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CEDIS Working Papers | Direito, Segurança e Democracia | ISSN 2184-0776 | Nº 40 | setembro 2016 1 DIREITO, SEGURANÇA E DEMOCRACIA SETEMBRO 2016 40 FORÇAS ARMADAS - INTERVENÇÃO NO ÂMBITO DA SEGURANÇA INTERNA Armed Forces - Intervention in Internal Security PAULO JORGE DINIS REBISCO Mestrando em Direito e Segurança RESUMO Serão as Forças Armadas um agente de Segurança Interna? É esta a questão que dá o mote a este estudo. E tentar perceber, através dos variados pontos de vista e argumentações que rodeiam as questões da segurança interna, o espaço da participação das Forças Armadas nas acções e operações de segurança interna. As várias latitudes de discussão permitem desde logo perceber que a interpretação legal da participação das Forças de Segurança na Segurança Interna, será, para alguns autores, mais extensiva, sendo que para outros, essa mesma interpretação se mostra mais restritiva. A presente conjuntura política, social e económica, bem como o quadro e grau de ameaças actuais a que os Estados estão expostos faz emergir esta questão, importando

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FORÇAS ARMADAS - INTERVENÇÃO NO ÂMBITO DA SEGURANÇA INTERNA Armed Forces - Intervention in Internal Security PAULO JORGE DINIS REBISCO Mestrando em Direito e Segurança

RESUMO Serão as Forças Armadas um agente de Segurança Interna? É esta a questão que

dá o mote a este estudo. E tentar perceber, através dos variados pontos de vista e

argumentações que rodeiam as questões da segurança interna, o espaço da participação

das Forças Armadas nas acções e operações de segurança interna.

As várias latitudes de discussão permitem desde logo perceber que a interpretação

legal da participação das Forças de Segurança na Segurança Interna, será, para alguns

autores, mais extensiva, sendo que para outros, essa mesma interpretação se mostra mais

restritiva.

A presente conjuntura política, social e económica, bem como o quadro e grau de

ameaças actuais a que os Estados estão expostos faz emergir esta questão, importando

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saber até que ponto a intervenção militar tem cabimento em questões tradicionalmente

reservadas às polícias, e de que forma esta se processa, ou processará, e ainda se será

aceitável a cooperação entre Forças e Serviços de Segurança e Forças Armadas.

PALAVRAS-CHAVE Forças Armadas, Segurança Interna, Segurança Nacional, Defesa Nacional, Polícias

ABSTRACT Are the Armed Forces an Internal Security agent? This is the subject of this study.

And trying to understand through various points of view and arguments that circumscribe

the issues of internal security the room for participation of the armed forces in actions and

operations of internal security.

The various latitudes of discussion allow us to realize that the legal interpretation of

the involvement of security forces in Homeland Security are for some authors more

extensive while for others this same interpretation is more restrictive.

This political, social and economic environment , as well as the kind and level of

current threats, to which States are exposed, brings out the question that gives meaning to

this study: understand how the military intervention in issues traditionally assigned to the

police is or will be managed, and if the cooperation between Security Forces and Services

and Armed Forces is acceptable.

KEYWORDS Armed Forces, Homeland Security, National Security, National Defence, Police

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Lista de Abreviaturas CRP - Constituição da Republica Portuguesa

FA - Forças Armadas

FSS - Forças e Serviços de Segurança

LSI - Lei de Segurança Interna

CEDN - Conceito Estratégico de Defesa Nacional

RASI - Relatório Anual de Segurança Interna

CEMGFA - Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas

EMGFA - Estado Maior General das Forças Armadas

SGSSI - Secretario Geral do Sistema de Segurança Interna

SI - Segurança Interna

LOBOFA - Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas

LDN - Lei de Defesa Nacional

Introdução Forças Armadas - um agente de Segurança Interna?

A noção de segurança interna é recente quer na terminologia político administrativa

quer no quadro das ciências sociais. A sua crescente afirmação no quadro das políticas

publicas traduz a reconceptualização da segurança associada às transformações politicas

e sociais que se tem vindo a referir e à emergência de um novo quadro de pensamentos

estratégicos decorrente das ameaças e riscos. (Lourenço, 2015)

A noção de segurança interna afirma a passagem de uma visão de segurança no

interior das fronteiras do Estado - pensada e tradicionalmente designada como de ordem

pública - para a noção mais densa e complexa de segurança interna (Lourenço, 2015)

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Foi a complexidade da sociedade global e a alteração do quadro de ameaças que

exigiu a redefinição da missão atribuída às polícias e consequentemente à assunção de um

quadro conceptual mais alargado e mais denso que os limites estritos da noção de ordem

pública. (Lourenço, 2015)

