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Edward Palmer Thompson: deslocamentos conceituais para os estudos do lazer e formação profissional
Rodrigo de Oliveira Gomes
RESUMO
Edward Palmer Thompson situado como um dos autores mais expressivos da historiografia recente estabelece diálogos importantes na reflexão de termos como cultura, classe, experiência e formação. Neste caminho evidenciamos sua leitura de forma analítica e reflexiva para entendimento do lazer em seus processos de formação e atuação profissional imbricados na prática cultural das diferentes camadas populares. Este estudo tem como objetivo revisar as obras de Edward Palmer Thompson deslocando conceitualmente termos como experiência e cultura para o âmbito do lazer e suas possibilidades de formação profissional. A pesquisa bibliográfica considerou como obras de análise, prioritariamente, “Costumes em comum” e “A miséria da teoria”, além de outros autores e textos que discutem Thompson relacionados ao lazer, à história e à educação. A formação profissional em lazer deve levar em conta perspectivas educacionais que rompam com um fazer meramente técnico e que promovam entendimentos amplos a respeito das pessoas, comunidades e suas manifestações.
Palavras-chave: E. P. Thompson, Lazer e Formação Profissional.
Introdução
Edward Palmer Thompson (1924-1993) foi um historiador de pensamento e
ação. Marxista inglês foi um dos intelectuais mais atuantes no campo das ciências
humanas. Nasceu em Oxford na Inglaterra, no dia 3 de fevereiro de 1924, mas
instruiu-se em Cambridge. Aos dezoito anos ele já era filiado ao partido comunista
da Grã-Bretanha. Na Universidade de Cambridge participa com destaque do
movimento estudantil. Alista-se para a II Guerra Mundial nas frentes de combate na
África. Seu irmão mais velho, Frank Thompson, era sua principal influência
ideológica na luta contra o fascismo. Seus pais eram missionários metodistas:
Edward John Thompson e Theodosia Thompson lutavam contra o imperialismo
britânico na Índia.
Encerrada guerra, Thompson retoma seus estudos universitários,
interrompidos em 1942, graduando-se em História no ano de 1946. Vai trabalhar no
Departamento de Cursos "extra-muros" da Universidade de Leeds, no norte da
Inglaterra, uma região de forte tradição operária. De acordo com Alvito (2012) "extra-
muros" deriva da Idade Média, onde as universidades eram enclaves protegidos
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transmitindo a ideia ainda dominante de uma academia fechada em si mesma,
avessa ao "mundo lá fora".
Os alunos de Thompson no curso noturno (Literatura e História) eram
pessoas das camadas populares: donas de casa, funcionários, sindicalistas,
professores de segundo grau. Alvito (2012) argumenta que “nem todos os
professores estavam de acordo com esta política de abertura dos portões da
academia”. Thompson alertava sobre uma perspectiva de educação ampla que o
motivava a formar pensantes e pessoas revolucionárias.
Nesse período foi bastante influenciado por Christopher Hill1 e Maurice Dobb2,
com os quais construiu um núcleo de pensamento e estudos, denominado Marxistas
Humanistas, além de Thompson e Hill também integravam o grupo: Raymond
Williams, Raphael Samuel, John Saville, Eric Hobsbwam, Dorothy Thompson entre
outros. O primeiro livro de Thompson é uma análise do escritor, artista e socialista:
William Morris, do século XIX. Foi o primeiro trabalho importante, publicado em 1955
que trazia como objeto de reflexão a literatura.
Thompson leciona durante dezenove anos no curso noturno para
trabalhadores em Leeds. Essa experiência docente contribui de forma primaria na
elaboração de sua obra mais conhecida “A formação da classe operária Inglesa”.
Uma trilogia publicada em 1963 (Vol. I – A árvore da liberdade; Vol. II – A maldição
de Adão e Vol. III – A força dos trabalhadores) que trata de forma pontual a
constituição e articulação do pensamento da classe operária inglesa tecendo críticas
às teorias marxistas ortodoxas e as estruturas de poder que identificava na produção
industrial uma única forma de cultura e dominação material.
