendo analisado. Logo, os conceitos denidos anteriormente fazem sentido a nvel macroscpico e devem ser entendidos assim. Suporte para as experincias Aps estas denies podemos prosseguir com as experincias concentrandonos nos fenmenos que levam denio do centro de gravidade. Para isto vamos precisar de um suporte para apoiar as guras planas de papel carto j recortadas. Apresentamos aqui diversas possibilidades de constru-lo. Suporte de palito de churrasco: Usamos um pouco de massa de modelar como base e ncamos o palito de churrasco de madeira na vertical, com a ponta para baixo, ver a Figura 4.2. importante ressaltar que a ponta deve car para baixo, caso contrrio ca muito difcil realizar as experincias de equilbrio que sero apresentadas a seguir. Em vez da massa de modelar pode-se ncar o palito em uma borracha ou em alguma outra base apropriada. Suporte de lpis: Coloca-se um lpis com a ponta para baixo em um apontador, tal que o lpis que parado na vertical. Suporte de garrafa pet: Caso as guras de papel carto sejam grandes (dimenses tpicas da ordem de 20 cm ou de 40 cm, tamanho apropriado para que o professor faa demonstraes em sala de aula), pode-se utilizar uma garrafa de refrigerante como suporte, com a gura apoiada sobre a tampa, ver a Figura 4.2. Se a garrafa for de plstico, bom enchla com um pouco de gua para que no tombe enquanto realizamos as experincias. Suporte de arame: Uma outra possibilidade interessante utilizar um arame vertical com a base de sustentao em espiral, ver a Figura 4.2. Caso o arame seja rgido mas muito no, ca muito difcil conseguir equilibrar 48

as guras na horizontal (ele tambm pode furar as folhas de isopor etc.). O ideal utilizar uma arame mais grosso. Suporte de prego: Basta um prego na vertical ncado em uma rolha, borracha, tbua de madeira ou outra base apropriada. A cabea do prego deve estar para cima, com a ponta ncada na base.

Figura 4.2: Suportes para as experincias. Existem innitas outras possibilidades. Os aspectos importantes a ressaltar so que o suporte que rme na base de sustentao, que o suporte que na vertical, que sua extremidade superior seja plana (cando na horizontal) e pequena comparada com as dimenses das guras que sero equilibradas sobre ele. Mas a extremidade superior no pode ser muito pequena, anloga a um ponto (como os casos do palito de churrasco, alnete, agulha ou prego com as pontas para cima). Caso isto ocorra, ca muito difcil de conseguir equilibrar as guras e as experincias podem falhar. A extremidade superior deve ser pequena para que o ponto de equilbrio do corpo que bem localizado, mas no deve ser pequena demais seno inviabiliza boa parte das experincias. Com um pouco de prtica possvel encontrar facilmente as dimenses apropriadas. Primeiro Procedimento Experimental para se Encontrar o Centro de Gravidade Apresentamos agora o primeiro procedimento experimental para se encontrar o centro de gravidade de guras planas. Experincia 4.2 Pegamos o crculo, o retngulo e o paralelogramo de papel carto j recortados e tentamos equilibr-los na horizontal apoiando-os sobre o suporte vertical. 49

No caso do crculo, por exemplo, o colocamos deitado sobre o suporte e o soltamos do repouso. Observamos que ele sempre cai, exceto quando o suporte est sob o centro do crculo. Ou seja, quando o centro do crculo est apoiado sobre o suporte, podemos soltar o crculo que ele no cair em direo Terra (como havia acontecido na experincia anterior com a moeda), mas permanecer em repouso equilibrado pelo suporte. Em todas as guras planas que j analisamos, observa-se que existe um nico ponto que deve car sobre o suporte para que a gura permanea parada horizontalmente ao ser solta do repouso. Da experincia vem que no caso do retngulo e do paralelogramo este ponto tambm o centro destas guras, como ocorreu com o crculo, Figura 4.3.

X

X

X

Figura 4.3: O crculo, o retngulo e o paralelogramo s permanecem em repouso quando os suportes esto sob seus centros. Como curiosidade histrica vale informar que Arquimedes foi o primeiro a demonstrar teoricamente que o centro de gravidade dos crculos coincide com o centro dos crculos, e que o centro de gravidade dos paralelogramos (retngulos e quadrados so casos particulares de paralelogramos) o ponto de cruzamento de suas diagonais. No Lema 7 de O Mtodo, por exemplo, arma: O centro de gravidade de um crculo o ponto que tambm o centro [do crculo], [Arc02, Suplemento, pg. 15]. Proposio 9 de seu trabalho Sobre o Equilbrio dos Planos: Em todo paralelogramo o centro de gravidade est situado sobre a reta ligando os pontos mdios dos lados opostos do paralelogramo, ver o Apndice B. Proposio 10 deste trabalho: Em todo paralelogramo o centro de gravidade o ponto de encontro das diagonais. Estes corpos caram equilibrados apenas quando o suporte estava sob seus centros, sendo que o equilbrio est ligado com a gravidade terrestre. Uma primeira idia seria a de chamar os centros dos corpos de seus centros de gravidade. A partir do resultado da prxima experincia e de sua anlise veremos que vai ser necessrio alterar esta denio. Mas por hora pode-se dizer destas experincias que apenas quando os corpos so apoiados por seus centros eles permanecero em equilbrio ao serem soltos do repouso. Fazemos ento uma primeira denio provisria: Denio Provisria CG1: Chamamos de centro de gravidade de um corpo ao seu centro geomtrico. Ele ponto ser representado nas guras pelas 50

letras CG. Experincia 4.3 Equilibramos agora um tringulo qualquer sobre o suporte. Pode ser um tringulo eqiltero, issceles ou escaleno. Como exemplo concreto vamos considerar o tringulo issceles de base a e altura b que j foi recortado em papel carto (a = 6 cm e b = 12 cm). Este tringulo possui seus quatro pontos notveis bem separados. Utilizamos agora um apoio de palito de churrasco como suporte inferior. Assim podemos vericar claramente onde ca o ponto de equilbrio do tringulo quando ele solto do repouso, colocado em um plano horizontal, apoiado apenas em uma pequena regio pelo suporte. Vemos que os tringulos sempre caem, exceto quando so apoiados pelo baricentro, ver a Figura 4.4. Mesmo quando so apoiados pelo circuncentro, pelo ortocentro, pelo incentro ou por qualquer outro ponto (que no seja o baricentro), vem da experincia que os tringulos caem.

C B I O

Figura 4.4: S podemos equilibrar um tringulo horizontal ao apoi-lo pelo baricentro. Novamente, Arquimedes foi o primeiro a demonstrar teoricamente que o centro de gravidade de qualquer tringulo coincide com a interseco das medianas. Vejamos a Proposio 13 de seu trabalho Sobre o Equilbrio dos Planos: Em todo tringulo, o centro de gravidade est situado sobre a reta ligando um vrtice ao ponto mdio do lado oposto, ver o Apndice B ao nal deste livro. Proposio 14: Em todo tringulo o centro de gravidade o ponto de encontro das linhas retas ligando os vrtices do tringulo aos pontos mdios dos lados [opostos]. Ser que podemos dizer que o baricentro de um tringulo seu centro geomtrico? Todo tringulo possui um centro geomtrico? Para responder a esta pergunta precisamos saber o que entendemos por centro geomtrico. Intuitivamente pe