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GEOGRAFIA – VOLUME 13 – NÚMERO 2 – JUL/DEZ. 2004. Disponível em http://www.geo.uel.br/revista 103 ASPECTOS DOS USOS DA ÁGUA, AGROTÓXICOS E PERCEPÇÃO AMBIENTAL NO MEIO RURAL, MAQUINÉ, RS, BRASIL 1 Carolina Alves Lemos 2 Teresinha Guerra 2 RESUMO Os estudos foram desenvolvidos na bacia hidrográfica do rio Maquiné, inserido na área da bacia hidrográfica do rio Tramandaí, Litoral Norte do Estado do Rio Grande do Sul, Brasil, sendo que a economia da localidade é voltada basicamente para agricultura. Este trabalho visa realizar um levantamento de dados relativos ao uso da água, à infra-estrutura sanitária e contaminação por agrotóxicos, bem como ressaltar a importância do desenvolvimento de trabalhos voltados para a sensibilização das problemáticas ambientais. Os dados confirmam a inexistência de saneamento básico e as condições precárias do fornecimento de água potável. Ressaltamos a presença de contaminação humana por agrotóxicos, bem como a falta de informações sobre os sintomas das doenças decorrentes. Pelos resultados obtidos, os trabalhos de Educação Ambiental desenvolvidos na região demonstram bons resultados, no sentido de sensibilizar e informar a população no que diz respeito aos usos da água e à contaminação por agrotóxicos. Palavras-chave: Usos da água; saneamento básico; agrotóxicos; percepção ambiental; rio Maquiné. ASPECTS OF THE WATER USES, AGROCHEMICALS AND ENVIRONMENTAL PERCEPTION IN THE RURAL AREA, MAQUINÉ, RS, BRASIL ABSTRACT The present study aims to do a survey of the water uses, sanitation and contamination by agrochemicals, as well as stressing the importance of the development of researches that call attention to environmental issues.The study area is the Maquiné river basin, region belonging to Tramandaí river basin, included in the Atlantic Forest Biosphere Reserve/UNESCO. The catchment area is 550km 2 , considered one of the 1 Programa de Pós-Graduação em Ecologia – Instituto de Biociências – UFRGS Campus do Vale, CEP 91.540-000, Porto Alegre, RS, Brasil Telefone (51) 3316-6773, Fax (51) 3316-7626. [email protected]; [email protected] 2 Agradecimentos: Ao CNPq pela bolsa de mestrado, à ONG Ação Nascente Maquiné e PGDR-UFRGS pelos dados do projeto “Caracterização do meio rural do município de Maquiné, RS: subsídios para um desenvolvimento rural sustentável”, e à educadora Claudia Schirmer pelo auxílio na execução da pesquisa com EJA e EEEF Hilário Ribeiro.

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GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 103ASPECTOS DOS USOS DA GUA, AGROTXICOS E PERCEPO AMBIENTAL NO MEIO RURAL, MAQUIN, RS, BRASIL1 Carolina Alves Lemos2 Teresinha Guerra2 RESUMO Os estudos foram desenvolvidos na bacia hidrogrfica do rio Maquin, inserido na rea da bacia hidrogrfica do rio Tramanda, Litoral Norte do Estado do Rio Grande doSul,Brasil,sendoqueaeconomiadalocalidadevoltadabasicamentepara agricultura.Estetrabalhovisarealizarumlevantamentodedadosrelativosaousoda gua,infra-estruturasanitriaecontaminaoporagrotxicos,bemcomoressaltara importnciadodesenvolvimentodetrabalhosvoltadosparaasensibilizaodas problemticasambientais.Osdadosconfirmamainexistnciadesaneamentobsicoe ascondiesprecriasdofornecimentodeguapotvel.Ressaltamosapresenade contaminaohumanaporagrotxicos,bemcomoafaltadeinformaessobreos sintomasdasdoenasdecorrentes.Pelosresultadosobtidos,ostrabalhosdeEducao