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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC/SP Felipe Blanco Garcia Guimarães Fleury As infrações e sanções administrativas aplicáveis a licitações e contratos (Leis 8.666/93, 10.520/02, 12.462/11 e Lei 12.846/13) MESTRADO EM DIREITO São Paulo 2016

As infrações e sanções administrativas aplicáveis a ... Blanco... · Animados pela recente edição da Lei anticorrupção (Lei 12.846/13), cuja aplicação está em seu nascedouro,

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Felipe Blanco Garcia Guimarães Fleury

As infrações e sanções administrativas aplicáveis a licitações e contratos (Leis 8.666/93, 10.520/02, 12.462/11 e Lei 12.846/13)

MESTRADO EM DIREITO

São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC/SP

Felipe Blanco Garcia Guimarães Fleury

As infrações e sanções administrativas aplicáveis a licitações e contratos (Leis 8.666/93, 10.520/02, 12.462/11 e Lei 12.846/13)

MESTRADO EM DIREITO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Direito, área de concentração em Direito Administrativo, sob a orientação do Prof. Dr. Silvio Luís Ferreira da Rocha.

São Paulo 2016

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Banca Examinadora

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À minha amada esposa, Carol. Obrigado pelo incondicional amor, carinho, apoio, paciência e, principalmente, por permitir que eu viva ao seu lado. A vida sem você não teria sentido.

Aos meus amados Avós, Pai e Mãe

(em nome dos quais homenageio toda a minha família). Muito obrigado por tudo o que fizeram e fazem por mim. Não estaria escrevendo estas linhas se não fosse toda a dedicação e o amor que sempre recebi.

Aos amados Tio Célio, Tia Iasmin,

Célio Jr., Letícia, Rodrigo, Carol, Botta, Giovana, Gui, Helena e Guga. Agradeço a Deus todos os dias por ter a honra e o prazer de pertencer a uma família tão linda. Obrigado pelos momentos sempre tão felizes e por me receberem como filho, irmão e, agora, tio.

Aos meus queridos amigos

Maurício Zockun e Igor Muraro. Verdadeiros companheiros na batalha da vida, sem os quais os dias não seriam tão alegres. Obrigado por tudo.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço ao meu orientador, Prof. Silvio Luís Ferreira da Rocha, verdadeiro jurista

que trafega com tranquilidade sobre todos os ramos do Direito, com qual tive a honra, desde a

graduação, de efetivamente aprender. Serei eternamente grato pela confiança que foi em mim

depositada.

Agradeço também aos Professores Roque Antônio Carrazza, Dinorá Adelaide

Musetti Grotti, Maria Helena Diniz e Márcio Pugliesi, cujas aulas durante o mestrado em

muito contribuíram para o presente trabalho.

Agradeço ainda aos Professores José Roberto Pimenta Oliveira e Jacintho Arruda

Câmara, cujas excelentes observações, durante o exame de qualificação, foram fundamentais

para que se atingisse o resultado aqui apresentado.

Por fim, agradeço aos meus queridos amigos Vitor Casseb e Marcelo Silva pela

paciência e incondicional apoio, mormente nos períodos que tive que me ausentar para me

dedicar integralmente ao presente trabalho.

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RESUMO

Pretende-se, por meio deste trabalho, investigar as infrações e sanções administrativas previstas nas Leis 8.666/93, 10.520/02, 12.462/11 e 12.846/13, aplicáveis às licitações e contratos administrativos. Para tanto, primeiramente nos debruçamos sobre os elementos definidores das infrações e sanções jurídicas e administrativas, estudando a sua estrutura, o seu conteúdo e sua aplicação. E, ao assim proceder, aprofundamos o estudo dos ilícitos e penalidades administrativas, enfrentando cada um dos seus aspectos e os temas a eles correlatos. Por fim, com amparo nestas balizas, gizamos o conteúdo, alcance e aplicação das infrações e sanções administrativas em espécie, previstas nas Leis de Licitação; do Pregão; do RDC; e de Anticorrupção, a partir da interpretação das normas que integram o seu regime jurídico.

Palavras-chave: Infração administrativa. Sanção administrativa. Licitação. Contrato administrativo. Lei anticorrupção.

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ABSTRACT

It is intended, through this work, investigate administrative violations and sanctions provides in Laws 8.666/93, 10.520/02, 12.462/11 e 12.846/13, applicable to bids and contracts. To achieve this purpose, first we analyze the defining elements of the legal and administrative violation and sanctions, studying its structure, contents and implementation. That done, we studied the aspects and topics related to them of the administrative violations and sanctions. At the end, set these premises, we fixed the content, scope and application of the administrative violations and sanctions provided in these laws, from the interpretation of the rules that form part of its legal system. Keywords: Administrative violation. Administrative sanction. Bidding process. Government (administrative) contract. Anti-corruption law.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................... 9

1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ............................................................................................. 10

1.1. Noção de definição ........................................................................................................ 10

1.2. Definição de ilícito jurídico ........................................................................................... 11

1.3. Definição de sanção jurídica .......................................................................................... 19

2. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA ...................................................................................... 28

2.1. Definição ........................................................................................................................ 28

2.2. Fato típico ...................................................................................................................... 28

2.2.1. Comportamento ....................................................................................................... 28

2.2.2. Tipo objetivo ........................................................................................................... 37

2.2.2.1. Aplicação .......................................................................................................... 37

2.2.2.2. Conteúdo ........................................................................................................... 43

2.2.2.3. Conceitos jurídicos indeterminados e normas em branco ................................ 44

2.2.3. Tipo subjetivo .......................................................................................................... 47

2.2.4 Resultado .................................................................................................................. 51

2.2.5. Nexo de causalidade ................................................................................................ 53

2.3. Antijuridicidade ............................................................................................................. 54

2.3.1. Excludentes da ilicitude .......................................................................................... 54

2.3.1.1. Consentimento do ofendido X Proteção da confiança legítima ....................... 57

3. SANÇÃO ADMINISTRATIVA .......................................................................................... 63

3.1. Definição ........................................................................................................................ 63

3.2. Sujeito ativo e a competência para a imposição e escolha da sanção ............................ 63

3.3. Sujeito passivo ............................................................................................................... 68

3.3.1. Autoria e responsabilidade (transmissibilidade e desconsideração da personalidade jurídica) ................................................................................................................................. 68

3.3.2. Culpabilidade (reprovabilidade) ................................................................................. 80

3.4. Aspecto objetivo (consequência negativa e retributiva à prática de uma infração administrativa) ...................................................................................................................... 84

3.5. Princípio do non bis in idem .......................................................................................... 85

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4. INFRAÇÕES E SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PREVISTAS NAS LEIS 8.666/93,

10.520/02 E 11.462/11 ............................................................................................................. 89

4.1. Infrações administrativas em espécie ............................................................................ 94

4.1.1. Inexecução total ou parcial do contrato................................................................... 94

4.1.2. Recusa injustificada em assinar o contrato ........................................................... 100

4.1.3. Atraso injustificado na execução do contrato ....................................................... 107

4.1.4. Fraude fiscal .......................................................................................................... 111

4.1.5. Prática de atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação ....................... 116

4.1.6. Demonstração de inidoneidade para contratar com a Administração ................... 122

4.1.7. Falta ou defeito na execução do contrato .............................................................. 128

4.2. Sanções administrativas em espécie ............................................................................ 128

4.2.1. Advertência ........................................................................................................... 128

4.2.2. Multa ..................................................................................................................... 130

4.2.3. Suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e contratar ............................... 136

4.2.4. Declaração de inidoneidade .................................................................................. 142

4.2.5. Dosimetria das sanções ......................................................................................... 144

5. INFRAÇÕES E SANÇÕES ADMINISTRATIVAS DA LEI ANTICORRUPÇÃO (LEI

12.846/13), APLICÁVEIS A LICITAÇÕES E CONTRATOS ............................................. 146

5.1. Infrações administrativas em espécie .......................................................................... 148

5.1.1. Frustração ou fraude do caráter competitivo do procedimento licitatório ............ 148

5.1.2. Impedimento, perturbação ou fraude da realização de qualquer ato da licitação . 152

5.1.3. Afastamento de licitante do procedimento licitatório ........................................... 156

5.1.4. Fraude da licitação ou do contrato ........................................................................ 158

5.1.5. Fraude de licitação ou contrato, mediante a criação de pessoa jurídica ................ 159

5.1.6. Obtenção de vantagem ou benefício indevido decorrente de modificações ou prorrogações de contratos administrativos ...................................................................... 163

5.1.7. Manipulação ou fraude do equilíbrio econômico-financeiro do contrato ............. 166

5.2. Sanções administrativas em espécie ............................................................................ 168

5.2.1. Multa ..................................................................................................................... 168

5.2.2. Publicação extraordinária da decisão condenatória .............................................. 172

CONCLUSÃO ........................................................................................................................ 174

REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 176

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INTRODUÇÃO

Animados pela recente edição da Lei anticorrupção (Lei 12.846/13), cuja aplicação

está em seu nascedouro, pretendemos, por meio do presente trabalho, investigar as infrações e

sanções administrativas previstas nas Leis 8.666/93, 10.520/02, 12.462/11 e 12.846/13,

aplicáveis às licitações e contratos administrativos. A despeito de a doutrina se debruçar há

tempos sobre o procedimento licitatório e o instrumento contratual dele decorrente, poucas

são as obras que pretenderam aprofundar o estudo dos ilícitos e sanções administrativas que

podem ser impostas aos licitantes e contratados.

E, além de se tratar de um tema em constante evolução, que ganhou novos contornos

com a edição da Lei anticorrupção, as normas que o disciplinam, veiculadas nos sobreditos

diplomas normativos, deixam margem a diversas controvérsias. Daí a importância de

interpretá-las – inclusive conjuntamente –, pretendendo gizar o seu conteúdo e alcance, pois é

certo que, com os notórios casos de corrupção que recentemente vieram à tona, sua aplicação

será incrementada.

Para tanto, primeiramente declinaremos os elementos definidores das infrações e

sanções jurídicas e administrativas, estudando-as, portanto, sob o plano sintático. Feito isso,

ingressaremos nos planos semântico e pragmático, de modo que açambarquemos, além da

estrutura, o conteúdo jurídico e a aplicação das infrações e sanções administrativas.

Ao assim proceder, enfrentaremos cada um dos aspectos do ilícito administrativo e

da relação jurídica sancionatória dele decorrente – sempre com os olhos voltados para a sua

aplicação às infrações e sanções administrativas aplicáveis a licitações e contratos –,

perpassando pelo fato típico e os elementos a ele correlatos (comportamento; tipo objetivo,

que congrega o seu conteúdo e a sua aplicação; tipo subjetivo; resultado; e nexo de

causalidade); a antijuridicidade; os sujeitos que integram a aludida relação e os temas a eles

correlatos (autoria, responsabilidade e reprovabilidade); e o seu aspecto objetivo, debruçando-

nos ainda sobre a aplicação do princípio do non bis in idem.

Por fim, com amparo nestas balizas, investigaremos as infrações e sanções

administrativas em espécie, previstas nas Leis de Licitação; do Pregão; do RDC; e de

Anticorrupção, pretendendo interpretá-las e, com isso, gizar o seu conteúdo, alcance e

aplicação.

Dito isto, iniciemos nossa cruzada.

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1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS

1.1. Noção de definição

Como pretendemos investigar as infrações e sanções administrativas, previstas nas

Leis 8.666/93, 10.520/02, 12.462/11 e 12.846/13, aplicáveis às licitações e contratos,

devemos, preliminarmente, definir1 ilícito e sanção jurídica (como gênero, portanto) para, em

um segundo momento, definir infração e sanção administrativa2.

Isso porque, conforme observa Aurora Tomazini de Carvalho, por meio da definição

iremos “eleger critérios que apontem determinada forma de uso da palavra, a fim de introduzi-

la ou identificá-la num contexto comunicacional”3. É dizer, obtendo-se definições conotativas

(em expressão talhada por Ricardo Guibourg4), aponta-se “os critérios (características) que

nos fazem chamar certos objetos por aquele nome, de forma que, mesmo não enumerando tais

objetos, há possibilidade de identificá-los”5.

Logo, ao definir ilícito e sanção jurídica e infração e sanção administrativa,

pretendemos apontar os critérios caracterizadores desses objetos, o que permitirá a

identificação dos elementos que pertencem a essas classes.

Registre-se, todavia, que os sobreditos critérios – ao menos com relação aos referidos

objetos – devem ser construídos a partir do direito positivo, especificamente das normas

encartadas na Constituição da República brasileira vigente. Isso porque a cada ordenamento

jurídico compete gizar as características definidoras das infrações e sanções jurídicas e

administrativas. De nenhum préstimo, por exemplo, será a construção de uma definição de

infração em que uma das características seja o dolo ou a culpa, sem que este critério, contudo,

encontre guarida no ordenamento jurídico de um dado país. Trata-se, pois, do que comumente 1 Fala-se em definição porque concordamos com Aurora Tomazini de Carvalho no sentido de que o conceito é

“formado em nosso intelecto, em razão das formas de uso da palavra no discurso, tendo em vista os referenciais culturais do intérprete”. E “definir, assim, é explicar o conceito, pô-lo em palavras, é identificar a forma de uso do termo” (Curso de teoria geral do direito, p. 63.)

2 Observa Aurora Tomazini de Carvalho, relativamente ao “direito”: “Ao definir ‘direito’ delimitamos a realidade tomada como objeto de nossos estudos e ao explicar as categorias gerais dessa realidade construímos nossa Teoria Geral do Direito. Por isso, a importância de uma definição precisa. Ora, como aprender se não se sabe o que estudar? Muitas vezes é a falta de determinação do conceito de ‘direito’ que acarreta enorme confusão na sua compreensão, o que poderia facilmente ser solucionado com uma simples definição” (Ibid., p. 66). Isto é plenamente aplicável ao presente trabalho. É dizer, ao definir infração e sanção administrativa, pretendemos delimitar esses objetos e esmiuçar as suas categorias ou critérios definidores.

3 Ibid., p. 63. 4 Introducción al conocimento científico. Buenos Aires: Eudeba, 1985 apud CARVALHO, Aurora Tomazini.

Ob. Cit., p. 64. 5 CARVALHO, Aurora Tomazini. Ob. Cit., p. 64.

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se denomina de conceito – ao nosso juízo, definição – jurídico-positivo, e não lógico-jurídico.

Não obstante isso, para que alcancemos integralmente o objeto estudado, compete-

nos explicitar cada um dos critérios que compõem sua definição, construídos, insiste-se, a

partir da Constituição da República.

Quer-se com isso dizer que não basta indicarmos os elementos definidores das

infrações e sanções jurídicas e administrativas, restringindo o nosso estudo, portanto, ao plano

sintático. É necessário que também ingressemos nos planos semântico e pragmático, de modo

que açambarquemos, além da estrutura, o conteúdo jurídico e a aplicação das infrações e

sanções administrativas6.

1.2. Definição de ilícito jurídico

Nelson Hungria, ao versar sobre os ilícitos administrativo e penal, assentou que a

“ilicitude jurídica é uma só”, não havendo que se falar em “um ilícito administrativo

ontologicamente distinto de um ilícito penal”7. E assim asseverou porque o ilícito jurídico, em

sua essência (sob o ângulo ontológico, portanto), é um comportamento contrário a um

comando jurídico, independentemente da sua natureza penal, administrativa ou civil8.

E essa definição ontológica de ilícito jurídico já indica a sua estrutura normativa, que

se consubstancia no antecedente da norma jurídica primária sancionatória – em sua forma

mais simples, isto é, com critérios mínimos –, na conformação adotada por Paulo de Barros

6 Nesse sentido: CARVALHO, Aurora Tomazini. Ob. Cit., p. 199. 7 Ilícito administrativo e ilícito penal. In: Revista de Direito Administrativo – Seleção Histórica. Rio de Janeiro,

1945-‘995, p. 15-21. 8 Nesse mesmo sentido: ROCHA, Silvio Luís Ferreira. Manual de Direito Administrativo, p. 610; MELLO,

Rafael Munhoz de. Princípios Constitucionais de Direito Administrativo Sancionador, p. 43; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 871; FERREIRA, Daniel. Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 91; VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito Administrativo, p. 29; OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e Sanções Administrativas, p. 35; OSÓRIO, Fábio Medina. O conceito de sanção administrativa no direito brasileiro. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (coord.). Uma avaliação das tendências contemporâneas do Direito Administrativo: obra em homenagem a Eduardo García de Enterría. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 315-359; REBOLLO PUIG, Manuel. El Derecho Administrativo Sancionador. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (coord.). Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo: Obra em Homenagem a Eduardo García de Enterría. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 263-312; ENTERRÍA, Eduardo García; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo, v. II, p. 163; Alejandro Nieto assinala que os ilícitos penais e administrativos “non son ontologicamente ni iguales ni desiguales (en el sentido real, no normativo, a que nos estamos refiriendo) por la sencilla razón de que son conceptos rigorosa y exclusivamente normativos. El ilícito no existe en la realidad, es creado por la norma, de tal manera que sin norma no puede haber ilícito” (Derecho Administrativo Sancionador, p. 152). Vê-se, portanto, que o ilustre mestre espanhol parte de premissa distinta, no sentido de que a igualdade ou desigualdade sob o prisma ontológico somente pode ser aferida de objetos reais. Como se verificou, partimos de premissa distinta, pois não vislumbramos óbice em construir a definição de um objeto criado pelo Direito segundo a sua essência.

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Carvalho9. Isto é, dado um fato consistente no descumprimento de um determinado dever

jurídico (isto é, um ilícito jurídico, portanto), deve ser uma relação jurídica sancionatória.

Todavia, não podemos nos restringir à definição do ilícito jurídico sob o ângulo

ontológico, ao menos para o fim do presente estudo. Isso porque essa definição, por ser

bastante genérica, fatalmente congregará objetos cujos regimes jurídicos são bastante distintos

(em que pese possuírem elementos em comum), tornando-a, portanto, inútil10.

Deveras, se definirmos ilícito como todo e qualquer comportamento (ação ou

omissão voluntária11) antijurídico, incluiremos sob o mesmo rótulo, por exemplo, (i) a

conduta ensejadora de dano jurídico perpetrado pelo Estado a terceiro, que poderá dar ensejo

9 Nessa toada, assinala Paulo de Barros Carvalho: “No terreno do estudo das infrações e sanções também é

utilíssimo o esquema metodológico da regra-matriz, permitindo uma análise minuciosa do suposto, que traz a descrição hipotética do fato ilícito ou infração, e bem assim do consequente, que nos leva à prescrição dos elementos que compõem o nexo sancionatório. Tudo o que dissemos sobre os critérios da hipótese tributária vale para o antecedente da norma sancionatória, que tem o seu critério material – uma conduta infringente de dever jurídico -, um critério espacial – a conduta há de ocorrer em certo lugar – e um critério temporal – o instante em que se considera acontecido o ilícito. Na consequência, depararemos com um critério pessoal – o sujeito ativo será aquele investido do direito subjetivo de exigir a multa, e o sujeito passivo o que deve pagá-la – e um critério quantitativo – a base de cálculo da sanção pecuniária e a percentagem sobre ela aplicada” (Curso de direito tributário, p. 592). Vê-se, portanto, que a norma jurídica de conduta, quanto à sua estrutura, pode ser dividida em duas partes, denominadas norma primária e norma secundária. Aquela pode ainda ser subdividida em norma primária dispositiva e norma primária sancionatória, em que a primária dispositiva prescreve um comando jurídico – uma obrigação, proibição ou permissão de fazer ou deixar de fazer alguma coisa –, dada a ocorrência de um fato previsto em seu antecedente. E a primária sancionatória, por sua vez, prescreve uma consequência sancionadora, em virtude da inobservância do comando veiculado na norma primária dispositiva. Ou seja, dado o descumprimento de um determinado dever jurídico (isto é, a prática de um ilícito jurídico, portanto), nasce uma relação jurídica sancionatória, em que o sujeito ativo possui o direito subjetivo ou dever (em se tratando do Estado) de exigir do sujeito passivo o cumprimento da sanção ou adimplemento do dever. Por fim, a norma secundária “prescreve a sanção mediante o exercício da coação estatal”, ou seja, “outra relação jurídica em que o sujeito ativo é o mesmo da primária, havendo, porém, um terceiro sujeito S’’’ integrando polo passivo da relação jurídica: o Estado, exercitando sua função jurisdicional” (Ibid., p. 589-590).

10 Rafael Munhoz de Mello, com amparo nas lições de Alejandro Nieto e Celso Antônio Bandeira de Mello, é pedagógico ao afirmar: “Para a análise jurídica de um instituto, portanto, pouco importa afirmar que há identidade ontológica entre uma coisa e outra. No campo específico do presente trabalho, é irrelevante reconhecer que o ilícito administrativo é ontologicamente idêntico ao penal, ou que a sanção administrativa é ontologicamente idêntica à sanção penal. Já foi afirmado que há tal identidade. Relevante é apurar se a sanção administrativa tem regime jurídico próprio, que permita separá-la das outras espécies de sanção, sob o ponto de vista eminentemente formal. Do contrário, inexistindo um regime jurídico próprio das sanções administrativas, não há razão para tratá-las com autonomia, como se fossem algo diferente das demais sanções” (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 44). Também nesse sentido, ensina Alejandro Nieto: “Decir que dos fenómenos son iguales en la realidad no significa necessariamente que hayan de tenere l mismo régimen jurídico a figuras que en el mundo real son, sin duda alguna, ontológicamente diferenges” (Ob. Cit., p. 151).

11 Concordamos com Ángeles de Palma Del Teso no sentido de que “Para la existencia de acción es necesario que el origen de la conducta externa, activa u omisiva, sea resultado de una previa decisión” (El principio de culpabilidad en el derecho administrativo sancionador, p. 122 apud MELLO, Rafael Munhoz de. Princípio constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 192). Logo, ausente a voluntariedade – o que se configurará, segundo Manuel Rebollo Puig, “cuando el sujeto queda paralizado, em los estados de inconsciência, cuando concurre fuerza irresistible o se obra por movimientos reflejos” (El Derecho Administrativo Sancionador. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (coord.). Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo: Obra em Homenagem a Eduardo García de Enterría, p. 287) –, sequer terá ocorrido uma ação ou omissão, razão por que não haverá que se falar em ilícito.

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à responsabilidade daquele em reparar esse dano (a consequência, portanto, é uma sanção

ressarcitória, que comporta, por exemplo, a transmissão e cuja conduta delituosa não requer,

necessariamente, o dolo ou a culpa para a sua configuração); e também (ii) uma infração

administrativa aplicável a eventual licitante, cuja consequência é a suspensão do direito de

licitar e contratar com a Administração (hipótese típica de sanção retributiva, que não

comporta transmissão e, ao nosso juízo, para a sua configuração requer o dolo ou a culpa)12.

Em vista disso, parece-nos que outro critério deve compor a definição de ilícito

jurídico, criando-se o que podemos denominar de ilícito jurídico em sentido estrito. Trata-se

da já consagrada noção de tipo (tanto na sua dimensão objetiva como subjetiva), que,

acrescida à referida definição de ilícito jurídico (agora em sentido estrito), torna-o um

comportamento típico e antijurídico.

É dizer, não é todo e qualquer comportamento antijurídico que pertence à categoria

de ilícito jurídico em sentido estrito. Para pertencer a esta classe, o comportamento, além de

antijurídico, (i) deve estar previsto como infração à lei, ao qual é atribuído uma sanção

retributiva, descrevendo-se os requisitos objetivos para sua configuração (tipo objetivo)13; e

(ii) requer o dolo ou a culpa (tipo subjetivo).

Eis, portanto, a estrutura do ilícito jurídico (como hipótese, pois, da norma primária

sancionatória): dado um fato consistente em uma conduta – que, insiste-se, pressupõe a

voluntariedade –, típica e antijurídica (critério material), praticada em determinado tempo e

espaço (critérios temporal e espacial), deve ser uma sanção retributiva (que já integra o

consequente da norma sancionatória e, portanto, não é um dos elementos do ilícito jurídico,

que se encerra no antecedente da norma).

E estas características que definem o ilícito jurídico não decorrem de sua essência.

Elas decorrem, como observado anteriormente, das normas constitucionais vigentes.

Com efeito e sem prejuízo de aprofundarmos a análise destas características quando

adentrarmos no estudo das infrações e sanções administrativas, verifica-se que (i) o art. 5º,

XXXIX da Carta Republicana assevera que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem

pena sem prévia cominação legal”; (ii) o art. 5º, XLV também da Constituição dispõe que

12 Régis Fernandes de Oliveira (Infrações e sanções administrativas, p. 51) e Rafael Munhoz de Mello

(Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 81) também chamam a atenção para essa distinção).

13 Nesse sentido, assinala Rafael Munhoz de Mello: “Portanto, não basta que o ilícito administrativo e a sanção administrativa retributiva sejam criados por lei formal. É preciso mais: a lei formal deve descrever de modo claro e preciso – com ‘densidade normativa suficiente’, nas palavras de Canotilho – tanto o comportamento proibido como a consequência que pode advir de sua prática, tanto a infração administrativa como a respectiva sanção. Ao lado da garantia formal – criação por lei – há também uma garantia material” (Ob. Cit., p. 135).

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“nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a

decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra

eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido”; (iii) o art. 37, §§5º e 6º, por

sua vez, preveem que “A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por

qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas

ações de ressarcimento” e “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado

prestadoras se serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade,

causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo

ou culpa”; e (iv) o art. 225, §3º é cristalino ao dispor que “As condutas e atividades

consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a

sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos

causados”.

Vê-se, de antemão, que a Constituição da República aparta (i) o dano ensejador da

obrigação de reparação, ou seja, uma espécie de ilícito (dano) que acarreta uma espécie de

sanção (ressarcitória); de (ii) uma segunda espécie de ilícito (que ainda pode ser classificado

em subespécies, conforme se verificará), cuja consequência é uma sanção retributiva.

E, além de realizar essa distinção, os sobreditos preceitos constitucionais também já

prescrevem regimes jurídicos distintos para os sobreditos ilícitos, assinalando-se que somente

a pena é intransmissível, ao contrário da obrigação de reparação do dano (art. 5º, XLV), além

de prever a responsabilidade objetiva do Estado em razão dos danos a ele imputados por ato

comissivo de seus agentes, o que revela uma segunda distinção com relação ao ilícito jurídico

em sentido estrito14.

Com efeito, em que pese as respeitáveis vozes em sentido contrário15, entendemos

que, ao contrário do art. 37, §6º - que admite a imposição de uma sanção ressarcitória em

razão da perpetração de um dano pelo Estado sem dolo ou culpa -, a Constituição da

República exige a presença desse elemento subjetivo para configuração do ilícito jurídico em

sentido estrito.

Deveras, ao dispor que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem

14 Verifique-se, a propósito, a estrutura normativa da responsabilidade patrimonial do Estado, segundo o

magistério de Maurício Zockun: “Com efeito, a conduta do Estado danosa ao patrimônio jurídico alheio configura o antecedente ou a hipótese de uma norma jurídica. Já o encargo do Estado de adotar medida econômica reparadora é o consequente ou o mandamento dessa norma jurídica. Por fim, o nexo causal nada mais é que o vínculo interproposicional que une o antecedente ao consequente” (Responsabilidade patrimonial do Estado, p. 26).

15 Nesse sentido: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, 879-880; FERREIRA, Daniel. Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 275.

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prévia cominação legal” (art. 5º, XXXIX), a Carta Republicana encartou os princípios16 da

legalidade, anterioridade e tipicidade (especificamente o seu aspecto objetivo).

Isso porque exigiu-se que (i) o ilícito esteja previsto em lei formal (legalidade); (ii)

essa previsão tenha se dado antes da prática da conduta que a ele se subsume

(irretroatividade); e, conforme assinalado anteriormente, (iii) o ilícito esteja previsto como

infração à lei, que dá ensejo à determinada sanção, descrevendo-se – de modo claro e preciso

– os requisitos objetivos para sua configuração.

E a afastar qualquer espécie de dúvida quanto à obrigatoriedade de tipificação

objetiva do ilícito, acerta Rafael Munhoz de Mello ao assinalar que “o princípio da segurança

jurídica dá origem ao princípio da tipicidade”17, exigindo-se que “o comportamento proibido

esteja descrito de modo claro e preciso na norma jurídica, assim como exige precisão e

clareza na descrição da sanção a ele correspondente”18.

Sucede que o fato típico vai além. Isto é, ele possui também um aspecto subjetivo,

que exige que o comportamento, além de voluntário, seja doloso ou culposo. E essa exigência,

uma vez mais, não decorre da essência do ilícito, mas do princípio do Estado de Direito,

encartado no art. 1º, caput da Constituição da República.

Com efeito, em sua brilhante monografia sobre o tema, Rafael Munhoz de Mello,

amparado nas lições de Canotilho e Frank Moderne, ensina que no Estado de Direito as

competências outorgadas ao Estado devem ser exercidas na exata medida necessária à

consecução da finalidade para a qual elas foram criadas, o que encerra, portanto, o princípio

da proporcionalidade ou proibição do excesso.

E esse princípio desdobra-se em três subprincípios, quais sejam: adequação,

necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, sendo que o primeiro deles exige que o

ato estatal praticado com fundamento em uma competência pública seja o meio adequado para

a produção do resultado pretendido. É especificamente desse subprincípio que decorre o tipo

subjetivo.

Ora, é assente na doutrina que, ao prever uma sanção retributiva como consequência

à prática de um ilícito jurídico em sentido estrito, pretende-se evitar que este ilícito seja

concretamente praticado. É dizer, não se tergiversa que a finalidade da competência 16 Não ingressaremos neste trabalho na discussão acerca da definição de princípio. Adotamos a já conhecida

noção de Celso Antônio Bandeira de Mello, a saber: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tônica que lhe dá sentido harmônico” (Curso de direito administrativo, p. 54).

17 Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 134. 18 Ibid., mesma página.

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sancionadora é a de prevenir a prática de novos ilícitos – insiste-se, em sentido estrito –,

independentemente de sua natureza19.

Em vista disso, é evidente que a apontada finalidade será atingida apenas se a sanção

retributiva for imposta em razão de um ilícito jurídico praticado com dolo ou culpa20-21.

Deveras, afora estas hipóteses, a sanção retributiva não terá o condão de incentivar a

mudança do comportamento, tipificado objetivamente, que fora praticado. Isso porque, como

o agente não pretendia produzir o resultado delituoso e tampouco descurou do seu dever de

cuidado, não haverá em que ou como o agente ou terceiro modificar este comportamento.

Quer-se com isso dizer que o ilícito e sua respectiva sanção não atingirão sua

finalidade, pois, ainda que imposta a sanção, ela não terá o condão de prevenir a prática do

ilícito no futuro, seja pelo próprio agente ou por terceiro.

Logo, a imposição de sanção retributiva nestas hipóteses ofende ao princípio da

proporcionalidade, que se hospeda nas dobras do primado do Estado de Direito. Daí o

fundamento constitucional do tipo subjetivo22.

Quanto à antijuridicidade e sem prejuízo de posteriormente aprofundarmos o estudo

do seu conteúdo, vê-se que esse critério decorre do princípio da legalidade, pois impõe que o

intérprete, diante de um comportamento que a princípio se subsume a conduta típica,

19 Nessa toada: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 83; MELLO,

Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 177; DOTTI, Rene Ariel. Curso de direito penal – Parte geral, p. 434; DEL TESO, Ángeles de Palma. El principio de culpabilidad en el derecho administrativo sancionador, p. 44 apud MELLO, Rafael Munhoz de. Ob. Cit., p. 177; TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal, 5 ed., p. 28, apud MELLO, Rafael Munhoz de. Ob. Cit., p. 178; JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1144.

