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1 CAPÍTULO XX ELEMENTOS PARA UMA AVALIAÇÃO CRÍTICA DO PROGRAMA DE FORMAÇÃO E MOBILIZAÇÃO SOCIAL PARA CONVIVÊNCIA COM O SEMIÁRIDO - UM MILHÃO DE CISTERNAS RURAIS – P1MC Resumo A partir da problematização das ações e perspectivas do Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido – Um milhão de Cisternas Rurais (P1MC) e do trabalho da Articulação no Semiárido Brasileiro (ASA), com base em evidências empíricas que dialogam com um referencial teórico, o presente estudo identificou tensões entre as concepções e as práticas do Programa e apresenta uma agenda para discussão. É ponderado que na dimensão tecnológica, da utilidade do serviço, o programa cumpre seus propósitos imediatos. No entanto, na dimensão pedagógica-cidadã, há sintomas que indicam um paulatino esvaziamento da proposta. Palavras chaves: P1MC, ASA, cisternas, semiárido, cidadania 1 Introdução O suprimento de água doce de boa qualidade é essencial para a qualidade de vida das populações humanas, para o desenvolvimento econômico e para a sustentabilidade dos ciclos no planeta. A água não é o único elemento indispensável e importante para o desenvolvimento de uma região, mas, dentre todos os componentes que fazem parte daquele ecossistema, talvez seja o principal a servir como elo entre os diferentes compartimentos (EPA, 2009). O Brasil

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    CAPTULO XX

    ELEMENTOS PARA UMA AVALIAO CRTICA DO PROGRAMA DE

    FORMAO E MOBILIZAO SOCIAL PARA CONVIVNCIA COM O

    SEMIRIDO - UM MILHO DE CISTERNAS RURAIS P1MC

    Resumo

    A partir da problematizao das aes e perspectivas do Programa de Formao e

    Mobilizao Social para Convivncia com o Semirido Um milho de Cisternas Rurais

    (P1MC) e do trabalho da Articulao no Semirido Brasileiro (ASA), com base em evidncias

    empricas que dialogam com um referencial terico, o presente estudo identificou tenses

    entre as concepes e as prticas do Programa e apresenta uma agenda para discusso.

    ponderado que na dimenso tecnolgica, da utilidade do servio, o programa cumpre seus

    propsitos imediatos. No entanto, na dimenso pedaggica-cidad, h sintomas que indicam

    um paulatino esvaziamento da proposta.

    Palavras chaves: P1MC, ASA, cisternas, semirido, cidadania

    1 Introduo

    O suprimento de gua doce de boa qualidade essencial para a qualidade de vida das

    populaes humanas, para o desenvolvimento econmico e para a sustentabilidade dos ciclos

    no planeta. A gua no o nico elemento indispensvel e importante para o desenvolvimento

    de uma regio, mas, dentre todos os componentes que fazem parte daquele ecossistema, talvez

    seja o principal a servir como elo entre os diferentes compartimentos (EPA, 2009). O Brasil

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    se destaca em termos quantitativos pela sua capacidade hdrica, porm, a distribuio das

    fontes de gua heterognea. A variabilidade climtica anual e sazonal significativa e,

    como condicionante da disponibilidade hdrica, constitui-se em fator importante para a

    sustentabilidade das atividades socioeconmicas (TUCCI; HESPANHOL; NETTO, 2001).

    O Semirido brasileiro (SAB) tem apenas 3% das guas doces do Pas, mas abriga

    uma populao de 20.858.264 milhes de pessoas, o que significa quase 12% da populao

    nacional. Desse total, mais de 40% vivem na zona rural. Duas caractersticas histricas

    marcam a regio: secas peridicas prolongadas, que ocorrem aproximadamente a cada dez

    anos, e a escassez anual de gua durante o perodo de estiagem (VIERA, 2002; BLANK;

    HOMRICK; ASSIS, 2008). o Semirido mais chuvoso do planeta, com uma pluviosidade

    mdia anual de 750 mm/ano (variando, dentro da regio, de 250 mm/ano a 800 mm/ano),

    entretanto as chuvas so irregulares e se concentram em poucos meses do ano. Alm disso,

    so frequentemente interrompidas por veranicos, e a evaporao provoca o tpico quadro de

    balano hdrico negativo, o que precariza, fortemente, as condies de vida na regio.

    O subsolo formado em 70% de sua rea por rochas cristalinas pr-cambrianas, o que

    dificulta a infiltrao da gua e a consequente formao de mananciais perenes. A

    composio geolgica, portanto, influencia na qualidade das guas subterrneas e superficiais,

    que tendem a ser salinas e duras, e nem sempre adequadas para consumo (MALVEZZI,

    2007).

    As secas foram e ainda so o principal obstculo ao crescimento e melhoria do bem

    estar das populaes desta regio, provocando grandes desequilbrios econmicos, sociais e

    ambientais que atingem, principalmente, os habitantes dispersos da zona rural. A Organizao

    Mundial de Sade (OMS) destaca que todas as pessoas, em quaisquer estgios de

    desenvolvimento e condies socioeconmicas, tm direito a um suprimento adequado de

    gua. Por isso, o fenmeno se apresenta como desafio s polticas que visam o

    desenvolvimento local sustentvel (OMS, 2001).

