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  • ISSN 1982-2596 RPCA * Rio de Janeiro * v. 5 * n. 3 * set./dez. 2011 * 1-14 * 1

    ADMINISTRAO COMO UMA CINCIA SOCIAL APLICADA: INTEGRANDO CINCIA,

    TECNOLOGIA E SOCIEDADE NO ENSINO DE ADMINISTRAO

    MANAGEMENT AS AN APPLIED SOCIAL SCIENCE: INTEGRATING SCIENCE, TECHNOLOGY AND SOCIETY IN THE TEACHING OF MANAGEMENT

    Dannyela da Cunha Lemos Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC [email protected] Walter Antonio Bazzo Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC [email protected]

    RESUMO

    O desenvolvimento da cincia e da tecnologia traz implicaes para a sociedade que constituem o campo de anlise dos estudos sobre cincia, tecnologia e sociedade (CTS). Dentro da perspectiva educacional, tais estudos podem trazer contribuies em diversos campos do saber, notadamente na cincia da administrao, considerando-se sua gnese como cincia social aplicada. Este ensaio terico tem por objetivo apresentar as possibilidades da abordagem dos estudos CTS para o ensino da administrao. O artigo est organizado em seis sees. Aps uma breve introduo discutem-se os fundamentos e a evoluo da teoria da administrao, particularmente o que se refere ao paradigma funcionalista. Em seguida relacionam-se os elementos histricos e a evoluo do ensino de administrao no Brasil. Na sequncia apresentam-se as proposies dos estudos de CTS, partindo-se de seu contexto de formao, pressupostos e abordagens. A partir da so discutidas as possibilidades dos estudos CTS no ensino da administrao no Brasil. As concluses sugerem a adoo do enxerto CTS, que pode ser incorporado no ensino sem a necessidade de mudana nas matrizes curriculares e reflete uma mudana de postura na relao da administrao com a sociedade. Alm disso, refora-se o carter interdisciplinar da cincia administrativa.

    Palavras-chave: Ensino. Administrao. Estudos CTS.

    ABSTRACT

    The development of science and technology has implications for society which make the field of analysis of studies on science, technology and society (STS). Inside the educational perspective, these studies can bring contributions in several fields of knowledge especially in the management science, considering its genesis as applied social science. This theoretical essay aims to present the possibilities of the approach of the studies on science, technology and society (STS) for teaching management. The paper is organized into six sections. After a brief introduction we discuss the foundations and evolution of management theory, specially the relation with functionalist paradigm. Then we relate the historical elements and the evolution of management education in Brazil. Following we present the propositions of the STSstudies, when we begin with their formation context, assumptions and approaches. From there we discuss the possibilities of the STSstudies in management education in Brazil. The findings suggest the application of " insertion CTS" that can be incorporated into the teaching without curricular change and reflects a change of attitude in relationship between the management and society.

    Keywords: Education. Management. STSStudies.

  • Dannyela da Cunha Lemos e Walter Antonio Bazzo

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    INTRODUO

    A construo da cincia ao longo do tempo fruto basicamente de dois fatores essenciais sua anlise: do contexto histrico de sua elaborao, incluindo aspectos sociais, econmicos e polticos, dentre outros; e de seus atores, quer sejam eles aqueles que constroem o saber, aqueles que o criticam ou ainda aqueles que dele se beneficiam. Sendo assim, uma reflexo mais aprofundada acerca do conhecimento cientfico requer o resgate de tais elementos luz de uma viso crtica, que d conta de reconhecer os contornos lgicos de seu permanente processo de desenvolvimento.

    Na cincia no existem verdades definitivas, o que designa o carter de transitoriedade e incompletude do conhecimento, mas uma construo histrica que ganha corpo a partir de seus atores. Assim o conhecimento deixa seu status de estado para assumir o de processo (JAPIASSU, 1991).

    No caso da cincia da administrao particularmente importante recuperar seus fundamentos, para entendimento no s de seu contexto de surgimento como tambm de sua evoluo. A criao de uma teoria uma prtica intelectual situada em um dado contexto histrico e que est voltada para a construo e mobilizao de recursos ideais, materiais e institucionais para legitimar certos conhecimentos e os projetos polticos que deles derivam (REED, 1998, p.64).

    Neste sentido, procurar-se- pontuar alguns elementos presentes na constituio e evoluo da teoria da administrao, destacando os aspectos do funcionalismo que conformaram o paradigma dominante neste campo. Com a predominncia do funcionalismo como fundao epistemolgica da pesquisa e educao, criou-se no Brasil uma gerao de pesquisadores e educadores que tiveram acesso restrito a outros paradigmas de anlise organizacional, bem como pouco incentivo ao aprofundamento e descoberta em outras abordagens alternativas (VERGARA; CALDAS, 2005).