Ambientaldesenvolvidosnaregiodemonstrambonsresultados,nosentidode sensibilizareinformarapopulaonoquedizrespeitoaosusosdaguae contaminao por agrotxicos. Palavras-chave: Usos da gua; saneamento bsico; agrotxicos; percepo ambiental; rio Maquin. ASPECTS OF THE WATER USES, AGROCHEMICALS AND ENVIRONMENTAL PERCEPTION IN THE RURAL AREA, MAQUIN, RS, BRASIL ABSTRACT Thepresentstudyaimstodoasurveyofthewateruses,sanitationand contamination by agrochemicals, as well as stressing the importance of the development ofresearchesthatcallattentiontoenvironmentalissues.ThestudyareaistheMaquin riverbasin,regionbelongingtoTramandariverbasin,includedintheAtlanticForest BiosphereReserve/UNESCO.Thecatchmentareais550km2,consideredoneofthe

1Programa de Ps-Graduao em Ecologia Instituto de Biocincias UFRGS Campus do Vale, CEP 91.540-000, Porto Alegre, RS, Brasil Telefone (51) 3316-6773, Fax (51) [email protected]; [email protected] 2Agradecimentos:AoCNPqpelabolsademestrado,ONGAoNascenteMaquinePGDR-UFRGS pelos dados doprojetoCaracterizaodo meiorural do municpiode Maquin,RS: subsdiospara um desenvolvimento rural sustentvel, e educadora Claudia Schirmer pelo auxlio na execuo da pesquisa com EJA e EEEF Hilrio Ribeiro. GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 104most conserved Atlantic Forest area in the State of Rio Grande do Sul, Brazil. Despite theimportanceofthatarea,havebeingoccurconstantlyhumaninfluencethrough agricultural practices, animal breeding and failure in the sanitation. With the application ofaquestionnairetothelocalpopulation,dataaboutwaterusesandhuman contaminationbypesticideswereobtained.Theresultsdemonstratedtheevidenceof failureinthesanitation.,includethedrinkwatertreatment,thepresenceof agrochemicals contamination in humans and a lack of information about the symptoms of related diseases. Even though, the results indicated that the environmental education developed in the region was positive. Key-words: Water uses; sanitation; environmental perception; pesticides; Maquin river. INTRODUO Voc j imaginou um dia de sua vida sem gua? Essencial para a vida de todas asformasdanatureza,aguatambmvistacomorecursoeconmico.Porestarto fortemente incorporada nossa vida e ao nosso dia a dia, somente quando ela nos falta que lhe damos o verdadeiro valor. O valor de viver. H gua em todas as partes: sobre ns,naatmosfera,formandonuvens;abaixodenscirculandonosaqferos subterrneos;dentrodens,ondeocupadecercadedonossoorganismo,nas tubulaes dos sistemas urbanos. H guas traioeiras, que mesmo matando nossa sede, nostrazemdoenas,capazesdenosmatar.Hguascristalinasquenosproporcionam sabores e nos fazem o bem (CAMPOS, 1999). Riossoumafonteinformativaconfiveldaqualidadeambientaldaterra. Tambmconstituemumelonaturalpararelacionarmosaqumicacomabiologia,as cinciasfsicasscinciassociais,eretmemsioambientenaturaleantrpico,das montanhas ao mar, e da rea rural urbana (STAAP, 2000).Os problemas ambientais brasileiros, e tambm mundiais, decorrem, em grande parte,dascarnciasdoprocessodecisrioqueorientaautilizaodosrecursos ambientais, particularmente no que se refere articulao e coordenao das aes e participaodasociedadeinteressadananegociaodatomadadedeciso.O gerenciamentodebaciahidrogrficaoinstrumentoorientadordasaesdopoder pblicoedasociedade,emlongoprazo,nocontroledousodosrecursosambientais naturais,econmicosesocioculturaispelohomem,nareadeabrangnciadeuma bacia hidrogrfica, com vistas ao desenvolvimento