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    Em primeiro lugar porque, no caso do Semirido brasileiro, as secas carregam,

    historicamente, uma marca poltica negativa. Seu enfrentamento sempre se pautou por

    polticas paliativas, assistencialistas e eleitoreiras, que longe de resolverem o problema da

    escassez hdrica, asseguraram a manuteno histrica de grupos oligrquicos no poder. E, em

    segundo, porque, tambm historicamente, as solues tcnicas apresentadas de combate s

    secas, como a construo de barragens e audes, ou poos artesianos, concentravam mais do

    que distribuam a gua, um bem comum, patrimnio da humanidade, no privatizvel.

    A busca de solues tecnolgicas para o fornecimento de gua aos habitantes do SAB

    deve oferecer, de um lado, garantias de sustentabilidade, de forma que as atividades

    econmicas e sociais desenvolvidas tenham continuao e dinmicas independentes da

    existncia ou no de um evento de seca e, de outro, o fim das privaes que comprometem a

    experincia das liberdades instrumentais, sem as quais no h desenvolvimento nos termos

    definidos por Sen (2000), apoiados neste trabalho. Assim, neste contexto, em 2001, a

    Articulao no Semirido Brasileiro (ASA) idealizou o Programa de Formao e Mobilizao

    Social para Convivncia com o Semirido Um milho de Cisternas Rurais (P1MC). A ASA

    uma rede de organizaes formada em 1999 durante a realizao do Frum Paralelo da

    Sociedade Civil III Conferncia das Partes da Conveno das Naes Unidas para o

    Combate Desertificao (COP3), realizada em Recife, Pernambuco, Brasil, e, na atualidade,

    congrega mais de 700 organizaes com atuao no Semirido Brasileiro.

    No ano de 2003, o P1MC ganhou novo impulso ao ser includo no programa

    governamental Fome Zero. Neste ano, o P1MC institucionalizou-se, sob responsabilidade da

    Secretaria Nacional de Segurana Alimentar e Nutricional Sesan do Ministrio do

    Desenvolvimento Social e Combate Fome MDS. Por meio de um convnio pactuado entre

    Governo Federal e ASA, a Unio passou a apoiar e financiar programas de construo de

    cisternas e formao de multiplicadores (BRASIL, 2008).

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    Embora a construo de cisternas de placas1*nucleie as aes do P1MC, seus objetivos

    so mais amplos, uma vez que perpassam a mobilizao, participao e formao da

    populao beneficiada para convivncia com o Semirido. Nessa perspectiva, as aes

    propaladas pela ASA por meio do P1MC buscam o desenvolvimento de um processo de

    formao para convivncia com o Semirido que tem como referncia a construo de

    estruturas de captao de gua de chuva, apresentando como objetivo maior a mobilizao da

    populao do Semirido brasileiro. Orientao importante no trabalho realizado pela ASA

    refere-se forma de ao da rede que alm de se colocar como agente interlocutora da

    populao rural do Semirido, principalmente, no que concerne captao de recursos,

    constri espaos e meios pelos quais esta populao tem a possibilidade de se formar

    acessando informaes, participando das discusses, elaborando, apresentando e testando suas

    propostas.

    No intuito de refletir sobre este processo de formao, o presente texto apresenta

    elementos para uma avaliao crtica do P1MC e do trabalho da ASA a partir da anlise da

    integrao e incorporao dos conhecimentos tcnicos aos saberes tradicionais das

    comunidades beneficiadas. Para tanto, buscou-se a discusso dos resultados empricos por

    meio de um arcabouo terico composto pelos aportes da ecologia dos saberes, tomando por

    1Cisternas de placas so construdas a partir de placas de cimento pr-moldadas, so cobertas e, por meio de um

    sistema de calhas acoplado aos telhados, recebem e armazenam a gua da chuva. As cisternas construdas pelo

    P1MC tm capacidade para armazenar 16.000L de gua. De acordo com ASA (s. d.), o volume de 16.000L foi

    estimado a partir de pesquisa realizada pela Fundao Luterana de Diaconia (FLD), organizao que financia

    projetos e programas sociais em todo o Brasil, e refere-se ao consumo de gua para beber e cozinhar, de uma

    famlia com cinco pessoas, num perodo de oito meses (intervalo probabilstico de pluviosidade na regio). A

    rede de organizaes ainda observa que para que a cisterna tenha saturado sua capacidade de armazenamento

    necessrio, considerando-se os telhados das casas com rea mnima de 40m, uma pluviosidade de 500mm por

    ano, mdia de precipitao da regio. Em relao rea dos telhados, a Embrapa Semirido junto ao Grupo de

    Pesquisa Cisternas das Universidades Estadual da Paraba e Federal de Campina Grande, observam que, para o

    nordeste semirido, com ndices pluviomtricos mnimos de at 200mm, se recomenda reas entre 56 e 60m2.

