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AS APLICAÇÕES DA ETNOMATEMÁTICA NO ENSINO DE MÚLTIPLOS E DIVISORES Karlla Ines Diniz Coutinho Pollig SEEDUC-RJ, [email protected] RESUMO O artigo apresenta uma sugestão para a aplicação da Etnomatemática em sala de aula, especificamente no ensino de múltiplos e divisores no 6° ano do Ensino Fundamental. Abordaremos o que é a Etnomatemática, e posteriormente a aplicação da Etnomatemática através dos trabalhos de cestaria indígena, onde estão inseridos conceitos de múltiplos e divisores, sistema rotacional e simetrias. Esse trabalho possui um embasamento bibliográfico, com destaque para as obras dos professores Ubiratan D’Ambrosio e Paulus Gerdes. Palavras chaves: Etnomatemática, cestaria indígena, múltiplos e divisores. INTRODUÇÃO A proposta do artigo é aplicar as ideias de múltiplos e divisores contidos nos trabalhos de cestaria indígena, e de como esse conhecimento pode ser aplicado em sala de aula, tornando o aprendizado mais fácil e interessante, principalmente para os alunos de 6º ano do Ensino Fundamental. Essa análise será baseada numa pesquisa bibliográfica, onde constam alguns artigos originados de análises empíricas de seus pesquisadores. Mesmo com novas metodologias e abordagens educacionais, muitos alunos mostram desinteresse e desmotivação ao aprender novos conteúdos matemáticos. Esse desinteresse e desmotivação, ora são por não visualizarem suas aplicações na prática diária, ora pela abstração do conteúdo transmitido, ora por falta de habilidade do docente em adequar a linguagem para a faixa etária e vivência das crianças. Esses ranços são levados ao longo da vida escolar, transformando a matemática em algo difícil de ser compreendido e operado. É com o objetivo de facilitar a aprendizagem dos discentes que a História da Matemática e, principalmente, a Etnomatemática surgem como possíveis alternativas de novas abordagens e experiências de outras culturas e comunidades. Mas, afinal o que é Etnomatemática? O professor Ubiratan D’Ambrosio, que foi o pioneiro desse estudo no Brasil, na introdução do seu livro Etnomatemática Elo entre as tradições e a modernidade, define como Etnomatemática é a matemática praticada por grupos culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se

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AS APLICAÇÕES DA ETNOMATEMÁTICA NO ENSINO

DE MÚLTIPLOS E DIVISORES

Karlla Ines Diniz Coutinho Pollig

SEEDUC-RJ, [email protected]

RESUMO

O artigo apresenta uma sugestão para a aplicação da Etnomatemática em sala de

aula, especificamente no ensino de múltiplos e divisores no 6° ano do Ensino

Fundamental. Abordaremos o que é a Etnomatemática, e posteriormente a aplicação da

Etnomatemática através dos trabalhos de cestaria indígena, onde estão inseridos

conceitos de múltiplos e divisores, sistema rotacional e simetrias. Esse trabalho possui

um embasamento bibliográfico, com destaque para as obras dos professores Ubiratan

D’Ambrosio e Paulus Gerdes.

Palavras chaves: Etnomatemática, cestaria indígena, múltiplos e divisores.

INTRODUÇÃO

A proposta do artigo é aplicar as ideias de múltiplos e divisores contidos nos

trabalhos de cestaria indígena, e de como esse conhecimento pode ser aplicado em sala

de aula, tornando o aprendizado mais fácil e interessante, principalmente para os alunos

de 6º ano do Ensino Fundamental. Essa análise será baseada numa pesquisa

bibliográfica, onde constam alguns artigos originados de análises empíricas de seus

pesquisadores.

Mesmo com novas metodologias e abordagens educacionais, muitos alunos

mostram desinteresse e desmotivação ao aprender novos conteúdos matemáticos. Esse

desinteresse e desmotivação, ora são por não visualizarem suas aplicações na prática

diária, ora pela abstração do conteúdo transmitido, ora por falta de habilidade do

docente em adequar a linguagem para a faixa etária e vivência das crianças. Esses

ranços são levados ao longo da vida escolar, transformando a matemática em algo difícil

de ser compreendido e operado. É com o objetivo de facilitar a aprendizagem dos

discentes que a História da Matemática e, principalmente, a Etnomatemática surgem

como possíveis alternativas de novas abordagens e experiências de outras culturas e

comunidades.

