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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 6 | julho de 2015 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA JULHO 2015 6 AS FONTES HUMANAS DOS SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO Human sources and informants: From Intelligence to Criminal Investigation PEDRO NUNES Mestrando em Direito e Segurança RESUMO É efectuada uma análise comparativa entre as fontes humanas dos serviços de informações e os informadores utilizados pelas polícias.

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DEMOCRACIA

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Nº 6

AS FONTES HUMANAS DOS SERVIÇOS DE INFORMAÇÃO Human sources and informants: From Intelligence to Criminal Investigation PEDRO NUNES Mestrando em Direito e Segurança RESUMO

É efectuada uma análise comparativa entre as fontes humanas dos serviços de

informações e os informadores utilizados pelas polícias.

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A História da Pide constitui o elemento definidor da estrutura, funcionamento e

enquadramento legal dos serviços de informação em Portugal.

Na investigação Criminal existe um quadro bem definido dos respectivos poderes,

como é o caso das acções encobertas. O recrutamento e gestão de informadores devem

ser efectuados segundo normas e procedimentos específicos.

PALAVRAS-CHAVE

Fontes humanas, Informadores, Serviços de Informações, Investigação Criminal,

PIDE, Ações Encobertas.

ABSTRACT A comparative analysis between human sources of intelligence services and

informants used by the police is made.

The History of PIDE is the defining element of the structure, functioning and legal

framework of intelligence services in Portugal.

Criminal investigation exists in a well-defined framework of their powers, as in the case

of covert actions. The recruitment and management of informants should be conducted

according to specific rules and procedures.

KEYWORDS

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Human sources, informants, Intelligence Services , Criminal Investigation, PIDE,

Covert Action.

1 – Introdução A informação não é estanque nem no seu conteúdo, nem nos seus destinatários,

nem sequer nas pessoas que inicialmente a detêm por diversos motivos.

Apesar da clara distinção em Portugal acerca da actividade das polícias e dos

serviços de informação, a verdade é que ambas lidam com informação que em última

instância poderá ser de natureza criminal.

Nos serviços de informações o indivíduo que é detentor da informação é designado

por fonte humana, na actividade das polícias é designado por informador. Por detrás destes

conceitos estão duas filosofias de atuação distintas.

O primeiro capítulo é dedicado às fontes humanas dos serviços de informações e

começa pela inserção dessas fontes no âmbito do conjunto das fontes utilizadas. De

seguida será abordado aquele que é o principal elemento definidor da estrutura e

funcionamento dos serviços de informação em Portugal: a História da Pide.

Um dos maiores problemas relacionado com o pensamento contemporâneo acerca

das informações e relações é a falta de contexto histórico1.

1 JACKSON, Peter e Siegel, Jennifer, Intelligence and Statecraft: The Use and Limits of Intelligence in International Society, Westport, Connecticut, Praeger, 2005, p.5.

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A PIDE/DGS nunca foi um puro serviço de informações, mas sim uma polícia política

com competências de investigação criminal, serviço de fronteiras e de serviço de

informação.

Assim será importante para essa contextualização história, sobretudo no que diz

respeito a fontes humanas, analisar a atividade da PIDE/DGS nessa matéria. Talvez nada

seja tão definidor das limitações actuais dos serviços de informações como a história dessa

instituição.

Ainda no âmbito dos serviços de informações será efetuado o enquadramento legal

da atuação dos mesmos.

O Informador na investigação criminal, constitui o tema do segundo capítulo. O que

é um informador, que outras figuras semelhantes mas distintas existem e quais as

motivações do informador, constituem o trajeto a seguir.

O modo de actuação dos serviços de informação em Portugal, no pós-vinte cinco de Abril

de 1974, seguiu sempre um modo distinto dos serviços com competências policiais.

Enquanto que para serviços de informação foi sobretudo definido o que não podiam fazer,

deixando claro que não poderiam ter funções policiais. Aos serviços de investigação

criminal forma definidos regimes legais específicos de atuação, como é o caso do regime

jurídico das ações encobertas, que constitui o verdadeiro limite excecional da atuação dos

informadores e abordagem final do capítulo relativo aos informadores.

A lógica multidisciplinar do presente mestrado, conciliando duas áreas que no

passado, nem sempre foram facilmente integráveis como o Direito e a Segurança, serviu

de inspiração para juntar a fonte humana/informador, na forma como é visto por dois

sistemas, o dos serviços de informação e o de investigação criminal.

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2 – As Fontes humanas dos serviços de informações

2.1 – Tipos de fontes dos serviços de informações e as fontes

humanas

As fontes na atividade dos serviços de informação são inicialmente classificadas em

abertas e fechadas ou secretas. Nas fontes abertas a informação está livremente

disponível, não necessitando ser utilizados meios especiais para a respetiva recolha.

As fontes abertas incluem os meios de comunicação social, estatísticas oficiais

publicadas, listas telefónicas e mais recentemente a internet. A informação de fontes

abertas é designada de open-source intelligence (OSINT).

As fontes fechadas ou secretas tratam: da informação obtida diretamente do e pelo

ser humano (Human Intelligence - HUMINT); da monitorização de sinais, incluindo

codificados ou encriptados (Signals intelligence – SIGINT) e da fotografia aérea e de satélite

(Imagery intelligence – IMINT).

A SIGINT poderá ainda ser referida como informação de comunicações

(Communications intelligence – COMINT). Existe ainda uma subcategoria da informação

dos sinais que se trata medição de sinais (Measurement and signatures intelligence

(MASINT), que serve para medir quimicamente e electronicamente sinais de armas ou

sistemas de acompanhamento.

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No fundo o que torna específico o trabalho do serviços de informação é a análise

integrada de todo o tipo de fontes numa apreciação ampla e num contexto estratégico e

politico.

Na doutrina dos serviços de informações, os indivíduos que fornecem informações

são designados por fontes humanas2, ou se estivermos a falar duma rede organizada e

estruturada por agentes, sendo essa atividade de recrutamento e gestão dessas fontes

denominada por Human Intelligence, conforme referido anteriormente.

