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432 AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO MEIO DE DISSEMINAÇÃO CIENTÍFICA Bianca de Angelo Banzato Luana Fernanda Ibelli Natália Alexandre H. Martinelli Fouad Camargo A. Matuck Talita de Cassia Mota Roberta Danielle de O. V RESUMO O presente estudo pretende analisar a divulgação científica feita por meio das histórias em qua- drinhos e como se dá essa inserção no cotidiano do público leitor. Considerando a diversidade do público, esse meio como fonte de divulgação científica atua de maneira eficiente, uma vez que atinge diferentes faixa etárias e classes sociais, que muitas vezes não teriam acesso a esse conte- údo de outra maneira. Palavras-chave: Ciência. Divulgação. Histórias em quadrinhos. Entretenimento. Sociedade. Introdução A divulgação científica é mais ampla do que aparenta, além de revistas, sites e programas de televisão que são especialmente voltadas para o tema, pode-se encontrar elementos da ciência em produtos diversos, um exemplo disso são as histórias em quadrinhos. Crianças e adultos do mundo inteiro consomem histórias em quadrinhos, como conhecemos hoje, há quase cem anos. A linguagem acessível e o custo baixo tornam a historia em quadrinhos um elemento presente no cotidiano das pessoas. Podemos analisar a trajetória do homem em relação às historias contadas em imagens de uma perspectiva mais ampla. Se considerarmos as pinturas rupestres, as tapeçarias produzidas na anti-

As históriAs em quAdrinhos como meio de disseminAção ... · 436 quadrinhos do século XX – influências da sociologia e Psicologia A divulgação científica permeia a historia

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As históriAs em quAdrinhos como meio de disseminAção científicA

Bianca de Angelo BanzatoLuana Fernanda Ibelli

Natália Alexandre H. MartinelliFouad Camargo A. Matuck

Talita de Cassia MotaRoberta Danielle de O. V

resumoO presente estudo pretende analisar a divulgação científica feita por meio das histórias em qua-drinhos e como se dá essa inserção no cotidiano do público leitor. Considerando a diversidade do público, esse meio como fonte de divulgação científica atua de maneira eficiente, uma vez que atinge diferentes faixa etárias e classes sociais, que muitas vezes não teriam acesso a esse conte-údo de outra maneira.

Palavras-chave: Ciência. Divulgação. Histórias em quadrinhos. Entretenimento. Sociedade.

introdução

A divulgação científica é mais ampla do que aparenta, além de revistas, sites e programas de televisão que são especialmente voltadas para o tema, pode-se encontrar elementos da ciência em produtos diversos, um exemplo disso são as histórias em quadrinhos.

Crianças e adultos do mundo inteiro consomem histórias em quadrinhos, como conhecemos hoje, há quase cem anos. A linguagem acessível e o custo baixo tornam a historia em quadrinhos um elemento presente no cotidiano das pessoas.

Podemos analisar a trajetória do homem em relação às historias contadas em imagens de uma perspectiva mais ampla. Se considerarmos as pinturas rupestres, as tapeçarias produzidas na anti-

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guidade e até mesmo as pinturas sacras teremos elementos que culminaram no desenvolvimento dos quadrinhos.

A sociedade influencia de forma determinante na constituição das narrativas, o que leva o leitor, mesmo que indiretamente, a fazer uma reflexão sociológica e cultural sobre o presente, passado e futuro. Além das referências sociais, as histórias em quadrinhos também utilizam con-ceitos da psicologia para construir personagens complexos que reflitam as questões e angústias que cercam o homem moderno.

Sem deixar de lado a ciência, voltada para as áreas de exatas e biológicas, as historias em qua-drinhos podem ser consideradas grande fonte de divulgação e inovação, levando em conta que muitos avanços ocorridos ao longo do século XX surgiram antes, no mundo da imaginação de alguns autores de historias em quadrinhos aficionados por ciência.

Levando em conta a dimensão do tema, o trabalho se focou em fazer um levantamento do que seria a origem das historias em quadrinhos, desde o início da civilização, abordando as influen-cias sociais e psicológicas do século passado e, por ultimo, apresentar a ciência como instrumento no desenvolvimento de algumas narrativas, atuando como elemento precursor dentro e fora das histórias em quadrinhos.

histórias em quadrinhos: origens

As histórias em quadrinhos, ou HQs como conhecemos no Brasil, são sucesso em todo o mun-do e por isso são conhecidas por vários nomes dependendo do lugar: Comics nos Estados Unidos, Bande Dessinée (França), Mangá (Japão), Fumetti (Itália), Tebeo (Espanha) e Historieta na Amé-rica Latina em geral. Mas, o interessante é saber que essa idéia de contar histórias com desenhos não veio do nada, e sim que levou anos para ser o que é agora.