    Entendendo estas questes, bem como levando em considerao as profundas transformaes pelas quais a sociedade tem passado nos ltimos anos, fruto do desenvolvimento tecnolgico, cabe questionar como a educao tem absorvido tais mudanas e de que maneira pode contribuir neste processo. A possibilidade de uma educao reflexiva e questionadora que contribua para o desenvolvimento social do ser humano justamente um dos pilares propostos pelos estudos CTS.

    Neste sentido, o propsito deste artigo olhar a questo sob o ponto de vista do ensino da administrao, discutindo as possibilidades de mudanas que se colocam quando se prope a abordagem dos estudos CTS. Para tanto, aps esta introduo discutem-se os fundamentos e a evoluo da teoria da administrao, enfatizando-se a construo do paradigma funcionalista Em seguida relacionam-se os elementos histricos e a evoluo do ensino de administrao no Brasil. Na sequncia apresentam-se as proposies dos estudos de CTS, partindo-se de seu contexto de formao, pressupostos e abordagens. A partir da so discutidas as possibilidades dos estudos CTS no ensino da administrao no Brasil e por fim so tecidas as consideraes finais.

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    OS FUNDAMENTOS E A EVOLUO DA TEORIA DA ADMINISTRAO

    Do ponto de vista histrico, os fenmenos ligados acelerao industrial do incio do sculo XX influenciaram o desenvolvimento especfico do campo da administrao (AUDET; DRY, 1996). A teoria da administrao tem suas origens na preocupao com a produtividade, dominante a partir da revoluo industrial. No incio do sculo XX surgiram os pioneiros da teoria da administrao, cuja obra Princpios de Administrao Cientfica, de Frederick Taylor, datada de 1911 a principal corporificao do pensamento que de uma forma ou de outra fundamenta a teoria das organizaes (MOTTA, 2003).

    Neste contexto, pode-se encaixar a perspectiva da cincia administrativa como uma cincia social em gestao, permitindo que esta seja visualizada de certa forma como uma ruptura com saberes heterogneos proveniente das mais diversas disciplinas, mas ao mesmo tempo como disciplina que conserva em sua essncia as noes e conhecimentos da decorrentes (CHEVALLIER; LOSCHAK, 1980).

    Contudo, no incio do sculo XX, o paradigma dominante nas cincias sociais incorpora-se administrao. Assim, a compreenso dos conceitos do funcionalismo, resgatando os estudos de base da sociologia e da antropologia so fundamentais para o entendimento de suas relaes com a teoria organizacional. Neste sentido pode-se destacar a funo das instituies na sociedade bem como seus impactos e consequncias tanto do ponto de vista individual como coletivo.

    Para melhor entender a questo, pode-se recorrer ao trabalho de Burrel; Morgan (1979), que ao identificar os vrios paradigmas subjacentes s cincias sociais demonstram que o paradigma funcionalista apresenta-se como o paradigma dominante na teoria organizacional. Tal paradigma volta-se para explanaes essencialmente racionais de assuntos sociais, enfatizando a importncia da ordem, do equilbrio, da estabilidade da sociedade e dos meios para mant-los.

    O paradigma funcionalista formado a partir da interao de trs conjuntos de foras intelectuais: a teoria marxista, o idealismo alemo e o positivismo sociolgico, que representa sua maior influncia. do cruzamento destas foras que surgem as escolas de pensamento, dentre as quais se podem destacar na anlise das organizaes o objetivismo, a teoria do sistema social, o pluralismo, as teorias das disfunes burocrticas e o quadro de referncia da ao (BURREL; MORGAN, 1979).

    A abordagem funcionalista recebeu influncia dos trabalhos de August Comte e Herbert Spencer1, sistematizados na sociologia de mile Durkheim, cujo objeto central para a interpretao da sociedade o estudo do fato social, que para ele toda a maneira de fazer, fixada ou no, suscetvel de exercer sobre o indivduo uma coao exterior (DURKHEIM, 1978, p.92). Tal aspecto refora que o fato social existe antes mesmo do indivduo e que lhe colocado pela sociedade sem seu conhecimento prvio; ou ainda que geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma existncia prpria, independente das suas manifestaes individuais (DURKHEIM, 1978, p.93), o que ressalta seu carter coletivo.

    Ao apreciar no apenas os fatos isolados, mas suas relaes e vnculos na discusso acerca da diviso do trabalho social, Durkheim assume uma posio funcionalista (MALINOWSKI, 1970). Esta discusso investiga a funo da diviso do trabalho no apenas sob o aspecto econmico, mas moral, no sentido de que ela capaz de criar solidariedade social (DURKHEIM, 1978). Estabelece-se assim uma analogia entre vida social e vida orgnica, onde

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    a funo de uma instituio social a correspondncia entre ela e as necessidades da organizao social (RADCLIFFE-BROWN, 1973, p. 220). A orientao funcional pressupe a anlise da sociedade sob a tica dos conceitos de estrutura e funo, considerando as relaes estabelecidas entre as suas partes (EVANS-PRITCHARD, 1972).

