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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 14 | outubro de 2015 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA OUTUBRO 2015 14 RELAÇÕES SEGURANÇA PÚBLICA E DESENVOLVIMENTO URBANO JORGE ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA Mestrando em Direito e Segurança RESUMO O presente trabalho desenvolve-se em torno da problemática segurança pública e a sua relação com o desenvolvimento urbano. Para cumprir este desiderato, seguiu-se um percurso metodológico, partindo de uma abordagem teórico-concetual, com o objetivo de analisar e explicar este fenómeno e o papel da Guarda no mesmo. Através dos principais resultados por nós alcançados foi possível explicar o fenómeno, nomeadamente do desenvolvimento urbano e a forma como esta afeta a segurança púbica, procurando abordar os diversos fatores que concorrem para o incremento da criminalidade e do sentimento de insegurança dos cidadãos e o papel que as forças e serviços de segurança tem/podem ter neste domínio. Por fim, apresentamos as principais conclusões, das quais colhemos que dada a importância da temática no plano nacional, a Guarda deve assumir um papel mais relevante na vertente do desenvolvimento urbano, necessitando contudo de uma reflexão profunda e de elaborados estudos que sustentam a forma como deve participar. PALAVRAS-CHAVE Segurança pública, desenvolvimento urbano, sentimento de insegurança, cidadão, GNR.

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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 14 | outubro de 2015

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DIREITO, SEGURANÇA E

DEMOCRACIA

OUTUBRO

2015

Nº 14

RELAÇÕES SEGURANÇA PÚBLICA E DESENVOLVIMENTO URBANO JORGE ALEXANDRE FERREIRA DA COSTA Mestrando em Direito e Segurança

RESUMO

O presente trabalho desenvolve-se em torno da problemática segurança pública e

a sua relação com o desenvolvimento urbano. Para cumprir este desiderato, seguiu-se um

percurso metodológico, partindo de uma abordagem teórico-concetual, com o objetivo de

analisar e explicar este fenómeno e o papel da Guarda no mesmo.

Através dos principais resultados por nós alcançados foi possível explicar o

fenómeno, nomeadamente do desenvolvimento urbano e a forma como esta afeta a

segurança púbica, procurando abordar os diversos fatores que concorrem para o

incremento da criminalidade e do sentimento de insegurança dos cidadãos e o papel que

as forças e serviços de segurança tem/podem ter neste domínio.

Por fim, apresentamos as principais conclusões, das quais colhemos que dada a

importância da temática no plano nacional, a Guarda deve assumir um papel mais

relevante na vertente do desenvolvimento urbano, necessitando contudo de uma reflexão

profunda e de elaborados estudos que sustentam a forma como deve participar.

PALAVRAS-CHAVE Segurança pública, desenvolvimento urbano, sentimento de insegurança, cidadão, GNR.

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ABSTRACT

This work is developed around the public safety issue and its relationship with

urban development. To meet this goal, we follow a methodological approach, based on a

theoretical and conceptual approach, in order to analyze and explain this phenomenon

and the role of the Guard in the same.

Through the main results we achieved that is possible to explain the phenomenon,

including urban development and how this affects the public security, seeking to address

the various factors that contribute to the increase of crime and feelings of insecurity of

citizens and the role that forces and security services have / may have in this area.

Finally, we present the main findings of which we harvest that given the importance

of this topic at the national level, the GNR should play a greater role in aspects of urban

development, but requiring deep reflection and elaborate studies that support the way to

participate.

KEYWORDS Public safety, urban development, insecurity, citizen, GNR.

LISTA DE ABREVIATURAS, SIGLAS E ACRÓNIMOS CLAS - Conselhos Locais de Acção Social

CPTED - Crime Prevention through Environmental Design (em inglês) ou Prevenção

Criminal Através do Espaço Construído (em Português)

CRP - Constituição da República Portuguesa

DGOTDU - Direcção-Geral do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Urbano

(atualmente Direção-Geral do Território)

DLS - Diagnostico Locais de Segurança

FSS – Forças de Segurança

GNR - Guarda Nacional Republicana

GTSC - Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade

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INTRODUÇÃO O nosso estudo tem como objetivo abordar a problemática da segurança pública e a

sua relação com o desenvolvimento urbano. Sendo assim, a nossa questão central é:

como a desenvolvimento urbano afeta a segurança pública, e como este pode contribuir

para colmatar a (in)segurança pública?

Do ponto de vista metodológico, para procurar dar resposta à questão levantada

recorrendo a um nível descritivo e explicativo (Fortin, 2009). No tocante à limitação do

objeto de estudo, este circunscreve-se à segurança pública e ao desenvolvimento urbano,

de forma a responder à questão suscitada e à explicação da problemática em apreço.