Uma das principais características das histórias em quadrinhos é o fato de que a história é contada em sequência de imagens. Considerando-se esse detalhe, podemos perceber que até se tornar como é hoje a HQ percorreu um logo caminho de evolução, cuja raízes históricas estariam nos homens da caverna.

As primeiras histórias contadas pela humanidade são encontradas nas paredes das cavernas. São sequências que mostram o dia-a-dia do homem primitivo, geralmente imagens de caça e de animais feitas no sentido horizontal. A pintura rupestre é considerada a primeira manifestação que deu origem aos quadrinhos. Esses primeiros símbolos possibilitaram estudos sobre inteligên-cia, iconografia e a representação da imagem na evolução das culturas e sociedades.

Outras formas de expressão antigas também baseavam-se em desenhos de pessoas e objetos para representar a realidade e assim contar histórias. Algumas deram origem a alfabetos, como é o caso dos egípcios e dos chineses. O monumento “coluna de Trajano”, trazido do Egito pelo Império Romano conta uma história enrolada, de cima a baixo como se fosse um papiro.

Durante o século IV a.C, os hieróglifos, escrita egípcia, esculpidos em baixo-relevo mostravam as diversas fases da alma até o além. Assim também

as pinturas e os relevos egípcios continuaram esta narrativa através das imagens pintadas ou modeladas no interior dos templos, nos túmulos, nos quais apare-ciam figuras do faraó, da corte, reportando episódios repletos de símbolos e que representavam cenas de caçadas, de colheitas, de oferendas ou mesmo cenas

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domésticas. (...) Estas imagens, além de proporcionar inestimáveis produções e informações culturais, forneceram e ainda fornecem, elementos de comuni-cação social sobre os valores e a sensibilidade humanas, então apoiadas pela escrita cuneiforme, que explicava a narrativa histórica, reforçando o poder ico-nográfico formal¹.

Entre os séculos V e XIII encontram-se outros momentos de evolução da imagem na forma de história. Elas estão presentes nas cerâmicas da Grécia e nas paredes da “Villa dei Misteri” em Pompéia, contando os feitos mitológicos. Também estão relacionadas à via-sacra, nos vitrais góticos, em toda a arte da Idade Média, sendo o exemplo mais famoso a tapeçaria de Bayeux, obra francesa feita entre 1070 e 1080, com setenta metros de imagem descrevendo a conquista da Inglaterra pelos Normandos (que teve início em 1066).

Os cantores da Idade Média se utilizavam de pôsteres com imagens seriadas para ilustrar suas histórias. No contexto dessa época em que era preciso ter algum prestígio junto ao clero para se conseguir livros, e ainda assim, o número de alfabetizados era muitíssimo baixo, as histórias com imagens foi uma grande solução. Devido a isso, ficaram famosas, inclusive como uma forma de notícia, as historietas com detalhes gráficos das torturas praticadas pela inquisição. Acredita-se que essa preferência por história de condenação esteja ligada às condições de vida da época e ao poder e medo exercidos pela Igreja.

Outro ponto importante para o que poderíamos chamar de ordem seqüencial de narrar histórias, por meio de quadros, o que caracteriza a linguagem das HQs encontra-se na História da Arte. A divisão da obra em três painéis imprime um ritmo de leitura à narrativa. Um quadro que pode ilustrar adequadamente esse momento seria o tríptico (três painéis) de Bosch O Jardim das Delí-cias Terrenas (1504), que descreve a história do mundo a partir da criação, apresentando o Paraíso terrestre e o Inferno nas asas laterais. Ao centro aparece um Bosch que celebra os prazeres da carne, com participantes desinibidos, sem sentimento de culpa.

