As Expressoes de Tratamento Da Lingua Japonesa Tae Suzuki

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Artigo para o aprendizado de língua japonesa

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    1. AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    O tratamento, em seu. sentido mais amplo, pode ser entendido como os cuidados e atenes que um indivduo dispensa a outro em seu ato de comunicao, tendo em conta a pessoa com quem se relaciona, a tenso que se cria entre eles na situao estabelecida, como produto da conside-rao de vrios fatores que definem a posio de um e de outro no con-texto de situao criado. Nesse sentido, so tratamentos: a obedincia a determinadas regras de etiqueta e de conduta; a preocupao com o ves-turio e acessrios em determinados locais ou ocasies; a direo ou o movimento do olhar e o sorriso que acompanham uma conversa; a reve-rncia ou os cumprimentos a desconhecidos, diferenciados daqueles diri-gidos a conhecidos; a opo pelo emprego de formas diretas ou perifrs-ticas de fala; o uso de expresses lingsticas de tratamento.

    Assim, procurarei adiar a visita a um amigo a altas horas da noite para uma ocasio mais propcia porque, apesar de encontrar-me a apenas alguns passos de sua casa, sei que mora com pessoas idosas ou com cri-anas, que no devem ser importunadas nesse horrio. Da mesma forma, no atenderei porta em trajes de dormir a uma visita com a qual no tenha muita intimidade (embora, talvez pelas mesmas razes de etiqueta, uma visita nessas condies devesse ser marcada com antecedncia), procurando vestir-me com simplicidade mas convenientemente para receb-la. sinal de cortesia e de civilidade dirigirmo-nos s pessoas, se

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    no com um sorriso nos lbios, pelo menos evitando carrancas, bem como voltando os olhos para o interlocutor na emisso e recepo da mensagem; por outro lado, ouvir uma reprimenda ou uma censura com um sorriso pode exprimir desagravo ou rebeldia. O uso de frases peri-frsticas pode ser uma maneira ele se evitar dizer seca e diretamente as coisas, uma maneira ele se atenuar a fala e no confundir o interlocutor com frases rudes, causando-lhe a impresso de rispidez ou at de arro-gncia ou impolidez. H, ainda, a forma de se expressar lingisticamen-te o tratamento pelo emprego ele termos ou de certas construes grama-ticais prprias que, por si s, bastam para manifestar e transmitir uma dada considerao do locutor, seja esta o respeito, a polidez, o desprezo ou a modstia. Assim, em portugus, o uso do futuro do pretrito no lu-gar cio presente do indicativo em sinal de modstia (eu pediria que em vez de eu peo que), de determinadas formas perifrsticas (queira nos comunicar no lugar de comunique-nos; tenho o prazer de apresentar no lugar ele apresento) em sinal de respeito ou ele polidez, de esse cara em vez ele ele, como sinal de desprezo ou desrespeito, bem como as dife-rentes formas de emprego pronominal, como tu e vous do francs, Du e Sie do alemo, senhor, senhora, Vossa Senhoria etc. em oposio a tu e voc do portugus.

    O uso cio tratamento depende ele normas de conduta estabelecidas e convencionadas numa determinada esfera espao-temporal e, ele acor-do com elas, variam suas formas. Aquilo que tratamento em um meio pode deixar de s-lo num outro, assim como o que o era antes pode dei-xar de s-lo agora. Dessa maneira, chamar um calouro ele bicho no meio universitrio pode ser um expediente para demonstrar intimidade, cari-nho ou boas-vindas quele que acaba de ingressar num curso superior, o que, indiretamente, se torna um sinal ele que o veterano o considera um de seus pares, aceitando-o no meio de que faz parte. O mesmo ato reali-zado fora desse meio especfico, isto , em meio onde no se configure uma relao entre veterano e calouro universitrios, passa a ter um sig-nificado diferente, podendo ser at uma manifestao de depreciao. Da mesma forma, se ontem era sinal de desrespeito uma mulher assistir missa numa igreja catlica de calas compridas, o que, alis, era veda-do pela prpria Igreja, hoje j um fato comum e aceito.

    Diferenas ele conceituao do que tratamento, portanto, podem ser encontradas em curtos espaos ele tempo ou em grupos reduzidos e especficos dentro ele uma comunidade social e culturalmente homog-nea, porm com alguns valores e vises particulares. As diferenas ten-

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    AS EXPR.ESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA li

    dem a aumentar quanto maior for o intervalo de tempo ou quando se tratar de meios com valores socioculturais diferentes.

    A idia que se tem do tratamento no Japo, pas insular eminente-mente xintosta e budista, calcado nos padres ticos cio confucionismo, , pois, muitas vezes diversa daquela que temos no Ocidente. Certas ati-tudes, para ns, permeadas de tratamento podem no s-las no Japo, e vice-versa. Assim, por exemplo, para brasileiros, sinal de etiqueta ce-der a passagem a uma mulher ao entrar em um recinto qualquer (sala, elevador, automvel), enquanto no Japo ser a mulher que recuar al-guns passos para dar passagem ao homem. H, ainda, certos atos que so imprescindveis ao trato da vida social japonesa, mas dispensveis entre ns, como a prtica muito comum da retribuio de benefcios prestados que deve ser traduzida alm do recebido. Essa prtica se veri-fica, por exemplo, com os presentes ele casamento que so retribudos por outros devidamente preparados e entregues sada cio local onde se realiza a cerimnia ou, ento, com o agradecimento a uma certa impor-tncia em dinheiro, devidamente acondicionada em envelope e recebida por ocasio cio falecimento de uma pessoa, agradecimento este que se traduz em espcies entregues por ocasio da cerimnia do stimo ou quadragsimo nono dia da morte.

    E assim o tratamento, entendido como a forma de se transmitir a considerao de seu usurio por algum, pode ser expresso de vrias formas. Umas so mais explcitas, como estender o brao para permitir a outrem que passe sua frente, permanecer de p aguardando que o ou-tro se acomode primeiro, levantar-se entrada de terceiros. Outras so mais veladas, como aguardar que o outro termine sua fala para iniciar a sua, desviar-se de um caminho mais curto e prtico porque leva a um lugar que traz desagradveis recordaes ao outro, evitar pronunciar o nome ele fulano porque ele e o interlocutor so inimigos figadais.

    Assim como qualquer ato humano pode ser traduzido ou explicita-do por palavras, o tratamento tambm pode ser verbalizado. H, no en-tanto, atos que so considerados tratamentais justamente por serem pra-ticados ou evitados sem passarem pelo processo de verbalizao, por-que, se ditos, perdem o carter ele tratamento, neutralizando a inteno ele seu autor que a de, assim agindo, poupar sutilmente o outro ele ex-perincias desagradveis. No exemplo dado, posso evitar o caminho ele tristes recordaes quele que me acompanha, mas, se lhe disser que es-tou dando uma volta maior porque aquela rua vai lhe lembrar o acidente em que ele perdeu um ente querido, de nada valer minha inteno ini-

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    cial. Trata-se de uma forma velada ou indireta de expresso de uma con-siderao por algum, em que o ato e sua expresso lingstica se tor-nam conflitantes.

    Outros atos h que, sendo j uma manifestao tratamental, se fa-zem acompanhar de expresses lingsticas que complementam ou enfa-tizam o ato, sem serem elas prprias uma expresso de tratamento. As-sim, pode-se estender o brao para ceder a passagem e complementar com um "queira passar", ou ceder um lugar dizendo "o lugar seu". Nesses casos, o gesto ou a expresso lingstica podem ser dispensados, mas, ao contrrio dos anteriores, no so conflitantes, um complementa o outro.

    Uma terceira categoria de tratamento o lingstico propriamente dito, ou seja, as formas lingsticas que se bastam a si mesmas para se-rem a manifestao da ateno do locutor por uma pessoa de seu discur-so, e a que referir-me-ei, doravante, por expresses de tratamento. So os pronomes de tratamento, as expresses perifrsticas anteriormente ci-tadas.

    Definindo, preliminarmente, as expresses de tratamento como o expediente lingstico pelo qual o locutor estabelece o distanciamento social e/ou psicolgico que o separa das pessoas de seu discurso, a rela-o que essas expresses contraem com seu usurio remete noo da dimenso pragmtica de semiose levantada por C. Morris. O signo pode estabelecer relaes com o objeto denotado, com outros signos e com o usurio, que Morris denomina, respectivamente, dimenso semntica, di-menso sinttica e dimenso pragmtica de semiose. Assim, o signo lin-gstico se define pela relao signo/referente ou signo/objeto denotado, bem como pela relao com outros signos do discurso, ou seja, pela re-lao signo/contexto, e, pela relao com a situao de uso que implica aquele que produz o discurso (interlocutor), aquele que o recebe e deco-difica (interlocutrio) e as condies espao-temporais do ato de comu-nicao (contexto de discurso) (cf. Morris, 1976, pp. 17-26).

    Na mesma perspectiva, K. Bhler complementa a dicotomia lan-gue!parole levantada por Saussure, destacando quatro momentos (qua-drifolium, na denominao do autor) como o objeto da lingstica: ao e ato verbais, produto e forma lingsticos. So pares dicotmicos que se cruzam no plano da formalizao da lngua (ao verbal e produto lingstico, mais concretos, versus ato verbal e forma lingstica, mais abstratos) e no plano da subjetividade da lngua (ao verbal e ato ver-bal, plano subjetivo ou individual, versus produto e forma lingstica,

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    plano intersubjetivo ou interindividual da lngua). Enfocando apenas o plano subjetivo, que nos interessa especialmente, ao verbal , para Bhler, a prpria ao de falar considerada em seu momento de produ-o, uma prxis dirigida a um fim que estabelece a relao do signo com a situao de uso ou, como quer Morris, a dimenso pragmtica de semiose. Ato verbal a atribuio de significao a um meio lingstico, a relao que se estabelece entre signo/referente, entre signo/universo de experincias ou, ainda com Morris, as dimenses semntica e sinttica de semiose (Bhler, 1979, pp. 68-88).

    A relao que o signo contrai com o objeto denotado ocupou, du-rante muito tempo, lugar de destaque nas consideraes de lingistas e filsofos, mas, embora essencial, pois sem um nexo com o referente no h significao, outras relaes comeam a ser apontadas no processo comunicativo, contribuindo para que surjam novos enfoques sobre o funcionamento da lngua. Esta deixa de ser apenas um instrumento de comunicao, passa a ser ela prpria uma atividade, uma ao inerente ao ato lingstico.

    J. L. Austin apontou, com muita preciso, esse aspecto ao classifi-car os atos de fala em locutrios, ilocutrios e perlocutrios. Todo enun-ciado uma locuo, pois sempre se diz algo, articulando sons confor-me regras fonolgicas (aspecto fontico) que formam vocbulos ou ter-mos que obedecem a uma sintaxe (aspecto ftico) para expressar uma significao (aspecto rtico). /locutrio o enunciado (portanto, ato locutrio) que implica realizar uma ao ao dizer alguma coisa; a enun-ciao, ela prpria, traduz uma ao do locutor, como quando se diz "eu aconselho a" j um conselho, assim como ocorre com ordens, interro-gaes, juramentos etc. Perlocutrio, por sua vez, o ato de fala que produz um efeito indireto no interlocutor pelo fato de diz-lo, como ocorre com conselhos que provocam medo ou receio, perguntas que cau-sam embarao, compromissos que causam alegria ou enfado etc. Os enunciados ilocutrios e perlocutrios constituem aquilo que Austin de-nominou perfornzativos, ou seja, enunciados que realizam uma ao de seu locutor, em oposio aos constativos que simplesmente descrevem, constatam ou se referem a algo sem nada fazer (Austin, 1970, pp. 36-45, 107-118).