    O corpo de conhecimentos do funcionalismo cria uma concepo das organizaes que segundo Chanlat; Sguin (1987) podem assumir as seguintes caracterizaes: concepo sistmica e sincrnica, que situa a organizao como um sistema de esforos coordenados a partir de uma estrutura de autoridade hierrquica; concepo teleolgica, que refora a busca de objetivos comuns aos membros de uma organizao que ao mesmo tempo sejam coerentes com os valores da sociedade, dando a ela legitimidade interna e externa; concepo a-histrica, que volta a organizao totalmente para o presente, encobrindo a possibilidade de entendimento de seu funcionamento por meio da histria; e por fim a concepo integradora e no conflitual, que prega o modelo de organizao ideal, onde reina a harmonia e inexistem relaes de poder e conflitos.

    Selznick (1967) tambm incorpora elementos do funcionalismo ao apresentar os fundamentos da teoria de organizao, que se refletem na prpria conceituao de organizao como estrutura social adaptvel e tambm como sistema cooperativo de carter orgnico, sujeito anlise estrutural e funcional.

    H que se considerar tambm, dentro do paradigma funcionalista a influncia da teoria dos sistemas. De acordo com Rosenzweig; Kast (1980) h um estreito relacionamento entre a teoria dos sistemas e o funcionalismo, visto que uma de suas conotaes justamente a viso das cincias sociais por meio de suas estruturas, processos e funes, para compreender as relaes entre estes componentes.

    Para Parsons (1967), o estudo da organizao constitui parte do estudo da estrutura social; uma organizao distingue-se de outros tipos de sistemas sociais em funo de sua prioridade de ateno para a consecuo de metas. Assim, uma organizao um sistema que, atingidas suas metas, produz um elemento identificvel que pode de alguma forma ser utilizado por outro sistema [...] (PARSONS, 1967, p.44).

    A viso da organizao concebida como sistema aberto amplamente adotada nos vrios campos da administrao, em suas reas de especializao funcional, de tal forma que comum encontrar nas organizaes sistemas e subsistemas de recursos humanos, marketing, finanas e assim por diante. Ao mesmo tempo em que a organizao representa um sistema em si, ela tambm composta de vrios outros sistemas, de acordo com o ngulo de anlise.

    Assim, A ortodoxia na teoria das organizaes desenvolveu-se com base em metforas que refletem os pressupostos do paradigma funcionalista (MORGAN, 2005, p.68). Desta forma, h um histrico apego ao funcionalismo como fonte hegemnica da cincia administrativa, mas por outro lado tambm um foco de resistncia esta tendncia que se manifestam basicamente em duas vertentes contrrias: o interpretacionismo e os referenciais crticos e ps-modernos. O interpretacionismo questiona o objetivismo arraigado na doutrina funcionalista, enquanto a vertente crtica combate sua inclinao regulao e manuteno da ordem social [...] (VERGARA; CALDAS, 2005, p. 66).

    Desta forma, verifica-se que a ortodoxia funcionalista-sistmica veio dominar a prtica intelectual e o desenvolvimento das anlises organizacionais entre os anos 40 e 60, mas modelos alternativos de interpretao j comeavam a surgir para questionar o

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    funcionalismo, baseados em tradies intelectuais e histricas muito diferentes (REED, 1998).

    No que tange ao funcionamento da cincia da administrao, fica claro sua forte tradio no campo do funcionalismo, cujos conceitos influenciaram e continuam influenciando geraes de profissionais. O paradigma funcionalista-sistmico pode ser percebido nas orientaes didtico-pedaggicas dos cursos de administrao no nvel de graduao e ps-graduao, no estabelecimento e consolidao de projetos de pesquisa e na produo cientfica da rea, conforme ser visto na sequncia. Tal posicionamento somado ampla influncia da literatura norte-americana tem desenhado um cenrio que alvo de crticas contundentes por parte de muitos estudiosos.

    O ENSINO DA ADMINISTRAO NO BRASIL

    A origem das escolas superiores de administrao no Brasil consequncia da poltica desenvolvimentista adotada a partir dos governos de Getlio Vargas, o que requeria pessoal qualificado para gerir tanto as organizaes pblicas e os programas de governo como as instituies privadas que buscavam a racionalidade econmica (SERVA, 1990; NICOLINI, 2003; ANDRADE; AMBONI, 2002, 2004). A mudana e o desenvolvimento da formao social brasileira a partir da Revoluo de 1930 demandavam a preparao de recursos humanos, na forma de tcnicos e tecnlogos de vrias especializaes, assim como mtodos de trabalho mais sofisticados (NICOLINI, 2003 p.45).