Quem faz a gestão dessas fontes é o chamado “case officer3 ”, que a desenvolve

numa lógica de recrutamento, ou seja que essas fontes passem a fornecer informações

duma forma sistemática e contínua e com o devido controlo.

Nesta atividade, os serviços de informações têm que se adaptar a lidar com culturas

não ocidentais e não europeias, dominando as respetivas línguas, bem como a interagir

com atores não-governamentais. São as consequências dum mundo em que emergiram

ameaças globais, como fenómeno pós-moderno.

Entrar nas organizações é agora ainda mais importante que no período da guerra

fria4.

2 FITZGERALD, Dennis G., Informants and Undercover Investigations: A Practical Guide to Law, Policy, and Procedure New York, CRC Press, 2007, p. 14. 3 Optou-se aqui pela designação em Inglês face à não existência de conceito em português que tenha o mesmo conteúdo de forma tão precisa. 4HITZ, Frederick P. Hitz, , in JOHNSON, Loch K. (ed), Handbook of Intelligence Studies. New York, Routledge, New York, 2007, p. 127.

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A utilização de fontes humanas reveste-se também de especial importância nas

informações militares, nomeadamente no que concerne à segurança das missões

internacionais.

Nesta área é vital a informação obtida no terreno que permita definir os objetivos em

relação à disposição de militares no terreno. Existe um vasto leque de informações a obter,

muitas vezes junto da população comum. As forças armadas portuguesas obtiveram

experiência nesta área na participação em conflitos nos Balcãs, Afeganistão e Líbano.

Em termos históricos internacionais, verificou-se um sucesso do regime soviético

durante a segunda guerra mundial em matéria de recrutamento de fontes humanas.

Já no período final da Guerra fria ocorreu o recrutamento de fontes humanas da

União Soviética pelos serviços de informações Norte-Americanos, num momento em que o

regime Soviético estava sobre grande pressão interna.

No período entre fim da guerra fria e o 11 de Setembro de 2001, assistiu-se a uma

diminuição de capacidades. Face à hecatombe do ocorrido nas torres gémeas, assistiu-se

a um reforço dos serviços de informações, sobretudo Norte-Americanos, com a

consequente tentativa de recrutar fontes humanas com a capacidade de fornecerem

elementos relevantes.

2.2 - O caso da PIDE/DGS na história da gestão das fontes

humanas em Portugal.

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Em 1933, foi criada a Polícia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE), resultante

da fusão das competências da Polícia de Defesa Política e Social, enquadrada no Ministério

do Interior e da Secção da Polícia Internacional Portuguesa, da Polícia de Investigação

Criminal de Lisboa, que dependia do Ministério da Justiça e Cultos.

Esta nova estrutura ficou na dependência do ministro do interior, com o objetivo de

dar um comando único às duas polícias, passando a vigilância de estrangeiros nas

fronteiras a estar centrada na mesma entidade.

Com o objetivo inicial de se focar em células republicanas, rapidamente se centrou

nos grupos anarquistas e comunistas, até pelos acontecimentos da guerra civil espanhola.

Mais tarde os movimentos de libertação das colónias viriam a ser uma das áreas de atuação

com especial relevância.

A PVDE era composta por uma secção política e social para a prevenção e repressão

dos crimes políticos e sociais e por uma secção internacional, vocacionada para o controlo

das fronteiras e estrangeiros, mas também para a contraespionagem, repressão do

comunismo e colaboração com organismos policiais estrangeiros.

As entidades públicas tinham que colaborar com a PVDE, assim como o corpo

diplomático, bem como a Polícia de Investigação Criminal e a Polícia de Segurança Pública.

A Polícia Internacional de Defesa do Estado (PIDE) é criada em 1945, mas inicia as

suas funções em 1946, mantendo as competências da PVDE, sendo no entanto

considerada como um organismo judiciário autónomo.

A PIDE assumiu-se como uma polícia política com competências de investigação

criminal, serviço de fronteiras e de serviço de informação. Assim, desenvolvia ações de

vigilância e repressão relativamente a suspeitos que atentassem contra a segurança interna

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e externa do Estado, grupos destinados à prática de crimes, assumindo a instrução desses

respetivos processos.

Em 1935 a PIDE passou a ter serviços regionais que viriam a ser alargados em 1951.

Estes eram compostos por postos de vigilância, ligados à diretoria da área e por posto de

fronteira, para as competência de controlo de entradas e saídas em território nacional.

Nas zonas onde não existiam serviços da PIDE, as competências eram assumidas

pelos Comandos Distritais da Polícia de Segurança Pública, algo que também se verificou

nas ex-colónias, até ao surgimento de delegações oficiais nesses territórios, exceto na India

e Macau.

A partir de 1954, foram criadas as Delegações de Angola e Moçambique, embora na

dependência do Ministério do Ultramar.

Por decisão de Marcelo Caetano, em 1969 foi extinta a PIDE e criada a Direção-

Geral de Segurança (DGS), apesar de pequenas alterações, as funções e estrutura eram

as mesmas.

Com o 25 de Abril de 1974 a DGS foi extinta, com exceção dos serviços em Angola

que continuaram até à independência daquele país em 1975, com a designação de Polícia

de Informação Militar e de Gabinete Especial de Informação e com atribuições diferentes.

A verdade é que a PIDE/DGS foi considerada como um dos elementos cruciais para

uma estratégia de repressão política que dominou o Estado Novo, tendo sempre o seu

número de elementos aumentado até ao seu desmembramento em 1974.

Em 1946 existiam 518 funcionários, em 1954 passaram para 841e em 1963

ascenderam a 2004. Já com Marcelo Caetano em 1968, existiam 3207, sendo em 1974,

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aquando do desmembramento o efetivo de cerca de 35005. No entanto, grande parte deste

aumento estaria relacionado com a atividade em Angola, Moçambique e Guiné, onde a

partir de 1963, uma percentagem que poderia passar os cinquenta por cento dos

funcionários, prestava ali serviço.