Ainda no século XVI, outra obra de arte que pode ser associada ao surgimento das HQs é o teto da Capela Sistina. A Capela Sistina está situada no Palácio Apostólico, residência oficial do Papa na Cidade do Vaticano. Foi erigida entre os anos 1475 e 1483. O Teto da Capela Sistina é um mo-numental afresco de Michelangelo realizado entre os anos de 1508 e 1512. As pinturas represen-tam narrativas bíblicas, do livro Gênese. É difícil acreditar que tenha sido obra de um só homem, e que o mesmo ainda encontraria forças para retornar ao local, duas décadas depois, e pintar na parede do altar sacrificando, inclusive, alguns afrescos de Perugino o “extraordinário espetáculo” do Juízo Final entre 1535 e 1541, já sob o pontificado de Paulo III. A superfície da abóbada foi dividida em áreas concebendo-se arquitetonicamente o trabalho de maneira que resultasse numa articulação do espaço dividido por pilares. Nas áreas triangulares alocou as figuras de profetas e sibilas; nas retangulares, os episódios do Gênese. Para entender estas últimas deve-se atentar para as que tocam a parede do fundo: Deus separando a Luz das Trevas; Deus criando o Sol e a Lua; Deus separa a terra das águas; A criação de Adão; A criação de Eva; o Pecado Original e a expulsão do Paraíso; o Sacrifício de Noé; o Dilúvio Universal e Noé Embriagado.

É interessante destacar que a representação imagética das histórias biblícas, o que chamamos aqui de história sequenciada, ajudou a difundir o conteúdo das mesmas, uma vez que a maioria _____________________________________¹RAHDE, Maria Beatriz. Origens e evolução das histórias em quadrinhos. Revista FAMECOS, Porto Alegre: nº5, novembro de 1996.

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das pessoas não eram alfabetizadas na época. Avançando alguns anos, nos deslocamos ao século XIX, quando começam a surgir os jornais e

com eles as caricaturas, que se tornavam cada vez mais populares, e a partir das quais surgem as primeiras “histórias com estampas”. Essas histórias eram formadas pelo quadro com um desenho e uma ou duas linhas de texto embaixo da mesma. As ilustrações desta eram feitas a traço, em geral com estilo caricato e em uma única cor, pois esses eram os recursos dos meios de impressão da época.

Essas pequenas histórias eram feitas sem nenhuma espécie de herói, algo comum nos qua-drinhos de hoje. Contavam fatos do dia das pessoas, sua rotina, seus problemas, etc. Dentre os autores deste tipo de história, precursora dos atuais quadrinhos, alguns merece, destaque, como o suíço Rudolph Topffer. Nascido no ano de 1799, Topffer criava histórias simples com persona-gens do cotidiano, que em busca de pequenas coisas acabavam provocando catástrofes, como o Mr. Vieux Boix, Festus, Jabot e Albertus. Mesmo sem existir ainda os balões de fala, e utilizando uma linguagem muito simples, Topffer montava histórias completas para seus personagens. Essas histórias eram tão atrativas que Topffer tinha entre seus leitores o alemão Goethe, que dizia ler as histórias do suíço de dez em dez páginas para não ter uma indigestão de idéias. Rodolphe Töpffer é considerado o “pai dos quadrinhos modernos”, pois começou a juntar desenhos satíricos e cari-caturas ao texto escrito, já em 1827.

Nessa época, a sátira e a ironia acompanhavam todas as criações, tanto as de Topffer como as de seus contemporâneos, entre eles o francês Colomb e o piemontês radicado no Brasil Angelo Agostini e também Wilheum Busch que tem entre suas obras “Max und Moritz”, que foram co-nhecidos no Brasil como Juca e Chico. Já no final do século XIX, havia tiras com pequenas his-tórias cômicas nos jornais americanos e, graças a esse conteúdo alegre e satírico, os americanos começaram a chamar as tiras de “comics”.

De modo suscinto, podemos dizer que as formas de representação percursoras das história em quadrinhos surgem quase que de modo intuitivo no homem, como forma representar sua história e seu cotidiano, por uma linguagem que se vale fundamentalmente da combinação da linguagem verbal e não-verbal. Nesse sentido, as HQs também estimulam o imaginário do leitor uma vez que lhe permite imaginar, especular os movimentos do quadros.

Por fim, parece-nos fundamental pontuar que os primórdios das HQs serviram como ferramen-ta de divulgação científica para o conhecimento científico da época: na pré-história para elucidar a descoberta do fogo e a domesticação do animal como alimento, a caça; na Idade Média como forma de compartilhar narrativas do credo católico, como as histórias presentes no Teto da Capela Cistina, bem como impôr uma cultura de medo a partir da represnetação imagética da Inquisição; na arte clássica dividir a obra em três quadros, para amplair o sentido para a tela central, como demonstramos no cado de O Jardim das delícias; e com Topffer já mais próximo à estética das HQs como as conhecemos, temos as narrativas ilustradas como modo de satirizar e criticar a sociedade.