Com efeito, este estudo será importante a dois níveis – cognitivo e empírico, o primeiro

realizado sobretudo na fase inicial deste estudo, e o segundo, na parte final.

Noutra fase vamos tentar compreender quais os instrumentos que podem estar ao

serviço da segurança pública, percebendo quais as estratégias a seguir e no papel das

forças e serviços de segurança (FSS).

A justificação do estudo desta temática, encontra-se sobretudo a partir deste

momento, porque este constitui o cerne que queremos estudar e chegar, ou seja, qual

poderá ser o papel da Guarda Nacional Republicana (GNR) nestas matérias.

É sabido que «a globalização do crime subverte o Estado-nação, transformando de

forma profunda os processos de governação, deixando o Estado em muitos casos,

efetivamente de mãos atadas» (Castells, 2003, p. 313). Esta situação tem consequências

nas FSS, nomeadamente na forma como atuam e como se relacionam a nível vertical e

horizontal, sendo necessário uma governação da segurança num plano mais amplo.

Nesse sentido, o legislador consagrou que à Polícia cabe «defender a legalidade

democrática e garantir os direitos dos cidadãos» (art 272.º, n.º 1 da Constituição da

República Portuguesa (CRP)).

À semelhança da evolução do conceito de segurança onde a segurança do indivíduo

é equiparada em termos de relevância à do Estado, hoje, a Polícia não está ao serviço do

poder pelo poder, mas ao serviço da comunidade, onde se integra e inter-relaciona, daí a

importância do tema e das FSS darem o seu contributo nesta área.

Para o estudo do nosso tema torna-se necessário compreender um pouco melhor o

conceito de segurança e associa-lo ao conceito de cidadania (conceito este muito

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importante como se verá mais à frente). Assim, segundo Teixeira (2012, p. 10) «a

Segurança é uma questão de Estado, mas, mais do que isso, é um Bem Público. Sem

Segurança não há desenvolvimento económico. Sem Segurança não há Democracia.», e

vai ainda mais longe referindo que «que a questão da segurança, ou melhor da

insegurança, não é, exclusivamente, um problema de polícia. É também um problema de

sociedade e de civilização.”

O sentimento de insegurança, é definido por Lourenço (2006. p. 8) como “algo que

afecta todos os cidadãos, e resulta de um processo interpretativo da realidade envolvente,

que varia em função da percepção subjectiva de uma ameaça criminal potencial, da

gravidade dessa ameaça, de vulnerabilidades pessoais, reais ou imaginadas,

potenciadoras do risco, real ou imaginário, de ser vítima.”

Claro está que a montante surgem os fins do Estado que têm sido “tradicionalmente

agrupados em três vertentes: a “segurança” - externa e interna; a “justiça” – comutativa e

distributiva e o “bem-estar” – económico e social.”, acrescentando ainda que

“independentemente das diferenças que possam existir entre Estados nesta matéria, o

“objectivo permanente segurança”, consiste na primeira preocupação, já que é a essência

da sua sobrevivência, pois inclui dimensões estruturais como a soberania, independência,

integridade territorial e unidade do Estado.” (Silva, 2010. pp. 3-4)

A segurança surge assim como um direito fundamental do cidadão que o Estado

deve promover e assegurar. Mas impõe-se cada vez mais que para cumprir cabalmente

esta função de segurança se atente ao conceito de cidadania, que pode descrever-se

simplesmente como a participação numa comunidade (que pode até ser diferentes em

conforme a comunidades existente), tudo isto porque hoje o cidadão está hoje inserido

numa sociedade global e globalizada. (Silva, 2010. pp. 4 e 18)

Neste seguimento, as políticas públicas de segurança nascem da assunção política,

isto é, da colocação na agenda política dos problemas que são colocados pela sociedade

civil. Estas políticas são «um conjunto, mais ou menos coerente de decisões e de

medidas tomadas pelas instâncias políticas legítimas, cujo objectivo, expressamente

definido, é o de fornecer através da mobilização das instituições de segurança de

regulação social e de outros parceiros públicos e privados (colectividades locais,

associações, empresas) uma resposta efectiva às diversas formas de insegurança

induzidas pelo fenómeno da segurança». (François Dieu,1999)