A PIDE/DGS, com um diretor-geral e um subdiretor-geral, evoluiu para uma estrutura

em que era composta por quatro direções:

- Direção de Serviços de Informação (DSI)

- Direção de Serviços de Investigação e Contencioso (DSIC)

- Direção de Serviços de Estrangeiros e Fronteiras (DSEF)

- Direção de Serviços de Administrativos (DAS)

A Direção de Serviços de Informação efetuava escutas telefónicas, interceção postal,

vigilâncias, geria os informadores e tinha o arquivo. A par deste grande sector exista um

outro grande sector, o da investigação, que fazia os interrogatórios e a instrução dos

processos.

Refira-se a dimensão do arquivo que em 1974 teria fichas relativamente a um milhão

e duzentas mil pessoas.

Os lugares de topo, ao nível dos dirigentes, eram ocupados por oficiais do exército,

enquanto que os dos inspetores e agentes, eram regra geral exercidos por indivíduos com

a 4ª classe da altura.

5 VEGAR, José, Serviços Secretos Portugueses, História e poder da espionagem nacional, A esfera dos livros, Lisboa, 2006, p. 116.

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A rede de informadores da PIDE/DGS constituía uma das forças do serviço, sendo

um fenómeno comum em outros regimes políticos semelhantes, nomeadamente o Italiano

e o Alemão. A denúncia era sobretudo feita de forma horizontal entre indivíduos da mesma

classe profissional ou social, sendo menos frequente a denúncia vertical contra indivíduos

de classes ditas superiores.

A partir dos anos sessenta a PIDE/DGS tentou modernizar-se, recrutando

informadores de perfis diferentes. Esta atividade era fomentada até porque a posse de

informadores era importante para a ascensão interna na estrutura.

Havia informadores de todas as classes sociais, inclusive indivíduos de estratos

sociais mais altos, que recebiam quantias significativas pela colaboração que prestavam.

Os informadores chegavam a ser detidos com a finalidade exclusiva de enganar os

companheiros que estavam a denunciar.

Os motivos da prestação de informações estavam sobretudo relacionados com

questões ideológicas e dinheiro, embora em muitos casos se inserissem em motivos

genéricos de denúncia, como por exemplo a vingança.

Os informadores estavam divididos por zonas geográficas ou áreas de atividades,

não conheciam outros informadores e atuavam na dependência de inspetores ou chefes de

brigada que protegiam a respetiva identidade, dando-lhes um nome de código. Saliente-se

contudo que nem todos os informadores eram aceites, dependendo da avaliação que era

feita.

Os pagamentos podiam ser feitos mensalmente de forma regular, ou no caso de

informadores eventuais, mediante informação prestada. Houve situações em que

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elementos da PIDE/DGS usaram ilegitimamente para fins pessoais, quantias monetárias

destinadas aos informadores.

Os informadores mais relevantes eram os que davam informações acerca dos

opositores do regime, com especial atenção ao PCP, onde foram infiltrados vários

indivíduos, desmantelando a direção do partido por diversas vezes. Saliente-se que Álvaro

Cunhal esteve preso de 1949 a 1960, sendo obrigado a fugir para o estrangeiro.

No caso particular do General Humberto Delgado, existiam um número significativo

de indivíduos que davam informações acerca do mesmo.

Junto a exilados no estrangeiro havia também informadores, nomeadamente em

Marrocos, Brasil, França, Londres, Joanesburgo e na América Latina. Foi aliás um

informador, a partir de Itália, que atraiu Humberto Delgado a Badajoz, onde veio a ser morto,

bem como a sua secretária.

No meio estudantil também havia informadores, que permitiram acompanhar os

acontecimentos de 1969. Da mesma forma, estes indivíduos também recebiam

pagamentos mensais.

Segundo a comissão de extinção da PIDE/DGS, os informadores atingiram o número

de vinte mil em 1974. Vários informadores foram presos após a revolução de Abril, o que

permitiu confirmar a sua variabilidade em termos de idade, profissão, bem como zona

geográfica.

Alguns dados sugerem que a atividade de gestão de informadores era feita de uma

forma algo amadora, de resto a própria natureza alargada em termos de espectro de

funções da PIDE, não facilitaria essa gestão. Quem lidava diretamente com os informadores

tinha um papel muito importante, mas quando era substituído ou saia, os respetivos

informadores eram por vezes perdidos.

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Este aspeto demonstra claramente uma fase embrionária na gestão de

informadores, numa lógica de que informador “pertencente” a um determinado agente e

não é gerido por toda uma estrutura vocacionada para esse efeito.

Já no contexto do ultramar, os resultados foram significativos, fruto duma população

colonial que pretendia manter o seu estatuto e de visíveis divisões étnicas e tribais entre os

autóctones, bem como do apoio de outras potências colonias. A PIDE soube aproveitar

estes fatores agindo de uma forma integrada.

A verdade é que a PIDE/DGS deixou marcas profundas na sociedade portuguesa,

ao ponto de durante dez anos ter havido um vazio em termos de organismos vocacionados

para as informações, período durante o qual as estruturas militares cumpriram esse papel6.

Mas esse fantasma continua, mesmo relativamente aos seus informadores, na

medida em legalmente não podem direta ou indiretamente fazer parte dos serviços de

informações7.

6 Primeiro pela 2ª Divisão do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA), que foi pontualmente extinta em 1975, vindo após esse período a ser designada por Divisão de Informações (DINFO). 7 Na Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do SIRP), alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro, mas precisamente no seu Artigo 31.º, com o título de incapacidades, é referido que: “Não podem fazer parte direta ou indiretamente dos órgãos e serviços previstos na presente lei quaisquer antigos agentes da PIDE/DGS ou antigos membros da Legião Portuguesa ou informadores destas extintas corporações”.

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2.3 – Enquadramento legal da atuação dos serviços de

informações

Os serviços de informações estão impedidos de praticar atos ou desenvolver

atividades próprias dos tribunais ou polícias8. Por outro lado, a sua atividade é exclusiva,

sendo proibido que outros serviços prossigam objetivos e atividades idênticas9.