20 Isto é, em razão (i) da prática com consciência e vontade de produzir o resultado oriundo do comportamento típico e antijurídico (dolo direito), ou, mesmo não o querendo, por força da assunção do risco de produzi-lo (dolo eventual); ou (ii) da prática do comportamento típico sem pretender ou assumir o risco de produção do resultado, que é atingido porque o agente atuou com negligência, imperícia ou imprudência (culpa). Registre-se que, conforme o magistério de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, “resultado deve ser entendido como lesão ou perigo de lesão de um interesse protegido pela norma penal” (Manual de direito penal, vol. I, p. 97). Como estamos tratando do conceito de ilícito jurídico em sentido estrito, independentemente de sua natureza penal, civil, ou administrativa, basta acrescermos estas duas últimas áreas ao final da definição de resultado. E com isto queremos salientar que o resultado do ilícito nem sempre será naturalístico, conforme oportunamente será explicitado.

21 O art. 18, I do Código Penal é feliz ao distinguir o dolo direto do dolo eventual: “Diz-se o crime: doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”.

22 A parcela majoritária da doutrina entende pela necessidade do elemento subjetivo para imposição da sanção retributiva. Nesse sentido, cita-se alguns autores a título de exemplo: NIETO, Alejandro. Derecho Administrativo Sancionador, p. 345; DEL TESO, Ángeles de Palma. El principio de culpabilidad en el derecho administrativo sanconador, p. 109 apud MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 187; ENTERRÍA, Eduardo García; FERNÁNDEZ, Tomás-Ramón. Curso de Derecho Administrativo, v. II, p. 173; OSÓRIO, Fábio Medina. Direito Administrativo Sancionador, p. 321; VITA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo, p. 43; NOBRE JÚNIOR, Edilson Pereira. Sanções administrativas e princípios de Direito Penal. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n.219, p.127-51; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta de. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito administrativo brasileiro, p. 488.

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investigue se não há outra norma jurídica que dê guarida a esse comportamento.

Ou seja, como “ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão

em virtude de lei”, é evidente que não pode ser imputada a prática de um ilícito jurídico a

determinada pessoa cujo comportamento supostamente típico esteja autorizado por lei.

Daí porque Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini afirmam que “a tipicidade é

o indício da antijuridicidade, que será excluída se houver uma causa que elimine sua

ilicitude”23.

Note que a norma que prevê o comportamento típico e as normas que veiculam as

causas excludentes da antijuridicidade incidem ao mesmo tempo, conclusão, aliás, que

decorre das lições de Paulo de Barros Carvalho acerca da isenção tributária.

Com efeito, ensina o ilustre professor que “a regra de isenção investe contra um ou

mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente”24, sendo

exatamente este fenômeno que ocorre com o ilícito jurídico.

Isso porque o critério material da regra-matriz de incidência da norma sancionatória

é mutilado parcialmente pelas normas que preveem as denominadas hipóteses excludentes de

ilicitude. Ou seja, estas normas investem contra o critério material dos ilícitos jurídicos em

sentido estrito, recortando desse critério os comportamentos praticados em estado de

necessidade, legítima defesa, exercício regular de um direito e estrito cumprimento de um

dever legal (além das denominadas causas supralegais). Daí porque o critério material do

crime de homicídio, por exemplo, poderia ser representado por “matar alguém fora de um

estado de necessidade; não em legitima defesa; não em exercício regular de um direito; e não

no estrito cumprimento de um dever legal”25.

Em face do quanto exposto, adotando-se os critérios plasmados pela teoria finalista

do delito26, define-se o ilícito jurídico em sentido estrito como um comportamento –

23 Manual de direito penal, vol. I, p. 167-168. 24 Curso de direito tributário, p. 568. 25 Daniel Ferreira também vislumbrou essa identidade com a doutrina de Paulo de Barros Carvalho, ao assinalar:

“O fenômeno, aqui, é exatamente o já burilado por Paulo de Barros Carvalho ao tratar das isenções. Há uma norma que incide qualificando uma conduta porque materialmente típica como antinormativa e outra que a “explica” ou “justifica”, afastando a pressuposta antijuridicidade” (Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 285).

26 Luiz Flávio Gomes, em excelente obra que propõe uma nova teoria do delito (teoria constitucionalista do delito, cuja definição é aplicável apenas ao ilícito penal, conforme o próprio autor assinala), revela a grande mudança provocada pelo finalismo de Welzel na teoria do delito: “A primeira grande mudança na teoria do delito provocada pelo finalismo, portanto, diz respeito à posição do dolo (e da culpa): passam a compor a conduta e, em consequência, o fato típico (não mais a culpabilidade)” (Teoria constitucionalista do delito e imputação objetiva, p. 56). Evidente, portanto, que adotamos a teoria finalista ao sustentar que o ilícito jurídico em sentido estrito possui como critério o tipo subjetivo (dolo ou a culpa). Todavia, Welzel manteve como elemento da conduta a culpabilidade, ainda que restrita ao juízo de reprovação. E, com isto, não concordamos.

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voluntário – previsto como infração à lei (tipo objetivo); que requer dolo ou culpa (tipo

subjetivo); cuja ilicitude não é afastada por norma jurídica (antijuridicidade); e cuja

consequência é uma sanção retributiva27.

Registre-se, por fim, que, ao construir esta definição de ilícito jurídico em sentido

estrito a partir da Constituição da República, afasta-se qualquer espécie de dúvida quanto à

existência do que a doutrina denomina de regime jurídico punitivo, que disciplina o exercício

do ius puniendi estatal. Trata-se, nas palavras do brilhante e saudoso professor Geraldo

Ataliba, do “conjunto de preceitos constitucionais e legais que estabelece limites

procedimentais, processuais e substanciais à ação do estado, nesta matéria”28.

Os princípios acima mencionados, que fundamentam o conceito de ilícito jurídico em

sentido estrito, compõem esse regime jurídico punitivo. E é assente na doutrina que esse

regime se aplica às infrações e também às sanções administrativas – ainda que, conforme

assinala Alejandro Nieto29, com certos matizes, que serão oportunamente açambarcados –,

somado às normas incidentes apenas sobre estes objetos (daí porque, conforme se verificará,

as infrações e sanções administrativas são uma espécie de ilícito jurídico e sanção em sentido

estrito)30.

Deveras, filiamo-nos à corrente inaugurada por René Ariel Dotti, no que foi acompanhado por Damásio de Jesus, no sentido de que o juízo de reprovabilidade (isto é, a culpabilidade) é um elemento da pena, e não do ilícito. Isso porque “Culpabilidade é um juízo de reprovação que recai sobre o sujeito que praticou o delito” (Curso de Direito Penal - Parte Geral, p. 448). Daí porque o ilícito jurídico em sentido estrito é um comportamento típico e antijurídico, estando a culpabilidade situada no consequente da norma secundária (portanto, como critério da sanção), o que será aprofundado mais adiante. Registre-se que Régis Fernandes de Oliveira comunga desse mesmo pensamento: “Com a adoção da teoria finalista da ação, pode-se conceituar o delito como um fato típico e antijurídico. Esses dois requisitos são essenciais para a caracterização de qualquer infração. A culpabilidade, que era terceiro requisito genérico do delito, passou a ser somente condição para imposição de pena” (Infrações e sanções administrativas, p. 40). Daniel Ferreira também é adepto da teoria finalista, porém situa a reprovabilidade na definição de ilícito administrativo (Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 211). Aliás, este ilustre professor, nesta reconhecida obra, faz uma excelente análise do conceito de ilícito penal e administrativo segundo a doutrina nacional e estrangeira.

27 Acaso se pretenda definir este ilícito como hipótese da norma jurídica sancionatória, basta assinalar que o ilícito jurídico em sentido estrito é um fato jurídico consistente em um comportamento – voluntário – previsto como infração à lei (tipo objetivo); que requer dolo ou culpa (tipo subjetivo); cuja ilicitude não é afastada por norma jurídica (antijurídicidade); e cuja consequência é uma sanção retributiva.

28 Imposto de renda – multa punitiva. In: Revista de direito administrativo. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 1945. Vol. 126, p. 547-557. O magistério de Eduardo Rocha Dias também é pedagógico nesse sentido: “Aplicam-se ao sancionamento administrativo, portanto, os princípios constitucionais que disciplinam e limitam a atividade punitiva do Estado, mesmo que originados do Direito Penal. Em decorrência do princípio da máxima efetividade que deve nortear a interpretação constitucional, às normas consagradoras de disposições que tutelam direitos e garantias individuais deve ser dado o maior alcance possível. Tal aplicação é defendida não apenas pela doutrina e pela jurisprudência constitucional estrangeira, como também por autores e tribunais pátrios. A atividade punitiva do Estado, portanto, é una, sendo exercida pelo Judiciário e pela Administração” (Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 111).

29 Derecho administrativo sancionador, p. 170-174. 30 Nesse sentido: MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador,

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1.3. Definição de sanção jurídica

As razões lançadas no subitem anterior permitem-nos ser breve ao definir sanção

jurídica31. Isso porque, conforme observa Celso Antônio Bandeira de Mello, a infração e

sanção jurídica são “temas indissoluvelmente ligados”32. Logo, ao definir o ilícito jurídico,

inevitavelmente também ingressamos no estudo da definição da sanção jurídica.

Com efeito, já assinalamos que a sanção jurídica está situada no consequente da

norma primária sancionadora, em que, dado o descumprimento de um determinado dever

jurídico (isto é, a prática de um ilícito jurídico, portanto), deve ser uma determinada relação

jurídica sancionatória. Daí porque não se tergiversa que, em sua essência, a sanção jurídica é

uma consequência à prática de um ilícito jurídico, prevista no ordenamento jurídico33.

De outra banda, nem toda consequência à prática de um ilícito jurídico

consubstancia-se em uma sanção jurídica, ao menos em sentido estrito.

Deveras, se empregada em seu sentido lato, a sanção jurídica, como observa

Zanobini, é “qualunque mezzo, di cui il legislatore si valga per assicurare l’efficacia della

norma”34. Ou seja, a sanção jurídica abrangeria também as medidas coativas, sejam

repressivas ou cautelares, cuja finalidade é recomposição da ordem jurídica, bem como a

p. 107; REBOLLO PUIG, Manuel. El Derecho Administrativo Sancionador. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (coord.). Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo: Obra em Homenagem a Eduardo García de Enterría, p. 265; ENTERRÍA, Eduardo Garcia. El problema jurídico de las sanciones administrativas, p. 10; NIETO, Alejandro. Derecho Administrativo Sancionador, p. 167; JUSTEN FILHO, Comentários ao RDC, p. 666; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro, p. 488; DIAS, Eduardo Rocha. Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 61.

31 Kelsen aparta a sanção jurídica das demais sanções nos seguintes termos: “Neste sentido, as ordens sociais a que chamamos Direito são ordens coativas da conduta humana. Exigem uma determinada conduta humana na medida em que ligam à conduta oposta um ato de coerção dirigido à pessoa que assim se conduz (ou aos seus familiares). Quer isto dizer que elas dão a um determinado indivíduo poder ou competência para aplicar a um outro indivíduo um ato coativo como sanção. As sanções estatuídas por uma ordem jurídica são – diferentemente das sanções transcendentes – sanções socialmente imanentes e – diversamente daquelas, que consistem na simples aprovação ou desaprovação – socialmente organizada” (Teoria pura do direito, p. 36).

32 Curso de direito administrativo, p. 871. 33 Nelson Hungria também assinalou que “Se nada existe de substancial diverso entre ilícito administrativo e

ilícito penal, é de negar-se igualmente que haja uma pena administrativa essencialmente distinta da pena criminal” (Ilícito administrativo e ilícito penal. In: Revista de Direito Administrativo – Seleção Histórica. Rio de Janeiro, 1945-‘995, p. 15-21). Também nesse sentido é o magistério de Heraldo Garcia Vitta (A sanção no direito administrativo, p. 66-68).

34 Le sanzioni amministrative, p. 1 apud FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas, p. 15. Também nesse sentido é o magistério de Kelsen: “Uma outra característica comum às ordens sociais a que chamamos Direito é que elas são ordens coativas, no sentido de que reagem contra as situações consideradas indesejáveis, por serem socialmente perniciosas – particularmente contra condutas humanas indesejáveis – com um ato de coação, isto é, com um mal – como a privação da vida, da saúde, da liberdade, de bens econômicos e outros -, um mal que é aplicado ao destinatário mesmo contra a sua vontade, se necessário empregando até a força física – coativamente, portanto. Dizer-se que, com o ato coativo que funciona como sanção, se aplica um mal ao destinatário, significa que este ato é normalmente recebido pelo destinatário como um mal” (Teoria Pura do Direito, p. 35-36).

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“prevenção de turbações a interesses juridicamente protegidos”35.

Todavia, conforme também já restou demonstrado, não se tergiversa que a medida

que pretende recompor a ordem jurídica (a reparação do dano, por exemplo, também

denominada de sanção ressarcitória), possui regime jurídico distinto da medida que pretende

prevenir a prática do ilícito (o que denominamos de sanção retributiva).

E, justamente por força disto, concordamos com distinção proposta por Daniel

Ferreira entre a sanção-coação e a sanção-sanção, também denominada de sanção em sentido

estrito. É a definição desta espécie de sanção, construída a partir do ordenamento jurídico

vigente, que interessa ao presente estudo36.

Assim, pretendendo-se obter essa definição, devemos responder à seguinte

indagação: quais as características que, agregadas ao conceito lato de sanção – consequência

jurídica à prática de um ilícito –, definem a sanção jurídica em sentido estrito?

Cremos, assim como Daniel Ferreira37, que essa consequência jurídica é negativa;

possui caráter repressivo (ou retributivo); e, além disso, está prevista em lei como

consequência à prática de um ilícito jurídico em sentido estrito.

A primeira característica não demanda profunda investigação, pois, se esta espécie de

sanção pretende desincentivar a prática do comportamento que lhe faz eclodir, é evidente que

ela deve ser uma medida aflitiva, que, portanto, restrinja a esfera jurídica daquele que praticar

o ilícito38.

Já a retributividade - que, conforme o magistério de Celso Antônio Bandeira de

Mello, decorre da própria finalidade do Direito39 - encerra o escopo da sanção jurídica em

sentido estrito, que é desestimular a prática do ilícito. E isso, conforme exposto anteriormente,

afasta-se dessa classe as medidas coativas que pretendem recompor a ordem jurídica, bem

como acautelar prévia ou repressivamente interesses juridicamente protegidos. 35 FERREIRA, Daniel. Teoria Geral da Infração Administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 89. 36 Assim como procedemos com relação ao ilícito jurídico, não podemos nos restringir à definição ontológica da

sanção jurídica, que nenhum préstimo possui ao presente estudo. Devemos voltar os nossos olhos ao direito posto, pois, ainda que em sua essência as sanções jurídicas sejam idênticas, é inegável que, à luz do ordenamento jurídico vigente, há objetos que preenchem os critérios para serem qualificados como sanção jurídica, mas que possuem outras características que lhe outorgam regime jurídico distinto.

37 Eis o conceito de sanção jurídica segundo esse nobre professor: “a direta e imediata consequência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo, determinada pela norma jurídica a um comportamento proibido nela previsto, comissivo ou omissivo, dos seus destinatários (Sanções administrativas, p. 25).

38 O rol de garantias previstos na Constituição da República evidencia a natureza restritiva desta espécie de sanção. Verifique-se, a propósito, a redação do art. 5º, LIV da Constituição da República: “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.

39 Ensina o mestre: “O Direito tem como finalidade unicamente a disciplina da vida social, a conveniente organização dela, para o bom convívio de todos e bom sucesso do todo social, nisto se esgotando seu objeto. Donde, não entram em pauta intentos de ‘represália’, de castigo, de purgação moral a quem agiu indevidamente (Curso de direito administrativo, p. 873). Vê-se, portanto, que esta característica decorre do primado do Estado de Direito, encartado no art. 1º da Constituição da República.

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Por fim, a terceira e última característica – cuja presença, aliás, já é um indicativo

das anteriores – exige que a sanção em sentido estrito esteja prevista em lei como

consequência à prática de um ilícito jurídico em sentido estrito (ou seja, de um

comportamento típico e antijurídico). Trata-se de corolário lógico do primado da legalidade,

que foi pedagogicamente explicitado em matéria sancionatória no art. 5º, XXXIX da

Constituição da República40.

Em face do quanto exposto, considerando-se as apontadas características definidoras

da sanção em sentido estrito (ou retributiva), pode-se defini-la como uma consequência

jurídica negativa; de caráter repressivo (ou retributivo); prevista em lei como consequência à

prática de um ilícito jurídico em sentido estrito, em que o sujeito ativo (titular do bem

jurídico violado) possui o direito subjetivo ou o dever de exigi-la ou impô-la41ao sujeito

passivo culpável42 (pessoa culpável que incorreu na prática daquele ilícito)43.

1.4. Subespécies de ilícito jurídico (em sentido estrito) e sanção jurídica (retributiva)

40 Reza esse preceito constitucional que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal”. Oportunamente explicitaremos o conteúdo e a aplicação deste primado às sanções administrativas.

41 Faz-se estas distinções porque se o titular do bem jurídico ofendido for o Estado, este possui o dever (e não a faculdade, inerente ao direito subjetivo) de (i) impor, por meio da autoridade administrativa competente, a sanção, em se tratando de sanção administrativa; ou (ii) de exigir ao Estado-juiz, por meio do órgão competente, a imposição da sanção, em se tratando de sanções jurisdicionais. Esta classificação é abordada do subitem subsequente.

42 Note que nos mantivemos fiel à nossa posição no sentido de que a culpabilidade está situada no consequente da norma sancionadora, especificamente no critério pessoal. Isso porque, conforme esclarecemos anteriormente (vide nota de rodapé nº 28, p. 13), filiamo-nos à corrente inaugurada por René Ariel Dotti, no que foi acompanhado por Damásio de Jesus, no sentido de que a “Culpabilidade é um juízo de reprovação que recai sobre o sujeito que praticou o delito” (Curso de Direito Penal - Parte Geral, p. 448). É dizer, como a imputabilidade, a consciência da ilicitude e a inexigibilidade de conduta diversa (i) encerram a noção de culpabilidade, segundo a teoria finalista; e (ii) são características do sujeito passivo (e não da conduta ilícita), conforme mais adiante será aprofundado, conclui-se que a culpabilidade é um elemento da sanção.

43 Adotada esta definição, vê-se que a sanção se consubstancia no critério objetivo da relação jurídica sancionatória, que pode ser definida como uma relação jurídica que se instala, em razão da ocorrência de um ilícito jurídico em sentido estrito, entre o sujeito ativo (titular do bem jurídico violado) e o sujeito passivo culpável (pessoa culpável que incorreu na prática daquele ilícito) – critério pessoal –, em que aquele possui o direito subjetivo ou o dever de exigir ou de a ele impor uma obrigação ou proibição de fazer ou deixar de fazer algo, negativa e de caráter retributivo – critério objetivo. Aliás, segundo Paulo de Barros Carvalho, “designa-se por sanção tributária a relação jurídica que se instala, por força do acontecimento de um fato ilícito, entre o titular do direito violado e o agente da infração. Além desse significado, obrigação e sanção querem dizer, respectivamente, o dever jurídico cometido ao sujeito passivo, nos vínculos obrigacionais, e a importância devida ao sujeito ativo, a título de penalidade ou de indenização, bem como os deveres de fazer ou de não fazer, impostos sob o mesmo pretexto” (Curso de Direito Tributário, p. 614). Vê-se, portanto, que, assim como ocorre no Direito tributário, com relação ao termo tributo, é comum a sanção, em razão da sua conhecida falta de univocidade, ser utilizada como a obrigação ou proibição imposta ao sujeito passivo. Ou seja, além de nominar a relação jurídica decorrente da prática do ilícito, ele também designa somente um dos seus aspectos, acepção que adotamos. Sem embargo, não vislumbramos nenhum problema nestas diferentes acepções, já amplamente difundidas, razão porque também neste trabalho, por vezes, faremos o uso deste vocábulo em ambas as hipóteses.

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Definido o ilícito jurídico e a sanção em sentido estrito, devemos, para atingirmos o

fim pretendido com este trabalho, subdividi-los em subespécies. Isso porque cada uma destas

subespécies, a despeito de serem regidas pelo conjunto de princípios e regras que compõem o

regime jurídico punitivo, também sofrem a incidência de outras normas que acabam por

definir um regime jurídico distinto para cada uma delas. Chegar-se-á, assim, na infração e na

sanção administrativa, que são subespécies do ilícito e da sanção jurídica em sentido estrito.

Com efeito, consciente de que não há classificação verdadeira ou falsa, mas sim útil

ou inútil44, cremos que o primeiro critério que deve ser utilizado para apartar as subespécies

de ilícitos e sanções jurídicas em sentido estrito é a função que deve ser exercida pelo Estado

para impor a sanção correlata ao ilícito.

É dizer, aparta-se os sobreditos ilícitos em dois conjuntos: (i) o conjunto dos ilícitos

em sentido estrito cujas sanções devem ser impostas, pelo Estado, no exercício da função

jurisdicional; e (ii) o conjunto dos ilícitos cujas sanções devem ser impostas, pelo Estado, no

exercício da função administrativa45. E, seguindo este mesmo critério, também devem ser

apartadas (i) as sanções retributivas impostas no exercício da função administrativa; (ii)

daquelas cujas imposições se dão no exercício da função jurisdicional.

Justifica-se essa divisão porque, à luz do magistério de Celso Antônio Bandeira de

Mello, “é disto que resulta o regime jurídico que lhes confere a própria feição, a identidade

jurídica que lhes concerne (...)”46.

É dizer, a depender da função do Estado que deve ser manejada para a imposição da

sanção retributiva, esta e o ilícito jurídico em sentido estrito que lhe pressupõe sofrem a

incidência de um conjunto de normas jurídicas que não são aplicáveis ao ilícito e à respectiva

sanção imposta no exercício de função estatal distinta.

E para vislumbrarmos essa distinção e justificar a utilidade desta classificação, basta 44 Nesse tocante, Agustin Gordillo aduz: “Pero si bien la discusión acerca de cómo dar una definicíon de acto

administrativo carece de proyecciones dogmáticas, ello no significa que sea totalmente intranscendente dar uno u outro concepto ya que de la mayor o menor perfección y precisión del mismo dependerá la facilidad y utilidad com que se lo podrá manejar luego. La definición a ofrecerse debe entonces responder a una adecuada metodologia y a una satisfactoria sistematización de la realidad del régimen jurídico de la función administrativa, pues las definiciones y clasificaciones han de servir para explicar su funcionamento” (Tratado de Derecho Administrativo. Belo Horizonte e San Pablo: Del Rey e F.D.A., 7ª edição, 2003, tomo I, X-I).

45 Logo, neste primeiro corte, adotamos o que a doutrina denomina de critério formal, assim definido por Heraldo Garcia Vitta: “Assim, se o ordenamento jurídico, com leis editadas com base na Constituição, conferir à autoridade judiciária impor sanção (sic), na atividade precisamente jurisdicional, diante da não-observância de determinado dever jurídico por parte do administrado, estaremos diante de um ilícito penal, mas não de um ilícito administrativo. Se a ordem normativa estabelecer competência para a autoridade administrativa impor a sanção, falaremos de um ilícito dessa natureza” (A sanção no direito administrativo, p. 33).

46 Curso de direito administrativo, p. 871-872.

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assinalar que a sanção imposta no exercício da função jurisdicional pressupõe a instauração de

processo judicial, cuja decisão final pode ser definitiva, em virtude dos efeitos da coisa

julgada (trata-se, como é sabido, da característica definidora da função jurisdicional).

Já a sanção imposta no exercício da função administrativa pressupõe a instauração de

processo administrativo (e não judicial), cuja decisão final – por nada mais ser do que um ato

administrativo – está sujeita a controle de legalidade pelo Poder Judiciário.

Logo, além de os processos necessários à apuração do ilícito e imposição da sanção

serem distintos47, o ato final produzido – por meio do qual poderá ser imposta a sanção –

possui regime jurídico sabidamente distinto. Daí a necessidade de, em um primeiro momento,

apartar os ilícitos e as sanções jurídicas em sentido estrito conforme a função do Estado

exercida pela autoridade competente para a sua imposição48.

E, ao assim proceder, chegamos à definição de infração administrativa, que é obtida

com o acréscimo de uma característica (ou critério) à definição de ilícito jurídico em sentido

estrito: comportamento – voluntário – previsto como infração à lei (tipo objetivo); que requer

dolo ou culpa (tipo subjetivo); cuja ilicitude não é afastada por norma jurídica

(antijuridicidade); e cuja consequência é uma sanção retributiva administrativa.

Da mesma forma constrói-se a definição de sanção administrativa: consequência

jurídica negativa; de caráter repressivo (ou retributivo); prevista em lei como consequência à

prática de um ilícito jurídico em sentido estrito administrativo, em que o sujeito ativo (titular

do bem jurídico violado) possui o dever de, no exercício da função administrativa, impô-la 47 Registre-se que a Constituição da República faz expressa distinção dos processos judicial e administrativo, ao

asseverar que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (art. 5º, LV). E esse preceito constitucional é esclarecedor, pois ele (i) revela que há um conjunto de normas jurídicas aplicáveis a todo e qualquer ilícito e sanção jurídica em sentido estrito, inclusive no que tange ao processo para a sua apuração e imposição; e, por outro lado, (ii) evidencia que o processo judicial e o processo administrativo possuem distinções, em que pese também possuírem semelhanças.

48 Fabio Medina Osório adota critério distinto, conforme se depreende a partir da sua definição de sanção administrativa: “Consiste a sanção administrativa, portanto, em um mal ou castigo, porque tem efeitos aflitivos, com alcance geral e potencialmente pro futuro, imposto pela Administração Pública, materialmente considerada, pelo Judiciário ou por corporações de direito público, a um administrado, jurisdicionado, agente público, pessoa física ou jurídica, sujeitos ou não a especiais relações de sujeição com o Estado, como consequência de uma conduta ilegal, tipificada em norma proibitiva, com uma finalidade repressora ou disciplinar, no âmbito de aplicação formal e material do Direito Administrativo” (Direito administrativo sancionador, p. 104). Ainda segundo esse ilustre autor, “Não configura, portanto, elemento indissociável da sanção administrativa a figura da autoridade administrativa, visto que podem as autoridades judiciárias, de igual modo, aplicar essas medidas punitivas, desde que outorgada, por lei, a respectiva competência repressiva, na tutela de valores protegidos pelo Direito Administrativo” (Ibid., p. 92-93), razão pela qual “não se pode descartar a existência de sanção de Direito Administrativo aplicadas pelo Poder Judiciário, mormente quando a norma invocada possui em um de seus polos a figura da Administração Pública, direta, indireta ou descentralizada, como lesada pela ação dos agentes públicos ou particulares, desafiando o Direito Punitivo” (Ibid., p. 90). Conforme assinalamos, não há classificação certa ou errada. Apenas preferimos não adotar este critério de Fábio Medina Osório, pois entendemos que as sanções impostas pela Administração e pelo Poder Judiciário possuem regime jurídico bastante distinto, razão qual as apartamos.

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ao sujeito passivo culpável (pessoa culpável que incorreu na prática daquele ilícito).

De outra banda, segundo a classificação aqui proposta, estão os ilícitos e as sanções

que optamos por denominar de jurisdicionais, pretendendo, portanto, apartá-los dos ilícitos e

sanções administrativas. E as definições daquelas subespécies de ilícito e sanção são obtidas

com a substituição do vocábulo administrativo (a) por jurisdicional e algumas pequenas

adaptações na definição de sanção49.

Sem embargo, não há dúvida de que, a partir desta classificação, novos subconjuntos

podem ser criados, compostos pelas subespécies dos ilícitos e das sanções jurisdicionais50.

É possível, por exemplo, tendo em vista a incidência de normas jurídicas que

conferem importante distinção quanto aos seus respectivos regimes jurídicos, subdividir os

ilícitos e sanções jurisdicionais em ilícitos e sanções (i) penais; (ii) civis; (iii) de improbidade

administrativa51; e (iv) de corrupção (esta última subespécie decorre da recente edição da Lei

12.846/13), o que, insiste-se, não afasta outras subdivisões.

O critério que orienta essa nova subdivisão é formal, eis que “se apega

essencialmente em características ‘de direito’” (Celso Antônio Bandeira de Mello)52. Isso

porque o que define se um ilícito e sua respectiva sanção são penais, civis, de improbidade

administrativa ou de corrupção é a lei que os veicula.

49 Eis a definição de sanção jurisdicional: consequência jurídica negativa; de caráter repressivo (ou retributivo);

prevista em lei como consequência à prática de um ilícito jurídico em sentido estrito jurisdicional, em que o sujeito ativo (titular do bem jurídico violado) possui o dever ou o direito subjetivo de exigi-la do sujeito passivo culpável (pessoa culpável que incorreu na prática daquele ilícito), perante o Estado-juiz.

50 Registre-se que também é plenamente possível promover novas subdivisões dos conjuntos dos ilícitos administrativos e das sanções administrativas, sob os mais variados critérios (vide FERREIRA, Daniel. Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 196-207). Apenas não vislumbramos necessidade em proceder nova subdivisão, tendo em vista o fim pretendido com a classificação proposta. Frise-se, aliás, que, ao assinalarmos que estudaremos as infrações e sanções aplicáveis em licitações e contratos administrativos, estamos adotando uma classificação distinta, que adota como critério a matéria correlata ao ilícito e à sanção. Todavia, esta classificação se destina apenas a delimitar o objeto do presente estudo, não possuindo o condão de apartar os ilícitos e as sanções que possuem regime jurídico distinto. E, não obstante isso, é evidente que outros critérios de classificação podem ser adotados. Nessa toada, José Roberto Pimenta de Oliveira entende que há nove “sistemas de responsabilização dos agentes públicos na Constituição” (dentre os quais se insere a responsabilidade administrativa), assim definidos como “o conjunto de normas jurídicas que delineiam, com coerência lógica, a existência de um sistema impositivo de determinadas consequências jurídicas contra o sujeito infrator e/ou terceiros, levando-se em conta a prévia tipificação do ato infracional e das sanções imputáveis, o processo estatal de produção, e os bens jurídicos ou valores constitucionalmente protegidos com sua institucionalização normativa” (Improbidade administrativa e sua autonomia constitucional, p. 82).

51 Em razão da sua definição de sanção administrativa (acima explicitada), que difere daquela por nós adotada, Fábio Medina Osório entende que as sanções de improbidade são espécies de penalidade administrativa. Isso porque “as sanções previstas aos atos ímprobos, desde o art. 37, §4º, da Carta Magna, passando pelo rol da Lei 8.429/92, estão disciplinadas diretamente pelo Direito Administrativo, operacionalizando-se pelo Direito Processual Público que cuida da respectiva ação judicial” (Direito administrativo sancionador, p. 176). A distinção, uma vez mais, decorre da diferença quanto aos critérios de classificação adotados, não sendo cabível juízo de valor quanto à sua correção ou incorreção.

52 Curso de direito administrativo, p. 32.

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É dizer, a norma jurídica que prevê os ilícitos e as sanções jurisdicionais

expressamente tipifica uma conduta como crime, atribuindo-lhe determinada pena, hipótese

em que estar-se-á diante de um ilícito e uma sanção penal. De outra banda, também é a lei que

prevê, in abstrato, os atos, isto é, os ilícitos de improbidade administrativas e as respectivas

sanções53. O mesmo ocorre com o ilícito e a sanção civis54 e, mais recentemente, com o ilícito

e a sanção de corrupção.

Deveras, o art. 5º da Lei 12.846/1355 previu determinados “atos lesivos à

administração pública, nacional ou estrangeira”, que podem acarretar a imposição de sanções

administrativas (art. 6º56) e também de sanções jurisdicionais (art. 18), inclusive

53 Desse mesmo entendimento comunga Daniel Ferreira: “Desse modo, as hipóteses constantes dos artigos 9º, 10

e 11 revelam uma nova espécie de ilícito -, também ontologicamente igual aos demais, como frisa Mateus Bertoncini. A novidade, entretanto, reside no fato de que ele (o ato de improbidade) busca no Direito Administrativo brasileiro suas fontes formais e materiais de convicção, mas que apenas se revelam e se resolvem como tal perante o Poder Judiciário, ensejando sanções também ditas de improbidade (para não perder a coerência) e que podem apresentar, e.g., isolada ou cumulativamente, efeitos administrativos (perda do cargo), civis (multa), políticos (suspensão de direitos) etc.” (Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 193). Entendimento divergente, com o qual não concordamos, é defendido por Fábio Medina Osório, fruto da sua definição de sanção administrativa, que também diverge daquela por nós adotada (Direito administrativo sancionador, p. 104).