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Por outro lado, e segundo Silva (2012. p. 14) existem importantes zonas cinzentas

quando efetuada uma pesquisa em ciências sociais sobre a polícia, nomeadamente sobre

os escalões superiores das hierarquias policiais e sobre os mecanismos de tomada de

decisão na cúpula das organizações policiais, aos quais “são atribuídas uma influência ou

poderes sem dúvida muito superiores ao que são na realidade”. Acrescenta ainda o autor

que “é crucial para uma melhor compreensão da relação polícia/ sociedade e

consequentemente para implementação de políticas públicas de segurança em Portugal,

o estudo científico das três dimensões estruturais do sistema policial, assim como a

consideração das representações sociais (pessoais; institucionais e políticas) dos

elementos da polícia, em particular dos Oficiais de Polícia, sobre a sua própria condição

profissional e em relação ao complexo conjunto de relações com a sociedade, a

instituição policial e o Estado”, rematando que em última instância, é em particular aos

escalões superiores das hierarquias policiais (Oficiais de Polícia), que se deve uma quota-

parte do sucesso ou não da implementação das Políticas Públicas de Segurança

preconizadas, no caso português, pelo Ministério da Administração Interna.

ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO DO CRIME De um outro ponto de vista “a perceção de segurança e o sentimento de

vulnerabilidade na vivência do espaço colectivo constituem dimensões subjetivas críticas

do bem-estar do indivíduo na sua relação com a cidade”, em que independentemente da

perceção ser ou não corrobada pelos dados reais da dimensão e localização da prática

criminosa, “ela não pode ser descurada porquanto influi diretamente no bem-estar

psíquico do indivíduo e na sua capacidade e motivação para fruir o espaço público e se

predispor ao convívio e participação ativa na vida comunitária.", sendo que o espaço

coletivo da cidade – local de encontro e inter-relação entre estranhos – é “um lugar onde

o indivíduo sente menor capacidade de controlo e previsão e, deste modo, se afeta por

uma sensação de maior vulnerabilidade e inquietação.” (DGOTDU, 2011. p. 18)

Assim sendo consegue-se compreender qual a razão pela qual o desenho e a

gestão dos espaços urbanos são fatores determinantes para a constituição de ambientes

urbanos mais ou menos transparentes, inteligíveis e dotados das ferramentas necessárias

para a sua interpretação e para a capacidade de previsão pelo indivíduo que os usufrui.

(DGOTDU, 2011. P. 18)

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A cidade evoluiu como o modelo de organização humana que melhor satisfaz um

conjunto de necessidades básicas e secundárias dos habitante ou visitantes, mas na qual

a segurança de bens e pessoas perante as mais diversas ameaças físicas, económicas,

climatéricas só parcialmente fica acautelada. Na procura de responder a essa

necessidade, dever-se-á utilizando o processo dinâmico de desenvolvimento social

urbano prover espaços de sociabilidade adequados a todos os cidadãos, onde o

sentimento de segurança e bem-estar se constitui como objetivo fundamental. (DGOTDU,

2011. p. 18)

A recente (últimas décadas) desagregação e fragmentação do tecido urbano, com a

construção de grande superfície comerciais, a alteração do uso e função dos centros

históricos decorrentes da maior mobilidade da população residente, ao

empobrecimento/desaparecimento do tecido económico (pequeno comércio, pequenas

oficinas, serviços de proximidade) e à degradação do espaço físico, colocam em causa as

condições naturais da segurança do espaço público em geral, e da rua em particular.

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Figura nº 1 – (Distribuição geográfica das tipologias urbanas)

Fonte: João Ferrão (2003, p. 7) (apud. DGOTDU, 2011. p. 23)

A sociologia urbana, antropologia urbana, psicologia ambiental, psicologia social,

ecologia humana são algumas das disciplinas distintas que realizam estudos nesta área e

todos “convergem no sentido de reconhecer à cidade a capacidade de potenciar, sobre

certas condições, comportamentos antissociais que exigem um esforço acrescido de

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controlo formal.”, mas deverá ser salientado que estas situações “não se verificam em

exclusivo em meio urbano, têm nele uma prevalência e incidência acrescidas tanto no

domínio das incivilidades comportamentais como do crime.” (DGOTDU, 2011. p. 18)

Assim, e de acordo com a DGOTDU (2011. p. 26) nas grandes áreas urbanas

existem diversos fatores que concorrem para o incremento da criminalidade e do

sentimento de insegurança dos cidadãos, são:

a) Densidades populacionais elevadas, conjugadas com elevadas densidades do

parque edificado, particular mas não exclusivamente na periferia imediata das cidades,

onde se localiza boa parte dos bairros sociais críticos;

b) Desqualificação urbanística;

c) Insuficiente oferta de infraestruturas e equipamentos sociais;

d) Presença considerável de famílias desestruturadas;

e) Problemas de integração de imigrantes e minorias étnicas;

f) Problemas de exclusão social e económica;

g) Taxas de desemprego elevadas;

h) Taxas de abandono escolar elevadas;

i) Contrastes sociais com forte incidência territorial, por exemplo, com a proximidade

entre bairros críticos e condomínios fechados/privados;

j) A proliferação de centros comerciais, associada a novas formas de organização do

comércio e de consumo.