Logo, todo o percurso do surgimento das HQs nos leva a uma função primordial desse tipo de arte: especular sobre a a realidade e conhecimento científico que a ficção pode incitar, em diálo-go constante com a realidade e o imaginário coletivo, em busca de soluções para os conflitos do desenvolvimento humano mais variados

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quadrinhos do século XX – influências da sociologia e Psicologia

A divulgação científica permeia a historia em quadrinhos desde o início. Mas quem pensa que os criadores se importavam apenas em criar personagens com super poderes que utilizassem apa-relhos revolucionários e fizessem viagens espaciais se engana.

As historias em quadrinhos apresentam em sua estrutura narrativa muitos elementos da so-ciologia e da psicologia que, por vezes, foram utilizados para guiar os leitores a refletir sobre a sociedade em que viviam e entender um pouco mais sobre a subjetividade existente em cada um.

No fim do século XIX surge, nos Estados Unidos, o primeiro quadrinho a utilizar balão. O apa-recimento do Yellow Kid, em 1894, no jornal sensacionalista de Joseph Pulitzer marcou a nova forma de se produzir quadrinhos. O Yellow Kid, criado por Richard Outcault, era uma criança dentuça, que sempre aparecia com um sorriso bobo e vestindo um camisolão amarelo que exibia frases cômicas ou panfletárias. Através do Yellow Kid surgiu o termo jornalismo amarelo para designar imprensa sensacionalista.

No Brasil dia 11 de outubro de 1905 foi lançado o primeiro número da revista Tico-Tico. A revista misturava assuntos diversos e entretenimento, como poesias, contos, jogos, atrações edu-cativas, referências a datas históricas, além de textos sobre as séries mais populares do cinema, partituras, letras de músicas e até peças teatrais. Foi na Tico-Tico que estreou o primeiro qua-drinho com balão no país.A estrela é Buster Brown de Richard Outcault, com o pseudônimo de Chiquinho.

Em 1911, George Herriman lança nos EUA a revista Krazy Kat, que resultou no posterior aparecimento do Gato Félix e toda a fauna de Walt Disney. A revista se tornou tão popular que em 1918 o então presidente dos Estados Unidos Thomas Woodrow Wilson foi flagrado por um fotógrafo lendo Krazy Kat em seu gabinete em pleno expediente de trabalho na Casa Branca.

O bom desempenho econômico dos EUA com o término da Primeira Guerra Mundial facilitou a ascensão de muitos americanos e imigrantes. Baseado nesse quadro social George McManus apresenta na Krazy Kat, Bringing up Father, traduzido por no Brasil como Pafúncio e Marocas que aborda temas familiares, desencadeando um surto de histórias pequeno burguesas americanas de subúrbio em ascensão.

Segundo Sônia M. Bibe-Luyten no livro O que é História em Quadrinhos “A nação americana havia crescido na segurança de um eterno milagre econômico, e o decênio de 20 caracterizou-se por um esbanjamento alegre e insensato da burguesia rica das cidades”.

O sucesso econômico que permeou a vida dos americanos na década de 1920 também desenca-deou um renascimento do interesse pela divulgação científica. Em 1926 surge o primeiro número de Amazing Stories, revista com histórias de ficção científica e aventuras nos planetas Marte e Vênus, sendo considerada a primeira revista de ficção científica em todo o mundo.

Em 1929 o crack da bolsa de valores de Nova York gerou uma escassez de bens materiais, dinheiro e comida. Nesse sentido, o que restou para preencher as lacunas deixadas pela crise foi o espírito encontrado nas histórias contadas nos quadrinhos, nos desenhos animados e nos filmes.

O gênero aventura é a nova mina de ouro, os heróis envolvidos nas histórias compensam as perturbações e inseguranças da realidade. Em virtude do momento de incertezas que os norte-americanos viviam a tendência notada foi uma necessidade escapista na qual as pessoas se vira-vam para épocas consideradas como idade de ouro (Idade Média) ou para espaços onde ainda se

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pode viver segundo a natureza (tema da selva) Dessa maneira o interesse por historias que levassem o leitor para lugares desconhecidos, in-

dica um desejo de evasão e a criação de mitos, revelando a necessidade de novos modelos que inspirassem o ser humano. O aumento das vendas fez com que o formato das histórias em quadri-nhos ganhasse força aumentando o volume de criação e a boa qualidade do material.