    Segundo os pesquisadores, reas menores de telhados no seriam suficientes para completar, nos anos crticos,

    os 16.000 litros.

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    base o discutido por Santos (2006), e pelo conceito de bricoleur desenvolvido por Lvi-

    Strauss (1976), a fim de discutir os processos que visam fazer com que as comunidades rurais

    se apropriem de novos conceitos e os apliquem cotidianamente, como tambm se procurou

    avaliar a interferncia que as prticas tradicionais exercem no processo de sensibilizao da

    populao. A este referencial terico foram incorporados os aportes de Sen (2000) que aborda

    a expanso das liberdades como caminho para o fortalecimento das aes humanas.

    Para Santos (2006:102), a ecologia de saberes baseia-se no reconhecimento da

    pluralidade de saberes heterogneos, da autonomia de cada um deles e da articulao

    sistmica, dinmica e horizontal entre estes saberes. Segundo o autor, o conhecimento

    interconhecimento, reconhecimento, autoconhecimento. Considera-se que os saberes

    tradicionais forjados e exercidos nas comunidades estudadas so relevantes para a formao

    de sua identidade ambiental/cultural, no podendo ser alterados em curto prazo por processos

    de formao pontuais. Estes processos so ferramentas de integrao e incorporao dos

    conhecimentos tcnicos aos saberes tradicionais.

    Lvi-Strauss (1976) conseguiu expor atravs da linguagem escrita esse pensamento,

    recorrendo ao bricoleur (bricoleur, do francs, significa uma pessoa que faz todo o tipo de

    trabalho, trabalhos manuais. Bricolage, na antropologia, tem o sentido de trabalho onde a

    tcnica improvisada, adaptada ao material, s circunstncias). Para ele, o bricoleur torna

    compreensvel um acontecimento dando-lhe uma estrutura de inteligibilidade, uma estrutura

    simblica. Torna-o compreensvel sem explicar tal acontecimento. O universo instrumental do

    bricoleur fechado e a regra de seu jogo a de arranjar-se sempre com os meios-limites que

    dispe. Assim, cada um dos objetos que constitui o seu tesouro ir estabelecer uma relao

    entre si para definir um conjunto a realizar, de modo que o todo e a parte constituem uma s e

    mesma realidade; o subjetivo e o objetivo no so separados.

    Por outro lado, o P1MC tambm tem como importante caracterstica a ampliao do

    acesso agua. E o acesso gua uma das condies para que as pessoas vivam com

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    qualidade e exeram suas liberdades. Para Sen (2000), a expanso das liberdades

    (oportunidades econmicas, liberdades polticas, servios sociais, garantiras de

    transparncias, segurana protetora) importante para o desenvolvimento por duas ordens de

    razo: a avaliao (a apreciao do progresso tem que ser feita em termos do alargamento da

    liberdade das pessoas) e a eficcia (a qualidade do desenvolvimento depende da ao livre dos

    indivduos). O que as pessoas podem efetivamente realizar depende, assim, do conjunto das

    liberdades e condies que dispuser para viver com qualidade. O acesso igualitrio ao bem

    comum gua uma dessas condies.

    2 O problema

    Advoga-se, aqui, que o acesso gua de qualidade e em quantidade suficiente gera

    transformaes profundas na vida das pessoas: diminui a incidncia de doenas, reorganiza as

    relaes familiares, libera mulheres e crianas para outras atividades (estudar, brincar, cuidar

    do lar e das crianas, atender a roa, participar de grupos comunitrios), permite a

    diversificao da produo (garantindo a segurana alimentar), e rompe com a dependncia

    poltica dos carros-pipa e de outras fontes de gua sob domnio privado, favorecendo

    condies de vida cidad (BRASIL, 2010).

    Atualmente busca-se o desenvolvimento nesta regio por meio de um novo paradigma:

    a convivncia com o Semirido, tendo como perspectiva a emancipao social dos indivduos.

    O fator primordial para que a convivncia ocorra o acesso gua, que gera transformaes

    profundas na vida das famlias ao reorganiz-las frente nova realidade de gua disponvel

    e a garantia de alimentos, liberta-as da dependncia poltica e desperta-as para a cidadania e

    para a organizao comunitria (BRASIL, 2010).

    De acordo com Silva (2006), do ponto de vista da dimenso econmica, a convivncia

    a capacidade de aproveitamento sustentvel das potencialidades naturais e culturais, em

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    atividades produtivas, apropriadas ao meio ambiente e representa uma mudana

    paradigmtica uma vez que superaria a orientao de combate seca e os seus efeitos. O

    mesmo autor ainda complementa que a ASA expressa a aglutinao de sujeitos que assumem,

    nesse momento histrico, o protagonismo na defesa de uma poltica alternativa de

    convivncia com o Semirido, contrapondo-se a velhas e decadentes oligarquias sertanejas, s

    foras empresariais que reproduzem a explorao socioambiental da regio a ao tecnicismo

    burocrtico do Estado (SILVA, 2006).