    Embora se coloque na mesma perspectiva de Austin quanto exis-tncia de uma fora performativa nos enunciados, J. Searle nega a exis-tncia de atos locutrios como os concebe Austin, pois estes no passam de uma abstrao, uma vez que todo enunciado (ato de linguagem, para

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    Searle) s o num ato de discurso. A atribuio de uma significao (ato rtico) s possvel num contexto de enunciao, onde se faz pre-sente a intencionalidade do locutor, expressa ou velada. Para Searle, "toute communication de nature Iinguistique implique des actes de nature Iinguistique. L'unit de communication linguistique est [ ... ] Ia production ou I'mission du symbole, du mot, ou de Ia phrase au moment ou se ralise I'acte de langage" (Searle, 1972, p. 52). A lngua , para o autor, forma de comportamento, um ato que serve de instru-mento para a comunicao. O homem comunica proferindo palavras (ato de enunciao) pelas quais se refere a algo e predica (ato proposicional), praticando um ato lingstico como afirmar, negar, perguntar, ordenar, prometer etc. (ato ilocutrio). Ato ilocutrio , portanto, um ato prim-rio e precpuo do ato de linguagem, unidade mnima da comunicao lingstica (idem, pp. 47-63).

    O aspecto pragmtico da lngua tambm levantado por E. Benveniste (1974, pp. 216-229), que distingue dois domnios de signifi-cncia na lngua: o semitico e o semntico. O primeiro est ligado estrutura do signo lingstico e resulta da rede de relaes e de oposi-es que o signo contrai com certos signos no interior da lngua. O sig-nificado semitico identificado no seio e no uso da prpria lngua, independe do referente objetivo, pura forma. Se temos, na semitica, a lngua enquanto estrutura, na semntica temos a lngua como funo mediadora entre os homens, entre o homem e o mundo. O significado semntico se define ao nvel da enunciao e, com ele, passa-se do est-tico ao dinmico, ao uso que o homem faz da lngua numa situao de discurso. "Le smiotique se caractrise comme une proprit de la langue, !e smantique rsulte d'une activit du locuteur qui met en action Ia tangue" (idem, p. 225). Busca-se, no mais o signo como uni-dade de sentido, mas a frase como totalidade de sentido inserida numa situao de discurso onde implicam atitudes do locutor.

    Consideradas dentro da viso pragmtica do signo, as expresses de tratamento constituem um ato de fala pelo qual o locutor manifesta uma considerao qualquer pelas pessoas inseridas no enunciado, na e pela si-tuao de discurso. Nesse sentido, o tratamento um ato preeminentemen-te ilocutrio (na concepo de Austin) que concretiza na lngua a distn-cia ou a proximidade entre as pessoas do discurso, embora no se possa ignorar sua fora perlocutria, na medida em que seu uso se presta a pro-duzir efeitos no interlocutor, levando-o opo de outras formas trata-mentais conforme determinam as circunstncias e condies do contexto.

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    As expresses de tratamento contraem, ainda, um forte vnculo com o meio de sua produo, carregando em seu bojo valores socioculturais prprios, resultando num complexo de relaes entre indivduo e meio, entre meio e viso de mundo, entre indivduo e recorte da realidade. Fatores vrios, de ordem social e/ou psicolgica, concorrem para o uso do tratamento. Ns nos relacionamos diferentemente com pessoas a quem amamos ou odiamos, a quem tememos ou protegemos, a quem de-vemos ou prestamos favores; difere tambm o tipo de relacionamento se se trata de uma criana ou de um adulto, de um subalterno ou de um supe-rior, de velhos amigos ou de simples conhecido, apenas para citar alguns exemplos.

    O tratamento implica uma srie de fatores ditados, uns por cir-cunstncias momentneas inerentes a cada situao, outros por regras ou convenes mais ou menos definidas pela prxis social. O fator contex-tual essencial no tratamento, no se pode conceb-lo fora do meio de sua realizao. A ntima relao entre o tratamento e o meio de sua pro-duo faz com que as expresses de tratamento saltem do campo pura-mente lingstico para o sociolingstico. Elas implicam quem fala, a quem e sob que condies se fala, remetendo s trs dimenses funda-mentais da sociolingstica levantadas por W. Bright: a identidade do emissor, a do receptor e o contexto de situao ( 1974, pp. 18-19).

    Comportando, pois, fatores sociais e culturais prprios, o tratamen-to da lngua japonesa apresenta um modelo estruturado por modos de se express-lo, diferentes daqueles mais comumente utilizados nas lnguas ocidentais, tanto em espcies quanto em formas Iingsticas, sobre o que passo a discorrer em seguida.

    ESPCIES DE TRATAMENTO

    Nas lnguas ocidentais, quando se fala em tratamento, entende-se o tratamento respeitoso e estar se referindo, em regra, aos pronomes de tratamento. Assim so os pronomes do portugus como Vossa Senhoria, Vossa Excelncia, Vossa Santidade etc., bem como os pronomes de 2~ pessoa, formais ou cerimoniosos em oposio aos informais ou ntimos, a que j me referi antes. Na lngua japonesa, entretanto, o tratamento no s extrapola os pronomes de tratamento, bem como comporta outras formas alm do respeito, genericamente falando, dirigido a uma pessoa considerada hierarquicamente superior.

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    As expresses de tratamento operam em dois nveis diferentes do discurso japons. Entendendo-se por enunciado a realizao concreta de um discurso, todas as expresses de tratamento se realizam no enuncia-do, mas uma delas tem como alvo as pessoas que atuam no enunciado como sujeitos ou objetos da ao nele contida, e a outra um ato tratamental mais afeto ao ato da enunciao. No primeiro caso, o locutor formula seu discurso, e medida que as pessoas nele surgem como per-sonagens (ou actantes do enunciado), a elas atribuda a forma de trata-mento devida, conforme a ponderao que o locutor faz dos papis que lhes cabem naquele contexto de situao - so as expresses que deno-mino tratamento do enunciado. J no segundo caso, temos as formas lingsticas atribudas pelo locutor no enunciado, tendo como alvo, po-rm, o interlocutor, enquanto o outro sujeito do ato da enunciao, con-figurando a relao locutor/interlocutor constituem o chamado tratamen-to da enunciao.

    No enunciado, os actantes podem receber duas formas diferentes de tratamento: quando o locutor atribui uma forma que eleva a pessoa, a qualidade ou o estado, a ao, as pessoas ou objetos referentes a um actante considerado hierarquicamente superior a outro naquele contexto de situao, temos as expresses de respeito (sonkeigo); ao contrrio, quando o locutor rebaixa ou diminui um actante considerado hierarqui-camente inferior, temos as expresses de modstia (kenjgo).

    So, portanto, trs as espcies de tratamento da lngua japonesa:

    1. Tratamento do enunciado: Expresses de respeito - formas lingsti-cas atribudas pelo locutor a um actante hierarquicamente superior em um dado contexto de situao, atravs de sua pessoa, das aes por ele praticadas, das qualidades ou estados a ele atinentes, de pessoas ou objetos a ele referentes.

    2. Tratamento do enunciado: Expresses de modstia - formas lingsti-cas atribudas pelo locutor a um actante hierarquicamente inferior em um dado contexto de situao, tambm atravs de sua pessoa, da ao, qualidade, estado, pessoas ou objetos a ele referentes. Cumpre notar que entre as expresses de modstia existem aquelas que o locutor emprega como mera modstia ou humildade sua, independentemente de qualquer relao hierrquica com as demais pessoas do discurso.

    3. Tratamento da enunciao: formas lingsticas empregadas pelo locu-tor no enunciado, mas com a funo precpua de atuar no ato da enunciao, expressando a maneira polida (donde a denominao ex-

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    presses de polidez) de o locutor-destinador transmitir a palavra ao interlocutor na qualidade de simples destinatrio do discurso.

    Dessa maneira, o interlocutor pode receber as duas espcies de tra-tamento num mesmo discurso: do enunciado, enquanto actante do enun-ciado, onde ser contemplado com a forma lingstica (respeito ou modsta) que seu papel lhe conferir, e da enunciao, enquanto destina-t{irio e sujeito passivo do discurso. Esquematizando, assim operam as expresses de tratamento japonesas*:

    Enunciado

    respeito

    locutor ---1-B

    ;> li [A]

    modstia

    destinador ---~ Enunciao polidez

    [B] li - +--- interlocutor A

    destinatrio

    A modstia (atribuda a [A] < B) e o respeito (atribudo a [B] >A) so trata-mentos do enunciado, onde A e B podem ser o locutor, o interlocutor ou uma terceira pessoa dentro de uma relao estabelecida no contexto. O locutor-destinador enuncia a mensagem com polidez ao interlocutor-destinatrio.

    Diferem as formas de tratamento quanto a seu mecanismo e funo quando atuam nos dois nveis. Os fatores extralingsticos a serem consi-derados pelo locutor para estabelecer as distncias interindividuais no dis-curso operam apenas no plano do enunciado. Seja dada a situao em que o aluno (locutor) se coloca perante um professor (interlocutor) para lhe comunicar que vai sua casa. A mensagem "eu vou sua casa". H uma hierarquia sociocultural preestabelecida onde "eu" (aluno) inferior a "tu" (professor) [eu < professor]. Assim, tudo o que se refere a "eu" inferior a tudo o que se refere ao professor; portanto, "eu vou < sua casa": eu [ < professor] quem pratica a ao de ir e, nesta relao de foras, uma ao que diz respeito a "eu" inferior; em contrapartida, a casa do professor e diz respeito a [professor > eu].

    * Entre 1 1. a pessoa a quem atribudo o tratamento.

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    Sem nenhuma carga de tratamento, teramos a frase watashi-wa anata-no uchi-e iku, onde: watashi, "eu", anata, "voc", uchi, "casa", iku, "ir", wa, no, e, partculas de caso nominativo, genitivo e locativo, respectivamente 1 Dado que a relao de foras estabelecidas no discur-so "eu vou < sua casa", substituem-se os termos que digam respeito a "eu" por expresses de modstia e os que se referem ao professor por expresses de respeito. Teremos, ento:

    1. watashi, "eu", substitudo pelo pronome de modstia watakushi; 2. iku, "ir", substitudo pelo verbo de modstia mairu; 3. anata, "voc" - no h pronomes de respeito de 2~ pessoa na

    lngua japonesa moderna falada. So mesmo poucos os pronomes de 2~ pessoa em geral por se ter como descorts tratar algum, diretamente, pela forma vaga dos pronomes que apontam para uma pessoa e a nin-gum em particular. Em seu lugar, so usados nomes prprios acompa-nhados do sufixo de respeito san (Tanakasan, "Sr. Tanaka"), nomes pr-prios acompanhados do ttulo, cargo ou funo (Tanaka sensei, "profes-sor Tanaka" ou simplesmente o ttulo, cargo ou funo social da pessoa referida (sensei, "professor");

    4. uchi, "casa", substituda pelo nome de respeito otaku.

