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Nesta pesquisa busca-se compreender os agenciamentos entre educação, memória e patrimônio, enquanto territórios de arranjos subjetivos, articulados em contextos comunitários e referenciados pelas dinâmicas culturais de matriz africana. Em busca por fluxos de sentido e afeto, onde deles emergem atrações e repulsas, culminâncias e conflitos, sujeitos se territorializam enquanto produtores de saber e pelas mesmas rupturas, desterritorializam-se. O desterritorializar-se enquanto sujeito, pressupõe arranjos e composições subjetivas, que podem se ressignificar a partir de suas referências culturais, mobilizadas por tessituras étnicas e de convivência comunitária. O novo território possível, como culminância dos processos educativos e simbólicos ressignificados pelo sujeito – em comunidade - serão percursos deste estudo, proposto pela pesquisadora-cartógrafa.
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Cartografia de sentidos: um devir processual de pesquisa em Educação e Patrimônio
*Alessandra Regina Gama (UFSCar)
O presente artigo forjase a partir da pesquisa em curso, entitulada “Canjerê:
memória, patrimônio e territórios educativos. Um estudo sobre os percursos do
Ponto de Cultura e Memoria e Ibaô”, vinculada ao Programa de PósGraduação em
Educação da Universidade Federal de São Carlos e à linha de pesquisa Educação,
Comunidades e Movimentos Sociais (PPGEdUFSCar). A pesquisa propõeanalisar
os processos educativos que emergem entre iniciativas comunitárias de memória e
patrimônio e os impactos na produção de territórios subjetivos referenciados pela
prática de saberes, oralidades e expressões culturais de matriz africana em
decorrência dos percursos do Ponto de Cultura e Memória Ibaô.
Resumo
Nesta pesquisa buscase compreender os agenciamentos entre educação,
memória e patrimônio, enquanto territórios de arranjos subjetivos, articulados em
contextos comunitários e referenciados pelas dinâmicas culturais de matriz africana.
Em busca por fluxos de sentido e afeto, onde deles emergem atrações e repulsas,
culminâncias e conflitos, sujeitos se territorializam enquanto produtores de saber e
pelas mesmas rupturas, desterritorializamse. O desterritorializarse enquanto
sujeito, pressupõe arranjos e composições subjetivas, que podem se ressignificar a
partir de suas referências culturais, mobilizadas por tessituras étnicas e de
convivência comunitária. O novo território possível, como culminância dos processos
educativos e simbólicos ressignificados pelo sujeito – em comunidade serão
percursos deste estudo, proposto pela pesquisadoracartógrafa.
Palavraschave:
__________________________________________________________________ * Mestranda pelo Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos
(PPGEdUFSCar). Orientadora: Dulcinéia de Fátima Ferreira Pereira.
Cartografia como potência de devires e processos As palavras são pura energia.
Minha mãe ensinava que há palavras que nunca se deve dizer,
jamais dirigíla a pessoa alguma. E há outras que têm o dom de construir,
de fortalecer quem as ouve e as lê. Que os ancestrais me deem o dom das boas palavras e me ensinem
a esquecer as outras. Petronilha B. G. Silva
De início, é fundamental expor que este projeto de pesquisa foi concebido por
uma mulher, pesquisadora, mobilizada por suas implicações etnosociais e culturais,
circundados pela cosmovisão da matriz africana. Estas implicações constroem
questionamentos e refletem uma relação entre educação e cultura, impregnadas
pelas vivências de um corpo, ser mulher e pesquisadora, engajada em modos de
pertencimento e afirmação étnica. Existe portanto, na pesquisa, uma implicação
históricoexistencial que se entrepõe à implicação estruturoprofissional, situada por
itinerâncias constantes em favor uma concepção emancipadora do povo negro e que
contorna o olhar epistemológico dos processos educativos neste contexto.