A passagem de uma noção de segurança confundível ou subsumida na noção de

defesa para um conceito autonomizado - embora sistemicamente relacionado - só é

compreensível no quadro da globalização, num processo em que o fim da Guerra Fria, o

terrorismo jihadista e o crime organizado à escala global desempenharam um papel

significativo. (Lourenço, 2015)

A emergência de ameaças transnacionais à segurança interna - embora não

assumindo uma logica de guerra - contribuem para a complexidade do conceito de

segurança interna e, simultaneamente, para perturbar a limitação tradicional entre

segurança interna e segurança externa, com consequências a nível politico e jurídico-

administrativo (Cusson,2007; Garcin, 2005; Lourenço,2006)

1) Missão e capacidades das Forças Armadas Apesar das características do "novo" Mundo, em Portugal as FA continuam a ser um

pilar essencial da Defesa Nacional, com a missão fundamental de “garantir a defesa militar

da República”.

Organizadas em três Ramos, com aproximadamente 40.000 militares e civis, as FA

cumprem as missões que legalmente lhes estão atribuídas, se bem que nem sempre com

os mais avançados sistemas de armas.

1.1) Missões militares externas

As FA encontram-se preparadas fundamentalmente para fazerem face às agressões

e ameaças externas, no sentido de garantirem a soberania, a independência nacional e a

integridade do território nacional, no quadro das organizações internacionais e da política

nacional de cooperação, como instrumento da política externa em missões de alta

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intensidade (guerra – Afeganistão e Iraque), humanitárias e de paz e em acções de

cooperação técnico-militar.

1.2) Outras missões

Além das missões de caracter essencialmente militar, e como dispõe a Constituição

da República Portuguesa (CRP), as FA têm colaborado em missões de protecção civil,

fazendo face a situações de catástrofe ou calamidade pública e em tarefas relacionadas

com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das

populações. As FA estão ainda preparadas para serem empregues, nos termos da CRP

(art.º 19º) e da Lei (Lei Orgânica n.º 1/2012, de 11 de Maio, que constitui a segunda

alteração à Lei n.º 44/86 de 30 de Setembro relativa ao Regime do Estado de Sitio e do

Estado de Emergência), quando for declarado qualquer um dos estados de excepção

(estado de sítio ou de emergência). Estas missões, enquadráveis nas “outras missões de

interesse público” (ou, segundo Loureiro dos Santos [Vaz, 2012: 973], na missão de

“garantir o funcionamento das instituições democráticas”), são cumpridas “sem prejuízo das

missões de natureza intrinsecamente militar” (CEDN 2003; 8.1).

1.3) O Conceito Estratégico de Defesa Nacional (2013)

Com o crescendo das ameaças de cariz transnacional designadamente na

sequência dos ataques terroristas de 11 de Setembro de 2001, e à luz do que se passou

noutros países europeus (nomeadamente em França), o Conceito Estratégico de Defesa

Nacional de 2013, passou a incluir a possibilidade de o Estado promover as seguintes

capacidades adicionais das FA:

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"- Maximizar as capacidades civis e militares existentes e impulsionar uma

abordagem integrada na resposta às ameaças e riscos, operacionalizando um

efetivo sistema nacional de gestão de crises;

- Clarificar, agilizar e simplificar as estruturas de prevenção e de resposta

operacional, adaptando -as à natureza das ameaças, de modo a maximizar as

capacidades existentes e a melhorar a eficiência no emprego dos meios;

- Contribuir, nas instâncias internacionais, para o reforço das políticas de controlo

e não -proliferação dos armamentos, das tecnologias de destruição massiva, para a

prevenção e combate ao terrorismo, ao narcotráfico e a outras formas de

criminalidade organizada e para a proteção do meio ambiente, para a segurança

marítima e aérea e para o auxílio humanitário;

- Aprofundar a cooperação entre as Forças Armadas e as forças e serviços de

segurança em missões no combate a agressões e às ameaças transnacionais,

através de um Plano de Articulação Operacional que contemple não só as

medidas de coordenação, mas também a vertente de interoperabilidade dos

sistemas e equipamentos;

- Promover uma abordagem integrada da segurança interna, contemplando uma

dimensão horizontal, incluindo a necessidade de intervenção articulada e

coordenada de forças e serviços de segurança, da proteção civil, da emergência

médica e das autoridades judiciárias, bem como de entidades do sector privado, e

uma dimensão vertical, incluindo os níveis internacional, nacional e local;

- Promover a integração operativa da segurança interna, através da adoção de

medidas operacionais que reduzam redundâncias e aumentem a integração

operacional e a resiliência do sistema, incluindo as informações, a segurança

pública, a investigação criminal, os serviços de estrangeiros e fronteiras e a

proteção civil;

