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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 30 | maio de 2016 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA MAIO 2016 30 RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTES DE TRABALHO JOSÉ MANUEL MARTINS CASACA Mestrando em direito e Segurança RESUMO A aplicação das normas tradicionais relativas à responsabilidade civil impunham ao trabalhador lesado que fizesse a prova de o acidente ter ocorrido por facto imputável à entidade empregadora. Com base na teoria das condições equivalentes relativa à prova da causalidade dos fenómenos de Stuart Mill estabeleceu-se que os acidentes ocorridos em tempo e local de trabalho na generalidade estabeleciam um direito a indemnização pela perda da capacidade de trabalho. Surgiu então no Direito a formulação da «responsabilidade pelo risco». A perda de capacidade de trabalho causada por acidentes ocorridos na deslocação do trabalhador entre sua casa e o local do trabalho produzem hoje os mesmos efeitos que os acidentes ocorridos em tempo e local de trabalho. Com estas disposições a lei prevê não só a indemnização decorrente do acidente de trabalho mas um seguro social devido ao prestador de trabalho.

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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 30 | maio de 2016

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DIREITO, SEGURANÇA E

DEMOCRACIA

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Nº 30

RESPONSABILIDADE CIVIL POR ACIDENTES DE TRABALHO JOSÉ MANUEL MARTINS CASACA Mestrando em direito e Segurança

RESUMO A aplicação das normas tradicionais relativas à responsabilidade civil impunham ao

trabalhador lesado que fizesse a prova de o acidente ter ocorrido por facto imputável à

entidade empregadora.

Com base na teoria das condições equivalentes relativa à prova da causalidade dos

fenómenos de Stuart Mill estabeleceu-se que os acidentes ocorridos em tempo e local de

trabalho na generalidade estabeleciam um direito a indemnização pela perda da

capacidade de trabalho. Surgiu então no Direito a formulação da «responsabilidade pelo

risco».

A perda de capacidade de trabalho causada por acidentes ocorridos na deslocação

do trabalhador entre sua casa e o local do trabalho produzem hoje os mesmos efeitos que

os acidentes ocorridos em tempo e local de trabalho. Com estas disposições a lei prevê

não só a indemnização decorrente do acidente de trabalho mas um seguro social devido

ao prestador de trabalho.

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PALAVRAS-CHAVE Acidente de trabalho, responsabilidade pelo risco.

ABSTRACT The traditional rules on liability established that in case of work accident the injured

employee had to prove that the accident occurred for reasons attributable to the employer.

Based on the theory of equivalent conditions on the proof of causality of phenomena Stuart

Mill it was later established that the accidents occurred in worktime and workplace in general

would generate a right to compensation for loss of earning capacity by the employee based

on strict liability.

The loss of earning capacity caused by accidents occurred in the way between

workers home and workplace today produce the same effects as the accidents of time and

place of work. In this case law provides not only the due compensation for work accidents

but a social insurance due to work provider.

KEYWORDS Work accident, strict liability.

CAPÍTULO I: RISCO Começaria por referir a relevância para as considerações sobre risco e proteção em

geral um artigo colocado no site da Ordem dos Engenheiro acerca o terramoto de 17551.

Lê-se nele:

«Portugal era um importante protagonista na Europa do tempo; os ecos e as

circunstanciadas notícias do desastre deram não só testemunho da magnitude da tragédia

e do horror vividos, como realçaram a importância e o prestígio da cidade de Lisboa no

contexto europeu: metrópole de um império colonial, centro difusor do catolicismo e grande

1 Em 2015.06.13 em http://www.ordemengenheiros.pt/pt/centro-de-informacao/dossiers/historias-da-engenharia/dimensoes-e-replicas-intemporais-do-terramoto-de-1755/

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entreposto comercial. O que por aqui se passava, fosse de raiz natural, divina ou humana,

tinha inevitavelmente repercussões em todo o Continente. O apoio das cortes europeias e

o socorro internacional mostraram a existência de uma unidade inesperada, em torno de

um acontecimento trágico e irrepetível.»

«Antes de mais, porque o Terramoto de Lisboa de 1755 marcou, no contexto do

espírito das luzes, o surgimento da primeira catástrofe com sinal de modernidade. Entre

outras razões, porque a notícia da sua ocorrência atravessou toda a Europa com uma

profundidade e rapidez inusitadas e desencadeou um enorme debate sobre a natureza dos

cataclismos naturais retirando-lhe contornos morais e, sobretudo, o carácter

essencialmente divino, remetendo-os para a esfera laica: no quadro de um novo

pensamento filosófico, então em gestação, a ira de Deus vai ser substituída por um esforço

de compreensão racional e científica do fenómeno.»

«Depois, porque deu início a uma nova forma de gestão das catástrofes, permitindo

que o despotismo iluminado exercesse, em esplendor, todo o seu poder quer no que

respeita aos procedimentos de auxílio prestado às populações logo após a ocorrência,

designadamente pela pronta intervenção das autoridades reprimindo impiedosamente os

saques, pelo apoio prestado às populações desamparadas, pelo tratamento dado aos

milhares de mortos, pela tomada de medidas de saneamento mais urgentes, quer,

sobretudo, no que se refere à conceção e reconstrução da nova cidade de Lisboa, fazendo

emergir rapidamente uma visão criadora a partir do caos instalado e da extensão

apocalíptica da calamidade.»