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Figura nº 2 – (Exemplo de local que gera insegurança)

Fonte: (DGOTDU, 2011. p. 37)

De acordo com esta conceção da DGOTDU (2011. p. 27), a abordagem ao problema

social do crime e da insegurança nas áreas urbanas pode ser desenvolvida em dois

níveis de intervenção, que sendo apresentados como conceptualmente distintos, são

também expostos como complementares. Num primeiro plano, mais estratégico, definindo

as bases da intervenção da instituição policial no quadro do planeamento urbanístico, de

modo a que o desenho e organização espaciais beneficiem dos contributos de uma leitura

técnico-policial, antecipando possíveis impactes negativos do tecido edificado sobre a

segurança pública, quer na fase de licenciamento, quer nas fases subsequentes

relacionadas com a fiscalização (acompanhamento) e organização da segurança

(relacionada com medidas de proteção e planos de prevenção). Num segundo nível

passa por reconhecer às forças de segurança a capacidade para a elaborar orientações e

recomendações para mitigação de riscos identificados em contextos específicos (edifícios,

espaços públicos, etc.), em complementaridade com a atividade que é legalmente

reconhecida à segurança privada, sobre a forma de um enquadramento operacional

prévio daquela atividade.

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Por outro lado, e avançando mais no nosso estudo, surge-nos Mora (2010, p. 14)

que nos apresenta as Estratégias de prevenção como “as modalidades de prevenção

criminal constituem as formas que a polícia tem ao seu alcance, com o objetivo de reduzir

as hipóteses de se cometerem ilícitos, ou seja, a redução das oportunidades para a

prática de crimes.”

Estas dividem em prevenção primária, prevenção secundária e prevenção terciária.

Na primária o foco encontra-se nas polícias, a secundária visa influenciar as pessoas que

se encontram em situações de risco através de outras instituições/organizações e a

terciária é já de natureza repressiva, com a intervenção dos tribunais. Mora (2010, pp. 15-

16).

A utilização de meios policiais e a sua intensificação deve obedecer a uma

estratégia dinâmica, sendo “função da polícia impedir que a mancha do crime se instale,

de modo que os delinquentes não se consigam organizar, o que causaria uma maior

dificuldade à actuação policial.” Mora (2010, p. 16).

Mas existe uma outra abordagem para fazer face ao fenómeno: a prevenção

situacional. Afastando-se da orientação das teorias criminológicas e focando-se “nas

características do local em que o crime tem lugar, em vez de se focar na detecção e

punição dos delinquentes.” para procurar introduzir “uma série de métodos e mudança no

ambiente em que o crime é cometido, com o intuito de reduzir a oportunidade da prática

de actos criminosos” Mora (2010, p. 16).

De acordo com Mora (2010, p. 17) compreende medidas de redução da

oportunidade que são direcionadas a tipos muito específicos de crime, envolvendo a

gestão, design e manipulação do ambiente, duma forma sistemática e permanente e com

o objetivo de tornar a prática de crimes mais difícil e arriscada.

Assim, “devem ser trabalhadas quatro componentes:

1. Uma base teórica assente principalmente na teoria das actividades de rotina e na

perspectiva da escolha racional;

2. Uma metodologia estandardizada baseada no paradigma da investigação activa;

3. Um conjunto de técnicas de redução da oportunidade;

4. Um conjunto de avaliação de boas práticas.” Mora (2010, p. 17)

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Relativamente à terceira componente e integrando-se nos níveis de prevenção

primária e situacional, apresenta-se uma tabela com um total de 16 técnicas de prevenção

situacional.

Aumentar o esforço Aumentar o risco Reduzir as

recompensas

Remover as

desculpas

Proteger o alvo Controlar entradas e

saídas

Remover os alvos Estabelecer regras

Dificultar o acesso Vigilância formal Identificar os bens Estimular a

consciência

Desviar as vítimas Vigilância pelos

empregados

Reduzir a tentação

Controlar os

desinibidores

Controlar os meios Vigilância natural Reduzir os benefícios Facilitar o

cumprimento

Figura nº 3 – (As 16 técnicas de prevenção situacional)

Fonte: Mora (2010, p. 18) apud. Clarke (1997)

Procurando realizar uma pequena análise ao quadro podemos salientar que nos

parece possível aplicar isoladamente cada uma das técnicas ou conjugar várias para um

mesmo local, dependendo dos objetivos a atingir e das caraterísticas dos próprios locais e

da monitorização efetuada. Neste sentido vai Mora (2010, p. 19) em considera que a

polícia neste âmbito é “uma entidade de essencial preponderância, pois, pressupondo-se

que terá um conhecimento mais abrangente dos problemas da área onde actua, encontra-

se em posição de determinar a forma como os crimes são cometidos e a estratégia e

técnicas de prevenção propícias a dificultar a repetição dos delitos.”