sustentvel (LANNA, 2000). GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 105A diminuio da qualidade da gua nos pases em desenvolvimento um grave problemaquenecessitaserenfrentado.Noterceiromundo,maisdecincomilhesde crianascommenosdecincoanosdeidademorrem,porano,emconseqnciada qualidade da gua que bebem. Oitenta por cento de todas as doenas ocorrem devido guacontaminadaporesgoto,resultadodaineficciadosrgospblicosem estabelecer uma infra-estrutura sanitria. Um entre quatro leitos hospitalares ocupado por pessoas que possuem doenas transmitidas pela gua (WORLD CONSERVATION UNION,1991).Reconhece-seque,nagrandemaioriadossistemasdeabastecimento daszonasruraisdepasesemdesenvolvimento,existeumacontaminaofecal generalizada,sendorecomendadoqueoorganismonacionaldevigilnciasanitria estabeleaobjetivos,emmdioprazo,paramelhorargradualmenteoabastecimento (CEPIS/OMS, 2003). Dentre os trabalhos que associam a qualidade das guas ao uso do soloparaagriculturaoupecuria,soderelevnciaostrabalhosdesenvolvidospor HARKER(1997),ARCOVA&CICCO(1999),CARVALHOetal.(2000), PRIMAVESI et al. (2000) e FYTIANOS et al. (2002). EstetrabalhofoidesenvolvidonazonaruraldomunicpiodeMaquin,atravs deumlevantamentodedadosrelativoaosusosdagua,aosagrotxicoseinfra-estrutura sanitria, diretamente ligados com a qualidade da gua, visando contribuir com a gesto de sade pblica, e atividades de educao ambiental desenvolvidas na regio. DESCRIO DA REA DE ESTUDO OmunicpiodeMaquinfazpartedabaciahidrogrficadorioTramanda, localizadanolitoralnortedoEstadodoRioGrandedoSuldosuldoBrasil,edarea pertencenteReservadaBiosferadaMataAtlntica.Abrigaamaiorpartedabacia hidrogrfica do rio Maquin, que possui rea de 550,5 km2, na regio de transio entre aFlorestaOmbrfilaDensa(Mata Atlntica strictu sensu), a Floresta Ombrfila Mista (MatacomAraucria)eosCamposdeCimadaSerra.Emseuterritriolocaliza-sea ReservaBiolgicadaSerraGeral,importanteUnidadedeConservaoEstadual (4.845,7 ha). As nascentes situam-se em cota de altitude de 900 m, e a foz, ao nvel do mar,naLagoadosQuadros.Apopulaolocalde7.304habitantes,dosquais5.379 residem na zona rural e 1.925 na zona urbana (IBGE, 2003). GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 106Asprincipaisatividadeseconmicasestoligadasagricultura,pecuriaeao extrativismo de samambaia, palmito e epfitas, entre outros. As encostas e escarpas mais pronunciadasconservamaindareasconsiderveisdematasnativas,poissopouco utilizadasparaaagriculturaoupecuria.Emrelaosvrzeas,existentesnosvales aluviais,soidentificadasduassituaesdistintas:(1)valescomreasderelevo ondulado a suavemente ondulado, e reas planas, no curso inferior do rio Maquin e, (2) reasdevrzeacomdeclividadebastantereduzida,solosbemdrenadoseprofundose elevadadisponibilidadehdrica,caractersticasquepermitemodesenvolvimentode atividadesagrcolas,comousodetraoanimale/oumotomecanizadas,utilizaode insumosagroqumicoseirrigao(GERHARDT et al., 2000). O grau de conversoda coberturaflorestalparaaagriculturafoibastanteelevadonopassado,apesarde atualmenteexistiremdiversasregiesondeavegetaoseencontraemprocessode recuperao(BECKER,2004).Estefatopodeestarrelacionadoaoxodorurales restries impostas pela legislao ambiental. NabaciahidrogrficadorioMaquinosprincipaisusosdaguaesto relacionadosaoabastecimentodomstico/pblico,irrigaodehortaliaseplantas frutferas,dessedentaoerecreaodecontatoprimrio.Osestudosrealizadospor LEMOS (2003) mostram que os principais indicadores de