Este texto permite apontar alguns caminhos de interpretação ao tema que me

proponho abordar, a proteção ao trabalhador prevista na lei dos acidentes de trabalho.

A assunção da ideia de catástrofe, de grande acontecimento causador de danos, ou de

acidente decorrente de uma atividade social, uma multiplicidade de acidente ocorridos da

mesma forma e pelos mesmos motivos, como um acontecimento com repercussões para

além da individual, com repercussões sociais.

A ideia de que os acidentes decorrentes da forma de organização social,

nomeadamente os acidentes de trabalho, tem repercussões para a humanidade inteira e

não apenas locais.

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A criação de uma ação de socorro internacional (a primeira da história) como

resposta a uma catástrofe com repercussões internacionais que ocorreu por causa dessa

catástrofe que foi o terramoto de Lisboa de 1755 impôs um grau de consideração dos riscos

sociais que viria a tomar forma com a necessidade de criação de mecanismos de resposta

aos acidentes de trabalho que se tornaram mais frequentes e coim consequências mais

graves na era da revolução industrial.

A assunção da necessidade da criação de modelos de prevenção do risco e da

minimização dos danos causados pela efetivação da ameaça.

CAPÍTULO II: O TEXTO DA LEI Em primeiro lugar para definir contrato de trabalho, porque a primeira condição para

que um acidente seja considerado um contrato de trabalho indemnizável é que se trate de

um acidente ocorrido no âmbito de uma prestação laboral.

O artigo 1152º do Código Civil define contrato de trabalho como aquele pelo qual

uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual

a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta.

Quando a lei dos acidentes de trabalho refere trabalhador como o titular de um direito

a reparação refere precisamente esta pessoa ligada por aquele vínculo contratual como

definido na lei.

O artigoº 2º da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, que regulamenta o regime de

reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, dispõe que esta lei prevê o

direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho dos trabalhadores e

seus familiares e o artigo 8º fornece o conceito de acidente de trabalho indemnizável.

1 - É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e

produza direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que

resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.

2 - Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:

a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em

virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do

empregador;

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b) «Tempo de trabalho além do período normal de trabalho» o que precede o seu início,

em atos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em atos também

com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.

O artigo 15º vem excluir da obrigação de reparação o acidente que provier de força

maior e vem definir os termos em que o faz:

1 - O empregador não tem de reparar o acidente que provier de motivo de força

maior.

2 - Só se considera motivo de força maior o que, sendo devido a forças inevitáveis

da natureza, independentes de intervenção humana, não constitua risco criado pelas

condições de trabalho nem se produza ao executar serviço expressamente ordenado pelo

empregador em condições de perigo evidente.

Podemos assim caraterizar acidente de trabalho indemnizável como o acidente (o

evento de que resultam danos para o trabalhador) ocorrido em tempo e local de trabalho2

desde que não ocorra uma causa de descaraterização prevista na lei.

A lei define o acidente de trabalho indemnizável, conceito que pode ser entendido

de maneira diferente de acidente de trabalho pois o que se refere na lei é a possibilidade

de os danos resultantes do acidente gerarem um direito a reparação3 e não a doutrinação

sobre o caráter laboral ou não de um acidente.

O objeto da reparação também por sua vez é primacialmente a capacidade do

exercício de trabalho, não qualquer incapacidade ou a dor física, estas estarão

subordinadas à norma geral do n.º 1 do artigo 483º do Código Civil, como resulta do

disposto no n.º 3 do artigo 283º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12

de Fevereiro.

Com as limitações previstas nos artigos 14º e 15º da Lei, relativamente a acidentes

para os quais se verificou a concorrência de condutas tipificadas do trabalhador

(dolosamente provocado, com violação das condições de segurança estabelecidas na lei

2 O acidente equiparado a acidente de trabalho previsto no artigo 9º da lei que se refere a acidentes na deslocação de e para o trabalho não será considerado neste momento. 3 Reparação como noção mais lata que a de indemnização, pois inclui a obrigação de tratamento e não só a indemnização conforme o artigo 23º da Lei.

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ou pela entidade empregadora, que resulte de negligência grosseira do sinistrado, que

resulte da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, salvo se esta

apresentar um nexo causal adequado com a prestação do trabalho) e os casos em que o

acidente provem de motivo de força maior, força inevitável da natureza, exceto se na

produção do acidente se verificar um nexo causal adequado com a prestação do trabalho.

CAPÍTULO III: A RESPONSABILIDADE PELO RISCO O Professor Antunes Varela 4 refere duas formas de responsabilidade civil

extracontratual não baseada na culpa, excecionais em relação ao regime geral do n.º 1 do

artigo 483º do Código Civil, a que tem origem em factos lícitos danosos e a fundada no

risco.

Não se cuidará da primeira neste texto, posto que a responsabilidade pelo acidente

de trabalho, o nosso tema, é carateristicamente uma situação de responsabilidade pelo

risco.

Refere o Professor Antunes Varela que «Há largos e importantes sectores da vida em que

as necessidades sociais de segurança se têm mesmo de sobrepor às considerações de

justiça alicerçadas sobre o plano das situações individuais.

Torna-se necessário, quando assim seja, temperar o pensamento clássico da culpa

com certos ingredientes sociais de carácter objectivo.