- Desenvolver as capacidades militares necessárias à mitigação das

consequências de ataques terroristas, cibernéticos, NBQR — Nuclear,

Bacteriológico, Químico, ou Radiológico — e de catástrofes e calamidades;"

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São ainda linhas orientadoras do CEDN 2013;

"- Definir o esforço coordenado de aquisição e manutenção de reservas

estratégicas de determinados medicamentos que possam ser utilizados em caso

de emergência em saúde pública ou de calamidade, bem como assegurar, de um

modo sustentado, a preservação de infraestruturas essenciais quer do sector

saúde, integrando o sistema prestador de cuidados, quer no domínio do

abastecimento de água e alimentos, e energia. Para responder eficazmente à

ameaça das redes terroristas, Portugal deve desenvolver uma estratégia nacional

e integrada que articule medidas diplomáticas, de controlo financeiro, judiciais, de

informação pública e de informações, policiais e militares. Deve ainda atribuir especial

atenção à vigilância e controlo das acessibilidades marítima, aérea e terrestre ao

território nacional. Neste domínio, adquire grande acuidade a implementação de um

Programa Nacional de Proteção das Infraestruturas Críticas. Relativamente à

proliferação de armas de destruição massiva e seus vetores, é indispensável reforçar

a coordenação entre as várias instâncias do Estado com responsabilidades na

prevenção e resposta a este risco, nomeadamente no plano da fiscalização dos

mercados de acesso à produção, comercialização e tráfico, da investigação

tecnológica, da informação à população e da proteção civil, em estreita articulação com

os nossos aliados. É também necessário promover a melhoria das capacidades de

defesa NBQR. Para lutar contra o crime organizado transnacional importa não só

reforçar a cooperação internacional, como melhorar a capacidade de prevenção e

combate à criminalidade organizada, reforçando e aperfeiçoando os mecanismos de

coordenação entre as várias entidades e organismos com responsabilidades neste

domínio, atribuindo especial prioridade quer às ações de fiscalização, detecção e

rastreio do tráfico de droga nos espaços marítimo e aéreo sob jurisdição nacional, quer

às ações de combate às redes de imigração clandestina e do tráfico de seres humanos.

No domínio da cibercriminalidade, impõe -se uma avaliação das vulnerabilidades dos

sistemas de informação e das múltiplas infraestruturas e serviços vitais neles apoiados.

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Neste domínio, definem -se como linhas de ação prioritárias: garantir a proteção das

infraestruturas de informação críticas, através da criação de um Sistema de

Proteção da Infraestrutura de Informação Nacional (SPIIN); definir uma

Estratégia Nacional de Cibersegurança; montar a estrutura responsável pela

cibersegurança, através da criação dos órgãos técnicos necessários;

sensibilizar os operadores públicos e privados para a natureza crítica da

segurança informática e levantar a capacidade de ciberdefesa nacional. Para

fazer face aos atentados ao ecossistema, Portugal deverá reforçar a sua

capacidade de resposta através da promoção de uma adequada articulação

entre as políticas públicas com intervenção neste domínio e da maximização das

capacidades civis -militares. A pirataria constitui uma séria ameaça à

segurança, afetando as rotas vitais do comércio internacional. Portugal deve

continuar a participar em missões de combate à pirataria, no quadro das suas

alianças, e contribuir para a segurança dos recursos comuns do planeta, bem

como cooperar com os Estados de língua portuguesa, nomeadamente no âmbito

do Acordo de Defesa da CPLP, para desenvolver ações de segurança marítima e

de combate a esta ameaça. O impacto devastador das catástrofes naturais ou

provocadas e das calamidades dão relevo ao Sistema de Proteção Civil e às

seguintes linhas de ação estratégica: reforçar o Sistema de Proteção Civil,

intensificando o aproveitamento de sinergias operacionais entre as entidades

responsáveis pelas áreas da segurança interna, justiça e defesa nacional e a

administração local, para melhorar a eficiência e a eficácia do sistema;

desenvolver metodologias, programas e estudos técnicos e científicos sobre os

diferentes perigos, ameaças e riscos; criar uma Unidade Militar de Ajuda de

Emergência, sem aumento dos efetivos autorizados, e aprofundar a ligação e

responsáveis em situações de catástrofe e calamidade. As pandemias e outros

riscos à segurança sanitária constituem sérios riscos para a segurança do

Estado e das pessoas. Nesse quadro, é prioritário reforçar a capacidade de

resposta nacional aos riscos sanitários, através de uma melhor definição do

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quadro estratégico de planeamento e resposta; da promoção de ações de