54 Os art. 1.638 do Código Civil, por exemplo, comina a sanção de perda do poder familiar ao pai ou mãe que incorrer em ilícitos previsto no sobredito preceito normativo, quais sejam: “I - castigar imoderadamente o filho; II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes; e IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente”. E o reconhecimento e imposição dessa sanção deve se dar pelo Estado, no exercício da função jurisdicional.

55 “Art. 5º - Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”.

56 “Art. 6o - Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções: I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e II - publicação extraordinária da decisão condenatória”. Art. 19 - Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou

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cumulativamente. É dizer, a mesma conduta caracteriza infrações de natureza distintas,

acarretando a imposição de sanções também distintas, o que, como é sabido, é usual57.

De outra banda, registre-se que, ao menos em nosso ordenamento jurídico, não é

usual o mesmo tipo infracional acarretar a imposição de sanção administrativa e jurisdicional.

Isso porque, ao menos em regra, para sanções de natureza distintas se costuma prever tipos

também distintos, ainda que a mesma conduta a eles se subsuma. A Lei 12.846/13, portanto,

apresenta uma peculiaridade nesse sentido, ainda que isto, a princípio, não acarrete

ilegalidade58.

Ademais, a Lei 12.846/13 apresenta uma outra peculiaridade, pois na omissão da

autoridade administrativa em impor as sanções administrativas aplicáveis à prática de

determinado “ato lesivo à administração pública, nacional ou estrangeira” (previstas no art.

6º), estas sanções poderão ser impostas nos autos da ação ajuizada pelo Ministério Público

para a imposição das sanções jurisdicionais previstas no art. 19.

Nesta hipótese, as infrações e sanções administrativas transmutam-se em infrações e

sanções jurisdicionais, eis que a competência para reconhecê-las e impô-las será do Estado,

porém no exercício da função jurisdicional (e não da função administrativa).

Vê-se, portanto, que os atos ilícitos previstos no art. 5 da Lei 12.846/13 são tanto

ilícitos administrativos como jurisdicionais da subespécie corrupção, eis que podem dar

ensejo à imposição de sanções administrativas e jurisdicionais de corrupção.

Já as sanções previstas no art. 6º da Lei 12.846/13 são sanções administrativas,

porém, na omissão da autoridade administrativa competente, transmutam-se em sanções

jurisdicionais de corrupção, eis que a competência para impô-las passa a ser do Poder

Judiciário. E as sanções previstas no art. 19 daquele diploma normativo são sanções

jurisdicionais de corrupção.

equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras: I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades; III - dissolução compulsória da pessoa jurídica; IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos”.

57 Nessa toada, ensina Eduardo García de Enterría e Tomás-Ramón Fernández: “Durante toda la vida de nuestro contencioso hasta el momento mismo de la Constitución la jurisprudencia utilizó la doctrina de que, tratándose de dos ordenamentos distintos, las sanciones administrativas eran perfectamente compatibles e incluso independientes respecto a las penales frente a unos mismos hechos. De modo que cabía que por unos mismos hechos se sufriese uma doble punición (administrativa y penal) y, lo que resultaba aún mas chocante, unos mismos hechos podían estimarse de um modo por el juez penal y de outro completamente distinto o hasta contradictorio por la autoridad administrativa sancionatoria” (Curso de Derecho Administrativo, v. II, p. 185).

58 Oportunamente aprofundaremos esta análise.

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Assim, finda esta classificação, o que nos permitiu indicar os critérios (ou

características) que, ao nosso juízo, compõem a definição do ilícito administrativo e da sanção

administrativa (esgotando-se, portanto, o estudo sob o ângulo sintático destes objetos),

estudaremos o conteúdo e aplicação destes critérios (ingressando-se, pois, nos campos

semântico e pragmático).

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2. INFRAÇÃO ADMINISTRATIVA

2.1. Definição

Para fins didáticos, retomemos a definição de infração administrativa acima

construída: comportamento – voluntário – previsto como infração à lei (tipo objetivo); que

requer dolo ou culpa (tipo subjetivo); cuja ilicitude não é afastada por norma jurídica

(antijuridicidade); e cuja consequência é uma sanção retributiva administrativa59.

Ingressemos, pois, no estudo do conteúdo e da aplicação de cada um dos critérios

que compõem esta definição.

2.2. Fato típico

2.2.1. Comportamento

Já esclarecemos que, ao adotar as sobreditas definições de ilícito jurídico e infração

administrativa, expiramo-nos na teoria finalista da ação de Welzel, ainda que com uma

alteração (a alocação da culpabilidade como elemento da sanção, e não da infração)60. Daí

porque definimos comportamento como ação ou omissão voluntária dirigida a um fim.

Vê-se, portanto, que o primeiro elemento do comportamento – ao menos aquele que

importa ao ilícito jurídico – é “um ato de vontade dirigido a um fim”61, que não

necessariamente é o resultado delituoso (nos ilícitos culposos). Daí porque assinalamos que a

conduta pressupõe a voluntariedade, eis que esta é, em rigor, um elemento daquela62.

59 Reitera-se que, acaso se pretenda definir este ilícito como hipótese da norma jurídica sancionatória, basta

assinalar que o administrativo é um fato jurídico consistente em um comportamento – voluntário – previsto como infração à lei (tipo objetivo); que requer dolo ou culpa (tipo subjetivo); cuja ilicitude não é afastada por norma jurídica (antijuridicidade); e cuja consequência é uma sanção retributiva administrativa.

60 Vide nota de rodapé nº 29, p. 13. 61 Ibid., p. 268. 62 Note que adotamos acepção distinta para a voluntariedade do que aquela empregada por Celso Antônio

Bandeira de Mello, que é mais ampla: “Donde, é de meridiana evidência que descaberia qualificar alguém como incurso em infração quando inexista a possibilidade de prévia ciência e prévia eleição, in concreto, do comportamento que o livraria da incidência da infração e, pois, na sujeição às sanções para tal caso previstas. Note-se que aqui não se está a falar de culpa ou dolo, mas de coisa diversa: meramente do animus de praticar dada conduta” (Curso de direito administrativo, p. 879). De outra banda, adotamos a mesma definição de Daniel Ferreira para voluntariedade: “Mostra-se melhor, para a construção da Teoria Geral da Infração, assumi-lo como expressão de vontade, de um ‘querer algo’ e ‘ativo’, que não se confunde com o desejo porque este pode nunca vir a se manifestar” (Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 276). Todavia, este ilustre autor aparta o comportamento da voluntariedade, ao passo que para nós a voluntariedade é um elemento da conduta, ao menos aquela que importa ao ilícito

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Deveras, insiste-se, à luz do magistério de Ángeles de Palma Del Teso, que “Para la

existencia de acción es necesario que el origen de la conducta externa, activa u omisiva, sea

resultado de una previa decisión”63. Sem embargo, é importante registrar que esta decisão não

precisa ser livre, razão pela qual assiste razão a Manuel Rebollo Puig quando ele afirma que

não haverá voluntariedade e, portanto, comportamento, “cuando el sujeto queda paralizado,

em los estados de inconsciência, cuando concurre fuerza irresistible o se obra por

movimientos reflejos”64.

Esclarece-se que, em se tratando de coação irresistível, deve-se fazer uma distinção

entre a coação física e moral, conforme anota Damásio de Jesus. Com efeito, na coação física

(vis absoluta) não há conduta, pois o “sujeito pratica o movimento em consequência de força

corporal exercida sobre ele (...). Ex.: forçar fisicamente alguém a assinar um documento

falso”65. Já em se tratando de coação moral (vis compulsiva), há o comportamento, porém o

sujeito não será culpável, eis que “Em tal situação, a vontade é suficiente para constituir a

ação, mas, sob o ponto de vista do juízo de reprovação, não é bastante para configurar o

elemento normativo da culpabilidade”66.

O segundo elemento do comportamento, por sua vez, é a exteriorização da aludida

vontade, por meio de uma ação ou omissão, em que “As de primeira ordem se realizam

através de um atuar positivo (contrário a uma proibição legal); as de segunda ordem se

revelam pela inação a despeito do dever legal de agir”, conforme assinala Daniel Ferreira67.

Daí porque, assim como os crimes, as infrações administrativas também podem ser

classificadas em comissivas ou omissivas, que ainda são subdivididas em próprias ou

impróprias.

A infração administrativa omissiva própria é aquela cujo comportamento tipificado

objetivamente é negativo. Cita-se, como exemplo, a infração consistente em deixar de

administrativo. 63 El principio de culpabilidad en el derecho administrativo sancionador, p. 122 apud MELLO, Rafael Munhoz

de. Princípio constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 192. 64 El Derecho Administrativo Sancionador. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (coord.). Uma

Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo: Obra em Homenagem a Eduardo García de Enterría, p. 287. Verifique-se, ademais, o magistério de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini: “Ato voluntário não implica que a vontade seja livre, que seja querido o resultado. O ato é voluntário quando existe uma decisão por parte do agente, quando não é um simples resultado mecânico. ‘A conduta é voluntária – diz Pierangelli – ainda quando a decisão do agente não tenha sido tomada livremente, ou quando este a tome motivado por coação ou por circunstâncias extraordinárias, uma vez que isso se resolve no campo da culpabilidade e não no da conduta, pois em ambas as situações a conduta sempre existirá. Conduta não significa conduta livre’” (Manual de direito penal, vol. I, p. 91).

65 Direito penal, Vol. I, p. 269. 66 Ibid., mesma página. 67 Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 201.

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executar total ou parcialmente o contrato administrativo, prevista no art. 87 da Lei nº

8.666/93. Ou seja, se o contratado incorrer na conduta omissiva de não executar o contrato,

incorrerá neste ilícito administrativo, independentemente da consequência advinda desta

omissão.

Já no ilícito administrativo omissivo impróprio o agente possui o dever jurídico de

atuar como devia e podia68 para impedir o resultado previsto no tipo comissivo. Todavia, por

inadimplir esse dever e, com isso, não impedir o resultado (que, adianta-se, não precisa ser

naturalístico, de modo que se açambarque também os ilícios de mera conduta), ele incorre na

aludida infração. Ou seja, nesta hipótese a omissão não está tipificada objetivamente, cabendo

“ao exegeta a tarefa de indicar se, em face do ordenamento jurídico, o omitente pode ser

equiparado ao agente e, em consequência, sofrer a imposição da sanção contida no preceito

secundário da lei incriminadora”69.

A propósito, cremos que seja o momento oportuno para assinalar que tanto na prática

de comportamentos comissivos ou omissivos próprios, como por omissão imprópria, as

pessoas jurídicas podem incorrem nas infrações administrativas que pretendemos investigar,

inclusive aqueles previstos na Lei anticorrupção (Lei nº 12.846/13).

Aliás, ousamos assinalar que esta consequência, ao menos em regra, aplica-se aos

ilícitos jurídicos em sentido estrito aplicáveis às pessoas jurídicas, em razão da posição de

garante desta em relação aos seus funcionários70.

Com efeito, é conhecida a controvérsia existente acerca da responsabilidade penal

das pessoas jurídicas. Deveras, conforme observa Cézar Roberto Bittencourt, “Os argumentos

fundamentais para não se admitir a responsabilidade penal das pessoas jurídicas resumem-se,

basicamente, à incompatibilidade da pessoa jurídica com os institutos dogmáticos da ação, da

culpabilidade e da função e natureza da própria sanção penal”71.

68 Nessa toada, o art. 13, §2º do Código Penal dispõe que “A omissão é penalmente relevante quando o omitente

devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem: a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância; b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado; c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado”.

69 JESUS, Damásio de. Direito Penal, vol. I, p. 280. 70 Alejandro Nieto, afastando a possibilidade de aferição da culpabilidade das pessoas jurídicas, entende que a

sua responsabilidade no âmbito do direito administrativo sancionador decorre sempre de sua posição de garante, o que se assemelha com a nossa posição, ainda que com importantes distinções, conforme se verifica. Assinala o autor: “en el ámbito del Derecho punitivo se encuentra la figura del garante, que permite explicar satisfactoriamente la responsabilidad de las persona jurídicas: éstas, en efecto, deben garantizar el cumplimiento de las obligaciones de sus agentes, de tal manera que las infracciones por ellos cometidas implican un correlativo incumplimiento de las obligaciones del garante, que justifica la responsabilidad de éste” (Derecho administrativo sancionador, p. 360).

71 Direito penal das licitações, p. 81. Este autor explicita esta controvérsia: “Duas correntes debatem há longo tempo a possibilidade de aplicar sanções penais às pessoas jurídicas: nos países filiados ao sistema romano-germânico, que representam a esmagadora maioria, vige o princípio societas delinquere non potest, segundo

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De outra banda, não se verifica esta celeuma quanto aos ilícitos administrativos,

sendo assente na doutrina alienígena e nacional a possibilidade de as pessoas jurídicas

incorrerem em infração administrativa72. O que, conduto, é objeto de celeuma é a forma

mediante a qual é exteriorizado o comportamento da pessoa jurídica, bem como a aferição do

elemento subjetivo do tipo (o que será açambarcado oportunamente).

Para nós, as pessoas jurídicas possuem capacidade de ação e, portanto, de incorrer na

prática de ilícitos administrativos, figurando como autoras (e não como meras responsáveis),

tal como, aliás, prevê o art. 5º da Lei anticorrupção73.

Isso porque, conforme observa Silvio Luis Ferreira da Rocha, “são sujeitos de direito

não somente as pessoas naturais, isto é, os seres humanos nascidos com vida, mas as pessoas

morais ou coletivas, criadas pelo homem com o objetivo de atender a determinadas

finalidades”74, razão por que, por deter personalidade jurídica, estas pessoas possuem a

“capacidade de ser titular de direitos e também de ser sujeito passivo de deveres,

obrigações”75.

Sem embargo, é evidente que os comportamentos das pessoas jurídicas, decorrentes

inclusive de sua vontade, somente podem ser exteriorizados mediante as ações das pessoas

naturais que integram os seus órgãos, conforme observa Alejandro Nieto76. E isso não afasta a

capacidade de ação da pessoa jurídica, inclusive para a prática de comportamentos ilícitos.

o qual é inadmissível a punibilidade penal das pessoas jurídicas, aplicando-se-lhes somente a punibilidade administrativa ou civil; de outro lado, nos países anglo-saxões e naqueles que receberam suas influências, vige o princípio da common law, que admite a responsabilidade penal da pessoa jurídica. É bem verdade que essa orientação começa a conquistar espaço entre os países que adotam o sistema romano-germânico, como, por exemplo, a Holanda e, mais recentemente, a França, a partir da reforma de seu Código Penal de 1992, e a Dinamarca, a partir da reforma de seu Código Penal de 1996” (Direito penal das licitações, p. 81).

72 Nesse sentido: VITTA, Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo, p. 52; MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 207; OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e sanções administrativas, p. 41; FERREIRA, Daniel. Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 234; NIETO, Alejandro. Derecho administrativo sancionador, p. 359.

73 Esse preceito normativo é explicito no sentido de que os atos lesivos são praticados pelas pessoas jurídicas, ao dispor: “Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos (...)”.

74 Direito Civil 1 – Parte geral, p. 55. Também nesse sentido ensina Maria Helena Diniz: “Liga-se à pessoa a ideia de personalidade, que exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Deveras, sendo a pessoa natural (ser humano) ou jurídica (agrupamentos humanos) sujeito das relações jurídicas e a personalidade a possibilidade de ser sujeito, ou seja, uma aptidão a ele reconhecida, toda pessoa é dotada de personalidade” (Manual de direito civil, p. 27).

75 Ibid., p. 31. 76 “Desde la Edad Media y desde los principios del Derecho Canónico sabemos que las personas morales actúan

necesariamente a través de sus órganos o, más exactamente todavía, a través de las personas físicas titulares de sus órganos” (Derecho administrativo sancionador, p. 360).

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De outra banda, não são as ações de toda e qualquer pessoa natural que figura nos

quadros da pessoa jurídica que podem ser consideradas como comportamento da pessoa

jurídica. Com efeito, concordamos com a posição de Francisco Zardo que, com amparo nas

lições de Klaus Tiedemann, assinalou que a ação das pessoas jurídicas “é desencadeada por

intermédio de seus órgãos ou representantes legais, bem como por aqueles que estejam

atuando sob o controle destes” 77 (com vínculo de subordinação ou parassubordinação78). Mas

não é só.

Deveras, conforme, aliás, decidiu a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, em

acórdão que gizou os contornos da responsabilidade da pessoa jurídica por crime ambiental

(ocasião em que inclusive se afastou a necessidade de concomitante persecução penal da

pessoa física, reconhecendo-se, pois, a capacidade penal da pessoa jurídica), “Não será

qualquer atuação de qualquer dos indivíduos ou unidades vinculadas à empresa que poderá

acarretar a atribuição do fato lesivo à pessoa jurídica”, sendo “indispensável que a pessoa,

indivíduos ou unidades participantes do processo de deliberação ou da execução do ato

estivessem a atuar de acordo com os padrões e objetivos da empresa”. É dizer, “estivessem a

cumprir com suas funções e atividades ordinárias definidas expressa ou implicitamente pelo

corpo social com vista a atender o objetivo da atividade econômica organizada”79.

E parece-nos induvidoso que estes requisitos são aplicáveis à imputação à pessoa

jurídica de todo e qualquer ilícito em sentido estrito (inclusive as infrações administrativas),

eis que eles decorrem da natureza jurídica das pessoas jurídicas. É dizer, nesta quadra, se está

apurando apenas e tão somente quando a prática de um comportamento ilícito pode ser

atribuída como própria do ente coletivo (ou seja, quando ele pratica, ainda que por intermédio

dos seus prepostos, uma determinada conduta, que representa a sua vontade).

Todavia, acaso não se possa considerar a conduta como sendo um comportamento da

pessoa jurídica (mas somente da pessoa ou das pessoas naturais que a praticaram), deve-se

apurar, primeiramente, se esse comportamento foi cometido no “interesse ou benefício da

entidade”, conforme também decidiu o Supremo Tribunal Federal naquela assentada. E isso

77 Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 73. 78 A despeito de divergir do entendimento por nós sufragado ao assinalar que “Há uma presunção absoluta de

que, se o indivíduo envolveu a empresa numa prática de corrupção, isso foi resultado de defeitos organizacionais e gerenciais”, Marçal Justen Filho giza bem os indivíduos, por nós chamados por prepostos, que poderão atuar representando a vontade da pessoa jurídica: “O vínculo exigido compreende os casos de representação formal, mas também abrange aquelas hipóteses em que a pessoa jurídica forneceu elementos ou recursos para a prática da infração. Mais precisamente, é indispensável existir um vínculo que permitisse à pessoa jurídica controlar a conduta do indivíduo infrator, especificamente para adotar as providências necessárias a impedir a prática da infração” (A “Nova” Lei anticorrupção brasileira (Lei federal 12.846), p. 2).

79 STF, 1ª Turma, Recurso extraordinário 548.181, Rel. Minª Rosa Weber, DJe 30.10.2014.

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para que, novamente conforme decidido por aquela Corte, não se impute o fato ilícito à pessoa

jurídica “se o indivíduo ou órgão interno responsável pelo ato tenha atuado unicamente para

satisfação de interesse próprio, em busca de vantagem unicamente pessoal, ou ainda em

detrimento consciente dos interesses e fins da empresa”.

Aliás, ainda que tenha previsto a responsabilização objetiva da pessoa jurídica, o art.

2º da Lei anticorrupção previu explicitamente esse requisito, ao dispor que “As pessoas

jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos

lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”. Logo,

ausente qualquer vantagem ou benefício à pessoa jurídica, não haverá que se cogitar em sua

responsabilização.

Sem embargo, ainda que a conduta praticada pelo proposto contra a vontade da

pessoa jurídica possa, ao menos em tese, trazer a esta eventual vantagem ou benefício, deve-

se apurar se esse ente coletivo descurou do dever jurídico de atuar como deve e pode para

impedir (i) o resultado – naturalístico – oriundo da prática de infrações administrativas pelos

seus prepostos, nos ilícitos materiais; ou (ii) a própria prática do comportamento proibido, nos

ilícitos formais e de mera conduta (categorias nas quais, aliás, em regra se inserem as

infrações administrativas)80.

É dizer, acaso descumpra este dever e a conduta perpetrada possa lhe trazer

vantagem ou benefício, a pessoa jurídica incorre na infração por omissão imprópria, sendo,

pois, equiparável ao agente. De outra banda, conforme argutamente observam Julio Fabbrini

Mirabete e Renato N. Fabbrini, “Em todas as hipóteses do dever jurídico, não haverá crime se

o garantidor, embora não evitando o resultado, se esforçou seriamente para impedi-lo”81. Isso

porque, insiste-se, o garantidor – na hipótese concreta, a pessoa jurídica – possui o dever

80 Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini definem estas categorias de ilícito tomando como referência os

crimes, o que, contudo, pode ser aplicável aos ilícitos jurídicos em sentido estrito: “No crime material há necessidade de um resultado externo à ação, descrito na lei, e que se destaca lógica e cronologicamente da conduta. Esse resultado deve ser considerado de acordo com o sentido naturalístico da palavra, e não com relação a seu conteúdo jurídico, pois todos os crimes provocam lesão ou perigo para o bem jurídico (item 3.2.9.) Exemplos são o homicídio (morte), furto e roubo (subtração), dano (destruição, inutilização) etc. No crime formal não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo em que se desenrola a conduta, ‘havendo separação lógica e não cronológica entre a conduta e o resultado’. No delito de ameaça (art. 147), a consumação dá-se com a prática do fato, não se exigindo que a vítima realmente fique intimidada; no de injúria (art. 140) é suficiente que ela exista, independentemente da reação psicológica do ofendido etc. A lei antecipa o resultado no tipo; por isso, são chamados crimes de consumação antecipada. Nos crimes de mera conduta (ou de simples atividade) a lei não exige qualquer resultado naturalístico, contentando-se com a ação ou omissão do agente. Não sendo relevante o resultado material, há uma ofensa (de dano ou de perigo) presumida pela lei diante da prática da conduta. Exemplos são a violação de domicílio (art. 150), o ato obsceno (art. 233), a omissão de notificação de doença (art. 269), a condescendência criminosa (art. 230) e a maioria das contravenções” (Manual de direito penal – Parte Geral, p. 123-124).

81 Ao nosso juízo, não há nexo de causalidade nesta hipótese, conforme oportunamente será aclarado.

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jurídico de adotar o que devia e podia para impedir o resultado ou a prática da conduta ilícita

(e não o de, efetivamente, impedir esse resultado ou a prática desse ilícito). Vê-se, portanto,

que esse pensamento de amolda à teoria do defeito da organização82, que encontrou guarida

no sobredito aresto do Supremo Tribunal Federal83.

E, em que pese esse esforço pretendendo impedir o resultado dever ser apurado tendo

em vista as circunstâncias de cada caso concreto, o art. 7º, VIII da Lei anticorrupção gizou os

seus contornos, ao dispor que devem ser considerados na aplicação das sanções os

“mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de

irregularidades e a aplicação efetiva de código de ética e de conduta” pelos seus funcionários.

O Decreto nº 8.420/15, ao regulamentar essa norma, desceu ainda mais amiúde, denominando

estes mecanismos e procedimentos de “programa de integridade”84.

82 O entendimento de Francisco Zardo coincide com aquele por nós aqui sufragado: “Na segunda hipótese, em

que o empregado praticou infração não determinada pela empresa, a culpabilidade desta pode decorrer, segundo Palma Del Teso, do ‘defeito da organização’, a ser devidamente comprovado, Isso porque ‘no desenvolvimento da atividade que lhe é própria, omitiu-se de adotar as medidas de precaução necessárias para evitar a comissão das ações constitutivas de infração’” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 112).

83 Deveras, decidiu-se que “Em suma, é necessário verificar, ao longo da investigação ou do procedimento penal, se o ato apontado como lesivo decorreu do processo normal de deliberação interna da corporação, se o círculo decisório interno ao ente coletivo foi observado, ou se houve aceitação da pessoa jurídica, no sentido da ciência, pelos órgãos internos de deliberação, do que se estava a cometer e da aceitação, ou absoluta inércia para impedi-lo, o que dependerá da organização própria de cada empresa” (STF, 1ª Turma, Recurso extraordinário 548.181, Rel. Minª Rosa Weber, DJe 30.10.2014).

84 “Art. 41. Para fins do disposto neste Decreto, programa de integridade consiste, no âmbito de uma pessoa jurídica, no conjunto de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e na aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta, políticas e diretrizes com objetivo de detectar e sanar desvios, fraudes, irregularidades e atos ilícitos praticados contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Parágrafo Único. O programa de integridade deve ser estruturado, aplicado e atualizado de acordo com as características e riscos atuais das atividades de cada pessoa jurídica, a qual por sua vez deve garantir o constante aprimoramento e adaptação do referido programa, visando garantir sua efetividade”. “Art. 42. Para fins do disposto no § 4o do art. 5o, o programa de integridade será avaliado, quanto a sua existência e aplicação, de acordo com os seguintes parâmetros: I - comprometimento da alta direção da pessoa jurídica, incluídos os conselhos, evidenciado pelo apoio visível e inequívoco ao programa; II - padrões de conduta, código de ética, políticas e procedimentos de integridade, aplicáveis a todos os empregados e administradores, independentemente de cargo ou função exercidos; III - padrões de conduta, código de ética e políticas de integridade estendidas, quando necessário, a terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; IV - treinamentos periódicos sobre o programa de integridade; V - análise periódica de riscos para realizar adaptações necessárias ao programa de integridade; VI - registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica; VII - controles internos que assegurem a pronta elaboração e confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiros da pessoa jurídica; VIII - procedimentos específicos para prevenir fraudes e ilícitos no âmbito de processos licitatórios, na execução de contratos administrativos ou em qualquer interação com o setor público, ainda que intermediada por terceiros, tal como pagamento de tributos, sujeição a fiscalizações, ou obtenção de autorizações, licenças, permissões e certidões; IX - independência, estrutura e autoridade da instância interna responsável pela aplicação do programa de integridade e fiscalização de seu cumprimento; X - canais de denúncia de irregularidades, abertos e amplamente divulgados a funcionários e terceiros, e de mecanismos destinados à proteção de denunciantes de boa-fé; XI - medidas disciplinares em caso de violação do programa de integridade; XII - procedimentos que assegurem a pronta interrupção de irregularidades ou infrações detectadas e a tempestiva remediação dos danos gerados; XIII - diligências

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É dizer, é a intensidade, suficiência e eficiência desses mecanismos e procedimentos,

concretamente implementados pela pessoa jurídica, que devem ser avaliados para apurar se o

ente coletivo empreendeu as medidas que eram possíveis e exigíveis para impedir a produção

do resultado ou o cometimento da infração administrativa pelo seu funcionário.

Logo, acaso a pessoa jurídica não adote estas medidas de compliance e um dos seus

funcionários pratique a conduta infracional que possa lhe trazer vantagem ou benefício, ela

terá incorrido na prática desta infração em razão de sua omissão.

De outra banda, ainda que, por exemplo, o seu colaborador fraude a licitação contra a

vontade da pessoa jurídica, porém esta tenha adotado as medidas para prevenção, correção e

repressão dessa e de outras infrações que poderiam lhe ser exigidas, a prática do ilícito não

poderá lhe ser imputada, eis que ausente nexo de causalidade entre o comportamento da

pessoa jurídica – que adimpliu o seu dever jurídico e, portanto, não foi omissa – e a fraude

(caberá, contudo, a imputação do comportamento ao preposto, que poderá responder inclusive

pela prática de crime).

Vê-se, portanto, que, a norma prevista no art. 7º, VIII da Lei anticorrupção,

interpretada conforme a Constituição da República (à luz do primado da adequação), não

encerra apenas um elemento de dosimetria da sanção. Explicitou-se, objetivamente85,

apropriadas para contratação e, conforme o caso, supervisão, de terceiros, tais como, fornecedores, prestadores de serviço, agentes intermediários e associados; XIV - verificação, durante os processos de fusões, aquisições e reestruturações societárias, do cometimento de irregularidades ou ilícitos ou da existência de vulnerabilidades nas pessoas jurídicas envolvidas; XV - monitoramento contínuo do programa de integridade visando seu aperfeiçoamento na prevenção, detecção e combate à ocorrência dos atos lesivos previstos no art. 5o da Lei no 12.846, de 2013; e XVI - transparência da pessoa jurídica quanto a doações para candidatos e partidos políticos. § 1º Na avaliação dos parâmetros de que trata este artigo, serão considerados o porte e especificidades da pessoa jurídica, tais como: I - a quantidade de funcionários, empregados e colaboradores; II - a complexidade da hierarquia interna e a quantidade de departamentos, diretorias ou setores; III - a utilização de agentes intermediários como consultores ou representantes comerciais; IV - o setor do mercado em que atua; V - os países em que atua, direta ou indiretamente; VI - o grau de interação com o setor público e a importância de autorizações, licenças e permissões governamentais em suas operações; VII - a quantidade e a localização das pessoas jurídicas que integram o grupo econômico; e VIII - o fato de ser qualificada como microempresa ou empresa de pequeno porte. § 2º A efetividade do programa de integridade em relação ao ato lesivo objeto de apuração será considerada para fins da avaliação de que trata o caput. § 3º Na avaliação de microempresas e empresas de pequeno porte, serão reduzidas as formalidades dos parâmetros previstos neste artigo, não se exigindo, especificamente, os incisos III, V, IX, X, XIII, XIV e XV do caput. § 4o Caberá ao Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União expedir orientações, normas e procedimentos complementares referentes à avaliação do programa de integridade de que trata este Capítulo. § 5o A redução dos parâmetros de avaliação para as microempresas e empresas de pequeno porte de que trata o § 3o poderá ser objeto de regulamentação por ato conjunto do Ministro de Estado Chefe da Secretaria da Micro e Pequena Empresa e do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União”.

85 Ao nosso juízo, essa consequência é inerente ao regime jurídico dos ilícitos administrativos aplicáveis às pessoas jurídicas em razão da prática de comportamentos omissivos impróprios. Isso porque estes entes coletivos, em razão da sua natureza, figuram na posição de garante com relação aos seus funcionários. Sem

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mormente após a edição do regulamento, o dever jurídico – que, ao nosso juízo, é inerente às

pessoas jurídicas – cujo (i) descumprimento autoriza a imputação à pessoa jurídica da conduta

prevista nos tipos dos ilícitos administrativos aplicáveis a licitações e contratos aqui

investigados, acaso esta conduta possa lhe trazer vantagem ou benefício; e, de outra banda,

(ii) cujo cumprimento afasta a possibilidade de lhe ser imputada estas infrações, quando

praticadas por seus prepostos, a seu desmando86.

Em uma só voz e para afastar qualquer espécie de dúvida, a pessoa jurídica pode

incorrer na prática das infrações administrativas de duas maneiras: (i) praticando, dolosa ou

culposamente, o comportamento previsto no tipo comissivo ou omissivo próprio (quando a

ação ou omissão – insiste-se, própria - representam a vontade da pessoa jurídica); ou (ii)

omitindo-se com relação ao dever jurídico de adotar os mecanismos para prevenir a prática da

infração por seu preposto, que a praticara contra a sua vontade, sendo necessária ainda que a

conduta ilícita deste preposto, ao menos em tese, possa trazer vantagem ou benefício à pessoa

jurídica.