Foi no domínio dos acidentes de trabalho que primeiro se chegou a tal conclusão.5»

Continuando a seguir Antunes Varela foi o aumento de riscos de acidente e a gravidade

das suas consequências que resultaram da revolução industrial e a diferença de poder entre

a entidade empregadora e o trabalhador que tornaram necessário o estabelecimento de

uma forma de indemnização por acidente em que a demonstração da culpa na sua

produção não tivesse o mesmo peso que na responsabilidade extracontratual tal como

prevista no n.º 1 do artigo 483º do Código Civil.

4 Varela, João de Matos Antunes, Das Obrigações em Geral, vol. I, 4ª edição, Almedina, Coimbra, 1982. 5 Op. Cit. Página 557.

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Se os critérios da responsabilidade aquiliana previstos naquele n.º 1 fossem

aplicados aos acidentes de trabalho o trabalhador ficaria a maior parte das vezes indefeso

tendo de demonstrar que o acidente ocorreu por motivo imputável à entidade empregadora,

o que o colocaria numa situação de inferioridade, desde logo por causa da dificuldade da

prova6.

A este propósito escreve João Leal Amado «(…) a relação de trabalho é uma relação

profundamente assimétrica, isto é, manifestamente inigualitária, pois o trabalhador, a mais

de em regra, carecer dos rendimentos do trabalho para satisfazer as suas necessidades

essências (dependência económica), fica sujeito à autoridade e direcção do empregador

em tudo o que diz respeito à execução do trabalho (subordinação jurídica).»

O estabelecimento de regras próprias relativas à responsabilidade civil pelo acidente

de trabalho visou responder assim numa primeira etapa de socialização do risco:

A etapa em que a posição de risco tem uma origem contratual.

A que se responde impondo regras de direito público nas relações contratuais. A

imposição da obrigação de segurar é uma regra imposta pelo Estado num quadro contratual

de direito privado.

A esta etapa, a da consideração do risco como decorrente de uma posição contratual

seguir-se-á outra, a do entendimento do risco como decorrente de uma posição social.

Já fora do âmbito dos acidentes de trabalho foram consideradas atividades causadoras de

risco a condução de veículos automóveis, as atividades relacionadas com instalações

elétricas ou de gás, normalmente associadas à imposição de obrigações de segurar os

possíveis danos causados pelas instalações ou pelos veículos.

Neste caso não foi já o risco resultante de uma posição contratual, a relação

empregador/trabalhador, mas o risco social da atividade que levou à definição de uma

forma de responsabilidade especial, a «responsabilidade pelo risco» a que alude o

Professor Antunes Varela.

Esta responsabilidade social baseia-se na ideia de risco social em que a humanidade

vive em que as tecnologias contêm um lado de perigo particularmente grave.

6 Abordar-se-á a importância da prova como categoria lógica determinante da instituição da responsabilidade pelo risco.

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O que historicamente veio a tomar proporções que impuseram uma revisão

qualitativa. «As anteriormente celebradas fontes de riqueza (energia atómica, indústria

química, tecnologia genética, etc.) transformam-se em imprevisíveis fonte de perigo.» diria

Ulrich Beck7.

Chernobyl é o exemplo presente na obra do autor. Mas depois houve Fukuxima a

dar mais um exemplo mais atual.

A esta terceira etapa a rede de asseguramento não poderá dar resposta.

Esta tem uma fonte mais larga que da posição contratual, não é preciso existir um contrato

de trabalho para existir o perigo e tem uma fonte mais larga que a afetada pelo risco

tecnológico simples do acidente de automóvel ou da explosão da instalação de gás.

Globalizou-se.

Da consideração de uma vítima individual no acidente de trabalho ou de um número

finito de vítimas num acidente com tecnologias que na sua geração mais simples remontam

ao século XIX, partiu-se para a globalização do risco.

O risco provocado por um acidente com a dimensão de catástrofe como o acidente

causado pelo tsunami na Central de Fukuxima é global. Não é confinado a uma pessoa,

uma área, um conjunto de ruas, uma cidade ou mesmo um país.

Pode mesmo pôr em causa a sobrevivência da humanidade.

Nem é possível ser segurado. Qualquer seguradora ficaria naturalmente insolvente

e incapaz de pagar indemnizações em caso de catástrofe global mesmo que esta não

tivesse as proporções do Dilúvio.

CAPÍTULO IV: A FORMULAÇÃO DA RESPONSABILIDADE PELO

RISCO OU RESPONSABILIDADE OBJECTIVA Como diz o Professor Antunes Varela (página 559) «Ao lado da doutrina clássica da

culpa, um outro princípio aflorou assim neste sector: o da teoria do risco. (…) quem cria ou

mantém um risco em proveito próprio, deve suportar as consequências prejudiciais do seu

emprego, já que delas colhe o principal benefício».

7 Beck, Ulrich, Sociedade de Risco, Rumo a uma outra modernidade, Editora 34, S. Paulo, 2010, página 62.

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Assim ao princípio de que a responsabilidade se funda na culpa do n.º1 do artigo

483.º do Código Civil segue-se a exceção que refere que nos casos especificados na lei –

sendo certo que as disposições relativas aos acidentes de trabalho são casos especificados

na lei – existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa.

A questão coloca-se em se deve ser a culpa o citério definidor da responsabilidade

pelo risco.

Ao termo «responsabilidade pelo risco» faz o Professor Antunes Varela equivaler a

expressão «responsabilidade objetiva». Objetiva por ser independente da culpa do agente

na produção do evento de que resulta o dever de indemnizar.