educação e formação para a emergência e gestão do risco; do desenvolvimento da

cooperação civil -militar e da coordenação entre os hospitais públicos, privados e

militares, no sentido de mais rápida e eficazmente se fazer face a doenças epidémicas

ou ataques com armas NBQR. A segurança sanitária passa também por garantir a

segurança alimentar, nomeadamente a qualidade dos alimentos e da água e pela

definição de uma Estratégia Nacional Sanitária - Epidemiológica. Finalmente, é

necessária uma Estratégia Nacional do Ambiente que permita prevenir e fazer face, de

forma integrada, aos principais riscos ambientais em Portugal, como os sismos, os

incêndios florestais, as cheias, a erosão no litoral e a erosão hídrica do solo, a

desertificação e os acidentes industriais."

1.4) Relatório Anual de Segurança Interna 2015 - As Ameaças

Globais à Segurança

Tendo por base o Relatório Anual de Segurança Interna de 2015 (RASI), é possível

apontar como as seguintes “ameaças globais à segurança”:

- A ameaça terrorista,

- A espionagem

- Proliferação de armas de destruição em massa

- Crise de refugiados

- Criminalidade organizada transnacional

- Branqueamento de capitais

- Espionagem

- Hacktivismo

- Cibercrime organizado

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1.5) Enquadramento legal

A Lei de Segurança Interna (LSI - Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto) esclareceu a

participação das FSS fora do território nacional no quadro de compromissos internacionais,

e explicitou no seu art.º 35º (Forças Armadas, no âmbito do Capítulo VI relativo às

disposições finais) que “as Forças Armadas colaboram em matéria de segurança interna

nos termos da Constituição e da lei, competindo ao Secretário-Geral do Sistema de

Segurança Interna [SGSSI] e ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas

[CEMGFA] assegurarem entre si a articulação operacional. (Borges, 2013)

Alinhado com a LSI, o disposto na alínea e. do nº 1 do art.º 4º da Lei Orgânica de

Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA - Lei Orgânica n.º 1-A/2009, de 7 de

Julho), vem permitir que as FA possam “cooperar com as forças e serviços de segurança,

tendo em vista o cumprimento conjugado das respectivas missões no combate a agressões

ou ameaças transnacionais.”. (Borges, 2013)

Esta disposição legal (para além das missões de protecção civil, de satisfação das

necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações e dos estados de

excepção) no quadro específico da SI, circunscrevendo a cooperação com as FSS às

missões no combate a agressões ou ameaças transnacionais, foi ao encontro da

factualidade operacional, com a necessária e adequada articulação entre o SGSSI e o

CEMGFA (art.º 26º). (Borges, 2013)

Por outro lado, a Lei de Defesa Nacional (Lei n.º 31-A/2009 art.º 24º, 1, e.) acentua

que “as FA colaboram em matéria de segurança interna nos termos da Constituição e da

Lei, competindo ao SGSSI e ao CEMGFA assegurarem entre si a articulação

operacional”.(Borges, 2013)

Entretanto, as Leis orgânicas do EMGFA, da Marinha, do Exército e da Força Aérea

referiram de modo explícito esta colaboração das FA com as FSS.

Como refere o Major-General Luís Borges (2013) "A missão das FA de colaborar em

matéria de SI, é considerada por muitos legalistas como inconstitucional, em face da

omissão dessa mesma intervenção das FA na SI nos artigos 272 (Polícia) e 275 (Forças

Armadas) da CRP.

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Para os mais cépticos, ao nível da segurança, nomeadamente da ordem pública, da

prevenção criminal e da investigação criminal, a CRP, com excepção das situações de

guerra e dos estados de sítio ou emergência, não prevê a participação dos militares em

missões de segurança interna. A possível intervenção das FA é ainda interpretada em

alguns sectores mais civilistas como o reforço da militarização no controlo urbano (uma das

missões) ou nas funções de polícia em geral. Neste sentido, a intervenção das FA na SI

pode ser considerada como um “Mito”, fundamentalmente em função da leitura política

(remeter os militares aos quartéis depois do período pós revolucionário e acabar com o

conselho da revolução) feita em 1982, aquando da revisão da CRP e da aprovação da Lei

de Defesa Nacional e das Forças Armadas. Desde então, as mudanças em Portugal e no

Mundo da S&D foram significativas, apesar de continuar a haver pontualmente alguns

traumas associados aos mitos. Infelizmente, as questões políticas e ideológicas, a par de

um continuado corporativismo, continuam a ter um peso considerável na consolidação do

sistema político em Portugal, limitando inclusivamente a revisão de uma CRP já

desactualizada (pelo menos) no que concerne à S&D." (Borges, 2013)