Em 1956 ele sai do Partido Comunista da Grã-Bretanha. Tinha 42 anos. E sua
saída esteve intrinsecamente relacionada a aversão contra os crimes de Stalin. A
partir daí forma juntamente com companheiros a New Left ou Nova Esquerda
Britânica, origem da revista New Left Review3. Em 1965, com 41 anos, recebe o seu
primeiro convite para trabalhar "intramuros" na Universidade de Warwick, dirigindo
um centro de pesquisa voltado para a História Social. Em 1971 sai da universidade
depois que um grupo de alunos descobre que a direção pretendia expulsar um aluno
1John Edward Christopher Hill (1912 - 2003) historiador marxista britânico.2Maurice Herbert Dobb (1900 - 1976) economista marxista britânico3NLR foi fundada em 1960, a partir de uma fusão entre as revistas Left Review e The New Reasoner que surgiram fora das repercussões políticas da Suez e da Hungria em 1956, refletindo respectivas rejeições da ortodoxia "revisionista" dominante no Partido Trabalhista e do legado do stalinismo no Partido Comunista da Grã-Bretanha.
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por motivos políticos. Thompson pede demissão e publica ainda naquele ano o livro
Warwick University Limited, criticando a comercialização da universidade.
Na década de 70, Thompson trabalhou por breves períodos em universidades
norte-americanas e continuou sua atividade política fazendo críticas, sobretudo ao
desrespeito às liberdades civis. Em 1978 escreve “A miséria da teoria - ou um
planetário de erros”. Esta obra trás críticas ao marxismo estruturalista de Althusser
vigente na época. Ao fim da década de 80 volta a lecionar em universidades,
novamente nos Estados Unidos, mas também na Inglaterra (Manchester). Nos
últimos anos de vida, já doente, dedica o pouco tempo que lhe restava a preparar
publicações de textos escritos há muito tempo.
A obra “Costumes em comum” foi seu último legado que tinha como objetivo
central transmitir as formas do povo inglês do século XVIII de agir, negociar e fazer
escolhas autônomas, num contexto de resistências e acomodações das tradições
consuetudinárias e da emergência de mudanças comportamentais que vão
adquirindo consistência com a consolidação do capitalismo industrial na Inglaterra.
Thompson buscava entende as ações dos trabalhadores, artesãos e camponeses
evidenciando o seu protagonismo, enquanto sujeitos históricos, com motivações
racionais, autônomas e coerentes.
Para isso analisou determinados costumes emergentes das práticas, que
embora antigas, são constantemente repensadas e reformuladas a partir da
experiência em um senso de legitimidade, mesmo que entrando em confronto com
práticas pertinente ao universo das classes dominantes, buscando evidenciar uma
hegemonia de poder sempre vulnerável. Trata-se de uma análise sobre aspectos da
resistência e contra resistência nas relações entre classes.
Thompson morre aos 69 anos deixando uma bagagem teórica vasta. Além
das obras já citadas somam-se: Education and experience (1969); Senhores e
caçadores (1978); Tradición, revuelta y consciencia de clase (1979); As
peculiaridades dos ingleses e outros artigos (2001); Os românticos (2001). A
trajetória de Thompson confere significados importantes ao analisarmos suas teorias
demarcando os percursos e experiências; assim como ele mesmo diz: “as pessoas
não experimentam sua própria experiência apenas como ideias, no âmbito do
pensamento e de seus procedimentos. Elas também experimentam sua experiência
como sentimento e lidam com esse sentimento na cultura” (1981, p. 154).
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Entendendo as teorizações de E. P. Thompson.
Os escritos de Thompson centram-se na lógica da constituição da classe
trabalhadora inglesa do século XVIII. Podemos entender que a luta de Thompson
era estudar e dar compreensão ao processo de transformações que homens e
mulheres das camadas populares da época passavam. Thompson procura resgatar
a formação de ações coletivas originárias de movimentos sociais e populares
utilizando uma leitura crítica na análise de elementos da cultura popular. Segundo
Thompson (1998) compreender estes elementos de forma histórica preencheria um
vazio sentido na produção acadêmica marxista estruturalista inglesa, que
propositalmente despreza as manifestações culturais das classes baixas.
De acordo com Martins (2006) Thompson parte do princípio da dialética
marxista da historicidade e totalidade de todo fenômeno social. A história é
concebida como processo da vida real dos homens e das relações que estabelecem
entre si, entre si e a natureza, por meio do trabalho. Em todos os sentidos os
indivíduos foram afetados e produziram, em diferentes instâncias as transformações
que se deram pelo desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra. Assim como o
capitalismo; as instituições que surgiram com seu aparecimento, não se
arquitetaram num vazio histórico; relacionaram-se tensamente, com os costumes, os
sentimentos, as tradições, as capacidades, as categorias e modos de vida sociais já
existentes.
