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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 42 | setembro 2016 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA SETEMBRO 2016 42 O TERRORISMO GLOBAL E AS NOVAS PLATAFORMAS DE COMUNICAÇÃO: A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS PELO MOVIMENTO JIHADISTA GLOBAL COMO MEIO DE PROPAGANDA, RADICALIZAÇÃO E RECRUTAMENTO THE GLOBAL TERRORISM AND THE NEW COMMUNICATION PLATFORMS: THE USE OF THE SOCIAL NETWORKS BY THE GLOBAL JIHADIST MOVEMENT FOR PROPAGANDA, RADICALIZATION AND RECRUITMENT MARIA LUÍS BARBOSA Mestrando em Direito e Segurança RESUMO As TIC revolucionaram a forma como interagimos e partilhamos informação. Conscientes das suas potencialidades, organizações terroristas têm vindo a aproveitar-se destas plataformas digitais para se organizarem e comunicarem. Assistimos ao crescimento de um movimento jihadista global, que se apoia nas novas plataformas de comunicação social para espalhar a sua mensagem e recrutar adeptos. As redes sociais são utilizadas para fazer propaganda, através de uma retórica religiosa extremista, que

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O TERRORISMO GLOBAL E AS NOVAS PLATAFORMAS DE COMUNICAÇÃO: A UTILIZAÇÃO DAS REDES SOCIAIS PELO MOVIMENTO JIHADISTA GLOBAL COMO MEIO DE PROPAGANDA, RADICALIZAÇÃO E RECRUTAMENTO THE GLOBAL TERRORISM AND THE NEW COMMUNICATION PLATFORMS: THE USE OF THE SOCIAL NETWORKS BY THE GLOBAL JIHADIST MOVEMENT FOR PROPAGANDA, RADICALIZATION AND RECRUITMENT

MARIA LUÍS BARBOSA Mestrando em Direito e Segurança

RESUMO As TIC revolucionaram a forma como interagimos e partilhamos informação.

Conscientes das suas potencialidades, organizações terroristas têm vindo a aproveitar-se

destas plataformas digitais para se organizarem e comunicarem. Assistimos ao

crescimento de um movimento jihadista global, que se apoia nas novas plataformas de

comunicação social para espalhar a sua mensagem e recrutar adeptos. As redes sociais

são utilizadas para fazer propaganda, através de uma retórica religiosa extremista, que

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procura angariar apoiantes e aliciar novos membros para a causa. Cientes desta ameaça

são várias as estratégias que as instituições têm adotado para a reprimir. A resposta das

comunidades deverá abarcar várias dimensões e focar-se não só em medidas repressivas

como em soluções alternativas à narrativa jihadista.

PALAVRAS CHAVE Jihadismo global; redes sociais; propaganda; radicalização e recrutamento

ABSTRACT The ICT revolutionized the way we interact and share information. Aware of its

potentialities, terrorist organizations have been using these new digital platforms to

comunicate and organize. We are witnessing the appearance of a global jihadist

movement supported by these new platforms of social communication. Those

organizations relay on these digital platforms to spread their message and to raise new

members. The social networks are used for propaganda, filled with an extreme religious

rhetoric, which aims to influence followers and recruit supporters. Conscious of the rising

of the terrorists digital influence, the institutions have been adopting numerous strategies

to suppress it. The comnunities' aswer must embrace not only repressive measures as

alternative solutions to the jihadist narrative.

KEYWORDS Global jihadism; social networks; propaganda: radicalization and recruitment

INTRODUÇÃO As novas tecnologias da informação e da comunicação (TIC) trouxeram um sem

número de vantagens e capacidades das quais usufruímos todos os dias através de uma

diversidade de dispositivos que nos ligam ao mundo. A internet veio revolucionar a forma

como nos relacionamos e a interação virtual tornou-se uma realidade tão comum como a

pessoal. Atualmente, poucos são aqueles que não utilizam alguma das várias plataformas

sociais ou de partilha de conteúdo existentes, como o Twitter, o Facebook ou o Youtube,

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onde a constante partilha de informação em vários formatos tornou-se uma realidade que

trouxe consigo tantos benefícios como inconvenientes.

As novas plataformas de comunicação e interação social, tão promissoras quanto

perigosas, permitiram a propagação de um movimento e o desenvolvimento de uma nova

ameaça a que chamamos de jihadismo global.

Compreender de que modo as TIC influenciaram o crescimento desta ameaça

global, a forma como revolucionaram a maneira de se fazer propaganda através das

novas redes de comunicação e como os Estados têm respondido a esta ameaça,

apresentam-se como os objetivos deste trabalho. Compreendendo a dificuldade que uma

análise extensiva deste fenómeno exigiria para uma plena perceção do problema, esta

exposição focar-se-á na exploração da utilização das novas plataformas de comunicação

social pelas organizações terroristas para a prossecução dos seus propósitos.

Assim, a presente exposição propõe-se a uma breve exploração da utilização da

internet pelas organizações terroristas, mais precisamente do uso das redes sociais e das

novas plataformas de partilha de conteúdo, com o intuito final de compreender como os

governos e as comunidades têm respondido a esta nova ameaça.

Posto isto, a primeira parte do trabalho apresenta uma breve definição e

contextualização do terrorismo, mais concretamente o terrorismo jihadista, enquanto nova

ameaça à segurança

No segundo capítulo serão examinadas as potencialidades da internet para as

organizações terroristas. Sendo enunciadas as variadas formas de utilização dos novos

meios de comunicação por estas redes, a propaganda, a radicalização e o recrutamento

serão aqui explorados enquanto métodos de organização e estratégia terrorista.

Finalmente, após compreendida a extensão do problema, serão expostas as

estratégias utilizadas atualmente que envolvem Estados e comunidades no combate à

propaganda e à mobilização de novos apoiantes.

O TERRORISMO JIHADISTA

Desde os ataques aos Estados Unidos em setembro de 2001 e mais recentemente

com os atentados à Europa, que o nosso quotidiano é invadido por temas como o

terrorismo, o jihadismo global, a al- Qaeda ou o autoproclamado Estado Islâmico (EI).

Estes representam uma nova e complexa ameaça à ordem securitária internacional,

exigindo uma compreensão holística do problema. Propondo-se a estudar uma das várias

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dimensões que esta ameaça abarca, torna-se necessário introduzir brevemente alguns

dos conceitos empregues quando se fala no terrorismo, ou no jihadismo global.

De acordo com o professor José Manuel Anes (2015a), o terrorismo consiste numa

tática que procura instalar o terror e o pânico entre a multidão através de ações violentas

e letais. Pretende descredibilizar as autoridades e eventualmente paralisar total ou

parcialmente uma comunidade, tendo como alvo principal, mas não exclusivo, a

população civil. Segundo a perspetiva do professor, podemos ainda considerar dois tipos

de terrorismo, um de natureza laica, que transporta uma retórica política, e um de

natureza religiosa, cuja ideologia assenta em questões de fé e de religião. Este último

conduz-nos à compreensão do terrorismo que dá nome a este capítulo, o terrorismo

jihadista, ou o jihadismo.