No entanto ao tratar da questão da relevância negativa da causa virtual do dano8 o

Professor Antunes Varela coloca a questão de esta ser relevante se se demonstrar que não

pode ser imputada culpa na produção do dano.

Esta articulação entre culpa e causa é uma questão principal para a definição de

acidente de trabalho indemnizável.

É que os dois pressupostos não são mutuamente exclusivos.

Tentando estabelecer uma caraterização de culpa e de nexo causal:

«Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação

ou censura do direito: o lesante, pela sua capacidade em face das circunstâncias concretas

da situação podia e devia ter agido de outro modo.9»

Eduardo Correia10 define culpa como «censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por

não ter agido de modo diverso…» fazendo pressupor a liberdade do agente.

Esta é uma definição de Direito Penal, um ramo público do direito, no entanto por

um lado é semelhante à referida acima, facilitando a sua interpretação, e por outro há um

caráter vinculado um lado de contrato típico no contrato de trabalho em que o poder do

Estado se manifesta, nomeadamente, e no que nos importa, a imposição da obrigação da

celebração de contrato de seguro de prevenção de acidentes laborais pela entidade

empregadora (artigo 79º da Lei).

8 Op. Cit. Página 544. 9 ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, Código Civil Anotado, Volume I (Artigos 1º a 761º), 4º Edição Revista e Atualizada (com colaboração de M. Henrique Mesquita), Coimbra Editora, 1987, página 474. 10 Direito Criminal, Almedina, Coimbra, 1971, Vol. I, página 316.

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Quanto ao nexo causal:

Eduardo Correia11 aponta duas doutrinas relevantes, a da «conditio sine qua non» ou das

«condições equivalentes» e da «causalidade adequada».

Trata-se acerca da causalidade de «determinar se o resultado se pode

verdadeiramente imputar ao movimento corpóreo do agente»12.

Segundo a doutrina da conditio sine qua non «cada uma das condições sem a qual

não se verificaria o resultado (sine qua non) seria também causa e assim todas as

condições seriam equivalentes para o efeito de a cada uma se poder imputar o resultado.13»

Já a doutrina da causalidade adequada, que é a defendida pela generalidade os

autores, é definida pelo Professor Eduardo Correia deste modo:

«para que se possa estabelecer um nexo de causalidade entre um resultado e uma acção

não basta que a realização concreta daquele se não possa conceber sem esta. É

necessário que em abstracto a acção seja idónea para causar o resultado.»

Segundo Galvão Telles 14 a causalidade adequada é: «Determinada acção ou

omissão será causa de certo prejuízo se, tomadas em conta todas as circunstâncias

conhecidas do agente e as mais que um homem normal poderá conhecer, essa acção ou

omissão se mostrava, à face da experiência normal comum, como adequada à produção

do referido prejuízo, havendo fortes probabilidades de o originar.»

«Adequada à produção» ou «idónea para causar» parecem ser expressões

equivalentes.

Mas na realidade este confronto entre culpa e causalidade parece pouco delimitado.

A definição de causalidade adequada de Eduardo Correia parece ser uma definição que

apela a circunstâncias externas ao agente, a idoneidade da ação, enquanto Galvão Telles

parece apelar ao conhecimento da adequação causal, que é um elemento interno ao

agente.

O apelo à doutrina da «conditio sine qua non» tem aqui uma importância maior que

a importância histórica.

11 Op. cit. página 252 e seguintes. 12 Idem. 13 Idem. 14 Citado por ANTUNES VARELA e PIRES DE LIMA, op. cit., página 578.

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É que se na responsabilidade civil em geral o nexo causal exigido é hoje sem

discussão a causalidade adequada, e a evocação da doutrina das condições equivalentes

é uma referência histórica, pode não ser exatamente assim em casos excecionais,

perfeitamente delimitados pela lei.

CAPÍTULO V: STUART MILL E A QUESTÃO DA PROVA DO

NEXO CAUSAL John Stuart Mill procurou em “Sistema de Lógica Dedutiva e Indutiva15”um sistema

de lógica que permitisse trabalhar dados de experiência empírica, uma formulação de

regras lógicas que permitissem induzir conclusões que permitissem demonstrar evidências

através de um sistema de confronto com a experiência e não apenas através de um sistema

de lógica formal.

Estas regras tratam de um sistema probatório e a sua aplicação ao mundo do direito,

ao mundo da prova, foi primeiro teorizada por Maximiliam von Buri, juiz do Supremo

Tribunal alemão, que lhe chamou “teoria da equivalência”16.

No caso do acidente de trabalho as regras probatórias relativas à sua ocorrência e

extensão não são as regras da responsabilidade contratual 17 . Embora a relação que

proporcionou a ocorrência, a relação laboral, seja um contrato não está em causa o seu

incumprimento. O que está em causa é que no seu cumprimento o trabalhador sofreu uma

lesão.

A regra da demonstração da obrigação de reparar se fosse a regra geral aplicável à

responsabilidade extracontratual imporia ao trabalhador a demonstração da culpa da

entidade patronal na ocorrência do acidente.