Melo (2001) atenta que Thompson esteve entre os primeiros a abrir dentro/a
partir do marxismo caminhos para a percepção da cultura como dimensão
fundamental de luta e tensão. Desta forma é entendível que sua intenção estava
longe de negar a importância dos fatores materiais. Thompson não acreditava em
uma relação hierárquica entre uma infra-estrutura (econômica) que determinaria
linearmente uma superestrutura (cultural). Com isso busca confrontar as teorias
conformistas marxistas tradicionais que refletiam apenas uma parte do todo
histórico.
Desta forma para Filho e Bertucci (2003, p.13) Thompson trata a “estrutura
(entendida não apenas como estrutura econômica, mas como os diferentes
elementos que organizados permitem a vida em sociedade) determina a ação e a
consciência humana”. Entendemos que a teoria de Thompson propõe uma história
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não linear. Uma história constituída pela articulação dos indivíduos na diferentes
posições sociais que ocupam em uma visão de processo e não de fim.
Sistematicamente podemos atentar que Thompson levanta críticas ao
determinismo e reducionismo economicista e ao racionalismo excessivos de
algumas interpretações marxistas. Ao mesmo tempo pretende resgatar costumes,
valores e relações negligenciados nas relações entre dominantes e dominados. De
forma pontual escreve por uma vertente do marxismo onde a compreensão estética,
pudesse ser ressaltada e resgatada nas relações do povo em resistir e contra resistir
ora acomodando-se ora contrapondo-se.
Considerações de E. P. Thompson sobre cultura e experiência.
Ao demarcar em suas investigações o século XVIII; os costumes e a classe
trabalhadora; Thompson precisou estabelecer as aproximações e confrontações
sobre uma cultura dita patrícia e outra intitulada plebéia. Neste termos o próprio
Thompson (1998) nos situa sobre a divisão em termos de classe ocorrida em tal
período. Havia a separação moral, ideal e material daqueles ditos de alta e os de
baixa posição social, entre pessoas ricas com bens independentes e o grupo dos
desagregados e desordeiros, entre os bem-nascidos e os sem berço.
Essa cultura popular costumeira, nutrida por experiências certamente diversas
daquelas da cultura de elite, legada por tradições orais, multiplicada pelo exemplo,
propagada pelo simbolismo e pelos rituais, encontrava-se distante e negligenciada
da cultura dos governantes da Inglaterra. É importante ressaltar que essa cultura
popular se constituía muitas vezes, relativamente independente, nem sempre ligada
à Igreja ou às autoridades, exibindo sua permanência em um campo de constantes
mudanças e disputas.
De acordo com Melo (2001) tais mudanças e disputas estavam distantes de
práticas uniformes, homogêneas e consensuais, era um espaço de tensão, nos
quais interesses opostos articulavam posições heterogêneas e conflitantes. Essa
perspectiva deixa cair por terra à passividade, que para muitos autores marxistas
ortodoxos, demarcava o pensamento da classe trabalhadora. Thompson vem atentar
para uma nova ideia sobre o termo “classe”; que é formada pelos indivíduos em sua
prática cotidiana e não imposto automaticamente por uma estrutura fixa de
pensamento hegemônico.
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Este ideário Thompsiano, só é possível, por atentar-se a uma perspectiva
histórica de cultura buscando dar sentido a uma produção vazia e muitas vezes
ingênua de teorias marxistas ortodoxas. Desta forma, para Thompson (1998, p.17)
cultura:
é também um conjunto de diferentes recursos, em que há sempre uma troca entre o escrito e o oral, o dominante e o subordinado, a aldeia e a metrópole; é uma arena de elementos conflitivos. E na verdade o próprio termo “cultura”, com sua invocação confortável de um consenso, pode distrair nossa atenção das contradições sociais e culturais, das fraturas e oposições existentes dentro do conjunto.
Por essa premissa, cultura deve ser refletida como um campo de disputas,
confrontos, divergências e contradições; inclusive no terreno popular. O conceito
vazio torna-se generalização universal, só tendo algum significado quando inserido
num contexto histórico específico. De acordo com Thompson (1998) a cultura é um
termo emaranhado que reúne diversas atividades e atributos em um só feixe,
expressando os sistemas de poder, as relações de propriedade, as instituições
religiosas e não atentar para esses fatores simplesmente produz uma visão pouco
aprofundada do fenômeno e torna a análise superficial.