O termo jihadismo é relativamente recente quer na literatura ocidental, quer na

literatura islâmica (Duarte, 2011) e a sua conceptualização é algo controversa (Duarte,

2011; Cannata, 2014). A expressão, que resulta do preceito islâmico de jihad, pode-se

definir sucintamente como sendo a luta ou guerra pelo Islão (Duarte, 2011). Apesar de

estar cheio de simbolismo religioso, em muitos aspetos o significado de jihad tem sido

maculado por organizações terroristas que fazem uso do termo para justificar a violência

utilizada em prol da sua missão ideológica e política (Cannata, 2014).

Segundo os ensinamentos islâmicos, a jihad, ou a sua prática, consubstancia-se

em duas formas distintas: a jihad maior, ou a luta interna, e a jihad menor, ou a luta

externa (Cannata, 2014; Anes, 2015b; Duarte, 2015). Enquanto luta interna, a jihad maior

centra-se no indivíduo, que se deve esforçar para superar desejos e tentações (Cannata,

2014). Sendo uma luta interior, de melhoria espiritual e religiosa (Anes, 2015b), procura ir

contra os inimigos da vida imaterial, numa luta contra o mal e o egoísmo (Duarte, 2015b).

Por seu turno a jihad menor, ou externa, consiste na luta armada contra o inimigo do Islão

(Duarte, 2015), salientando a obrigação coletiva para travar a guerra santa contra os

infiéis, a fim de garantir a ummah1 (Gould, 2005; Janbek, 2011 cit in Cannata, 2014;

Duarte, 2015).

1 O conceito de ummah refere-se à comunidade, representando a comunidade islâmica mundial

(Duarte, 2015)

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Também referido como terrorismo islamista2, Duarte (2015) afirma que o jihadismo

afastou-se do islamismo enquanto combate político, e radicalizou-se. Defende agora uma

utopia, visando a aniquilação total do inimigo, sendo este o fundamento para uma ação

violenta. Esta forma de jihad externa é vista como uma obrigação para todos os

muçulmanos, que devem combater o inimigo e defender a ummah (Cannata, 2014; Anes,

2015; Duarte, 2015). Esta versão de combate defende que o Islão só vingará pela

espada, (Duarte, 2015), sendo a base ideológica de organizações terroristas como a al-

Qaeda ou o EI, que pretendem uma jihad global, priorizando a luta contra o inimigo

longínquo, em vez do próximo (Cannata, 2014).

Procurando instaurar um verdadeiro Estado islâmico (califado), este movimento

tem como objetivo a alteração do status quo vigente, construindo esta narrativa em torno

de dois pilares fundamentais: a rejeição da modernidade ocidental e a restauração da

função política da religião. Justificam o uso da violência como única maneira de repor os

valores islâmicos e instaurar um califado - o primeiro passo para uma verdadeira

islamização do mundo (Duarte, 2015).

A tendência em direção a uma missão global, ao invés de uma luta que se

concentra no ambiente imediato dos grupos, está enraizada na conceção da jihad externa

(Cannata, 2014), que procura contrariar o ocidente e a modernização da sociedade. É

neste discurso que encontramos fundamentos para a expansão do jihadismo a nível

global, à qual se associa uma ideologia de grande fervor religioso, assente num plano de

dominação política global (Anes, 2015).

Encontra-se assim uma justificação para o uso da violência, que gira em torno de

uma retórica com fundamentos religiosos e pretensões políticas. De acordo com Duarte

(2015), este discurso do jihadismo global pode ser articulado em torno de quatro

premissas essenciais. Em primeiro lugar, esta retórica parte do pressuposto que os

muçulmanos estão sob ataque pelos não muçulmanos e que só organizações como a al-

Qaeda ou o EI é que combatem estes inimigos. Isto leva-nos à segunda premissa, que

2 Conforme Duarte (2015) a corrente islamista não consiste numa extensão do Islão, distinguindo-se do mesmo

enquanto religião. Diz-nos o autor que esta é essencialmente um movimento social, de retórica metapolítica e com um

carácter secular. Trata-se de uma ideologia societária, que se inspira nos fundamentos do Islão e nos seus textos

sagrados para a constituição de uma comunidade islâmica – a ummah. De acordo com o professor, trata-se um

movimento de rutura, pois pretende a mudança e aniquilação do inimigo, recorrendo a formas específicas de ação para

vingar a doutrina professada. Para este movimento, o Islão apresenta-se como a solução religiosa e política e

justificando-se o uso da violência para a fazer vingar.

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indica estas organizações como a “vanguarda da suposta sublevação dos muçulmanos

oprimidos”, procurando a adesão maciça à causa como um dos meios de efetivar a

revolução. Por sua vez, a terceira premissa evidencia o conteúdo político dos discursos

em temas como a opressão ou a pobreza que, disfarçados pela religiosidade, facilitam a

adesão e justificam ações violentas. Esta religiosidade leva-nos à última premissa que

consiste na utilização de conceitos religiosos, deformando o seu conteúdo, para justificar

ações e mascarar as razões políticas do movimento.

A GLOBALIZAÇÃO DE UM MOVIMENTO Vivemos num mundo globalizado, onde se diluem fronteiras e se altera a noção de

espaço e tempo, num continuum informacional e comunicacional em que somos produto e

produtor das alterações que ocorrem no mundo à nossa volta. A interdependência entre

pessoas e sistemas tornou-se uma realidade constante, onde a distância foi encurtada e o

espaço diluído. Hoje, à semelhança do que Giddens (1991) afirmara, graças ao

desenvolvimento das TIC assistimos a uma intensificação das relações sociais mundiais.

A globalização, segundo este autor, é o que permite que acontecimentos em determinado

local sejam influenciados e influenciem outros que ocorrem a muitos quilómetros de

distância. E esta é uma realidade a que já nos acostumamos.

Os efeitos que a globalização tem sobre o mundo em que vivemos são há muito

reconhecidos e aproveitados por nós. Todavia, apesar de comummente empregue, a

definição do conceito de globalização torna-se difícil devido aos vários aspetos que

abarca, nas suas dimensões económica, política e cultural da vida contemporânea

(Ibrahim, 2002 cit in Ogbonnaya, 2013). Na globalização estão implicadas um conjunto de

transformações históricas e sociais em áreas como a economia (nas novas formas de

subsistência e nos modos de existência), a política (numa perda no nível de controlo

exercido, na medida em que o locus de poder muda gradualmente em proporções que

variam acima e abaixo do Estado territorial), ou a cultura (numa desvalorização das

realizações de uma dada coletividade ou da perceção das mesmas) (Mittelman 2000, cit

in Ogbonnaya, 2013), que tornam este conceito tão complexo quanto dinâmico.