As novas histórias mostravam a vitória do homem branco diante da adversidade. Tarzan surgiu como o herói que luta contra outras civilizações, encarnando a superioridade do homem branco sobre outras culturas. O Príncipe Valente retomou as aventuras épicas vividas em um passado tido como glorioso, no caso a Idade Média, em que se travavam batalhas pela defesa da cultura, do território e da honra. Por outro lado, Buck Rogers popularizou a science fiction e na constru-ção de sua narrativa recebeu a colaboração de um cientista e um professor universitário.

A crise social que atingia os EUA na década de1930 tinha como principais referências a lei seca e o gangsterismo popularizados pela figura de Al Capone. Esse cenário fez proliferar nas grandes cidades americanas os heróis policiais. Dick Tracy, era um personagem rude e violento que apresentou vilões sádicos, trens, aviões e batidas de carro, abrindo espaço para a ação em detrimento do raciocínio.

A conjuntura política da época fez emergir um sentimento de nacionalismo refletido nos qua-drinhos por Popeye que com seu famoso bordão “I am what I am” ou “Eu sou o que sou”, representava a necessidade de afirmação da sociedade americana. Popeye era um defensor da democracia, tinha sua violência justificada pela falta de opção, uma vez que Popeye só recorria a ela quando não havia mais forma de diálogo para defender sua honra e salvar sua amada Olivia Palito. O marinheiro que conseguia grande força quando consumia uma porção do espinafre foi considerado a salvação da lavoura, literalmente, já que a personagem incentivou o consumo do produto que teve um aumento de 33% em sua produção na época.

Com a Segunda Guerra Mundial mobilizando soldados que precisavam defender sua nação de Hitler, Popeye se alistou na marinha e mudou seu uniforme para lutar contra os nazistas. O Capitão América surgiu sob a bandeira do patriotismo, em algumas edições do quadrinho o he-rói chegava a bater em Hitler, protagonizando uma luta que estava no inconsciente de todos os americanos.

Para enaltecer o American way of life, Walt Disney criou Mickey Mouse e cia que dissemina-ram o estilo de vida estadunidense. Para os sociólogos chilenos Dorfman e Mattelart as historias de Disney difundiam o capitalismo americano e faziam lavagem cerebral em populações infanto-juvenis do mundo todo, transmitindo lições de como obter lucro fácil sem produzir, tirar proveito dos mais fracos e desprezar as sociedades primitivas.

Ainda durante a segunda guerra aparece um novo herói, o primeiro de outro planeta. Superman representa o imaginário americano, pois com sua identidade secreta ele durante o dia encarna um trabalhador comum, repórter tímido e classe média, para nos momentos de necessidade dar vazão ao seu lado heróico e salvar o dia. È o que todo americano gostaria de ser, principalmente os que se alistaram para lutar contra os nazistas. Trabalhadores comuns que viravam heróis de guerra. Superman foi também um contra-peso dos super-homens fascistas.

Com o fim da guerra, a produção dos quadrinhos entra em crise. A falta de material e a difi-culdade em produzir humor em tempos sombrios diminuíram a circulação das revistas. Em meio a essa escassez surgiu uma campanha que tentava provar que as narrativas eram prejudiciais à

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criança e ao adolescente que a consumiam. Frederic Wertham lança na época o livro A sedução dos inocentes que tentava demonstrar que os quadrinhos eram responsáveis por todos os males do mundo.

Nos anos 50 a produção das histórias em quadrinhos entra em uma fase pensante e intelectual, ao contrário da década anterior, os estudiosos se voltam para as narrativas com o intuito de anali-sar a construção e o alcance do produto. O mundo intelectual supervaloriza o assunto, que passa a ser discutido por cineastas, escritores e pintores como Alan Resnais, Fellini, Lelouch, Humberto Eco, Marshall McLuhan, Marcuse e Roy Liechenstein.

É nessa época que Charles Schulz lança A turma do Charlie Brown, que se torna a tira de jor-nal mais lida em todo mundo. Schulz, conhecido como o Freud dos quadrinhos, cria o anti-herói Charlie Brown que demonstra toda insegurança, insucesso, duvida e impossibilidade de reação, gerando identificação com seu público. O personagem é a síntese de todos os complexos adquiri-dos na infância de qualquer pessoa.