Este artigo não tem como objetivo sinalizar assertivamente précondições de
pesquisa, tão pouco situarse como certeza ou absolutismo metodológico. Neste
sentido, pretende dialogar, através da escrita, tentar abordar questões acerca das
possibilidades e potência do devir como processo de estudo nos campos da
Educação, Memória e Patrimônio. A metodologia cartográfica propõe uma
reatualização destes movimentos, suas interfaces poéticas, interações
sociopolíticas, arte, cultura e etnicidade, como linhas afetadas por narrativas de
memória e patrimônio. Silenciamentos que ecoam a constituição de um patrimônio
cultural sendo legado pelo protagonismo e altivez dos sujeitos no presente,
agenciados pela partilha comunitária de valorização dos saberes locais, enraizados
no passado. A pesquisa tem embasamentos teóricos fundamentados por princípios
epistemológicos de Gilles Deleuze e Félix Guattari.
A cartografia como método nas ciências humanas e sociais, deriva e
incorpora metáforas geográficas, desprendendose dos métodos convencionais da
produção de mapas. Numa edificaçãoenunciação de sentidos as palavras emergem
pistas e ressignificam o “localizarse no mundo”: território, lugar, posição, trajeto,
paisagem e referências espaciais, impregnamse de subjetivações, para enunciar
percursos afetados pela ausência e presença de potências afetivas e simbólicas.
Cartografar neste estudo, é o traçado de um plano comum, dialogando com Kastrup
(2013) acompanhamento de processos, movimentos e agenciamentos. Um a
poética, uma estética, a territorialização e desterritorialização de indivíduos como
desdobramento de imersões sinestésicoespaciais do pesquisadoracartógrafa,
afetada pelos processos em curso.
Um cartógrafo, atento à expansão da vida, sairá a campo sensível aos
limiares de desterritorialização e das formas individuais de reconstituirse em
sociedade, nos diferentes momentos e estratégias de existência. Existir
individualmente em sociedade é possibilitar a assimilação de desejos e de potências
afetivas. Afetividades tracejam linhas de força, ativas e reativas do desejo,
alimentando corpos e fluxos de intensidade que hora pedem sentido, hora
fragmentamse em rupturas existenciais, ressignificando línguas, recrutando
enunciados na criação de territórios (ROLNIK, 2006).
O território aqui, entendido como dimensão simbólica do tempoespaço e
como matriz interpretativa da territorialidade. A territorialidade não se finda no
território, mas em dinâmica existencial constitutiva da dimensão territorial, como
exteriorização de arranjos expressivos e práticas sociais. Nesta pesquisa as
territorialidades forjam a matriz territorial a partir de forças imbricadas no patrimônio
imaterial. Conflui mapas emergidos de um processo cartográfico.
Ressaltado por Deleuze (1995) e Haesbaert (2004), o conceito de território é
amplo por tratarse de campo de agenciamento que transcende o espaço
geográfico. Compõese um território de transcendências subjetivas, para além das
espaciais e sociais, alojando na subjetividade a capacidade de ser afetada em suas
dimensões internas e externas ao indivíduo e grupos sociais. Neste sentido, a
construção de territórios se dá através das potências afetivas que se desestabilizam
pelos encontros, confluências e rupturas, suscitando novos agenciamentos,
portanto, engendrando repertórios de territorialização, desterritorialização e
reterritorialização. A subjetividade como processo, conflui linhas fuga em que tudo
pode ser agenciado, portando, ressignificado em seu contexto. Tais processos são
complexidades dinâmicas cartografáveis. E a qual cartografia nos referimos?
Produzir mapas estáticos tem na historicidade, práticas que decorrem de
objetividade e seleção. Ação inclinada por escolhas e figurações estáticas de
lugares dinâmicos, dotados de vida para além de uma paisagem. Como deslocarse
da produção de mapas objetivos para a produção de mapas subjetivos, no mundo
em que a cartografia corre risco de tornase cada vez mais estreita, pelos efeitos
maniqueístas da escala mundial do capitalismo?
“A escala do lugar não é mais a das decisões que lhe dizem respeito.