Tal não representa, nem poderia representar, que os órgãos de polícia criminal não

efetuem pesquisas de informações em sede das respetivas competências, sejam pré-

inquérito ou até em ações encobertas no âmbito de prevenção criminal10. Por outro lado, a

existência de um Sistema Integrado de Informação Criminal demonstra a pertinência da

informação para a investigação criminal.

Esta separação entre informações e investigação criminal está sem dúvida

relacionada com a nossa história mais recente, como foi anteriormente demonstrado no

que concerne à PIDE/DGS.

8 Art. 4.º da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do SIRP), alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro e Art. 6.º da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. No n.º 3 do referido Art. 6.º vem mesmo referido que aos elementos do SIRP é expressamente proibido deter pessoas ou instruir inquéritos e processos criminais. 9 Art. 2.º, n.1 e Art. 6.º da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do SIRP), alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro. 10 A Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto, estabelece o atual regime das ações encobertas em Portugal, que será objeto de análise no capítulo 3.4.

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Apesar desta separação de clara de competências, existe um especial dever de

colaboração das forças e serviços de segurança com os serviços de informações11. Até

porque, por outro lado, as informações e os elementos de prova relativamente à prática de

crimes contra a segurança do Estado, devem ser comunicados às entidades competentes

para sua a investigação ou instrução, podendo o Primeiro-Ministro atrasar essa

comunicação pelo tempo estritamente necessário à salvaguarda da segurança interna ou

externa do Estado12.

Na mesma linha, quer o SIED, quer o SIS, têm como atribuições a comunicação às

entidades competentes para a investigação criminal e para o exercício da ação penal, os

factos configuráveis como crimes13.

Nos termos da Lei de Segurança Interna 14 , deverá ser estabelecido entre o

Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna e o Secretário-Geral do Sistema de

Informações da República Portuguesa um mecanismo adequado de cooperação

institucional de modo a garantir a partilha de informação com observância dos regimes

legais do segredo de justiça e do segredo de Estado15.

11 Art. 10º, n.º 4 da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. 12 Art. 32.º, nºs 3 e 4 da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do SIRP), alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro. 13 Art. 26.º, alínea d) e Art. 33.º, alínea d) da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. Têm ainda a atribuição de comunicação às entidades competentes, das notícias e informações acerca da segurança do Estado e à prevenção e repressão da criminalidade (Art. 26.º, alínea e) e Art. 33.º, alínea e) do mesmo diploma). 14 Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto. 15 Art. 16º, n.º 3, aliena c) da Lei de Segurança Interna.

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Com efeito, o Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República

Portuguesa acompanha as modalidades de permuta de informação dos serviços de

informações com outras entidades, especialmente com as demais Forças e Serviços de

Segurança16.

Saliente-se ainda a cooperação no âmbito do Gabinete Coordenador de Segurança,

que tem representantes do SIS e SIED. Este Gabinete tem ainda nos termos da Lei de

Segurança Interna17, competência para: proceder à recolha, análise e divulgação dos

elementos respeitantes aos crimes participados e de qualquer outros elementos

necessários à elaboração do Relatório de Segurança Interna (RASI).

Pelas razões enunciadas inicialmente associadas à história da nossa polícia política,

existiu sempre uma definição pouco clara dos meios de atuação dos serviços de

informações, optando-se sempre pelas limitações à sua ação.

Assim, além das limitações já mencionadas sobre atos de natureza policial ou

relativos aos tribunais, não podem ser desenvolvidas quaisquer atividades que envolvam

ameaça ou ofensa aos direitos, liberdades e garantias consignados na Constituição e na

Lei18, nomeadamente no que concerne ao uso da informática19.

O tema das escutas é um tema recorrente em termos dos poderes de atuação dos

serviços de informações, pois o nosso país é uma verdadeira exceção em termos europeus.

16 Art. 9.º, n.º 3 da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do SIRP), alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro. 17 Art. 22.º, n.º 2, alínea b) da LSI. 18 Art. 3.º, n.º 1 da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do SIRP), alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro e Art. 6.º, n.º 1 da Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro. 19 Art. 3.º, n.º 2 da Lei n.º 30/84, de 5 de Setembro (Lei-Quadro do SIRP), alterada e republicada pela Lei Orgânica n.º 4/2004, de 6 de Novembro.

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No entanto a Constituição da República Portuguesa é clara quanto à sua exclusiva

utilização em sede de processo criminal20.

Com a Lei n.º 9/2007, de 19 de Fevereiro, surge uma inovação nos meios de atuação

dos serviços de informações, na medida que é consagrado que " Por motivos de

conveniência de serviço e de segurança, aos funcionários e agentes do SIED e do SIS, a

exercer funções em departamentos operacionais, podem ser codificadas as respectivas

identidade e categoria e pode prever-se a emissão de documentos legais de identidade

alternativa, mediante protocolo a celebrar entre o Secretário-Geral e as entidades públicas

responsáveis.21

Nesta linha, é argumentável 22 a existência da possibilidade dos serviços de

informações efetuarem ações encobertas, embora não no âmbito do regime jurídico

definido na Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto que se destina à prevenção ou investigação

criminal.

De qualquer forma esta possibilidade legal em termos de identificação alternativa,

traduziu-se num avanço nas possibilidades de atuação, revelando a mesmo tempo uma

lógica de esclarecimento de quais os meios concretos a utilizar.

20 Art. 34.º, n.º 4 da CRP. 21 Art. 12º, n.º 1 do diploma em causa. 22 Conforme defende: PEREIRA, Rui, “Informações e Investigação Criminal”, in AAVV, actas do primeiro congresso de investigação criminal, ASFIC/PJ, Lisboa, 2008, p. 197. Ainda segundo este autor, embora aos serviços de informações estaria vedado a prática de atos executivos, ou preparatórios puníveis de crimes, em algumas situações limite, mesmo que o fizessem atuariam ao abrigo do direito de necessidade e o facto seria justificado nos termos do art. 34.º do Código Penal.