    Os primeiros cursos de administrao no Brasil foram oferecidos pelas seguintes instituies: 1) Escola Superior de Administrao de Negcios (ESAN) em So Paulo, 1941; 2) Escola Brasileira de Administrao Pblica da Fundao Getlio Vargas (EBAP/FGV), Rio de Janeiro, 1952; 3) Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade Federal da Minas Gerais, (FCE/UFMG) em Belo Horizonte, 1952; 4) Escola de Administrao de Empresas de So Paulo da Fundao Getlio Vargas (EAESP/FGV), em So Paulo, 1954; 5) Escola de Administrao da Universidade Federal da Bahia (EAUFBA), Salvador, 1959; 6) Faculdade de Economia e Administrao da Universidade de So Paulo (FEA/USP) em So Paulo (apesar de ter sido criada em 1946, s veio oferecer o curso de administrao em 1963); 7) Instituto de Administrao da Universidade Federal do Rio Grande Sul (UFRGS) em Porto Alegre, 1966 (SILVA; FISCHER, 2008).

    A EBAP/FGV no Rio de Janeiro notabilizou-se pelo ensino de administrao pblica, ao passo que o ensino de administrao de empresas ou de negcios comeou em So Paulo na ESAN, hoje pouco conhecida pelo prestgio rapidamente alcanado pela EAESP/FGV (BERTERO, 2006). A EAESP/FGV foi criada com o apoio do governo federal, do Estado de So Paulo e da iniciativa privada, justamente na capital econmica do pas, corao e crebro da iniciativa privada (ANDRADE; AMBONI, 2002).

    H que se destacar que a Fundao Getlio Vargas, por meio da EBAP e da EAESP, firmou convnio com o governo americano para a criao de cursos de administrao em universidades brasileiras que contemplavam a assistncia tcnica para a elaborao de currculos, mtodos e tcnicas de ensino, instalao de bibliotecas e formao de professores, dentre outros. Quanto a este ltimo aspecto, professores americanos realizaram a seleo de candidatos a professor nos cursos de administrao no Brasil, que aps selecionados foram enviados aos Estados Unidos para cursar mestrado em administrao nas universidades do Sul da Califrnia, em Michigan e em Harvard (SERVA, 1990).

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    Segundo Bertero (2006) os currculos iniciais da EAESP/FGV e da FEA/USP, ambos fortemente alicerados nos modelos norte-americanos, influenciaram muito o formato e a grade curricular dos programas de graduao em administrao que foram sendo criados a partir da dcada de 60, servindo inclusive como base para o currculo mnimo definido pelo extinto Conselho Federal de Educao. At os dias de hoje, no campo da administrao [...] pelo menos dois teros da produo cientfica so de autores norte-americanos e o impacto sobre o ensino simplesmente impressionante (BERTERO, 2006, p.3).

    Outra Instituio de muita relevncia para o desenvolvimento do ensino de Administrao a Universidade de So Paulo (USP), que surgiu da articulao de polticos, intelectuais e jornalistas. A Universidade de So Paulo surgiu em 1934, por meio da aglutinao de faculdades j existentes e da abertura de novos centros de ensino. Em 1946, foi criada a Faculdade de Economia e Administrao (FEA), que tinha por objetivo formar funcionrios para os grandes estabelecimentos de Administrao pblica e privada. A criao da FEA se deve principalmente ao grande surto de industrializao, quando surgiram empresas movimentando vultosos capitais que exigiram, para sua gesto, tcnicas altamente especializadas.

    Andrade; Amboni (2002, 2004) apresentam a evoluo do ensino de graduao em administrao no Brasil, destacando aspectos marcantes em termos de histria e regulamentao da profisso. Segundo os autores, a evoluo deu-se nos seguintes ciclos:

    1 ciclo surgimento e reconhecimento da profisso de administrador: refere-se ao perodo ps dcada de 40, onde surge a necessidade e formao de pessoal especializado para sustentao de uma economia em processo de industrializao. O ensino de administrao segue o processo de desenvolvimento do pas, expandindo-se a partir das demandas de profissionalizao dos quadros de pessoal das grandes unidades produtivas, notadamente a partir da dcada de 60. Tal expanso favoreceu a regulamentao da profisso, com a criao da Lei no 4.769, de 9 de setembro de 1965, tornando-a privativa de bacharis diplomados pelo sistema universitrio. Destaca-se ainda, como parte deste processo o parecer no 307/66, de 8 de julho de 1966 do Conselho Federal de Educao que fixou o primeiro currculo mnimo do curso de administrao.

    2 ciclo resoluo no 2/93: marca a criao da Resoluo no 2 de 4 de outubro de 1993 do Conselho Federal de Educao que fixa os mnimos de contedos e durao do curso de graduao em administrao. Foram estabelecidas assim a carga horria e as matrias de formao bsica e instrumental, formao profissional, disciplinas eletivas e complementares e ainda o estgio supervisionado.