DIAGNÓSTICO E INTERVENÇÃO SITUACIONAL

No campo da prevenção do crime e das suas vítimas, existe uma entidade que é

fundamental, sendo mesmo a sua capacidade crucial - os municípios. O sucesso depende

das sinergias criadas entre instituições públicas e privadas de diferentes sectores da

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sociedade civil e das comunidades locais. O sucesso tem consequências positivas em

diversos níveis uma vez que comunidades mais seguras, mais saudáveis e mais fortes,

têm mais capacidade contribuir positivamente para sociedade, alcançando-se, por outro

lado, ganhos na saúde pública, por exemplo, com a redução das taxas de mortalidade,

melhoria na saúde em geral e redução dos custos ou ganhos na educação com uma

maior assiduidade e melhores resultados por parte dos alunos (DGAI, 2009. p. 8).

Uma das ferramentas para lidar com esta temática é Diagnostico Locais de

Segurança (DLS), em cujo Manual se encontram vertidas as orientações da ONU, em

2002, para a prevenção do crime que incentivam e aconselham abordagens de âmbito

preventivo e, se baseiam em oito princípios: Liderança governamental; Desenvolvimento

socioeconómico e inclusão, Cooperação e parcerias; Sustentabilidade /

Responsabilidade; Base de conhecimentos; Direitos Humanos / Regras legais / Cultura

da legalidade; Interdependência. E Diferenciação (ONU, 2002. pp. 4-5). Assim, as “As

estratégias, as políticas e as atividades da prevenção criminal devem ser baseadas num

vasto e interdisciplinar conhecimento dos problemas inerentes ao crime, nas suas

múltiplas causas e nas práticas mais promissoras e comprovadas”, devendo portanto

existir “uma análise sistémica dos problemas criminais, as suas causas, os seus fatores

de risco e as respetivas consequências, em particular numa escala local” (ONU, 2002. pp.

4 e 7).

Já no referente ao desenvolvimento de programas de prevenção situacional do

crime refere-se que os governos e a sociedade cível devem: “ (a) Melhorar o ordenamento

do território; (b) Utilizar métodos de vigilância que sejam sensíveis ao direito à

privacidade; (c) Encorajar o design de bens de consumo mais resistentes à prática de

crimes; (d) Aumentar a “robustez” dos equipamentos urbanos, sem afetar a qualidade das

zonas edificadas e o livre acesso aos espaços públicos; (e) Implementar estratégias que

previnam a revitimização.”

Neste sentido o “objetivo do DLS é fornecer esta forma de análise. A sua utilização

como ferramenta de desenvolvimento das estratégias de prevenção tem sido

reconhecida internacionalmente por instituições como o Banco Mundial, União Europeia,

Departamento de Drogas e Crime da ONU, ONU-Habitat, Organização Mundial de

Saúde, Centro Internacional de Prevenção do Crime e o Fórum Europeu para a

Segurança Urbana.” (DGAI, 2009. p. 9). Para alcançar o seus objetivos o DLS procura

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uma abordagem estratégica para alcançar os resultados desejados de forma

duradoura, permitindo uma utilização eficaz dos escassos recursos existentes,

procurando ao mesmo tempo dotar os seus parceiros, os stakeholders, de um

entendimento e de um objectivo comum e partilhado sobre os problemas da comunidade

e as suas respostas reais, fortalecendo assim a sua resolução. O processo procura ser

evolutivo, de inclusão e participativo, de forma a que todos os interesses relevantes

sejam corretamente considerados e para que a comunidade beneficie do envolvimento

dos stakeholders e da comunidade, conforme o esquema seguinte (DGAI, 2009. p. 9).

Figura nº 4 – (O processo da prevenção do crime)

Fonte: (DGAI, 2009. p. 9).

A composição dos Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade1 (GTSC),

deve incluir pessoas com autoridade e capacidade na área da prevenção criminal, para

conseguir aprovar uma estratégia e levar a cabo a sua planificação e implementação.

1 Em Portugal os Conselhos Locais de Acção Social (CLAS), responsáveis pelos Planos de Desenvolvimento Social, poderão funcionar como uma boa referência para a constituição destes grupos.