    Feitas as substituies, teremos watakushi-wa sensei-no otaku-e mairu, completando-se a mensagem onde foram tributadas todas as for-mas de tratamento determinadas pela relao [eu < professor], segundo a concepo que dela tem o locutor. mensagem ou dictum, o locutor

    1. Para melhor compreenso dos exemplos a serem dados, apresento, de modo sucinto, algumas das caractersticas da lngua japonesa. Os nomes no tm gnero nem nmero; o nmero pode ser ex-presso pela posposio de sufixos de pluralidade ou pela repetio do termo, mas, normalmente, a singularidade ou a pluralidade so extradas do contexto. Os verbos (dt!shi) pertencem, junto com os keiyiJshi, ~L categoria do yi)gen: comumente traduzido por "adjetivo", o keiyshi difere dos adjetivos de lnguas europias porque no s indica mas tambm afirma a qualidade ou o estado (exemplo: hana-wa utsukushii, "a flor bela"'), onde utsukushii lkeiyt!shil significa " bela" e no somente "bela"); o keiyr!shi tem fora de predicao como o verbo, razo pela qual denomino-o "predicativo de qua1idade'', ambos pertencentes categoria do ygen, "predicativo". Esses predicativos no tm nmero, pessoa, modo ou tempo~ so flexveis, mas sua flexo se d na cadeia sintagmtica, em funo do termo que se lhe segue: o nmero e a pessoa so definidos pelo sujeito da orao ou pelo contexto; o tempo e o modo so expressos por adjuntos adverbiais ou por partculas denominadas Jod/'J.\hi (verbos auxiliares para uns, sufixos verbais para outros, so partculas flexveis que se jun-tam a predicativos e nomes para expressar tempo, modo, voz, aspecto e tratamento; exemplo: kakanai, "no escrevo", kakaseru, "jl1o escrever'', kakudar, "deve escrever" etc.; so partculas que formulam a interpretao do locutor com relao a uma dada realidade, razo pela qual denomi-no-as "partculas formulativas").

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    acrescenta a expresso de polidez masu, que traduz apenas a polidez ou civilidade em dirigir cortesmente seu discurso ao interlocutor-destinat-rio. O termo de polidez no implica, em si, nenhuma relao de foras entre as pessoas do discurso. No presente exemplo, houve coincidncia entre o professor-destinatrio e o professor-actante do enunciado. Se ao nvel de enunciado, o locutor atribui ao professor um tratamento em que foi marcada sua superioridade hierrquica, com as consideraes que exigia seu status e distinguindo o uso das formas de modstia para si e de respeito para o professor, no se justifica que deixe de usar a polidez ao dirigir-lhe o discurso.

    Mas, se invertermos os papis para professor-locutor e aluno-inter-locutor, nada impede que o professor elabore sua mensagem sem a poli-dez. Dada a relao [eu-professor > tu-aluno], no h necessidade de o locutor usar expresses de modstia para si e seu ato, nem as de respei-to para o interlocutor e sua casa. Basta a frase sem tratamento watashi-wa anata-no uchi-e iku. Ao locutor facultado o uso ou no da expres-so de polidez masu, conforme queira ou no dirigir seu discurso de maneira polida ao interlocutor. Nada o obriga a usar masu, a no ser sua inteno de enderear as palavras com cortesia ao outro.

    A rigor, h apenas duas categorias de tratamento na lngua japone-sa: o respeito explicitado no enunciado e para o enunciado, e a polidez, expressa no enunciado e dirigida enunciao. As expresses, denomi-nadas de respeito e de modstia, nada mais so do que formas diferen-tes de o locutor expressar uma mesma deferncia por algum que ele considera superior a si ou a uma outra pessoa em um dado contexto. Para tanto, ou ele "eleva" o actante superior atravs das expresses de respeito a ele atribudas, ou "rebaixa" os inferiores (incluso o prprio locutor) atravs das expresses de modstia. Assim, se o locutor julgar fulano superior a ele prprio ou a beltrano, as expresses de respeito atribudas a fulano (sua pessoa, sua ao etc.) elevam-no, configurando a relao [fulano > beltrano e/ou locutor] e as expresses de modstia atribudas a beltrano ou a si prprio rebaixam-nos ou "abatem-nos", conforme a expresso utilizada por Rodriguez (como veremos adiante), tambm configurando a relao [beltrano e/ou locutor < fulano]. Em ambos os casos, mantida a superioridade hierrquica de fulano frente a beltrano ou o locutor, de modo que elevar o superior, diminuir o in-ferior ou a si prprio resultam numa nica atitude: tratar o superior com reverncia. Por conseguinte, so duas as formas de tratamento da lngua japonesa:

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    20 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    1. Tratamento do enunciado, que estabelece e determina a distncia que o locutor assim conclui existir entre as pessoas do enunciado, de-pois de ponderar os fatores extralingsticos relevantes que as definem num contexto de situao, elevando os superiores ou rebaixando os infe-riores.

    2. Tratamento da enunciao, que traduz a ateno do destinador do discurso em se enderear polidamente ao destinatrio, independente-mente da relao de foras existente entre eles.

    Permitindo-me uma comparao grosseira, diria que o tratamento do enunciado seria a boneca que quero dar a minha filha e o tratamento da enunciao, o papel e a fita que envolvem a boneca. O que quero fa-zer chegar a minha filha a boneca (mensagem) porque hoje seu ani-versrio e ela uma criana do sexo feminino (variveis determinantes que exporei a seguir) e quero homenage-la e dar-lhe alegria (considera-o). O papel e a fita apenas envolvem a boneca para tornar mais signi-ficativo o ato (polidez), mas poderia dispens-los sem que modificasse minha inteno de presentear a menina; trazer a boneca a tiracolo ou acondicionada numa caixa talvez tire o prazer da surpresa e deixe a cri-ana meio desapontada, mas nem por isso deixa de ser presente de ani-versrio.

    Essas so as formas bsicas de tratamento japons que, em sua atualizao no discurso, no se do de forma absoluta. No porque uma pessoa hierarquicamente superior que ela deva sempre ser referi-da por expresses de respeito, nem que eu deva sempre a mim me refe-rir atravs das expresses de modstia. A atualizao do tratamento de-pende de vrias condies contextuais, de ordem social e/ou psicolgica, que so, na maioria das vezes, co-intervenientes, mas, s vezes, conflitantes.

    FATORES CONTEXTUAIS

    A maneira de falar varia conforme o ouvinte: com uma criana usamos uma linguagem que lhe seja acessvel, diferente da que usamos com um adulto; com familiares falamos de forma mais descontrada e informal do que com estranhos; com aquele a que devemos favores, de uma forma mais cerimoniosa do que com aquele de quem cobramos fa-vores; ainda que a pessoa seja a mesma, nossa atitude pode diferir de

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 21

    acordo com a situao - ontem era um colega de escola, hoje um con-corrente nos negcios etc. O prprio ato de fala depende de uma srie de fatores definidos pelo contexto.

    Na medida em que as expresses de tratamento marcam as rela-es interindividuais no discurso, definindo a posio ou o status das pessoas em um contexto atual, essas formas lingsticas se ligam a fato-res extralingsticos que identificam os sujeitos e personagens do discur-so. De um lado, h os fatores que definem socialmente o indivduo e que marcam a(s) pessoa(s) com o papel que ir(o) desempenhar numa relao tratamental - so os marcadores sociais do indivduo. De outro, h os que so mais afetos ao contexto de situao, fazendo com que a prpria situao defina as normas tratamentais - so os fatores contextu-ais do tratamento. Os fatores so particulares a cada contexto criado e, nesse sentido, todos so contextuais, mas uns so mais gerais e objeti-vos, isto , mais dependentes de normas e convenes ditadas pela prti-ca social; outros so mais circunstanciais e contingentes, mais particula-res situao criada.

    Dentre os marcadores sociais do indivduo, so mais relevantes no uso do tratamento japons:

    1. Sexo. De um modo geral, h um linguajar mais rude e "masculino" para os homens e outro mais polido e "feminino" para as mulheres. As ex-presses de respeito, de modstia e de polidez so, via de regra, iguais para homens e mulheres, mas h um determinado nmero de formas reser-vadas aos homens, que podem ter conotaes de intimidade. So alguns pronomes pessoais (ore, hoku, para a l~ pessoa; kimi, omae, kisama, para a

    2~; anoyar, anoyatsu, para a 3~), verbos auxiliares (yagaru, kusaru), sufi-xo (me). Assim, anoyatsume shushokushiyagatta, "ele conseguiu um em-prego" (com o emprego de anoyatsu, pronome de 3~ pessoa citado acresci-do do sufixo de depreciao me, mais o verbo auxiliar depreciativo yagaru acrescido a shushokusuru, "conseguir um emprego"), dito numa roda de recm-formados, por exemplo, pode conotar felicitaes ou at "inveja", por um colega que tenha conseguido se empregar antes; dito por uma mu-lher, somente soaria grosseiro e fora de propsito. Vale dizer que a lingua-gem normal da mulher a padro e, no caso, para se ter a mesma conota-o, uma mulher diria kare-wa shushokushitanoyo, com kare, "ele'', e shushokushita, "se empregou", na forma zero de tratamento, acrescidos de no e yo, partculas de uso feminino em finais de orao.

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    2. Status. Como j foi visto, diferenas hierrquicas estabeleci-das conforme a posio que ocupam as pessoas num determinado uni-verso comum governam o uso do tratamento. Assim professor > aluno, chefe > subalterno, patro > empregado, pais > filhos etc., levando aqueles que so inferiores na escala social a usar expresses de mods-tia para si e as de respeito ao outro.

    3. Idade. Os mais jovens so considerados inferiores s pessoas mais idosas, e um fator hierrquico que vem muitas vezes ligado ao precedente porque, via de regra, quem ocupa um status superior tam-bm mais idoso. No entanto, o fator idade pode ocorrer isoladamente como, por exemplo, numa relao entre dois desconhecidos, um de 20 anos e outro de 50, que se cruzam na rua para pedir informaes. Inde-pendentemente de quem pede e de quem d a informao (fator que ve-remos a seguir), norma o mais jovem se dirigir mais respeitosamente ao mais velho.

    4. Anterioridade no tempo. Fator fortemente ligado ao precedente, por anterioridade no tempo refiro-me permanncia maior de um indi-vduo em um determinado universo, fazendo com que as pessoas mais antigas no mesmo espao sejam mais consideradas do que as que chega-ram mais recentemente. Assim, um funcionrio empregado neste ano inferior a outro empregado na mesma empresa h dois ou trs anos; numa escola, um segundanista superior a um primeiranista, um tercei-ranista a um segundanista, um formado em 1980 a outro formado em 1990 e assim por diante. No caso da escola, em particular, esse universo costuma ser transportado para fora dela e comum os estudantes se tra-tarem por senpai, "veterano'', e khai, "novato'', mesmo depois de for-mados e passados muitos anos e cada qual levando sua vida, ainda que o khai exera uma profisso ou ocupao considerada superior em ter-mos socioculturais.