1.6) Enquadramento sistémico

Para Guedes Valente (2013) "a Constituição de 1976, separou as funções de

segurança interna das de segurança externa. As Forças Armadas detêm a missão originária

de segurança externa, cabendo-lhes defender e garantir a integridade e a independência

(soberania político-territorial) do Estado português. este preceito constitucional deve ser

interpretado de acordo com o art. 19.º da Constituição: os estados de excepção impõem

uma interpretação da ordem jurídica de acordo com os princípios que regem os regimes de

estado de sítio e de estado de emergência. "

Ainda para Guedes Valente (2013) a etimologia estado de excepção implica a

observância de dois princípios; o princípio da excepcionalidade e do princípio da

indispensabilidade, correndo-se o risco da excepção se tornar regra. As Forças Armadas

intervêm na segurança interna só e apenas em situações de excepção e de

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indispensabilidade para que a ordem e a tranquilidade públicas – paz pública – seja

assegurada ou seja reposta. Como o próprio regime jurídico do estado de sítio e de

emergência determina, as Forças Armadas assumem o comando das forças de segurança

no estado de sítio e submetem-se ao comando das forças de segurança e das autoridades

administrativas no estado de emergência.

A LSI amplia a intervenção das Forças Armadas como actores promotores de

segurança submetidos às forças de segurança, estando obrigadas a comunicar àquelas

todos os actos que lesionem ou coloquem em perigo a segurança interna, conforme n.º 2 e

n.º 3 do art. 5.º da LSI. Se ao cidadão se impõe este dever de contribuir para a segurança

interna [n.º 1 do art. 5.º da LSI], muito mais se impõe aos membros das Forças Armadas,

que, para efeitos de responsabilidade penal, são considerados funcionários e, como tal,

detêm um dever de agir acrescido. (Valente, 2013)

A intervenção das Forças Armadas pode ganhar uma dimensão mais ativa no campo

da cooperação e sob o comando ou direção das forças de segurança: v. g., a marinha pode

ser chamada a cooperar numa operação policial de prevenção e repressão do tráfico de

droga, tráfico de armas ou tráfico de seres humanos em alto mar, ou para intercetar um

navio que transporte de produtos radioativos com o intuito de promover um atentado

terrorista; a força área pode ser chamada a cooperar com a polícia na perseguição e na

deteção e apreensão de uma aeronave que transporta estupefacientes do norte de África

ou de outro território estrangeiro para o território nacional. (Valente, 2013)

2) Colaboração com as Forças e Serviços de Segurança -

Uma perspectiva "extensiva" Ainda de acordo com o Major-General Luís Borges (2013) "as percepções do

cidadão comum são hoje muito diferentes, sobretudo em função do que observam através

dos Órgãos de Comunicação Social em França ou nos EUA, em especial no combate às

ameaças transnacionais, com a participação das FA em apoio das FSS na segurança

urbana ou na protecção de pontos sensíveis. É nesta perspectiva, reforçada pela actuação

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conjunta das FA e das FSS face a agressões e ameaças de cariz transnacional, que

entendemos que a carga simbólica associada à intervenção das FA na SI tem hoje um cariz

substancialmente diferente, entendível no sentido da participação das FA na SI em regime

de excepcionalidade e com carácter de complementaridade e nunca da substituição das

FSS.

O disposto na LSI, na LOBOFA e na LDN constitui uma extensão (para fazer face às

novas ameaças) do disposto na alínea 6. do art.º 275º da CRP, quando se refere que as

FA podem ser incumbidas, nos termos da lei, de colaborar em missões de protecção civil,

em tarefas relacionadas com a satisfação de necessidades básicas e a melhoria da

qualidade de vida das populações. A principal questão tem relação directa com a

identificação das referidas “agressões ou ameaças transnacionais”, que no nosso entender

têm carácter de ameaça externa (actores externos transfronteiriços) e nesse sentido o seu

combate em território nacional poder ser complementado pelas FA em apoio das FSS e

sem prejuízo da sua missão primária de defesa militar da República".

Para o Coronel Gil Prata (2010:1) “no âmbito de actuação das Forças Armadas devem ser

compreendidas também as ameaças cujas acções são desenvolvidas no interior do Estado,

mas cuja origem está no exterior. Trata-se da vertente interna da defesa nacional que se

distingue de segurança interna pela natureza externa da ameaça. Pelo que, assim o

entendemos, para fazer face a uma ameaça transnacional, pode ser usado o instrumento

militar complementarmente ao instrumento policial.”