Registre-se que estas são as regras que regem a aferição do elemento objetivo do tipo

relativamente às pessoas jurídicas. O elemento subjetivo investigaremos em subitem

apartado87, ainda que as razões aqui lançadas sejam pressupostos desta análise, que poderá ser

breve88.

embargo, é inegável que a Lei anticorrupção previu objetivamente os critérios que devem ser levados em consideração para apuração do adimplemento desse dever, o que pode ser aplicado analogicamente para as demais infrações administrativas, mormente aquelas relativas a licitações e contratos.

86 Ana Claudia de Paula Albuquerque admite a aferição do adimplemento do programa de compliance para apuração da culpabilidade da pessoa jurídica. Porém, entende que isto não basta, assinalando que “A demonstração da cultura e organização da empresa não está atrelada necessariamente à existência e à implementação de programas de integridade. Também se projeta nos cursos de aprimoramento e de atualização técnica desenvolvidos para seus empregados, na adequação de fixação de metas a serem atingidas, na divisão e forma de preenchimento das diversas funções do ente coletivo, na atuação da pessoa jurídica, no decorrer do tempo, e na postura empresarial. A obrigatoriedade da adoção de um programa de conformidade ética não é, por si só, capaz de aferir a culpabilidade da pessoa jurídica; sua inexistência não gera de imediato a culpa da empresa bem como sua presença não a isenta automaticamente” (Aspectos da responsabilização administrativa da pessoa jurídica na Lei 12.846/13, p. 117). Não há dúvida de que a aferição da suficiência do cumprimento do dever de evitar a prática da infração administrativa deve ser apurada à luz das circunstâncias fáticas. Sem embargo, parece-nos que estes elementos mencionados pela autora ora se prestam a identificar de a conduta foi efetivamente praticada pela pessoa jurídica; ou ora podem ser inseridas dentro do programa de integridade, sendo este, indubitavelmente, uma baliza que deve ser observada, inclusive por prescrever critérios objetivos.

87 Subitem 2.2.3. 88 Por fim, para que se afaste eventual contradição lógica, registra-se que a discussão acerca da

irresponsabilidade penal das pessoas jurídicas não infirma a classificação dos ilícitos jurídicos exposta no primeiro capítulo deste trabalho. Com efeito, para aqueles que entendem que os ilícitos penais são inaplicáveis às pessoas jurídicas, basta inserir este critério ao classificar os ilícitos jurídicos jurisdicionais, segregando-os em duas primeiras subespécies, o que já apartaria o ilícito penal dos demais (civis, de improbidade administrativa e de anticorrupção). Todavia, como em nosso ordenamento jurídico há lei prevendo a prática de crime por pessoa jurídica e não pretendemos ingressar nesta celeuma, não adotamos o referido critério em nossa classificação.

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2.2.2. Tipo objetivo

2.2.2.1. Aplicação

Conforme assinalamos ao plasmar a definição de ilícito jurídico em sentido estrito,

não se tergiversa acerca da aplicação do princípio da tipicidade, encartado no art. 5º, XXXIX

da Constituição da República, às infrações administrativas. Daí porque José Roberto Pimenta

Oliveira é pedagógico ao afirmar que “o princípio da tipicidade, o qual embora literalmente

atrelado à esfera criminal, tem sua força normativa extensível a toda forma de jus puniendi,

inclusive ao sancionamento administrativo”89.

Há controvérsia, contudo, quanto à intensidade da aplicação desse primado aos

ilícitos administrativos, mormente aqueles inseridos no âmbito da sujeição especial90.

Com efeito, segundo Alejandro Nieto, “En las relaciones básicas son intangibles

tanto los derechos fundamentales como el principio de legalidad; mientras que en las

relaciones de funcionamento se aplicarán con ‘matizaciones’”91, sendo que “El alcance de

estas matizaciones no puede ser señalado de antemano, ya que depende de la intensidad de la

especialidad de la relación y sólo podrá ser fijado de manera casuística”92; e estes matizes

encerram “una exigencia más suave de la regla de la reserva legal y del mandato de

tipificación, permitiendo un margen mayor a la colaboración reglamentaria y a la valoración

de los órganos administrativos”93.

89 Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro, p. 474.

Também nesse sentido é o magistério de Alejandro Nieto: “el principio de legalidad se cristaliza – formalmente – en normas con rango de ley y – materialmente – en contenidos concretos que se denominan tipos de infracciones y sanciones. En definitiva, pues, la doble garantía de la que se hablaba al principio desde otra perspectiva” (Derecho administrativo sancionador, p. 217).

90 Segundo Renato Alessi, estar-se-á diante de uma relação de sujeição especial desde que presentes dois elementos: (i) “el ejercicio de la relación principal exija el que el particular ingrese personalmente en la esfera jurídica y material, o simplemente jurídica, de la Administración, de manera que se haga necesaria una especial disciplina más acentuada (fundada precisamente sobre una situación de sujeción especial del individuo) del comportamiento personal de dicho particular, con el fin de alcanzar un mejor desarrollo de la relación” (Instituciones de Derecho Administrativo, tomo I, p. 227); e (ii) “la insuficiencia del poder de policía, y, más ampliamente, de la normal supremacía de la Administración, para una regulación suficiente del comportamiento personal del sujeto de la relación administrativa” (Ibid., p. 228). Este ilustre mestre, aliás, afasta a necessidade de que as por ele denominadas faltas e sanções disciplinarias, aplicáveis aos indivíduos inseridos em relação de sujeição, estejam previstas em lei, com as seguintes observações: “Lo mismo que las faltas disciplinarias, las sanciones disciplinarias no requieren que estén determinadas por la ley o por el reglamento. No obstante, cuando en una determinada materia el sistema de sanciones esté fijado por la ley, la Administración no tiene potestad de modificarlo o añadir nuevas sanciones. En cambio, cuando falte un sistema de sanciones legalmente establecido, cualquier Administración o Institución puede determinarlo libremente, observando únicamente los principios generales des Derecho” (Ibid., p. 234).

91 Derecho administrativo sancionador, p. 228. 92 Ibid., mesma página. 93 Ibid., mesma página.

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Daniel Ferreira também admite a flexibilização da tipificação formal nas relações de

sujeição especial, assinalando que “o que se exige é a precisa indicação das obrigações e das

proibições, como as que são de cogitar em relação aos licitantes e contratados, e que

necessariamente deverão constar do edital e da minuta do respectivo contrato”94.

Também nesse sentido é o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello, que

assinala que, nas relações de supremacia especial, “o próprio órgão administrativo,

respeitados os condicionamentos dantes expostos, configurará infrações e correlatas

sanções”95.

De outra banda, Heraldo Garcia Vitta possui entendimento mais restritivo,

assinalando que “Será possível a utilização de conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas

gerais, apenas quando houver a impossibilidade de o legislador prever todos os

comportamentos que possam ser sancionados”96, sendo que “somente a lei formal, editada

pelo Legislativo, poderá contê-las, a fim de garantir o mínimo de segurança aos indivíduos

ligados à Administração”97; e “A lei, ao utilizar conceitos abertos ou indeterminados, ou

cláusulas gerais, deverá determinar, taxativamente, as sanções correlatas”98. Também

Manuel Rebollo Puig também admite uma flexibilização da reserva de lei no direito administrativo sancionador, mormente quando se esteja diante de uma relação de sujeição especial. O mesmo se aplica à exigência de tipicidade (El Derecho Administrativo Sancionador. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (coord.). Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo: Obra em Homenagem a Eduardo García de Enterría. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 263-312). Também nesse sentido se posiciona José Bermejo Vera: “Por lo que se refiere a la garantía formal, o ‘perspectiva formal de la garantía’, el rango necesario de las normas tipificadoras de aquellas conductas debe ser de Ley. No obstante, la reserva de Ley no escluye la posibilidad de que las Leyes contengan remisiones a normas reglamentarias, aunque sí que tales remisiones hagan posible una regulación independiente y no claramente subordinada a la Ley, incluso en los supuestos de ‘relación especial de sujeción’ (STC, por todas, 7 de abril de 1987). Por eso señala la legislación que, ‘las disposiciones reglamentarias de desarrollo podrán introducir especificaciones o graduaciones al cuadro de las infracciones por sanciones establecidas legalmente que, sin constituir nuevas infracciones o sanciones, ni alterar la naturaleza o límites de las que la Ley contempla, contribuyan a la más correcta identificación de las conductas o a la precisa determinación de las sanciones correspondientes’ (art. 129.3 LAP)” (La potestad sancionadora de la administración. p. 257).

94 Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 257. 95 Curso de direito administrativo, p. 875.

Maria Sylvia Zanella de Pietro admite um abrandamento ainda maior do princípio da tipicidade, ao assinalar: “não há com relação ao ilícito administrativo, a mesma tipicidade que caracteriza o ilícito penal. A maior parte das infrações não é definida com precisão, limitando-se a lei, em regra, a falar em falta de cumprimento dos deveres, falta de exação no cumprimento do dever, insubordinação grave, procedimento irregular, incontinência pública; poucas são as infrações definidas, como o abandono de cargo ou os ilícitos que correspondem a crimes ou contravenções” (Direito administrativo, p. 496 apud OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas, p. 36). Jessé Torres Pereira Júnior caminha nesse mesmo sentido, inclusive com relação às infrações aplicáveis a licitações e contratos, conforme oportunamente será explicitado (Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, p. 788-789).

96 A sanção no direito administrativo, p. 93. 97 Ibid., mesma página. 98 Ibid., mesma página.

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restritivo é o magistério de Régis Fernandes de Oliveira99, sendo que Eduardo Rocha Dias100 e

Demian Guedes101 vão além e rechaçam a flexibilização em comento.

Por sua vez, Rafael Munhoz de Mello admite que a Administração tipifique as

infrações administrativas no campo das relações de sujeição especial, desde que lei formal lhe

atribua esta competência e preveja as sanções que serão aplicadas àquelas infrações. Daí

porque, segundo esse autor, “a única diferença entre as relações de sujeição geral e as de

sujeição especial diz respeito à hierarquia da norma que tipifica a conduta”102. É dizer, “No

primeiro caso a lei formal deve tipificar previamente, com clareza e precisão, a infração

administrativa. No segundo caso, se assim autorizar a lei, o regulamento deve tipificar

previamente, com clareza e precisão, a infração administrativa”103.

Assim, conforme assinala Alejandro Nieto, “Guste o no guste, el hecho es que

siempre se ha tenido consciencia de que la tipificación no podría ser igual en el derecho

administrativo sancionador que en el derecho penal”104.

E, ao nosso juízo, Rafael Munhoz de Mello é quem melhor giza os contornos da

tipificação das infrações e sanções administrativas, sendo necessário, contudo, um acréscimo

que nos parece imprescindível à sua aplicação.

Com efeito, a despeito da controvérsia acima retratada, que revela a dificuldade em

se estabelecer a extensão dos poderes da Administração nas relações de supremacia especial,

parece-nos que esta distinção ainda é a que melhor justifica a aplicação com matizes do

princípio da tipicidade às infrações e sanções administrativas.

Nessa toada, conforme se depreende do magistério de Celso Antônio Bandeira de

Mello, “é inequivocamente reconhecível a existência de relações específicas intercorrendo

99 Sustenta o ilustre professor: “Em consequência, será manifestamente inconstitucional dispositivo de lei que

delegue previsão de infração ou sanção a texto regulamentar, salvo previsão genérica da hipótese normativa, quando incumbirá à Administração Pública limitar-se na execução do preceito legal. Fora de tal limite, a delegação esbarraria no art. 2º da CF” (Infrações e sanções administrativas, p. 84).

100 “Nos dois primeiros momentos (definição da infração e fixação da sanção) não existe qualquer discricionariedade para a Administração Pública: somente a lei pode criar uma infração e cominar-lhe a respectiva sanção. Somente as infrações previstas como tais pela lei e as sanções nesta expressamente cominadas é que podem ser aplicadas pelo administrador. Tal é a consequência lógica da extensão dos princípios da legalidade e da tipicidade ao sancionamento administrativo, inclusive no âmbito das chamadas relações especiais de sujeição” (Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 69).

101 “Assim, deve ser rejeitada qualquer noção de legalidade branda nas relações de especial sujeição, uma vez que tal entendimento reduz drasticamente as garantias dos particulares e potencializa situações de insegurança jurídica quanto à imposição de sanções sobre cidadãos que, na verdade, já se encontram numa situação de maior fragilidade ou dependência frente ao aparato estatal” (O Estado Democrático de Direito e a reavaliação do ato sancionador. In MEDAUAR, Odete; SCHIRATO, Vitor Rhein (Coord.). Os caminhos do ato administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, p. 285-308).

102 Princípios constitucionais do direito administrativo sancionador, p. 167. 103 Ibid., mesma página. 104 Derecho administrativo sancionador, p. 309.

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entre o Estado e um círculo de pessoas que nelas se inserem, de maneira a compor situação

jurídica muito diversa da que atina à generalidade das pessoas”105, de modo que nestas ou

em muitas destas situações, “seria impossível, impróprio e inadequado que todas as

convenientes disposições a serem expedidas devessem ou mesmo pudessem estar previamente

assentadas em lei e unicamente em lei, com exclusão de qualquer outra fonte normativa”106.

Daí porque estas situações “demandam poderes específicos, exercitáveis, dentro de certos

limites, pela própria Administração”107.

E é inegável que, a depender das características da relação de sujeição especial,

revela-se impossível a tipificação objetiva, pela lei, de todas as infrações necessárias à

disciplina dessa relação.

De outra banda, parece-nos também induvidoso que as infrações e sanções

administrativas não são aplicáveis apenas e tão somente no âmbito de relações de sujeição

especial. É dizer, também nas relações de sujeição geral a Administração possui competência

para impor sanções administrativas em razão da prática de ilícitos também administrativos. E,

nestas hipóteses, em que pese ainda ser admissível algumas distinções (ou matizaciones) em

relação à tipicidade penal (como a tipificação indireta, adiante explicitada, por exemplo),

“cabe unicamente à lei formal inovar a ordem jurídica de modo primário, criando as infrações

e as sanções administrativas, descrevendo hipótese de incidência e mandamento da norma

punitiva”, conforme assinala Rafael Munhoz de Mello108.

É evidente que, também nestas hipóteses, revela-se admissível a edição de

regulamentos, conforme se verificará nos subitens subsequentes. Todavia, neste caso, ao

regulamento é interdito criar de modo inaugural direitos e obrigações, devendo ser expedido

nos estritos limites previstos no art. 84, IV da Constituição da República (ou seja, para fiel

execução da lei)109, a revelar a relevância da segregação das relações de supremacia geral e

especial para a aplicação do primado da tipicidade às infrações e sanções administrativas110.

105 Curso de direito administrativo, p. 849. 106 Ibid., p. 850. 107 Ibid., p. 849-850. 108 Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 156. 109 Daí porque, em que pese o brilhantismo da exposição, preferirmos não adotar a teoria da flexibilização do

princípio da legalidade tanto para as relações de sujeição geral como para aquelas de supremacia especial, conforme procedeu Francisco Zardo, com amparo nas lições Fabrício Motta (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 45). Ao nosso juízo essa flexibilização, ainda que admitida em ambas as hipóteses, se dará em diferentes intensidades, razão pela qual as celeumas envolvendo a segregação das relações entre de supremacia especial e geral não nos parece que serão dirimidas, ao menos no que tange às infrações e sanções administrativas.

110 Nesse sentido, assinala Vera Regina Hippler: “Nas relações de sujeição geral, é a lei que cria a infração e a sanção. O papel do regulamento nestas relações de sujeição geral é desenvolver os conceitos previstos na lei formal, reduzindo o campo da discricionariedade administrativa, se a lei empregou conceitos jurídicos

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Ademais, a posição de Rafael Munhoz de Mello possui a virtude de (i) garantir a

necessária flexibilização do primado da tipicidade para admitir a tipificação das infrações pela

Administração nas relações de sujeição especial, desde que a lei lhe outorgue essa

competência; e, de outra banda, (ii) mitigar esta flexibilização, exigindo a efetiva tipificação

objetiva (ou seja, a descrição clara e precisa da infração), ainda que por meio de regulamento,

bem como que as sanções estejam previstas em lei.

Todavia, parece-nos que não é em toda e qualquer relação de sujeição especial que se

revela aplicável a sobredita flexibilização, ao menos na extensão proposta por Rafael Munhoz

de Mello. Aquela é, para nós, a flexibilização máxima que o primado da tipicidade admite,

que deve ser menor – ou, até mesmo, inexistir – a depender da gravidade das sanções

administrativas que, segundo a lei, podem ser impostas em uma dada relação.

É dizer, ao nosso juízo, a flexibilização do princípio da tipicidade é inversamente

proporcional à intensidade da submissão do particular à Administração, o que, ao menos para

o direito administrativo sancionador, é medido pela gravidade das sanções que podem ser

impostas no âmbito de cada relação de supremacia especial.

Deveras, as sanções administrativas aplicáveis aos inscritos em biblioteca pública,

por exemplo, deverão estar previstas em lei e, provavelmente, não ultrapassarão eventual

multa de baixo valor ou até mesmo a suspensão do direito de alugar livros na hipótese de

atraso reiterado em locações pretéritas. Nesta hipótese, não vislumbramos óbice para que o

legislador outorgue à Administração a competência para tipificar livremente as infrações que

acarretarão a imposição das sobreditas sanções.

Por outro lado, acaso as sanções administrativas previstas em lei sejam mais graves,

indicando, portanto, o aumento do grau de submissão do particular ao Estado, não se pode

admitir a outorga de competência para que a Administração, sem qualquer baliza legal,

preveja as condutas ilícitas sujeitas às aludidas penalidades. É o que, por exemplo, ocorre na

relação de sujeição especial travada entre os servidos públicos federais e a Administração.

Com efeito, o art. 129 da Lei nº 8.112/90 dispõe que a sanção de advertência será

aplicável “nos casos de violação de proibição constante do art. 117, incisos I a VIII e XIX” –

utilizando-se, pois, da tipificação indireta, o que é admissível inclusive nas relações de

supremacia geral –, bem como na hipótese “de inobservância de dever funcional previsto em

lei, regulamentação ou norma interna, que não justifique imposição de penalidade mais

indeterminados ou o de completar a norma punitiva com elemento acessório e secundário que seja necessário para a tipificação do ilícito administrativo, se a lei empregou normas em branco” (Aspectos das relações especiais de sujeição no Direito Administrativo brasileiro, p. 270).

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grave”. Ou seja, por se tratar de uma penalidade menos gravosa, admitiu-se que a tipificação

da infração a ela correlata seja feita por ato infralegal.

De outra banda, as infrações administrativas que poderão acarretar a sanção de

demissão (penalidade mais gravosa que pode ser aplicada no âmbito da relação em comento)

foram todas tipificadas pelo art. 132 do sobredito diploma normativo111, não tendo sido

outorgada competência para que a Administração tipifique outras infrações cuja prática

poderá acarretar a sobredita penalidade.

Logo, para que se identifique a intensidade da aplicação do princípio da tipicidade,

deve-se, primeiramente, verificar se se está diante de uma relação de sujeição geral ou

especial. Isso porque, na primeira hipótese, tanto as infrações como as sanções administrativas

deverão ser tipificadas objetivamente em lei formal, o que, insiste-se, não significa que a

tipificação deverá ocorrer nos mesmos moldes do Direito Penal, conforme será a seguir

explicitado.

Por outro lado, em se tratando de sujeição especial, a sanções administrativas

também devem estar previstas em lei formal. E, quão mais gravosa for a sanção prevista em

lei – o que, ao nosso juízo, mede a intensidade da submissão do particular à Administração –,

menor é a flexibilização do princípio da tipicidade. Em uma só voz: sanções graves impõem

que a tipificação da infração também seja realizada por lei formal112; sanções de média

intensidade admitem uma flexibilização maior, cabendo à lei formal indicar os

comportamentos proibidos e valorá-los, podendo, contudo, outorgar à Administração a

competência para tipificar objetivamente as infrações e as sanções correlatas; e as sanções de

menor gravidade também devem estar previstas em lei, que, todavia, pode admitir a previsão

dos comportamentos proibidos e a tipificação das infrações pela Administração.

111 “Art. 132. A demissão será aplicada nos seguintes casos: I - crime contra a administração pública; II -

abandono de cargo; III - inassiduidade habitual; IV - improbidade administrativa; V - incontinência pública e conduta escandalosa, na repartição; VI - insubordinação grave em serviço; VII - ofensa física, em serviço, a servidor ou a particular, salvo em legítima defesa própria ou de outrem; VIII - aplicação irregular de dinheiros públicos; IX - revelação de segredo do qual se apropriou em razão do cargo; X - lesão aos cofres públicos e dilapidação do patrimônio nacional; XI - corrupção; XII - acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; XIII - transgressão dos incisos IX a XVI do art. 117”.

112 Nesse ponto divergimos de Vera Regina Hippler, que possui um pensamento menos restritivo: “Haverá sempre uma previsão geral estabelecida necessariamente pela lei, e esta poderá habilitar o regulamento a tipificar as infrações – graves, médias e leves – cuja concretude só se justifica por razões técnicas nas especialíssimas características que possuem a convivência num núcleo fechado” (Aspectos das relações especiais de sujeição no Direito Administrativo brasileiro, p. 268). De outra banda, Marçal Justen Filho, a despeito de negar a teoria da sujeição especial, chega à conclusão análoga à nossa: “Quando muito, poder-se-ia admitir normas repressivas ‘em branco’, informadas por conceitos jurídicos indeterminados e tendo em vista o princípio da proporcionalidade. Assim, é válida a previsão de que o descumprimento dos deveres contratuais acarretará sanção de advertência”. Todavia, “À medida que se torna mais grave a sanção, tanto menos cabível se torna a indeterminação das condutas atinentes à ilicitude e ao seu sancionamento” (Comentários à lei de licitações e contratos, p. 1152).

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Registre-se, por fim, que as infrações e sanções impostas na relação de sujeição

especial “debe ser de tal naturaleza como para castigar al individuo no en su calidad de

hombre o de ciudadano, sino solamente en su especial condición de sujeto de la relación

principal a la que el poder disciplinario de une y en tanto tal condición subsista”, conforme

ensina Renato Alessi113. Daí porque o ilustre profesor italiano assinala que “las sanciones más

graves consisten precisamente en la interrupción de la relación principal, con un número

mayor o menos de efectos secundarios”114.

Em vista disso e conforme explicitaremos oportunamente, entendemos que as

sanções de suspensão do direito de licitar e contratar com a Administração e de declaração de

inidoneidade (art. 87, III e IV da Lei nº 8.666/93) extrapolam a relação de sujeição especial

travada entre o contratado e a Administração, razão pela qual as infrações que podem dar

ensejo à sua aplicação devem ser tipificadas por lei formal (seja por não estarem inseridas na

relação de sujeição especial ou, ainda que estivessem, por serem muito gravosas, conforme

acima exposto).

2.2.2.2. Conteúdo

Já afirmamos, com espeque nas lições de Rafael Munhoz de Mello, que “A tipicidade

exige que o comportamento proibido esteja descrito de modo claro e preciso na norma

jurídica, assim como exige precisão e clareza na descrição da sanção a ele correspondente”115.

Régis Fernandes de Oliveira, por sua vez, escora-se na doutrina penal116, dividindo

os elementos do tipo em objetivos, subjetivos e normativos, sendo que “os primeiros dizem

respeito ao lugar, tempo, condições do sujeito e objeto da ação punível”, enquanto que “os

últimos conduzem a um juízo de valor em relação aos pressupostos do injusto típico”117 (estes

113 Instituciones de derecho administrativo, tomo I, p. 234. 114 Ibid., p. 234-235. 115 Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 134. 116 Segundo René Ariel Dotti, os elementos objetivos ou descritivos do tipo são aqueles “que indicam o aspecto

externo do que deve ser o fato punível, i.e., a ação com seu objeto e as circunstâncias acessórias típicas que se realizam objetivamente, e podem ser percebidas pela simples capacidade de conhecimento, sem a necessidade de qualquer recurso de avaliação” (Curso de direito penal – Parte geral, p. 412). Note que o autor aparta os elementos objetivos dos normativos, que são aqueles em que para compreender “o intérprete não pode se limitar a desenvolver uma atividade meramente cognitiva, subsumindo em conceitos o dado natural, mas deve proceder a uma interpretação valorativa” (Ibid., mesma página). O magistério de Damásio de Jesus caminha no mesmo sentido, assinalando que os elementos objetivos do tipo “São os que se referem à materialidade da infração penal, no que concerne à forma de execução, tempo, lugar etc. São também chamados descritivos” (Direito Penal – Parte geral, p. 312). Este autor também distingue os elementos objetivos dos normativos do tipo.

117 Infrações e sanções administrativas, p. 36. Eis os exemplos de elementos normativos dados pelo ilustre professor: “‘sem licença de autoridade competente’, ‘funcionário público’, ‘sem as formalidades legais’,

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elementos serão açambarcados quando tratarmos dos conceitos jurídicos indeterminados).

Por sua vez, Celso Antônio Bandeira de Mello resume a finalidade dessa tipificação,

que permite que “o administrado possa estar perfeitamente ciente da conduta que terá de

evitar ou que terá de praticar para livrar-se da incursão em penalizações e, de outro, para que

dita incursão, quando ocorrente, seja objetivamente reconhecível”118, o que, ademais, afora

representar uma evidente limitação à liberdade da Administração – conforme se verificou no

subitem anterior –, permite que a finalidade preventiva das infrações e sanções

administrativas seja atingida.

Não há, portanto, celeuma quanto ao conteúdo ou finalidade da tipificação objetiva,

sendo importante apenas frisar que esta tipificação não se confunde com aquela usualmente

empregada no Direito Penal, pois é induvidoso que as infrações administrativas admitem a

denominada tipificação indireta, que nada mais é do que (i) a previsão do rol de deveres ou

proibições em um determinado dispositivo; e, de outra banda, (ii) a previsão da infração

consistente na inobservância desses deveres ou proibições em outro preceito119.

2.2.2.3. Conceitos jurídicos indeterminados e normas em branco

É sabido e ressabido que, usualmente, ao descrever a conduta infracional, o tipo

‘decoro’, ‘injusta’ e outras expressões jurídicas ou extrajurídicas que exigem uma compreensão geral do direito ou da realidade social”.

118 Curso de direito administrativo, p. 877. 119 Nessa toada, assinala Rafael Munhoz de Mello: “A aceitação da tipificação indireta das infrações

administrativas representa o reconhecimento das peculiaridades do direito administrativo sancionador em face do direito penal. O direito administrativo não tem por objeto normas que tornem ilícitos comportamentos reputados contrários à ordem social, tipificando-os como crimes. O direito administrativo tem por objeto normas jurídicas que disciplinam o exercício da função administrativa, normas que eventualmente impõem deveres, obrigações, proibições aos particulares, cuja inobservância pode consistir ou não em infração administrativa sujeita à aplicação de sanção, conforme opção do legislador. Nada mais natural, portanto, do que a tipificação da infração ser efetuada de modo indireto, com referência à inobservância dos dispositivos que estabelecem tais deferes e obrigações, de modo distinto do que ocorre no direito penal” (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 144). O autor, contudo, adverte, com inegável acerto, que a legitimidade da tipificação indireta pressupõe que “seja possível identificar a conduta que constitui infração administrativa” (Ibid., mesma página). Daí porque rechaça-se a tipificação global ou residual, “através da qual se pretende tipificar como conduta sujeita à aplicação de sanção administrativa todo e qualquer descumprimento de norma jurídica, sem qualquer especificação” (Ibid., p. 145). Também nesse sentido é o magistério de Alejandro Nieto: “La tipificación del Derecho Administrativo sancionador tiene, como ya sabemos, dos elementos – primero, la descripción de la infracción y, luego, la conminación de la sanción, o sea, una precisión de las consecuencias punitivas de cada una de las infracciones -; pero sucede que con frecuencia presentan las normas una estructura más complicada al descomponer el primer elemento en dos fases: la norma tipificadora en sentido estricto carece de contenido material, tienen un carácter absolutamente genérico, de tal manera que se limita a calificar de infracción el incumplimiento de los mandatos y prohibiciones que aparecen en otra norma, a la que se remite. El tipo, en consecuencia no se realiza a través de una descripción directa sino que surge de la conjunción de dos normas: la que manda o prohíbe y la que advierte que el incumplimiento es infracción” (Derecho administrativo sancionador, p. 298).

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emprega conceitos jurídicos indeterminados. Tratam-se, conforme observa Régis Fernandes

de Oliveira e os penalistas, dos elementos normativos do tipo, que “tornam os tipos mais

abertos, porque reclamam maior alcance da atividade do juiz, que deve buscar em qualquer

ramo do direito, ou fora dele, o sentido impreciso de termos como, por exemplo, ‘grave’”120.

Não vislumbramos nenhum óbice ao emprego desses elementos na descrição da

infração administrativa, desde que, conforme observa Rafael Munhoz de Mello, o tipo

infracional possa “ser compreendido pelos particulares, de modo a que seja possível evitar a

adoção do comportamento proibido”121, sendo, pois, determinável (a despeito de

indeterminado), de modo que sua utilização não represente a “outorga de ampla liberdade

para a Administração Pública na apuração do ilícito”122.

Sem embargo, é inconteste que a utilização de conceitos jurídicos indeterminados

poderá, à luz do caso concreto, conferir à Administração certa margem de liberdade, o que, ao

nosso juízo, outorga-lhe uma competência discricionária.

Com efeito, ciente da controvérsia existente acerca desse tema123, concordamos com

Celso Antônio Bandeira de Mello no sentido de que se, diante de um comportamento de uma

dada pessoa, a Administração decidir, “em entendimento razoável (isto é, comportado pela

situação, ainda que de outra opinião divergente fosse igualmente sustentável)”124, que aquela

conduta se subsume a conceito jurídico indeterminado previsto em um dado tipo infracional,

“não se poderá dizer que violou a lei, que transgrediu o direito”125.

Note que não basta a previsão de conceito vago no tipo para que seja conferida à

Administração competência discricionária. Esta, como é sabido, pressupõe que, à luz do caso

120 OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas, p. 37. 121 Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 141. 122 Ibid., p. 142.

Nesse sentido, o magistério de Edilson Pereira Nobre Júnior é esclarecedor: “Apesar de, nessas plagas, a tese dos conceitos indeterminados ainda não ser acolhida com primazia pela doutrina e jurisprudência, não vislumbramos que o óbice apontado possa, v. g., negar legitimidade à cominação de demissão nas hipóteses de improbidade administrativa e incontinência pública e conduta escandalosa na repartição, contempladas na Lei 8.112/90 (arts. 132, IV e V). Necessário apenas que a autoridade administrativa, ao valorar tais tipos, busque a sua vinculação com o interesse público, contido, tácita ou explicitamente, na norma de Direito” (Sanções administrativas e princípios de direito penal, p. 13).

123 Há aqueles que defendem que, diante de conceitos jurídicos indeterminados, a Administração realiza apenas e tão somente uma atividade de interpretação, não havendo que se falar no exercício de competência discricionária. Daniel Ferreira filia-se a essa corrente: “Logo, não se vislumbra qualquer discricionariedade administrativa na aferição de condutas funcionais como tipicamente reprováveis com fulcro em conceitos indeterminados, vagos, ambíguos ou de valor no curso de uma investigação, o que legitima eventual intervenção do Poder Judiciário quando envolvidas questões como tais” (Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 253-254). Também nesse sentido é o pensamento de Luis Manuel Fonseca Pires (Controle judicial da discricionariedade administrativa, p. 91 e ss.); Francisco Zardo, que se ampara nas lições de Eros Roberto Grau (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 92-95).

124 Discricionariedade e controle judicial, p. 23. 125 Ibid., mesma página.

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concreto, duas ou mais decisões, igualmente sustentáveis, possam ser adotadas. Daí porque,

em muitas das vezes, a despeito do conceito fluido, não haverá margem de liberdade quanto à

subsunção, ou não, do comportamento a esse conceito (o que Fernando Sainz Moreno chamou

de zonas de certeza positiva e negativa126).

