Artur Azevedo -À Porta Da Botica

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Artur Azevedo -À Porta Da Botica

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PORTA DA BOTICA

Porta da Botica, de Artur Azevedo

Fonte:AZEVEDO, Artur. Teatro de Artur Azevedo. [Rio de Janeiro] : Instituto Nacional de Artes Cnicas - INACEN, [198?]. v. 1. (Coleo clssicos do teatro brasileiro, v.7).

Texto proveniente de:A Biblioteca Virtual do Estudante Brasileiro A Escola do Futuro da Universidade de So PauloPermitido o uso apenas para fins educacionais.

Texto-base digitalizado por:Srgio Simonato Campinas/SP

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PORTA DA BOTICAArtur Azevedo

Esta a segunda pea de Artur Azevedo, escrita aos 16 anos.

Cena da poca

PERSONAGENS

ANICETO - tipo da atualidadeDIOGO OLIVEIRAUm rapaz de 12 anosPASSANTES

CENA NICA

Vista de rua escura. direita uma botica, porta da qual vem-se algumas cadeiras.

ANICETO, depois TODOS (por seu turno.)

ANICETO (Velho jarreta, entra fumando e observando as cadeiras.) E esta! ainda ningum! (V o relgio.)Pois j l vo sete e meia!E os meus colegas no vmPra falar da vida alheia!J as cadeiras estoNo seu lugar competente... (Senta-se.)Como corre a viraos portas de uma botica!Se o juzo no me mente,Quem est doente, bom fica,Fica bom quem st doente...Temos bem que dar lnguaAujordhui, meus colegas,Esta gentinha anda mnguaDe meia dzia dsfregas...Isto de andar a falarDa vida do semelhante gosto bem singular,Mas no ser doravante: uma necessidadePra dar que falar ao povo,Mentira seja ou verdade,S se quer - assunto novo! - (Levanta-se.)Os senhores j adivinhamO que lhes conto? por Cristo?Ora, senhores, no tinhammais do que olhar: (Indica.)Esta casa uma boticaQue vende sempre a quem passa:Pastilhas de mel dangicaCataplasmas de linhaa...O lugar solitrio.Nem mesmo tem lampio... (Confidencialmente.) Cuidado com o boticrioQue no passa dum... boticrio,E o seu caixeiro, o Senhor Mrio,Maluco como o patroEu no falo da vida alheia.Isto s fazer idia...(Mostra as cadeiras.)Nas cadeiras que aqui stoCom muita constncia tem,As noites, uma reunio,Um dia sim, outro tambm...Aqui se fala de tudo.Tudo por aqui contado :Sofrendo o pai do cascudo,Sofre o av do jacar...Se um sujeitinho l bifaAo patro certa quantia,Se aquele faz uma rifa,Se um outro no anda em dia,Se um quebra, foge aos credores,Se outro ajunta depressa,Se aquele j tem amores,Mal o av-torto comeaH que ser analisadoNa porta do boticrio:O pobre, o remediado,O econmico perdulrio!Eu no falo da vida alheia,Isto s fazer idia!Falamos todas as noitesNo que no que fora,Todos aqui chucham aoites,Em todos os meto a tesoura!E no que me der o cavaco,Nele mais se mete a faca,Hei de levar pro tabaco,Hei de cortar na casaca!Eu no falo da vida alheiaIsto s fazer idia... (Entra Diogo.)DIOGO (Com um charuto apagado.) Seu Aniceto, d-me o seu fogo?ANICETO Por que no, Senhor Diogo?... (Diogo, depois de acender o charuto, restitui o de Aniceto sem agradecer-lhe. Sai.)ANICETO (S) impoltico o Senhor Diogo!Impoltico... malcriado!Eu servi-lhe com meu fogo,E no me disse obrigado!...Este sujeito um tratante,Cautela, muita cautela,Fala dos outros bastante,E furta sem mais aquela!Ainda h trs diasQueixou-se um negocianteQue vendeu mercadoriasA ele, qu um bom tratante!Ouvi dizer numa vendaQue pediu a uma loureiraO anel - Deus me defenda -Pra pagar a lavadeira:Eu no falo da vida alheiaIsto s fazer idia...(Passa pelo fundo um passante.)Viram aquele sujeito?Cuidado, muito cuidado,Diz que pra cousa tem jeito, um tratante refinado,Ou refinado tratante,Eu c no fao questoDe vogal ou consoante,De ser cachorro ou ser co,De ser tratante ou ladro!Me disseram quoutro diaA firma imitou do SousaCom uma tal maestria,Que ningum deu pela cousa!E quanda couma donzelaE um constante derrio,Subindo pela janelaSem que ningum d por isso!Enfim stou capacitadoQu um tratante de mo cheia;Mas olhem: este seu criadoNo fala da vida alheiaIsto s fazer idia... (Passa outro tipo.)Aquele o tio do homemQue h pouco pediu-mo fogo,Dizem que os cobres lhe somemSempre na banca do jogo;Mulher e filhos no comem:A panela est no fogo,Ou - est no fogo a panela,Sem nada ter dentro dela!A filha j tem morgadosE o pai inda a tem por casta:- O velho maluco e basta!...