Consiste, portanto, num fenómeno multidimensional que engloba as tecnologias de

informação e uma variedade de outros progressos tecnológicos, que se desenvolvem

rapidamente e cujo alcance se amplifica cada vez mais, tendo a capacidade de

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rapidamente difundir ideias e práticas (Davis, 2006; Smith & Doyle, 2002). Esta nova

ordem mundial resulta na existência de um mercado global e na fácil circulação de bens,

pessoas e serviços que, afetando a forma como a sociedade interage, tornam pessoas e

sistemas cada vez mais interdependentes (Smith & Doyle, 2002). Tudo isto se deve à

cada vez mais fácil e rápida troca e partilha de informação, através de novos meios de

comunicação e interação, como a internet e as redes sociais.

As redes sociais consistem essencialmente numa nova plataforma de comunicação

na internet. Weimann (2014) distingue as redes sociais da comunicação social tradicional

(jornais, televisão, rádio) em aspetos como a interatividade, o alcance, a frequência, a

usabilidade, o imediatismo e a permanência. Ao contrário da segunda, que se caracteriza

por uma comunicação de uma só via, em que há só um emissor que informa os vários

recetores, as redes sociais abrem a possibilidade de qualquer um poder produzir e

partilhar informação, de qualquer parte do mundo, a qualquer hora. As novas tecnologias

da comunicação, acessíveis pela maioria de forma relativamente fácil e barata, criaram

grandes plataformas interativas de transmissão de conhecimento, nas quais indivíduos e

comunidades discutem, criando e modificando o conteúdo da informação. Esta nova

forma de comunicar permite a participação de todos os seus intervenientes, expandindo-

se por toda a rede onde se comunidades virtuais cada vez mais populares entre os

internautas, sobretudo os mais jovens.

As vantagens desta nova forma de comunicação (como o acesso fácil, fluidez da

informação, ser rápida e de baixo-custo, o anonimato na utilização, dispersa no espaço,

com alcance global e com pouca ou nenhuma regulamentação na maior parte dos países)

permitem aos grupos terroristas com diferentes ideologias utilizá-la de forma livre para

comunicarem (Erez, et al. 2011). Organizações terroristas como o EI ou a al-Qaeda não

são exceção e utilizam os novos meios de comunicação para disseminar a sua ideologia.

Giunchi (2015) diz-nos que os novos média aceleraram um processo de dispersão

da autoridade religiosa que se iniciou no século XIX, permitindo que novas vozes

desafiassem os guardiões tradicionais da ortodoxia. Segundo a autora, para além de

espelhar a heterogeneidade que sempre caracterizou a doutrina, a internet popularizou

novos produtos culturais onde fragmentos históricos e doutrinais de diferentes épocas e

locais coexistem, ao mesmo tempo que termos tradicionais assumem novos significados3.

3 Este choque de culturas e consequente intolerância são referidos por Giddens (2002), no seu livro “Runaway

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A autora relembra ainda que apesar de os novos media terem dado voz a novas e

progressivas interpretações da religião, contestando líderes e centros de poder, a sua

convergência com a difusão de ideologias extremistas como o salafismo4, contribuiu para

uma atitude mais intolerante e exclusiva.

A UTILIZAÇÃO DO CIBERESPAÇO De acordo com Felipe Pathé Duarte (2015), o jihadismo global gravita em torno de

três tipos de estruturas: a central, a periférica e a inspiradora. A primeira está

geograficamente localizada e assenta numa cadeia de comando e controlo vertical. A

segunda manifesta-se em filiações regionais espalhadas pelo mundo muçulmano e

“depende de uma estrutura em rede que não é virtual”. Finalmente, a estrutura inspiradora

assume uma dimensão ideológica e concretiza-se através do que o autor considera um

certo “mimetismo operacional”. Apesar de as três estruturas funcionarem em simultâneo e

poderem estar sob a alçada quer da al-Qaeda, quer do EI, será esta última que importará

reter para compreensão desta análise.

Sendo as referidas organizações as que melhor catalisam e maximizam a

militância no jihadismo global, são vários os indivíduos e pequenas células que têm vindo

a agir em seu nome. Contudo, o aludido autor constata que à partida não existe qualquer

tipo de relação entre estes indivíduos e os comandos centrais, ou com os grupos filiados

nestas organizações. É aqui que a estrutura inspiradora assume as suas dimensões

ideológica e mimética. Concretizando-se essencialmente através do ciberespaço, onde

difunde a sua propaganda ideológica, forja “relações sem contacto físico entre indivíduos

que partilham a mesma mundividência.” O elo entre estes atores reside nesta partilha,

que se traduz na narrativa da jihad global, simplificada no ódio contra o ocidente e no

World”. Nele o autor alerta-nos para o confronto do fundamentalismo com a tolerância cosmopolita no campo de

batalha do século XXI, afirmando que “num mundo globalizado, onde a informação e as imagens são constantemente

transmitidas por todo o globo, estamos constantemente em contacto com outros que pensam de maneira diferente e

vivem de maneira diferente de nós”. Esta diferença será tolerada e abraçada pelos cosmopolitas ao passo que os

fundamentalistas a rejeitarão e tenderão a reagir à mesma com violência. 4 O Salafismo, ou a corrente salafista-jihadista, é a dimensão religiosa que enquadra o jihadismo

global. Esta corrente defende que o verdadeiro Islão só poderá ser estabelecido pela espada, através

da jihad violenta (Duarte, 2015)

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professar do Islão. E este elo dá-se graças à utilização do ciberespaço e da internet como

meio de disseminação da retórica jihadista.

Em concordância com a literatura revista, é possível determinar cinco propósitos

essenciais da utilização da internet pelas organizações terroristas. Estes compreendem a

coordenação e o planeamento, o treino, o financiamento, a propaganda, e a mobilização5.

O primeiro propósito consiste na comunicação e pesquisa de informação para

preparar e coordenar possíveis ataques. Por sua vez, o treino de militantes concretiza-se

na disseminação de vídeos onde são partilhadas técnicas de combate e de defesa, de

construção de explosivos caseiros ou de manuseamento de armas. O terceiro propósito

consiste na angariação de fundos pelas organizações terroristas, através de doações ou

de ciberataques a contas de utilizadores. A propaganda, por sua vez, é um dos grandes

propósitos da utilização da internet e acaba por englobar todos os outros. Os terroristas

fazem uma cuidadosa gestão mediática da sua imagem, dos vídeos que passam e da

informação que partilham, mostrando não só o lado violento da causa como as

possibilidades que a mesma oferece a quem se junte a esta. Finalmente estas

organizações fazem ainda uso das novas plataformas de comunicação para radicalização

e recrutamento de novos apoiantes, onde através da propaganda aliciam possíveis

membros espalhados por todo o globo (Davis, 2006; Warren, 2008; Shultz, 2008; National

Coordinator for Counterterrorism, 2009; Weimann, 2014; Pawlak, 2015; Berton & Pawlak,

2015; Ginkel, 2015; Duarte, 2015)

A opinião é consideravelmente unânime no que concerne à propaganda,

radicalização e recrutamento de novos membros enquanto principais razões das

organizações terroristas para utilizarem os novos meios de comunicação social. (Haq,

2010; Hayne, 2010; Warren, 2008; Cannata, 2014; Klausen, 2014; Bergen, 2015),

Estes novos meios de comunicação, que incluem redes sociais e plataformas de

partilha de conteúdo como o Twitter, Facebook, Youtube, ou Instagram, são conhecidos e

utilizados pela maioria diariamente A popularidade destes canais permite uma fácil

integração dos terroristas nas redes, facilitando o contacto direto com possíveis novos

membros, ao contrário do que acontecia com as anteriores plataformas (jornais, revistas,

5 A mobilização ou o recrutamento são aqui entendidos como os vários tipos de atividades que

procuram persuadir um ou vários indivíduos, através de apelos ideológicos ou nacionalistas,

prometendo recompensas e estatuto, autossatisfação, vingança ou vantagem (Shultz, 2008).