    A captao da gua de chuva uma alternativa para se conviver com a regio

    semirida. Para que a gua de chuva seja consumida com segurana faz-se necessria a

    execuo de um manejo higinico do sistema de captao e manejo da gua de chuva como

    um todo (desde o telhado, passando pelos dutos at a cisterna, o uso de bomba manual para

    retirar de forma higinica a gua) at o seu consumo final, aps a desinfeco nas residncias

    antes de beber (ANDRADE NETO, 2003; XAVIER, 2010). Para obter um manejo adequado

    dos sistemas e suas cisternas nas comunidades beneficiadas indispensvel introduo da

    educao ambiental (EA) como ferramenta integradora importante na transferncia de novas

    tecnologias, facilitando ou intermediando sua apropriao.

    Segundo Jacobi (2003), isso implica na necessidade de fortalecer o direito ao acesso

    informao e educao ambiental em uma perspectiva integradora, baseada na

    conscientizao, mudana de comportamento, capacidade de auto avaliao e participao.

    Entretanto, tradicionalmente as famlias das zonas rurais agrupadas em pequenas

    comunidades ou povoados, desenvolvem e adquam saberes prprios de seu ambiente, clima

    e manejo de seus recursos. Esses saberes, s vezes conflitantes com os dominantes e

    experimentais, esto arraigados de tal maneira na cultura das pessoas que criam pontos de

    tenso quanto apropriao de novas prticas.

    Com o propsito de ampliar a abrangncia das anlises, o ncleo emprico da pesquisa

    representado pelo estudo dos processos que se materializaram na comunidade rural

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    denominada Buraco, localizada no municpio de Chapada do Norte, Minas Gerais, e pelos

    processos observados na comunidade de Poos das Pedras, municpio de So Joo do Cariri,

    Paraba.

    3 Aspectos metodolgicos

    Buraco um ncleo comunitrio rural do municpio de Chapada do Norte, Vale do

    Jequitinhonha, Minas Gerais. Compartilham o espao da comunidade cerca de 40 famlias. A

    precariedade das condies de vida desse ncleo populacional exacerbada pela falta de

    acesso ao saneamento bsico, em especial, naquilo que envolve o abastecimento de gua.

    Compem as fontes de suprimento de gua para a populao 33 cisternas construdas na

    comunidade pela ASA, por meio do P1MC, e um poo raso. As Figuras 1 e 2 so imagens da

    comunidade e de uma das cisternas construdas. As Figuras 3 e 4 retratam o poo raso e a

    gua por ele disponibilizada populao local.

    Figura 1- Comunidade do Buraco, Vale do

    Jequitinhonha, Minas Gerais. Figura 2- Cisterna construda na comunidade

    do Buraco.

    Figura 3- Fonte de gua aspectos gerais. Figura 4- Fonte de gua aspectos gerais

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    A compreenso dos processos de formao e das mudanas de hbitos proporcionadas

    com a atuao do P1MC na comunidade foi subsidiada por um arcabouo emprico

    constitudo por quatro entrevistas abertas realizadas com beneficirios do programa, por nove

    questionrios fechados respondidos pelos moradores e por duas visitas comunidade.

    Por seu turno, a comunidade de Poos das Pedras, municpio de So Joo do Cariri,

    Paraba, possui 25 famlias em residncias dispersas, no beneficiada com rede de

    abastecimento de gua e saneamento bsico, sendo a fonte predominante de abastecimento um

    barreiro, o rio Tapero e cisternas instaladas, tambm atravs do trabalho da ASA, em

    algumas residncias. A gua do rio Tapero usada apenas para dessedentao animal e para

    fins menos nobres (lavar roupa, lavar a casa, descarga, irrigao de subsistncia), pois o rio

    recebe os esgotos de cidades prximas. A comunidade possui uma escola que tem uma nica

    professora e funciona em regime multiseriado (do 1 ao 5 ano) apenas no turno da manh.

    Nesta localidade foram realizados seminrios e oficinas de educao ambiental, com

    enfoques em temas como manejo sustentvel de sistemas de captao de guas de chuva,

    desinfeco da gua antes de beber e sade da famlia. No total realizaram-se 16 encontros

    (OLIVEIRA, 2009) com a participao continua de 11 famlias que foram novamente

    entrevistadas um ano depois (MIRANDA, 2011).

    A anlise das respostas aos questionrios fechados possibilitou uma avaliao das

    condies de sade das famlias, do grau de escolaridade, da situao de higiene das

    residncias, das medidas de captao e manejo da gua de beber e tratamento da gua de

    consumo. Por meio das entrevistas abertas foi possvel verificar a apropriao dos conceitos

    relativos convivncia com o Semirido pelos entrevistados. Aps a entrevista formal a

    equipe continuava na residncia conversando com os moradores, que se sentiam mais livres

    para expor suas opinies pessoais.

    4 Resultados e inferncias

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    4.1 O que dizem as informaes levantadas?