    3 ciclo melhoria da qualidade e avaliao: refere-se ao perodo que se inicia a partir da metade da dcada de 90 e que marca a criao de um conjunto de aes e experincias em avaliao do ensino, com o objetivo de melhorar a qualidade da educao. Destaca-se a Lei no 9.131 de 24 de novembro de 1995 que criou o Exame Nacional de Cursos, cujo objetivo alimentar os processos de deciso e de formulao de aes voltadas para a melhoria dos cursos de graduao.

    4 ciclo diretrizes curriculares: marca a aprovao da Resoluo no 1 de 2 de fevereiro de 2004, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduao em Administrao. Tais diretrizes permitem a flexibilidade, a contextualizao e a interdisciplinaridade dos contedos ministrados, ao invs da aplicao de currculos segmentados e fechados. Posteriormente a Resoluo n 4 de 13 de julho de 2005, revogou a

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    Resoluo n 2/1993 e retificou a Resoluo n 1/2004, extinguindo as antigas habilitaes que constituam uma extenso ao nome do curso de administrao para evitar a sua descaracterizao.

    O processo evolutivo revela no s os movimentos pelos quais passou o ensino da administrao no Brasil como tambm enorme expanso e popularizao dos cursos. Dados disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira (INEP), por meio do Censo da Educao Superior de 2009 do conta de que o curso de administrao o curso com maior nmero de matrculas (1.102.579) no ensino superior no Brasil, considerando as modalidades: presencial (874.076) e distncia (228.503), o que corresponde a 18,5% do total de matrculas. Considerando-se apenas os anos de 2005 a 2009 verifica-se um percentual de expanso de matrculas no curso de administrao na ordem de 51% (INEP, 2010).

    OS ESTUDOS SOBRE CINCIA, TECNOLOGIA E SOCIEDADE (CTS)

    interessante notar que a cincia contempornea ao estabelecer procedimentos metodolgicos valeu-se imensamente das abordagens empiristas e positivistas, mas de qualquer maneira, em que pese todo o esforo neste sentido no alcanou e provavelmente jamais alcanar a dita neutralidade cientfica. Neste sentido, comea a dar sinais de esgotamento o modelo linear de desenvolvimento que prega que mais cincia produz mais tecnologia, que por sua vez produz mais riqueza e mais bem-estar social (BAZZO; LISIGEN; PEREIRA, 2003).

    Prigogine; Stengers (1997) colocam que a cincia passa por um processo de metamorfose que prega o fim do saber pleno e absoluto e neste sentido alertam para as conseqncias deste processo, considerando a multiplicidade dos tempos; o papel dos indivduos enquanto atores e espectadores, no que a cincia se afirma cada vez mais como humana; a busca de um modo prprio de desenvolvimento da cincia que reconhea seu carter aberto e ainda a no-ruptura, mas um novo olhar sobre os saberes e prticas j consolidados.

    Se o conhecimento cientfico deve refletir sobre si mesmo como colocou Morin (1982), cabe questionar o papel da pesquisa e da produo cientfica, a sua capacidade de confrontao, de lidar com o acaso, com o indeterminado e o aleatrio. At que ponto tais questes so consideradas? Ou melhor, at que ponto o arcabouo metodolgico clssico, com suas apuradas tcnicas de medio, experimentao e manipulao no acabam esvaziando o fenmeno cientfico e impedindo que se considere o que importante mas detendo-se no que mensurvel e observvel.

    neste contexto de indagaes, questionando o modelo linear de desenvolvimento, que surge no fim dos anos 60 e incio dos anos 70 os estudos CTS, em contraposio ao padro hegemnico de pensamento cientfico dominante no meio acadmico. Os estudos CTS, ou estudos sociais da cincia e da tecnologia, refletem no mbito acadmico e educativo essa nova percepo da cincia e da tecnologia e de suas relaes com a sociedade (BAZZO; LISIGEN; PEREIRA, 2003, p.125).

    O movimento CTS aparece como alternativa da comunidade acadmica, com o intuito de avaliar o modelo linear at ento estabelecido e entender a cincia e a tecnologia como um processo social no qual os valores morais, concepes religiosas, interesses polticos e

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    econmicos, entre outros, agem de maneira a formatar as idias do contexto cientfico-tecnolgico (PINHEIRO; FOGGIATTO; BAZZO, 2009).

    Morin (1982) coloca a importncia de se conceber conjuntamente na construo da cincia a ordem e a desordem, de forma que no prevalea exclusivamente um universo determinista, mas tampouco aquele absolutamente aleatrio e sim uma mistura dos dois elementos. A necessria importncia da desordem a contrapartida vital do carter arbitrrio e autoritrio da ordem (MORIN, 1986 p.02).

    Debates desta natureza tem se tornado cada vez mais comuns na maioria das instituies de ensino de todo o mundo, reforando a necessidade de que o mesmo caminho seja seguido pelas instituies brasileiras (BAZZO, 2010). Desta forma, importante tambm se faz ampliar suas perspectivas pelos mais diversos campos do conhecimento, na anlise de suas relaes com a cincia e tecnologia e consequentes implicaes.