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blogs ou websites), onde tinham de aguardar pelos visitantes para distribuir a mensagem

(Weimann, 2014).

Devido às características destas comunidades, em que a partilha de conteúdo

pessoal pelos próprios utilizadores é uma das principais formas de interação, torna-se

possível a delimitação do público que se quer alcançar, por permitir conhecer com quem

interagimos ainda antes de o fazermos. Por analogia, tal como as empresas de marketing

podem ver as informações dos utilizadores para encontrar potenciais clientes e selecionar

os produtos mais indicados, também os grupos terroristas podem ver os perfis das

pessoas para decidir quem e como abordar (Weimann, 2014)

Estas plataformas permitem aos terroristas fazer uso de uma estratégia de

segmentação, conhecida como narrowcasting. Esta estratégia consiste no envio de

mensagens a segmentos específicos do público, definido previamente pelos seus valores,

preferências, atributos demográficos ou subscrições. Uma página online, o nome de

utilizador, as imagens e outras informações partilhadas são adaptados para coincidir com

o perfil de um grupo social em particular, permitindo também chegar a alvos mais jovens,

geralmente mais presentes nas redes sociais (Weimann, 2014)

Os terroristas utilizam assim estas redes para propagação da sua ideologia,

apelando para o suporte da causa e espalhando o medo e o alarme entre os seus

inimigos. Procuram radicalizar e recrutar novos membros, fornecendo a instrução em

armas e táticas, recolhendo informações sobre potenciais alvos, enquanto comunicam e

apoiam operações terroristas clandestinamente (Jenkins, 2011a). A internet permite que

as organizações terroristas expandam o seu alcance, sendo capazes de criar

comunidades virtuais de extremistas e alcançar um universo maior com os mais diversos

talentos e habilidades. Cannata (2014) constata que organizações islâmicas, grupos de

estudantes e comunidades online são agora atraídos para o movimento jihadista através

de sites, páginas de redes sociais e fóruns online que partilham informação aliciante e

incitam a violência. Indivíduos que antes estavam longe da influência do jihadismo

salafista podem agora tornar-se participantes ativos e fazer parte de uma comunidade

virtual no conforto do seu lar.

As TIC são desta forma utilizadas pelo movimento jihadista global para espalhar a

sua ideologia extremista que consiste numa combinação de narrativas, com o objetivo de

recrutar mais seguidores. Conforme Ginkel (2015) uma narrativa pode ser definida como

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um enredo utilizado para comunicar e legitimar uma ação política ou religiosa, com o

objetivo de gerar apoio e chamar à ação mais adeptos. Segundo a autora, um dos

aspetos da narrativa jihadista refere-se à necessidade de resistência contra a brutalidade

de um regime, apelando a uma necessidade de intervenção humanitária de salvação da

ummah, ao mesmo tempo que celebra o heroísmo e martírio daqueles que morrem a

proteger os mais vulneráveis. Um outro aspeto desta narrativa está relacionado com a

difusão da sua ideologia jihadista extrema. Alerta para o dever muçulmano de defender o

que afirmam que é o verdadeiro Islão, que está sob ataque dos inimigos. Finalmente, a

narrativa apela ainda para a identidade do indivíduo e o seu compromisso pessoal com a

causa. Será esta a narrativa a ter em conta para compreensão dos seguintes parágrafos.

A PROPAGANDA A propaganda distingue-se de outras formas de coerção ou persuasão na medida

em que esta dá a falsa ideia ao indivíduo de que é ele o único responsável pela sua

decisão (Cannata, 2014). Isto é, o sujeito não se apercebe da influência que determinada

mensagem tem sobre ele, acreditando que a resposta concebida por si é uma decisão

estritamente sua.

Num estudo sobre a evolução da propaganda no movimento jihadista global,

Torres, Jordán, e Horsburgh (2006) identificaram três ideias nucleares presentes na

estratégia propagandística do movimento. A primeira ideia remete para o tema da religião,

onde é recordado aos seus apoiantes os tempos dourados das sociedades Islâmicas.

Apela-se a um retorno a estes tempos, onde existia uma sociedade mais pura e devota,

prometendo recompensas divinas e a vida eterna. A segunda assenta numa retórica

política. A importância de estabelecer um Estado Islâmico regido por valores e leis

islâmicos é aqui explorada, encorajando os simpatizantes desta ideia a repudiarem o

Ocidente e os regimes que sejam apoiados por este. Finalmente, a última ideia verifica-se

na instrumentalização da violência, que suporta os dois temas anteriores. Aqui os autores

consideraram o incitamento e o apelo à violência como estratégia discursiva para suportar

as duas ideias anteriores. São assim incitados a usar violência direta contra o Ocidente,

para repor os valores por ele quebrados e vingar todos os muçulmanos humilhados. A

violência é encorajada e celebrada em todas as suas formas e mesmo que o ataque

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implique a morte do seu autor (no caso de bombistas-suicidas), esta é exaltada como um

ato de heroísmo.

A propaganda sempre foi central ao terrorismo (Klausen, 2014), e a utilização da

internet veio facilitar a disseminação da sua ideologia e narrativa. As TIC são agora

cruciais para os principais grupos do jihadismo global. É no ciberespaço que estes fazem

valer a sua estratégia subversiva, constituindo-se como um recurso que potencia a sua

capacidade operacional (Duarte, 2015).

A capacidade da al-Qaeda explorar e utilizar novas formas e tecnologias de

comunicação, bem como aproveitar-se da fácil circulação de pessoas e das redes de

financiamento globais ficou provada aquando dos atentados às Torres Gémeas (Davis,

2006). Atualmente, esta rede tem-se descentralizado como organização em termos de

localização e de liderança. Porém, isto não significa que a ideologia do grupo é menos

difundida do que era antes dos Estados Unidos aumentarem a sua presença na região

(Cannata, 2014), tendo o seu alcance, face à inexistência de um espaço físico, sido

reforçado pelas novas tecnologias e pela utilização do ciberespaço.

Forçada a agir num ambiente físico perigoso após os acontecimentos de 2001,

pela campanha encetada pelos Estados Unidos contra o terrorismo, a al-Qaeda viu-se na

necessidade de se transferir para o ciberespaço. Reconfigurou a sua forma de ação às

novas circunstâncias e mantém-se determinada a continuar a sua campanha terrorista.