(Entre parntesis - no gostoDa histria do tal tijolo,Por causa dele eu aposto:Se perde muito o miolo! -Mas pensem agora os senhores,Que apesar da circunstncia,No tenho tambm amoresCom a Senhora Dona Amncia! -)Mas voltemos questo,Ia dar uma opinio:Enquanto o velho se abrasa,No voltarete se pega,A menina fica em casa,Pra jogar a cabra-cega!Eu no falo da vida alheiaIsto s fazer idia... (Passa o rapaz de 12 anos largando gordas fumaas de um charuto.)Olhem praquele fedelhoComo gosta da fumaa!Decerto toma em conselhoComo a qualquer chalaa!Parece filho do Neves,Nada h que mais parea...O Neves Ramos? que deveOs cabelos da cabea? (Aponta para um sobrado.)Olhem: nesta casa moramTrs ou quatro sujeitinhos:O primeiro sei que namoraUma viva e j agora...Etcoetera e tal... pontinhos...Mas como tem bons cobrinhos,Como essa viva rica,No se importa cos vizinhos.Nem com a porta da botica!O segundo um soldado:O terceiro um agiota,Que apesar dhaver quebrado,No deixa dandar janota!O quarto no sei quem :Mas eu hei de me informar.(Isso mais velho que a S.)Pra vir dele aqui falar!Sei que se chama Fernando,E trabalha, ... vadiando;Se lhe pergunto a razoPor que sempranda na pndega,Responde: Que admirao!Sou empregado na Alfndega!Eu no falo da vida alheiaIsto s fazer idia... Mora naquele sobradoUma moa que fabrica Tijolo com o namorado;E o pai no se certifica,Nem pergunta a Dona AnicaO que aquilo significa,Quem aquele rapaz,No teme a lngua dos dois,Nem a... porta da botica!Eu no falo da vida alheiaIsto s fazer idia... Na outra - pegado - moraUm mdico muito excelente,Da carreira inda na aurora,J tem morto muita gente!Dizem que a cura prolongaCoalgumas drogas fatais,Para a molstia ser longa,E os cobres renderem mais!Tem no convento um irmoDe aventuras muito farto,Roubou a filha ao patroAbandonou-a num quarto (Comovido.)Coitada! morreu de parto!Eu no falo da vida alheiaIsto s fazer idia... (Aparece Oliveira vestido para o baile. Ao passar pelo fundo, cai-lhe alguma coisa e abaixa-se para apanh-la.)Quem aquele sujeitoQue abaixou-se na rua?...Inda no o vi bem de jeito,E agora... escondeu-se a Lua!(Vai para junto de Oliveira e, sem que ele d por isso, corta-lhe a aba da casaca com uma tesoura.)OLIVEIRA (Consigo.) E esta! perdi um boto...Quem achar seja feliz...Escapuliu-me da mo...ANICETO ( parte.) Eu no ouo o que ele diz.OLIVEIRA ( parte.) Tambm o que pode valer?Custa s meia patacaO que acabo de perder! (Sai)ANICETO ( parte.) J lhe cortei a casaca (Desce cena com a aba na mo.)Este sujeito o OliveiraIgnoro o comportamento...Vejamos se na algibeiraTomo algum apontamento! (Tira um leno da algibeira da aba.)Um leno fino de Irlanda;No st inda pago. Uma aposta.A marca est doutra banda...Vejamos: Jos da Costa!Um leno do Z da CostaNa algibeira dOliveira!Ah! j vejo que ele gostaComo eu da ladroeira!Oh! descaramento imenso!Que ao negra e medonha!Roubar... roubar um leno! muito pouca vergonha!Conto hoje na boticaO miservel atentado,Amanh o povo ficaCiente... (Tirando dez tostes da algibeira da aba.)Muito obrigado. (Remexendo)Ah! inda um papel se pilha!Vejamos o que ele diz! (Vendo.)Subscritado a minha filha (Lendo.)Joana, sou mui infelizComo o nosso amor puro e santo;Te espero amanh no canto,Daremos uma fugida;Joaninha, minha vida,Meu querubim, meu amor,Nem mais aqui voltaremos,Teu pai esquecer devemos,No passa de um falador!Manda dizer por escrito,Se o pequeno, que nasceu,Est feio ou t bonitoEst vivo ou j morreu! (Desespera.)Minha filha ter um filho!Minha filha desonrada!Ai, meus amigos, se os pilho...No me faltava mais nada!Em vez de estar a vigi-la,Pois no tem nada de feia,Eu vinha c pra senzalaFalar da vida alheia!Vou abandon-la! um capricho:Estas cousas no consomem...Porque um gato um bicho,E um homem foi semprum homem!(Saindo arrebatadamente.)Vou cas-los, vou cas-los...

[Cai o pano]