Registre-se, contudo, que essa discricionariedade não afasta a possibilidade de

apreciação, pelo Poder Judiciário, da subsunção da conduta concreta com o conceito vago

previsto no tipo, procedida pela Administração127. Deveras, é inconteste que na hipótese de

“litígio sobre a correta subsunção do caso concreto a um suposto legal descrito mediante

conceito indeterminado, caberá ao Judiciário conferir se a Administração, ao aplicar a regra,

se manteve no campo significativo de sua aplicação ou se o desconheceu”, conforme

pedagogicamente assinala Celso Antônio Bandeira de Mello128.

É dizer, submetida eventual controvérsia à sua apreciação, caberá ao Poder Judiciário

(i) afastar a competência discricionária da Administração no caso concreto, ao fundamento de

que as circunstâncias fáticas permitiam somente a fixação de uma definição certa e

determinada ao conceito abstratamente vago, apurando, em vista disso, se o comportamento

praticado subsumia a essa definição; ou (ii) reconhecer que o caso concreto autorizava o

exercício de competência discricionária, competindo-lhe, contudo, apurar se a Administração

não extrapolou a margem de liberdade na fixação do aludido conceito.

Ademais, também não vislumbramos óbice à utilização de normas em branco para a

tipificação das infrações administrativas, sendo arguta e acertada a observação de Edilson

Pereira Nobre Júnior no sentido de que no “Direito Penal comum, onde a reserva legal

constitui valor de importância inexcedível, haja vista encontrar-se em jogo o jus libertatis, não

se tem reputado inconstitucionais as prescrições retratadoras de normas penais em branco”.129

Aliás, a noção de norma em branco é oriunda da doutrina penal, segundo a qual “As

normas penais em branco são, portanto, as de conteúdo incompleto, vago, exigindo

complementação por outra norma jurídica (lei, decreto, regulamento, portaria etc.) para que

possam ser aplicadas ao fato concreto”, conforme assinalam Julio Fabbrini Mirabete e Renato

126 Conceptos jurídicos, interpretación e discrecionalidad administrativa. Madri: Civitas, 4ª ed., 1976, p. 70-71

apud BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 1002. 127 Note que essa subsunção é o que a doutrina penal denomina de tipicidade, que também figura como elemento

do fato típico. Com efeito, Zaffaroni assim define a tipicidade: “é a averiguação que sobre uma conduta se efetua para saber se apresenta os caracteres imaginados pelo legislador” (ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Tratado de derecho penal – Parte general. Buenos Aires: Ediar, vol. II, 1981, p. 172 apud DOTTI, René Ariel. Curso de direito penal – Parte geral, p. 410).

128 Discricionariedade e controle judicial, p. 24. 129 Sanções administrativas e princípios de direito penal, p. 11.

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N. Fabbrini130.

E esta complementação, também no direito administrativo sancionador -

evidentemente -, pode ser realizada pela Administração, por meio de ato infralegal, portanto

(este, aliás, é o mote de se utilizar norma em branco para a tipificação de infrações

administrativas).

Registre-se, contudo, que as normas em branco não se confundem com a já referida

tipificação indireta, em que (i) o rol de deveres ou proibições está previsto em um

determinado preceito legal; e, de outra banda, (ii) a infração consistente na inobservância

desses deveres ou proibições está disposta em outro preceptivo, também de lei formal.

É dizer, a eventual complementação de norma em branco por regulamento deve ser

restrita aos elementos acessórios da infração, e não à tipificação do comportamento proibido,

que deve estar previsto na lei formal. Daí porque acerta Rafael Munhoz de Mello ao assinalar

que “o regulamento não vai criar a proibição, descrevendo uma infração administrativa; a

proibição está já na lei formal, devendo apenas ser complementada pelo regulamento em

algum aspecto acessório”.131

Por fim, note que a norma em branco obrigatoriamente exige a complementação por

outra norma para que ela possa ser aplicada, o que a difere dos tipos que possuem conceitos

jurídicos indeterminados, mas que não necessariamente necessitam de complementação para a

sua aplicação. Nada impede que também nestas hipóteses sobrevenha norma regulamentar

delimitando os confins do conceito vago (o que inclusive se mostra mais satisfativo ao

interesse público), mas esta complementação não é pressuposto para a aplicação da norma.

2.2.3. Tipo subjetivo

Ao definir, no capítulo anterior, o que chamamos de ilícito jurídico em sentido estrito

- gênero do qual a infração administrativa é espécie -, declinamos os fundamentos e as razões

pelas quais entendemos que o dolo e a culpa são elementos do fato típico destes ilícitos

(elementos subjetivos)132. Também já apartamos estes elementos da noção de voluntariedade,

declinando suas definições133.

130 Manual de direito penal, vol. I, p. 31. 131 Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 148. 132 Vide capítulo 1, item 1.2. 133 Vide capítulo 2, subitem 2.2.1.

Para fins didáticos, declina-se novamente as definições de dolo e culpa: (i) consciência e vontade de produzir o resultado oriundo do comportamento típico e antijurídico (dolo direito), ou, mesmo não o querendo, por força da assunção do risco de produzi-lo (dolo eventual); e (ii) prática do comportamento típico sem pretender ou assumir o risco de produção do resultado, que é atingido porque o agente atuou com

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Além disso, revelamos as formas mediante as quais as pessoas jurídicas incorrem na

prática da infração administrativa (por comissão, omissão própria ou omissão imprópria)134. E

ciente de que com isso já fixamos as balizas necessárias (às quais fazemos remissão),

ingressemos em tema que também é bastante controverso135, qual seja: a aferição do elemento

subjetivo nas sobreditas infrações, imputadas às pessoas jurídicas. Há, como era de se esperar,

posições divergentes na doutrina.

Com efeito, Alejandro Nieto afasta a exigência do elemento subjetivo para toda e

qualquer infração imputada à pessoa jurídica (inclusive eventual dolo ou culpa do agente que

incorreu na conduta), hipótese em que esta responde objetivamente por qualquer ilícito

administrativo praticado pelos seus colaboradores. Foi esta, acredita-se, a pretensão do art. 2º

da Lei anticorrupção (Lei 12.846/2013), ao dispor que “As pessoas jurídicas serão

responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos

previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não”136.

Por sua vez, há aqueles que afastam a possibilidade de apuração do elemento

subjetivo com relação à pessoa jurídica também em toda e qualquer infração administrativa,

porém exigem a sua presença com relação ao colaborador que praticou o comportamento

tipificado objetivamente137.

Já Fábio Medina Osório cogita em uma “culpabilidade” (na acepção da teoria

clássica da conduta) distinta para as pessoas jurídicas, assinalando que “Pode-se sinalizar que

a culpabilidade das pessoas jurídicas remete à evitabilidade do fato e aos deveres de cuidado

negligência, imperícia ou imprudência (culpa). 134 Vide subitem 2.2.1. 135 Tanto mais isso é verdade que Alejandro Nieto introduziu este tema em sua brilhante obra com o seguinte

título: “La prueba de fogo: el caso de las personas jurídicas” (Derecho administrativo sancionador, p. 352). 136 Assinala Alejandro Nieto: “En mi opinión, la teoría de la imputación es igualmente aplicable a la

responsabilidad por ilícitos administrativos y en los mismos términos que opera en el ámbito de las responsabilidad civil de las Administraciones Públicas con la única diferencia de la exclusión de la responsabilidad concurrente. El responsable ha de ser único en todo caso y será la persona jurídica si es que se ha beneficiado de los efectos favorables del hecho, independientemente de que la persona física haya actuado con órdenes expresas o sin ella”. E conclui: “Pero más injusto sería aún, para la Administración y para el resto de los ciudadanos, desvincular a la persona jurídica de los actos de sus miembros u obligar a la otra parte, en una relación pública o privada, a demostrar que la actuación de la persona física en el caso concreto expresaba la voluntad societária” (Derecho administrativo sancionador, p. 360-361).

137 Nesse sentido, assinala Rafael Munhoz de Mello que “Se não têm vontade e consciência próprias, não se aplicam às pessoas jurídicas os conceitos de dolo e culpa” (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 208). Porém, “para que seja observado o princípio da culpabilidade, há que se investigar se a atuação das pessoas físicas que integram a pessoa jurídica é dolosa ou culposa” (Ob. Cit., p. 209). Também nesse sentido é o magistério de Heraldo Garcia Vitta: “Diante de tantos argumentos, em prol da responsabilidade das pessoas jurídicas, concluímos: podem ser-lhes imputadas penas administrativas, uma vez presentes o dolo, ou a culpa, como pressupostos subjetivos do ilícito, praticado por pessoa física, como preposta, representante, ou outra denominação qualquer que se deseje rotulá-la, desde que tenha agido em benefício do ente coletivo, exprimindo a ‘vontade’ da pessoa jurídica” (A sanção no direito administrativo, p. 52).

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objetivos que se apresentam encadeados na relação causal”138, posição que se assemelha à de

Eduardo Fortunato Bim, que sustenta que a culpa requer a resposta à seguinte questão:

“tomou a pessoa jurídica todos os deveres de cuidado exigidos pelo estado da técnica e/ou

pelas normas regulamentares? Se tiver tomado não existe culpa e consequentemente sanção

administrativa”139. Também Régis Fernandes de Oliveira, ainda que em sentido diverso,

aparenta apresentar uma “culpabilidade” distinta para as pessoas jurídicas140.

Por fim, há aqueles autores, com os quais concordamos, que defendem que o

elemento subjetivo não pode ser valorado de uma mesma maneira em toda e qualquer infração

administrativa imputada às pessoas jurídicas141. Em que pese isto trazer dificuldades quanto à

sua aplicação, há que se fazer indispensáveis distinções, sob pena de se fazer tábula rasa do

elemento subjetivo do tipo (e, com isso, afrontar o primado da proporcionalidade).

Com efeito, assinalamos que a pessoa jurídica pode incorrer na prática das infrações

administrativas de duas maneiras: (i) praticando, dolosa ou culposamente, o comportamento

previsto no tipo comissivo ou omissivo próprio (quando a ação ou omissão – insiste-se,

própria - representa a vontade da pessoa jurídica); ou (ii) omitindo-se com relação ao dever

jurídico de adotar os mecanismos para prevenir a prática da infração por seu preposto, que a

praticara contra a sua vontade, desde que esta conduta ilícita, ao menos em tese, possa lhe

trazer vantagem ou benefício.

Verificou-se que estar-se-á diante da primeira hipótese quando o comportamento

típico comissivo ou omissivo for praticado (i.1) diretamente pelos administradores ou

representantes legais da pessoa jurídica, dentro dos limites de suas atribuições; ou (i.2) por

um preposto (com subordinação ou parassubordinação), sem poderes de representação,

138 Direito administrativo sancionador, p. 470. 139 O mito da responsabilidade objetiva no direito ambiental sancionador. Doutrinas Essenciais de Direito

Ambiental. São Paulo: RT, v. 5, p. 807. Note, aliás, que esta hipótese se assemelha àquela que, para nós, nos ilícitos omissivos impróprios, caracteriza o dever jurídico da pessoa jurídica com relação aos seus funcionários, o que acarreta a ausência de nexo de causalidade (e não ausência do elemento subjetivo).

140 “Vale ressaltar que a existência de culpabilidade é uma exigência inarredável para as infrações cometidas por pessoas físicas, ou mesmo jurídicas, decorrente da fórmula substancial do devido processo legal e da necessária proporcionalidade das infrações e das sanções. É imprescindível uma análise da subjetividade do autor do fato ilícito, quando se trate de pessoa humana, e da exigibilidade de conduta diversa, além da intencionalidade perceptível ou previsibilidade do resultado danoso, quando se trate de pessoa jurídica” (Infrações e sanções administrativas, p. 41).

141 Nesse sentido, assinala Francisco Zardo: “As condutas de uma empresa que cometeu uma infração pela imprudência de um funcionário e a de outra que, por uma deliberação colegiada, decidiu conscientemente praticar um ilícito não podem ser valoradas do mesmo modo. A violação do dever de cuidado da pessoa jurídica é relevante, assim como também o é o elemento subjetivo que animou a conduta de seus representantes ou empregados” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 111). Também nesse sentido caminha o magistério de Ángeles de Palma del Teso (El principio de culpabilidade en el derecho administrativo sancionador, p. 202 apud ZARDO, Francisco. Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 112).

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atendendo a decisão da pessoa jurídica.

Nestes casos, conforme anota Francisco Zardo142, a vontade manifestada pelos

sobreditos agentes representa a vontade do próprio ente coletivo, razão pela qual deve ser

apurado o dolo ou a culpa desses agentes na prática do comportamento ilícito (à luz, portanto,

do entendimento de Rafael Munhoz de Mello e Heraldo Garcia Vitta).

De outra banda, estar-se-á diante da segunda hipótese quando o comportamento

tipificado objetivamente for praticado pelos seus colaboradores (administradores, representes

legais ou prepostos) extrapolando os limites de suas atribuições e/ou à margem de ordem da

pessoa jurídica, desde que esta conduta possa trazer benefício ou vantagem ao ente coletivo e

este não tenha cumprido o seu dever jurídico de adotar as medidas que devia e podia para

prevenir a prática da infração.

Neste caso, como a vontade do agente que praticou a conduta típica não representa a

vontade da pessoa jurídica, o animus daquele agente não se presta à aferição do elemento

subjetivo da conduta omissiva do ente coletivo. Todavia, deve-se apurar, além do

descumprimento do dever jurídico, se o resultado foi produzido, nos ilícitos materiais, em

razão da conduta daquele agente; ou se ocorreu a consumação do comportamento ilícito

formal ou de mera conduta. E para que se faça esta apuração deve-se identificar o elemento

subjetivo do agente, mormente se se estiver diante de tipo infracional que pressuponha o dolo

(tal como se verifica, por exemplo, nos ilícitos administrativos previstos na Lei

anticorrupção).

Sem prejuízo disso, não se revela cabível, portanto, a apuração de dolo ou culpa no

descumprimento do dever jurídico pela pessoa jurídica, que, por presunção absoluta, terá

agido ao menos com negligência, imperícia ou imprudência, sob pena de a apuração do

elemento subjetivo regressar ao infinito143. Tanto mais isso é verdade que, recorde-se, o

cumprimento do aludido dever jurídico, pela pessoa jurídica, afasta o nexo de causalidade,

não sendo, hipótese, pois, de ausência de dolo ou culpa144.

E, conforme assinalamos anteriormente, a norma prevista no art. 7º, VIII da Lei

anticorrupção deve ser interpretada conforme a Constituição da República (à luz do primado

142 Ob. cit., p. 112. 143 Ter-se-ia que identificar se a pessoa natural que deixou de cumprir esse dever o fez fora ou dentro de suas

atribuições e, acaso tenha extrapolado essa atribuição, a pessoa jurídica descurou do seu dever, e assim por diante.

144 Neste ponto discordamos de Francisco Zardo e Ángeles de Palma del Teso, que entendem que a não adoção das “medidas de precaução necessárias para evitar a comissão das ações constitutivas de infração” caracterizam o dolo ou a culpa da pessoa jurídica (El principio de culpabilidade en el derecho administrativo sancionador, p. 202 apud ZARDO, Francisco. Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 112).

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da adequação), declarando-se que ela não encerra apenas um elemento de dosimetria da

sanção. Essa norma previu, objetivamente – mormente após a edição do regulamento -, o

dever jurídico (com os critérios para a aferição do seu adimplemento) cujo (i)

descumprimento autoriza a imputação à pessoa jurídica da conduta prevista nos tipos dos

ilícitos administrativos aplicáveis a licitações e contratos aqui investigados, desde que possa

lhe trazer benefício ou vantagem; e, de outra banda, (ii) cujo cumprimento afasta a

possibilidade de lhe ser imputada estas infrações, quando praticadas por seus funcionários, a

seu desmando145.

Por fim, ainda que nesta hipótese não se afigure necessário a apuração da presença de

dolo ou culpa (pois, insiste-se, o tema se resolve no nexo de causalidade), parece-nos que os

arts. 1º e 2º da Lei anticorrupção também devem ser interpretados conforme a Constituição da

República, para que se sufrague a aludida interpretação quanto à necessidade de (i) se

distinguir os comportamentos que representam a vontade da pessoa jurídica daqueles que não

representam; e (ii) a conduta do preposto, nesta segunda hipótese, ter o condão de trazer

vantagem ou benefício à pessoa jurídica.

E, para afastar qualquer espécie de dúvida nesse sentido, registre-se que não nos

parece cabível fundar a pretensa responsabilidade objetiva da pessoa jurídica, quanto às

infrações e sanções administrativas, nos arts. 927, 931 e 932 do Código Civil146. Estas normas

disciplinam a reparação de dano, cujo regime, inclusive à luz da Constituição da República, é

flagrantemente distinto, conforme restou demonstrado147.

2.2.4 Resultado

Este subitem se resume à resposta à seguinte indagação: há infração administrativa

sem resultado? Entendemos que não. 145 Vide subitem 2.2.1. 146 “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem”. “Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”. “Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos”.

147 Vide subitens 1.2. e 1.3.

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Isso porque, conforme assinalamos ao definir o ilícito jurídico em sentido estrito148, o

resultado é a lesão ou o perigo de lesão ao bem juridicamente protegido pela norma que

tipifica a infração administrativa e lhe imputa uma sanção. É dizer, o resultado, ao menos para

a corrente que adotamos (denominados pelos penalistas de normativistas), não requer a

produção de uma consequência naturalística, ainda que em algumas infrações isto possa se

dar.

Logo, revela-se integralmente aplicável às infrações administrativas o magistério de

Nelson Hungria, de modo que, assim como todo o crime, também toda a infração

administrativa “produz um dano (real, efetivo), ou um perigo de dano (relevante possibilidade

de dano, dano potencial), isto é, cria uma alteração do mundo externo que afeta a existência

ou a segurança do bem ou interesse que a lei protege”149. Daí porque não há infração

administrativa sem resultado, ainda que este seja cronologicamente coincidente e se confunda

com a prática do comportamento típico.

Aliás, é isto que em regra ocorre nas infrações administrativas, conforme observa

Régis Fernandes de Oliveira: “Os tipos administrativo-penais não são (e não têm razão de ser)

tipos de dano ou de perigo concreto. Neles, presume-se o perigo até prova em contrário e, por

isso, são tipos de perigo abstrato”150 (ou de mera conduta, segundo a conhecida classificação

dos ilícitos também com relação ao resultado, que conta com outras duas categorias: materiais

e formais).

Daí porque é comum, diante da prática de um comportamento previsto em um tipo

infracional administrativo, sequer indagamos se ocorreu a produção do resultado. Em regra, a

prática da conduta ilícita já acarreta o perigo de lesão ao bem jurídico protegido, ainda que

este cenário seja distinto nas infrações previstas na Lei anticorrupção, conforme se verificará.

Sem embargo, não podem ser afastadas as hipóteses em que esse perigo de lesão se

revela tão ínfimo a ponto de atrair a aplicação do princípio da insignificância. Nesta hipótese,

a conduta será atípica, eis que um dos seus elementos – resultado – não terá ocorrido na

intensidade necessária à sua eclosão, à luz dos primados da razoabilidade e

148 Vide nota de rodapé nº 21, p. 11. 149 HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal, Rio de Janeiro: Forense, 5ª ed., 1977, vol. 1, t. 2, p. 13

apud JESUS, Damásio de. Direito Penal – Parte Geral, p. 284. 150 Infrações e sanções administrativas, p. 39.

Vai além o ilustre professor: “Tipos de perigo, por outro lado, só exigem que a conduta tenha gerado perigo para o bem juridicamente protegido. Esse é o caso da maioria dos tipos administrativo-penais, como as infrações por dirigir acima da velocidade, sem habilitação, entregar a direção a quem não tenha condições de dirigir. Tal sorte de tipo penal também é classificada em perigo concreto e abstrato, considerado aquele como um perigo de causar dano entendido no seu sentido clássico, e este com relação à conduta perigosa em si, ou seja, o perigo de se causar perigo ao bem juridicamente protegido” (Ibid., mesma página).

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proporcionalidade151.

2.2.5. Nexo de causalidade

O tema do nexo de causalidade é, sabidamente, bastante complexo152, razão pela qual

não possuímos a pretensão de esgotá-lo. Para fins do presente estudo, pretendemos apenas

delimitar a sua definição, indicando o modo como este elemento está presente nos delitos

comissivos e omissivos próprios e impróprios (sem nos debruçarmos, portanto, sobre as

diversas teorias que procuram delimitar os confins desse elemento do fato típico).

Nessa toada, René Ariel Dotti define o nexo (ou a relação) de causalidade como “o

vínculo entre a conduta e o resultado (evento)”153, a partir do qual “é possível identificar se a

ação ou omissão do agente foi causa do resultado”154.

No que tange às infrações comissivas, não há qualquer espécie de dúvida quanto à

necessidade de uma relação de causalidade entre o comportamento e o resultado, de modo a

apurar se aquele é a causa deste.

Com relação aos ilícitos omissivos próprios - cujo comportamento tipificado

objetivamente é negativo -, também entendemos que é possível identificar o nexo de

causalidade, ainda que este não seja físico155. Basta apurar se a adoção do comportamento

omissivo tipificado como infração é a causa do resultado.

E nas infrações omissivas impróprias cabe uma vez mais a arguta observação de

René Ariel Dotti, no sentido de que, nestas hipóteses, “a causalidade não é factual, porém

jurídica, consistente em não haver o omitente atuado como devia e podia atuar para evitar o

151 Nesse sentido, assinala José Roberto Pimenta de Oliveira: “A irrelevância ou insignificância de determinada

conduta deve ser aferida à luz da importância do bem jurídico atingido, bem como do grau de intensidade ou extensão da lesão produzida. A afetação ínfima provocada pela ofensa descriminaliza o comportamento ilícito” (Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no Direito administrativo brasileiro, p. 492). Por sua vez, Daniel Ferreira giza com inegável proficiência os contornos do princípio da insignificância: “Primeira: quando houver cunho fortemente ético (e pessoal, individualizado) na reprovação jurídica, mostra-se possível a invocação e aplicação – desde que primário o infrator. Segunda: quando a reprovação for ético-socialmente neutra – oportunidade em que se abrem, aparentemente, duas frentes: ([i] se houver risco coletivo [ainda que presumido], por conta da infração, e numa sociedade de riscos [portanto, preocupada com o meio ambiente, o trânsito, etc.], não haverá espaço para mitigação da tipicidade; afinal, [ii] quando a obrigação ou proibição puder ser examinada do ponto de vista de total ou parcial adimplemento), a aplicação do princípio será tanto mais plausível quanto mais estiver a conduta sub examen aproximada da legal determinação” (Teoria geral da infração administrativa após a Constituição Federal de 1988, p. 263).

152 Ricardo Marcondes Martins (Efeitos dos vícios dos atos administrativos, p. 562-568) e Maurício Zockun (Responsabilidade patrimonial do Estado, p. 26) chamam a atenção para a complexidade deste tema.

153 Curso de direito penal – Parte geral, p. 423. 154 Ibid., mesma página. 155 Nesse sentido, assinala René Ariel Dotti: “Não existe uma causalidade física na omissão. Em tal sentido, a

doutrina é muito clara: ‘a omissão só é causal de um ponto de vista jurídico: o Direito comanda a ação que, omitida, produz o resultado. O agente não produz o resultado com a omissão, apenas não pratica a ação a que estava obrigado e que o evitaria (MACHADO, Direito Criminal, p. 115)” (Curso de Direito Penal, p. 404).

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resultado”. Daí porque assinalamos anteriormente que, adimplido o dever jurídico nas

infrações omissivas impróprias (o que açambarca o dever jurídico de as pessoas jurídicas

adotar as medidas de compliance para prevenir, corrigir e reprimir a prática de infrações pelos

seus funcionários), não há nexo de causalidade entre a conduta do garantidor e o ilícito

eventualmente cometido.

2.3. Antijuridicidade

Também ao definir, no capítulo anterior, o ilícito jurídico em sentido estrito, gizamos

o conceito de antijuricidade.

Daí porque, para preservar o leitor e evitar repetições desnecessárias, faz-se remissão

às nossas considerações constantes do item 1.2 do primeiro capítulo, passando-se de imediato

ao próximo item, onde investigaremos o conteúdo e aplicação da antijuridicidade, que se dá

por meio das hipóteses excludentes da ilicitude.

2.3.1. Excludentes da ilicitude

Admitimos, em consonância com a parcela majoritária da doutrina156, a aplicação ao

direito administrativo sancionador das causas excludentes de ilicitude previstas no art. 23 do

Código Penal e no art. 188 do Código Civil (estado de necessidade, legítima defesa, estrito

cumprimento do dever legal e exercício regular do direito), sem prejuízo de outras hipóteses

que, a despeito de não terem sido expressamente alçadas pela lei à condição de excludentes da

antijuridicidade, acarretem esta consequência em razão dos primados da razoabilidade e da

156 Nessa toada: BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 874. VITTA,

Heraldo Garcia. A sanção no direito administrativo, p. 56; MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 150; OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas, p. 32; FERREIRA, Daniel. Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 287; OLIVEIRA, José Roberto Pimenta. Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro, p. 488; PUIG, Manuel Rebollo. El Derecho Administrativo Sancionador. In: MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo (coord.). Uma Avaliação das Tendências Contemporâneas do Direito Administrativo: Obra em Homenagem a Eduardo García de Enterría, p. 283. Fabio Medina Osorio, por sua vez, possui entendimento mais restritivo: “Cabe enfatizar que são raras as causas de justificação de um comportamento formalmente típico no Direito Administrativo Sancionador. Necessária uma interpretação restritiva nesse terreno, dada a especial prevalência do princípio da legalidade. Uma conduta reconhecida como ilegal e formalmente enquadrada em um tipo proibitivo dificilmente terá uma justificação, porque o Direito Administrativo não admite a maioria das conhecidas figuras do Direito Penal, v.g., legítima defesa ou consentimento do ofendido, notadamente em matéria de ilícitos contra a Administração Pública. Todavia, não se pode descartar a possibilidade de que o legislador contemple previsões de causas justificadoras” (Direito administrativo sancionador, p. 326).

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proporcionalidade157 (tratam-se das denominadas causas supralegais158).

Os conteúdos do estado de necessidade e da legitima defesa estão bem definidos

pelos arts. 24 e 25 do Código Penal, que dispõem, respectivamente, que “Considera-se em

estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por

sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas

circunstâncias, não era razoável exigir-se”; e “Entende-se em legítima defesa quem, usando

moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito

seu ou de outrem”.

Não há dúvida de que é difícil vislumbrar a aplicação, in concreto, destas causas

excludentes de ilicitude às infrações administrativas aplicáveis às licitações e contratos159. O

mesmo, contudo, não se verifica com relação ao exercício regular de um direito e ao estrito

cumprimento de um dever legal.

Com efeito, não incorrerá nos ilícitos previstos nos arts. 86 e 87 da Lei n. 8.666/93

(atraso ou inexecução do contrato) o contratado que suspende a execução de contrato

administrativo em razão do atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela

Administração decorrentes da parcela já executada. O contratado, nesta hipótese, estará

exercendo regularmente o direito de suspender o cumprimento de suas obrigações, nos termos

do art. 78, XV da Lei 8.666/93160.

157 Nesse sentido, assinala Daniel Ferreira ao se referir ao o que ele denomina de causas de justificação: “Tais

causas nada mais fazem do que esboçar obviedades, porque disciplinam a interpretação e aplicação do direito a partir dos primados da razoabilidade e da proporcionalidade, com todas as nuanças referidas no introito desse escrito, porque calçadas na ‘ideia-matriz de ‘impossibilidade de se atuar conforme o direito’” (Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 287). Também para José Roberto Pimenta Oliveira o reconhecimento dessas causas decorre do primado da razoabilidade: “Interferindo na tipificação do ilícito administrativo, de modo a demandar sua verificação in concreto nos limites da configuração tipológica da norma sancionadora, a exigência de idoneidade ainda se desdobra no dever de reconhecer as denominadas causas de exclusão da tipicidade, bem como as causas de exclusão de antijuridicidade, as quais devem ser objeto de averiguação administrativa, para o fim de não se produzir uma sanção manifestamente inidônea nestas situações em que há a desconfiguração do ilícito administrativo” (Os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade no direito administrativo brasileiro, p. 488).

158 Segundo Régis Fernandes de Oliveira, “A descriminante pode ser aceita, em benefício do infrator, ainda que proveniente de causa supralegal, sem desprestígio ao princípio da segurança jurídica, se o julgador do auto de infração fundamentar a sua decisão no art. 4º da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – atual denominação da Lei de Introdução ao Código Civil), reconhecendo que ‘o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito’” (Infrações e sanções administrativas, p. 32).

159 Sem embargo, a doutrina aponta exemplos de aplicação destas causas ao direito administrativo sancionador. Nessa toada, Daniel Ferreira aponta que estaria atuando em legítima defesa o “enfermeiro que, se defendendo de paciente enlouquecido que tenta perfurá-lo com bisturi, empurra-o, fazendo com que este venha a cair e, por conta disto, falecer” (Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 289). E seria afastado a ilicitude pelo estado de necessidade “quando um motorista – sozinho e sentindo-se enfartando – excede a velocidade máxima permitida num trecho até rapidamente se aproximar e se ver atendido num hospital” (Ibid., p. 290).

160 “Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: (...) XV – o atraso superior a 90 (noventa) dias dos

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O mesmo se verifica com relação aos licitantes convocados nos termos do art. 64, §2º

da Lei n. 8.666/93161, que não aceitam “a contratação, nas mesmas condições propostas pelo

primeiro adjudicatário, inclusive quanto ao prazo e preço” (art. 81, parágrafo único da Lei n.

8.666/93). Neste caso não restará configurada a conduta consistente na “recusa injustificada

do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do

prazo estabelecido pela Administração” (art. 81, caput do supracitado diploma normativo).

De outra banda, atuará no estrito cumprimento de dever legal o licitante que se

recusa a assinar contrato, por lhe ter sido imposta, após a adjudicação do objeto, as sanções de

impedimento de contratar ou de declaração de inidoneidade162.

Registre-se, de antemão, que o emprego do vocábulo “injustificado (a)” nos arts. 81

(“recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato”) e 86 (“atraso injustificado na

execução do contrato”) da Lei 8.666/93 revela-se despiciendo, não sendo esta uma

característica ou elemento definidor da conduta infracional163. Isso porque,

independentemente de previsão no tipo, a prática justificada de uma conduta típica afasta a

ilicitude desse comportamento.

É dizer, a configuração de todo e qualquer ilícito jurídico em sentido estrito depende

da prática injustificada do comportamento típico, o que não se verificará acaso esteja presente

causa excludente da ilicitude (aliás, verificou-se que Daniel Ferreira chama estas hipóteses de

causas de justificação).

Daí porque, ao nosso juízo, não há nenhuma distinção entre (i) as condutas ilícitas

previstas nos arts. 81 e 86 da Lei n. 8.666/93; e (ii) os comportamentos infracionais previstos

no art. 7º da Lei n. 10.520/02164 e no art. 47, I e III da Lei n. 12.462/11165, consistente em

pagamentos devidos pela Administração decorrentes de obras, serviços ou fornecimento, ou parcelas destes, já recebidos ou executados, salvo em caso de calamidade pública, grave perturbação da ordem interna ou guerra, assegurado ao contratado o direito de optar pela suspensão do cumprimento de suas obrigações até que seja normalizada a situação”.

161 “Art. 64, §2º - É facultado à Administração, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos, convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para fazê-lo em igual prazo e nas mesmas condições propostas pelo primeiro classificado, inclusive quanto aos preços atualizados de conformidade com o ato convocatório, ou revogar a licitação independentemente da cominação prevista no art. 81 desta Lei”.

162 Francisco Zardo comunga desse mesmo pensamento (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 119).

163 Régis Fernandes de Oliveira aponta este vocábulo como um elemento normativo do tipo Infrações e sanções administrativas, p. 36). Se o considerarmos como elemento, realmente se tratará de um elemento normativo, por se tratar de um conceito jurídico indeterminado.