    Os estudos CTS definem hoje um campo de trabalho recente e heterogneo, ainda que bem consolidado, de carter crtico a respeito da tradicional imagem essencialista da cincia e da tecnologia, e de carter interdisciplinar por convergirem nele disciplinas como a filosofia e a histria da cincia e da tecnologia, a sociologia do conhecimento cientfico, a teoria da educao e a economia da mudana tcnica. Os estudos CTS buscam compreender a dimenso social da cincia e da tecnologia, tanto desde o ponto de vista dos seus antecedentes sociais como de suas consequncias sociais e ambientais, ou seja, tanto no que diz respeito aos fatores de natureza social, poltica ou econmica que modulam a mudana cientfico-tecnolgica, como pelo que concerne s repercusses ticas, ambientais ou culturais dessa mudana (BAZZO; LISIGEN; PEREIRA, 2003, p.125).

    Desde que o movimento CTS iniciou-se, um dos principais campos de sua investigao e ao social tem sido o educativo. Nesse campo de investigao, comumente designado de enfoque CTS no contexto educativo, discute-se a necessidade de renovao na estrutura curricular dos contedos, de forma a colocar a cincia e a tecnologia em novas concepes vinculadas ao contexto social (PINHEIRO; FOGGIATTO; BAZZO, 2009). Segundo Bazzo (2010) existe uma grande carncia no Brasil de materiais que reforcem o estudo das dimenses sociais da cincia e da tecnologia, para que estas no sejam abordadas somente como um aprendizado puramente mecanicista, mas que reflitam anlises de suas consequncias e repercusses por parte das pessoas que as utilizaro.

    Bazzo; Lisigen; Pereira (2003) com base em estudos preliminares sobre o tema colocam que a abordagem CTS pode ser trabalhada na educao por meio dos seguintes formatos: (1) Enxerto CTS: consiste na introduo de CTS nos contedos das disciplinas de cincias, no sentido de tornar os estudantes mais conscientes e crticos em relao s implicaes da cincia e da tecnologia; (2) Disciplina de CTS: requer a estruturao dos contedos das disciplinas de cunho cientfico e tecnolgico, a partir de CTS ou com orientao CTS, o que pode ser feito por meio de disciplinas isoladas ou cursos multidisciplinares; e (3) CTS Puro: trata-se do ensino do CTS com o contedo cientfico como papel subordinado.

    De acordo com Pinheiro; Foggiatto; Bazzo (2009) nos trs formatos anteriormente citados, cabe ao professor ser o grande articulador para garantir a mobilizao dos saberes, o desenvolvimento do processo e a realizao de projetos. Desta forma os alunos podero estabelecer conexes entre o conhecimento adquirido e o pretendido com a finalidade de resolver situaes-problema, em consonncia com suas condies intelectuais, emocionais e contextuais.

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    Um desenvolvimento cientfico e tecnolgico com responsabilidade social deve se voltar para as tarefas prticas, no podendo ser dirigido de acordo com os velhos sistemas econmicos, polticos e moral. Implica ter um nvel de responsabilidade individual e coletiva muito mais acentuado que o dos tempos anteriores. Por isso, h a necessidade de se proporcionar a toda a populao uma educao cientfica e tecnolgica, pois a ausncia de conhecimentos induz ausncia de responsabilidade (SILVEIRA; PINHEIRO; BAZZO, 2010).

    Sendo assim, a abordagem CTS fornece elementos importantes para uma reflexo aprofundada acerca do ensino e do papel da educao no somente na promoo do progresso tcnico, mas particularmente no desenvolvimento humano. A proposta aqui justamente identificar em que medida o ensino da administrao pode estar coerente com tal viso, de maneira a formar profissionais conscientes de seu papel na sociedade.

    POSSIBILIDADES DOS ESTUDOS CTS NO ENSINO DA ADMINISTRAO NO BRASIL

    O ensino de administrao somado ao aprendizado proporcionado pelos estudos CTS pode reforar a formao do indivduo como cidado gerando um composto educacional importante que pode propiciar a gerao de novos negcios que promovam o desenvolvimento local com responsabilidade social e capacidade de inovao. As universidades precisam estabelecer aes prticas que possibilitem aos administradores uma educao mais humanizada, reflexiva e crtica e isto pode ser feito por meio de tal abordagem nos cursos de administrao.

    Tanto no Brasil como no mundo o ensino de administrao revela uma tendncia mercantilizao do ensino e fracasso dos contedos e mtodos pedaggicos. O fenmeno de massificao do curso de administrao no Brasil deu-se principalmente com a grande expanso do ensino privado seja no nvel de graduao como de ps-graduao. A procura de vagas e o custo relativamente baixo de implantao do curso de graduao em administrao so fatores de atrao para que instituies privadas invistam neste curso (PAES E PAULA; RODRIGUES, 2006).