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3 – Os Informadores na Investigação Criminal

3.1 – Definição de informador e figuras distintas

O informador é o termo utilizado por polícias e procuradores que designa um leque

variado de indivíduos que de forma confidencial lhes fornecem informações sobre

actividades criminais 23.

Fora deste âmbito ficam as pessoas que na qualidade de testemunhas relatam factos

do decurso de um inquérito criminal.

O informador é um ser humano a quem é assegurada confidencialidade e que passa

informações e ou colabora com as competentes entidades policiais ou serviços de

informações em investigações criminais ou averiguações de terrorismo24.

Existem outras figuras de natureza distinta, mas que no entanto importa fazer

referência. É o caso dos arrependidos que são indivíduos arguidos em processo crime que

demonstrem arrependimento e no caso de criminalidade organizada, colaborem com as

autoridades de forma ativa, fazendo com que a sua eventual pena seja atenuada, ou até

que sejam dispensados da mesma25.

23 FITZGERALD, Dennis G., op. cit. p.1. 24 EUROPOL, Covert Human Intelligence Source (CHIS) Handling: European Union Manual on Common Criteria and Principle, 2012, p. 8. 25 Para além da atenuação especial da pena, nos termos do Art. 72.º do CP, relativamente a crimes mais graves, existe a possibilidade de colaboração com a Justiça, nomeadamente na associação criminosa (Art. 299.º, n.º 4 do CP), nos crimes de organizações terroristas, outras organizações terroristas e terrorismo internacional, previstos na Lei n.º 52/2003 de 22 de Agosto (Art. 2.º, nº 5, Art. 3.º, n.º 2, Art. 4.º, n.º 6 e Art. 5.º, n.º 2). Bem como ainda no tráfico de estupefacientes no âmbito do Art. 31.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de

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Desta forma estes indivíduos arrependidos, poderão ser transformados em

testemunhas 26 , para efeitos de legislação de proteção de testemunhas em processo

penal27.

Outro conceito pertinente é o de homens de confiança28, que tem uma abrangência

significativa englobando informadores, agentes encobertos e provocadores. O que importa

nesta concepção é a relação destas figuras com os métodos proibidos de prova,

verificando-se que a provocação é a fronteira inultrapassável nesta matéria.

De resto as soluções legislativas posteriores em Portugal foram nesta linha,

nomeadamente no que diz respeito ao regime das ações encobertas, cujo regime e figura

do agente encoberto se fará referencia mais à frente.

Existe ainda a designação de infiltrado, mais comum no sentido linguístico. Podemos

dizer que a solução adoptada em Portugal com a terminologia de agente encoberto,

corresponde na sua essência ao agente infiltrado, não havendo diferenças de conteúdo

substanciais.

Assim se ao agente encoberto existe um regime legal e para o agente provocador

uma proibição legal, para o informador existe um vazio em termos de legislação, não

havendo nada que regulamente a sua atividade a não ser eventualmente normas internas

22 de Janeiro, no que diz respeito à criminalidade económico-financeira (Art. 8.º da Lei n.º 36/94 de 29 de Setembro e Corrupção ativa, nos moldes do Art, 374.º-B do CP. 26 BRAZ, José, Investigação criminal: a organização, o método, e a prova: os desafios da nova criminalidade, Almedina, Coimbra, 2009, p. 307. 27 Conforme a alínea a) do Art. 2.º da Lei n.º 93/99 de 14 de Julho. 28 ANDRADE, Manuel da Costa, Sobre as proibições de prova em Processo Penal, Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p.219.

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das entidades policiais. Em vários países existem leis específicas que regulam a utilização

de informadores.

Apesar da não inexistência de legislação que regule a sua utilização dos

informadores, existem duas normas do código de processo penal que fazem referências

que poderão ser úteis nesta matéria.

Assim, em sede de medidas cautelares e de polícia, compete aos órgãos de polícia

criminal, mesmo antes da ordem da autoridade judiciária competente para investigar, de

praticar os atos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova29.

Nesta matéria compete aos órgãos de polícia criminal por exemplo colher informações das

pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime e a sua reconstituição30.

Por outro lado, Os órgãos de polícia criminal podem pedir não só ao suspeito, bem

como a quaisquer pessoas suscetíveis de fornecerem informações úteis, informações

relativas a um crime31.

No entanto a utilização correta e adequada de informadores, permite um nível de

conhecimento sobre determinadas organizações criminosas essencial para o seu

desmembramento.

Em muitas situações os informadores são criminosos ou fazem parte de

organizações criminosas, de outra forma não acesso a informação interna relevante.

29 Art. 249º, n.º 1 do CPP. 30 Art 249º, nº2, alínea b) do CPP. 31 Art 250º, nº8 do CPP.

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Este facto implica que são susceptíveis de não serem de confiança, sendo

necessário um controlo firme e instruções claras de como devem agir para se protegerem

e do que podem ou não fazer.

3.2- Motivações dos Informadores

Para a compreensão de toda a lógica subjacente à prestação de informação pelos

informadores, importa compreender a motivação dos mesmos.

São diversas as motivações dos informadores, podendo concorrerem várias para a

decisão de fornecerem informação. Por vezes a motivação verbalizada poderá não

corresponder à questão mais importante, podendo em outras situações a motivação alterar-

se com o decurso do tempo.

O dinheiro é talvez a razão mais fácil de entender como motivação para se dar

informações, tendo em alguns países gerado indivíduos que se constituíram como

verdadeiros informadores profissionais. Nos Estados Unidos da América por exemplo

pagamentos na ordem de um milhão de dólares são usuais. O IRS32 deste país, nos trinta

primeiros anos do programa de informadores pagou no total 35.1 milhões de dólares a cerca

de dezassete mil informadores. A verdade é que devido a essas informações foi possível

recuperar cerca de 2.1 biliões de dólares em impostos não pagos33.

32 Internal Revenue Service. 33 FITZGERALD, Dennis G., op. cit. p.22.

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Os informadores motivados por dinheiro são os mais facilmente obedecem às

instruções de quem os gere. No entanto, este tipo de informadores ao estarem motivados

por dinheiro poderão fabricar informações ou fazer armadilhas a determinados alvos para

que possam receber compensação monetária pela sua prisão.