15 Disponível em 2015.06.18 em https://www.gutenberg.org/files/27942/27942-h/27942-h.html 16 Äquivalenztheorie. 17 João Nuno Calvão da Silva, em artigo na Revista da Ordem dos Advogados (http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=71981&ida=72375) defende que a responsabilidade da entidade empregadora em caso de acidente de trabalho é uma responsabilidade contratual, posto que o acidente é uma violação do direito do trabalhador a ver a sua integridade física respeitada no trabalho, no entanto essa formulação apela ao elemento culpa da entidade empregadora, tratar-se-ia de uma culpa presumida, quando o que a lei parece colocar é uma condição equivalente, como se defenderá.

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E traria uma desigualdade entre a situação do trabalhador e da entidade

empregadora dada a diferença de poder entre a entidade empregadora e o trabalhador.

Seria tratar como iguais duas entidades com situações diferentes, com graus de

poder diferentes. Seria uma situação de larga desvantagem do trabalhador acidentado.

A questão da prova da culpa da entidade patronal, que seria muito difícil para o

trabalhador, veio a ser torneada por um sistema em que não é a demonstração da culpa

que determina o direito à reparação.

A consideração de que o exercício de uma atividade provoca o perigo de ocorrência

de acidentes com contração de lesões e que o mero exercício da atividade através do fator

imprevisibilidade proporciona que esses acidentes aconteçam e que com o uso de

maquinaria a gravidade das consequências dos acidentes tenha a probabilidade de

aumentar levou a construir um sistema baseado no risco.

Tendo aumentado as probabilidades de ocorrência de acidentes e tendo em conta a

posição mais débil do trabalhador no sistema legal fundou-se uma doutrina válida para os

acidentes de trabalho em que o nexo causal do acidente com a atividade laboral fosse

presumido pelo sistema das condições equivalentes.

Mas o sistema das condições equivalentes não pode ser aplicado diretamente. As

condições têm de ser limitadas. De outro modo qualquer antecedente de um fenómeno, no

caso um acidente de trabalho, poderia ser considerado sua causa. Mas tal não é o que se

pretende.

O que se pretende é que o risco associado a uma atividade laboral seja reconhecido

como causador do direito a ser reparado.

E a solução foi criar um numerus clausus de condições.

Tipificar as condições em que se produz o acidente que dá origem ao direito a ser

reparado.

O que se verifique no local e no tempo de trabalho.

A Lei tipifica uma situação, o local e tempo de trabalho, e estabelece como causa do

acidente essa condição.

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CAPÍTULO VI: AS CAUSAS DE DESCARATERIZAÇÃO O artigo 14.º da Lei prevê a descaraterização do acidente de trabalho que impõe a

obrigação de reparação.

- Os dolosamente provocados pelo sinistrado ou que provenham de seu ato ou omissão

que importe violação sem causa justificativa das condições de segurança estabelecidas

pelo empregador ou previstas na lei.

Para densificação deste conceito veja-se o Acórdão de 2010.01.11 da Relação do

Porto18 «O trabalhador que desprende o cabo ligado a uma “linha de vida”, por ter receado

apanhar um choque eléctrico pelo contacto entre o cabo a que estava preso e a extensão

eléctrica que se encontrava em cima do telhado, não configura uma voluntária e consciente

violação das condições de segurança impostas pelo empregador.»

Ou o Acórdão do TR Guimarães de 2015.02.12 19 «Não se tendo provado a

existência de uma regra de conduta aplicável à operação desenvolvida ou qualquer ordem

transmitida ao trabalhador, e, bem assim, a violação consciente de alguma regra, antes

emergindo dos factos que o trabalhador não usou dos cuidados devidos, falha o

preenchimento dos pressupostos de descaracterização do acidente.»

O n.º 2 do preceito clarifica que a instrução de segurança deve ser dirigida à

capacidade efetiva de entendimento do trabalhador face ao seu grau de instrução ou de

acesso à informação, remetendo assim para a entidade empregadora a responsabilidade

por verificar que as instruções são realmente apreendidas.

Deste modo a prova de que a violação das regras se deveu ao trabalhador é ónus

da entidade empregadora (ou da seguradora que assuma a responsabilidade por

transferência).

Pode dar-se como exemplo de regras de segurança o Decreto n.º 41821/58, de 11

de Agosto, que estabelece o REGULAMENTO DE SEGURANÇA NO TRABALHO DA

18 http://www.dgsi.pt/JTRP.NSF/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/f92fa9afbaa83d44802576b200589396?OpenDocument 19 http://www.dgsi.pt/JTRG.NSF/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/c908696dfecd8c9980257dff005ba03c?OpenDocument

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CONSTRUÇÃO CIVIL, posto que é na construção civil que tradicionalmente ocorrem os

acidentes com consequências mais graves para os trabalhadores.

Este impõe deveres à entidade empregadora (por exemplo o do artigo 1º: «É

obrigatório o emprego de andaimes nas obras de construção civil em que os operários

tenham de trabalhar a mais de 4 m do solo ou de qualquer superfície contínua que ofereça

as necessárias condições de segurança.») e que se impõem também aos trabalhadores

(por exemplo o do artigo 55º: «Todo o pessoal empregado em trabalhos de demolição usará

calçado adequado.»)

- Os que provierem exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.

O Acórdão de 2012.06.18 do TR Porto20 permite delimitar o conceito de negligência

grosseira.

«I - Para descaracterizar o acidente, com base na negligência grosseira do

sinistrado, é preciso provar que a sua conduta se apresente como altamente reprovável,

indesculpável e injustificada, à luz do mais elementar senso comum.