O mundo dos Peanuts fez tanto sucesso que se tornou nome de módulo lunar da agência espa-cial norte americana e os personagens acabaram aparecendo na televisão, viraram bonecos, capa da Time e musical na Broadway, tal a catarse coletiva que inspiraram.

Ao contrário dos outros super-heróis que já nascem vencedores, Charlie Brown pode ser con-siderado o que os americanos chamam de loser. No quadrinho de Schulz o silêncio é essencial, o que está subentendido é muito mais importante do que é dito.A ação depende mais da psicologia profunda dos personagens do que dos acontecimentos exteriores. Diferente dos outros super-heróis, no mundo de Charlie Brown não se pode fazer e compreender tudo.

Os estudos de comunicação de massa em voga nos anos sessenta também chegaram aos qua-drinhos. As narrativas emergem como um dos meios de informação e formação de conceitos mais eficientes dentro dos fenômenos de comunicação de massa.

Nesse contexto, as mulheres ganham destaque dentro das historias, passando de personagens que apareciam em segundo plano, para grande símbolode vitória e vingança do sexo feminino sobre os homens. As novas heroínas fazem parte da nova onda de HQ para adultos, em que o erotismo serve de escudo para os anseios de emancipação social, econômica e sexual presentes nos movimentos feministas da Europa e dos Estados Unidos.

O movimento de contra-cultura foi representado nos quadrinhos através de Robert Crumb e um grupo de estudantes que resolveram na metade da década de sessenta quebrar alguns tabus nos quadrinhos, com o objetivo de revolucionar todo o sistema vigente, o estabilishment.

As HQs americanas tiveram como base de organização os syndicates, que impunham certas regras que tornassem as narrativas mais pasteurizadas, passíveis de serem lidas no mundo todo, como por exemplo, os sinais gráficos utilizados para representar palavrões.

Em 65, a guerra no Vietnã fez com que as duas potências do mundo, EUA e URSS, gastassem milhões em armamentos e submetessem a juventude à luta. Dessa maneira, temas como comuni-dades marginais, sexualidade, hippies, violência, droga e ecologia passaram a ser abordados pelas revistas underground que tinham em comum um estilo realista e caricatural.

Fritz, the cat foi criado em 1967 por Crumb e retrata um gato estudante, contestador, revolu-cionário, terrorista e drogado. Robert Crumb coloca Fritz em orgias com as gatinhas e sempre fugindo da polícia. Sem editoras, o movimento vendia as revistinhas em lugares públicos.

Nos anos setenta surge um novo gênero de aventura a fantasia heróica, baseada em ficção

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científica e feitiçaria medieval. Blackmark foi fundamentado na fantasia heróica e conta a histo-ria de um cavaleiro do mundo pós-guerra atômica, onde a sociedade volta a ser primitiva. Num contexto de tensão e expectativa a respeito da terceira guerra mundial, que para muitos destruiria o planeta.

Na década de oitenta as minisséries passara a fazer sucesso. Elas mantém o formato de gibi, mas os roteiros e a arte são mais elaborados. A capa e o papel interno são de melhor qualidade e ocorre uma reformulação narrativa com a introdução de novos personagens.

Nos últimos vinte anos a popularização do mangás, histórias em quadrinhos japonesas, foram responsáveis por uma nova configuração nos modos de construir as narrativas. Todo o conteúdo e estilo dos mangás passaram a ser incorporados às histórias em quadrinhos ocidentais. Recente-mente os brasileiros também puderam conhecer essas modificações em histórias nacionais atra-vés da repaginada pela qual passou a Turma da Mônica.

Através de um panorama do século XX podemos notar como as histórias em quadrinhos atu-aram na formação de conceitos e na divulgação de ideais, antes restritos apenas ao meio acadê-mico. É importante ressaltar que embora os quadrinhos tenham tido um papel fundamental no retrato da sociedade de cada época, bem como na difusão de ideologias, a ciência humana é me-nos explícita do que as inserções de divulgação científica ligadas às áreas de exatas e biológicas, como veremos a seguir.

ciências nos quadrinhos: ficção e não-ficção

O século XX assistiu não só a evolução das histórias em quadrinhos enquanto fruto da comu-nicação em massa, mas também o desenvolvimento de diversos sub-gêneros, entre eles a ficção cientifica – que por sua vez também possui subdivisões.