    A avaliao dos questionrios torna mais evidente a precariedade de acesso aos

    servios de saneamento nas comunidades. Em Buraco, oito dos nove entrevistados no

    dispem de instalaes hidrossanitrias e fazem suas necessidades fisiolgicas no mato. O

    outro morador dispe de uma fossa. Oito entrevistados queimam o lixo produzido pela famlia

    j que o Estado no oferece comunidade nenhum mecanismo de coleta de resduos e seis

    sujeitos j observaram a presena de ratos no domiclio.

    Em quatro domiclios da comunidade de Buraco a telha de barro, em seis o piso

    cimentado, em outros dois domiclios o piso de cho batido. Cinco domiclios so de adobe

    e dois de pau a pique. A precariedade das condies dos domiclios cria pontos de tenso em

    relao capacidade do P1MC de alterar as condies de vida na comunidade, mesmo que o

    processo seja pautado em aes de formao. O relato de um dos beneficirios entrevistados

    retrata uma situao desoladora. Ainda que tenha se esforado para construir sua cisterna, no

    pde usufruir do benefcio por ela proporcionado, j que sua casa desabou ocasionando danos

    estrutura da cisterna, conforme relatado pela beneficiria e retratado na Figura 5:

  • 11

    , eu, assim, eu nem tem como contar vocs, sabe? Porque quando ns fizemos a caixa a

    casa nossa tava trincando, mas eu pensei que ela no ia cair agora... ... muito, di demais.

    Eu carreguei o qu? Acho que 80 sacos de cimento pra cada, no sei assim... ... Guardei l

    na casa dele e de l carregava l pra casa, a guardei e constru a minha caixa e a o meu

    corao doeu porque minha casa caiu e minha caixa tambm, que a parede caiu em cima

    dela, agora t l daquele jeito. Eu no gosto nem de ir l pra olh pra caixa... que di, a

    gente sofrer tanto pra ter a caixa da gente pra depois cair, no... o tanto que a gente penou

    pra t fazendo aquelas tampas, pra t carregando as tampas.

    Figura 5- Cisterna danificada em decorrncia de desabamento do domiclio.

    tambm atribuda s condies do domiclio, em especial ao estado do telhado,

    resistncia utilizao da gua armazenada na cisterna. A contaminao da gua ao entrar em

    contato com o telhado da casa descrita por uma entrevistada:

    A gua da chuva pra ns, ns acha muito importante, t ajudando ns muito, s que aqui

    em casa mesmo a gua da caixa ns no usa pra fazer comida e nem pra beber, por causa

    que ela... o telhado aqui muito ruim e s vezes a gua cai e cai muito preta na caixa, a ns

    no usa ela. S usa ela pra lavar a roupa, pro banho, a ns usa ela...

    Em So Joo do Cariri, na Paraba, a avaliao dos questionrios socioculturais sobre

    Sade da Famlia revelou que os entrevistados mantm prticas de higiene inadequadas. Em

    80% das casas a limpeza do quintal e da prpria residncia precria. Animais so livremente

    criados nas proximidades da cisterna que armazena a gua para consumo, e o lixo guardado

    no quintal, em reas prximas a cozinha.

  • 12

    Sob o prisma do abastecimento de gua, as cisternas de placa construdas pelo P1MC

    podem ser conceituadas como tecnologias alternativas e individuais. Tudela (1982) ressalta

    que toda tecnologia incorpora e determina um conjunto de valores, uma determinada

    estruturao das relaes sociais e uma concreta viso do mundo. por isso que, segundo o

    autor, quando uma opo tecnolgica implantada, tende a reproduzir a estrutura

    sociocultural de onde foi gerada. A reflexo proposta por Tudela (1982) conduz a uma anlise

    do P1MC que evidencia o carter conflituoso das avaliaes do Programa. Ao mesmo tempo

    em que o P1MC fortalece uma mudana de paradigma em direo convivncia com o

    Semirido por meio de uma tecnologia criada pelos prprios sertanejos, portanto, coerente

    com o modelo de sociedade no qual foi gerado, o Programa tambm traz em seu bojo a

    utilizao de uma tecnologia em que o indivduo o principal responsvel pela manuteno e

    operao do sistema, esvaziando assim a responsabilidade do Estado de promover o acesso

    gua em qualidade e quantidade.

    Do ponto de vista emprico, conforme apresentado no prosseguimento do texto, a

    anlise acima corroborada pela constatao de que a populao exalta o programa e que, por

    vezes, relaciona sua concretizao interferncia divina, o que contrasta com as anlises

    relativas s aes, ou ausncia delas, voltadas manuteno da qualidade da gua, o que

    leva a concluir que a gua disponibilizada pela cisterna, dificilmente, atende aos padres de

    potabilidade institudos pelo Ministrio da Sade por meio da Portaria 518/2004 (BRASIL,

    2004).

    Nas falas a seguir, transcries de entrevistas realizadas na comunidade de Buraco,

    permitem observar como os sujeitos se referem chegada do P1MC a esta comunidade.

    A gente pensava s que ns num tinha a caixa ainda, mas a gente pensava que um dia,

    acontecia da gente ter a caixa e agora a gente tem...

    A pra ns foi um milagre. Um milagre porque fez a caixa, pegou gua da goteira e serviu

    muito pra ns...