depreciao na qualidade da gua,dessabaciahidrogrfica,soColiformesfecais,DemandaBioqumicade Oxignio (DBO5), Fosfato total e Slidos totais. Os trs primeiros indicadores sugerem queosimpactosnosrecursoshdricosestorelacionadosdeficincianosaneamento pblico,eoparmetroslidostotaisindicariaolixiviamentodosolopelafaltade cobertura vegetal, nas reas de intensa atividade agrcola. MATERIAL E MTODOS Osdadosanalisadosnopresenteartigoforamgeradosapartirdoprojetode pesquisaCaracterizaodomeioruraldomunicpiodeMaquin,RS:subsdiospara umdesenvolvimentoruralsustentvel,realizadonoperododesetembrode1998a maiode2000,emumaparceriadaOrganizaoNo-governamentalAoNascente Maquin(ANAMA),doProgramadePs-graduaoemDesenvolvimentoRuralda Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PGDR/UFRGS) e da Prefeitura Municipal deMaquin(PMM).Foirealizadoumdiagnsticoparticipativodasunidadesde produoagrcola,com82entrevistas aos agricultores, na regio da bacia hidrogrfica GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 107dorioMaquin,formadapelassub-baciasdoarroioLajeado/rioMaquin,arroio Forqueta e foz do rio Maquin (Figura 1). Figura 1. Localizao da bacia hidrogrfica do rio Maquin, RS, Brasil, e sub-bacias amostradas. N: nmero de questionrios por sub-bacia hidrogrfica. GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 108O instrumento de pesquisa utilizado foi um questionrio semi-estruturado com entrevista aberta e no aleatria. Nesse estudo foram sistematizadas apenas as questes quedizemrespeitoinfra-estruturasanitriaeaosusosdaguaparaoconsumo humanoeagricultura.Levando-seemcontaosdadosdocensodosanos1995/1996 (IBGE,2003),aamostrafoideaproximadamente12,5%dototaldeestabelecimentos rurais da regio. Os dados foram tabulados de acordo com a localizao da propriedade ruralnassub-baciasjmencionadas,sendodivididoseagrupadospeloscritriosda tabela 1. CritriosFormas de uso da gua Tratamento de esgoto a) sem tratamento (in natura)b) fosso negro (fossa sem sumidouro ou buraco no solo) c) fossa sptica, possuindo sumidouro Estrutura sanitria e localizao a)mato, rea livre, prximo da residncia b) latrina de madeira, localizada prximo da residncia c) banheiro de alvenaria, localizado no interior da residncia Origem da gua utilizada na residncia a) gua captada diretamente do arroio ou rio b)gua captada de vertente (gua do morro ou nascente) c) gua captada de poos Tratamento da gua para consumo humano a) sem tratamento prvio b) tratamento com filtro de barroc) tratamento por fervura d) tratamento com cloro Utilizao da gua para irrigao de lavouras a) sem irrigao b) irrigao com gua do rio c) irrigao com gua de auded) irrigao com gua de aude e/ou rio Tabela 1. Critrios para anlise dos itens sobre usos da gua na bacia hidrogrfica do rio Maquin, RS. Comoalocalidadebasicamenteagrcola,em19demarode2002,foi aplicadoumsegundoquestionrioestruturadoaosalunosdaEducaodeJovense Adultos (EJA) e da 8 srie do Ensino Fundamental, da Escola Estadual Hilrio Ribeiro, localizadanodistritodeBarradoOuro,Maquin,visandoidentificarapercepo ambientaldapopulaoemrelaoaosrecursoshdricosdalocalidade,e contaminao por agrotxicos. O questionrio foi respondido por um total de 42 alunos, sendo 19 da 8 srie do ensino fundamental, com idade entre 13 e 15 anos, e 23 alunos da Educao de Jovens e Adultos, entre 15 e 72 anos. GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 109 RESULTADOS E DISCUSSO Osdadosobtidos,apartirdodiagnsticoparticipativodasunidadesde