O gênero ficção cientifica apareceu pela primeira vez nas histórias em quadrinhos norte-ame-ricanos, comics, com a estréia do herói espacial Buck Rogers no ano de 1929. A história de Buck Rogers foi baseada em um conto do escritor Philip Nowlan, Armagedon 2419 A.D., publicado na revista de ficção cientifica Amazing Stories em 1928. Desenhado pelo cartunista Richard Calkins, Buck Rogers se passa em um futuro pós-apocalíptico, onde os Estados Unidos foram dominados por invasores mongóis e forçados a viver em florestas. A tecnologia no mundo de Buck Rogers é bastante avançada, possuindo, como nos lembra Marco Aurélio Luchetti em A Ficção Cientifica nos Quadrinhos, “armas de desintegração, as astronaves a jato, as botas magnéticas, as cidades submarinas, os cintos voadores, o circuito fechado de televisão, a minissaia, as plataformas espa-ciais, o raio laser e os robôs”. Para desenvolver as histórias, Calkins trabalhava com uma equipe de escritores especialista em ciências, dando fundamentações teóricas para as idéias retratadas. A tecnologia desenvolvida em Buck Rogers era, em geral, influencia de tecnologias reais ainda em desenvolvimento ou em fase de testes, antecipando ao grande público diversos aparatos que teriam destaque somente anos após sua publicação, como a movimentação de astronautas no espaço e a explosão atômica. O sucesso da tira em quadrinhos acabou por levar as aventuras es-paciais de Buck Rogers para as mais diversas mídias, como televisão e cinema.

O sucesso de Buck Rogers acarretou no surgimento de um herói concorrente em 1932. Brick Bradford, personagem que inicialmente explorava diversos pontos da Terra, tornou-se famoso ao realizar viagens no tempo, principalmente ao passado, onde eram mostrados os costumes de

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sociedades antigas. Apesar de não ter como foco principal a antecipação cientifica e tecnológica, como acontecia em Buck Rogers, Brick Bradford trazia conceitos sólidos de história, além de ter bases em teorias cientificas. Em uma de suas histórias, Bradford viaja ao centro de um átomo de cobre, onde descobrem um sistema solar, uma metáfora para a estrutura do átomo.

Mas o mais famoso herói das histórias em quadrinho de ficção surgiria somente em 1934: Flash Gordon. Criado pelo cartunista Alex Raymond, Flash Gordon é considerado por Sérgio Augusto ”a obra-prima absoluta e inigualada da Space-Opera quadrinizada, marco fundamental dos comics modernos”, além de ser, sem dúvidas, a história em quadrinhos que mais divulgou feitos da ciência moderna, como o microscópio eletrônico e o videofone, além de antecipar apara-tos tecnológicos que seriam inventados somente no futuro. Entre eles estão o radar e mecanismos presentes nas naves espaciais desenvolvidos pela NASA.

Ainda na década de 30 surgiria um dos mais importantes subgêneros da ficção cientifica nos quadrinhos, e até mesmo dos quadrinhos em geral: os super heróis. Os precursores desse mo-vimento foram Jerry Siegel e Joe Shuster, que criaram, em 1938 o Superman, O surgimento do sub-gênero dos super-heróis nas histórias em quadrinhos abriu um novo paradigma para a ciência e a ficção cientifica nos quadrinhos. Os super-heróis utilizam de maneiras variadas a ciência. O Superman, primeira história em quadrinhos de super herói, teve alguns de seus poderes inspira-dos em insetos e animais do mundo real.

A ciência e os quadrinhos de super-heróis tem mantido um relacionamento muito próximo des-te então. Muitas vezes, os poderes dos super-heróis provêem de alguma forma da ciência, como em Capitão América (1941) e do Spiderman (1962), por exemplo. O Capitão América, inclusive, foi o primeiro super-herói que sofreu modificações graças à ciência, já que ganhou seus poderes ao se oferecer como cobaia para um experimento do governo norte-americano, que buscava criar o soldado perfeito para enfrentar a Segunda Guerra. Já o Spiderman, ou Homem Aranha, como é conhecido no Brasil, adquire seus poderes após ser picado por uma aranha que fora exposta a radiação. Os seus inimigos são também, em grande parte, vítimas de experimentos científicos falhos, ou utilizam alguma maneira conceitos científicos. Outra história em quadrinhos que traz em seu plano de fundo termos científicos é X-men, de 1963, que inseriu no vocabulário de seus leitores conceitos como evolução e mutação genética.