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    Em contraste, os dados empricos indicam que, embora tenha ocorrido um momento

    de capacitao, os beneficirios ainda mantm prticas higinicas inadequadas sugerindo que

    os processos de formao no conseguiram sensibilizar a populao em relao necessidade

    e a forma correta de se tratar a gua. No Vale do Jequitinhonha, embora oito dos nove

    entrevistados assegurem tratar a gua, e destes, cinco afirmem clorar a gua, observa-se que

    este tratamento no ocorre de forma sistemtica e existe dificuldade de compreenso em

    relao s razes da utilizao do cloro e sua relao com o processo de desinfeco. Supe-

    se que estes conhecimentos no foram apropriados efetivamente pela populao o que indica

    falhas nos processos de formao.

    Uma possvel explicao para estas limitaes decorre das diferenas entre os sistemas

    de crenas de tcnicos e da populao beneficiria. Enquanto o nosso pensamento, o

    pensamento das instituies e dos tcnicos tende a separar, analisar, purificar as coisas, a

    cincia dos povos tradicionais se apoia em sistemas de crenas diferentes. Em outras palavras,

    o pensamento tradicional, para construir as suas representaes do mundo, baseia-se no jogo

    simblico das metforas e metonmias. Lvi-Strauss (1976) conseguiu expor este jogo

    simblico por meio da linguagem escrita, recorrendo ao bricoleur:

    o bricoleur o que executa um trabalho usando meios e expedientes

    que denunciam a ausncia de um plano preconcebido e se afastam dos

    processos e normas adotadas pela tcnica. Caracteriza-o especialmente

    o fato de operar com materiais fragmentrios j elaborados, ao

    contrrio, por exemplo, do engenheiro que, para dar execuo ao seu

    trabalho, necessita da matria-prima (LVI-STRAUSS, 1976:37)

    Ao desconsiderar essas particularidades ocorre a reduo da assimilao das novas

    prticas discutidas nos processos de capacitao, como as recomendadas para o tratamento de

    gua. Tambm nas comunidades do Cariri paraibano observaram-se processos semelhantes.

    Os entrevistados afirmaram compreender a importncia do processo de desinfeco da gua

  • 14

    antes do consumo, entretanto apenas 20% realizam a clorao da gua, usando o hipoclorito

    regularmente. A desinfeco da gua seria essencial, pois das 11 famlias quatro no possuem

    cisternas e dependem da gua de um barreiro construdo pelos moradores, que imprpria

    para consumo. Frequentemente ocorrem episdios diarricos em crianas e idosos. Mesmo

    nessas condies os usurios no fazem a desinfeco, e usam a decantao e coao para

    limpar a gua. No associam diarria com o uso de gua contaminada.

    Para o setor tcnico, a diarria transmitida pela contaminao feco-oral (transmisso

    hdrica e relacionada com a higiene) como, por exemplo, atravs da ingesto de gua

    contaminada, de mos sujas, pratos e copos sujos e est fortemente associada ao nvel da

    limpeza domstica (GOLDMAN; PEBLEY; BECKETT, 2001; HELLER, 1995). Entretanto,

    sistemas de crenas diferentes que no acreditam na origem microbiana das doenas

    infecciosas permanecem comuns nessas comunidades rurais. Sade, para o senso comum

    dessas populaes, est intrinsecamente conectado a Deus, disponibilidade de gua e

    fartura de alimentos. De um modo geral, vrus, bactria, protozorio, seres somente visveis

    atravs do microscpio, no fazem parte do mundo fsico e sociocultural de muitos dos

    indivduos que vivem nessas comunidades rurais.

    Ainda em relao preservao da qualidade da gua, h de se ressaltar que os bices

    para integrao das reas de saneamento e sade so reconhecidamente obstculos para a

    melhoria das condies de vida no Brasil (HELLER, 1997), contexto que suplanta as aes do

    P1MC e se reflete na ausncia ou atuao insuficiente dos profissionais das equipes do

    Programa da Sade da Famlia. A comunidade estudada em Minas Gerais, naquele momento,

    no tinha acesso ao Programa da Sade da Famlia e entre os habitantes do cariri paraibanos

    ntida a insatisfao com os Agentes de Vigilncia Ambiental (AVAS) e com o Programa de

    Sade da Famlia. Dentre as questes levantadas pelos moradores est a m qualidade do

    atendimento, o fato de os agentes passarem na comunidade apenas uma vez por ms e a falta

    de qualificao destes profissionais. Como exemplo, no est incorporado no seu cotidiano

  • 15

    incluir nas suas falas a associao de qualidade da gua com a sade, da importncia da

    origem da gua de beber e sua desinfeco antes do uso, dos cuidados com a cisterna, entre

    algumas questes relacionadas com gua. Alguns no sabem ou no tem segurana na simples

    metodologia de adicionar duas gotinhas de hipoclorito de sdio para cada litro de gua.