Taborda de Oliveira (2008) afirma que a cultura é encarada por Thompson
(1998) como lugar de conflito marcado por uma perspectiva de classe na produção,
reprodução, circulação e dominação cultural. Ou seja, é uma prática política
cotidiana construída nas relações humanas através da transmissão dos costumes,
da economia, dos ritos, dos padrões de vida, das relações de poder, dos modos
simbólicos, da hegemonia, entre outros. Este universo articulava-se em processos
simultâneos mesclados por repressões, negociações e concessões.
Domingues (2011) afirma que a “cultura plebeia” não se autodefinia, nem era
isenta de influências externas. Assumia sua forma numa condição defensiva,
contudo em rota de colisão aos limites e controles impostos pelos governantes
“patrícios”. Isto quer dizer que coexistia uma cultura vigorosa do povo que era muitas
vezes autônoma, ora insubordinando-se, através de suas manifestações próprias
criadas por suas tradições, ora acomodando-se diante das imposições de uma
classe hegemônica.
Nesta lógica Thompson (1981) propõe o termo experiência compreendendo
que tal situação envolve o diálogo existente entre ser social e consciência social a
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muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de
acontecimento. A noção de experiência torna-se, portanto, chave para superar a
contradição entre imposição e agir humano.
Estamos falando de homens e mulheres, em sua vida material, em suas relações determinadas, em sua experiência dessas relações, e em sua autoconsciência dessa experiência. Por relações determinadas indicamos relações estruturadas em termos de classe, dentro de formações sociais particulares (THOMPSON, 1981, p.111)
Thompson (1981, p.17) critica as correntes estruturalistas do marxismo
justamente por negligenciarem o diálogo entre o ser social e a consciência social. De
modo evidente, esse diálogo se processa em ambas as direções. “Se o ser social
não é uma mesa inerte que não pode refutar o filósofo com suas pernas, tampouco a
consciência social é um recipiente passivo de 'reflexões' daquela mesa”. Sendo
assim, a consciência, seja como cultura não autoconsciente, ou como mito, ou como
ciência, ou lei, ou ideologia articulada, atua de volta sobre o ser, por sua vez: assim
como o ser é pensado, também o pensamento é vivido. “As pessoas podem, dentro
de limites, viver as expectativas sociais ou sexuais que lhes são impostas pelas
categorias conceituais dominantes” (1981, p.17).
Os homens e as mulheres retornam como sujeitos, dentro deste termo [experiência] – não como sujeitos autônomos, ‘indivíduos livres’, mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses como antagonismos, e em seguida ‘tratam’ essa experiência em sua consciência e sua cultura (...) das mais complexas maneiras (sim, ‘relativamente autônomas’) e em seguida (muitas vezes mas nem sempre, através das estruturas de classe resultantes) agem, por sua vez, sobre sua situação determinada (THOMPSON, 1981, p.182)
O que Thompson efetivamente trás nesta categoria, experiência, é a
resultante das relações constituídas através dos modos de vida dos sujeitos das
camadas populares, que mesmo em situações de opressão ou severa dominação
política e ideológica, não deixam de produzir conhecimentos contextualizados com a
organização social em que vivem. É importante destacar que “a experiência surge
espontaneamente no ser social, mas não surge sem pensamento. Surge porque
homens e mulheres (e não apenas filósofos) são racionais, e refletem sobre o que
acontece a eles e ao seu mundo” (THOMPSON, 1981, p.16).
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Filho e Bertucci (2003, p.14) afirmam que o estudo da experiência permite
relacionar estrutura e processo na história e que Thompson foi levado a reexaminar
todos esses sistemas densos, complexos e elaborados pelos quais a vida familiar e
social é estruturada e a consciência social encontra realização e expressão:
parentesco, costumes, regras visíveis e invisíveis da regulação social, hegemonia e
deferência, formas simbólicas de dominação e de resistência, fé religiosa e impulsos
milenaristas, maneiras, leis, instituições e ideologias.
As pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como ideias, no âmbito do pensamento e de seus procedimentos. Elas também experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esse sentimento na cultura, como normas, obrigações familiares e de parentesco, e reciprocidades, como valores ou (através de formas mais elaboradas) na arte ou nas convicções religiosas (THOMPSON, 1981, p. 189)
São essas pessoas que vivem a experiência da exploração, dos conflitos e
das lutas inerentes às relações de produção que trabalham isso em sua consciência.