164 O art. 7º da Lei n. 10.520/02 não empregou o vocábulo “injustificado (a)”: “Art. 7º. Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado

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“não celebrar o contrato” e “ensejar o retardamento da execução de seu objeto”. Isto é, tendo,

ou não, sido empregado na descrição do tipo o vocábulo “injustificado (a)”, as causas de

justificação – legais e supralegais – afastam a ilicitude destes comportamentos.

Por fim, há uma hipótese que, segundo Alejandro Nieto, exclui a culpabilidade

(empregada pelo ilustre autor em sua visão clássica, ou seja, como excludente do dolo ou

culpa), que, ao nosso juízo, aproxima-se mais a uma causa excludente da ilicitude. Trata-se da

confiança legítima, que merece o destaque em um subitem apartado.

2.3.1.1. Consentimento do ofendido X Proteção da confiança legítima

Concordamos com Francisco Zardo no sentido de que “é difícil imaginar uma

hipótese em que a Administração Pública possa consentir pura e simplesmente com a ofensa a

um bem jurídico tutelado por um tipo, que geralmente está relacionado a um interesse

coletivo”166.

Daí porque a Administração não possui competência para dispor, ao menos nesta

forma e magnitude, sobre o bem jurídico tutelado pelas infrações administrativas, inclusive

aquelas aplicáveis às licitações e contratos administrativos167. Aliás, o ofendido, mediato ou

material, é a coletividade, sendo interdito à lei a outorga de competência para que o Estado

(ofendido imediato ou formal, a quem incumbe tutelar o bem jurídico em nome da

coletividade), no exercício da função administrativa (por meio da Administração, portanto),

no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais”.

165 Já o inciso III do art. 47 da Lei 12.462/11 o empregou, porém o inciso I não o fez: “Art. 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que: I - convocado dentro do prazo de validade da sua proposta não celebrar o contrato, inclusive nas hipóteses previstas no parágrafo único do art. 40 e no art. 41 desta Lei; (...) III - ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado”.

166 Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 116. 167 O magistério de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini é pedagógico ao delimitar o conteúdo e a

aplicação desse instituto ao direito penal: “O problema do consentimento do ofendido, na prática do fato típico, não é solucionado expressamente em nossa lei. Parte da doutrina o considera como causa supralegal de exclusão da ilicitude. Segundo o art. 50 do Código Penal italiano, ‘não é punível quem lesa ou põe em perigo um direito, com o consentimento da pessoa que desse direito pode validamente dispor’. Reconhece-se, portanto, a existência de bens indisponíveis, aquele em cuja conservação há interesse coletivo, do Estado (vida, integridade corporal, família, regularidade da Administração Pública etc.), e disponíveis, exclusivamente de interesse privado (patrimônio, honra etc.). Atingidos estes últimos, pode não haver crime, por exclusão do tipo (inexiste violação de domicílio quando o morador acaba consentindo na entrada ou permanência do sujeito; não há estelionato quando o agente, ciente da fraude, entrega seu bem jurídico ao que o tenta ludibriar etc.), ou por exclusão da antijuridicidade (a injúria e a difamação aceitas pela vítima, embora figuras típicas, não são antijurídicas). A orientação é válida para o direito pátrio (...)”(Manual de direito penal, vol. I, p. 188-189).

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consinta com a prática do comportamento ilícito.

Ora, autorizar que a Administração consinta pura e simplesmente com a lesão a um

bem jurídico tutelado pelo tipo infracional é o mesmo que admitir que ela disponha do

interesse público e, como se isso não bastasse, escolha, a seu bel prazer, quem será

sancionado168.

Aliás, o art. 27 da Lei anticorrupção (Lei 12.846/13) rechaça expressamente essa

possibilidade, ao dispor que “A autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações

previstas nesta Lei, não adotar providências para a apuração dos fatos será responsabilizada

penal, civil e administrativamente nos termos da legislação específica aplicável”.

Logo, mesmo nas hipóteses em que, ciente da prática de um comportamento ilícito, a

Administração se queda inerte ou se manifesta pela ausência de subsunção entre a conduta

praticada e o tipo, não se estará diante de consentimento do ofendido. Isso porque, insiste-se,

à Administração não foi outorgada competência para consentir pura e simplesmente com a

ofensa ao bem jurídico por ela tutelado em nome da coletividade169.

Todavia, a despeito de não se tratar de um consentimento do ofendido, nessas

hipóteses estar-se-á diante de um ato (omissivo ou comissivo) da Administração, que (i)

descumpriu o dever de lavrar a autuação ou instaurar processo administrativo pretendendo

apurar a prática de infração administrativa e impor, se for o caso, a penalidade cabível; ou (ii)

decidiu, adotando critério jurídico lícito ou ilícito, pela ausência de subsunção entre a conduta

praticada e o tipo.

E são os efeitos desse comportamento – ilícito ou lícito – da Administração que

interessam ao direito administrativo sancionador, tendo em vista o primado da proteção da

confiança legítima170, cujo estudo de sua aplicação deve ser estratificado.

168 Nunca é demais lembrar as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Em suma, o necessário – parece-nos

– é encarecer que na administração os bens e os interesses não se acham entregues à livre disposição da vontade do administrador. Antes, para este, coloca-se a obrigação, o dever de curá-los nos termos da finalidade a que estão adstritos. É a ordem legal que dispõe sobre ela” (Curso de direito administrativo, p. 77).

169 Celso Antônio Bandeira de Mello uma vez mais é pedagógico: “A indisponibilidade dos interesses públicos significa que, sendo interesses qualificados como próprios da coletividade – internos ao setor público –, não se encontram à livre disposição de quem quer que seja, por inapropriáveis. O próprio órgão administrativo que os representa não tem indisponibilidade sobre eles, no sentido de que lhe incumbe apenas curá-los – o que é também um dever – na estrita conformidade do que predispuser a intentio legis” (Ibid., p. 76).

170 Almiro do Couto e Silva, em brilhante artigo sobre o tema, delimita a origem e o conteúdo desse princípio: “A segurança jurídica é entendida como sendo um conceito ou um princípio jurídico que se ramifica em duas partes, uma de natureza objetiva e outra de natureza subjetiva. A primeira, de natureza objetiva, é aquela que envolve a questão dos limites à retroatividade dos atos do Estado até mesmo quando estes se qualifiquem como atos legislativos. Diz respeito, portanto, à proteção ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito e à coisa julgada. Diferentemente do que acontece em outros países cujos ordenamentos jurídicos frequentemente tem servido de inspiração ao brasileiro, tal proteção está há muito incorporada à nossa tradição constitucional e dela expressamente cogita a Constituição de 1988, no art. 5º, inciso XXXVI.

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Nessa toada, citam-se, primeiramente, as hipóteses em que a Administração é omissa

e simplesmente deixa de aplicar a lei que tipifica a conduta infracional. É dizer, a

Administração não aplica a lei de ofício, deixando de instaurar processo administrativo ou

lavrar eventual auto de infração sem qualquer espécie de manifestação, após tomar ciência da

prática de comportamento que indubitavelmente se subsume ao tipo.

Não há dúvida que neste caso a Administração estará adotando conduta ilegítima,

podendo o particular exigir, inclusive perante o Poder Judiciário, que a Administração rompa

com essa inércia. Cita-se, por exemplo, hipótese em que a Administração se queda inerte

diante da recusa injustificada do licitante vencedor de assinar o contrato (talvez por ele ser um

bom fornecedor, cuja eventual suspensão do direito de licitar seria prejudicial para a

competitividade). Os demais licitantes, certamente pretendendo afastá-lo de certames futuros

(reduzindo, com isso, a concorrência), poderão pleitear administrativa ou judicialmente a

instauração de processo administrativo contra o sobredito licitante, pretendendo apurar a

prática de infração administrativa e, se for caso, impor-lhe sanção.

Sem embargo, a omissão perante a prática de um dado comportamento ilícito ganha

maior importância quando se torna uma prática reiterada da Administração, que, ao longo do

tempo, não foi objeto de questionamento. É dizer, a celeuma surge no momento em que a

Administração decide romper com uma determinada omissão reiterada.

Com efeito, em que pese ser concretamente difícil identificar um ilícito aplicável às

licitações e contratos administrativos que tenha sido reiteradamente ignorado pela

A outra, de natureza subjetiva, concerne à proteção à confiança das pessoas no pertinente aos atos, procedimentos e condutas do Estado, nos mais diferentes aspectos de sua atuação. Modernamente, no direito comparado, a doutrina prefere admitir a existência de dois princípios distintos, apesar das estreitas correlações existentes entre eles. Falam ou autores, assim, em princípio da segurança jurídica quando designam o que prestigia o aspecto objetivo da estabilidade das relações jurídicas, e em princípio da proteção à confiança, quando aludem ao que atenta para o aspecto subjetivo. Este último princípio (a) impõe ao Estado limitações na liberdade de alterar sua conduta e de modificar atos que produziram vantagens para os destinatários, mesmo quando ilegais, ou (b) atribui-lhe consequências patrimoniais por essas alterações, sempre em virtude da crença gerada nos beneficiários, nos administrados ou na sociedade em geral de que aqueles atos eram legítimos, tudo fazendo razoavelmente supor que seriam mantidos” (COUTO E SILVA, Almiro do. O princípio da Segurança Jurídica (proteção à confiança) no direito público brasileiro e o direito da Administração Pública de anular seus próprios atos administrativos: o prazo decadencial do art. 54 da lei do processo administrativo da União (Lei nº 9.784/99). In Revista Eletrônica de Direito do Estado. Salvador: Instituto de Direito Público da Bahia, nº 2, abril/maio/junho, 2005. Disponível na internet: www.direitodoestado.com.br. Acesso em 21 de novembro de 2015). Também nesse sentido é o magistério de Rafael Valim: “Eis o que postula o subprincípio da proteção à confiança legítima, de origem alemã e que só recentemente vem sendo incorporado, de modo consciente, na ordem jurídica brasileira. Diversamente do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, assimilados à tradição do Direito Brasileiro e em que se cogita de relações jurídicas constituídas validamente e infensas à intromissão de quaisquer normas jurídicas, a confiança legítima ampara a confiança do indivíduo de boa-fé na ação do Estado, a qual pode se traduzir em um direito subjetivo invalidamente constituído ou em uma mera expectativa legítima gerada pelo Estado. Daí a maior abrangência deste subprincípio em relação ao direito adquirido (O princípio de segurança jurídica no direito administrativo brasileiro, p. 112).

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Administração, Alejandro Nieto, ao tratar deste tema, cita como exemplo hipótese em que a

autoridade administrativa tradicionalmente deixa de autuar os particulares que estacionam em

local proibido, a despeito da sinalização afixada no local171.

Segundo o ilustre professor espanhol, neste caso “opera para los infractores formales

la buena fe: la confianza legítima en una determinada conducta tolerante de la

Administración, que puede exonerar de la responsabilidad”172.

Ousamos discordar. Isso porque a reiterada inércia da Administração, sem qualquer

espécie de manifestação, diante da prática de comportamento flagrantemente ilícito (como é a

hipótese de estacionar em local proibido com sinalização clara nesse sentido), não tem o

condão de conferir ao administrado a legítima expectativa (ou confiança) de que esta conduta

é lícita. Não há um ato, presumivelmente válido173, que outorgue ao administrado essa

confiança legítima. O que há neste caso é uma omissão, ilícita, da Administração, a qual a lei

não atribuiu nenhum efeito jurídico.

A autoridade administrativa, portanto, possui o dever de romper com essa inércia

para aplicar a lei de ofício, lavrando auto de infração ou instaurando processo administrativo

para apurar a prática do ilícito e impor a penalidade cabível. E, nesta hipótese, não cabe ao

administrado arguir que confiou na Administração, que até aquele momento quedou-se inerte.

Situações distintas, contudo, são aquelas em que a Administração, por meio de atos

comissivos, adota determinado critério jurídico na aplicação do tipo infracional e, em um

determinado momento, resolve modificar esse critério. São nestas hipóteses que o princípio da

confiança legítima atuará como causa excludente da ilicitude, pois à luz do critério jurídico

171 Derecho administrativo sancionador, p. 348. 172 Ibid., p. 348-349. 173 Note, conforme o magistério de Almiro do Couto e Silva, que é essa presunção que confere a confiança

legítima ao administrado: “Parece importante destacar, nesse contexto, que os atos do Poder Público gozam da aparência e da presunção de legitimidade, fatores que, no arco da história, em diferentes situações, têm justificado sua conservação no mundo jurídico, mesmo quando aqueles atos se apresentem eivados de graves vícios. O exemplo mais antigo e talvez mais célere do que acabamos de afirmar está no fragmente de Ulpiano, constante do Digesto, sob o título <de ordo praetorum> (D.1.14.1), no qual o grande jurista clássico narra o caso do escravo Barbarius Philippus que foi nomeado pretor em Roma. Indaga Ulpiano: <Que diremos do escravo que, conquanto ocultando essa condição, exerceu a dignidade pretória? O que editou, o que decretou, terá sido talvez nulo? Ou será válido por utilidade daqueles que demandaram perante ele, em virtude de lei ou de outro direito?>. E responde pela afirmativa. Não é outra a solução que tem sido dada, até hoje, para os atos praticados por <funcionário de fato>. Tais atos são considerados válidos, em razão – costuma-se dizer – da <aparência de legitimidade> de que se revestem, apesar da incompetência absoluta de quem os exarou. Na verdade, o que o direito protege não é a <aparência de legitimidade> daqueles atos, mas a confiança gerada nas pessoas em virtude ou por força da presunção de legalidade e da <aparência de legitimidade> que têm os atos do Poder Público” (Ob.. cit., p. 5). “Desde logo não se pode esquecer que a proteção da confiança do destinatário, no tocante aos atos administrativos, resulta da presunção de legalidade de que esses atos gozam. É a Administração Pública que tem o dever de exarar atos administrativos que estejam em plena conformidade com as leis e com a Constituição” (Ob. cit., p. 38).

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até então adotado, o comportamento praticado não se subsumia à conduta abstratamente

prevista no tipo.

Logo, o particular, de boa-fé174, que se fia em decisões ou manifestações da

Administração no sentido de que determinado comportamento não se subsume a um

determinado tipo infracional, não poderá ser surpreendido com uma mudança repentina do

critério jurídico adotado. E isso independentemente da legalidade ou ilegalidade desse

critério, que goza de presunção de validade. Aqui sim o administrado possuirá uma legítima

confiança na licitude e na manutenção do critério jurídico que até então era adotado pela

Administração.

Daí porque, acaso pretenda modificar o critério, seja de ofício ou em razão de

decisão judicial, a Administração deve expedir ato noticiando essa mudança, que será

aplicável apenas e tão somente para o futuro, tal como pedagogicamente prevê o art. 2º,

parágrafo único, XIII da Lei n. 9.784/99175 e o art. 146 do Código Tributário Nacional176.

Note que este tema assume grande relevância nas hipóteses em que na descrição da

conduta típica são empregados conceitos jurídicos indeterminados. Ora, em razão o primado

da proteção da confiança, é interdito à Administração modificar os critérios anteriormente

empregados na delimitação desses conceitos pretendendo açambarcar comportamento já

174 Não podemos deixar de nos socorrer, uma vez mais, do magistério de Almiro do Couto e Silva: “A boa-fé, a

que alude o preceito, quer significar que o destinatário não tenha contribuído, com a sua conduta, para a prática do ato administrativo ilegal. A doutrina alemã, neste ponto, fala numa <área de responsabilidade> (Verantwortungsbereich) do destinatário. Seria incoerente proteger a confiança de alguém que, intencionalmente, mediante dolo, coação ou suborno, ou mesmo por haver fornecido dados importantes falsos, inexatos ou incompletos, determinou ou influiu na edição de ato administrativo em seu próprio benefício” (Ibid., mesma página). Transportando essa conclusão para a hipótese estudada, cita-se, por exemplo, conluio entre um grupo de contratados e a Administração para a delimitação da definição de atraso injustificado previsto no art. 86 da Lei n. 8.666/93, pretendendo prever um número elevado de hipóteses justificadoras, em prejuízo ao interesse público. Comprovada a existência do conluio e a ilegalidade da hipótese justificadora do atraso, a Administração será obrigada a reconhecer a prática da infração e impor a penalidade cabível, não podendo o contratado invocar o primado da proteção confiança arguindo que ocorreu a mudança no critério jurídico anteriormente adotado pela Administração. Já eventual contratado que não participou do aludido conluio, por estar de boa-fé, aplica-se o referido princípio, razão pela não poderá ser sancionado por atraso ocorrido no passado em que se verificou a ocorrência da hipótese justificadora declarada ilegal.

175 “Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de: (...) XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação”. Note que, além de prever a necessária observância ao primado da segurança jurídica (do qual o primado da proteção da confiança legítima é uma das facetas, conforme se verificou), este preceito veda a aplicação retroativa de nova interpretação, o que evidentemente deve ser interpretado como a mudança de todo e qualquer critério jurídico anteriormente empregado.

176 “Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução”.

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praticado. Em uma só voz, os critérios empregados nas manifestações e decisões da

Administração a vinculam, servindo como verdadeiros paradigmas, o que não impede a sua

mudança, desde que isto se dê de modo transparente e seja aplicável somente para o futuro.

Por fim, sem prejuízo do assinalado anteriormente e em que pese ser de difícil

visualização concreta, não afastamos a possibilidade de que uma omissão reiterada da

Administração confira uma legítima confiança ao administrado de que uma determinada

conduta não se subsume ao um dado tipo infracional, nas hipóteses em que a ilicitude dessa

conduta figura em uma zona de incerteza.

Para tanto, não deve haver nenhuma manifestação ou decisão da Administração

assinalando que esse comportamento é legítimo ou ilegítimo; e a Administração, mesmo

ciente da prática desse comportamento no passado, nunca impôs penalidade ou instaurou

processo administrativo pretendendo apurar a prática de infração administrativa177.

Cita-se, por exemplo, execuções do objeto que por algumas vezes foram feitas com

atraso e que foram acompanhadas com determinada justificativa – esgotamento da matéria-

prima no mercado, por exemplo –, com relação à qual a Administração não se manifestou,

seja para impor sanção ou para assinalar que a justificativa fora aceita.

Nesta hipótese, o princípio da segurança jurídica confere o efeito de manifestação

tácita à omissão da Administração, que configura um verdadeiro critério jurídico por ela até

então adotado, pela ausência de ilicitude de um determinado comportamento178.

E se se pretende modifica-lo, seja de ofício ou em virtude de decisão judicial, deve

fazê-lo somente para o futuro, após a expedição de ato que anuncie esta mudança, podendo

haver circunstâncias que inclusive exijam a concessão de um determinado período para que os

administrados adequem sua conduta.

Vê-se, portanto, que apartamos a omissão reiterada flagrantemente ilícita da

Administração (como no exemplo do estacionamento em local proibido, acima referido) da

omissão diante de uma conduta cuja ilicitude figura em uma zona de incerteza (talvez em

razão de um conceito jurídico indeterminado). Parece-nos que somente neste segundo caso o

ordenamento jurídico confere efeito – também jurídico – para a omissão da Administração.

177 Note que, se tiver sido instaurado o processo administrativo e a Administração tiver assinalado que o

comportamento não se subsume à conduta típica, haverá uma manifestação da Administração, razão pela qual não se aplica esta hipótese.

178 Registra-se que a similitude de todas as circunstâncias fáticas importantes para a configuração da ação deve ser levada em consideração para que se imprima esse efeito à omissão da Administração.

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3. SANÇÃO ADMINISTRATIVA

3.1. Definição

Assim como procedemos com relação à infração administrativa, retomemos, para

fins didáticos, a definição de sanção administrativa construída no primeiro capítulo:

consequência jurídica negativa; de caráter repressivo (ou retributivo); prevista em lei como

consequência à prática de um ilícito jurídico em sentido estrito administrativo, em que o

sujeito ativo (titular do bem jurídico violado) possui o dever de, no exercício da função

administrativa, impô-la ao sujeito passivo culpável (pessoa culpável que incorreu na prática

daquele ilícito).

Reitera-se que essa consequência é o aspecto objetivo da relação jurídica

sancionatória, cujo conceito, também para fins didáticos, retoma-se: relação jurídica que se

instala, em razão da ocorrência de um fato consistente em uma infração administrativa, entre

o sujeito ativo (titular do bem jurídico violado) e o sujeito passivo culpável (pessoa culpável

que incorreu na prática daquele ilícito) – aspecto pessoal –, em que aquele possui dever de,

no exercício da função administrativa, impor a este uma obrigação ou proibição de fazer ou

deixar de fazer algo, negativa e de caráter retributivo – aspecto objetivo.

Feito isso, ingressemos no estudo do conteúdo e da aplicação dos critérios ou

aspectos desta relação, donde se insere, insiste-se, a sanção administrativa segundo a

definição acima adotada.

3.2. Sujeito ativo e a competência para a imposição e escolha da sanção

Já adiantamos, ao definir a relação sancionatória, que o sujeito ativo é o titular do

bem jurídico violado. Também já assinalamos, no subitem 2.3.1.1., que o bem jurídico

tutelado pelas infrações administrativas, inclusive aquelas aplicáveis às licitações e contratos

administrativos, é próprio da coletividade, razão pela qual ela figura como ofendido mediato

ou material; e o Estado (a quem incumbe, por meio da Administração, tutelar o apontado bem

jurídico, em nome da coletividade) é o ofendido imediato e formal.

Diante disso, como compete ao Estado tutelar o bem jurídico violado, pode-se

assinalar que ele é o titular do bem jurídico violado (e, portanto, o sujeito ativo), atentando-

se, contudo, para o fato de que a titularidade não se confunde com a “propriedade” desse bem,

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que permanece com a coletividade179.

Ademais, verificou-se que, na relação jurídica sancionatória instaurada em razão da

prática da infração administrativa, o Estado possui o dever de, no exercício da função

administrativa, conhecer da infração e, apurada a sua prática, impor a sanção administrativa

ao sujeito passivo. E esse dever-poder outorgado à própria Administração para a imposição da

sanção (o que o difere do dever de exigir ao Estado-juiz essa imposição, apartando, pois, as

sanções administrativas das sanções jurisdicionais)180 decorre do atributo da exigibilidade de

que goza a obrigação, proibição ou permissão que fora descumprida pelo sujeito passivo181.

Vê-se, portanto, que comungamos com o pensamento da parcela majoritária da

doutrina no sentido de que a competência para a imposição da sanção administrativa é

vinculada182-183. É dizer, apurada a prática da infração administrativa, a Administração possui

179 Nessa toada, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello: “Relembre-se que a Administração não titulariza

interesses públicos. O titular deles é o Estado, que, em certa esfera, os protege e exercita através da função administrativa, mediante o conjunto de órgãos (chamados administração, em sentido subjetivo ou orgânico), veículos da vontade estatal consagrada em lei” (Curso de direito administrativo, p. 77).

180 Vide Item 1.3. 181 Verifique-se, a propósito, a definição de Celso Antônio Bandeira de Mello para o atributo da exigibilidade:

“Exigibilidade – é a qualidade em virtude da qual o Estado, no exercício da função administrativa, pode exigir de terceiros o cumprimento, a observância, das obrigações que impôs. Não se confunde com a simples imperatividade, pois, através dela, apenas se constitui uma dada situação, se impõe uma obrigação. A exigibilidade é o atributo do ato pelo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para induzir o administrado a observá-la” (Curso de direito administrativo, p. 427).

182 Verifique-se o pensamento de alguns autores nesse sentido: “Registre-se, por último, que, uma vez identificada a ocorrência de infração administrativa, a autoridade não pode deixar de aplicar a sanção. Com efeito, há um dever de sancionar, e não uma possibilidade discricionária de praticar ou não tal ato. A doutrina brasileira, mesmo em obras gerais, costuma enfatizar tal fato em relação ao dever disciplinar, invocando o art. 320 do Código Penal, que tipifica a figura da condescendência criminosa, mas o dever de sancionar tanto existe em relação às infrações internas quanto em relação às externas” (BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 888). “Se a lei formal outorga competência sancionadora à Administração Pública é porque o legislador entende que o comportamento ilícito sancionado fere o interesse público, razão pela qual deve ser desestimulado. Os agentes administrativos, de consequência, têm o poder-dever de impor a sanção sempre que apurem a prática de ilícito administrativo, pois somente assim o interesse público que justifica a existência da competência sancionadora será atendido. De consequência, não há que se falar em liberdade para a Administração Pública na imposição da sanção administrativa. Ocorrendo o ilícito previsto em lei, deve a Administração Pública impor a sanção, exercendo a competência que lhe foi outorgada pelo legislador. Portanto, a competência para impor a sanção administrativa é vinculada” (MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 71). “Recebida a notícia de ilícito administrativo, deve ser a sua investigação. E em caso de comprovação, deve ser a imposição da correspondente sanção administrativa – salvo se a lei permitir ou determinar em contrário. Nem se cogite, portanto, de avaliação da suposta necessidade e adequação da sanção administrativa num juízo posterior e externo ao reconhecimento da infração de mesma ordem, porque – como alertado no início deste livro – a omissão bem poderá ser tomada como condescendência criminosa ou ato de improbidade administrativa. Em tal hipótese, deverá irromper outro juízo de reprovação (criminal ou de improbidade) e em desfavor do agente público que deixou de cumprir dever de ofício” (FERREIRA, Daniel. Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 333).

183 Já Alejandro Nieto possui entendimento divergente: “En mi opinión, el ejercicio de la potesdad sancionadora no es obligatorio para la Administración, quien puede, por tanto, iniciar o no los correspondientes expedientes. Sé de sobra que esta tesis repugna el sentimiento de justicia y quebranta el principio de

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a obrigação de impor a sanção, desde que, evidentemente, preenchidos os demais requisitos

para a sua imposição, que a seguir serão explicitados.

E isto, conforme observa Heraldo Garcia Vitta, “não retira, porém, a possibilidade

do exercício de faculdades discricionárias do agente público, na escolha da pena e de sua

quantificação, no caso concreto, de acordo com os limites legais”184.

Ao nos debruçarmos sobre as sanções administrativas em espécie aplicáveis às

licitações e contratos administrativos, trataremos, com relação a cada sanção (o que, aliás,

facilitará a compreensão e evitará o cansaço do leitor), dos limites que possui (i) a

Administração para a escolha e dosimetria dessas sanções; e (ii) o legislador para a outorga da

competência discricionária.

Sem embargo, cumpre-nos assinalar, desde já e sem prejuízo da análise de sua

aplicação concreta com relação às sanções em espécie que serão investigadas, que não se

tergiversa que o “princípio da razoabilidade e proporcionalidade funcionam como verdadeiros

guias para a dosimetria da sanção, a fim de se evitar eventual desvio de finalidade do ato

sancionador”185, conforme argutamente observa Régis Fernandes de Oliveira.

Aliás, o art. 2º, parágrafo único, VI da Lei federal 9.784/99 é pedagógico nesse

sentido, ao dispor que nos processos administrativos serão observados os critérios de

“adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em

medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.

Todavia, a celeuma surge na hipótese em que o Poder Judiciário, uma vez

igualdad; pero hay otra razón más pesada que la abona, a saber: la realidad. Sería ingenuo aquí decir que la realidad debe imponerse porque ya se encarga ella de hacerlo sin que nadie lo propugne: la realidad se impone indefectiblemente y ella es la que nos enseña que es materialmente imposible sancionar y aun expedientar a todos los infractores. Sostener, por tanto, el carácter obligatorio supondría multiplicar por cien o por mil el número de funcionarios y ni aun así. Ad impossibilia nemo tenetur: el Derecho se detiene ante las puertas de lo imposible” (NIETO, Alejandro. Derecho administrativo sancionador, p. 144).

184 A sanção no direito administrativo, p. 65. Também nesse sentido é o magistério de Rafael Munhoz de Mello: “Evidentemente, a lei pode atribuir ao agente administrativo a escolha da sanção mais adequada ao caso concreto. Em tais hipóteses há vinculação para sancionar o comportamento ilícito, mas discricionariedade na definição da sanção a ser aplicada. A lei formal pode, com efeito, prever duas sanções distintas para um mesmo comportamento (multa ou advertência, por exemplo), cabendo à Administração Pública optar por uma delas em face das peculiaridades do caso em exame. Em outros casos a lei formal pode não definir de modo preciso a intensidade da sanção que deve ser aplicada, estabelecendo apenas limites mínimo e máximo, como frequentemente ocorre com as multas administrativas. Em tais casos, o agente administrativo, avaliando a gravidade do comportamento do infrator, determinará, dentro dos limites legais, qual a intensidade da sanção que deve ser imposta” (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 72). Por sua vez, Luis Manuel Fonseca Pires possui posição divergente: “Não há discricionariedade administrativa junto ao direito administrativo sancionador porque os conceitos utilizados, ou bem para a descrição de infrações como hipóteses de fato, ou bem para a relação de sanções possíveis como finalidade da norma jurídica-administrativa, devem ser, como todos os conceitos jurídicos, simplesmente interpretados (Controle judicial da discricionariedade administrativa, p. 180).

185 Infrações e sanções administrativas, p. 121.

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provocado, sufraga o entendimento no sentido de que a Administração feriu a razoabilidade e

proporcionalidade ao impor determinada sanção administrativa, que se revela, à luz do caso

concreto (ou seja, do ilícito administrativo praticado e das demais circunstâncias que

interferem na dosimetria da sanção), ilegitimamente gravosa.

Nesta hipótese, qual o limite do controle judicial dessa sanção? É dizer, compete ao

Poder Judiciário apenas e tão somente anular a sanção imposta, sendo facultado à

Administração a imposição de nova sanção, desde que respeitado o prazo prescricional? Ou o

Poder Judiciário possui competência para reduzir a sanção (reduzindo o valor de uma

determinada multa, por exemplo), substituindo, pois, a autoridade administrativa competente?

Concordamos com Régis Fernandes de Oliveira no sentido de que “A chave de

abóbada para saber se a sanção pode ou não ser reduzida pelo Judiciário reside na

determinação de seu o ato discricionário”186. E isso, como é sabido e ressabido, deve ser

definido à luz do caso concreto187.

Logo, submetido ao crivo do Poder Judiciário decisão administrativa que tenha

imposto determinada sanção em virtude da prática de uma também determinada infração,

compete à autoridade judiciária, interpretando os fatos e a legislação de regência, decidir se o

caso concreto comportava o exame discricionário da Administração, seja com relação à

subsunção da conduta ao tipo infracional188 ou à escolha e gradação da sanção administrativa

imposta ao administrado.

Com efeito, submetido, por exemplo, ao crivo do Poder Judiciário, uma multa

imposta nos termos do art. 87 da Lei n. 8.666/93, em razão da inexecução parcial de um

contrato administrativo, poderá a autoridade judiciária sufragar o entendimento no sentido de

que, no caso concreto (em razão, por exemplo, da diminuta expressão da inexecução do

contrato, bem como da ausência de prejuízo à Administração, devendo ser levado em

consideração também a relação jurídica travada com a Administração e os atos que a

formalizam), não haveria margem de liberdade da Administração para a escolha da sanção,

que poderia ser apenas e tão somente a penalidade de advertência. Nesta hipótese não haveria

186 Infrações e sanções administrativas, p. 127. 187 Nessa toada, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello: “Com efeito, discricionariedade só existe nas

hipóteses em que, perante a situação vertente, seja impossível reconhecer de maneira pacífica e incontrovertível qual a solução idônea para cumprir excelentemente a finalidade legal. Ou seja: naquelas em que mais de uma opinião for razoavelmente admissível sobre a medida apropriada para dar a melhor satisfação ao objetivo da lei. Em suma, está-se aqui a dizer que a discricionariedade é pura e simplesmente o fruto da finitude, isto é, da limitação da mente humana. A inteligência dos homens falece o poder de identificar sempre, em toda e qualquer situação, de maneira segura, objetiva e inobjetável, a medida idônea para preencher de modo ótimo o escopo legal” (Curso de direito administrativo, p. 992).