    A anlise do Programa de Sade da Famlia nas duas comunidades remete a questo

    do acesso aos servios pblicos pelas camadas da populao de baixa renda. Estes grupos

    populacionais esto, no Brasil, ou excludos ou expostos a servios de qualidade precria, o

    que fere o princpio da equidade que ainda no ascendeu agenda pblica brasileira na

    dimenso que lhe cabida.

    A equidade no uma questo trivial quando se avaliam as polticas voltadas

    melhoria da qualidade de vida para as populaes do Semirido, dadas as condies sociais

    desta regio. Paim (2011), tomando como referncia a rea de sade, observa que a equidade

    tem sido contemplada de forma progressiva, j que considera a distribuio desigual de danos,

    riscos e determinantes entre grupos sociais, etrios e tnicos. O autor, tomando como

    referncia Elias (2005), aborda a equidade luz da justia social, conforme apresentado a

    seguir:

    A noo de equidade se associa de modo diverso igualdade e, sobretudo,

    justia, no sentido de propiciar a correo daquilo em que a igualdade agride e,

    portanto, naquilo que a justia deve realizar. Tomada nesse sentido, a equidade

    requer igualdade para produzir efeitos, pois se constitui justamente em corretora

    da situao igualdade, na medida em que a adoo desse recurso se revele

    imperfeita diante dos objetivos da promoo da justia (Elias, 2005:291, apud

    Paim, 2011).

    Do ponto de vista socioeconmico constatou-se que, das nove famlias do Vale do

    Jequitinhonha que responderam ao questionrio, seis recebem algum auxlio do governo,

    cinco so beneficirias do Programa Bolsa Famlia e uma recebe aposentadoria rural. Para

  • 16

    sete famlias a renda per capita inferior a R$70,00, o que as situa entre os 16,2 milhes de

    miserveis brasileiros (BRASIL, 2011).

    A dependncia em relao aos programas pblicos, que direta ou indiretamente

    proporcionam transferncia de renda, tambm foi observada em So Joo do Cariri. Um

    aspecto emblemtico reside no fato de que os questionrios mostraram que as cisternas

    construdas na comunidade so todas provenientes de programas sociais como o Programa

    Um Milho de Cisternas (P1MC), do fundo rotativo (ASA e Diocese local) dentre outros, com

    exceo de uma que a moradora construiu com recursos prprios, mas, no adequada, pois

    era uma caixa dgua que foi transformada em reservatrio. As poucas famlias sem cisternas,

    no tm condies financeiras de constru-las e esperam a contemplao pela prefeitura.

    Para Silva (2006), a misria e a pobreza da maioria da populao do Semirido

    alimentam os processos de subordinao com base no clientelismo poltico, mantendo os

    domnios das elites socioeconmicas. Estas condies caracterizam um quadro estrutural que

    tem implicaes nas polticas de abastecimento de gua propostas para a regio, elevando os

    desafios para alcance de objetivos tais como os do P1MC, um programa de abastecimento de

    gua que busca inserir a promoo do acesso em um processo mais amplo, voltado ao

    fortalecimento das populaes rurais difusas no Semirido.

    4.2 Limites e tenses

    Em Minas Gerais e na Paraba, as conversas informais e a observao de campo nos

    colocaram mais prximos da realidade das famlias, promovendo uma interao mais

    dinmica e legtima com o seu dia a dia. Atravs desses processos foram identificadas as

    maiores variveis desta pesquisa e os principais focos de tenses, como sero expressos a

    seguir.

    Durante as conversas informais os participantes falavam da dificuldade em incorporar

    novas tcnicas de manejo da gua e da cisterna. As prticas exercidas nas comunidades h

  • 17

    anos (captao da gua de barreiro, uso do balde para retirar a gua na cisterna, no desinfetar

    a gua antes de beber) fazem parte da cultura destas pessoas, que acreditam, sobretudo, na

    eficincia e segurana destas. Como so acostumadas a lidar com a falta de gua tanto no

    aspecto quantitativo quanto qualitativo, diante da possibilidade de ter gua limpa em seu

    quintal por meio da introduo das cisternas, acreditam que seus problemas foram resolvidos,

    no havendo a necessidade de mais mudanas para elevar a qualidade de uma gua que

    consideram puras em contraposio a uma situao passada de extrema precariedade.

    Apesar de ressaltarem a importncia da desinfeco da gua antes do consumo, como

    forma de garantir a segurana de sua qualidade, nenhum dos nove entrevistados em Chapada

    do Norte fez referncia ao hipoclorito de sdio, enquanto que em So Joo do Cariri apenas

    20% dos entrevistados afirmou tratar a gua de beber, regularmente, com hipoclorito de sdio.

    Outro aspecto importante para manuteno da qualidade da gua armazenada na

    cisterna envolve a utilizao de barreiras sanitrias. Barreiras sanitrias so sistemas que

    combinam aspectos construtivos, equipamentos e mtodos operacionais na busca de

    estabilizar as condies ambientais, minimizando a probabilidade de contaminao por

    microrganismos patognicos ou outros organismos indesejveis. No que tange ao uso dos

    sistemas de captao e armazenamento de gua de chuva em cisterna, so consideradas

    barreiras sanitrias a limpeza dos telhados e dos dutos antes das primeiras chuvas, a limpeza

    da cisterna uma vez ao ano, o desvio das primeiras guas de cada evento de chuva, por que

    lavam o telhado e so as mais sujas, a utilizao de bombas para retirada de gua, a

    desinfeco da gua no seu ponto final de consumo, nas residncias, e antes de beber

    (ANDRADE NETO, 2004).