    5. Exterioridade/interioridade. A modstia de l~ pessoa, a que me referi anteriormente, pauta-se na oposio entre o universo pessoal do eu (interior) e o universo pessoal do outro (exterior), muito presente na sociedade japonesa, que leva o primeiro a ser humildemente tratado em relao ao segundo. Por universo pessoal entende-se no s a pessoa em si, mas tudo o que a ela diga respeito: desde seus pertences materiais (bens mveis e imveis) e imateriais (sentimentos, convices etc.) at pessoas (parentes, colegas, amigos etc.). Fazem parte de meu universo pessoal minha famlia, meu trabalho, meus pensamentos, enfim, meu

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 23

    mundo, bem como as pessoas que nele vivem e dele participam. Apesar de tratar com a devida considerao amigos e familiares quando me co-loco diante deles, devo trat-los (sua pessoa, suas aes, seus pertences) com modstia perante terceiros2

    Para melhor exemplificar, levantemos a hiptese de eu-subalterno comunicar que o chefe-Tanaka saiu. Se o interlocutor um funcionrio da mesma empresa e, portanto, do mesmo universo, prevalecem os fato-res status e/ou idade, anterioridade no tempo, configurando-se a relao [eu < Tanaka-chefe]. Como Tanaka o sujeito da ao, diria Tanaka-kach (Tanakasan)-wa dekakeraremashita, empregando as expresses de respeito kach, "chefe'', e san apostas a seu nome, e dekakeraremashita, "saiu", com a partcula formulativa de respeito reru (flexionada em re). Quando, porm, se trata de um interlocutor de fora, isto , que no per-tence aos quadros da empresa, devo-lhe respeito e, perante ele, devo tra-tar Tanaka com modstia, apesar de este me ser superior no universo in-terno. Teremos, ento, Tanaka-wa dekaketeorimasu, com a supresso dos sufixos de tratamento kach e san, mais o verbo auxiliar de modstia oru aposto a dekakeru, "sair". Como j foi dito, usar o nome prprio tout court , em princpio, sinal de descortesia e, portanto, no deveria referir-me ao chefe apenas pelo nome, mas, neste caso, -me permitido faz-lo em sinal de modstia ou humildade diante do interlocutor que faz parte do universo externo. Numa comparao aproximada do portu-gus, teramos "O chefe (senhor) Tanaka saiu", com respeito, ao colega, e "Tanaka saiu", com modstia, a terceiros. A oposio exterioridade/ interioridade, portanto, diz respeito no s a coisas de meu universo pessoal, mas tambm a pessoas que integram esse universo e tudo o que a elas se refere, opondo-se ao equivalente do universo pessoal do outro.

    H ainda um fator relativo a pessoas do discurso - a intimidade -, mas, ao contrrio dos anteriores, a intimidade no s no identifica soci-almente os indivduos, como tambm acaba invalidando os fatores que governam a hierarquizao individual. Devido intimidade, desaparece a distncia criada pelas barreiras de sexo, idade, antiguidade ou exterioridade, aproximando as pessoas e dispensando-se o tratamento.

    2. A este respeito, vale conferir o que diz Chie Nakane em seu Japanese Society: "It is common for an individual to bclong to a certain informal group, which is oftcn a faction within a large group of primary and most intimate concern in his social life. The bases for the formation of such a group may be found in congenial friendship, long an

  • 24 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    Constitui um fator intermedirio entre os marcadores sociais do indiv-duo, acima citados, e os fatores que, sendo de ordem mais contextual e psicolgica, vlidos para uma situao particular, no chegam a definir socialmente as pessoas do discurso, mas influem no uso do tratamento japons. Esses fatores relativos ao contexto de situao so:

    1. Benefcios. Uma situao de prestao de benefcios, obsquios ou favores acarreta uma dvida real ou moral ao beneficiado, colocando- numa posio de inferioridade apenas contextual, que o faz atenuar a fala, a atitude. Isso pode ocorrer com pessoas cuja identidade social seja beneficirio > beneficiado, beneficiado > beneficirio ou sem liames de ordem hierrquica entre eles. No primeiro caso, inferioridade social do beneficiado acrescenta-se a inferioridade circunstancial, fazendo com que este aumente o grau do tratamento empregado, isto , modstia maior para si e respeito maior ao beneficirio. Assim, seja dada a situa-o em que um empregado pede adiantamento de salrio ao patro. A lngua japonesa dispe das seguintes formas lingsticas para a formula-o do pedido.

    a) Com verbos simples: a.1. maebarai-o shiro, "d-me um adiantamento", (forma im-

    perativa); a.2. maebarai-o tanomu, "peo-lhe um adiantamento", e a res-

    pectiva forma policia maebarai-o tanomimasu.

    b) Com verbos auxilares de benefcio (a serem tratados adiante), apresentados numa seqncia crescente ele carga de tratamento:

    b. 1. maebarai-o shitekure, "pague-me adiantado", e suas formas negativa maebarai-o shitekurenaika e negativa policia maebarai-o shi-tekuremasenka;

    b.2. maebarai-o shitemoraeruka, "pode me dar um adiantamen-to?", e suas formas negativa maebarai-o shitemoraenaika, polida mae-barai-o shitemoraemasuka e negativa polida maebarai-o shitemorae-masenka;

    b.3. maebarai-o shitekudasai (forma de modstia ele b.l) e suas formas policia maebarai-o shitekudasaimase e negativa polida maebarai-o shitekudasaimasenka;

    b.4. maebarai-o shiteitadakeruka (forma ele modstia de b.2) e suas formas negativa maebarai-o shiteitadakenaika, policia maebarai-o shiteitadakemasuka e negativa policia maebarai-o shiteitadakemasenka.

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 25

    e) Com verbos de modstia: c.1. maebarai-o onegaisuru, "peo-lhe um adiantamento", e sua

    forma polida maebarai-o onegaishimasu; c.2. maebarai-o onegai'itasu (mais respeitoso do que e. 1, com

    o verbo auxiliar de modstia itasu) e sua forma polida maebarai-o onegai 'itashimasu.

    Dado que a situao implica inferioridade do empregado, no s por va-lores socioculturais convencionados pelo meio, mas tambm pelas con-dies contextuais, o empregado deve formular seu pedido de adianta-mento de salrio com modstia. Nessa medida, a situao no comporta a forma imperativa (a. l) e as que se apresentam sem a polidez ( ... tano-mu em a.2; ... shitekure e shitekurenaika em b.1; ... shitemoraeruka e ... shitemoraenaika em b.2; ... shiteitadakeruka e ... shiteitadakenaika em b.4; ... onegaisuru em c.1, ... onegai'itasu em c.2), uma vez que no se concebe que se formule o pedido com modstia sem enunci-lo polida-mente quele de quem se recebe um benefcio ou favor. Resta ao empre-gado a opo por uma das formas polidas, com ou sem negativo, que fica por conta da avaliao que ele faz do contexto criado e da correla-o de foras ou de interesse em jogo: quanto maior o benefcio ou a distncia, maior o tratamento, sendo que as formas negativas apresentam uma carga maior de tratamento (cf. Kokuritsu Kokugo KenkyGjo, 1980, pp. 38 e 47).

    Se, no entanto, o beneficiado o patro, e beneficirio o empregado (beneficiado-patro > beneficirio-empregado do ponto de vista social, mas beneficiado < beneficirio, do ponto de vista contextual) e supondo-se que o patro pea um cigarro porque seu mao acabou, o contexto atual provoca a inverso [patro< empregado]. O patro est no papel de "pe-dinte", e o empregado, no de "dador", isto , h uma inferioridade contex-tual do patro por estar pedindo um favor que compete ao empregado atender ou no; com a fora da expresso, o patro se encontra indefeso espera de que o outro se digne a satisfazer-lhe um pedido. Naturalmente, essa inverso apenas contingente, pois a relao social patro (beneficia-do) > empregado (beneficirio) se mantm tcita, a ela retornando to logo se desfaa a presente situao. Nesse caso, podem ocorrer duas hipteses: predomnio da relao social ou predomnio da relao contextual, que se dar conforme a interpretao subjetiva que der o locutor-patro situa-o. Prevalecendo, em sua opinio, a relao social, mantm-se a superio-ridade [patro > empregado], dizendo tabako-o kure, "d-me um cigarro" (relativo a b. 1), mas se ele releva o contexto, usar as formas com trata-

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    26 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    mento, podendo, entretanto, dispensar o uso da polidez, pois, sendo social-mente superior ao empregado, nada o leva a us-la, a no ser a opo em dirigir o discurso cuidadosamente ao interlocutor.

    Quando se tratar de pessoas que no tm outra relao seno a do contexto, a concesso de benefcios ou servios define o confronto ben-feitor > beneficiado e o respectivo tratamento. Assim quando um se-nhor de 50 anos pergunta a um jovem de 20 por um endereo: no im-porta se quem pede a informao mais velho, se mais conceituado socialmente ou no, pois o contexto relativiza os indivduos.

    2. Formalidade. A formalidade de determinadas situaes (confe-rncias, comunicados, discursos em pblico) implica o uso de maiores tratamentos do que em conversas informais do dia-a-dia, em bate-papos. Nesses casos, estabelece-se um distanciamento indivduo/pblico, inexis-tente num dilogo informal onde a distncia indivduo/indivduo se su-bordina identidade social de cada um. O pblico no s se coloca no plano exterior ao do locutor (eu versus pblico), como tambm aquele a quem se deve respeito pelo "favor" de estar presente para ouvi-lo.

    3. Objeto mediador. Uma comunicao pode se efetuar atravs de objetos materiais mediadores como telefone, fita magntica, carta etc., que estabelecem uma distncia fsica entre os interlocutores, traduzida pelas expresses de tratamento. Exceto os casos de intimidade, esses ob-jetos fazem com que as pessoas cuidem mais do tratamento do que quando se vem frente a frente, usando, alm das formas de tratamento j citadas, termos mais solenes e formais resultantes da composio de dois ou mais ideogramas (kango), em substituio a sinnimos mais sua-ves e leves, de origem japonesa (wago) 3 .

    3. Quando a escrita ideogrfica chinesa entrou no Japflo nos primeiros sculos de nossa era, os japone-ses assimilaram no s a figura grfica com o respectivo conceito, como tambm a pronncia dos ideogramas adaptada fontica japonesa. Assim, o japons l o ideograma para "co" de dois modos diferentes: ken, em sua adaptao fontica do chins, e i11u, em sua adequao ao equivalente semn-tico do japons, dando origem a um lxico formado por wago, "vocbulos de origem japonesa", e por kango, "vocbulos de origem chinesa". Os primeiros textos produzidos no Japo eram em puro chi-ns (kanhun), salvo poemas e algumas locues japonesas de difcil traduo para o chins, em que os ideogramas eram usados como fonograma.'\, mesmo antes da criao dos fonogramas japoneses propriamente ditos (kana) em fins do sculo VIII ao incio do IX. Os textos chineses, inclusive os produzidos no Japo, passaram a ser traduzidos pelos letrados da poca em um estilo prprio, dife-rente do japons coloquial, o chamado kanhunkundoku, literalmente, "leitura de textos chineses em japons". Kanhunkundoku foi o estilo mais duro e severo, usado pelos homens em documentos ofici-ais e cm textos de direito, filosofia, histria, religio, ao lado do mais leve e suave wahun, "estilo ja-pons", us,1do em poemas e romances de fico produzidos, principalmente, pelas damas da corte. No mesmo sentido, kan;.:o tem ressonfrncias mais solenes, mais formais, mais severos; portanto, com maior grau de tratamento do que wa;.:o, mais suave, informal e leve.

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    Com base nesses fatores que dificilmente ocorrem em isolado, o locutor determina os papis a serem desempenhados pelas pessoas do enunciado fixando, em princpio, o actante que seja hierarquicamente superior (a ele, locutor, ou a outro[s] actante[s] do discurso) e distribui as expresses de respeito (ao actante superior) e as de modstia (a si ou a outro actante inferior quele), marcando suas relaes interindividuais no enunciado.