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Entre os seus membros devem estar individualidades do sector público de maior

destaque, tais como o presidente da Câmara, membros de outros órgãos do poder local,

e comandantes das forças de segurança. Devem ainda integrar os responsáveis de

outras entidades públicas como a saúde, a educação, a segurança social, os serviços de

apoio à infância e à juventude, o urbanismo, o desenvolvimento regional e ainda a justiça

tutelar e penal, procurando que o grupo seja constituído de forma heterogénea no que se

refere ao género e às diferentes composições étnico-culturais, conforme o exemplo do

esquema seguinte. O GTSC ainda poderá contar com a colaboração de outros

stakeholders como representantes de grupos étnicos, associações de jovens, ou outras

minorias constituídas, até um numero desejável de 15 (DGAI, 2009. pp. 10 e 11).

Figura nº 5 – (Grupo de Trabalho para a Segurança da Comunidade)

Fonte: (DGAI, 2009. p. 10)

O DLS deverá incluir informação recolhida, por exemplo nos serviços de ambiente

urbano e de habitação sobre crimes menos graves e incivilidades que não tenham sido

relatados à polícia, como: incidentes de vandalismo (danos) e os custos das reparações;

ruído excessivo proveniente de, por exemplo, música, cães ou maquinarias; queixas de

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comportamentos desregrados de jovens ou adultos e despejos de lixo ou abandono de

automóveis e os custos de limpeza e remoção (DGAI, 2009. p. 95)

Já na Fase 2 de implementação do DLS deverão ser realizados alguns passeios

exploratórios em que se procura observar “assuntos relacionados com o ambiente físico,

tais como o design de edifícios ou iluminação pública, ou o uso de uma área, por exemplo

por consumidores de álcool, excesso de velocidade ou gangs juvenis.” (DGAI, 2009. p.

119).

De acordo com Neves (2012, p. 5) “há, de facto, uma relação entre o espaço e os

comportamentos, no entanto, esta não tem sido considerada nos projetos urbanísticos

que, por desconhecimento, podem facilitar comportamentos indesejados ou criminais,

conotando os espaços de locais perigosos ou inseguros. No entanto, não é apenas o

desenho urbano responsável. Apesar da funcionalidade conferida ao espaço no âmbito da

fase do projeto, são os utilizadores que o frequentam e nele atuam, quer seja de acordo

com o que foi pensado ou não. A análise deste fenómeno requer uma abordagem

multidisciplinar, com particular ênfase na área da sociologia ou da ecologia social

tentando perceber a relação dos comportamentos no espaço que pode dar origem aos

“crimes de rua”, nomeadamente: furtos ou roubo por esticão; furto de ou em veículo

motorizado; furto por carteirista; furto em supermercado; roubo na via pública; entre

outros. São crimes que ocorrem na via pública dos quais todos os indivíduos podem ser

vítimas. Resultam em grande maioria, das oportunidades que as características físicas do

local proporcionam, da vulnerabilidade das vítimas e da necessidade do delinquente.

Sendo que “oportunidade” pode implicar também o controlo social, quer seja contra as

atividades dos delinquentes ou facilitando-as.”

Assim, quer o desenho urbano quer o contexto social interferem na forma como o

espaço público é utilizado ou ocupado.

Estes passeios visam essencialmente avaliar e aplicar os princípios da Prevenção

Criminal Através do Espaço Construído (CPTED) o qual procura, através da gestão do

espaço construído (físico e social), reduzir quer o sentimento de insegurança dos cidadão

quer as oportunidades para serem perpetrados comportamentos indesejáveis,

perturbadores, desenquadrados ou ilícitos, aplicando-se “os seus princípios orientadores

a diversos contextos de espaços públicos como: zonas residenciais, espaços comerciais,

centros da cidade, centros históricos, estabelecimentos hoteleiros, locais de trabalho

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como escritórios, estabelecimentos de ensino, zonas industriais, parques de

estacionamentos e áreas de lazer em zonas urbanas, parques infantis, instalações

sanitárias, passagens subterrâneas e paragens de transportes públicos, entre outros.”

(DGAI, 2013, p. V)

O envolvimento comunitário das pessoas é influenciado por diversos aspetos dos

quais se salientam os fenómenos de criminalidade2 dos quais resultam sentimentos de

insegurança e medo sociais que condicionam as pessoas afetando o seu exercício de

liberdade. A proteção das forças de segurança associada a uma aplicação célere da lei,

que puna os infratores e trave a criminalidade é a resposta mais normalmente esperada,

mas começa já a existir um reconhecimento global de que os projetistas, arquitetos e

urbanistas podem ter um papel significativo na prevenção do crime, através da integração

dos princípios e conceitos de CPTED na conceção e gestão do ambiente físico

construído. (DGAI, 2013, p. VII).