Compreendendo o potencial da internet para a construção de um movimento global,

expandiu a sua ação para o mundo online (Jenkins, 2011b) e assume a comunicação

como um elemento crítico para a prossecução da sua estratégia e organização (Klausen,

2014).

De igual modo, o EI tem difundindo a sua mensagem pelas redes, onde procura

encorajar os outros, especialmente jovens, a apoiar a organização, viajar para o Médio

Oriente para combater, ou para exercer um papel de apoio (frequentemente o papel

esculpido para mulheres jovens que são persuadidas a juntar-se a esta organização)

(Blaker, 2015). Reflete-se aqui a importância das TIC enquanto poderoso instrumento de

propaganda da narrativa jihadista.

Os conflitos na Síria e no Iraque proporcionaram uma nova oportunidade para o EI

mostrar o seu poder de alcance e distribuição de informação nas redes sociais. Contas

em plataformas como o Twitter ou o Facebook tornaram-se verdadeiros diários online do

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campo de batalha, oferecendo cobertura de perto, e muitas vezes ao vivo, dos rápidos

avanços feitos pelas organizações terroristas (Berton & Pawlak, 2015). Estas novas

plataformas digitais surgem como facilitadoras da comunicação interna e externa destas

organizações, estando a dimensão da informação integrada na dimensão operacional,

num jogo de dependência mútua. Superou-se desta forma a desterritorialização,

permitindo unir elementos fragmentados destas redes terroristas num único local, onde a

comunicação é feita na horizontal e assumida como essencial (Duarte, 2015).

A internet, pelas suas características, exige uma grande interatividade entre os

seus utilizadores, possibilitando a transmissão de mensagens entre dois ou mais

indivíduos, facilitando a disseminação imediata da informação e a difusão em direto dos

acontecimentos, seja de ataques a decorrer no ocidente, seja da vida no campo de

batalha (Ginkel, 2015). Conscientes desta capacidade, os grupos terroristas publicitam a

sua causa mostrando não só o terror e o seu lado mais violento, como difundem imagens

de uma vida “normal” no califado.

Se por um lado procuram a intimidação através da utilização de imagens de

crianças vestidas de soldados e segurando cabeças decapitadas; por outro, numa

perspetiva próxima do ocidente, mostram os seus membros com frascos de nutella ou

outros objetos e elementos ocidentais (Gates & Podder, 2015), dando um ar de

normalidade à vida no califado. A difusão de imagens violentas contraposta com imagens

de um estilo de vida cativante e da camaradagem entre os militantes enaltece a diferença

entre estar em casa ou na zona de combate, tornando esta última mais desejável, por

oposição ao aborrecimento de uma vida passada em casa com a família (Klausen, 2014;

Ginkel, 2015).

Há uma verdadeira organização mediática em torno de redes terroristas como o EI.

Os seus membros publicam imagens aliciantes da zona de combate e prometem uma

vida de luxo e várias recompensas àqueles que se aliarem à causa e forem combater

(Picart, 2015). Ao mesmo tempo sofisticadas plataformas propagandísticas produzem e

divulgam conteúdos mediáticos, havendo um especial interesse na difusão de vídeos e na

utilização da rede social Twitter (Duarte, 2015). A máquina de propaganda do EI, al-Hayat

(“A Vida”) por exemplo, não tardou a fazer uso das redes sociais difundindo vídeos que

mostram os vários lados do grupo militante (Blaker, 2015).

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Gates e Podder (2015) referem a utilização do vídeo e da música (componente

com bastante influência na cultura ocidental) em detrimento do texto, como um atributo

chave da propaganda jihadista. A utilização deste tipo de formato implica a utilização de

membros que sejam reconhecidos e respeitados pela comunidade e capazes de

manipular a audiência. Fazendo uso da imagem e da capacidade de retórica dos seus

militantes muitas vezes comunicam utilizando elementos ou falando em línguas ocidentais

para se aproximarem do seu público-alvo. Exemplo disto é o agora radicalizado rapper

alemão conhecido como Deso Dogg, considerado uma celebridade entre os seguidores

do Twitter (Klausen, 2014), que lidou com técnicas de produção de vídeo de última

geração durante a sua carreira de músico e é suspeito de participar na produção e

realização de muitos dos vídeos passados pelo EI (Blaker, 2015).

Para além de vídeos que parecem autênticas produções de Hollywood (Picart,

2015), são também feitas analogias a jogos de computador célebres entre os jovens que,

segundo Klausen (2014), procuram influenciar e conquistar as massas mais vulneráveis

que buscam ação e divertimento. Isto verifica-se nas publicações que os vários militantes

vão fazendo acerca da frente de combate, como Sumayyah Al-Britani, um britânico

radicalizado, que na sua conta do Twitter descreve assim o que é estar na zona de

combate: "Na verdade é bastante divertido. É realmente muito divertido. É melhor do que

o jogo Call of Duty. É parecido, mas é em 3D onde tudo acontece à nossa

frente."(Klausen, 2014)

Conceitos e elementos da cultura ocidental são assim misturados com uma

mensagem pejada de fundamentalismo e más interpretações da atualidade para aliciar e

influenciar determinado público. Desta forma favorece-se uma realidade empacotada,

fundamental para o recrutamento de jovens não inseridos socialmente, através de uma

mensagem que se adequa facilmente às frustrações e ao extremismo dos vários

muçulmanos que habitam países ocidentais (Duarte, 2015).

A RADICALIZAÇÃO E O RECRUTAMENTO “Como divulgado no relatório do TSG Foreign Fighter em junho de 2014

aproximadamente 2500 indivíduos de países da Europa Ocidental viajaram para a Síria

para combaterem. Em dezembro de 2015 – 18 meses depois – este número mais que

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duplicou. As estimativas indicam que mais de 5000 pessoas de Estados-Membros da

União Europeia tenham feito a viagem para a Síria.” (Soufan Group, 2015)

Os números são alarmantes e mostram a efetividade da retórica extremista para a

prossecução deste movimento jihadista global. Citando Jenkins (2007), “mais do que um

concurso militar, a campanha da jihad é, acima de tudo, um empreendimento

missionário”. Além dos seus propósitos imediatos de instalar o medo através da

demonstração da sua força e violência, o autor salienta a importância que o incitamento e

a atração de novos membros têm nas operações terroristas. Segundo o autor, para lá de

preencher as necessidades operacionais, o recrutamento consiste num fim em si mesmo,

na capacidade de criar uma nova mentalidade.

Distinguindo radicalização de recrutamento, o aludido autor define o primeiro termo

como sendo a interiorização de um conjunto de crenças e a aquisição de uma

mentalidade militante que abraça a jihad violenta como teste primordial da sua convicção.