Os espaços aparecem cada vez mais como diferenciados por suas
trocas em capital, pelo produto que criam e o lucro que engendram, e
no final das contas pelo seu desigual poder de atrair capital. Como o
homem, o espaço foi mundializado. O capital por suas possibilidades
de localização e suas necessidades de reprodução tornase
intermediário entre um homem sem posses e um espaço alienado. Por
tanto, é tempo de se colocar a questão do conteúdo dessa “dominação
espacial” , para saber se podemos continuar a falar de uma dominação
de um espaço, enquanto tal, sobre outro. A resposta só poderá vir da
análise das diferenças atuais entre espaços e da dinâmica de suas
interrelações. Tratase portanto, de procurar o princípio que rege as
transformações das estruturas do espaço (SANTOS, 1978, p.4).
A cartografia como processo rizomático de pesquisa tem sua introdução na
obra Mil Platôs de Gilles Deleuze e Félix Guattari, de 1980. Neste exercício,
propomos a reflexão e prática de um processo de análise das diferenças e da
dinâmica de suas interrelações, como sugere Milton Santos. O processo
cartográfico desta pesquisa em curso, também dialoga com outros autores, que
exploram o tema, articulado à uma diversidade de contextos e perspectivas
espistemológicas, confluindo linhas focaultianas e deleuzeanas como campo
rizomático e dialógico de agenciamentos conceituais. Neste sentido, a metodologia
vai dialogar com os trabalhos de Felix Guattari e Suely Rolnik (1996, 4a. ed); Sulely
Rolnik (2006); Passos, Kastrup & Escóssia (2009), em trânsito com demais autores.
O devir como potência transformadora de estruturas
O que me interessava eram
as criações coletivas, mais que as representações.
Gilles Deleuze
Desnormatizar a compressão de leis e tornar elementar a participação de
grupos de usuários de serviços públicos na jurisprudência território ante “um
moral e pseudocompetente comitê de juízes, sintetiza a ideia de passagem do direito
à política. Ou seja, da transição “do direito normativo institucionalizado” como linha
de fuga desterritorialização para uma concepção criativa de acontecimentos
políticos reterritorialização como agenciamento coletivo. A política como
possibilidade de acontecimento, agenciamentos singulares do devir. As urgências
dissonantes corporificando distinção entre apreensão histórica como
condicionamento, estado de coma, de outro lado o acontecimento histórico como
corpo a ser instalado, ocupado, afetado, reatualizando as urgências e seus
componentes singulares, corpo vibrátil (Deleuze, 2003; Rolnik, 2014).
Milton Santos, em sua crítica ao capital e seus modos de reprodução em
mapas como estado de coisas e tensionamento de forças capitais e sociais em
dissonância, propõe ao “homem sem posses” colocarse frente aos espaços
alienados, espaços conformadores de uma colonização espacial a ser tensionada
por movimentações de transformação das estruturas do espaço em coma. Um
primeiro movimento traçamos pela apreensão e compreensão dos espaços como
territórios, deslocando e ampliando a dimensão espacial para uma noção
complexificada por territorialidades multidimensionais, cabendo sentidos objetivos e
subjetivos, o material e o imaterial.
A política como devir de possibilidades e agenciamentos singulares,
desestabiliza mobiliza o pensar e agir sobre o capital, que tem em si próprio a
imanência dos seus limites, “reencontrandose sempre em escala ampliada, porque
o limite é o próprio Capital” Deleuze,apud Marx, 2013, p.216. Reterritorializarse em
busca de movimentos respostas não estáticas para as “máquinas de guerra do
capital” mobiliza os grupos sociais minoritários que não se define pelo número, mas
pelos modelos de processos aos arranjos de ocupação, preenchimento dos
espaçostempos, como devir emancipatório. Explosão de “não tecnocratizáveis” em
função da ampliação dos limtes pelos movimentos criativos e artísticos, pois também
os movimentos artísticos são máquinas de guerra.
O devir como potência transformadora está na coexistência entre movimentos
de emancipação dos indivíduos e coletivos, criados a partir de suas próprias
dinâmicas, em relação ao mercado, ao capital, tensionado pelas relações
constituintes e constituidoras de poder. Os grupos sociais e seus movimentos
distinguemse e coexistem em suas micropolíticas desejantes de combate ou
complacência ao capital, sendo articuladores de movimentos em busca de
autonomia e em transformação de mundo, sem necessariamente tornarse poder
constituído. Atualizando as reflexões de Deleuze:
“Dizse que as revoluções têm um mau futuro. Mas não param de
misturar duas coisas, o futuro das revoluções na história e o devir
revolucionários das pessoas. Nem sequer são as mesmas pessoas
nos dois casos. A única oportunidade dos homens está no devir
revolucionário, o único que pode conjurar a vergonha ou responder ao
intolerável” (2013, p. 215).