produo agrcola, na regio da bacia hidrogrfica do rio Maquin, so apresentados na tabela 2. Nasub-baciadoarroioForqueta,13%dosentrevistadosnodispede nenhumaestruturasanitriaemsuasresidncias,revelandoumaprecariedadetotalde saneamento. Nas sub-bacias do arroio Forqueta, arroio Lajeado/rio Maquin e Maquin foz,umaporoconsiderveldapopulao(52%,55%e67%,respectivamente)tem banheiro de alvenaria em suas residncias, mas apesar disso, a estrutura de esgotamento sanitrio ineficaz.Somando-se as porcentagens obtidas com as respostas para esgoto semtratamentoefossonegro(72%nasub-baciadoarroioLajeado/rioMaquin,50% na sub-bacia do arroio Forqueta e 25% da sub-bacia Maquin foz), revela-se um quadro decontaminaohdricageneralizada,comacontaminaomaiornassub-baciasque correspondem s reas de nascentes da bacia hidrogrfica do rio Maquin. Nessesentido,percebe-sequenoexisteumapreocupaodeaespblicas, nem individuais, para a instalao de uma rede de esgotamento ou uso de fossa sptica, sendoqueestascondiesfavorecemadisseminaodedoenasoriginadasde organismos patognicos, de veiculao hdrica.Asituaotorna-semaisgrave quando constatamos que, em relao origem da gua utilizada nas residncias para uso domstico, a populao entrevistada utiliza a gua captada de vertentes e de poos, e que essa gua no sofre tratamento prvio, com exceo de 9% dos entrevistados residentes na sub-bacia Maquin foz.Ascaractersticasdorelevodaregioinfluenciamaformadeabastecimento utilizado pela populao nas diferentes sub-bacias do rio Maquin. Tanto a sub-bacia do arroioLajeado/rioMaquin,quantoasub-baciadoarroioForquetaencontram-seem valesencaixadosemV,comfortegradienteeparedeslateraisngremes,deacordo comRECH(1987).Osvalesrecebemvolumeconsiderveldechuvase,porserem encaixados, apresentam ampliao lateral, aps uma certa extenso do rio para jusante, em direo foz. Essas caractersticas do relevo fazem com que 89% do abastecimento da sub-bacia do arroio Lajeado/rio Maquin seja proveniente das vertentes situadas nas encostasdosmorros,e11%depoos,ambossemtratamentoprvio.Nasub-baciado GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 110arroio Forqueta, 65% da gua captada em vertentes, 15% diretamente do rio e 20% de poos. Alm disso, 92% das propriedades entrevistadas tambm no utilizam nenhuma medida de tratamento da gua.NocursoinferiordorioMaquin(sub-baciaMaquinfoz),amaiorparteda guaconsumidaoriginriadepoos(58%),sendoessaumareadevrzea,onde ocorreumespraiamentodasguasnaplancie(RECH,op.cit.),edifcilacaptao dasvertentes.Nessasub-baciaaPrefeituraMunicipaldeMaquinpossuidoispoos, instaladosnalocalidadedeMundoNovo,fornecendoguatratada(tratamento simplificadoatravsdaclorao)para9%dasresidnciasdestazonarural.Esse tratamento simplificado da gua foi adotado aps a constatao, pela prefeitura, de que a populao estava recebendo gua contaminada por Coliformes fecais. Apesar disso, a grande maioria da populao da localidade (87%) ainda utiliza a gua sem nenhum tipo de tratamento.Esses dados so alarmantes, e merecem maior ateno, pois o consumo de gua in natura por grande parte dos entrevistados pode ser considerado um grave problema de sade pblica, principalmente pela contaminao fecal. As bactrias do grupo coliforme so consideradas os principais indicadores de contaminao fecal. Tais organismos no sopatognicos,masdoumasatisfatriaindicaodequandoaguaapresenta contaminaoporfezeshumanasoudeanimaise,porconseguinte,suapotencialidade para transmitir doenas (VON