II - A negligência grosseira corresponde a uma negligência particularmente grave,

qualificada, atento, designadamente, o elevado grau de inobservância do dever objectivo

de cuidado e de previsibilidade da verificação do dano ou do perigo.

III – O facto da conduta do sinistrado integrar uma infracção estradal classificada por

lei como contra-ordenação grave ou muito grave não basta só por si para se dar por

preenchido o requisito da culpa grosseira, para efeitos de descaracterização do acidente

de trabalho. É que os fins visados na legislação rodoviária são diferentes dos visados na

lei dos acidentes de trabalho.»

Para além da delimitação contante do n.º 3 do artigo 14º da Lei como comportamento

temerário em alto e relevante grau.

Como se diz no Acórdão de 2015.03.25 do TR Lisboa: «IV. Ao qualificar deste modo

a negligência de grosseira, o legislador quis afastar a simples imprudência, inconsideração,

irreflexão, impulso leviano que não considerou os prós e os contras.»

20 http://www.trp.pt/seleccionada/social/244-social212-10-9ttvng-p1.html

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Ou seja a negligência grosseira é a que consubstancia um comportamento temerário

em alto e relevante grau, não bastando ser um comportamento negligente, o que apenas

consubstancia a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não

considerou os prós e os contras.

- A lei afasta ainda os casos de acidentes ocorridos em estado de intoxicação ou outro

motivo de privação permanente ou acidental do uso da razão pelo trabalhador.

Conforme o Acórdão de 2007.05.03 do TR Coimbra 21 no domínio da anterior

legislação (Lei Nº 100/97, de 13/09) que continha uma disposição semelhante, «II – Não

basta, para descaracterizar o acidente de trabalho, que o sinistrado apresente um grau de

alcoolémia elevado aquando do acidente; é necessário, para o referido efeito, que se prove

que a concentração alcoólica verificada influenciou a verificação do acidente (nexo de

causalidade entre a referida situação e a verificação do acidente).

III – Este ónus compete à entidade patronal ou à seguradora do trabalhador.

IV – Ao contrário do que sucedia na anterior lei (artº 54º do D.L. nº 360/71, de 21/08),

não vigora actualmente qualquer presunção de culpa do empregador em acaso de acidente

de trabalho; quem invocar os fundamentos previstos no artº 18º, nº 1, da NLAT - falta de

observação de norma ou regra de segurança por parte da entidade patronal -, como facto

constitutivo de direitos ou como facto impeditivo, terá o ónus da prova dos factos

respectivos.»

Para a descaraterização do acidente como acidente de trabalho indemnizável a Lei

socorre-se do elemento culpa.

Por detrás da descaraterização encontra-se o elemento culpa. Quando existe culpa

do trabalhador, grave nos termos do artigo 14º, então a responsabilidade da entidade

empregadora é afastada.

Mas a regra do ónus da prova volta a ser a normal da responsabilidade

extracontratual, será à entidade patronal que incumbe a prova da culpa grave e exclusiva

do trabalhador.

21 http://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/c3fb530030ea1c61802568d9005cd5bb/cd0af6ec10e03504802572d6004b9a02?OpenDocument

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Ou seja, o fundamento do estabelecimento de uma norma especial para os acidentes

de trabalho de fixação de uma condição equivalente típica, que é a assimetria de posições

na relação laboral, mantém-se e mantém-se em vigor a consequência de haver um

favorecimento da posição do trabalhador para equilibrar aquela assimetria, posto que o

ónus da demonstração das circunstâncias que descaraterizam o acidente se mantém.

CAPÍTULO VII: OS CASOS DE FORÇA MAIOR O artigo 15º da Lei exclui da categoria de acidente de trabalho indemnizável o que

seja devido à ação de forças inevitáveis da natureza, independentes de intervenção

humana, a não ser que não constitua risco criado pelas condições de trabalho nem se

produza ao executar serviço expressamente ordenado pelo empregador em condições de

perigo evidente.

O conceito de acidente de trabalho indemnizável refere-se ao acidente que tem um

conexão com o tempo e local de trabalho. Porque esta conexão permite estabelecer uma

conexão com a prestação do trabalho que só será excluída em caso de descaraterização.

E esta norma justifica-se pelo facto de as circunstâncias do trabalho, nomeadamente o

industrial, constituírem riscos da ocorrência de lesões para o trabalhador.

Ou seja, o pressuposto é o de que o trabalhador pelo facto de exercer a atividade de

trabalho está mais sujeito a perigos que a maior parte das pessoas, que o risco de

ocorrência de acidentes e a gravidade das consequências destes são superiores àquelas

a que estão sujeitas todas as pessoas.

No entanto se se demonstrar que o acidente se deveu à ação de forças inevitáveis

da natureza, independentes de intervenção humana, o trabalhador estará sujeito às

mesmas condições que qualquer pessoa em qualquer circunstância.

Por isso a razão de que a prestação do trabalho constituiria uma fonte de perigos, e

portanto um risco para o trabalhador, neste caso não pode ser fundamento para a definição

de acidente de trabalho indemnizável.

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O Acórdão de 1996.02.07 do STJ22 não considera que um incêndio florestal de que

o trabalhador se vira obrigado a fugir constitua uma ocorrência devida a forças inevitáveis

da natureza independentemente da intervenção humana.