188 Vide o subitem 2.2.2.3., que tratou especificamente acerca dos conceito jurídicos indeterminados.

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competência discricionária, razão pela qual não vislumbramos óbice para que Poder Judiciário

substitua a pena de multa pela de advertência.

Também não vislumbramos ilegalidade na redução da multa administrativa, na

hipótese em que, novamente à luz do caso concreto, o Poder Judiciário entenda que somente a

multa em seu patamar mínimo poderia ter sido imposta, caso em que a fixará neste patamar.

De outra banda, acaso o Poder Judiciário, diante do caso concreto, entenda que duas

ou mais espécies de sanções ou gradações (na hipótese de multa) poderiam ser legitimamente

impostas, à autoridade judiciária competirá (i) somente anular a sanção imposta, acaso

entenda que a penalidade que fora aplicada não está dentre aquelas que poderiam ser

legitimamente impostas, hipótese em que será facultada à Administração a imposição de nova

sanção, desde que dentro do prazo prescricional; ou (ii) julgar improcedente a ação, acaso a

sanção imposta esteja dentro da margem de discricionariedade da Administração.

Por fim, há também a possibilidade de o contrato administrativo prever uma fórmula

para a fixação da multa, em decorrência, por exemplo, do atraso injustificado na execução do

contrato (art. 86 da Lei 8.666/93). Em regra, fixa-se um percentual para cada dia de atraso,

com ou sem um limitador máximo, hipótese, portanto, que, sequer abstratamente, foi

outorgada competência discricionária à Administração para escolha ou dosimetria da sanção.

Daí porque, acaso, em um determinado caso concreto, o Poder Judiciário entenda que

o valor da sobredita multa afronta aos primados da razoabilidade e proporcionalidade, não

haverá óbice para que a autoridade judiciária a reduza, fixando-a em um patamar que atenda

aqueles primados.

Registre-se, por fim, que a atuação do Poder Judiciário está limitada aos pedidos

deduzidos na ação judicial proposta pelo administrado em razão da sanção que lhe fora

aplicada. É dizer, no exemplo dado acima, em que se reconheceu a invalidade da pena de

multa, pois somente a penalidade de advertência deveria ter sido imposta, não poderá a

autoridade judiciária determinar a aplicação da pena de advertência, acaso na ação judicial

proposta tenha sido pleiteada somente a anulação da multa.

Nesta hipótese, competir-lhe-á apenas e tão somente declarar essa nulidade (art. 460

do Código de Processo Civil189), sendo facultado à Administração a imposição da penalidade

de advertência (ou até mesmo de uma nova multa em patamar inferior, pois é sabido que os

motivos não fazem coisa julgada190), desde que respeitado o prazo prescricional191.

189 “Art. 460. É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como

condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado”. 190 Art. 469, II do Código de Processo Civil.

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3.3. Sujeito passivo

Já consignamos no capítulo anterior, ao tratar do comportamento típico (subitem

2.2.1.), as razões pelas quais tanto as pessoas físicas como as pessoas jurídicas podem incorrer

na prática de infração administrativa, razão pela qual ambas podem figurar como sujeito

passivo na relação jurídica sancionatória.

Sucede que, a despeito de não haver controvérsia acerca da possibilidade de

responsabilização administrativa das pessoas jurídicas (ao contrário, portanto, do que ocorre

no Direito Penal), é possível indagar se a pessoa jurídica responde na qualidade de autor da

infração ou como responsável pelo ilícito cometido pela pessoa física, bem como se tanto a

pessoa jurídica como o seu preposto podem ser sancionados, com a mesma ou com distinta

penalidade.

Também devemos investigar se apenas o autor da infração administrativa é quem

pode ser sancionado, ou se se admite a transmissão da responsabilidade pela sanção, o que

açambarca inclusive a possibilidade ou impossibilidade de desconsideração da personalidade

jurídica. Estes temas serão objeto dos subitens seguintes.

3.3.1. Autoria e responsabilidade (transmissibilidade e desconsideração da personalidade jurídica)

É assente na doutrina a distinção entre o autor do delito (infrator) e o responsável por

suportar a sanção. Aquele, como é evidente, é quem pratica a conduta ilícita, sendo, em regra,

quem sofre a imposição da sanção e figura, portanto, como sujeito passivo na relação jurídica

sancionatória.

Todavia, justifica-se a aludida distinção porque se admite que, por expressa

disposição legal, terceira pessoa responda pela conduta infracional que não cometeu,

suportando a sanção dela decorrente192. Trata-se do responsável.

191 E é evidente que, pelas mesmas razões, não poderá o Poder Judiciário impor penalidade mais gravosa, não

sendo admissível a apresentação de reconvenção pelo ente sancionador, em razão da coisa julgada administrativa.

192 Nessa toada, Celso Antônio Bandeira de Mello admite que lei comine a responsabilidade subsidiária pela prática da infração administrativa: “O infrator, bem se percebe, é o sujeito que pratica a infração e que, de regra, suportará a sanção por ela; ao passo que o responsável subsidiário é aquele que, por força da lei, responderá pela infração caso aquele que a cometeu não possa responder ou não responda por ela” (Curso de direito administrativo, p. 873-874). Daniel Ferreira também faz essa distinção: “Que não se confunda ‘infrator’ com ‘pessoa sujeita à sanção’. O primeiro (responsável principal) é aquele que efetivamente viola a norma de conduta e deveria – em regra, e salvo disposição legal em contrário – imediatamente sofrer a sanção respectiva. A segunda, tida como responsável subsidiário, é aquela que – muito embora não tenha pessoalmente cometido o ilícito

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E é com amparo nessa distinção que parte da doutrina justifica a imposição de sanção

administrativa às pessoas jurídicas, em que estas seriam responsáveis por suportar a sanção

decorrente da prática da conduta típica pelos seus prepostos, como pessoas físicas193.

Reiteramos, de início, nossa discordância com relação a essa posição, eis que, ao

nosso juízo, as pessoas jurídicas possuem capacidade de ação e, portanto, de incorrer na

prática de ilícitos administrativos, figurando como autoras, e não como meras responsáveis,

ainda que a sua ação ou omissão seja exteriorizada por intermédio de pessoas naturais.

Tanto mais isso é verdade que as pessoas jurídicas possuem capacidade e

legitimidade para afluir aos certames licitatórios e, acaso se sagrem vencedoras, celebrarem

contrato administrativo. E, justamente por força disso, na hipótese, por exemplo, de

inexecução total ou parcial do contrato, terá sido aquela pessoa jurídica quem praticara esta

infração administrativa, e não o preposto que exteriorizou aquelas ações ou omissões194.

E o art. 5º da Lei anticorrupção (Lei 12.846/13) afasta qualquer espécie de dúvida

nesse sentido, ao dispor que “Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou

estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas

mencionadas no parágrafo primeiro do art. 1º, que atentem contra (...)”.

Ou seja, por expressa disposição legal, somente as pessoas jurídicas podem incorrer

na prática das infrações tipificadas pelo sobredito preceito normativo. E isso, por si só, revela

que a elas não é imputada a responsabilidade por infração praticada pelos seus prepostos, eis

que estes, como pessoas físicas, sequer podem incorrer naqueles ilícitos.

administrativo -, para fins de lei, é quem, pelo especial vinculo mantido com o infrator ou com a infração, até prova ou disposição em contrário, deverá sofrer, como resposta do sistema, a direta e imediata consequência jurídica, restritiva de direitos, de caráter repressivo” (Sanções administrativas, p. 71). No mesmo sentido é o magistério de Régis Fernandes de Oliveira: “Responsável é a pessoa que deve suportar a consequência de sua ação antijurídica, típica e punível. Pode ser uma ou mais pessoas. Responsável principal é quem pratica a ação ou omissão antijurídica e, em linha de princípio, deve sujeitar-se à sanção correspondente. Pode a lei, no entanto, atribuir a outrem, vinculado por alguma forma ao agente, a responsabilidade de suportar a sanção. Em tal caso, a responsabilidade denomina-se subsidiária” (Infrações e sanções administrativas, p. 50).

193 Nesse sentido, Heraldo Garcia Vitta, amparando-se nas lições de Kelsen, assinala que “a distinção entre dever jurídico e responsabilidade jurídica é necessária, quando a sanção não é dirigida contra o delinquente imediato, mas contra pessoas juridicamente ligadas a ele, sendo essa relação determinada pela ordem jurídica” (A sanção no direito administrativo, p. 49). E conclui: “Assim ocorre com as pessoas jurídicas, as quais sofrem as consequências (penalidades) por causa de condutas, dolosas ou culposas, das pessoas físicas que as representam” (Ibid., p. 50).

194 O magistério de Zanobini, citado por Régis Fernandes de Oliveira, cai como uma luva: “àquilo que no Direito Penal se diz imputação corresponde no nosso campo o conceito de capacidade. O ilícito administrativo é, de fato, uma ação contrária a uma obrigação de Direito Público, ou seja, a violação de uma relação jurídica, geral ou especial, do particular com a Administração Pública: por isso, tal ação não é possível senão para aqueles que estão em tal relação jurídica. O ilícito administrativo, portanto, pressupõe a capacidade que é necessária para cuidar de tais relações. Não se trata, por isto, de uma capacidade especial a cometer ilícitos, o que seria um absurdo, mas da capacidade de ser titular de uma obrigação em relação à Administração Pública” (ZANOBINI, Guido. Le sanzioni amministrative. Turim: Fratelli Bocca, 1924 apud OLIVEIRA, Régis Fernandes de. Infrações e sanções administrativas, p. 102).

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A controvérsia, contudo, não para por aí. É dizer, a despeito de se reconhecer a

capacidade de ação (ou omissão) da pessoa jurídica, é fato incontroverso que esta ação ou

omissão é exteriorizada por uma pessoa natural. E, justamente por força disso, surge a

seguinte indagação: essa conduta pode ensejar a imposição de sanção tanto à pessoa jurídica

como à pessoa física195?

Parece-nos que a resposta a essa pergunta deve ser segregada em duas partes, ao

menos para o fim do presente estudo e tendo em vista as premissas acima adotadas. Primeiro,

há que se analisar se a pessoa jurídica e a pessoa física podem ser sancionadas como autoras

de uma mesma infração (hipótese em que seriam coautoras) ou de infrações distintas. E, em

um segundo momento, apurar se a pessoa natural pode ser compelida a suportar, na qualidade

de responsável, a sanção originariamente imposta à pessoa jurídica.

Nessa toada, afastamos a possibilidade de tanto a pessoa jurídica como a pessoa

física que exterioriza a conduta ilícita serem sancionadas como coautoras pela prática de um

mesmo ilícito administrativo, salvo se ambas figurarem como sujeito passivo na relação

jurídica travada com o Estado, cujo dever foi descumprido, acarretando a imposição da

aludida sanção.

Isso porque, conforme assinalado anteriormente, a infração administrativa decorre do

descumprimento de um dever oriundo de uma determinada relação jurídica que uma dada

pessoa mantém com o Estado. E, justamente por força disso, somente a pessoa que figura

nessa relação possui capacidade para descumprir o aludido dever, incorrendo, pois, na prática

de ilícito administrativo, na qualidade de infrator.

Daí porque, a título de exemplo, somente a pessoa jurídica que celebrou contrato

administrativo com a Administração poderá ser sancionada administrativamente, como autora

da infração consistente na inexecução daquele contrato. Ainda que identificada a pessoa física

que concretamente incorreu na aludida conduta omissiva, não poderá lhe ser imputada

hipotética coautoria, eis que ela não figura na relação jurídica travada com o Estado, cuja

obrigação fora descumprida e deu ensejo a determinada sanção.

Por outro lado, nada impede que uma mesma conduta se subsuma (i) a um tipo

195 Note que esta questão não perpassa pelo princípio do non bis in idem, que será objeto de estudo no subitem

subsequente. Isso porque não se está cogitando na imposição de uma segunda sanção a uma pessoa que já fora sancionada em razão da prática de um determinado ilícito. As pessoas, na referida indagação, são distintas, o que afasta, só por si, a aplicação do princípio do non bis in idem. Nessa toada, assinala Maysa Abrahão Tavares Verzola: “Os pressupostos necessários à caracterização do bis in idem são a identidade subjetiva, exigindo que o sujeito passivo deva ser o mesmo, a identidade fática, obrigando a que os fatos objeto das sanções também devam ser os mesmos e, por último, a identidade de fundamento legal, impondo que a norma violada com a conduta típica seja, em princípio, a mesma” (Sanção no direito administrativo, p. 156).

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infracional administrativo, imputado a uma determinada pessoa jurídica; e também (ii) a um

segundo tipo, inclusive de natureza distinta, imputado ao preposto do sobredito ente coletivo

(administrador, representante legal ou até mesmo eventual funcionário que praticara a conduta

ilícita).

É o que, por exemplo, pode se suceder com relação à infração administrativa prevista

no art. 88, II da Lei 8.666/93 e o crime tipificado no art. 90 desse diploma normativo. Com

efeito, o art. 88, II prevê a aplicação das sanções de suspensão do direito de licitar e contratar

e de declaração de inidoneidade para os licitantes que incorram na prática de “atos ilícitos

visando a frustrar os objetivos da licitação”. Logo, acaso uma pessoa jurídica pratique esta

conduta ilícita, por meio, evidentemente, de seus prepostos, estará sujeita à imposição das

referidas sanções administrativas.

Sem embargo, a pessoa natural à qual deva ser atribuída a sobredita conduta (em

regra, aos administradores ou representantes legais da pessoa jurídica), também pode incorrer

no crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, consistente em “Frustrar ou fraudar, mediante

ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento

licitatório com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação

do objeto da licitação”, estando sujeito à pena de detenção de 2 (dois) a 4 (quatro) anos e

multa.

Aliás, registra-se que também a Lei anticorrupção (Lei 12.846/13) previu essa

possibilidade, ainda que, ao nosso juízo, a regra nela disposta comporte esclarecimentos.

Deveras, o art. 3º daquele diploma legal prevê que “A responsabilização da pessoa

jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de

qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito”, dispondo o seu §1º que

“A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual

das pessoas naturais referidas no caput”.

Ou seja, admitiu-se, com acerto, a possibilidade de dirigentes, administradores ou

quaisquer prepostos serem responsabilizados pela prática de ilícito, independentemente da

responsabilidade da pessoa jurídica.

Todavia, é necessário esclarecer que, ao prever a responsabilização de “qualquer

pessoa natural, autora, coautora ou partícipe de ato ilícito”, o art. 3º da Lei anticorrupção não

está se referindo às infrações previstas no art. 5º dessa lei. É dizer, não se admitiu que pessoa

natural incorra na prática dos ilícitos tipificados pela lei anticorrupção, respondendo pelas

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sanções deles decorrentes na qualidade autora, coautora ou partícipe196. Isso porque, conforme

se verificou, o sobredito art. 5º é cristalino ao prever que as infrações nele dispostas podem

ser praticas apenas por pessoa jurídica.

Logo, o que pretendeu a Lei anticorrupção foi afastar qualquer espécie de dúvida no

sentido de que a prática das condutas ilícitas tipificadas por aquela lei, imputáveis às pessoas

jurídicas, também podem se subsumir a outros tipos infracionais, inclusive de natureza penal

ou de improbidade administrativa197, porém imputáveis às pessoas naturais responsáveis por

aquelas condutas (ou seja, aos dirigentes, administradores ou qualquer preposto da pessoa

jurídica)198.

196 Os penalistas tradicionalmente se debruçam sobre o denominado concurso de pessoas para a prática do crime,

que pode se realizar por meio da coautoria e da participação. Aquela, segundo Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, funda-se “sobre o princípio da divisão do trabalho; cada autor colabora com sua parte no fato, a parte dos demais, na totalidade do delito e, por isso, responde pelo todo”. Ou seja, “Coautor é quem executa, juntamente com outras pessoas, a ação ou omissão que configura o delito”, devendo haver uma “consciência de cooperação na conduta comum” (Manual de direito penal, vol. I, p. 230). Já a participação, também à luz do magistério de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, é “a atividade acessória daquele que colabora com a conduta do autor com a prática de uma ação que, em si mesma, não é penalmente relevante”. É dizer, “O partícipe não comete a conduta descrito pelo preceito primário da norma, mas pratica uma atividade que contribui para a realização do delito”, instigando, induzindo ou atuando em cumplicidade com o autor (Ibid., mesma página). A possibilidade de responsabilização criminal do coautor e do partícipe está prevista no art. 29 do Código Penal, que dispõe que “Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”. E quanto à aplicação desses institutos ao direito administrativo sancionador, concordamos com Heraldo Garcia Vitta (que adota o conceito lato de coautoria, para açambarcar tanto o coautor em sentido estrito, acima definido, como o partícipe) quanto à necessidade que lei a preveja: “Não havendo norma jurídica estabelecendo a coautoria, se diversos autores praticarem o ilícito, ainda que estejam previamente ajustados e o cometam com identidade de vontades, cada qual sofrerá a respectiva sanção, independentemente da conduta dos outros – isto é, as condutas serão consideradas autônomas umas das outras: cada autor responderá na medida de sua conduta, considerada isoladamente. Assim, se duas ou mais pessoas deixarem de cumprir as normas sanitárias, embora com desígnios de propósitos e ajustados, cada uma delas responderá pelo ilícito administrativo autonomamente” (A sanção no direito administrativo, p. 142). E continua: “O tema tem especial relevo na participação: se determinada pessoa, embora não praticando a infração, isto é, não executando o tipo da norma, instiga ou induz alguém à prática do ilícito administrativo, na falta de texto expresso, não responderá por seus atos. Apenas os autores (executores) da infração administrativa serão punidos” (A sanção no direito administrativo, p. 142-143).

197 Verifique-se, aliás, o que dispõe o art. 30 da Lei anticorrupção, com a redação dada pela recente edição da Medida Provisória 703/2015: “Art. 30. Ressalvada a hipótese de acordo de leniência que expressamente as inclua, a aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei nº 8.429, de 1992; II - atos ilícitos alcançados pela Lei nº 8.666, de 1993, ou por outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no que se refere ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC, instituído pela Lei nº 12.462, de 2011; e III - infrações contra a ordem econômica nos termos da Lei nº 12.529, de 2011” (o disposto neste inciso II será analisado com maior detença quando tratarmos do princípio do non bis in idem, pretendo apurar se ele admite a imposição, à mesma pessoa jurídica, das sanções previstas na Lei anticorrupção e na Lei 8.666/93).

198 Também nesse sentido é a posição de Antônio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz Neves Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto: “Porém, à pessoa natural não se aplicam as sanções da Lei anticorrupção porque ela poderá responder perante a pessoa jurídica infratora pelos atos que praticou e na esfera penal. Em face da Administração Pública quem responde é a pessoa jurídica” (Lei anticorrupção – Apontamentos sobre a Lei nº 12.846/2013, p. 23).

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Aliás, a singela leitura das infrações prevista no art. 5º da Lei anticorrupção199

revelam que os comportamentos ali tipificados se subsumem a tipos penais, inclusive

previstos na Lei 8.666/93. Com efeito, as condutas ilícitas previstas abstratamente no art. 5º,

IV podem se subsumir, no mínimo, aos tipos penais previstos nos arts. 90, 92 93, 95, 96 da

Lei de licitações200. As redações dos tipos, aliás, são bastante semelhantes em algumas das

vezes, conforme facilmente se verifica pelo cotejo daqueles preceitos normativos.

Mas não é só. Pretendendo responder à segunda parte da indagação acima formulada,

devemos apurar se é legítimo à lei atribuir a uma terceira pessoa, natural ou jurídica, a

responsabilidade por suportar uma sanção administrativa decorrente de uma infração que não

praticara. E, para tanto, devemos investigar os distintos modos pelos quais pode ocorrer a 199 “Art. 5o. Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei,

todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada; II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei; III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados; IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público; b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público; c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo; d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente; e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo; f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública; V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional”.

200 “Art. 90. Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”. “Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais”. “Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”. “Art. 95. Afastar ou procurar afastar licitante, por meio de violência, grave ameaça, fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida”. “Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente: I - elevando arbitrariamente os preços; II - vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada; III - entregando uma mercadoria por outra; IV - alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida; V - tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato: Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa”.

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imputação dessa responsabilidade.

A primeira hipótese comumente investigada pela doutrina é a responsabilidade

subsidiária, em que “o responsável subsidiário é aquele que, por força da lei, responderá pela

infração caso aquele que a cometeu não possa responder ou não responda por ela”, conforme

assinala Celso Antônio Bandeira de Mello201. Há, pois, uma transmissão da responsabilidade,

sendo que a doutrina diverge acerca da sua legalidade e do critério que deve ser adotado para

segregar as sanções administrativas transmissíveis das intransmissíveis.

Nessa toada, Daniel Ferreira e Heraldo Garcia Vitta admitem a transmissão das

sanções administrativas ditas reais, isto é, pecuniárias e que recaem sobre bens, apartando-as

das sanções pessoais ou subjetivas que, por gravarem a pessoa do infrator, não são

transmissíveis202.

Celso Antônio Bandeira de Mello também admite a transmissão da responsabilidade

de determinadas sanções administrativas, sob critério, contudo, distinto. Deveras, entende o

ilustre publicista que se deve apurar se existe para o responsável, com relação ao infrator, “a

possibilidade de lhe controlar a conduta ou, quando impossível tal controle, se este terceiro

dispõe de meios para constranger o infrator a suportar a sanção pecuniária"203. A título de

exemplo, Bandeira de Mello aponta a “responsabilidade do pai pelas multas de trânsito

decorrentes de infrações do filho menor”204 (hipótese, portanto, que o responsável poderia

controlar a conduta do infrator); e o caso em que o adquirente de um veículo condiciona a

conclusão do negócio ao pagamento das multas de trânsito que recaem sobre o veículo ou o

abatimento do seu valor do preço da compra e venda (o que se subsume à segunda hipótese

201 Curso de direito administrativo, p. 873-874. 202 Nesse sentido, assinala Heraldo Garcia Vitta: “As penas reais recaem sobre o objeto, coisa, instrumento ou

fruto do ilícito e, conforme ilação tirada do texto constitucional, podem ser transferidas aos herdeiros ou sucessores, na forma da lei. São exemplos, a perda de bens, a interdição de estabelecimento comercial, a demolição de obra. As penalidades pecuniárias distinguem-se das reais, apenas pelo fato de se concretizarem por meio de quantificação monetária” (A sanção no direito administrativo, p. 122). Verifique-se, ademais, o magistério de Daniel Ferreira: “Diante disso, conclui-se, na mesma esteira do que ocorre no direito penal, que é constitucionalmente válido transmitir-se, na forma da lei, as sanções reais (pecuniárias ou que recaem sobre bens) e, de modo similar, vedado diretamente impor a terceiros sanções subjetivas (que gravam a figura do infrator e não consideram apenas a conduta proibida)” (Sanções administrativas, p. 75).

203 Curso de direito administrativo, p. 885 204 Curso de direito administrativo, p. 886.

Adiantando nossa posição acerca do exemplo dado pelo professor Celso Antônio, parece-nos que neste caso o pai responde pelas multas de trânsito decorrentes de infração do filho por ter descurado do dever de evitar a produção do seu resultado. Ou seja, ele responde como autor da infração, em razão de sua omissão (há neste caso, portanto, um ilícito omissivo impróprio). Aliás, este é fundamento pelo qual, ao nosso juízo, o proprietário do veículo responde pelas sanções decorrentes das condutas ilícitas que por ele não foram praticadas de modo comissivo. Ele nelas incorre em razão da prática da sobredita conduta omissiva (nessa toada, ao tratar do comportamento das pessoas jurídicas, discorremos acerca dos ilícitos omissivos impróprios - vide item 2.2.1).

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autorizadora da transmissão da responsabilidade, segundo aquele festejado professor)205.

Por fim, Rafael Munhoz de Mello206, Régis Fernandes de Oliveira207 e Fábio Medina

Osório208 não admitem “a imposição ou transmissão da medida sancionadora a terceiros que

não participaram da conduta típica”209, em razão do princípio da pessoalidade (art. 5º, XLV da

Constituição da República) – corolário lógico do princípio da culpabilidade – e sob pena

subversão da finalidade preventiva da sanção administrativa.

Comungamos com a posição destes nobres autores, no sentido de que as sanções

administrativas, independentemente da classificação que se adote, são intransmissíveis, pelas

razões acima declinadas (ou seja, em razão do primado da pessoalidade e da finalidade

precípua dessas sanções que, recorde-se, não se tratam de sanções ressarcitórias, mas sim

retributivas).

Todavia, parece-nos que buscar a satisfação das sanções pecuniárias perante o

patrimônio do infrator, na hipótese de sucessão causa mortis, não importa na

transmissibilidade, aos sucessores, das sobreditas sanções. Haveria transmissão acaso os

sucessores respondessem com patrimônio próprio pela satisfação da penalidade pecuniária. O

que admitimos, contudo, é que seja exigido, no limite do patrimônio deixado pelo infrator, a

liquidação da sanção pecuniária.

Neste caso, parece-nos que o princípio da pessoalidade é respeitado, pois a sanção

recairá apenas sobre o patrimônio que pertencia ao infrator, prestigiando, ademais, a

finalidade preventiva da penalidade, pois de nada adiantará o autor do ilícito, detentor de 205 Neste caso, a legislação proíbe a expedição de um novo Certificado de Registro do Veículo, no nome do

adquirente, acaso haja multa pendente. Em rigor, parece-nos que se trata uma espécie de sanção – ao nosso ver, inconstitucional, eis que de natureza manifestamente política –, que recai sobre o proprietário originário do veículo, eis que impede a formalização da alienação do veículo.

206 Assinala o autor: “O princípio da pessoalidade está expressamente previsto na Constituição Federal de 1988, que, em seu art. 5º, XLV, assegura que ‘nenhuma pena passará da pessoa do condenado’. Não há no referido dispositivo constitucional qualquer elemento que indique estar sua aplicação limitada à esfera do direito penal, cabendo lembrar, ainda, que se trata de garantia constitucional individual, cuja interpretação deve ser a mais abrangente possível, por força do princípio da máxima efetividade” (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 194). E continua: “Sendo inadequada ao atendimento de sua finalidade preventiva, a sanção administrativa retributiva não pode ser imposta ou transmitida a terceiro que não praticou a conduta típica” (Ibid., p. 196).

207 Eis o que sustenta o ilustre professor: “Deve-se distinguir, no entanto, a sanção meramente reparatória de algum dano, hipótese em que será transmissível, das sanções punitivas ou aflitivas, que não se transmitem. Caso contrário, estaria infringida a condição de validade denominada ‘finalidade dos atos administrativos’, presente em toda a atividade administrativa. Quando a sanção puder converter-se em pecúnia ou for apurável em cifra correspondente e tiver caráter reparatório, caberá a transmissão, Caso contrário, quando objetiva apenas castigar o infrator, será intransmissível” (Infrações e sanções administrativas, p. 51).

208 Verifique-se o seu magistério: “A pena criminal somente pode atingir o sentenciado (art. 5º, XLV, CF), exigência que me parece incidente no campo do Direito Administrativo Sancionador. A pena administrativa somente pode atingir a pessoa sancionada, o agente efetivamente punido, não podendo ultrapassar de sua pessoa. É certo que esta pessoa pode ser física ou jurídica, não importa” (Direito administrativo sancionador, p. 462).

209 Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 194.

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patrimônio e hipoteticamente com idade já avançada ou saúde debilitada, postergar a

satisfação da sanção, pretendendo preservar o patrimônio que será transmitido aos seus

herdeiros.

O mesmo se verifica com relação às sanções que gravam bens, na hipótese de sua

transmissão causa mortis e, neste caso, também por ato inter vivos (tais como interdição de

estabelecimento; demolição de obra; perdimento de bens; dentre outros). Em que pese o art.

5º, XLV da Constituição da República prever a “extensão aos sucessores” da decretação de

perdimento de bens, não há transmissão da sanção a terceiro nestes casos, eis que, insiste-se, o

cumprimento da sanção ficará restrito ao bem por ela gravado, que pertencia ao infrator.

E, justamente por esta razão, parece-nos que andou bem o art. 4º, §1º da Lei

anticorrupção (Lei 12.846/13) ao dispor que “Nas hipóteses de fusão e incorporação, a

responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação

integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as

demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão

ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente

comprovados”.

Note que a lei afastou a possibilidade de imputação, à pessoa jurídica distinta da

infratora, da responsabilidade pelas sanções previstas na Lei anticorrupção, assinalando,

contudo, que isto não afasta a possibilidade de se exigir, perante o patrimônio transferido (ou

seja, o patrimônio da infratora), a satisfação da multa que lhe havia sido imposta. E isso, pelas

mesmas razões acima declinadas, não importa em transmissão dessa penalidade (eis a

exigência é limitada ao patrimônio do infrator), ainda que a redação do sobredito preceito

normativo possa dar margem a interpretação nesse sentido.

O art. 4º, §1º da Lei anticorrupção, contudo, prevê uma exceção às sanções

intransmissíveis (tanto administrativas como jurisdicionais), em que, diante de simulação ou

evidente intuito de fraude, desconsidera-se parte dos efeitos do negócio jurídico realizado

(fusão ou incorporação), para admitir a transmissão daquelas sanções que, em regra, são

intransmissíveis.

E não vislumbramos, ao menos a princípio, mácula nessa regra, eis que permite que a

sanção atinja efetivamente sua finalidade, tolhendo a pretensão de se adotar artifício ardiloso

com o intuito de descumprir a penalidade imposta. Parece-nos que o princípio da pessoalidade

cede lugar ao primado da supremacia do interesse público sobre o privado, que legitima a

previsão daquela exceção.

De outra banda, parece-nos que o art. 4º, §2º incorreu em inconstitucionalidade, ao

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dispor que “As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo

contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática de atos previstos

nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa (...)”. Aqui

sim há típica imputação de responsabilidade pela sanção a terceiro (inclusive solidária), que

sequer depende da comprovação de eventual fraude ou simulação, o que, ao nosso juízo,

afronta o princípio da pessoalidade e a finalidade da sanção. Ainda que as apontadas pessoas

jurídicas possuam vínculo com a infratora, não há dúvida de que se tratam de entes distintos.

Por sua vez, o art. 33, V da Lei 8.666/93, distanciando-se do art. 278, §1º da Lei

6.404/76210, estipula a “responsabilidade solidária dos integrantes pelos atos praticados em

consórcio, tanto na fase de licitação quanto na de execução do contrato”. Por força do

princípio da culpabilidade, parece-nos que esta responsabilidade solidária não se aplica às

infrações e sanções administrativas. Uma vez ocorrida a prática da infração, deve-se

identificar o infrator, o que não afasta a possibilidade de todos os integrantes do consórcio

terem contribuído para a prática do ilícito (o que seria típica hipótese de coautoria),

respondendo cada um na medida de sua culpabilidade211.

Por fim, o art. 14 da Lei anticorrupção prevê a desconsideração da personalidade

jurídica, hipótese em que serão “estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa

jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o

contraditório e ampla defesa”. E isso na hipótese de a personalidade jurídica ser “utilizada

com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos

lesta Lei ou para provocar confusão patrimonial”.

Longe de pretender esgotar o tema (eis que, dada a sua complexidade, certamente

210 “Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir

consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste Capítulo. §1º - O consórcio não tem personalidade jurídica e as consorciadas somente se obrigam nas condições previstas no respectivo contrato, respondendo cada uma por suas obrigações, sem presunção de solidariedade”.