Mas, afinal o que é Etnomatemática? O professor Ubiratan D’Ambrosio, que foi

o pioneiro desse estudo no Brasil, na introdução do seu livro Etnomatemática – Elo

entre as tradições e a modernidade, define como

Etnomatemática é a matemática praticada por grupos

culturais, tais como comunidades urbanas e rurais, grupos de

trabalhadores, classes profissionais, crianças de uma certa faixa

etária, sociedades indígenas, e tantos outros grupos que se

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identificam por objetivos e tradições comuns aos grupos.

(D’AMBROSIO, 2001, p.9)

Atualmente, a Etnomatemática vem sendo estudada com mais afinco por

vários outros pesquisadores, como o professor Ubiratan, além de outros destaques nesse

ramo e pesquisa como Eduardo Sebastiani Ferreira, Gelsa Knijnik, Sônia Maria Clareto.

Assim,

O Programa Etnomatemática é um programa de pesquisa em

história e filosofia da Matemática, com implicações pedagógicas, que

se situa num quadro muito amplo. Seu objetivo maior é dar sentido a

modos de saber e de fazer das várias culturas e reconhecer como e

por que grupos de indivíduos, organizados como famílias,

comunidades, profissões, tribos, nações e povos, executam suas

práticas de natureza Matemática, tais como contar, medir, comparar,

classificar. (D’AMBROSIO, 2008, p.7)

Nas comunidades indígenas encontramos um arsenal de experiências e

ensinamentos que podem ser aplicados no ensino de Matemática, tornando o processo

de ensino aprendizagem mais atraente e eficaz para os educandos do Ensino

Fundamental, uma vez que pode ser vistos pelos alunos a aplicabilidade dos conceitos

matemáticos na prática daquele grupo social, mesmo sem terem o conhecimento

acadêmico. (FERREIRA, 2002; TASSINARI, 2012)

O artigo apresenta como justificativa a importância de utilizar os estudos e

pesquisas da Etnomatemática no ensino da Matemática. Nos dias de hoje, há uma

constante preocupação em inserir na Matemática de cunho acadêmico, tópicos

referentes à História da Matemática e as experiências da Etnomatemática.

(D’AMBROSIO, 1996 e 2008)

Os estudos em Etnomatemática vêm mostrar que há diversas formas de ensinar e

aprender Matemática de acordo com o modo de vida de determinado grupo social. Essas

pesquisas mostram que algumas técnicas criadas e desenvolvidas pelos diferentes

grupos sociais têm uma visão mais clara, objetiva e prática dos conceitos e conteúdos

matemáticos, tirando o foco da matemática acadêmica do mundo ocidental, que na

maior parte das obras de História da Matemática é tão exaltado por seus autores.

(D’AMBROSIO, 1996 e 2008)

Nos dias de hoje, na prática dentro das salas de aula busca-se, cada vez mais, a

aplicabilidade e a contextualização de conceitos a fim de tornar interessante a

Matemática para os alunos, e como essa prática nem sempre é possível uma solução

interessante, é necessário o uso dos conhecimentos da Etnomatemática.

Ensinar múltiplos e divisores para os alunos de 6º ano do Ensino Fundamental

continuam apresentando algumas dificuldades para os professores de Matemática, já

que as crianças muitas vezes não percebem a aplicação desse conteúdo em suas práticas

diárias.

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Para que essas aulas tornem-se mais atraentes e ilustrativas torna-se importante a

proposta de utilização dos conhecimentos e ensinamentos indígenas sobre o assunto, já

que essas comunidades possuem seus métodos e técnicas próprias de trabalharem com

os números, sem a necessidade da “teoria” da Matemática acadêmica. Antes de

sistematizar o conceito de múltiplos e divisores, o docente pode mostrar aos alunos a

produção de cestos indígenas, seus diferentes trançados e sugerir uma mini oficina para

copiar esses objetos, com tiras de EVA e canudo. Ao realizar a mini oficina o docente

deve explorar as ideias embutidas na produção dos cestos indígenas, que envolve

números múltiplos e divisores e refletir com a turma sobre eles. Após, esse trabalho a

contextualização tornar-se-á mais agradável para os discentes e o conteúdo poderá ser

sistematizado, já que foi possível atrair a atenção dos alunos para o assunto. Esta mini

oficina de criação de cestos indígenas também pode ser utilizada para explorar

diferentes conteúdos geométricos. Essa proposta de trabalho visa não só o aprendizado

do aluno, mas também um suporte ao professor, com novas ideias e ferramentas para

que seu trabalho torne-se mais flexível e atraente.