CAPÍTULO VIII: O ACIDENTE OCORRIDO NO PERCURSO PARA

O TRABALHO O artigo 8º da Lei prevê na alínea a) do n.º 1 que se considera também acidente de

trabalho o ocorrido no trajeto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste desde

que nas condições definidas no n.º 2. Estas são as referidas na alínea b): entre a sua

residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho e

outras especificações que têm um caráter semelhante.

As diversas alíneas do n.º 1 do artigo 8º da Lei referem situações diferentes entre si.

Por um lado situações em que na sua atividade o trabalhador se encontra sujeito às

obrigações decorrentes da execução do contrato de trabalho, ou seja, desempenhadas sob

autoridade e direção da entidade empregadora ou em seu proveito direto. Por outro lado as

que em grau diferente não o estão.

São desempenhadas sob autoridade e direção ou em proveito direto da entidade

empregadora as previstas nas alíneas b) (Na execução de serviços espontaneamente

prestados e de que possa resultar proveito económico para o empregador), d) (No local de

trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de

trabalho, quando exista autorização expressa do empregador para tal frequência), e) (No

local de pagamento da retribuição, enquanto o trabalhador aí permanecer para tal efeito) f)

(No local onde o trabalhador deva receber qualquer forma de assistência ou tratamento em

virtude de anterior acidente e enquanto aí permanecer para esse efeito) e h) (Fora do local

ou tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pelo

empregador ou por ele consentidos).

22 http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/da27fe8bae08ec6e802568fc003afe62?OpenDocument

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Nestas situações o trabalhador está a agir sob a autoridade e direção ou em proveito

direto da entidade empregadora.

Nos casos das alíneas a), c) (No local de trabalho e fora deste, quando no exercício

do direito de reunião ou de atividade de representante dos trabalhadores, nos termos

previstos no Código do Trabalho) e g) (Em atividade de procura de emprego durante o

crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação

do contrato de trabalho em curso) a conexão com o trabalho existe mas não existe o

elemento de subordinação, o elemento de agir sob autoridade e direção.

Nos primeiros casos trata-se apenas de definir o conceito de local de trabalho de

forma lata, de estabelecer que qualquer lugar em que o trabalho seja prestado é local de

trabalho.

Nos casos das alíneas a), c) e g) a razão que levou a criar um regime especial para

os acidentes de trabalho, a «responsabilidade pelo risco» não está presente.

Não se trata de estabelecer que a prestação de trabalho comporta um risco acrescido de

produção de acidentes, trata-se de alargar a proteção relativa aos acidentes de trabalho a

situações em que não há qualquer risco acrescido em comparação com a atividade normal

de qualquer pessoa no seu quotidiano.

Ou seja, a situações em que a prestação de trabalho sob autoridade e direção de

outra pessoa não constitui um elemento que faça aumentar a probabilidade de o trabalhador

ser vítima de um acidente ou de as consequências de um acidente serem particularmente

gravosas.

A noção que justifica esta equiparação dos acidentes ocorridos nestas

circunstâncias aos acidentes de trabalho indemnizáveis é a de «risco de autoridade»23

Esta proteção suplementar evoluiu a partir do conceito de acidente «in itinere», o

acidente ocorrido, conforme a definição da alínea b) do n.º 1 da Base V da Lei n.º 2127, de

3 de Agosto de 1965: o acidente ocorrido «Na ida para o local de trabalho ou no regresso

deste, quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, ou quando

23 Confronte-se o Acórdão de 2013.05.02 do TR Évora in http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/4bb2279a7556d40880257de10056fc40

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o acidente seja consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras

circunstâncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso.»

Esta disposição destinava-se a englobar os acidentes ocorridos em situação de

particular risco de ocorrência para o trabalhador em virtude de existir um particular risco

para o trabalhador causado pela natureza do percurso ou por circunstâncias ligadas à

atividade exercida por ele.24

Na Lei 2127 o nexo causal entre o acidente in itinere em que se considerasse o

particular perigo do percurso normal ou as circunstâncias que tenham agravado o risco do

percurso e a atividade laboral não era o das «condições equivalentes» tipificadas mas a

causalidade adequada25.

O acidente seria de trabalho se ocorrido em transporte fornecido pela entidade

patronal, e nesse caso os pressupostos seriam os mesmos que os exigidos para o acidente

em tempo e local de trabalho, ou em circunstâncias relacionadas com o trabalho.

A disposição terminava a discussão sobre se os acessos ao local de extração nas

minas, acessos por túneis em que a probabilidade de acidente grave é muito elevada,

seriam ou não «local de trabalho» ou se os acidentes causados por dificuldade de

coordenação motora após a saída do local de trabalho sob os efeitos de intoxicação em

ambientes de trabalho com químicos seriam ou não causados (no sentido de condição

equivalente) pelo exercício da atividade profissional.

Com a atual Lei, Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro, como já na vigência da Lei n.º

100/97, de 13 de Setembro, que a antecedeu, a definição de acidente ocorrido no trajeto

foi alargada a todos os acidentes ocorridos no trajeto entre o domicílio do trabalhador e o

local de trabalho.