    Tanto em Minas Gerais quanto na Paraba, os relatos dos entrevistados sugerem que os

    processos de formao em relao utilizao das barreiras sanitrias alcanaram relativa

    efetividade. Na comunidade localizada em Minas Gerais oito dos nove entrevistados

    asseguram realizar o desvio da primeira gua de chuva; todos afirmam limpar o entorno da

  • 18

    cisterna. No entanto, seis entrevistados utilizam balde para retirada da gua. Na Paraba, os

    entrevistados informaram, tambm, realizar o desvio das primeiras guas de cada chuva, e

    manter o entorno da cisterna limpo, mas, em seguida, alegavam no fazer o desvio em todas

    as chuvas por estarem fora de casa ou por esquecimento e apresentavam, no quintal, acmulo

    de lixo e criaes de animais prximos s cisternas.

    5 Consideraes finais

    As duas referncias empricas apresentadas aqui como ponto de partida para a

    definio de uma avaliao crtica do P1MC permitem inferir, num plano mais geral, que, no

    quesito satisfao, o programa vai muito bem obrigado. No h, nos discursos coletados,

    queixas, reclamaes ou crticas diretas s cisternas como tecnologia de armazenamento de

    gua ou ao trabalho conduzido pela ASA. Em nosso ver, esse um aspecto significativo. No

    entanto, preciso ponderar que, se na dimenso tecnolgica, da utilidade do servio, o

    programa cumpre, por assim dizer, seus propsitos imediatos (assegurar gua de qualidade

    para beber), na dimenso pedaggica-cidad h sintomas que preocupam. O primeiro deles

    diz respeito qualidade e eficcia da apropriao social dos princpios norteadores do P1MC.

    O que se constata que, na compreenso geral, o programa um benefcio da assistncia

    pblica, e no uma conquista cidad. As noes de qualidade tcnica conflitam com prticas

    tradicionais de cuidado. Os processos de educao no fixam compromissos, a no ser para a

    conformao de um discurso de convenincia poltico-social, que se adqua s diferentes

    situaes e atores. Outro problema est relacionado participao e adeso filosofia do

    programa. No h registro, nas duas comunidades, de aes espontneas ou mobilizao que

    no tenham sido estimuladas ou induzidas pelos atores gestores. E, nesse sentido, a

    participao tem natureza pragmtica: est em jogo o benefcio.

  • 19

    H uma ausncia de articulao do P1MC com o conhecimento tradicional das

    comunidades rurais. preciso saber como as comunidades rurais esto entendendo,

    elaborando e se apropriando das mensagens e saberes transmitidos nas aes oficiais do

    P1MC. O que se percebe que as intervenes esto sendo realizadas sem o necessrio

    conhecimento da cultura dessas comunidades rurais e o reconhecimento de como a

    especificidade cultural do grupo influencia no xito do trabalho. Deve-se ter em mente que

    cada comunidade rural de uma regio um caso, portanto se devem traar estratgias e

    prticas diferenciadas para desenvolver atividades com cada uma delas. No agindo deste

    modo, o P1MC se articula como mais uma poltica que prima por homogeneizar as aes,

    incorrendo nos mesmos erros de outras polticas pblicas implementadas no Semirido

    brasileiro.

    Em sntese, e como agenda para discusso, deixamos a seguinte impresso: a

    implantao do PIMC, particularmente nas reas estudadas, descurou da participao e o

    modelo de transferncia da tecnologia, por sua natureza unidirecional, no levou em

    considerao os saberes tcnicos e valores locais, apresentando como resultado o seguinte

    quadro: a) baixa apropriao, particularmente dos cuidados relativos qualidade da gua; b)

    baixo envolvimento com os princpios do projeto e o seu esprito transformador; c) a

    compreenso de gua longe da idia de bem comum e instrumento de cidadania; e d) desvio

    de finalidade (cisternas usadas para outros fins).

    Ao problematizar as aes e perspectivas do P1MC e do trabalho da ASA com base

    em evidncias empricas que dialogam com um referencial terico foi possvel identificar

    tenses entre as concepes e as prticas do Programa e apresentar uma agenda para

    discusso que poder nortear novos trabalhos acadmicos e, eventualmente, mudanas na

    atuao dos atores que conduzem sua elaborao e execuo. So evidentes as possibilidades,

    o carter inovador e a contraposio do Programa s velhas e decadentes prticas

    desenvolvidas sob a gide da perspectiva de combate seca. Menos bvio, por seu turno, so

  • 20

    os reais alcances do P1MC e a capacidade do Programa de efetivar uma proposta de formao

    e mobilizao para convivncia com o Semirido.

    6 Referncias

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