    A atualizao das expresses de tratamento do enunciado (respeito e modstia), porm, no se d de modo absoluto e constante: no por-que uma pessoa hierarquicamente superior que ela deva ser sempre re-ferida por expresses de respeito, nem que a inferior o deva ser por ex-presses de modstia. Existem normas de atribuio do tratamento em cuja base se encontram dois princpios bsicos: a prevalncia das condi-es contextuais e a relao vetora do tratamento no eixo eu-tu.

    Freqentemente, um mesmo contexto de situao comporta dife-rentes fatores socioculturais do tratamento que se imbricam um no ou-tro, mesmo porque so muitas vezes conexos. Assim, uma pessoa de status mais elevado , via de regra, mais idosa e mais antiga dentro de um grupo homogneo; falar em pblico falar de maneira mais esmera-da a pessoas de um universo exterior. Quando os fatores so concorren-tes, pode haver o predomnio de um ou de outro para se avaliar a tenso interindividual do contexto sem, contudo, modificar o carter da relao situacional. No se alteram as relaes interindividuais do contexto, ape-nas o grau do tratamento empregado: quanto maior o nmero de fatores concorrentes, maior a distncia e, conseqentemente, maior o grau do tratamento.

    No entanto, fatores antagnicos e conflitantes podem ocorrer con-comitantemente, como, por exemplo, quando o chefe mais jovem e ad-mitido depois de seu subalterno. Qual fator levar em considerao? Em-bora a deciso fique, em ltima instncia, a cargo do dono do discurso, a quem cabe a anlise e avaliao subjetiva do contexto para atribuir o tratamento que julgar apropriado, h uma norma tcita e geral de rele-vncia das variveis: dirige-se respeitosamente a um pblico mesmo que seja de jovens, de subalternos; pede-se um favor cortesmente mesmo a um empregado, a um jovem, a um inferior. Dentre os fatores sociais, se-guem-se, em ordem decrescente, a exterioridade, o status, a anteriorida-de no tempo e a idade. Assim, numa empresa, por exemplo, trata-se um cliente, antes de mais nada, com respeito; internamente, os chefes so tratados com reverncia; se os interlocutores ocupam cargos equivalen-

  • 28 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    tes e pertencem mesma escala hierrquica, o mais antigo superior; se foram admitidos na mesma poca, o mais velho tratado com mais res-peito.

    Por outro lado, na medida em que eu e tu so as pessoas mais atu-ais do discurso, todas as relaes interindividuais do enunciado se defi-nem em funo do eixo locutor/interlocutor. Disso resulta que, em pri-meiro lugar, o locutor se refira a uma mesma pessoa com maior carga de tratamento quando esta pessoa o interlocutor e actante do enuncia-do mais do que quando ela um simples actante em discursos com ou-tros interlocutores. O interlocutor a pessoa presente e o outro, sujeito do ato da enunciao, de modo que esse contato direto e atual faz com que a relao seja mais ponderada, mais cuidada e mais bem considera-da. Em segundo lugar, em funo ainda da fora da relao eu/tu, o lo-cutor s atribuir expresses de respeito a um actante desde que, com isso, no fira: 1) a relao entre ele prprio e o interlocutor, e 2) a rela-o entre esse actante e o interlocutor, quer este atue ou no no enuncia-do. Para tanto, entram em jogo todos os fatores extralingsticos numa cadeia complexa e intrincada que o locutor ter que computar no ato da enunciao para atribuir os tratamentos, levando em conta o contexto em que se coloca seu discurso.

    A ttulo de exemplo, apresento a seguir alguns contextos virtuais em que se opera o mecanismo do tratamento, ressaltando que as condi-es contextuais, principalmente de ordem psicolgica, podem provocar mudanas (ver p. 30).

    J. Locutor = aluno, interlocutor = aluno, actante = professor, onde temos a relao [aluno A/locutor = aluno Biinterlocutor < professor/ actante]: sendo o professor hierarquicamente superior aos interlocutores, o locutor (aluno A) atribui, em tese, expresses de respeito ao professor, considerando-se assim a relao [locutor = interlocutor], bem como [in-terlocutores < actante]. Exemplo: sensei-ga korare( mashi)ta, "o profes-sor chegou", onde: sensei, "professor"; ga, partcula casual nominativa; ko, "vir" (kuru flexionado); rare, partcula formulativa de respeito; (mashi, partcula formulativa de polidez)4 , ta, partcula formulativa de ao conclusa. No entanto, esse uso tratamental varia conforme:

    4. A polidez, no caso, opcional, uma vez que o locutor usa o respeito para uma outra pessoa que no o destinatrio do discurso; seria necessria se o destinatrio coincidisse com o actante a quem se trata com respeito, pois no se justifica que o trate uma vez com respeito no enunciado e, depois, dirija-lhe o discurso rudemente, sem a polidez.

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 29

    a) o grau de intimidade entre os interlocutores: o modelo acima vinga entre alunos que no tm muita intimidade entre si, mas, em caso contrrio, o uso do respeito ao professor pode desequilibrar a relao de intimidade locutor/interlocutor, tornando-a distante; em ateno a essa relao, dispensa-se o uso do respeito ao professor sem que, com isso, se configure o desrespeito ou o desagravo ao professor actante (exem-plo: sensei-ga kita, "o professor veio", sem o emprego da partcula for-mulativa de respeito rare);

    b) uma pequena distncia entre os interlocutores e o professor: se este um simples professor, que no objeto de profunda admirao dos interlocutores, tambm ao locutor facultada a dispensa das expres-ses de tratamento para se referir a ele; entretanto, se este professor as-sume o posto de interlocutor do mesmo aluno A, o simples fato de se encontrarem um na presena do outro faz com que o aluno/locutor mude o registro e passe a tratar o professor com expresses de respeito (sensei-ga kita, j citado, versus sensei-mo ikaremasuka, "o senhor tam-bm vai?", onde temos a partcula formulativa de respeito re aposto ao verbo iku, "ir", ao praticada pelo professor).

    2. Locutor = filho, interlocutor/actante = pai, onde [locutor < inter-locutor]: em tese, o filho se refere ao pai com respeito e a si, com mo-dstia. Exemplo: otsan-mo ikaremasuka, "papai tambm vai?", onde: otsan, "papai", com o prefixo o e o sufixo sande tratamento; mo, "tam-bm"; ika, "ir" (iku flexionado); re, partcula formulativa de respeito; masu, partcula formulativa de polidez (no caso, necessria porque inter-locutor e actante coincidem): ka, partcula de interrogao ou dvida.

    Aqui, tambm, se a relao pai/filho se reveste de maior informali-dade, intimidade ou descontrao, a frase adquire um carter solene de-mais, sendo substituda por otsan-mo ikimasuka, sem o re de respeito, mas ainda mantendo o masu de polidez, ou, ainda mais familiarmente, por otsan!papa-mo5 ikuno, sem o masu de polidez e o uso da partcula no, usada em final de orao da linguagem falada.

    3. A mesma relao [filho < pai] levantada no exemplo (2), embo-ra se mantenha a mesma, numa situao em que se configura locutor = filho, interlocutor = professor, actante = pai, onde [locutor < actante <

    5. Embora otsan comporte afixos de tratamento, tornou-se uma expresso familiar to cristalizada na 1ngua japonesa que perdeu, com o uso, a conotao tratamental.

  • 30 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    interlocutor], independentemente de uma relao socialmente marcada entre o pai e o professor (por exemplo, o pai ter sido veterano de escola do professor), nesta relao de discurso, o pai passa ao universo pessoal do filho (interior), em oposio ao universo do professor (exterior), que, por isso, deve ser tratado com respeito. Exemplo: chichi-ga(-no hkara)6 denwaitashimasu, "meu pai (lhe) telefonar", onde: chichi, "meu pai", de modstia, usado para se referir ao pai diante de terceiros (em oposi-o ao otsan j citado, de uso interno na famlia); ga, partcula casual nominativa; denwaitashi, "telefonar", com o verbo auxiliar de modstia itasu flexionado; masu, partcula formulativa de polidez.

    Como foi assinalado, esses no passam de alguns exemplos virtuais de uso do tratamento, pois o contexto dita a ltima palavra para distribuir as personagens no discurso e o locutor detm, em ltima instncia, todos os poderes para atribuir-lhes os papis. Nesse sentido, no poderia deixar de citar os estados psicolgicos como a ira, o desprezo, o deboche, a in-veja, entre tantos outros similares que podem inverter toda a ordem esta-belecida. So estados subjetivos, e bastante subjetivos, que fazem o locu-tor ignorar qualquer prxis social para expressar sua subjetividade, direito precpuo que ele tem enquanto dono do discurso. Assim, por exemplo, embora a relao seja [locutor/aluno < actante/professor], se o aluno foi reprovado numa prova, perfeitamente aceitvel sua frase anoyar otoshiyagatte, "aquele cara/desgraado me reprovou", onde: anoyar, pro-nome de 3~ pessoa depreciativo; otoshiyagatte, "reprovar", com o verbo auxiliar de desprezo yagaru flexionado.

    Em condies normais, o mximo a que o locutor poderia chegar no usar nenhuma expresso de tratamento, mas, neste caso, ele ultra-passa o limite referindo-se ao professor por um pronome depreciativo e, sua ao, com um auxiliar de desprezo.

    A linguagem de tratamento um expediente a servio da subjetivi-dade do locutor. ele quem equaciona as tenses interindividuais do discurso, quem distribui os papis com cuidado para no melindrar o outro sujeito do discurso (o interlocutor), mas tambm quem esquece os valores mais ou menos estabelecidos pela prtica social para dar va-zo a seu mais ntimo e presente sentimento. No h, pois, regras defini-das e absolutas para o uso de qual ou tal tratamento, apenas princpios que norteiam seu manuseio, a fim de que se obtenha uma comunicao

    6. Uma expresso eufemstica muito comum na lngua japonesa em geral e, no tratamento, cm particu-lar, corresponde aproximadamente ao portugus "por parte de".

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 31

    lingstica e, sobretudo, psicologicamente equilibrada, em nome de um bom intercurso social.

    FORMAS LINGSTICAS

    O tratamento expresso atravs de palavras dirigidas pelo locutor a pessoa(s) inserida(s) em seu discurso. O objeto do tratamento sempre uma pessoa socialmente identificada no e pelo discurso, mas pode ser atribudo no s a sua prpria pessoa como a tudo o que a ela diz respei-to: ao por ela praticada, qualidade ou estado a ela inerentes, objetos a ela pertencentes e pessoas a ela relacionadas. O tratamento, portanto, pode se manifestar em vrias categorias gramaticais: substantivos, prono-mes, predicativos (ygen, ver p. 18, nota 1 ), alguns raros advrbios, alm de prefixos, sufixos e partculas formulativas Uodshi, ver nota 1 ).

    Apresento a seguir as principais formas lingsticas veiculadoras do tratamento da lngua japonesa, destacando quais classes lexicais ex-pressam que tipo de tratamento e, quando necessrio, de que forma.