ETNOMATEMÁTICA

O pioneiro desse estudo foi o professor Ubiratan D’Ambrosio, que apresentou

suas ideias iniciais para a comunidade internacional de matemática no 5º Congresso

Internacional de Educação Matemática. Porém, definir a Etnomatemática, como o

próprio professor D’Ambrosio diz, é muito difícil, para tanto ele utiliza a etimologia da

palavra etnomatemática:

(...)etno, e por etno entendo os diversos ambientes (o social, o

cultural, a natureza, e todo mais); matema significando explicar,

entender, ensinar, lidar com; e tica, que lembra a palavra grega

techne, que se refere a artes, técnicas, maneiras, etc. Portanto,

sintetizando essas três raízes, temos Etnomatemática, que seria,

portanto, as ticas de matema em distintos etnos, isto é, o conjunto de

artes e técnicas [ticas] de explicar, de entender, e de lidar [matema]

com o ambiente social, cultural e natural, desenvolvido por distintos

grupos culturais [etno]. (D’AMBROSIO, 2013).

Em outras palavras, o professor Ubiratan descreve que o maior objetivo do

Programa Etnomatemática “é dar sentido a modos de saber e de fazer das várias culturas

e reconhecer como e por que grupos de indivíduos, organizados como famílias,

comunidades, profissões, tribos, nações e povos, executam suas práticas de natureza

Matemática, tais como contar, medir, comparar e classificar” (D’AMBROSIO, In:

FANTINATO, 2009, p.19).

A Etnomatemática tem três vertentes de trabalho, mas todas possuem como

característica principal de metodologia, a observação e análise;

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Primeira vertente: busca descrever e entender práticas de populações e

grupos diferenciados, além de verificar como essas práticas originam métodos, dos

métodos as teorias, das teorias as criações.

Segunda vertente: leitura amplificada da História da Matemática, a partir

da visão dos matemáticos que, de alguma forma, “criaram o substrato material e

intelectual para os matemáticos, e que se beneficiaram, utilizando, no cotidiano e nas

suas práticas, conhecimentos matemáticos”. (D’AMBROSIO, 2013).

Terceira vertente: “propõe uma pedagogia viva, dinâmica, de fazer o novo

em resposta a necessidades e estímulos ambientais, sociais, culturais (...). Assim, dá

espaço para a imaginação e para a criatividade. É por isso que na pedagogia da

Etnomatemática, utiliza-se muito o fazer cotidiano, a literatura, a leitura de periódicos e

diários, os jogos, o cinema, etc. Tudo isso tem importantes componentes matemáticos.”

(D’AMBROSIO, 2013).

A utilização da Etnomatemática vem como uma ferramenta para auxiliar o

docente em seu trabalho, dando-lhe alegria e prazer em lecionar, e traz um suporte

agregador na aprendizagem dos discentes, de maneira incentivadora e divertida,

mostrando-os que a matemática muitas vezes está em pequenas ações, trabalhos e até

mesmo brincadeiras, que é possível levar esses conhecimentos, que muitos educadores

desprezam, para as salas de aula, que matemática não é só aquela que está em seus

livros didáticos.

Como nos apresenta Nunes, Carracher e Schliemann, em Na vida dez, na escola

zero, há pessoas que mesmo sem possuírem formação escolar conseguem desenvolver

técnicas próprias para resolverem cálculos matemáticos de acordo com as necessidades

profissionais. E por que essas técnicas não podem ser levadas para as salas de aula? Por

que só tem valor os conteúdos nos livros didáticos?

É baseado nessas experiências que buscamos auxílio na Etnomatemática, assim

como na História da Matemática.

APLICAÇÕES DA ETNOMATEMÁTICA NO ENSINO DE MÚLTIPLOS E

DIVISORES.

1.1. Mariposas dos trançados bora.

Com o objetivo de facilitar o processo ensino aprendizagem dos múltiplos e

divisores de um número natural, será utilizado o processo de trançado de cestas

indígenas, trabalho que foi explorado e estudado, principalmente, por Paulus Gerdes

que traz em sua obra Geometria dos trançados Bora na Amazônia Peruana, um

abrangente estudo sobre esses trançados.

As esteiras, peneiras (níjtyubane) e os cestos possuem padrões denominados

mariposas ou borboletas, são desenhados formados por quadrados concêntricos, nas

observações feitas por Gerdes, foi visto que a grande maioria das mariposas possui no

seu centro um quadrado cujas dimensões são um número ímpar.

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Figura 1 1

Figura 22

As mariposas são caracterizadas “por um terno de números (C, N, L), em que C

representa a dimensão do quadrado dentado central, N o número de quadrados dentados

concêntricos e L a largura dos anéis consecutivos.” (GERDES, p. 34)

Figura 33

Nas imagens a seguir poderá ser observado os passos para a construção de uma

mariposa do tipo (3, N, 3), onde N é o número de quadrados dentados concêntricos

sucessivos maior ou igual a 3.