A ciência nos quadrinhos não se restringiu às publicações norte-americanas. Na Europa, a ci-ência adquiria, inclusive, um papel diferente daquele que possuía nos Estados Unidos, onde era uma solucionadora de problemas. Durante e após a Segunda Guerra, vários títulos não escondiam a preocupação com o destino mundial, principalmente devido à tensão atômica. Entre eles estão Lê Rayon U, publicado no semanário belga Bravo em substituição a “Flash Gordon, considerado persona non grata pelas autoridades nazistas”². Nos anos 50, o personagem Tintin, de Les Aven-tures de Tintin, criação do artista belga Hergé, visitou a Lua.

Nos Estados Unidos dos anos 50, surge a Editora EC (Entretainement Comics), que entraria na história como a editora que causou a ira dos conser-

vadores norte-americanos ao atacar o militarismo e mostrar que a ciência sem controle poderia destruir o mundo. Merece destaque o fato de que com o inicio da Segunda Guerra houve uma mudança na representação da figura do cientista nas histórias em quadrinhos. Se antes ele era o _____________________________________²AUGUSTO, Sérgio. Space Comics: um esboço histórico in MOYA, Álvaro de. SHAZAN!. São Paulo, Perspec-tiva, 1977, p 192

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visionário solitário, talvez até “louco”, ele passa a ser parte de grandes projetos governamentais, até mesmo armamentistas.

Os quadrinhos acompanham as novas teorias e descobertas, e ainda nos anos 60 surgem refe-rências à geometria fractal e à teoria do caos na série Homem Animal, da DC Comics.

Um dos casos mais claros de influência da teoria do caos nos quadrinhos ocorre nos anos 80, com a publicação de Watchmen. Aqui, a existência de seres com poderes especiais daria rumos completamente diferentes para a história do mundo, em vez de servir como uma forma de manter a ordem como a conhecemos.

conclusão

Após analisar o desenvolvimento e as nuances das histórias em quadrinhos pudemos perceber a eficiência da sua narrativa para transmitir elementos da ciência. Por se tratar de um veículo com linguagem acessível e custo baixo as historias são encontradas no mundo todo.

A universalidade dos temas abordados encontra identificação e consegue conquistar desde crianças em fase de alfabetização até jovens e adultos. Graças a essa identificação imediata do leitor os quadrinhos são utilizados hoje em dia como forma de divulgação de campanhas sociais feitas pelo governo, por exemplo, as campanhas de vacinação infantil e de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis.

O potencial de divulgação científica é apresentado em forma de números, no Brasil, a Editora Abril, responsável pela distribuição de títulos como Tio Patinhas, Mickey e Zé Carioca segundo dados do Projeção Brasil de Leitores, com base nos estudos Marplan, ano base 2007, vendeu cer-ca de 5.308.000 exemplares para um público de 8 a 19 anos de ambos os sexos.

Ao colocar em união dois códigos distintos, o verbal e o imagético, as histórias em quadrinhos formam um novo código e uma nova linguagem. Para Waldomiro Vergueiro, “a linguagem dos quadrinhos coloca em funcionamento os quadrantes do cérebro, fazendo atuar, paralelamente e em perfeita sintonia, tanto o esquerdo, responsável pela racionalidade e espaço por excelência do domínio científico, como o da imaginação criativa, âmbito privilegiado da produção poética e ficcional, o direito”. Assim, a informação transmitida via histórias em quadrinhos acaba por ter uma forma informativa maior que aquela que é transmitida unicamente por código verbal ou imagético.

Os quadrinhos também são responsáveis por despertar a curiosidade de seus leitores, que mui-tas vezes, ao se deparar com termos e conceitos desconhecidos, irão buscar mais informações em lugares especializados.

Nesse sentido, as revistas em quadrinhos, como fonte de disseminação científica, possuem potencial para apresentar e familiarizar o público com termos e inovações científicas que seriam inacessíveis se divulgadas apenas por meios especializados.

Bilbiografia

AUGUSTO, Sérgio. Space Comics: um esboço histórico in MOYA, Álvaro de. shAZAn!. São Paulo: Perspectiva, 1977.

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BIBE-LUYTEN, S. M.(Org.) histórias em quadrinhos: Leitura crítica. São Paulo: Edições Paulinas, 1989

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