A verdade é que o pagamento de dinheiro permite que a relação entre informador e

agente policial seja transparente e objectiva, não existindo dúvidas do papel que cada um

desempenha, dos objetivos e respetivos limites.

Outra motivação importante para o fornecimento de informações criminais relevantes

às autoridades policiais é o medo relativamente a sanções criminais, nomeadamente penas

de prisão. Estes indivíduos querem reduzir as suas penas ou mesmo ficarem dispensados

de qualquer pena, estamos a falar do arrependido mencionado anteriormente.

Estes informadores são os mais perigosos, uma vez que pertencem ao meio criminal.

À medida que o julgamento se aproxima estes indivíduos podem ficar desesperados e

dispostos a tudo com vista a resolver a sua situação processual. O risco de armadilhas para

outros indivíduos serem detidos também é significativo neste tipo de informadores.

A vingança é também uma razão para dar informações, quer seja associada ao medo

de represálias de sócios criminais ou até mesmo de grupos rivais. Quantas vezes uma

mulher abandonada ou posta de parte decide denunciar as actividades ilícitas do seu ex-

companheiro.

Este tipo de informadores procura por um lado protecção policial, mas igualmente

que a origem das suas preocupações seja detida. É importante as autoridades policiais

efectuarem uma avaliação do risco para o informador, devendo haver uma intervenção

rápida pois o informador pode mudar de ideias se o conflito for resolvido. Muitas vezes

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estes informadores fogem para reduzir o respectivo risco, pois podem ser alvo de tentativas

de ofensas graves à integridade física ou até mesmo à respetiva vida.

Existe também o cidadão comum, que por um sentido de justiça e de protecção da

comunidade, dá informações com vista à punição de possíveis prevaricadores. Este tipo de

informadores procura sobretudo uma gratificação psicológica e a sensação de dever

cumprido e de servir a comunidade.

As autoridades policiais devem procurar e pedir ajuda a este tipo de informadores,

nomeadamente aos que devido ao exercício de determinada profissão possam ter contacto

comercial com possíveis criminosos. É o exemplo de proprietários ou empregados que

vendem ou alugam automóveis, funcionários de hotéis e companhias aéreas, entre outros,

que podem ser uma valiosa fonte de informação.

Por vezes, existem informadores que cuja relação se inicia através da sua

deslocação aos departamentos policiais, sendo as respectivas motivações as enunciadas

anteriormente. Embora por vezes estes indivíduos sejam pessoas instáveis, que imaginam

actividades criminosas onde não existem, após uma avaliação inicial, podem ser detetados

alguns indivíduos com informação relevante.

Indivíduos que se encontram a cumprir pena de prisão nos estabelecimentos

prisionais são também um tipo de informador. A motivação neste caso, é conseguir a

liberdade condicional mais cedo possível, ou cumprir o tempo de prisão com certos

benefícios. Estes informadores poderão ser úteis para a resolução de casos não resolvidos,

através de confissões entre reclusos no meio prisional.

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Estes informadores poderão ainda ser utilizados para determinados alvos

específicos que se encontram igualmente a cumprir pena de prisão, definidos pelas

autoridades policiais, podendo mesmo em alguns casos virem a ser colocados na mesma

cela desses alvos seleccionados.

A colaboração de reclusos com as autoridades policiais poderá fazer com que esses

mesmos reclusos passem algum tempo fora das prisões, na medida em que participem em

diligências ou atos úteis para investigações.

O arrependimento ou remorsos podem constituir um fator que leve ao fornecimento

de informações, embora muitas vezes o principal motivo por detrás deste tipo de

argumentações seja o medo de ser novamente apanhado.

A adrenalina pode igualmente constituir um elemento que faça com que

determinadas pessoas pretendem colaborar com as polícias. Ser um informador da polícia

pode constituir um motivo de exaltamento que faça um indivíduo sentir-se bem nessa

situação. Este tipo de informadores são contudo difíceis de controlar, uma vez que estão a

viver uma espécie de fantasia, acabando por atuar como que se de uma personagem

ficcional se tratassem. Pode também existir a tentativa destas pessoas se fazerem passar

pelas próprias autoridades policiais.

Alguns informadores são pessoas que gostariam de ter seguido a carreira policial,

mas que por motivos diversos tal não veio a suceder, tais como questões de natureza física

ou de educação, entre outros. Uma vez que utilidade da informação depende da interacção

com o meio criminosos, a utilidade deste tipo de informadores acaba por ser restrita.

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As entidades policiais devem estar preparadas para informadores cujo objetivo não

são seja ajudar a sua actividade, mas pelo contrário dificultar a mesma. O objectivo destes

indivíduos é obterem informação da atuação da polícia, das suas investigações ou

métodos. A única utilidade é no caso de haver a motivação de eliminar a competição.

Muitas vezes poderá ser dada informação falsa como manobra de diversão para

divergir a atenção de operações ilícitas em curso para aumentar a possibilidade de sucesso.

A obtenção de informação pode surgir de indivíduos que não pretendam passar as

autoridades mas que acabam por fazê-lo sem saber, quer a informadores, quer a agentes

policiais encobertos. Esta situação pode ser acidental, ou pelo contrário intenciona, fazendo

aproximar pessoas do alvo que tem a informação que se pretende obter. Claro que uma

vez estabelecida a relação, a atuação tem que ser cuidadosa para não levantar suspeitas.

Existem ainda informadores, que por si não têm informação útil, mas que têm a

capacidade e o interesse para recrutar ou obter informação de outros indivíduos.

3.3 – Recrutamento e gestão de informadores

O recrutamento, controlo e gestão de informadores é uma actividade sensível e que

por isso tem que ser efectuada com elevados níveis profissionalismo, ética e cumprimento

das normas legais, devendo os elementos que se ocupam dessa actividade terem formação

específica para o efeito.

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Um sistema organizado de gestão de informadores deverá comtemplar um sistema

de recompensas, nomeadamente pagamentos, que como foi mencionado anteriormente

relativamente às motivações, é sempre lucrativo em termos de custo benefício.