Os valores não surgem diretamente do Estado, impostos e perpetuados, mas sim
são transmitidos e cotidianamente impregnados por homens e mulheres em seus
enfrentamentos domésticos, na rua, no trabalho, na escola, no lazer. Neste sentido,
Martins (2006) esclarece que a categoria experiência se impõe como necessária
para ajudar a evidenciar a capacidade de homens e mulheres romperem com
condições impostas.
Entretanto, Thompson tomou o cuidado de situá-la como possibilidade, e não
como um a priori dissociado de concretude histórica. “A experiência é válida e
efetiva, mas dentro de determinados limites: o agricultor 'conhece' suas estações, o
marinheiro 'conhece' seus mares, mas ambos permanecem mistificados em relação
à monarquia e à cosmologia” (THOMPSON, 1981, p.16). É por isso que o
componente histórico, tão acionando por Thompson se revela primordial. Thompson
(1981) nos lembra que a história não é predeterminada e que é a ação criativa dos
homens e mulheres que fazem história, ou seja, que em última instância o que
importa ao historiador é entender o processo histórico.
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Pensando sobre Lazer e formação profissional através de E. P. Thompson.
De acordo com Melo (2001) as propostas e o pensamento de Thompson são
bastante interessantes para ampliar nossas compreensões sobre o lazer.
Principalmente ao analisarmos os divertimentos, as tabernas e os costumes dos
trabalhadores do século XVIII, tratados por Thompson e discutidos por Melo (2001)
em textos específicos4.
Nossa intenção, aqui, é dialogar sobre as possibilidades de formação de
sujeitos para atuarem no âmbito do lazer, concatenados com perspectivas como
cultura e experiência. Parafraseando Thompson, penso na tensão que sinaliza as
manifestações do lazer que estão marcadas culturalmente nos diferentes espaços,
modos, costumes, sentimentos e manifestações dos brasileiros que vivem
“experiências” resistindo e contra resistindo dentro de uma sociedade cada vez mais
urbana e consumista.
De acordo com Melo (2001), o que Thompson nos chama a atenção é para
que possamos perceber melhor como no cotidiano se estabelecem importantes
formas de resistência, muitas vezes manifestas como desordem, deficiência,
indisciplina. O lazer pode também ser encarado sob esta mesma óptica. Na atual
sociedade, que ainda vive da assertiva “tempo é dinheiro”, os momentos de lazer
ficam cada vez mais escassos e as obrigações (trabalho, escola, família) antepõem
qualquer lógica de descanso, divertimento ou desenvolvimento pessoal.
Entender os processos de formação e atuação profissional no âmbito do
Lazer pode contribuir na intervenção, análise e qualificação do campo. Formar
sujeitos para o mercado de trabalho é algo provido de vários aspectos que vai
depender dos processos de formação adquiridos, das consequências assumidas por
tais profissionais em suas práticas no mercado e do envolvimento reflexivo e crítico
na mediação dos conhecimentos.
Segundo Isayama (2004) a formação profissional em Lazer aponta um desafio
no contexto da atual sociedade que seria agregar esforços para uma formação
capaz de construir coletivamente ações teórico-práticas significativas que não
4 Ver Melo (2001) - Lazer e camadas populares: reflexões a partir da obra de Edward Palmer Thompson. Melo (2010) e Lazer, modernidade, capitalismo: um olhar a partir da obra de Edward Palmer Thompson.
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mascarem ou atenuem os problemas sociais que surgem nas relações dos
indivíduos. As intervenções não devem supervalorizar ou minimizar as injustiças
sociais presentes em nossa sociedade. O papel deste sujeito é justamente propor e
organizar ações para garantir que o lazer se fortaleça enquanto um direito social,
não sendo protocolado na perspectiva “pão e circo"5
Neste entendimento percebemos como é importante fecundar possibilidades
de reflexões nos sujeitos que pretendem atuar com lazer, pois, ao adentrar no
mercado e nele interferir, várias consequências surgirão nas relações humanas.
Quando Thompson nos alerta sobre a constituição de uma classe trabalhadora
inglesa que não se condiciona aos equipamentos coercitivos do Estado
unilateralmente, compreendemos que da mesma forma os sujeitos participantes de
ações de lazer, em qualquer realidade sociocultural, também não se acomodarão
diante de ações elitizadas.