1 GERDES, Paulus. Geometria dos trançados Bora na Amazônia peruana. São Paulo: Livraria da

Física, 2010. p.32.

2 Idem. p. 33.

3 Idem. p. 35.

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Figura 44

Figura 55

Porém, nos trabalhos bora as mariposas dificilmente aparecem sozinhas, ou seja,

estão sempre entrecruzadas, e geralmente são congruentes e posicionadas da mesma

maneira, observe as imagens:

Figura 66

Pode-se notar que a distância horizontal e vertical entre as mariposas variam, o

que faz com que o padrão passe a ser caracterizado por um quádruplo (C, N, L, p x q),

onde (C, N, L) representa a mariposa e p e q as distâncias horizontal e vertical entre

4 Idem. p. 40 e 41.

5 Idem. p. 41 e 42.

6 Idem. p. 45 e 46.

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cada mariposa. Deve-se ter cautela na ordem de p e q, pois os quádruplos (C, N, L, p x

q) e (C, N, L, q x p) geram padrões de mariposas diferentes.

Figura 77

Em todos os padrões de mariposas do tipo (C, N, L, p x q) são observados eixos

de simetria horizontais e verticais, e ainda se p for igual a q serão observados eixos de

simetrias diagonais.

Figura 88

1.2. Múltiplos e divisores na cestaria indígena.

O estudo dos múltiplos e divisores será abordado nos trançados indígenas,

especificamente nos cestos de fundo quadrado e boca circular, adquiridos através de um

integrante da tribo Guarani pela autora.

Figura 9

7 Idem. p. 47.

8 Idem. p. 50.

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Figura 10

A produção desses cestos é iniciada pelo fundo, onde entrecruzam as fitas numa

esteira quadrada; “(...) os vértices da base quadrada do cesto final são os pontos médios

da esteira quadrada inicial. Nota-se que as tiras sobem na parede cilíndrica para a direita

e para a esquerda a 45° da horizontal em duas famílias de tiras perpendiculares entre si.”

(GERDES, p. 102)

Figura 119

Observando esses cestos, percebe-se que a decoração realizada nas paredes

depende do comprimento da diagonal do fundo quadrado, e do número de tiras paralelas

que formam esse fundo que “deve ser um múltiplo do período do motivo decorativo da

parede.” (GERDES, p. 103) (grifo meu).

Para criar essas peças os índios acabam desenvolvendo a habilidade em trabalhar

com números múltiplos e divisores. Observe dois cestos produzidos pelos Guaranis:

No cesto 1 o fundo tem centro rotacional de ordem 4, cada quadrante tem a

estrutura 4+4+4+4 = 16, 16 é múltiplo de 4, o que faz com que o período da parede

cilíndrica também seja múltiplo de 4.

9 Idem. p. 102 e 103.

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Figuras 12

No cesto 2 observa-se que o centro tem centro rotacional de ordem 3, cada

quadrante possui a estrutura 3+3+3+3+3 = 15, 15 é múltiplo de 3, logo seu período

cilíndrico é 5, que é divisor de 15.

Figuras 113

Nesses cestos produzidos pelos Guaranis, além dos apresentados na obra de

Paulus Gerdes, é possível fazer pequenas reproduções em salas de aula propondo uma

mini oficina de cestaria indígena com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental,

trabalhando a percepção, a criatividade e o desenvolvimento dos múltiplos e divisores

de números naturais. O objetivo da oficina é apresentar aos discentes que a teoria

apresentada em sala de aula é desenvolvida por outras etnias para a produção de

utensílios e objetos decorativos.

Para realizar a oficina, o docente lançará mão de materiais como canudo, tiras de

EVA, e tentará reproduzir os trançados dos cestos, observando com os alunos a

quantidade de tiras utilizadas, promovendo pequenos debates sobre os valores sugeridos

pelos alunos e avaliando se os cestos poderão ser confeccionados ou não, e as

justificativas. Assim, serão iniciadas as ideias referentes a múltiplos e divisores que se

encontram embutidas nas práticas indígenas. A mini oficina poderá abordar também

assuntos geométricos, como as simetrias, os centros rotacionais, por exemplo.

Com o auxílio do professor, que será um mediador do trabalho, os alunos

começarão a perceber que a quantidade de tiras empregadas para a montagem do fundo

influenciará nos desenhos empregados na parede cilíndrica do cesto, isto é, o motivo do

desenho é representado por um período, que é a quantidade de tiras para a reprodução

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do padrão, e essa quantidade deverá ser um divisor do total de tiras de um quadrante do

fundo, como mostrado nos exemplos acima.