De acordo com o General Pinto Ramalho (2011: 110) “face aos novos riscos à

segurança global e, em particular, numa perspectiva de combate ao terrorismo e ameaças

não tradicionais [mas de carácter transnacional], deixaram de existir fronteiras definidas

entre a segurança interna e externa, o seu carácter é difuso e reconhece-se a

indispensabilidade da actuação supletiva das Forças Armadas em muitas situações de

carácter interno, onde as Forças de Segurança não dispõem de capacidades adequadas

ou se revelaram insuficientes.”

2.1) Meios de colaboração com as Forças e Serviços de Segurança

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Relativamente à colaboração entre FSS e as FA argumenta o Major-General Luis

Borges (2013) "Entre as capacidades das FA disponíveis para a colaboração em regime de

complemento com as FSS no combate a ameaças de cariz transnacional (como o

terrorismo, a proliferação de armas de destruição maciça, a criminalidade transnacional

organizada, a cibercriminalidade e a pirataria) destaca-se:

- defesa antiaérea; capacidade prioritária da Força Aérea, com apoio do Exército

(artilharia antiaérea) e da Marinha (sistemas antiaéreos das unidades navais);

- NBQR; capacidades materializadas no Elemento de Defesa Biológica e Química

que integra valências disponíveis nos Laboratórios de “Bromatologia e Defesa

Biológica” e de “Toxicologia e Defesa Química” do Exército (a Marinha, a Força Aérea e

as FSS também dispõem de capacidades limitadas)

- inactivação de engenhos explosivos; capacidade (EOD) centrada na

Engenharia no caso do Exército (a Marinha, a Força Aérea e as FSS também

dispõem de capacidades limitadas);

- ciberdefesa; capacidade materializada no Centro de Cibersegurança da Defesa (a co-

localizar na divisão de comunicações e sistemas de informações do EMGFA);

- engenharia: capacidades (pontes, construção, etc.) das unidades de

Engenharia Militar do Exército;

- vigilância e fiscalização; do mar por parte da Marinha (com navios e Polícia

Marítima) e do espaço aéreo por parte da Força Aérea (com aeronaves e sistemas

C4I) com acções de apoio à Polícia Judiciária (PJ), no combate ao tráfico de

estupefacientes, de apoio ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) no combate à

imigração clandestina e de apoio ao Instituto Portuário e dos Transportes Marítimos

(IPTM) na inspecção de navios estrangeiros;

- Operações Especiais; quando a ameaça interna for muito elevada e

organizada (grupos terroristas), que apoiadas pelos meios aéreos e de

informações exclusivos das FA (existe inclusivamente um Quartel General de

Operações Especiais no Comando Operacional Conjunto do EMGFA que exerce o

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comando de nível operacional destas forças) estão preparados para missões de alta

intensidade;

- saúde, apoio psicológico, transporte, tratamento de águas, informação

cartográfica, etc. […]."

Ainda na argumentação do Major-General Luís Borges (2013) "Relativamente ao

empenhamento de pequenos escalões das FA (pelotão ou companhia) em apoio/reforço

das FSS (relação de comando ou apoio a definir caso a caso, no princípio de, sempre que

possível, permitirem que as FSS fiquem libertas para actuarem na ordem pública e mais

genericamente nas funções de natureza policial) destacamos a possível utilização de

subunidades (esquadrões e pelotões) de Polícia do Exército (PE), ou mesmo de sub-

unidades do Exército (preferencialmente infantaria) preparadas e treinadas para o efeito.

Esta situação, que é frequente em França (caso do plano VIGIPIRATE atrás referido) ou

em Espanha (em que as FA patrulham a linha do TGV ou as centrais nucleares), poderia

contemplar o apoio/reforço às FSS no caso da protecção de infra-estruturas críticas

(também designados de pontos sensíveis - casos da Ponte Vasco da Gama, da Ponte 25

de Abril, do Mosteiro dos Jerónimos, etc.) de modo a que estas fiquem libertas para

actuarem na ordem pública e mais genericamente em funções de natureza policial, sem ser

necessário declarar um estado de excepção."

3) Colaboração com as Forças e Serviços de Segurança -

Uma perspectiva "restritiva" Os estados de excepção são quadros jurídico-operativos de segurança interna os quais se

inserem no regime jurídico da segurança interna e do Direito penal material e processual,

onde as Força Armadas são agentes cooperantes sob comando e direção da polícia e a

sua intervenção obedece ao vector da racionalização e ao vector da não duplicação das

atribuições, das competências e dos meios, que se desenvolvem segundo os princípios da

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cooperação, da proporcionalidade, da indispensabilidade e da subsidiariedade. (Valente,

2013)

A racionalização dos meios assume-se ou dever-se-ia ter assumido como um vector

primacial de afirmação democrática dirigida a construir uma sociedade mais justa, mais livre

e mais solidária.