É este o pré-requisito mental para o recrutamento. Por seu turno, o recrutamento consiste

em transformar os outros, ou transformar-se, numa arma da jihad. Implica juntar-se a uma

organização terrorista ou estabelecer ligações com outros indivíduos que têm a mesma

intenção de formar uma célula terrorista autónoma. É o elemento operacional, que

diligencia os meios e se organiza para uma operação terrorista real — o passo final na

jihad.

Erez, Weimann, e A. Aaron (2011) salientam ainda a importância de se considerar

determinados aspetos para compreender a radicalização online. Primeiro é preciso ter em

conta a fácil difusão da mensagem no decorrer do tempo e pelas várias redes sociais. Por

sua vez, a interrelação entre o rápido desenvolvimento da intimidade nas relações sociais

e a dispersão de ideias radicais são fatores preponderantes. Por fim, a tendência para, tal

como na socialização, a radicalização online ser reforçada por interações ao vivo revela-

se como importante para compreender este fenómeno que se estende além da

comunidade virtual.6

Um estudo publicado em 2012 pelo Serviço de Informações Holandês refere que

99,8% da atividade terrorista online ocorre em fóruns e comunidades localizados em

níveis obscuros da internet, conhecidos como Deep Web ou Darknet. Ginkel (2015)

6 A propósito deste último aspeto é importante reter que a literatura aponta para o facto de a

passagem à violência só se dar após um primeiro contacto físico (Erez, et al, 2011; Duarte, 2015).

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lembra que para aceder a estes fóruns uma pessoa tem de ser convidada a entrar e tem

de lhe ser dado o acesso à informação, pois não está disponível pelas vias normais de

pesquisa. Este convite é feito por recrutadores jihadistas, que monitorizam a atividade de

possíveis futuros apoiantes, rastreando-os com o intuito de abordá-los e

consequentemente mobilizá-los. A possibilidade de determinar quem faz parte ou não da

comunidade mostra-se assim como um dos pressupostos da eficácia da mobilização

online, permitindo a criação de espaços de comunicação que concentram uma visão

homogénea do mundo, onde há uma ausência de opiniões contrárias (Brignall & Van

Valey 2005 cit in Erez et al., 2011).

Como sabemos, o conteúdo da mensagem, o meio de distribuição e o seu emissor

são importantes para a eficácia da propaganda. Não obstante, um outro elemento a ter

em conta é o agente a recrutar. As organizações terroristas aproveitam-se das redes

sociais para identificar e atrair especificamente jovens mais vulneráveis e impressionáveis

através do uso de vídeos sofisticados e de mensagens fabricadas de forma inteligente e

atrativa (Torres, Jordán, & Horsburgh, 2006; Torok, 2010; Ginkel, 2015). A mensagem

passada, de um dever de luta de todos os fiéis contra o mundo ocidental, esmiúça a

narrativa do ocidente enquanto inimigo do Islão, adequando-se com facilidade às

frustrações sentidas por estes jovens muçulmanos a viver em países ocidentais, indo de

encontro aos seus pensamentos extremistas. No entanto, a maior parte dos que se

identificam com esta retórica extremista e abraçam a jihad estão mais concentrados na

mensagem de guerra contra o Ocidente do que propriamente nos ensinamentos e

doutrina do jihadismo global (Duarte, 2015).

“A adesão à causa transmite a possibilidade de aventura, a legitimidade de uma

ação agressiva, a atração da clandestinidade, o orgulho e a camaradagem. Surge como

um elixir para curar todos os males, um antídoto para a ansiedade, uma meta alcançável,

uma causa aparentemente nobre, uma noção de direção e sentido na existência e traz

consigo a eventual promessa dos prazeres da vida. É uma mensagem que é

especialmente atraente para homens jovens, zangados e sujeitos frustrados e facilmente

influenciáveis.” (Jenkins, 2007) Perante a frustração destes jovens a propaganda da al-

Qaeda oferece uma solução abrangente e simples para os seus problemas.

A retórica jihadista, como descrita anteriormente, tem a capacidade de invocar

sentimentos de frustração, marginalização ou experiências de discriminação nestes

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jovens, podendo também conduzir a uma jornada pessoal em busca da própria identidade

e finalidade da vida (Ginkel, 2015). Certamente que os indivíduos em idades mais

vulneráveis estão a passar por estes períodos de introspeção e de autoanálise. E esta

narrativa extremista incita-os a aliarem-se a uma causa que os tornará melhores pessoas,

proporcionando a criação de laços de camaradagem e a participação numa aventura

(Jenkins, 2011b). As motivações que influenciam a decisão de partir são numerosas e

variam e interagem de formas tão complexas que para Gates e Podder (2015) ainda não

as somos capazes de compreender totalmente. Para os autores, as motivações podem

incluir o desejo de aventura, a vontade de impressionar a comunidade local ou o sexo

oposto, uma procura de identidade, sentimentos de vingança, a busca por camaradagem

ou o desejo de fazer história, bem como a oportunidade de morrer como um mártir e ir

para o céu.

É nas comunidades e fóruns online que a maior parte dos jihadistas radicalizados

encontra reforço e ressonância para a sua raiva e frustrações. Este facto é, na opinião de

Jenkins (2011b) um dos aspetos mais perigosos da propagação da ideologia extremista

da al-Qaeda, que se aproveita dos descontentamentos pessoais, encorajando a violência

e legitimando a agressão, direcionando-a para um inimigo global – o ocidente.

O recrutamento, ou a mobilização de novos membros é facilitado pelas

especificidades das redes sociais, sendo estas exploradas e adequadas à sua

capacidade de utilização. Nos últimos parágrafos temos vindo a falar da utilização da

internet para recrutar novos apoiantes para o movimento jihadista global, tendo a rede

social Twitter relativo destaque ente os seguidores do EI. De utilização gratuita e

relativamente simples a partir de um dispositivo móvel, esta rede social permite a

distribuição de mensagens de texto até 140 caracteres, de imagens, vídeos e ligações

que dão acesso a outros sites e plataformas. O seu potencial de alcance e de distribuição

de informação instantânea e de forma relativamente anónima (na medida em podemos

facilmente adotar alcunhas e imagens de perfil fictícias) tem sido explorado pelos

terroristas e utilizado em seu proveito, sendo um dos principais meios de propaganda e

recrutamento de novos membros (Zelin, 2013; Ogbonnaya, 2013; Torok, 2013; Klausen,

2014; Berger & Morgan, 2015; Blaker, 2015; Fernandez, 2015; Picart, 2015; Bergen,

2015; Duarte, 2015)

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Berger e Morgan, num estudo por eles desenvolvido em 2015 acerca da utilização

do Twitter pelas organizações terroristas, estimavam que durante o período de 4 de

outubro a 27 de novembro de 2014 existiam cerca de 46000 contas a apoiar o EI.

Conscientes do seu potencial, vários foram os autores que exploraram a utilização desta

rede social, analisando quantitativa e qualitativamente o conteúdo partilhado nesta rede,

provando que a sua utilização é eficiente e eficaz na distribuição da mensagem e

mobilização de apoiantes (Zelin, 2013; von Behr, et al., 2013; Byman & Shapiro, 2014;

Klausen, 2014; Berger & Morgan, 2015; Picart, 2015; Blaker, 2015; Berton & Pawlak,

2015).