    Tratamentos Atribudos s Pessoas do Enunciado

    Ao actante em 1 ~ pessoa s atribuvel a modstia, em oposio ao respeito atribudo s 2~ e 3~ pessoas, ressalvadas as 3'!:! pessoas per-tencentes ao universo pessoal do locutor, a quem este se refere, em nrin-cpio, com modstia. Tais tratamentos se realizam atravs de:

    1. Modstia. A fim de estabelecer a distncia em relao a um des-tinatrio superior, o locutor se diminui no enunciado por meio dos pro-nomes de modstia watakushi ou temae, sendo o primeiro usado por pessoas de ambos os sexos, na fala e na escrita, e o segundo, mais for-mal, apenas pelos homens na linguagem escrita. Shsei, originariamente um substantivo formado pelo prefixo de modstia sh (ver p. 42) para significar "novato", atualmente usado como pronome de l~ pessoa em textos de muita formalidade.

    2. Respeito. O locutor eleva diretamente os actantes considerados superiores por meio de:

    a) Pronomes pessoais - com o desaparecimento do auto-respeito que era reservado a pessoas de poder absoluto (imperador, alta nobreza), hoje s h pronomes de respeito para as 2~ e 3~ pessoas:

  • 32 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    otaku, para a 2~ pessoa; kika, kiden, compostos pelo prefixo de respeito ki, mais formais e pr-

    prios da linguagem escrita para a 2~ pessoa; konokata, sonokata, anokata, relacionados ao diticos kono, "este",

    sono, "esse", e ano, "aquele", referentes 3~ pessoa.

    b) Prefixos nominais - apostos a nomes referentes a pessoas que pertencem ao universo ou ao domnio de outrem, como, por exemplo:

    rei - reikei, "(vosso/seu) irmo mais velho", reij, "(vossa/sua) filha";

    son - sonpu, "(vosso/seu) pai", sonho, "(vossa/sua) me" etc.

    O desgaste desses prefixos pelo uso acarretou o acrscimo do pre-fixo go, dando origem s formas mais respeitosas, goreikei, goreij, gosonpu etc., quase restritas escrita.

    e) Sufixos - pospostos a nomes prprios, mais comumente a so-brenomes:

    san - usado para adultos de ambos os sexos (2~ e 3~ pessoas), corres-ponde aproximadamente ao "senhor, senhora, senhorita" do portugus;

    shi, joshi - usados para adultos, respectivamente, do sexo masculino e feminino, em 3~ pessoa, so mais freqentes na linguagem escrita.

    d) Termos que indicam a profisso, ocupao ou cargo da pessoa referida - a forma mais usual de tratamento de respeito de 2~ e 3~ pes-soas, substituindo os pronomes pessoais. Assim, em vez de otaku-wa ikare(iki) masuka, "o senhor/voc/vai?", mais comum encontrarmos for-mas como sensei-wa ikaremasuka, "o professar/senhor/vai?", senpai-wa ikimasuka, "o veterano/voc/vai?" Da mesma forma, pergunta Tanaka buch-wa imasuka, "o senhor (chefe de seo) Tanaka est?", tem-se como resposta Buch-wa seki-o hazushiteorimasu, "ele/a chefe/ no se encontra na seo", em vez de kare-wa seki-o hazushi-teorimasu, "ele no se en-contra na seo", em vez de kare-wa seki-o hazushiteorimasu, "ele no se encontra na seo".

    Esses substantivos que se referem a cargos ou profisses podem ser apostos a nomes prprios, funcionando como os sufixos vistos no item anterior.

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 33

    Existem, ainda, determinadas formas que no expressam propria-mente o respeito por algum ou a modstia em relao a algum, mas que se relacionam com o tratamento. So elas:

    a) Sufixos apostos a nomes para se evitar a indelicadeza, e at a grosseria, de se dirigir s pessoas diretamente pelo nome ou, como se diz em japons nagesuteni, "displicentemente": kun - embora possa ser atualmente ouvido da boca de mulheres, princi-

    palmente no meio estudantil, originariamente um sufixo usado pelos homens para homens de posio hierrquica equivalente ou inferior. Um estudante, portanto, distingue um veterano de um calouro ou colega de turma chamando-os, respectivamente, por Tanaka-san e Tanaka-kun;

    chan - aposto a nomes de crianas de ambos os sexos, constitui uma forma carinhosa de se dirigir ou referir a elas.

    b) Pronomes de uso masculino - so os j citados ore, boku para a 1 ~ pessoa, kimi, omae, kisama para a 2~ pessoa, anohito, anoyar, anoyatsu para a 3~ pessoa (ver p. 21 ), que, ao contrrio das expresses de modstia ou de respeito que aumentam a distncia interindividual, re-baixando ou elevando as pessoas do enunciado, diminuem a distncia aproximando-as.

    Tratamentos Atribudos a Aes (Verbos) Inseridas no Enunciado

    A considerao do locutor pelas pessoas de seu discurso pode, como j vimos, ser expressa atravs das aes por ela praticadas. De-pendendo de quem as pratica, podem ser expresses de:

    1. Modstia. Quando a ao tem como sujeito o locutor, uma pes-soa de seu universo ou praticada por uma pessoa para algum que seja superior a ela, essa ao pode ser expressa por:

    a) Verbos de modstia como itasu, itadaku, mairu, msu, corres-pondentes, respectivamente, aos verbos sem tratamento suru, "fazer", taberu, "comer" ou morau, "receber", iku, "ir" ou kuru, "vir", iu, "dizer". Originariamente verbos de modstia so tambm utilizados como verbos auxiliares, acrescentando a noo de modstia ao contidr no verbo principal ou ao substantivo verbalizado com a coadjuvao de suru, "fa-zer" (exemplo: denwa, "telefone", denwasuru, "telefonar"). Assim, para "eu fui" do portugus, temos:

  • 34 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    1. watashi-ga iku, onde o verbo de tratamento zero iku (flexionado em it-) empregado em contextos que no exijam distines tratamentais;

    2. watakushi-ga mairimashita, com o verbo de modstia mairu no lugar de iku, para situaes em que o locutor (watakushi, "eu" de mo-dstia) pratica a ao de "ir a um lugar relacionado a uma pessoa supe-rior do enunciado" (por exemplo, casa do professor).

    No caso do verbo auxiliar de modstia, compare-se otto-ga denwashimasu, "meu irmo mais novo telefonar" (tratamento zero), a otto-ga denwaitashimasu, "meu irmo mais novo telefona: (ao senhor, senhora)". O verbo de modstia (itashi) empregado para se expressar o respeito a uma pessoa hierarquicamente superior, tratando com humil-dade a ao (telefonar) praticada pelo locutor ou por algum de seu uni-verso pessoal (irmo mais novo), ao essa que praticada para a pessoa enfocada no tratamento. Da mesma forma, constituem atos praticados com modstia: hashittemairu, "ir/vir correndo", otazunemsu, "visitar", katteitadaku, "(algum) comprar para mim" (cf. verbos de benefcio do item seguinte).

    b) Verbos auxiliares de benefcio - antes de tratar desses verbos, cabe uma referncia aos verbos de que se originaram. Na lngua japone-sa, h trs verbos que se referem a diferentes atos de "dar": kureru, "dar para mim'', yaru, "dar para algum'', e morau "receber de algum". Exemplo: haha-ga hon-o kureta, "mame me deu um livro"; haha-ga hon-o yatta, "mame deu um livro (para algum)"; haha-ga hon-o moratta, "mame ganhou um livro".

    Kureru e yaru se referem a um "dar" ativo, enquanto morau o "dar" passivo, o resultado desta ao. Esses verbos so usados como au-xiliares com a coadjuvao da partcula te, e temos: tekureru, teyaru e temorau. Quando se juntam a outros verbos, os dois primeiros signifi-cam "praticar uma ao" (ativo), enquanto o ltimo implica "receber uma ao praticada por algum" (passivo). Assim, em relao a haha-ga hon-o kau, "mame compra um livro'', temos: haha-ga hon-o kattekureru, "mame compra o livro para mim"; haha-ga (mago-ni) hon-o katteyaru, "mame compra o livro para (o

    neto); haha-ga hon-o kattemorau, "compram o livro para mame" (algum

    compra o livro e mame recebe os benefcios dessa ao).

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 35

    Nos trs exemplos dados, haha, "mame", sempre o sujeito da frase e vem acompanhado da partcula casual nominativa ga. Nos dois primeiros, haha, "mame'', sujeito da frase e sujeito da ao praticada "para mim" (tekureru) e praticada "para algum", o neto (teyaru); com temorau, haha apenas o sujeito da frase, mas no da ao que prati-cada por outrem, e ela recebe seus efeitos - o sujeito passivo da ao.

    So os chamados verbos auxiliares de benefcio que por implica-rem benefcios (algum praticar uma ao em benefcio de outro) tm matizes de tratamento. No so expresses de tratamento stricto sensu, pois no fazem transparecer o respeito ou a modstia, mas apenas evi-denciam a relao contextual [benfeitor > beneficiado] (ver pp. 24-26). Para serem expresses de tratamento propriamente ditas, faz-se necess-ria a substituio dos verbos de benefcio kureru, yaru e morau por suas respectivas formas de respeito ou de modstia, lembrando que:

    1. tekureru, "praticar para mim", no comporta a modstia porque implica a ao de uma terceira pessoa praticada para mim, cabendo a este receb-la com deferncia (eu/beneficiado < benfeitor). Assim, no exemplo citado, haha-ga hon-o kattekureru, "mame compra o livro para mim", haha, "mame'', quem compra (sujeito da ao e da frase) e "eu" quem recebe os benefcios da compra: "eu/locutor" pode elevar a ao que a me praticou para ele, nunca diminu-la;

    2. temorau, "receber ao praticada por algum", em contrapartida, dada a relao [beneficiado/sujeito do enunciado < benfeitor/sujeito da ao], no comporta o respeito, pois resultaria em deferncia por aquele que deve receber humildemente a ao praticada por outrem. Assim, em haha-ga hon-o kattemorau, "compram o livro para mame", o sujeito da frase haha, "mame", deve receber humildemente a ao efetuada por outrem em seu favor; tratar a "me" com reverncia nesse contexto con-traria a relao [beneficiado < benfeitor].

    O tratamento dos verbos auxiliares de benefcio usado quando h uma distncia sociocultural sobreposta diferena contextual [benfeitor > beneficiado] e, com relao humildade ou modstia, temos:

    1. teageru ou tesashiageru, relativos a teyaru - quando a distncia no muito acentuada entre [benfeitor > beneficiado], usa-se teageru, e quando maior, usa-se tesashiageru. Por exemplo: em contexto onde benfeitor = irmo mais novo e beneficiado = irmo

    mais velho: boku-ga oniichan-ni hon-o katteageru, "eu compro o livro para voc (mano)";

  • 36 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    em contexto onde benfeitor = aluno e beneficiado = professor: watashi-ga sensei-ni hon-o kattesashiageru, "eu compro o livro para o senhor/professor";

    2. teitadaku relativo a temorau - com forte carga de humildade, implica uma diferena hierrquica significativa entre benfeitor superior e beneficiado. Por exemplo: watashi-wa sensei-ni hon-o katteitadaku, "o professor compra o livro para mim", ou seja, o professor realiza a ao de compra e eu/locutor, como sujeito da frase, recebe seus efeitos.

    c) Coadjuvao de prefixo de ornamento e verbo a nomes [prefixo + nome + verbo] - antes de prosseguir a explanao deste item cabem al-gumas observaes sobre os prefixos de ornamento. Refiro-me aos prefi-xos o(n) e go7, que, originariamente, eram prefixos apostos a nomes para se referir com deferncia a coisas sagradas ou congneres (onkami, "sa-grado deus", gochtei, "venerando imprio"). Eram, portanto, prefixos de respeito para coisas sagradas que, posteriormente, passaram a ser usados para coisas do universo de uma pessoa superior, e, na lngua japonesa atual, so mais comumente utilizados para tornar elegante a expresso, como prova de civilidade ou boa educao do locutor (ver expresso de ornamento, a ser mais bem desenvolvido no captulo 2). Assim, por exemplo, quando uma dona de casa pergunta onedan (o preo) ikuradesu-ka, "quanto custa?", no h dados contextuais que levem a compradora/ locutora a usar a modstia ou o respeito (mesmo porque ela a freguesa que, em termos convencionais da sociedade japonesa, deve ser tratada com deferncia), ela apenas expressa sua educao ou boas maneiras pelo discurso.