A produção desses cestos ajudará na percepção dos alunos e na visualização

tridimensional da geometria, facilitando os estudos posteriores de ângulos, rotações,

simetrias horizontal, vertical e diagonal.

O docente poderá criar problemas ou desafios, para que os alunos reflitam e

relacionem os números com a possibilidade de execução perfeita dos cestos, por

exemplo:

“Para um cesto cujo desenho tenha período de 6 tiras, em um quadrante poderá

ter 15 tiras? Por quê? Quantas tiras podem ter?”

“O fundo de um cesto foi desenvolvido contendo em um quadrante 20 tiras, o

desenho da parede cilíndrica poderá ter um período com quantas tiras? Por quê?”

Esse trabalho de reflexão e questionamento auxiliará na formação dos conceitos

de múltiplos e divisores pelos alunos e

A análise desses cestos, a oficina e o trabalho de reflexão e questionamento

podem ser desenvolvidas antes da sistematização do conceito de múltiplos e divisores,

pois os alunos já terão construído esses conceitos e tem o objetivo de desenvolver no

aluno o aprendizado através de situações do dia a dia, o que fará com que a

apresentação do conceito/teoria torne-se agradável e desperte nos educandos a

curiosidade em descobrir onde podem ser aplicados os conhecimentos adquiridos na

escola.

CONCLUSÃO

A Etnomatemática, assim como a História Matemática, não pode ser esquecida

nem encarada como uma ciência inovadora que só deve ser explorada por

pesquisadores, e sim como uma ferramenta que auxiliará o trabalho em sala de aula,

tornando a Matemática uma disciplina alegre, criativa, inovadora e que pode ser

observada nas mais diversificadas atitudes e momentos da rotina diária e de vários

grupos sociais, etnias, culturas.

Quando os discentes percebem a presença da Matemática em objetos, na

natureza ou situações comuns do dia a dia, passam a vê-la como algo interessante e útil,

e não apenas como contas sem sentido algum para suas vidas. Cada vez mais os

pesquisadores e educadores estudam e percebem a diferença e a melhora no ensino da

Matemática através dos estudos apresentados pela Etnomatemática, como constato nos

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trabalhos apresentados no Encontro de Etnomatemática do Rio de Janeiro, realizado na

Universidade Federal Fluminense, em 25 e 26 de Setembro de 2014.

A Etnomatemática vem não só apresentar a Matemática em outros contextos,

mas faz com que possamos conhecer, observar, admirar e respeitar outras culturas,

como a indígena, por exemplo.

Desenvolver a criatividade, o pensamento crítico e questionador, a curiosidade

do aluno fará com que o processo ensino aprendizagem torne-se satisfatório e completo,

conhecendo outros povos, culturas e grupos sociais, e percebendo que em cada situação

da vida são aproveitados diversos ensinamentos de sala de aula.

REFERÊNCIAS

CARRACHER, Terezinha Nunes; CARRACHER, David; SCHLIEMANN, Ana

Lúcia. Na vida dez, na escola zero. 16. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

D’AMBROSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria à prática.

Campinas: Papirus, 1996.

______________________. Etnomatemática: Elo entre as tradições e a

modernidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. p. 9. Disponível em:

<http://professorubiratandambrosio.blogspot.com.br/2012/04/etnomatematica-uma-

abordagem-inclusiva.html#more>. Acesso em 04 nov. 2013.

______________________. O Programa Etnomatemática: uma síntese. Acta

Scientiae. Canoas, v.10, n. 1, p. 7 – 16, jan./jun. 2008.

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______________________. “Etnomatemática e História da Matemática”, p. 17-

29 In: FANTINATO, Maria Cecília de Castello Branco (org.). Etnomatemática: novos

desafios teóricos e pedagógicos. Niterói: Editora da Universidade Federal Fluminense,

2009.

______________________. Um mini-guia sobre etnomatemática. Texto

disponibilizado pelo autor em 23 ago. 2013. Pode ser encontrada versão resumida em

<http://www.ime.unicamp.br/lem/jpm/jpm05.pdf>.

FERREIRA, Mariana Kawall Leal (org.). Idéias matemáticas de povos

culturalmente distintos. São Paulo: Global, 2002.

GERDES, Paulus. Geometria dos trançados Bora na Amazônia peruana. São

Paulo: Livraria da Física, 2010.

TASSINARI, Antonella Maria Imperatriz; GRANDO, Beleni Saléte;

ALBUQUERQUE, Marcos Alexandre dos Santos (org.). Educação Indígena: reflexões

sobre noções nativas de infância, aprendizagem e escolarização. Florianópolis: Ed.

UFSC, 2012.