SPERLING, 1995). As doenas relacionadas com a gua, e que afetam a sade do homem, so muito difundidas e abundantes nas reas rurais dos pasesemdesenvolvimentoesuaincidnciadependedediversosfatores,dentreelesa distribuio, a quantidade e qualidade da gua de abastecimento (MARTINS, 1999 apud SCHIIAVETTI et al. 2002). LEMOS(2003)verificouqueosvaloresdecoliformesfecaisnasguasem toda bacia hidrogrfica do rio Maquin apresentavam-se superiores ao estabelecido para esta atividade. Esses elevados valores de Coliformes fecais podem estar associados no s ao lanamento de esgoto in natura, mas tambm criao de sunos nas margens dos riosearroios,quecontribuemtambmnadepreciaodaqualidadedasguas.Esses valorespodemprejudicarocultivodehortalias,umadasprincipaisatividades econmicas da regio, pois de acordo com o CONAMA (1986), a irrigao de hortalias efrutasquesedesenvolvemrenteaosoloequesoconsumidascruasdeveserfeita com gua com ausncia de Coliformes fecais. GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 111 arroio Forqueta (%) arroio Lajeado/ rio Maquin(%) rio Maquin foz (%) USOS DA GUA N = 82 Estrutura sanitria e localizao c)mato, rea livre, prximo da residncia b) latrina de madeira, localizada prximo da residncia c)banheiro de alvenaria, localizado no interior da residncia d) sem resposta 13 22 52 13 0 34 55 11 0 8 67 25 Tratamento de esgoto a) sem tratamento (in natura)b) fosso negro (fossa sem sumidouro ou buraco no solo) c) fossa sptica, possuindo sumidouro e)sem resposta 35 15 50 0 50 22 28 0 17 8 54 21 Origem da gua utilizada na residncia a) gua captada diretamente do arroio ou rio b) gua captada de vertentec) gua captada de poos d) sem resposta 15 65 20 0 0 89 11 0 4 30 58 8 Tratamento da gua para consumo humano a) sem tratamento prvio b) tratamento com filtro de barroc) tratamento por fervura d)tratamento com cloro e)sem resposta 92 5 3 0 0 100 0 0 0 0 87 0 4 9 0 Utilizao da gua para irrigao de lavouras a) sem irrigao b) irrigao com gua do rio c) irrigao com gua de auded) irrigao com gua de aude e/ou rio 72 15 5 8 100 0 0 0 83 0 13 4 N = Nmero de entrevistas Tabela 2. Usos da gua nas sub-bacias hidrogrficas do arroio Forqueta, arroio Lajeado e rio Maquin foz, RS. A anlise do segundo questionrio, realizado junto aos alunos da Educao de Jovens e Adultos (EJA) e da 8 srie do Ensino Fundamental da Escola Estadual Hilrio Ribeiro,equebuscoulevantardadossobreosusosdaguaeacontaminaopor agrotxicos, esto apresentados na tabela 3. Quandoquestionadossejhaviamsidocontaminadosporagrotxicos,ouse sabiam de algum familiar que o fora, a resposta foi positiva para 11% dos alunos da 8 srie e 32% da EJA. Estas respostas so significativas, principalmente por serem alunos adultos, que trabalham com agricultura e esto expostos aos efeitos dos agrotxicos h maistempo.Destacamososseguintesrelatos:eujfuiintoxicadopelovenenodo tomate, onde me causou coceira, bolotas, etc.( R.I.M., 15 anos); (...) meu irmo J.M., GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 112eleseintoxicou,perdeutodaapele,asunhaseteveumgraveproblemanofgado (J.D.,33anos);(...)ossintomasforam:dordecabea,vmito,tonturaefaltade apetite (E. B., 31 anos). EssaamostragemnaEJApodeestarsubestimada,devidofaltade conhecimento dos sintomas relacionados contaminao por agrotxicos, pois 21% dos entrevistadosdemonstraramnosaberquaissoossintomasdecorrentesda contaminaopelousodeagrotxicos.NaEscolaEstadualHilrioRibeiro,95%dos alunos da 8 srie