    Uma outra observao que no caso aqui tratado:

    1. os prefixos e verbos so indissociveis, isto , so co-presenas necessrias para expressar a modstia;

    2. os nomes, ou so derivados de verbos (verbo substantivado) ou comportam idias, noes que implicam atos resultantes de uma ao (exemplo: compra = ato resultante da ao de comprar; aviso = resulta-do da ao de avisar).

    7. O(n) e R so leituras diferentes de um mesmo ideograma que comporta, ainda, a leitura mi. O uso deste ltimo como prefixo j no ocorre na lngua moderna; encontrado em termos que se cristali-zaram no lxico japons com o prefixo, cuja conscincia de tratamento se perdeu. Exemplo: mikado, "imperador", michi, .. estrada". O usado com Wllf.:O e f.:O, com kanf.:O.

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 37

    Feitas as observaes, cabe assinalar que [prefixo + nome + verbo] admite as seguintes realizaes para veicular a modstia.

    1. o+ wago + verbo sem tratamento (geralmente, suru, "fazer"); 2. o+ wago + verbo de modstia (itasu, msu etc.); 3. go + kango + verbo sem tratamento; 4. go + kango + verbo de modstia. (para wago e kango, ver p. 26, nota 3).

    Considerando que kango (vocbulo de origem chinesa) mais so-lene, mais formal, portanto, mais tratamental do que o wago (vocbulo de origem japonesa), a substituio deste por aquele j resulta em uma opo tratamental. Assim sendo, das quatro formas acima levantadas, apenas a (/) no comporta nenhuma expresso de modstia e constitui uma simples expresso de ornamento. o que ocorre, por exemplo, quando um guarda rodovirio percorre a fila de carros, anunciando ao megafone: Kono saki-ni hashi-ga ochitano-o oshiraseshimasu, "Comu-nico(-lhes) que uma ponte caiu ali adiante". O guarda se dirige a inter-locutores variados, socialmente difceis de serem identificados, de modo que ele impessoaliza os interlocutores tornando-os o pblico em geral, cuidando apenas para ser educado. No entanto, se um funcionrio de uma escola que diz me que foi buscar informaes sobre vagas: Denwa-de oshiraseshimasu, "Comunicarei pelo telefone", o discurso veicula, alm da boa educao do funcionrio, um pequena considerao pela cliente em potencial. So resqucios do prefixo de respeito origin-rio que ainda se mantm na lngua moderna em alguns contextos, mas com a tendncia cada vez mais acentuada ao uso apenas como expresso de ornamento. Cumpre notar que a incidncia desses casos se d, mais freqentemente, em contextos onde a relao entre os interlocutores relativamente mais despersonalizada, mais pblica, mais distante da sub-jetividade do locutor.

    Para se marcar mais concretamente a modstia, so usadas as de-mais formas em que temos o verbo de modstia no (2), o kango no (3) e ambos os itens lexicais no ( 4). O grau de tratamento equivalente em (2) e (3) porque, enquanto a primeira tem o verbo de modstia (itashi), a segunda tem o kango (renraku) de contrapeso ao wago daquela. Exemplo: denwa-de oshiraseitashimasu e denwa-de gorenrakushimasu, ambas para "comunicarei pelo telefone'', com uma acepo de modstia do locutor para seu ato de comunicar. A co-ocorrncia do kango (renra-

  • 38 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    ku) e do verbo de modstia (itasu) acrescenta maior modstia frase denwa-de gorenrakuitashimasu.

    2.2. Respeito. As expresses de respeito atribudas a aes cujo su-jeito um actante hierarquicamente superior podem se manifestar por meio de:

    a) Verbos de respeito como nasaru, "fazer", meshiagaru, "comer", irassharu, "estar, ir, vir", ossharu, "dizer" e outros. Exemplo: Sensei-mo s osshatteimashita, "O professor tambm disse a mesma

    coisa"; A '.san-wa shachshitsu-ni irasshaimasu, "O sr. A est na sala do diretor".

    Alguns desses verbos podem, como os de modstia, constituir ver-bos auxiliares de respeito. Exemplo: kaiteirassharu, "estar escrevendo", forma respeitosa para a ao de escrever (kaku, flexionado em kai), ora em curso, praticada por algum superior.

    b) Coadjuvao da partcula formulativa de respeito reru, rareru a verbos como, por exemplo, kakareru, forma e respeito para kaku, "es-crever"; kenkyusareru, para kenkyusuru, "pesquisar"; kimerareru, para kimeru, "decidir"; shinjirareru, para shinjiru, "acreditar" etc.

    e) Coadjuvao de prefixo de ornamento e verbo a nome - assim como a modstia pode ser expressa por [prefixo de ornamento + nome + verbo], o respeito tambm o dentro dos mesmos moldes, com as se-guintes ressalvas:

    1. o verbo de tratamento zero mais comumente usado naru, "pas-sar a", precedido da partcula casual ni, no lugar do verbo suru, mais comum na modstia. Exemplo: okakininaru, "escrever", gokenkyuni-naru, "pesquisar" etc.;

    2. na modstia, alm do verbo itasu apresentado nos exemplos, os verbos de modstia msu, "dizer", e mshiageru ("dizer" com maior grau de modstia) tambm podem ser empregados como auxiliares para apenas veicular a humildade com que a ao expressa pelo verbo princi-pal praticada, perdendo totalmente seu sentido original. Com relao ao respeito, no entanto, o nico verbo de tratamento utilizado nasaru, "fazer" (com respeito). Assim, se para "comunicar" com modstia so possveis as formas oshiraseitasu, gorenrakuitasu, j vistas, bem como oshirasemsu, gorenrakumsu, oshirasemshiageru e gorenrakumshi-ageru, para o respeito s so possveis oshirasenasaru e gorenraku-nasaru.

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    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 39

    d) Coadjuvao do verbo auxiliar de benefcio tekudasaru - reto-mando o que foi exposto no item sobre os verbos auxiliares de benefcio (ver pp. 34-36), (te)kudasaru a forma de respeito para tekureru (al-gum praticar uma ao em meu benefcio). Alm do valor contextual [benfeitor > beneficiado], o uso de tekudasaru implica uma significativa diferena hierrquica entre o benfeitor e o beneficiado, sendo este sem-pre o locutor ou algum que faa parte de seu universo. relao de inferioridade contextual advinda da posio do locutor como o favoreci-do pelo benefcio, acresce-se seu respeito por aquele que lhe concede o benefcio (sujeito da ao), levando em conta a diferena hierrquica que os separa. Exemplo: sensei-ga ronbun-o yondekudasaruX, "o profes-sor ler a tese para mim / o professor far a gentileza de ler minha tese", onde se tem [benfeitor/professor > beneficiado/eu]. Da mesma forma, byin-no daisensei-ga musuko-o mitekudasaru, "o eminente dou-tor (mdico) do hospital vai examinar meu filho", onde o beneficiado no o prprio locutor, mas uma pessoa de seu universo prximo, con-figurando a relao [benfeitor/mdico > beneficiado/meu filho].

    Essas so, em sntese, as principais construes encontradas na ln-gua japonesa para veicular o respeito e a modstia. De um lado, h for-mas diferentes para expressar um mesmo tratamento (mesma espcie e mesmo grau) e, de outro, o locutor pode aumentar o grau de deferncia contida no tratamento atravs do acrscimo de outras formas. Se, no caso da modstia, este acrscimo pode ser obtido pelos auxiliares itasu e msu, j citados, no caso do respeito, tais mecanismos so mais variados por causa da existncia de (ra)reru, uma partcula especfica para o res-peito (ver p. 38).

    No so todos os verbos que possuem um verbo de respeito cor-respondente, mas, quando os tm, h em princpio uma equivalncia de tratamento entre estes e o verbo simples acrescido da partcula de res-peito (ra)reru, por terem os primeiros o respeito contido no prprio ter-mo e estes, o respeito expresso pela partcula. Exemplo: ikareru ("ir" + respeito) equivale, em termos tratamentais, a irassharu (verbo de respei-to para "ir").

    O mesmo ocorre com os verbos auxiliares iru (que acrescenta o aspecto durativo ou permansivo ao verbo principal), iku e kuru (para o aspecto progressivo), todos os trs com uma mesma forma de respeito,

    8. Em yondekudasaru, houve a sonorizao do t para d por fora da nasa] que o precede.

  • 40 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    irassharu. Assim, h uma correspondncia tratamental entre hashitteora-reru9 ("estar correndo" + respeito) e hashitteirassharu ("correr" + forma de respeito de iru, "estar"), hashitteikareru ("ir correndo" + respeito) e hashitteirassharu ("correr" + forma de respeito de iku, "ir"), hashitteko-rareru ("vir correndo + respeito) e hashitteirassharu ("correr" + forma de respeito de kuru, "vir"). Existem, ainda, outras formas equivalentes a essas levantadas com [o ... ninaru] que, embora aceitas pelo sistema da lngua japonesa, atualmente so raramente empregadas devido a seu ca-rter arcaicizante. So elas: ohashirininatteorareru, ohashirininatteika-reru e ohashirininattekorareru em relao a ohashirininatteirassharu.

    Nesses exemplos, a partcula formulativa de respeito (ra)reru o termo vetor que possibilita essas operaes, por se tratar de uma part-cula e, enquanto tal, tem maior mobilidade dentro da cadeia sintagmti-ca. Mas justamente por essa razo, apesar da correspondncia tratamen-tal que ela estabelece com outras formas lingsticas de tratamento, (ra)reru tem uma "personalidade tratamental" mais fraca, fazendo com que tenha sido consagrada pelo uso como uma expresso de menor car-ga de respeito do que as demais formas (verbos de respeito, o ... ninaru, verbos auxiliares de respeito etc.).

    Por outro lado, o mesmo (ra)reru que serve de instrumento para aumentar a carga do tratamento contido em outras expresses de respei-to, juntando-se a elas. Exemplo: meshiagareru (aposto ao verbo de res-peito meshiagaru, "comer"); gorenrakusareru (aposto a gorenrakusuru, "comunicar", composto por go ... suru, de respeito); kattesashiagerareru (aposto a sashiageru, forma de respeito do auxiliar de benefcio -teyaru, por sua vez, aposto ao verbo kau, "comprar" etc. A sobreposio de for-mas de respeito, no entanto, torna muitas dessas expresses to solenes, to carregadas que seu uso se restringe linguagem escrita ou a situa-es de discurso em que as relaes pessoais sejam bastante formais, com grandes distncias entre os interlocutores.