A razão de ser deste alargamento será não já o entendimento do acidente de

trabalho como o resultado de um risco especial para o trabalhador emergente do exercício

da atividade laboral, o aumento de riscos de acidente e a gravidade das suas

consequências que resultaram da revolução industrial e a diferença de poder entre a

24 Cfr. O parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º P000191974 de 28 de junho de 1974 in http://www.gde.mj.pt/pgrp.nsf/6be0039071f61a61802568c000407128/b3a3416ab10c66f8802566170041aa46 25 Cfr. parecer do Conselho Consultivo da PGR n.º P002131980 de 6 de janeiro de 1982 in http://www.gde.mj.pt/pgrp.nsf/6be0039071f61a61802568c000407128/7fe4392d0da77ee2802566170041cf1d

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entidade empregadora e o trabalhador, como se referiu acima, mas uma ideia de

responsabilidade social.

A assunção de que a função social do trabalho é superior à simples consideração

do proveito na relação laboral, o lucro da atividade, mas que o trabalho em si tem um valor

social com custos que devem ser assegurados pelo conjunto da sociedade.

Assim a reparação do acidente deverá ser feita não só tendo em conta a específica

prestação de trabalho, o exercício da atividade, mas das circunstâncias relacionadas com

aquela prestação.

É uma noção de acidente indemnizável que não assenta já num pressuposto

relacionado com o cumprimento de contrato, não assenta já na ideia de que o que há a

indemnizar é a perda de capacidade de trabalho em virtude da ocorrência de um acidente

que se tornou mais provável de acontecer e com consequências mais graves pelo

manuseamento de máquinas, ideia ligada à produção industrial.

A razão de ser desta nova orientação que leva a considerar como acidente de

trabalho atividade de facto relacionados com o trabalho mas não com o seu exercício, ou

seja, já não com o cumprimento do contrato mas com circunstâncias que socialmente são

relevantes mas que extravasam o cumprimento por uma parte da obrigação de prestar

trabalho sob autoridade e direção de outra parte contratual, é a noção de função social do

trabalho.

Tendo o trabalho uma função social a ideia que informa a lei é a de socializar os

riscos a que os trabalhadores são submetidos, a de fazer equiparar qualquer risco

decorrente de uma atividade necessária para o exercício da atividade laboral, como a

deslocação de casa para o trabalho, ao acidente ocorrido em tempo e local de trabalho.

Como ilustração de atividades de risco ligadas a uma indústria ainda em certa

medida não muito diferente das condições industriais do século XIX cita-se um cartaz da

FESETE (Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores Têxteis, Lanifícios, Vestuário,

Calçado e Peles de Portugal) sobre as atividades perigosas para os trabalhadores nas

indústrias têxtil, de vestuário e de calçado26:

26 Disponível em fesete.pt/portal/docs/pdf/cartazacidentes.pdf

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ONDE PODERÃO OCORRER MAIS ACIDENTES?

Têxtil Vestuário Calçado

Abertura e transporte

de fardos

Cardas

Contacto com órgãos

das maquinas em

movimento

Estamparia

Tinturaria

Acabamentos/secagem

Corte

Máquina de ponto

corrido

Máquina de corte e

cose

Máquina de pregar

botões

Máquina de casear

Passagem a

ferro/vapor

Prensas não

giratórias

Corte:

- Golpes provocados

pelo uso de facas e

balancés que prensam

moldes/cortantes.

Montagem e

acabamento:

- entalamento ou

esmagamento devido à

existência de diversos

equipamentos com

partes móveis,

mandíbulas ou que

prensam materiais.

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CONCLUSÃO A resposta a catástrofes com projeção internacional como o terramoto de Lisboa de

1755 abriu o caminho à consideração da resposta social a acidentes que se apresentavam

com um caráter menos localizado e mais difuso.

Essa resposta impôs-se com a multiplicação dos acidentes de trabalho decorrente

da industrialização e com a gravidade aumentada das consequências destes, que levou à

consciência de que este risco e esta perigosidade aumentadas impunham uma resposta

social.

A aplicação das normas de direito tradicionais relativas à responsabilidade civil

aquiliana imporiam ao trabalhador a demonstração de que o acidente ocorrera por facto

imputável a título de culpa e de causalidade à entidade patronal, pelo que se desenhou

uma forma de acautelar a reparação dos acidentes de trabalho que fosse baseada em

princípios diferentes.

Surgiu assim a «responsabilidade pelo risco» forma doutrinária que iria ser aplicada

não só a acidentes de trabalho mas também a outro tipo de acidentes decorrentes de

atividades que a modernidade impôs e que na esteira da legislação laboral vieram a impor-

se como geradoras de reparação social, nomeadamente a condução de automóveis.

A ideia informadora da inovação da «responsabilidade pelo risco» é a estipulação

de uma «condição equivalente» na esteira do pensamento de Stuart Mill em relação à prova

da causalidade dos fenómenos.

O acidente de trabalho indemnizável, em que o objeto de reparação é a capacidade

de trabalho, será o ocorrido em tempo e lugar de trabalho desde que não ocorrido por

motivo de força maior ou com culpa grave do trabalhador, o que inclui o dolo e a violação

das regras de segurança.

A atual previsão legal da figura do acidente de trabalho indemnizável inclui os

acidentes ocorridos na deslocação de e para o trabalho, ou outras situações como a procura

de novo emprego, em condições normais de risco para qualquer pessoa. Esta previsão não

é a clássica do acidente de trabalho, associada ao risco profissional, mas uma previsão

relacionada com a função social do trabalho, com o papel dos trabalhadores na sociedade,

não visa reparar a perda de capacidade de trabalho mas uma função de seguro social.