demonstraram conhecer os sintomas das doenas, resultado que pode estarrefletindooempenhodosprofessoresdaescolaedostrabalhosdeEducao Ambiental,realizadoshseisanospelogrupodeEducaoAmbientaldaAssociao AoNascenteMaquin(ONGANAMA),nareferidaescola(SCHIRMER& BALDAUF, 2003).Quandofoiperguntado...sevocfosserecomendarparaumamigousara gua desse rio (prximo da residncia do entrevistado) diria para ele ..., a maioria das respostasfoirelacionadaaousodaguaparadessedentao.Dosalunosda8srie, 77,8%responderamquedeveriamfiltrareferveraguaantesdeingeri-la.Alguns moradores do ncleo urbano da Barra do Ouro (11,1%) no recomendariam a utilizao de nenhuma forma, pois a gua no de confiana..., desce esgoto nela. Apenas os alunosqueresidemnasub-baciadoarroioLajeado,nalocalidadedeSerrito responderamquenohaveriarestrioparabeberdagua(11,1%).Apercepoda comunidadelocalcorroboracomosdadosdequalidadedaguaapresentadospor LEMOS (2003), demonstrando que a regio do Serrito corresponde ao local com menor nvel de contaminao fecal, e a Barra do Ouro um dos locais com maior contaminao. Umtotalde58%dosalunosdaEJArespondeuqueaguanodeveriaserusadapara beber, e 8% acham que deveria ser usada somente para tomar banho, ao passo que 29% responderamqueaguadeveriaserfiltradaefervidaparabeber.Apenas5% recomendariamaguaparabebersemtratamento.Todasasrespostasdemonstraram umapreocupaoemrelaocontaminaodosmananciaisecomodecaimento progressivo da qualidade da gua. GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 113 Questes Educao de Jovens e Adultos (EJA)1 (%) 8a srie do Ensino Fundamental2 (%) Contaminaopor agrotxico - Sim- No - No sabe 11 84 5 32 47 21 Recomendaessobreo uso da gua - Filtrar e ferver -Bebersem tratamento -No beber - Tomar banho - No utilizar 29 5 58 8 0 78 11 11 0 0

1 23 alunos entrevistados no EJA (15 a 72 anos), 2 42 alunos entrevistados na 8a Srie (13 a 15 anos) Tabela 3. Respostas s questes sobre contaminao humana por agrotxicos e recomendaes sobre o uso da gua, dadas por alunos da Educao de Jovens e Adultos (EJA) e da 8 srie do Ensino Fundamental da Escola Estadual Hilrio Ribeiro, Maquin, RS. CONSIDERAES FINAIS Osresultadosdemonstramqueamaiorpartedapopulaodomunicpiode Maquinnopossuitratamentoadequadodeesgoto,eamaioriadosdejetoslanada diretamentenoscorposhdricos,oquealarmantedevidonoexistnciade tratamento da gua, que captada diretamente de vertentes, poos ou do rio. As atividades ligadas ao uso de agroqumicos demonstraram estar prejudicando asadehumana,oquepodenoslevarapensarsobreosdanoscausadosaosdemais organismos vivos da regio.Combasenosresultadosobtidos,consideramosurgenteenecessrioo estabelecimento de polticas e aes de sade pblica, no sentido de prevenir doenas de veiculao hdrica, bem como pelo uso de agroqumicos.Nessesentido,aEducaoAmbientaldemonstraserumaferramenta fundamentalparaoprocessodemudanadepercepodoambienteecom conseqnciadiretanasatitudestomadaspelasociedade.Esperamosqueopresente trabalhosirvacomoferramentaparaasaesdegestopblicaedeplanejamentodos usos da gua da bacia hidrogrfica do rio Maquin. GEOGRAFIA VOLUME 13 NMERO 2 JUL/DEZ. 2004.Disponvel em http://www.geo.uel.br/revista 114 REFERNCIAS ARCOVA, F.C.S, CICCO, V. de. 1999. Qualidade da gua de microbacias com diferentes usos do solo na regio de Cunha, Estado de So Paulo. Scientia Florestalis, 56:125134. BECKER, F. G., IRGANG, G. V., HASENACK, H., VILELLA, F. S., VERANI, N. 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