    De acordo com Bertero (2006) o curso de administrao de fcil massificao, pois exige poucos investimentos em ativos fixos, s recentemente laboratrios de informtica foram requeridos e ainda pode ser oferecido em meio perodo, o que permite a sua expanso por meio de cursos noturnos. A maior parte das vagas oferecida por instituies privadas, com objetivos empresariais, onde os servios educacionais so tratados primordialmente como negcios.

    Para Nicolini (2003) o ensino de administrao presta-se a produo em massa de bacharis, e as escolas de Administrao, como esto estruturadas, mais se parecem com uma fbrica. Segundo o autor, pode-se traar a seguinte analogia: as escolas recebem a matria-prima (o aluno) e a transformam, ao longo da linha de montagem (o currculo pleno), em produto (o administrador) (NICOLINI, 2003 p. 48). A expanso dos cursos de administrao acabou por transformar o que deveria ser um curso destinado formao de um profissional novo, engajado em processo de transformao de organizaes e, por meio delas, da prpria realidade nacional, em um curso de educao geral (BERTERO, 2006 p. 23).

    Alcadipani; Bresler (2000) argumentam que est ocorrendo no Brasil um processo semelhante de macdonaldizao do ensino da Administrao. A tecnologia de fast-food

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    utilizada para padronizar informaes e maximizar a quantidade de alunos. Nas universidades-lanchonete, professores adestrados apresentam receitas de bolo e doutrinas sagradas dos manuais de gesto.

    Com o crescimento do nmero de faculdades e universidades privadas no Brasil, na ltima dcada, aumentaram tambm as oportunidades de acesso ao curso superior. Todavia, este fenmeno tem trazido problemas referentes qualidade dos cursos oferecidos. fato que um curso de qualidade precisa de profissionais bem formados, boas condies de trabalho, laboratrios e bibliotecas, mas tambm um bom projeto pedaggico e experincia, algo que demanda tempo e investimento (ROSSI; MELGAO, 2009, p. 2).

    Para que a massificao no deturpe os profissionais que entraro no mercado, necessrio que as universidades adotem uma nova abordagem de ensino, de modo a ensejar aos egressos capacidade de investigao e questionamento. Dada esta demanda por um profissional mais crtico, os processos de reforma curricular vm ocorrendo em vrios nveis da educao, e mais especificamente no ensino superior em Administrao. Os currculos necessitam ser criticamente revisados para que o processo de formao dos estudantes leve em conta aspectos culturais, polticos, econmicos, tecnolgicos e sociais. As novas diretrizes curriculares para os cursos de administrao apontam para um desenho inovador, flexibilizado e multidisciplinar (PEREIRA; BRITO; BRITO; AMNCIO, 2004).

    O exame da multidisciplinaridade no campo da administrao tambm se coloca como uma questo emergente enquanto pesquisa e como prtica. O risco de se incorrer na falta de comunicao com outras cincias grande, o que se manifesta tambm na fragmentao do prprio corpo de conhecimentos da administrao. Estabelecer um dilogo permanente com as demais cincias que d conta de suas transformaes e ao mesmo tempo alimente as demandas de conhecimento internas parte do caminho a trilhar no vasto campo da complexidade.

    sempre mais perigoso e difcil lanar-se naquilo que no predominante, sobretudo se envolve questionar padres de anlise amplamente estabelecidos e aceitos. Alm disso, considerar o processo oferece mais riscos do que focar-se no produto final; levar em conta a histria envolve maior complexidade e pensar no conflito e nas contradies por vezes incmodo, constrangedor e imprprio. No se trata aqui de defender o funcionalismo, mas sim de tentar entender as razes para sua hegemonia no campo das cincias sociais, particularmente na cincia da administrao.

    Cabe destacar a importncia que as instituies exercem no campo cientfico, ao definir sua estrutura de funcionamento, mapear hierarquias, delinear poderes e influenciar a adoo de estratgias de ao e ainda promover a legitimao e divulgao dos saberes. Tambm sobressai o seu papel transformador de promover uma revoluo contra a cincia instituda, provocando condies de ruptura contnua, onde Bourdieu (1994) v seu verdadeiro princpio de continuidade.

    preciso lembrar ainda que a administrao uma cincia social aplicada, logo maior nfase aos aspectos sociais deve ser dada no curso, para que sua essncia no se perca. Alm de se estabelecer uma conexo mais estreita entre as disciplinas de base do curso, tais como sociologia, filosofia, psicologia e tica com a atuao do administrador preciso tambm que as demais disciplinas, sejam elas de formao profissional ou complementares contemplem discusses crticas acerca do desenvolvimento cientfico e tecnolgico.

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    Um processo de conscientizao junto aos alunos necessrio para que se propicie uma anlise das responsabilidades advindas do desenvolvimento industrial contemporneo. Tal questo no pode ser deixada a cargo de grupos alternativos, que so pouco levados a srio num pas cujo comportamento marcado por padres culturais tecnicistas estabelecidos h dcadas (BAZZO, 2010).