    3. Tratamentos atribudos a estado ou qualidade A considerao por uma pessoa do enunciado pode tambm ser

    expressa atribuindo-se expresses de respeito a sua qualidade ou estado. S cabe o respeito qualidade ou estado de pessoas ou coisas referentes

    9. lru substitudo por oru (literalmente, ambos significam "estar") quando se junta tt partcula de res-peito reru. Assim, hashitteiru e hashitteorareru, "estar correndo", respectivamente, com tratamento

    zero e com respeito.

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 41

    a pessoas avaliadas e consideradas, pelo locutor, como superiores dentro de um contexto, atravs dos prefixos o, go apostos aos predicativos de qualidade, respectivamente, em wago, "vocbulos de origem japonesa", e kango, "vocbulos de origem chinesa", com ou sem a posposio das partculas formulativas de polidez desu, degozaimasu ou deirasshaima-

    su. Por exemplo: anata-wa mada owakai, "voc ainda jovem"; ogenkidesuka, "(voc) vai bem?" 1; otsan-wa gotasshadegozaimasuka, "seu pai vai bem de sade?"; Tanakasan-wa otasshadeirassharu, "Sr. Tanaka est bem de sade".

    4. Tratamentos atribudos a fatos, objetos, pessoas relacionados pessoa a ser considerada

    O respeito por uma pessoa pode ser, ainda, expresso atravs de fa-tos, objetos ou pessoas que a ela sejam atinentes, que a ela ou a seu universo pertenam. Para tanto, existem as formas de:

    4.1. Modstia. Expresso de modstia, por excelncia, atribuda a coisas do universo pessoal do locutor por meio de:

    a) Termos especficos de modstia - o lxico japons tem uma s-rie de termos reservados ao locutor para ele se referir quilo que perten-ce a seu universo, em oposio ao que pertence ao universo do outro, como: shujin, "meu esposo", versus goshujin ou dannasan, "esposo (de outras)", nybo ou kanai, "minha esposa" versus okusan ou reifujin, "es-posa (de outros)", haha, "minha me", versus okaasan, "me (de ou-tros)" etc. O primeiro termo dos pares desses exemplos usado pelo lo-cutor para se referir s pessoas de seu crculo mais prximo - a famlia - e o segundo, a familiares de pessoas externas a esse crculo. Ao se referir modestamente a seus familiares, o locutor pode acrescentar outras expresses de tratamento, aumentando, assim, sua distncia em relao ao interlocutor. Exemplo: shujin-ga mairimasu, "meu marido ir", com o verbo de modstia mairu, "ir", mais polido e, portanto, a distncia entre os interlocutores maior (por exemplo: locutor/eu < in-terlocutor/chefe do marido) do que em shujin-ga ikimasu, com o corres-pondente verbo de tratamento zero iku, "ir" (por exemplo: locutor/eu // interlocutor/amiga).

    1 O. Essas duas formas so tambm consideradas simples expresses de ornamento.

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    I ' 42 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA b) Prefixos de modstia sh, gu, setsu e outros, antepostos a pes-

    soas, fatos ou objetos do universo do locutor. Exemplo: shtei, "meu ir-mo mais novo", guken, "minha (modesta) opinio", settaku, "minha (modesta) casa", heisha, "nossa empresa". A carga de humildade contida em palavras com esses prefixos maior do que no caso do item anteri-or, sendo mais comuns na linguagem escrita.

    4.2. Respeito. Pode-se aludir a objetos, fatos ou pessoas relativos a uma pessoa e, assim, expressar-lhe sua ateno, atravs de:

    a) Prefixos de respeito como o, on (onamae ou onnamae, "nome"), go (gokekkon, "casamento", gokazoku, "famlia"), son (sonpu, "vosso pai"), ki (kisha, "vossa empresa", kii, "vossa opinio") etc. Nesses exem-plos, assim como o "nome" daquele a quem se deve o respeito por uma circunstncia qualquer (social ou contextual), o "casamento" um fato relacionado a terceiros, bem como a "famlia" de outrem, e assim por diante.

    b) Justaposio de prefixos - se reij, "filha", sonpu, "pai", hshi, "inteno", j so expresses de respeito pela juno de prefixos de respei-to a substantivos, formas mais solenes de respeito podem ser obti-das pelo acrscimo do prefixo go (goreij, gosonpu, gohshi), tornando-as to solenes e cerimoniosas que seu uso mais freqente na linguagem escrita.

    5. Tratamento da enunciao

    Computados todos os tratamentos necessrios ou desejados pelo locutor, no enunciado, resta a ele a opo de usar ou no as" expresses de polidez, cuja funo precpua enderear, dirigir, fazer chegar polida e educadamente seu discurso ao interlocutor, agora simplesmente na qualidade de destinatrio do mesmo. Para tanto, a lngua japonesa conta com as seguintes partculas formulativas de polidez:

    a) Masu aposto a verbos. Exemplo: watashi-wa iku, "eu vou", na forma polida fica watashi-wa ikimasu. Em enunciados em que ocorrem formas de respeito como em Tanakasan-wa ikareru, "o Sr. Tanaka vai", o locutor j dispensou a considerao que devia ao Sr. Tanaka em razo de sua superioridade hierrquica, atravs da partcula de respeito reru e a mensagem est perfeita em termos de tratamento. Se, no entanto, o locu-tor desejar ser cordial para com o interlocutor, na atualizao da frase em discurso, ele emprega o masu (Tanakasan-wa ikaremasu), independente-

    AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA 43

    mente da diferena hierrquica para mais ou para menos entre eles. Isto , o fato de o interlocutor ser seu filho (inferior) ou um chefe (superior) no implica, s por este fato, a necessidade do uso da polidez, embora a prtica social convencione que a superiores se deva dirigir as palavras com polidez. A obrigatoriedade do uso do masu s se d quando o interlocutor tambm um actante do discurso e j foi tratado, no enunciado, atravs de expresses de respeito (atribudas a sua pessoa) ou de modstia (atri-budas a outrem), pois no se concebe que a mensagem seja a ele endere-ada rudemente quando j foi tratado respeitosamente dentro de um mes-mo discurso. No se pode, pois, dizer sensei-mo ikareruka, "o professor/ senhor/ tambm vai?", uma vez que se cria um choque entre a considera-o ao professor, traduzida na forma respeitosa com que o locutor se re-fere ao de "ir" (com reru de respeito) praticada por este professor e a maneira brusca de lhe dirigir a pergunta sem o masu; o equilbrio discur-sivo s se obtm com sensei-mo ikaremasuka.

    b) Desu ou degozaimasu apostos a nomes e predicativos de quali-dade - etimologicamente formado por da (partcula formativa de asser-o)+ gozaru (forma de respeito de aru, "haver")+ masu (partcula for-mulativa de polidez), degozaimasu tem uma carga maior de polidez do que desu. Quando se apem a nomes, ambos simplesmente substituem a partcula formulativa de assero da. Exemplo: Kore-ga musukoda, "este meu filho", na forma polida fica kore-ga musukodesu e, mais polida, kore-ga musukodegozaimasu. Com os predicativos de qualidade, porm, no ocorrem substituies, mas aposies. O desu aposto ao predicativo tal e qual (ky-wa samui, "hoje est frio", fica ky-wa samuidesu), e degozaimasu aposto com algumas elises eufnicas: o predicativo per-de a desinncia flexional i, ocorre a contrao da vogal final do radical com u, acrescenta-se gozaimasu. Exemplo: samui > samu + u > samCi + gozaimasu > samCigozaimasu; nagai, "ser longo" > naga + u > nag + gozaimasu > naggozaimasu; tanoshii, "ser agradvel" > tanoshi + u > tanoshCi + gozaimasu > tanoshgozaimasu.

    A rigor, as expresses de polidez no levam mais em conta as ten-ses interindividuais estabelecidas no contexto do discurso, apenas ex-primem a cordialidade do locutor com relao ao ato da enunciao. No entanto, sua presena atribui um carter mais sbrio, mais polido ao dis-curso, tornando-se, por vezes, uma maneira indireta de o locutor tratar seu interlocutor com respeito, principalmente em discursos que se refi-ram a fatos diretamente relacionados ao interlocutor. Assim, ima futtei-

  • 44 AS EXPRESSES DE TRATAMENTO DA LNGUA JAPONESA

    masu, "agora est chovendo" pura polidez, enquanto kaze-wa naori-mashitaka, "j sarou do resfriado?" , ao mesmo tempo, polidez e uma maneira indireta de o locutor passar uma considerao que tem para com o interlocutor, para compensar a ausncia de tratamentos no discur-so: no h uma diferena hierrquica entre os interlocutores que justifi-que o emprego de expresses de respeito ou de modstia, levando o lo-cutor a lanar mo do masu (essencialmente expresso de polidez), para manifestar tambm uma considerao ao interlocutor, uma vez que o "resfriado" dele.

    Assim estruturadas, as expresses de tratamento so expedientes que a lngua japonesa utiliza, de um lado, para manifestar a considera-o do locutor em relao s pessoas de seu discurso, resultado da dis-tncia que ele estabelece entre si e os outros, pela avaliao e pondera-o das marcas sociais, culturais e psicolgicas que identificam cada in-divduo em um determinado contexto, tendo por eixo a relao eu-tu, e, de outro, para demonstrar sua civilidade pelo ato cordial em transmitir seu prprio discurso. Em todos os tratamentos lingsticos so identifi-cveis os seguintes elementos:

    1. Um objeto. Sendo o tratamento uma maneira de se granjear as pessoas com algum tipo de ateno, constituem seu objeto as pessoas do discuro, que podem ser: o interlocutor, enquanto personagem do enunci-ado (actante) ou sujeito passivo do ato da enunciao (destinatrio); as terceiras pessoas, ou seja, as pessoas que se colocam fora do eixo eu-tu definidor das relaes pessoais internas do discurso e que atuam no enunciado.

    2. Uma considerao. Uma deferncia ou ateno voltada ao obje-to, em funo de fatores sociais, culturais, psicolgicos subjacentes s relaes interindividuais do discurso.

    3. Uma ponderao contextual. Uma avaliao subjetiva do locu-tor, levando em conta os vrios fatores que identificam as pessoas do discurso e pelos quais ele determina a distncia que o separa do objeto, traduzvel pelas relaes locutor/objeto ou objeto/objeto.

    4. Fatores. Fatores de ordem social e/ou contextual que definem o indivduo no contexto discursivo e que so baseados em valores convencionados pelo meio: uns mais objetivos e sociais (hierarquia etria, estratificacional, sexual etc.), outros mais subjetivos e contextuais (intimidade, relao de dependncia psicolgica).

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    5. Forma lingstica. Formas que traduzem a considerao do locu-tor ao seu objeto, que podem ser atribudas s pessoas do discurso (suas aes, seu universo pessoal), social e contextualmente definidas pelo lo-cutor de acordo com os fatores extralingsticos a elas inerentes.

    Conquanto as expresses de tratamento possam constituir atos perlocutrios, elas so eminentemente ilocutrias. O uso de tratamentos de alto respeito em situaes que dispensem seu emprego pode revelar a intencionalidade do locutor em estabelecer uma longa distncia em rela-o ao seu interlocutor, fazendo com que este tome atitudes equivalentes no processo de comunicao criado. Nessa medida, o tratamento consti-tui um instrumento de manipulao discursiva, mas as expresses de tra-tamento da lngua japonesa se revestem primordialmente de um carter ilocutrio, sendo um meio pel