Poderão existir outras recompensas, nomeadamente a comunicação a autoridades

competentes, tribunais inclusive, da colaboração prestada, com vista a obter determinados

benefícios.

Noutros países, como é o caso de E.U.A., o recrutamento de informadores é feito

em grande medida junto dos chamados arrependidos. No regime norte-americano os

acordos com os arrependidos têm outra dimensão e as possibilidades de utilização de

informadores têm outra magnitude, quer seja em formas semelhantes às acções

encobertas, quer seja noutras vertentes que não têm paralelismos com a realidade

portuguesa.

Nos E.U.A. as penas mínimas por crime federais são elevadas, que que acaba por

convencer os indivíduos à colaboração.

Podemos dizer que um arrependido estando a jogar com a sua liberdade, estará

mais compelido a colaboração nos moldes e com o controlo que as polícias e os tribunais

pretendem. Por outro lado estando dispostos a tudo para a sua libertação, as probabilidades

de manipulação da parte dos mesmos são bastante superiores.

Uma outra situação semelhante à de arrependidos é a da colaboração numa outra

investigação, o que permite ocultar o facto do arguido estar a colaborar aos olhos dos outros

arguidos, evitando assim represália sobre si ou sobre a sua família.

Em Portugal, o recrutamento de informadores, resulta quase sempre da interacção

muitas vezes casual entre indivíduos susceptíveis de dar informações e as polícias. Em

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algumas situações são procurados indivíduos alvos de investigações antigas e encerradas

ou saídos da prisão, com o intuito de saber se pretendem colaborar com as entidades

policiais.

Noutras situações indivíduos já a cumprir pena de prisão e que anteriormente não

quiseram ou não tiveram a hipótese de colaborar, com a dura realidade do cumprimento da

pena mudam de perspectiva. Pequenas saídas da prisão ou uma ajuda para conseguir

liberdade condicional são muitas vezes a motivação.

Como uma eventual organização e desenvolvimento desta área, poder-se-á

caminhar para um cenário de definição de objectivos e alvos a recrutar de acordo com

orientações prévias definidas. Aqui o limite da estratégia está na imaginação e capacidades

e treino dos elementos envolvidos.

De acordo com a Europol34, deverão existir quatro níveis com vista à organização de

todo um sistema de gestão de informadores.

Em primeiro lugar, deverá existir um responsável a nível nacional, que assegure a

integridade e eficácia de todo o sistema.

O segundo nível, deverá tratar-se do registo de informadores em cada entidade

policial e a respectiva definição de procedimentos, bem como do sistema de recompensas.

Esta função deverá ser desempenhada por um funcionário de escalão superior, que em

última instância deverá ser quem autoriza o uso de informadores.

34 EUROPOL, op. cit. p.6.

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No terceiro patamar estão os chamados controladores ou supervisores que são

responsáveis pelo recrutamento, definição de tarefas e administração dos informadores.

Exercem a supervisão de quem contata diretamente com os informadores, nomeadamente

no que diz respeito à respetiva relação.

No quarto nível está quem contata diretamente com os informadores, que é

designado por handler35, devendo existir dois para cada informador.

Em relação ao registo de informadores é uma fase absolutamente essencial,

devendo nesse momento ser feita uma avaliação de risco relativamente ao informador.

O handler é um elemento crucial na medida em que é ele que efectua os contactos

com o informador, os quais devem ser estabelecidos numa base profissional com uma

indicação clara do papel do informador e do que pode ou não fazer. Deve haver uma

preocupação com o bem estar do informador e com elaboração correcta de relatórios com

vista à premiação do informador36.

O handler deverá ter especial atenção a aspectos relacionados com a segurança,

sobretudo nos encontros com o informador.

O controlo da situação deverá estar a todo o momento nas mãos do handler,

devendo o informador seguir à risca as respetivas instruções e diretrizes.

Deverá existir uma história de cobertura que explique o encontro entre o handler e o

informador, previamente combinada, para o caso de serem vistos, nomeadamente por

35 Optou-se aqui igualmente pela designação em Inglês face à não existência de conceito em português que tenha o mesmo conteúdo de forma tão precisa. 36 EUROPOL, op. cit. p.15.

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outros criminosos, embora tal não deva acontecer, sendo para isso necessária uma

cuidadosa preparação dos encontros e respectivos locais.

Em determinadas situações, sobretudo as mais complexas e perigosas, deverá ser

planeada uma estratégia de fuga, caso o informador fique numa situação de risco real.

O controlador ou supervisor é quem supervisiona o handler e autoriza previamente

os contactos com o informador, recebendo após o relato desses encontros, que avaliam se

deve ser disseminado. Devem também fazer reuniões periódicas com os handlers e

informadores para discutir os planos a seguir37.

Por vezes o nível de penetração dos informadores nas organizações criminosas é

bastante significativo, podendo aos mesmos serem feitas propostas de participação efetiva

nas atividades a desenvolver, é aí que entram as designadas ações encobertas.

3.4 – As acções encobertas em Portugal: o limite excecional da

atuação dos informadores

O crime organizado e transnacional põe sérios riscos às sociedades modernas, daí

que tem vindo a ser aceite a utilização de meios especiais de investigação para o combater.

O combate ao tráfico de estupefacientes foi o palco inicial para este tipo de

actuações, principalmente nos EUA. Também em Portugal, no Decreto-Lei n.º 430/83, de

13 de Dezembro, surge a primeira referência nesta área, ao não punir a conduta do

funcionário de investigação criminal que em sede de inquérito preliminar, não revelando a

37 EUROPOL, op. cit. p.18.

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sua identidade e qualidade, aceitar directa ou por terceiro a entrega de produto

estupefaciente.

O Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de Janeiro, vem revogar o Decreto-Lei 430/83,

mantendo no entanto no ser Artigo 59.º, o estipulado no diploma revogado. Mais tarde, a

Lei 45/96 de 3 de Setembro, que alteraria o artigo 59.º do Decreto-Lei 15/93, viria a

introduzir um verdadeiro regime de acções encobertas em Portugal, alargando os conceitos

anteriormente definidos.