A CPTED (DGAI, 2013, p. 1) procura, como respostas de primeira linha, promover

soluções de significativa qualidade e agradabilidade visual para conferir aos espaços

construídos uma legítima utilização, baseando em quatro princípios fundamentais:

Vigilância natural

Controlo natural de acessos

Reforço territorial

Manutenção e gestão

O termo “natural” procura ser um produto resultante da habitual rotina de utilização

do espaço, por oposição a algo que seja visto como um corpo estranho do ponto de vista

visual. Neste sentido, a vigilância natural procura aumentar o risco para o autor do delito

de ser responsabilizado por existirem pessoas atentas aos seus movimentos que possam

imiscuir-se de imediato, sem que isto signifique “impedir a entrada de intrusos (podendo,

no entanto, produzir este efeito), mas sim controlar visualmente a intrusão” A CPTED

(DGAI, 2013, p. 2).

Já o controlo natural de acessos procura dar indicações às pessoas relativamente à

legitimidade da sua permanência num determinado espaço, através da disposição

elementos naturais como arbustos ou vegetação semelhante, bem como estruturas físicas

2 A criminalidade grave contra pessoas e contra a propriedade, os crimes de furto, roubo, violação, homicídio e outras ameaças à segurança pessoal, afetam particularmente certos grupos de pessoas mais vulneráveis como os idosos, as mulheres, as crianças e os adolescentes.

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- portas, cercas ou muros - com o objetivo de criar uma “barreira psicológica” criando a

noção de que “quando o alvo (potencial vítima) parece estranho ou requer maior

empenho do que o normal, perde a sua atratividade por parte dos potenciais

delinquentes.” (DGAI, 2013, pp. 2 e 3).

Já o reforço territorial procura intensificar a ideia de que, normalmente, as pessoas

protegem o espaço que apreendem como seu e respeitam as fronteiras. Mas este

sentimento de pertença ou apropriação e zelo que os utilizadores demonstram tem de ser

aproveitado de forma a evitar que a falta de manutenção e gestão leve a que a área fique

degradada e assim mais apelativa para o desenvolvimento de atividades não desejadas,

desempenhando aqui a escolha dos materiais e dos acabamentos um papel fundamental

para que os espaços sejam sustentáveis ao longo do tempo (DGAI, 2013, pp. 4 e 5).

Uma vez refletidas estas questões, a informação obtida pode ser utilizada de forma

a orientar decisões sobre o design/projeto ou alteração do espaço, traduzindo-se os

quatro princípios da CPTED em várias estratégias de planeamento e design, de modo a

conferir segurança aos locais, a seguir apresentadas (DGAI, 2013, p. 8).

As estratégias segundo o CPTED (DGAI, 2013, pp. 9 a 32) podem ser categorizadas

do seguinte modo:

Quanto aos campos de visão há reter que a impossibilidade de antever o percurso

na sua totalidade devido à forma como se apresenta sentimento de segurança e por outro

lado o maior controlo visual permite que os utilizadores vejam e sejam vistos,

desencorajando assim a prática do crime ou vandalismo.

No que respeita a iluminação esta deve ser a adequada é necessária para ver e ser

visto, sendo que os níveis básicos de iluminação devem permitir a identificação do rosto

de um indivíduo a uma distância mínima de 10 metros (para uma pessoa com uma

visibilidade normal). Poderá ser considerada, para evitar uma ideia errada de segurança,

que os espaços concebidos exclusivamente para uso diurno poderão, no período da

noite, estejam encerrados, permanecendo sem iluminação.

Quanto aos caminhos ou percursos isolados deve ser procurado a conceção de um

percurso alternativa, ou em não sendo possível deverão ser integrados os princípios da

visibilidade e melhorados os campos visuais, a iluminação e a videovigilância,

promovendo-se a vigilância natural em locais isolados.

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Quanto às zonas vulneráveis, espaços confinados e de reduzida dimensão, cobertos

ou encobertos por algum tipo de barreiras, como muros ou vegetação, alguns deles

devem mesmo ser eliminados e procurada a introdução de vigilância natural.

Quanto ao isolamento refere-se que se geram sentimentos de insegurança se estes

apresentarem indícios de abandono, ou se os frequentadores tiverem a noção de que não

serão vistos ou ouvidos, pelo que uma das soluções pode ser a vigilância natural gerada

pela junção de usos comerciais e residenciais.