    Neste sentido, a sugesto para a incluso dos estudos CTS no ensino da administrao passa pela incorporao de uma discusso sobre as prprias matrizes curriculares dos cursos, para que as disciplinas incorporem contedo crtico, ligado formao instrumental. Assim, importante que a formao do administrador contemple no apenas mtodos e tcnicas de gesto nos vrios campos de atuao do profissional, quer seja finanas, marketing, recursos humanos, produo e outros mas tambm inclua a reflexo acerca das consequncias da adoo de tais instrumentos para a sociedade.

    Desta forma, a abordagem de CTS que melhor atende tal necessidade parece ser o enxerto CTS, uma vez que consiste na introduo de CTS nos contedos das disciplinas j estabelecidas nos cursos de administrao. Tal abordagem pode ser gradual, pautada em metodologias de ensino que possam ser desenvolvidas tanto dentro de sala de aula (filmes, debates, seminrios) como extraclasse (trabalho de campo, grupos de estudos, trabalhos interdisciplinares).

    O currculo dos Cursos de Administrao, tal como o conhecemos no foi estabelecido, de uma vez por todas, em algum ponto privilegiado do passado. Ele est em constante fluxo e transformao. De forma igualmente importante e relacionada, preciso no interpretar o currculo como resultado de um processo evolutivo, de contnuo aperfeioamento em direo a formas melhores e mais adequadas (WAIANDT ; FISHER, 2009).

    O caminho para este processo de mudana passa em primeiro lugar pela conscientizao dos professores, que muitas vezes envolvidos em suas rotinas dirias acabam no se dando conta de sua enorme responsabilidade na formao crtica dos alunos, o que se constitui num dos pilares do ensino superior em si. Somente com professores comprometidos com a abordagem CTS que o ensino de administrao pode beneficiar-se das reflexes a envolvidas.

    CONSIDERAES FINAIS

    Uma das maiores contribuies da abordagem CTS identificar os impactos da cincia e da tecnologia na sociedade, procurando mostrar alternativas que auxiliem a participao cidad nas decises mais importantes sobre as controvrsias relacionadas a ambas. Em contra partida a neutralidade positivista na educao busca formar o aluno para a submisso diante da autoridade dos conhecimentos, de forma que este possa reproduzir a estrutura poltico-econmico-social estabelecida (PINHEIRO; FOGGIATTO; BAZZO, 2009).

    Trazendo-se tal perspectiva para o ensino de administrao, verifica-se historicamente uma forte nfase na educao positivista, traduzida por meio do paradigma funcionalista, influenciado pelo modelo norte-americano. A questo a expanso desenfreada dos cursos e a mercantilizao do ensino de administrao no Brasil, contribuiu ainda mais para reproduzir este quadro dominante, gerando uma grande fragmentao do conhecimento.

    A abordagem CTS apresenta-se ento como uma nova postura que pode ser assumida pelas instituies de ensino e pelos professores no sentido de resgatar a essncia do curso de

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    administrao enquanto uma cincia social aplicada. Tal postura envolve reconhecer o paradigma dominante e dar ao aluno a opo de escolha a partir do entendimento do contexto de sua formao e do reconhecimento de si prprio como parte integrante da sociedade. No justo que as escolhas sejam feitas pelas instituies de ensino ou pelos professores, cabe a eles apenas mostrar as possibilidades para os alunos, para que estes, movidos por sua prpria conscincia e conhecimento o faam.

    Com base nesta perspectiva o professor poder lanar mo de novas estratgias que permitam desenvolver nos estudantes uma atuao mais crtica e reflexiva que leve em conta seu papel enquanto profissional e membro da sociedade. Ressalte-se tambm a prpria necessidade de formao dos professores dentro da abordagem CTS.

    O formato de abordagem sugerido aqui a utilizao do enxerto CTS, que pode ser adotado sem a necessidade de mudana nas matrizes curriculares, permite uma conscientizao e envolvimento gradual dos professores e ainda dinamiza os contedos tratados nas diversas disciplinas do curso, conferindo-lhe um carter de contemporaneidade e aplicao prtica.

    Alm disso, a abordagem CTS contribui tambm para resgatar a interdisciplinaridade presente na cincia da administrao, estabelecendo conexes no s entre as disciplinas, mas tambm entre estas e as demandas da sociedade, auxiliando no entendimento das relaes complexas que se estabelecem entre estas. Uma compreenso mais ampla acerca do fenmeno administrativo ou do processo de gesto vai gerar administradores mais conscientes do mundo em que vivem e de suas responsabilidades neste mundo.

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    1 Para maiores detalhes ver PADOVANI, U.; CASTAGNOLA, L. O positivismo, in Histria da filosofia. So Paulo:

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