Uma análise extensiva dos resultados obtidos nos vários estudos mencionados

seria de real interesse na efetiva compreensão da mensagem e do perfil dos seus

emissores e recetores. Conscientes de que isso não seria possível num trabalho com

estas dimensões, o que importa reter dos últimos parágrafos é o potencial de utilização

destas redes na propaganda e mobilização de apoiantes para o movimento jihadista

global. Posto isto, o próximo capítulo versará sobre o que tem sido feito pelos Estados

para contrariar esta narrativa e a tendência para o aumento do número de jovens

radicalizados.

A RESPOSTA À NOVA AMEAÇA A estratégia global de contra terrorismo proposta pelas Nações Unidas e adotada

por consenso em 2006 identifica a internet como um elemento central na prevenção e

combate ao terrorismo. No texto desta resolução pode ler-se a pretensão de “trabalhar

com as Nações Unidas, com a devida consideração da confidencialidade, do respeito

pelos direitos humanos e de acordo com as obrigações que decorram da lei internacional,

de modo a explorar meios e formas de (a) coordenar esforços ao nível internacional e

regional para combater o terrorismo em todas as suas formas e manifestações na internet

e (b) usar a internet como uma ferramenta de combate à ideologia terrorista,

reconhecendo que os Estados poderão requerer assistência neste tópico.”

Conscientes das dificuldades de combate ao movimento jihadista global, várias têm

sido as respostas encontradas pelos Estados para contrariar esta narrativa e a

propagação da ideologia extremista. As estratégias adotadas nos últimos anos têm-se

focado na utilização de medidas restritivas, como o bloqueio de contas ou a restrição de

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acesso a determinados sites. Contudo, tem havido um crescente interesse em aplicar

medidas alternativas, que utilizam uma retórica positiva e apelam à participação da

comunidade (Briggs & Feve, 2013).

As medidas restritivas, também consideradas repressivas, consistem na utilização

de meios tecnológicos para dificultar ou negar o acesso às narrativas extremistas que são

difundidas pelas organizações terroristas e pelos seus apoiantes. A repressão é exercida

através do bloqueio de sites e mensagens, proibindo a transmissão ou disseminação de

conteúdos de ideologia radical e reforçando a legislação criminal que pune este tipo de

atos (Ginkel, 2015). Consistindo na perturbação do fluxo de comunicação, estas medidas

incluem uma variedade de intervenções que vão desde o encerramento de sites ao

redireccionamento dos seus utilizadores para outras páginas, passando pelo bloqueio de

mensagens, contas de redes sociais e o acesso a determinados conteúdos ou ordens de

pesquisa, até ao envio de vírus e a destruição física dos aparelhos (Stevens & Neumann,

2009; Aly et al., 2014).

A aplicação de medidas restritivas, ainda que controversa, contribui para a

segurança dos Estados e a perceção pública de que há uma ação por parte dos governos

é importante para contrariar a estratégia terrorista. No entanto existem grandes limitações

à sua eficácia, dada a rapidez da circulação de informação e a falta de recursos humanos

e tecnológicos das agências de segurança (Briggs & Feve, 2013).

Esta estratégia tem efeitos muito limitados, devido à facilidade com que os

terroristas restabelecem as suas plataformas de comunicação online e reemergem no

ciberespaço (Aly et al., 2014). Berger e Morgan (2015) observaram que dezenas de

contas de Twitter com conteúdo ou propósitos extremistas são canceladas e criadas

diariamente, mostrando a facilidade com que se pode renovar o conteúdo e a dificuldade

em eliminar a retórica por completo das redes. No entanto estes autores ressalvam que

este tipo de medidas deve continuar a ser utilizado e tem a sua relativa eficácia.

Ginkel (2015) recorda que a estratégia repressiva visa essencialmente a surface

web, aquela a que a maioria dos utilizadores tem acesso. No entanto, para estas medidas

serem verdadeiramente eficazes deveriam atacar também as plataformas de

comunicação utilizadas nos outros níveis do ciberespaço. Contudo, é preciso ter em conta

que o bloqueio e eliminação de tais plataformas também impedem a realização de

investigações e a aquisição de informações do interior das organizações terroristas.

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O mesmo autor aponta ainda uma outra dificuldade no uso destas medidas. A

criminalização ou proibição de determinados atos, como a partilha de conteúdo radical ou

de incitamento à violência conflitua com o direito à liberdade de expressão. É necessário

ter em conta os princípios da legalidade, proporcionalidade e adequação aquando da

utilização deste tipo de medidas. O conteúdo partilhado com a intenção de incitar a

violência e levar a cabo atos terroristas deve ser claramente distinguido daquele que é

partilhado com outros propósitos ou conotações.

Os problemas referidos, aliados à necessidade de conhecimentos técnicos

específicos para aplicar medidas restritivas têm dificultado a eficácia destas respostas

(Stevens & Neumann, 2009), tornando-se necessário encontrar outras soluções para o

combate online à narrativa extremista.

As outras opções de resposta incluem-se naquilo a que a literatura contempla

como medidas alternativas. Estas envolvem uma série de operações psicológicas e

sociológicas e de contra propaganda e pressupõem a utilização de estratégias de

comunicação e contra-argumentação, incluindo governos e comunidade no combate à

retórica extremista (Stevens & Neumann, 2009; Briggs & Feve, 2013; Aly et al., 2014;

Fernandez, 2015; Ginkel, 2015). As estratégias alternativas podem ser divididas em três

ideias fundamentais de atuação: a estratégia de comunicação das instituições, a contra

narrativa e a narrativa alternativa.

A estratégia de comunicação das instituições consiste na gestão da informação por

parte dos governos e instituições de comunicação social formais como os jornais e as

revistas. Os governos devem aplicar medidas e legislação que reprima e dissuada

possíveis apoiantes da ideologia, levando à perceção pública de que há uma atuação por

parte destes. Passando a mensagem de que as instâncias de controlo formal estão a

atuar para garantir a segurança dos seus cidadãos, ameniza-se o impacto do terror

causado pelo jihadismo global, ao mesmo tempo que persuade aqueles que possam

querer aliar-se à causa. (Stevens & Neumann, 2009; Briggs & Feve, 2013; Ginkel, 2015).

Por sua vez, a gestão da informação transmitida pelos meios de comunicação é de

extrema importância. Como vimos, o objetivo do terrorismo enquanto tática é a de

espalhar o terror, através da publicitação de imagens violentas e da eficácia da sua

capacidade operacional. Ginkel (2015) refere o impacto positivo que a divulgação

constante das atrocidades terroristas nos meios de comunicação formais pode ter para a

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propaganda da narrativa terrorista. Há uma espécie de publicidade gratuita ao divulgar

estas imagens, o que, segundo a autora, facilita o propósito destas organizações de

disseminar o terror e instalar o pânico entre as sociedades. Torna-se assim necessária

uma boa gestão do conteúdo divulgado nos meios de comunicação tradicionais, tendo

estes um papel preponderante no combate à desinformação e propagação da ideologia

extremista.