Devir é um processo e sua potência está na criação, nos movimentos. São
orientações, direções, entradas e saídas, territorializações. Transcurso e passagens de
coexistencias, confluências, tensões e rupturas criativas de territorialidades. A arte como
reexistência ao coma ou à morte, portanto é necessário ocuparse, talvez em sentido
imperativo, como modo de atribuição de sentidos e subjetividades potentes de
transformação. A retomada da palavra e da paisagem como liberdade expressiva, como
neutralização do confinamento e potencialização do corpo vibrátil, a exemplo de que sejam
“as sociedades disciplinares são aquilo que estamos deixando para trás, o que já não
somos” Deleuze, 2013, p. 220.
O devir como potência de transformação é a não conformarção por modelos de uma
liquidação educativa, em detrimento à uma educação emancipatória, de forma a mobilizar,
agenciar processos de subjetivação, práticas cidadãs de construção identitária,
compreendendo novos modos de viver o presente, inventando futuros. Invenções criativas
para novos modos de habitar, ocupar, nas maneiras pelas quais indivíduos e coletivos
constituemse como sujeitos. Construção política de espaços efetivamente criativos e
transformadores. Pulsão de lugar como espaço dotado se sentidos, territorialidades em
hibridismos complexos, dinâmicos e cartografáveis.
Educação, patrimônio e cartografia: afetividades em composição
Se viene a la tierra como cera, y el azar nos vacía en moldes prehechos. Las convenciones creadas deforman la existencia verdadera [...]
Las redenciones han venido sindo formales; es necesario que sean esenciales [...]
La libertad política no estará asegurada, mientras no se asegura la libertad espiritual, [...]
La escuela y el hogar son lar dos formidables cárceles del hombre.
José Martí
A educação, situada nesta pesquisa enquanto território político, de produção
subjetiva e transformadora, vai se permitir ocupar (do imperativo “ocupe”) de processos
desejantes emancipatórios como meio de um educar. Processos educativos. Nessa
passagem a educação não mais será concebida como um campo fechado em si, por
finalidade estreita e homogenizante de transmissão de conhecimentos, por um agente
transmissor. Ela, a educação, tornase agente, portanto, um território mediatizado por
movimentações de entrada e saída múltiplas de linguagens e processos. A linguagem para o
cartógrafo não é um veículo de mensagens estáticas, mas criação de mundos, territórios
existenciais, encontro de corpos ensaísticos como campo de afetividade, corpo vibrátil,
tomado como matéria de expressão (ROLNIK, 2014).
A cartografia como método de investigação, é desenhada no processo imbricado
sujeito objeto, em processos experimentais, constituindo novos mundos, novos mapas,
outros territórios. Ética, política, estética. É um traçado de paisagens psicossociais, que
elege no desenho de suas linhas desejantes territorializações e seus acontecimentos o
cartógrafo enquanto pincel artístico.
Referências: BRAIT, Beth (org). Bakhtin, dialogismo e construção de sentido. Campinas: Editora da Unicamp, 2005. DELEUZE, Guilles. Conversações (1972 1990). Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Editora 34, 2013, 3a. edição. DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia. Vol. 1. Rio de Janeiro: Editora 34, 1995. HAESBAERT, Rogério. O mito da desterritorialização: do fim dos territorios à multiterritorialidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. KASTRUP, Virgínia; PASSOS, Eduardo. Cartografar é traçar um plano comum. Fractal, Rev. Psicol., v. 25 – n. 2, p. 263280, Maio/Ago. 2013 ROLNIK, Suely. A cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. 2a Edição. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2014. SANTOS, Milton. (Conferir referência) SILVA, Petronilha B. G. Entre Brasil e África: construindo conhecimento e militância. Belo Horizonte: Mazza Edições, 2012.