Quanto ao uso misto do espaço este deve ser equilibrado e, é importante por

motivos ambientais, económicos, estéticos e de segurança, porque também promove

maior interação e, consequentemente, gera locais mais seguros, devendo ser compatíveis

de modo a promoverem a atividade, a vigilância natural e o contacto social ao longo do

dia.

Quanto aos polos geradores de atividades, estes facilitam os usos ou fornecem

serviços que atraem as pessoas e dão vida aos locais, reduzindo assim oportunidades

para o crime.

O sentimento de pertença, manutenção e gestão é muitas vezes considerado como

um fator vital para conferir segurança a um local, e não saber quem tem responsabilidade

sobre um determinado espaço pode provocar um sentimento de insegurança, por não se

saber a quem reportar os problemas. Na mesma logicas os espaços privados devem ser

bem mantidos para criar uma perceção de apropriação do espaço, zelo e segurança.

Assim, uma programação eficiente e gestão dos espaços, a promoção da vigilância formal

e da manutenção contribuem para a segurança dos espaços, como o fazem por exemplo

as empresas de administração de condomínios.

A sinalética e informações devem ser bem concebidas e estrategicamente

colocadas, recorrendo à criatividade e à técnica dos especialistas de design de

comunicação, e com a manutenção devida para que não se gere uma ideia de

negligência associada a um potencial aumento do sentimento de medo.

A Conceção global e a gestão do espaço influenciam o comportamento humano. Um

local abandonado, sem atividades e rodeado por sistemas de segurança eletrónica gera

medo, enquanto um local “vibrante” e agradável transmite uma ideia de confiança e

preocupação.

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CONCLUSÃO De acordo com o procedimento metodológico seguido, foi possível chegar aos

resultados pretendidos, cumprindo assim os nossos objetivos iniciais e dando resposta à

questão de partida, a qual nos permitiu numa primeira fase problematizar concetualmente

a temática abordada, para depois fazer o mapeamento do fenómeno a nível nacional.

Noutra fase procuramos expor/analisar os instrumentos ao dispor quer das FSS, quer de

outras entidades/profissionais, no âmbito do desenvolvimento urbano, como forma de

reduzir/prevenir a (in)segurança pública, e a forma como esta se relaciona com o

desenvolvimento urbano, e vice-versa.

A segurança surge como um direito fundamental do cidadão que o Estado deve

promover e assegurar, evoluindo a cidade como o modelo de organização humana que

melhor satisfaz um conjunto de necessidades básicas e secundárias dos habitante ou

visitantes, mas na qual a segurança de bens e pessoas perante as mais diversas

ameaças físicas, económicas, climatéricas só parcialmente fica acautelada.

Confirmamos ao longo do trabalho que existe uma relação mútua entre a segurança

pública e desenvolvimento urbano, a qual nos permitiu responder à nossa questão

central. O fenómeno do desenvolvimento urbano afeta a segurança pública, na medida

em que a ameaça ou a realização de crimes por esta via tem reflexos diretos e imediatos

na ordem, tranquilidade, legalidade democrática, ou mesmo as incivilidades podem ser

relevantes para o aumento/diminuição do sentimento de segurança.

Como verificamos ao longo do presente estudo, que é preciso ter em linha de conta

que desenvolvimento urbano corretamente desenvolvido pode contribuir para diminuir

vários tipos de crimes, assim como concorrer para a diminuição do sentimento de

segurança. Sentimento que intervém numa dimensão subjetiva e que influi diretamente no

bem-estar psíquico dos cidadãos e na sua capacidade e motivação para usufruir do

espaço público, afetando portanto o seu exercício de liberdade.

A conceção e gestão do ambiente físico construído com vista a uma legítima

utilização devem ser encontradas soluções de significativa qualidade e agradabilidade

visual, baseadas em quatro princípios fundamentais: Vigilância natural; Controlo natural

de acessos; Reforço territorial e Manutenção e gestão. Desta forma e de acordo com o

CPTED consegue-se reduzir quer o sentimento de insegurança dos cidadãos quer as

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oportunidades para serem perpetrados comportamentos indesejáveis, perturbadores,

desenquadrados ou ilícitos.

Desta forma, o papel das FSS, pese embora a competência legal no âmbito desta

temática não seja ainda muito claro, localiza-se no âmbito do seu dever e obrigação de

colaborar na garantia da segurança pública com todas as instituições e entidades que

intervenham nesta área procurando ser um parceiro ativo e esclarecido, apresentando

propostas fundamentadas.

Assim, dada a importância da temática no plano nacional, a Guarda deve assumir

um papel mais relevante na vertente do desenvolvimento urbano, necessitando contudo

de uma reflexão interna profunda e de elaborados estudos/investigação

científica/trabalhos académicos que sustentam como deve participar.

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