Entretanto, já anteriormente com a Lei n.º 36/94, de 29 de Setembro, que visava o

combate à corrupção e à criminalidade económico-financeira, surgia para os crimes

elencados no ser Artigo 1.º a possibilidade de acções encobertas.

A Lei n.º 101/2001, de 25 de Agosto, estabelece o atual regime das ações encobertas

em Portugal.

As acções encobertas que eram restritas ao tráfico de estupefacientes e a alguma

criminalidade económico-financeira, passam a um conjunto de crimes enunciados no Artigo

2.º38, para fins de prevenção e investigação criminal.

38 a) Homicídio voluntário, desde que o agente não seja conhecido; b) Contra a liberdade e contra a autodeterminação sexual a que corresponda, em abstrato, pena superior a 5 anos de prisão, desde que o agente não seja conhecido, ou sempre que sejam expressamente referidos ofendidos menores de 16 anos ou outros incapazes; c) Relativos ao tráfico e viciação de veículos furtados ou roubados; d) Escravidão, sequestro e rapto ou tomada de reféns; e) Organizações terroristas e terrorismo; f) Captura ou atentado à segurança de transporte por ar, água, caminho-de-ferro ou rodovia a que corresponda, em abstrato, pena igual ou superior a 8 anos de prisão; g) Executados com bombas, granadas, matérias ou engenhos explosivos, armas de fogo e objetos armadilhados, armas nucleares, químicas ou radioativas; h) Roubo em instituições de crédito, repartições da Fazenda Pública e correios; i)Associações criminosas; j) Relativos ao tráfico de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas; l)Branqueamento de capitais, outros bens ou produtos; m) Corrupção, peculato e participação económica em negócio e tráfico de influências; n) Fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção; o) Infrações económico-financeiras cometidas de forma organizada ou com

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Estas acções podem ser desenvolvidas por funcionário de investigação criminal, ou

por terceiros atuando sob o controlo da Polícia Judiciária, sem que a identidade dos

mesmos seja revelada. Quase sempre estes terceiros são informadores, que devido à sua

interação com o meio criminal, têm a proximidade necessária que os leva a poderem

desempenhar este papel.

Consagra-se a possibilidade do agente encoberto poder atuar sob identidade

fictícia39.

Em sede de cooperação judiciária internacional, é possível que funcionários de

investigação criminal possam efetuar ações encobertas em Portugal40.

No entanto, a verdadeira essência, pelo menos prática deste regime, está na não

punibilidade da conduta do agente encoberto que, no âmbito de uma ação encoberta,

consubstancie a prática de atos preparatórios ou de execução de uma infração em qualquer

forma de comparticipação diversa da instigação e da autoria mediata, sempre que guarde

a devida proporcionalidade com a finalidade da mesma41.

Na verdade se alguém está apenas receber informações é apenas um informador,

estando reservadas as ações encobertas para outra forma interação. Aqui o essencial é

recurso à tecnologia informática; p) Infrações económico-financeiras de dimensão internacional ou transnacional; q) Contrafação de moeda, títulos de créditos, valores selados, selos e outros valores equiparados ou a respetiva passagem; r) Relativos ao mercado de valores mobiliários. 39 Artigo 5.º do diploma em causa. 40 De acordo com o artigo 160.º-B da Lei 104/2001 de 25 de Agosto. Esta autorização é da competência do juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal, sob proposta de magistrado do Ministério Público junto do Departamento Central de Investigação e Ação Penal. 41 Artigo 6.º do diploma em causa.

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afastar qualquer tipo de conduta de possa envolver provocação, destacando-se que sempre

tal é controlado pela autoridade judiciária competente.

4 – Conclusões

Quer os serviços de informações, quer as polícias, lidam com indivíduos que dão

informações vitais à sua atividade, sendo que na atual sociedade a importância desta área

é absolutamente crucial.

Num mundo cheio de ameaças transnacionais, cada vez mais difusas e onde o crime

organizado aparece fortalecido e com fortes tentáculos, é preciso dar uma resposta efetiva.

A colaboração entre polícias e serviços de informações é e terá que ser cada vez

mais intensiva, possibilitando uma sinergia que de certo trará ganhos nos resultados

obtidos por ambas as entidades.

A história da PIDE/DGS deixou marcas sociedade portuguesa, vindo a ser o

elemento definidor do regime dos serviços de informações no nosso país, caracterizado por

fortes limites à respetiva atuação e por um quadro pouco claro dos respetivos meios de

atuação.

É sabido que o mundo da intelligence é opaco, caracterizado pelo secretismo e

sempre se habituou a funcionar dessa forma, mas a definição clara dos respetivos poderes

e respetiva fiscalização dos mesmos, podendo a tutela de alguns revestir-se até de uma

autorização judicial, traria uma transparência e clareza com efeitos potencialmente

positivos.

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A possibilidade da utilização de identidade alternativa pelos serviços de informações

é um passo nesse sentido, o tempo trará com certeza outros.

Na investigação criminal, apesar da não existência dum regime que regule os

informadores, a sua utilização limite e excecional, nas ações encobertas está devidamente

coberta legalmente.

É necessário todavia dar passos na criação dum verdadeiro sistema de recrutamento

e gestão de informadores, bem como dar a competente formação aos respetivos

intervenientes.

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PIMENTEL, Irene Flunser, A história da PIDE, Círculo de Leitores, Lisboa, 2007.

VEGAR, José, Serviços Secretos Portugueses, História e poder da espionagem nacional,

A esfera dos livros, Lisboa, 2006.

Revistas/publicações periódicas:

Jornal do Exército/ Estado-Maior do Exército (2004). O HUMINT e as informações militares

/ Batalhão de Informações e Segurança Militar – Ano 45, n.º 527 (Março 2004) p. 24-28.

O Fantasma da Pide, Rui pereira, Correio da manhã, 3 de outubro de 2013, in

http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/opiniao/rui-pereira/o-fanstama-da-pide