Chegados a este ponto, é importante reter que a luta contra o terrorismo, à

semelhança do terrorismo, é essencialmente comunicativa. A propaganda, a guerra

psicológica, "a batalha dos corações e das mentes" e a ideia de incentivar os terroristas

para o abandono da violência e a opção por caminhos não-violentos referem-se a uma

luta contra o terrorismo através da comunicação, onde diferentes mensagens são

encaminhadas para diferentes públicos (Aly et al., 2014) Assim, tal como a propaganda e

o discurso terrorista podem mobilizar seguidores, o discurso contraterrorista também será

capaz de influenciar as comunidades.

Com base nisto, o segundo método de atuação passa pela produção de uma

alternativa à narrativa jihadista para dissuadir aqueles que se pretendem aliar à causa.

Mais do que ir contra, esta estratégia procura dar uma alternativa ao que é dito,

enaltecendo aquilo a que é a favor, em vez de utilizar uma retórica negativa Procura-se

apresentar histórias positivas, que exaltem os valores de tolerância, igualdade e liberdade

professados pela religião islâmica (Briggs & Feve, 2013). Torna-se importante desafiar a

narrativa extremista e instalar a dúvida naqueles que procuram no jihadismo uma

orientação para a sua vida, contribuindo para o pensamento crítico daqueles que não são

conhecedores da doutrina religiosa (Ginkel, 2015). Esta estratégia procura assim

descredibilizar os jihadistas, mostrando como ilegítimo o seu uso da violência, ao mesmo

tempo que dá alternativas e opções de ativismo não violento e de participação cívica

àqueles que se identificam com a ideologia ou os propósitos da causa (Crelinsten, 2014).

Finalmente, a terceira categoria co nsiste na contra narrativa. Esta distingue-se da

anterior na medida em que se foca diretamente na narrativa jihadista e procura

descredibilizá-la, apontando os seus erros e incoerências, desmistificando e

desconstruindo a retórica do jihadismo (Briggs & Feve, 2013). A contra narrativa deve

diretamente contrariar as mensagens extremistas e o seu fluxo, o que inclui acabar com

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certos mitos, contrapondo factos, mostrando as atrocidades cometidas e minando a ilusão

existente de heroísmo e camaradagem nesta retórica (Ginkel, 2015)

Para formular e comunicar contra narrativas ou alternativas eficazes é necessário

compreender os vários aspetos da narrativa extremista, incluindo não só a mensagem,

como quem a transmite e receciona. Além disso, uma aplicação efetiva destas estratégias

exige um compromisso efetivo a longo prazo por parte dos vários intervenientes no

processo (Aly et al., 2014; Ginkel, 2015). Este tipo de abordagens exige uma

preocupação constante em monitorizar a narrativa extremista a ser contrariada ao mesmo

tempo que se atualiza a contrainformação. Torna-se ainda vital a compreensão dos

fatores motivacionais daqueles que são radicalizados, adaptando a alternativa às

motivações do indivíduo (Ginkel, 2015).

Briggs & Feve, (2013) propõem a utilização da lógica, da razão e do humor como

meios de levar a cabo esta estratégia, colocando a tónica de atuação na comunidade civil.

Na mesma linha de pensamento, já Stevens & Neumann (2009) haviam referido a

necessidade de trazer para o combate ao terrorismo outras instituições e atores. Desde

estabelecimentos de ensino às comunidades que têm um papel na educação dos jovens,

passando por outros atores como membros da comunidade islâmica que possam dar o

seu exemplo e a sua perspetiva da narrativa. Estes autores salientam a necessidade de

participação de todos para um efetivo combate ao movimento jihadista global.

A utilização de qualquer uma das estratégias anteriormente referidas tem as suas

vantagens e inconvenientes específicos, mas todas enfrentam uma dificuldade que

influencia a sua eficácia: a definição do público-alvo. Se nas primeiras a identificação é

necessária para saber que conta fechar, que servidor infetar ou que utilizadores devem

ser bloqueados, na segunda importa saber a quem dirigimos a nossa narrativa, de modo

a adaptar o discurso e o meio utilizado (Ginkel, 2015). Ainda assim, a literatura é

relativamente unânime no que concerne à necessidade de intercalar as duas estratégias

de combate ao terrorismo, envolvendo governos e comunidade nesta missão (Davis,

2006; Stevens & Neumann, 2009; Briggs & Feve, 2013; Aly et al., 2014; Bigo, et al., 2014;

Fernandez, 2015;Bergen, 2015; Pawlak, 2015)

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CONCLUSÃO Desde cedo que as organizações terroristas tomaram consciência das

potencialidades da internet tendo acompanhado a sua evolução e se adaptado às suas

características. Se no início usavam websites e blogues para partilhar a informação, hoje

em dia as redes sociais são verdadeiras plataformas de recrutamento, onde se traçam

perfis e se fazem entrevistas a possíveis novos membros. Estrategicamente são

divulgadas imagens e publicados textos e vídeos com o objetivo de espalhar o terror e

aliciar apoiantes.

A abordagem aqui feita a esta nova ameaça do movimento jihadista global admite-

se como redutora face à verdadeira extensão do problema. A compreensão deste

movimento, da sua estrutura e organização e da forma como opera nas redes é um tema

que não se esgota e que exige sempre melhor entendimento. Contudo, esta exposição

responde às motivações iniciais de compreensão da presença das organizações

terroristas nas novas plataformas sociais e da resposta que é dada a esta nova ameaça.

A capacidade exploratória das funcionalidades das novas redes de comunicação

reflete-se na forma como as organizações utilizam estas plataformas para transmitir a sua

mensagem e aliciar mais apoiantes. A sua eficácia está espelhada no número de

indivíduos que nos últimos anos se têm vindo a aliar ao movimento. Compreender o que

os motiva e como podemos contrariar esta tendência revela-se como um grande desafio à

nova ordem securitária.

A nova ameaça que é o jihadismo global deve ser compreendida em toda a sua

extensão e interpretada à luz da realidade em que vivemos hoje, num mundo

interconectado e em constante mutação. As novas formas de comunicação e interação

social trouxeram possibilidades infindáveis, que poderão ter tantas vantagens como

inconvenientes. A utilização destas plataformas não é fácil de controlar, exigindo-se

medidas que limitem certos comportamentos virtuais ao mesmo tempo que não

restringem liberdades fundamentais, num difícil equilíbrio entre liberdade e segurança. Ao

mesmo tempo a participação da comunidade é fulcral, exigindo-lhe um papel mais

participativo na construção de uma narrativa alternativa para dissuadir estes jovens

apelando à sua participação tanto na denúncia destes comportamentos como na

contradição dos mesmos.

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Torna-se desta forma imperativa uma resposta articulada entre as várias partes

interessadas numa solução, que deverão atuar para o desenvolvimento de uma

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