Esta racionalização implica uma justa e adequada distribuição e assunção das

atribuições e competências constitucionais por parte de toda a administração do estado. A

consciência da escassez dos meios materiais – em especial económico-financeiros –

impunha uma Constituição que entregasse, de acordo com a sua natureza, a cada órgão e

serviço de soberania as atribuições, as competências e os meios necessários para as

prosseguir e as cumprir (Valente, 2013).

Os princípios da intervenção das Forças Armadas na segurança interna são o da

cooperação, o da indispensabilidade da intervenção das Forças Armadas, o da

proporcionalidade da intervenção e da cooperação das Forças Armadas e o da

subsidiariedade da intervenção das Forças Armadas. Todos têm em comum que o que

coopera são as Forças Armadas e aquele a que é prestada cooperação são as forças de

segurança, estas entendidas como a Policia. (Valente, 2013)

Contudo deve-se estabelecer a necessária diferença entre as formas de cooperação,

pela forma como ocorrem no quadro da SI. Como refere Guedes Valente (2013) "O princípio

da cooperação implica dois pontos cruciais: um prende-se com a ideia de que a atribuição

da segurança interna é originária da polícia e esta assume a responsabilidade civil, jurídica

e política de toda a ação; e outro diz respeito ao comando ou direção da ação, que é do

cooperado e não do cooperador, ou seja, as Forças Armadas cooperam sob o comando ou

direção do dominus originário da atribuição e da competência – PSP, GNR, PJ, SEF, (etc.).

O princípio da cooperação significa que o órgão ou serviço cooperador se subordina às

ordens do órgão ou serviço cooperado que é o titular pleno e originário da atribuição e da

competência.

O princípio da cooperação que apresentamos neste ponto não se confunde com o

princípio da cooperação vertical tutelar ou de superintendência e com o princípio da

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cooperação horizontal desenvolvido por nós em outros momentos e textos45. A cooperação

que explanamos neste contexto é de subordinação à entidade originariamente competente,

próxima da cooperação vertical existente entre a AJ e os órgãos de polícia criminal, em que

estes levam a cabo diligências processuais sob a direção daquelas. Mas os órgãos de

polícia criminal têm competências próprias cautelares processuais penais para assegurar

a preservação das provas reais e pessoais, conquanto as Forças Armadas não têm

competências próprias «cautelares» de segurança interna."

Ao responsável policial que comanda ou dirige a operação ou a atividade policial

cabe a decisão de que meios e de que forma os utiliza, porque lhe pertence a legitimidade

pela atribuição e competências originárias e porque é sobre ele que recai toda a

responsabilidade da operação ou da actividade policial. A decisão pertence, desta feita, à

autoridade de polícia ou autoridade de polícia criminal material e territorialmente

competente que comunicará com o Secretário-geral do Sistema de Segurança Interna a

quem cabe coordenar a cooperação das forças armadas com as polícias (Valente, 2013).

A intervenção das forças armadas na segurança interna, tendo em conta a sua

natureza e a sua preparação militar, cuja preparação não é igual nem pode e deve ser igual

à preparação das polícias, só é admissível em tempo de paz pública no quadro da

subsidiariedade e apenas no plano dos meios materiais e dos meios humanos

manobradores dos mesmos. Esta intervenção das forças armadas na segurança interna

em tempo de paz pública – excluímos os cenários de estado de sítio e de estado de

emergência – só pode ser admitida segundo o prisma da subsidiariedade e a solicitação da

polícia necessitada do apoio que deve ser solidário. (Valente, 2013)

4) Defesa nacional e Segurança Interna: Convergências e

incompatibilidades Segundo Rui Pereira (2010) "a solução para estes casos é absolutamente

compatível, no entanto, com a letra e com o espírito da Constituição. É certo que a

Constituição apenas prevê expressamente a intervenção das Forças Armadas em missões

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de protecção civil ou estados de excepção. Todavia, isso não implica a recusa de que

determinadas ameaças transnacionais, associadas ao terrorismo e à criminalidade

organizada, sejam passíveis de uma resposta articulada, que envolva meios das Forças e

dos Serviços de Segurança e das Forças Armadas. Não estará em causa, nessas

situações, uma ingerência inconstitucional das Forças Armadas na segurança interna.

Tratar-se-á antes do cumprimento das suas missões próprias, que podem coincidir, nos

casos de terrorismo e criminalidade organizada, com as missões das Forças e dos Serviços

de Segurança. Foi esse o caminho trilhado, em 2008 e 2009, nas Leis de Segurança Interna

e da Defesa Nacional. É essa a solução que nos permite responder, hoje, com todos os

meios necessários e adequados de que dispomos a ameaças conjuntas à segurança

interna e externa do Estado Português."