Daí tratar os indivíduos em suas potencialidades culturais (interesses,
peculiaridades, identidades, modos de vida) é indispensável ao animador cultural6
que pretende trabalhar no âmbito do lazer. É da experiência das pessoas que
podem surgir pontes eficazes de criatividade, emancipação e participação ativa nas
comunidades. Por isso Melo (2001, p.19) afirma que a “atividade de lazer é uma
experiência cultural que não é somente determinada mecanicamente pela base
econômica, nem tampouco é livre e idealizada. É fruto de expressão ativa de
relações sociais e das lutas que se estabelecem no cotidiano das camadas
populares”.
Consciente disso e partilhando das ideias de Isayama (2004) penso na
necessidade de formação de profissionais para o campo do Lazer pautado em
estudos aprofundados sobre as relações mais amplas no conjunto das vivências
lúdicas, o que pode levar a uma maior compreensão do cotidiano, considerando os
diferentes pontos de vista, interesses e conhecimentos que engloba. Marcellino
(2000) evidenciou que existe muito a se fazer na área do Lazer e as principais
5 De acordo com Marcellino (1996) a palavra lazer, com frequência é associada com experiências individuais vivenciadas dentro de um contexto mais abrangente que caracteriza a sociedade de consumo, o que, muitas vezes, implica a redução do conceito a visões parciais, contribuindo assim para o mascaramento das condições de dominação nas relações de classe, mantendo viva a expressão “Pão e circo”. Esta expressão, no antigo Império Romano,consistia em uma política de oferta de alimentos e diversão para alienar as massas e mantê-la passiva ao processo de dominação política. 6 Ver mais em MELO, Victor Andrade de. Animação cultural: conceitos e propostas. Campinas: São Paulo: Papirus, 2006.
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medidas se mostram primordialmente na formação profissional para que o mercado
de trabalho receba sujeitos com intervenção de qualidade e consequentemente
abordagens que levem desenvolvimento social.
Em fim, a formação profissional em lazer deve levar em conta perspectivas
educacionais que rompam com um fazer meramente técnico e que promovam
entendimentos amplos a respeito das pessoas, comunidades e suas manifestações.
Ao deslocarmos Thompson para nossas indagações reforçamos o comprometimento
com estudos interdisciplinares sobre experiência e cultura, o que garante esforços
de gestão e atuação em lazer empenhados na valorização dos sujeitos e suas
singularidades.
Referências
ALVITO, Marcus. Edward Palmer Thompson: uma vida extra-muros. Campos Elíseos/SP: SOCIEDADE EDITORIAL BRASIL DE FATO; 2012 abr 02 [acesso em 2012 Mai 28]; Disponível em: http://www.brasildefato.com.br/content/edward-palmer-thompson-uma-vida-extra-muros
DOMINGUES, Petrônio. Cultura popular: as construções de um conceito na produção historiográfica. História (São Paulo) v.30, n.2, p. 401-419, ago/dez 2011 ISSN 1980-4369
ISAYAMA, Hélder Ferreira. Formação Profissional In: GOMES, Christianne Luce (Org.). O dicionário crítico do Lazer. Belo Horizonte: Autêntica. 2004.
FILHO, Luciano Mendes de Faria; BERTUCCI, Liane Maria. Experiência e cultura: contribuições de E. P. Thompson para uma história social da escolarização. Currículo sem Fronteiras, v.9, n.1, pp.10-24, Jan/Jun 2009.
MARCELLINO, Nelson Carvalho. O lazer na atualidade brasileira: perspectivas na formação/atuação profissional. Licere. Belo Horizonte, v. 3, n. 1, p125-133, 2000. MARTINS, Suely Aparecida. As contribuições teórico-metodológicas de E. P. Thompson: experiência e cultura Revista Eletrônica dos Pós-Graduandos em Sociologia Política da UFSC Vol. 2 nº 2 (4), agosto-dezembro/2006, p. 113-126 www.emtese.ufsc.br MELO, V. A. Lazer e camadas populares: reflexões a partir da obra de Edward Palmer Thompson. Revista Movimento, Porto Alegre, v. 7, n. 14, p. 9-19, 2001.
TABORDA DE OLIVEIRA, Marcus A. O pensamento de Edward Palmer Thompson como programa para a pesquisa histórica em educação. Revista Brasileira de História da Educação / SBHENº 16 - Jan./Abril 2008
12
THOMPSON, Edward P. A miséria da teoria. Rio de Janeiro:Zahar, 1981.
______. A formação da classe trabalhadora inglesa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987, 3v.
______. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.
______. As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. UNICAMP, 2001.