Contudo, as diferenças doutrinais, de formação, a génese operacional, bem como

os objetivos inerentes a cada tipo de missão, acentuam as incompatibilidades, na

complementaridade entre as FSS e as FA, como tão bem refere Nuno Lourenço (2006), "A

ideia de se perspectivar uma subsidiariedade e complementaridade forte entre "forças de

segurança - forças armadas" que permita potenciar os recursos disponíveis tem vindo a

ganhar adeptos e, como exemplo, constitui um dos vectores da politica de Segurança

Nacional definida em França, em 2008. Defende-se, assim, o desenvolvimento de uma

cooperação civil-militar em áreas estratégicas que vão da vigilância e protecção de locais

de interesse estratégico, da utilização de equipamentos, transportes, transmissões e

engenharia militar, e da utilização das capacidades logísticas das forças armadas, em

situações particulares, em áreas como o alojamento, alimentação e infra-estruturas de

campanha, sendo estes os aspectos de maior destaque na convergência positiva entre FSS

e FA, no quadro de uma politica de Segurança Nacional

Acompanhando ainda Nuno Lourenço (2006) "a utilização de forças militares em

acções de intervenção junto da população civil tem merecido serias dúvidas dos mais

variados quadrantes académicos, políticos e de oficiais das forças armadas e das forças

policiais e de instituições internacionais.

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Os meios necessários para a prevenção e combate a ameaças transnacionais à

segurança interna, mesmo quando possam ter consequências duras para a sociedade e

exigirem um acrescido esforço de coordenação não fazem apelo a uma logica de guerra,

como é o caso do crime organizado e das organizações de tipo mafias, dos actos que

cabem na figura de desordem social, do cibercrime ou do terrorismo"

Na tradição europeia, esta uma área de acção reserva às forças e serviços de

segurança, sejam eles de natureza civil ou militar, aceitando-se excepcionalmente se uma

intervenção das forças armadas (Cusson, 2007; Garcin 2005, Lourenço 2006). Em Portugal

estão previstas nas Figuras do Estado de Sitio e Estado de Emergência.

Vários são os factores que convergem para essa incompatibilidade. De ordem

organizacional, de filosofia e de doutrina, nomeadamente de formação. A acção policial é

diferente da militar. Os primeiros actuam junto de cidadãos do seu pais, qualidade que não

perdem mesmo no caso de um comportamento delinquente. Os segundos enfrentam o

inimigo. O campo de acção da polícia é, em essência e por natureza, interna, o campo de

acção das forças armadas é por definição externo.

Das polícias espera-se uma ação pela prevenção e persuasão, assentes na

legitimidade de garantes da ordem pública, não sendo o uso da força o meio de acção

privilegiado, para serem eficazes na sua actuação face aos cidadãos em situação de

incumprimento da lei.

Por outro lado, o equipamento e armamento militar é concebido com vista à máxima

eficácia em termos de alcance, poder de destruição e precisão. Em suma, as forças

militares estão preparadas e dotadas de armamento, equipamento e treino, direcionados

prioritariamente para a eliminação física do inimigo." (Lourenço 2006)

Conclusão

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A resposta à pergunta que motivou o presente estudo mostra-se diversa, sem que

seja possível encontrar consensos, pelo menos nos aspectos que o normativo nacional não

refere concretamente, exceptuando os estados de excepção e as acções de protecção civil.

É evidente uma corrente de pensamento mais abrangente e extensiva, na qual a

intenção de os militares participarem, ou como frequentemente é referido, "colaborarem"

em acções e operações de Segurança Interna, num quadro da função exclusivamente

policial, é mais intenso. Importa desde logo perceber o que levou os militares a terem as

pretensões, plasmadas nos mais recentes Conceitos Estratégicos de Defesa Nacional, nos

quais se defende a densificação e alargamento do conceito de Segurança, de forma a

permitir a articulação das Forças Armadas e das Forças e Serviços de Segurança ao nível

da intervenção interna e externa.

É recorrente, no agendamento político, o tema a segurança interna, caracterizado

de forma negativa face ao aumento da criminalidade, bem como das suas novas formas,

estas responsáveis pelo agudizar o sentimento de insegurança dos cidadãos.

É seguro afirmar-se que os cidadãos, na maior parte dos casos, não percebem bem

a distinção entre a função policial e a função militar, estando, preocupados com a garantia

da segurança, independentemente da corporação que possa proporcionar esse bem.

Contudo esta finalidade não dilui a separação entre a função militar e a função policial.

Bibliografia Borges, JV, 2009. As Forças Armadas na Segurança Interna: Mitos e Realidades.

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