211 Isto poderá ser cambiável, por exemplo, a depender da espécie de consórcio. Nessa toada, verifique-se o magistério de Joel de Menezes Niebuhr: “Fala-se no mercado em dois tipos de consórcio, o horizontal e o vertical. O horizontal é aquele em que os consorciados assumem internamente em conjunto todas as obrigações contratuais. No consórcio vertical, pactua-se internamente que cada consorciado é responsável pela execução de parcela(s) distinta(s) do objeto contratual. Ora, a responsabilidade solidária faz todo sentido para os consórcios horizontais, em que todos os consorciados fazem tudo, em que não se pode apartar o que cabe a um e o que cabe aos outros. Porém, não faz qualquer sentido nos consórcios verticais” (Licitação pública e contrato administrativo, p. 421). E, conforme observa com acerto Marçal Justen Filho, “Cabe uma ressalva para as hipóteses em que for prevista a constituição de uma sociedade de propósito específico para integrar o polo contratual. Nesse caso, o consórcio vencedor será convertido numa pessoa jurídica autônoma, a qual será contratada pela Administração. Em tal hipótese, a contratação não envolverá mais a participação do consórcio. Portanto, não caberá mais aludir à responsabilidade solidária das empresas consorciadas, eis que existirá uma pessoa jurídica autônoma participando da contratação” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 672).

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merece um trabalho integralmente a ele dedicado), cumpre-nos nos posicionar diante de

algumas controvérsias, pretendendo gizar a aplicação desse instituto ao direito administrativo

sancionador, mormente às sanções administrativas aplicáveis à licitações e contratos.

A primeira indagação que se faz é se é necessária a previsão em lei da

desconsideração da personalidade jurídica, para que seja possível a transmissão da

responsabilidade pela sanção aos administradores e sócios. Entendemos que sim, sendo

necessária inclusive a previsão dos pressupostos para a sua eclosão, em razão do primado da

legalidade212. Registre-se que a necessidade de lei está presente inclusive nas relações de

sujeição especial, sendo admissível, neste caso, apenas a edição de ato infralegal explicitando

os pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, sem extrapolar, contudo, a

previsão legal213.

Ainda que prevista em lei, pode-se indagar se não há afronta ao princípio da

pessoalidade das sanções e à sua finalidade (que encerraria uma ofensa ao primado da

adequação). Parece-nos que não, pois, além das razões acima declinadas com relação à

constitucionalidade do art. 4º, §1º da Lei anticorrupção (que também se aplicam a esta

hipótese), comungamos com o preciso pensamento de Angélica Petian no sentido de que

“diante de um caso que coloque em posição contrária o princípio da indisponibilidade do

212 Tanto mais isso é verdade que, como é sabido e ressabido, há leis prevendo a desconsideração da

personalidade jurídica, inclusive sob critérios distintos, fixados tendo em vista o bem jurídico tutelado. E isso, ao nosso juízo, em que pese parecer-nos que se trata de uma exigência constitucional, revela a importância de lei disciplinar o instituto, tendo em vista cada realidade jurídica na qual ele está inserido. Deveras, além do art. 50 do Código Civil (“Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”), as Leis 9.605/98 e 12.529/11 assim dispõem acerca da desconsideração da personalidade jurídica, respectivamente: “Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”; e “Art. 34. A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. Parágrafo único. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração”.

213 Régis Fernandes de Oliveira possui entendimento divergente: “Pode a Administração Pública desconsiderar a pessoa jurídica para alcançar a pessoa dos sócios, diante da presença dos pressupostos para o seu reconhecimento? A Administração está qualificada a agir de forma autônoma. A concepção moderna do princípio da legalidade aceita a independência e desnecessidade de texto explícito e específico. É o que deflui da complexidade da sociedade atual em que não deve prevalecer a ausência de lei para beneficiar os que a infringem” (Infrações e sanções administrativas, p. 107). De outra banda, Angélica Petian, em excelente artigo acerca do tema, diverge em parte do nosso entendimento: “Assim, a ausência de previsão legal impede a aplicação da desconsideração da pessoa jurídica em relações de sujeição geral, mas não tem o mesmo efeito nas relações de sujeição especial, nas quais é possível que as partes sujeitem-se à desconsideração, por autorização de cláusula contratual ou regulamentar” (A aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica às sanções administrativas. In Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, nº 51/52, p. 267).

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interesse público e o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, estamos certos de

que o Direito privilegia o primeiro, permitindo a desconsideração da pessoa jurídica”214.

Quanto aos pressupostos para a desconsideração da personalidade jurídica, insistimos

que compete à lei defini-los, tendo em vista o bem jurídico protegido pela sanção

administrativa. Daí porque a validade desses pressupostos deve ser avaliada diante de cada

sistema sancionatório, sempre à luz do princípio da proporcionalidade.

Sem embargo, parece-nos que a solução média é aquela eleita pelo art. 14 da Lei

anticorrupção. Ou seja, admitir a desconsideração da personalidade jurídica nas hipóteses de

abuso de direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática da infração, bem como

provocar confusão patrimonial. Todavia, não se pode afastar, de antemão, a possibilidade de

eleição de outros critérios, tal como o fez, por exemplo, o art. 34, parágrafo único da

12.529/11215, mormente porque se está diante de infrações que tutelam bem jurídico

específico (neste caso, a ordem econômica).

Também há controvérsia acerca da possibilidade de a Administração determinar a

desconsideração da personalidade jurídica. Ou seja, se não seria esta uma competência

privativa do Poder Judiciário. Parece-nos que não, pois não vislumbramos óbice para que a lei

outorgue essa competência à Administração, desde que respeitado, evidentemente, o

contraditório e ampla defesa, por meio da instauração de processo administrativo. E não há

dúvida de que o ato administrativo que eventualmente determinar a desconsideração da

personalidade jurídica estará sujeito a controle pelo Poder Judiciário.

Por fim, cremos que também compete à lei prever quais as sanções administrativas

cujas responsabilidades podem ser transferidas aos administradores ou sócios, em razão da

desconsideração da personalidade jurídica.

E foi o que, ao nosso juízo, fez o art. 14 da Lei anticorrupção, ao admitir a extensão

de “todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios

com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa”. A despeito de

esta regra estar prevista no capítulo que disciplina o procedimento de responsabilização

administrativa, parece-nos que a desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer com

relação às sanções administrativas e jurisdicionais previstas na lei, desde que, conduto, haja

compatibilidade com este instituto216.

214 Ibid., mesma página. 215 Vide nota de rodapé nº 194, da página anterior. 216 Não nos afigura possível a transmissão da publicação extraordinária de decisão condenatória e da dissolução

da pessoa jurídica, por exemplo. Já com relação à multa; ao perdimento de bens; e à proibição de recebimento de incentivos há, ao menos a princípio, compatibilidade, sendo controversa, contudo, a

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Note que o referido preceito legal fala em extensão dos “efeitos das sanções

aplicadas às pessoas jurídicas”. Parece-nos que se utilizou apenas termo distinto para a

transmissão da responsabilidade por suportar a sanção, o que também abrange os seus efeitos,

tais como a reparação dos danos dela decorrentes.

Eis o que, ao nosso juízo, parece ser a extensão da desconsideração da personalidade

jurídica prevista no art. 14 da Lei anticorrupção. E, em que pese o Superior Tribunal de

Justiça ter sufragado entendimento em sentido contrário217, entendemos que essa

desconsideração não pode ser determinada com relação às sanções administrativas previstas

nas Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, por ausência de previsão legal218.

Todavia, relativamente à licitação e contrato, costuma-se desconsiderar a

personalidade jurídica quando se está diante de conduta fraudulenta ou abusiva que pretende

contornar os efeitos de sanção administrativa imposta à pessoa jurídica. Insere-se, dentro

desta hipótese, a conhecida constituição, pelos mesmos sócios, de nova pessoa jurídica para

participar de licitação, pelo fato de a empresa anterior ter sido declarada inidônea ou estar

com o seu direito de licitar e contratar suspenso. Neste caso, parece-nos que esta nova pessoa

jurídica criada com esta finalidade incorre, ao menos, na infração prevista no art. 86, II da Lei

8.666/93219, razão pela qual deve ser excluída do certame.

Ou seja, a exclusão da licitação ou anulação do contrato que vier a ser celebrado não

decorre da desconsideração da personalidade jurídica, mas de ato ilícito praticado pela nova

pessoa jurídica. Aliás, o art. 5º, IV, “e” da Lei anticorrupção inclusive previu infração

pretendendo coibir a prática dessa conduta220.

3.3.2. Culpabilidade (reprovabilidade)

possibilidade de transmissão da suspensão ou interdição parcial das atividades. Em tese é possível fixar critérios neste sentido, o que, contudo, foge do escopo deste trabalho, eis que não pretendemos investigar as sanções jurisdicionais.

217 STJ, 2ª Turma, RMS 15.166, Rel. Min. Castro Meira, DJ. 08.09.2003. Também nesse sentido é a jurisprudência do TCU (Plenário, Acórdão 928/2008, Rel. Min. Benjamin Zymler, j. 21.05.2008).

218 Nesse sentido, assinala Eduardo Rocha Dias: “Outro obstáculo a ser lembrado é a circunstância de, em regra, a sanção poder ser aplicada apenas à pessoa jurídica, não a seus sócios. O artigo 88 da Lei 8.666/93 refere-se a ‘profissionais’, aludindo sem dúvida a pessoas físicas que participam de licitações, mas não a sócios das pessoas jurídicas. Estes podem, perfeitamente, criar nova sociedade e assim continuar a licitar. A inconfundibilidade entre a pessoa jurídica e seus sócios, a limitação da responsabilidade destes, a necessidade de demonstração de dolo ou culpa para se aplicar sanções às pessoas físicas e a inexistência de previsão normativa para punição pessoal dos sócios ou para admissão da desconsideração da personalidade jurídica da empresa (disregard of legal entity) dimensionam bem a falha da Lei de Licitações. Melhor teria sido prever-se a extensão da sanção aos sócios, na medida da sua responsabilidade” (Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 105).

219 Vide subitem 4.1.5. 220 Vide subitem 5.1.5.

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Já assinalamos, com amparo nas lições de Luiz Flávio Gomes, que a grande mudança

provocada pelo finalismo de Welzel na teoria do delito “diz respeito à posição do dolo (e da

culpa)”, em que estas “passam a compor a conduta e, em consequência, o fato típico (não

mais a culpabilidade)”221.

Em vista disso, a culpabilidade passou a ser “um juízo de reprovação que recai sobre

o sujeito que praticou o delito” (Damásio de Jesus222), exigindo-se para a imposição da sanção

a imputabilidade; a real ou potencial consciência da ilicitude; e a inexigibilidade de conduta

diversa (em todos os casos do sujeito passivo).

E, justamente por força disso, aderimos à corrente inaugurada por René Ariel

Dotti223, no sentido de que o juízo de reprovabilidade (isto é, a culpabilidade) é um elemento

da pena, e não do ilícito224. Deveras, parece-nos que as três regras acima indicadas, que

encerram o conteúdo da culpabilidade, investem contra o aspecto pessoal da relação jurídica

sancionatória, reduzindo o conjunto de possíveis sujeitos passivos. É dizer, não deve ser

imposta a sanção às pessoas que, ainda que pratiquem o fato ilícito previsto na hipótese da

norma jurídica sancionadora, sejam inimputáveis; não possuam potencial conhecimento da

ilicitude; não poderiam lhe ser exigidas conduta diversa do que aquela adotada225. É evidente

221 Teoria constitucionalista do delito e imputação objetiva, p. 56. 222 Curso de Direito Penal - Parte Geral, p. 448. 223 Assinala o autor: “Em meu entendimento, o conceito de delito se aperfeiçoa na conjunção de três elementos:

ação (ou omissão), tipicidade e ilicitude. A culpabilidade, como juízo de reprovação post factum, é um componente indissociável da sanção. E no quadro da teoria geral da pena o assunto deve ser tratado” (Curso de Direito Penal - Parte Geral, p. 445). E continua: “Abstraído esse aspecto e apesar de outras observações manejadas pelo ilustre e sensível crítico, não têm elas o condão de rejeitar a mais simples das proposições que defendo: o crime, como ação tipicamente ilícita, é um fenômeno distinto e separável, abstrata e materialmente, da pena, cuja imposição depende dos pressupostos de imputabilidade, consciência da ilicitude (real ou potencial) e exigibilidade de conduta diversa; isto é, da culpabilidade” (Curso de Direito Penal - Parte Geral, p. 446).

224 Damásio de Jesus também comunga desse pensamento, inclusive o fundamentando em normas do Código Penal: Direito Penal - Parte Geral, p. 499-501. E pede-se vênia para se transcrever, uma vez mais, o pensamento de Régis Fernandes de Oliveira: “Com a adoção da teoria finalista da ação, pode-se conceituar o delito como um fato típico e antijurídico. Esses dois requisitos são essenciais para a caracterização de qualquer infração. A culpabilidade, que era terceiro requisito genérico do delito, passou a ser somente condição para imposição de pena” Infrações e sanções administrativas, p. 40).

225 Vê-se, portanto, que, assim como ocorre com relação à antijuridicidade, o fenômeno da incidência das regras que veiculam as hipóteses que afastam a culpabilidade é semelhante ao das isenções tributárias, à luz do magistério de Paulo de Barros Carvalho. Este ilustre professor, aliás, cita exemplo, bastante esclarecedor, de regra de isenção que recai sobre o sujeito passivo: “Guardando a sua autonomia normativa, a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da norma-padrão de incidência, mutilando-os, parcialmente. É óbvio que não pode haver supressão total do critério, porquanto equivaleria a destruir a regra-matriz, inutilizando-a como norma válida no sistema. O que o preceito da isenção faz é subtrair parcela do campo de abrangência do critério do antecedente ou do consequente. Vejamos um modelo: estão isentos do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza os rendimentos do trabalho assalariado dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros. É fácil notar que a norma jurídica de isenção do IR (pessoa física) vai de encontro à regra-matriz de incidência daquele imposto, alcançando-lhe o critério pessoal do consequente, no ponto exato do sujeito passivo. Mas não exclui totalmente, subtraindo, apenas, no domínio dos possíveis sujeitos

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que impor a sanção nestas hipóteses também representaria flagrante afronta ao primado da

adequação226, o que afasta qualquer espécie de dúvida quanto à aplicação da culpabilidade ao

direito administrativo sancionador.

Note, todavia, que este é apenas um dos critérios que podem ser adotados para a

construção do arquétipo lógico da norma jurídica sancionadora. É possível que, adotando a

culpabilidade como elemento da hipótese infracional, situe-se esta com um dos seus aspectos,

ao lado, portanto, da tipicidade e da antijuridicidade (como, aliás, a parcela majoritária da

doutrina o faz). E, como se sabe, não se pode afirmar que este ou aquele critério por nós

adotado está certo ou errado, razão pela qual não nos alongaremos sobre essa controvérsia,

ingressando-se, desde já, no estudo do conteúdo da culpabilidade (que, aliás, independe de

onde este elemento se situa. Isto é, se se trata de elemento do ilícito ou da sanção).

Nessa toada, conforme assinala Daniel Ferreira, “É possível conceber a

imputabilidade como a capacidade de entender e de querer; ou seja, como capacidade de

reprovabilidade, o que faz ter sentido a ideia de responsabilidade de imputáveis, tão-só”227.

Ademais, a inexigibilidade de conduta diversa, tal como, aliás, já se percebe,

“pressupõe que o agente podia e devia agir de maneira diversa”, de modo que não incorresse

na prática do comportamento ilícito, conforme observa René Ariel Dotti228. Em razão do

disposto no art. 22 do Código Penal229, aponta-se a coação moral irresistível e a obediência

hierárquica como hipóteses de inexigibilidade de conduta diversa.

Naquela, à luz do magistério de Daniel Ferreira, “se pratica a conduta, típica e

passivos, o subdomínio dos servidores diplomáticos de governos estrangeiros, e mesmo assim quanto aos rendimentos do trabalho assalariado. Houve uma diminuição do universo dos sujeitos passivos, que ficou desfalcado de uma pequena subclasse” (Curso de direito tributário, p. 568-569).

226 Vide Item 1.2. 227 Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 298.

Registra-se, aliás, que é assente na doutrina que há sanções administrativas que podem ser impostas ao menor. Verifique-se, a propósito, o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Tanto podem ser sujeitos da infração administrativa e do dever de responder por elas pessoas físicas como pessoas jurídicas, sejam de Direito Privado, sejam de Direito Público. O menos também pode se incluir em tais situações. Assim, caso desatenda aos regulamentos de uma biblioteca pública, incorrendo na figura infracional de retenção de livro além do período permitido, sofrerá suspensão, como qualquer outro. Diversamente, há sanções que não teria como suportar. Assim, se conduzir automóvel sem carteira de habilitação ou em excesso de velocidade, o pai ou responsável pelo menos responderá pelas multas cabíveis ou quaisquer outras sanções previstas” (Curso de direito administrativo, p. 873). Também merece destaque a definição de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini: “Em primeiro lugar, é preciso estabelecer se o sujeito tem certo grau de capacidade psíquica que lhe permitia ter consciência e vontade dentro do que se denomina autodeterminação, ou seja, se tem ele a capacidade de entender, diante de suas condições psíquicas, a antijuridicidade de sua conduta e de adequar essa conduta à sua compreensão. A essa capacidade psíquica denomina-se imputabilidade. Esta é, portanto, a condição pessoal de maturidade e sanidade mental que confere ao agente a capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se segundo esse entendimento” (Manual de Direito Penal – Parte Geral, p. 193).

228 Curso de direito penal – Parte geral, p. 463. 229 “Art. 22 - Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente

ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem”.

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antijurídica, mas sob forte e insuperável ameaça, por conta da qual, se não cumprida a espúria

ordem, um gravame de valor desproporcional à falta administrativa será causado ao

coagido”230. Já a obediência hierárquica pressupõe uma ordem não manifestamente ilegal, eis

que, em se tratando de manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade, o subordinado não está

obrigado a cumpri-la, razão pela qual não haveria que se falar em inexigibilidade de conduta

diversa (neste caso, o sujeito passivo não só poderia como deveria ter inobservado a ordem de

seu superior hierarca231).

Além disso, o juízo de reprovação ainda pressupõe a real ou potencial consciência da

ilicitude que, segundo Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini, exige que se apure se “o

sujeito poderia estruturar, em lugar da vontade antijurídica da ação praticada, outra conforme

o direito, ou seja, se conhecia a ilicitude do fato ou se podia reconhece-la”232.

E uma das hipóteses que acarreta o desconhecimento da ilicitude do fato é o erro de

proibição, previsto como hipótese excludente da culpabilidade pelo art. 21 do Código

Penal233, em que “A pessoa tem plena consciência da conduta que adota, mas erroneamente

considera que sua prática é permitida pelo ordenamento jurídico”, conforme assinala Rafael

Munhoz de Mello234.

Aliás, esse autor, amparando-se nas lições de Alejandro Nieto, ressalta com acerto

que, a despeito da regra no sentido de que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que

não a conhecer”235, “é preciso admitir que há situações em que é inevitável o erro acerca do

230 Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 308-309. 231 Tratam-se dos atos classificados como “inexistentes” por Celso Antônio Bandeira de Mello: “Consistem em

comportamentos que correspondem a condutas criminosas ofensivas a direitos fundamentais da pessoa humana, ligados à sua personalidade ou dignidade intrínseca e, como tais, resguardados por princípios gerais de Direito que informam o ordenamento jurídico dos povos civilizados” (Curso de direito administrativo, p. 481). A propósito, ao dispor sobre os deveres dos servidores públicos federais, o art. 116, IV da Lei 8.112/90 prevê como dever “cumprir as ordens superiores, exceto quando manifestamente ilegais”.

232 Manual de Direito Penal – Parte Geral, p. 194. 233 “Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de

pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço. Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência”.

234 Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 198. Verifique-se, ademais, o acertado magistério de Francisco Zardo: “Se o direito penal admite o erro como causa de redução da pena ou até de sua isenção, o direito administrativo deve admiti-lo com maior razão. O repertório de crimes geralmente é mais conhecido pela população. A lista de deveres e infrações administrativas é interminável e, como assevera Antonio Maria Bueno Armijo, ‘pressupor seu conhecimento é uma ficção’. Isso se deve ao fato de que, como constata Heraldo Garcia Vitta, ‘todas as entidades, políticas e administrativas, editam leis e atos administrativos; diversas pessoas jurídicas, compostas por órgãos diferentes, têm competência para editar atos jurídicos, com conteúdos variáveis, em determinado espaço e tempo’. Diante dessa miríade de atos com conteúdo normativo, é possível que, apesar da diligência adotada, um cidadão incida em erro, supondo lícita determinada conduta proibida” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 125-126).

235 Art. 3º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro.

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tratamento jurídico que certa conduta recebe no âmbito do sistema normativo”236. E é

inegável que “O excesso de leis e regulamentos que disciplinam a atuação da Administração

Pública dificulta ainda mais o conhecimento dos diversos deveres e obrigações que são

impostos pelos entes estatais, cuja inobservância pode conduzir à imposição da sanção

administrativa”237.

Também é amplamente difundida uma segunda espécie de erro, qual seja: o erro de

tipo, em que “o sujeito ‘não sabe o que faz’, quer porque se mostra equivocado em relação aos

elementos fático-descritivos quer em relação aos fático-normativos do tipo objetivo”,

conforme observa Daniel Ferreira238. E é assente que esse erro, em regra, exclui o dolo,

permitindo-se a imposição da sanção acaso o ilícito possa ser praticado culposamente, ainda

que seja possível que o erro de tipo também exclua a culpa239. Daí porque nos parece haver

que este erro acarreta a exclusão da tipicidade, e não da culpabilidade (isto é, ele recai sobre o

elemento subjetivo do comportamento, e não sobre o sujeito passivo).

Por fim, também há controvérsia acerca da natureza jurídica do caso fortuito e da

força maior240. Isto é, se se tratam de causa excludente da culpabilidade; do nexo de

causalidade ou da tipicidade. Assim como no erro do tipo, parece-nos que esta hipótese pode

acarretar a exclusão do dolo e da culpa, o que impede, portanto, o nascimento da relação

jurídica sancionatória e, com isso, eventual juízo de reprovação241.

3.4. Aspecto objetivo (consequência negativa e retributiva à prática de uma infração administrativa)

236 Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 199. 237 Ibid., mesma página. 238 Teoria geral da infração administrativa a partir da Constituição Federal de 1988, p. 281.

Aliás, o exemplo dado por esse professor é bastante elucidativo: “seria possível cogitar de erro (e invencível) do motorista que, envolvido em acidente com vítima, retira o carro do meio da rua para evitar perigo para o trânsito e é acusado de deixar de preservar o local para a perícia” (Ibid., mesma página).

239 Nesse sentido, assinala Rafael Munhoz de Mello: “O erro de tipo afasta o dolo, já que o agente pratica a conduta típica sem desejá-la. Mas nem sempre o erro de tipo afasta a culpa stricto sensu, pois a falsa percepção sobre elemento da conduta pode ter sido causada por negligência, imperícia ou imprudência do agente. Todavia, sendo o erro inevitável, considerando-se o dever de diligência exigido na situação concreta, não há que se falar sequer em culpa. Em tal hipótese não há infração administrativa, e não pode ser imposta sanção” (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 197-198).

240 Nesse sentido: JESUS, Damásio de. Direito Penal – Parte geral, p. 280-282. 241 Nessa toada, ensinam Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini: “Não há fato típico na ocorrência de

resultado lesivo em decorrência de caso fortuito ou força maior. Fortuito é aquilo que se mostra imprevisível, quando não inevitável; é o que chega sem ser esperado e por força estranha à vontade do homem que não o pode impedir. Com a ocorrência do caso fortuito, não deixa de existir a conduta, mas não será ela atribuída ao agente por ausência de dolo ou culpa em sentido estrito. Não se pode reconhecer conduta típica na ação do motorista em que, por um acidente decorrente da queima de fusível de seu veículo, causa lesões ou morte de alguém. Não se pode atribuir o resultado lesivo decorrente da ruptura do mecanismo de direção quando se desenrola a condução do veículo em condições normais, do incêndio provocado pelo cigarro que é derrubado do cinzeiro por um golpe de ar inesperado etc” (Manual de Direito Penal – Parte Geral, p. 96-97).

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Ao definir a sanção jurídica, já declinamos as características que, agregadas ao

conceito lato de sanção – consequência jurídica à prática de um ilícito –, definem a sanção

jurídica em sentido estrito242. Daí porque faz-se apenas uma breve recapitulação, por questões

didáticas.

Trata-se de uma consequência jurídica negativa, pois, se por meio da sanção

administrativa se pretende desincentivar a prática de um determinado comportamento ilícito, é

evidente que ela deve ser uma medida aflitiva, que, portanto, restrinja a esfera jurídica

daquele que praticar o ilícito.

Além de negativa, aquela consequência é repressiva (ou retributiva), eis que

pretende reprimir o comportamento infracional, o que não se confunde com uma intenção de

pura e simplesmente impor um castigo (ou de punir), mas sim de desestimular a prática do

ilícito. Daí porque, conforme assinalado anteriormente, a sanção administrativa não se

confunde com as medidas que pretendem recompor a ordem jurídica (sanções ressarcitórias),

bem como acautelar prévia ou repressivamente interesses juridicamente protegidos.

Por fim, a sanção administrativa deve estar prevista em lei como consequência à

prática de uma infração administrativa, tal como exige o art. 5º, XXXIX da Constituição da

República, ao dispor que “não há pena sem prévia cominação legal”.

3.5. Princípio do non bis in idem

Rios de tinta já foram escritos acerca desse tema. E, ao menos no Direito brasileiro, é

assente que não há óbice para a imposição, a uma mesma pessoa, de duas ou mais sanções (da

mesma ou de distinta natureza), em razão da prática de uma única conduta.

Para tanto, basta que esse comportamento se subsuma a dois ou mais tipos

infracionais, o que poderá dar ensejo à imposição de duas ou mais sanções. É o que, por

exemplo, prevê o art. 82 da Lei 8.666/93243.

Daí porque, conforme assinala Rafael Munhoz de Mello, “O princípio do non bis in

idem não impede a cumulação de sanção administrativa com sanção penal. Uma mesma

conduta pode ser tipificada pelo legislador como infração administrativa e como crime”244.

242 Vide item 1.3. 243 “Art. 82 – Os agentes administrativos que praticarem atos em desacordo com os preceitos desta Lei ou

visando a frustrar os objetivos da licitação sujeitam-se às sanções previstas nesta Lei e nos regulamentos próprios, sem prejuízo das responsabilidades civil e criminal que seu ato ensejar”.

244 MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 213. Verifique-se, ademais, o magistério de Eduardo Rocha Dias: “Para se admitir a cumulação de sanções é necessário determinar a extensão do princípio do non bis in idem. É assente no Direito Brasileiro que

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Ademais, concordamos com Daniel Ferreira no sentido de que “Nada obsta, além

disso, a que venha a lei e estipule, desde logo, a acumulação de uma sanção administrativa

com outras, tal como a multa com declaração de inidoneidade245”246. É dizer, conforme

sustenta Heraldo Garcia Vitta, é possível a imposição de mais de uma sanção administrativa

ao infrator: “quando houver o descumprimento de distintos deveres, estabelecidos em normas

jurídicas”247; e “quando ocorre o descumprimento do mesmo dever, porém, explicitamente, a

norma determina a imposição, concomitantemente, de diferentes penalidades

administrativas”248.

E, justamente por força disso, não vislumbramos óbice à aplicação concomitante das

sanções administrativas previstas na Lei anticorrupção (multa e publicação extraordinária da

decisão condenatória) com aquelas previstas nas Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11 (multa;

suspensão ou impedimento de licitar e contratar; e declaração de inidoneidade), em razão da

prática de comportamento que se subsuma a tipos infracionais previstos em ambas as leis249.

Ao nosso juízo, a Lei anticorrupção, ao veicular infrações aplicáveis a licitações e

contratos administrativos, cominando-lhes as sobreditas sanções administrativas, não revogou

disposição das Leis de Licitação, Pregão e do RDC relativas a essa matéria. Aquele diploma

normativo, de modo legítimo, previu novas sanções aplicáveis a determinadas infrações por

inocorre lesão a tal princípio pela possibilidade de aplicação a um mesmo fato de sanções civil, penal e administrativa (Hely Lopes Meirelles, 1990:408; Diógenes Gasparini, 1993:608-609). Tal admissibilidade refletiu-se inclusive na lei (artigo 125 da Lei 8.112/90)” (Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 99). Também nesse sentido é o magistério de Daniel Ferreira: “Para nós não há qualquer proibição, constitucional ou legal, de se impor, cumulativamente, consequências restritivas de direitos a um administrado através de uma pena (criminal) e uma sanção administrativa, bastando para tanto que seu comportamento tenha configurado uma conduta reprovável para essas duas ordens normativas – razão pela qual não trataremos desse princípio sob esse aspecto, como o faz boa parte dos juristas” (Sanções administrativas, p. 133). Por fim, ensina Régis Fernandes de Oliveira: “O que se pretende dizer é que a aplicação de sanção administrativa não implica isenção de outras obrigações decorrentes do comportamento antijurídico, pois infringiu ele outras normas que preveem outras penas” (Infrações e sanções administrativas, p. 108).

245 Nesse sentido, dispõe o art. 87, §2º da Lei 8.666/93: “As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis”.

246 Sanções administrativas, p. 133. Também nesse sentido assinala Rafael Munhoz de Mello: “O princípio do non bis in idem, por outro lado, não veda ao legislador a possibilidade de atribuir mais de uma sanção administrativa a uma mesma conduta. Foi afirmado acima que a sanção que atende ao princípio da proporcionalidade é a prevista no ordenamento jurídico: o legislador, observadas as normas constitucionais, define as medidas sancionadoras adequadas e proporcionais para cada situação de fato. Se estabelece a lei formal múltiplas sanções para uma mesma conduta, são elas as sanções adequadas e proporcionais, não sendo sua aplicação ofensiva ao princípio do non bis in idem” (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 212).

247 A sanção no direito administrativo, p. 119. 248 Ibid., mesma página. 249 Também nesse sentido é o magistério de Marçal Justen Filho: “A Lei 12.846 disciplinou mais um regime de

combate à corrupção. Não substitui nem revoga os diplomas já existentes, mas se destina a coexistir com todos eles. Portanto, continuam a vigorar as normas do Código Penal, da Lei de Ação Popular, da Lei de Improbidade e assim por diante” (A “nova” lei anticorrupção brasileira (Lei federal 12.846), p. 1).

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ele tipificadas250. E o art. 12 do Decreto federal 8.420/15251 andou bem ao prever a apuração e

julgamento conjuntos nessa hipótese, preservando, contudo, a autonomia e competência de

cada autoridade para decidir pela configuração da infração e imposição da sanção que

entender cabível, pois as relações jurídicas sancionatórias instauradas são distintas, a despeito

de decorrentes do mesmo fato.

Aliás, parece-nos que a tipificação de infrações administrativas pela Lei

anticorrupção possui uma importante repercussão na aplicação da infração prevista no art. 88,

III da Lei 8.666/93.

Com efeito, segundo esse preceito normativo, estará sujeita à aplicação da declaração

de inidoneidade as pessoas, físicas ou jurídicas, que “demonstrem não possuir idoneidade para

contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados”.

E como não se tergiversa que as infrações previstas nos arts. 5º, IV da Lei

anticorrupção se consubstanciam em atos ilícitos, é evidente que o licitante ou contratado que

incorrer em algum desses ilícitos estará sujeito não apenas às sanções previstas naquela lei,

mas também à penalidade de declaração de inidoneidade, em razão do disposto no art. 88, III

da Lei 8.666/93252.

Vê-se, portanto, que o princípio do non bis in idem não encerra a impossibilidade de

250 Não afastamos tampouco a possibilidade imposição de duas multas, eis que elas decorrerão da prática de duas

infrações administrativas, ainda que em razão da prática de um mesmo comportamento. 251 “Art. 12. Os atos previstos como infrações administrativas à Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, ou a

outras normas de licitações e contratos da administração pública que também sejam tipificados como atos lesivos na Lei nº 12.846, de 2013, serão apurados e julgados conjuntamente, nos mesmos autos, aplicando-se o rito procedimental previsto neste Capítulo. § 1º Concluída a apuração de que trata o caput e havendo autoridades distintas competentes para julgamento, o processo será encaminhado primeiramente àquela de nível mais elevado, para que julgue no âmbito de sua competência, tendo precedência o julgamento pelo Ministro de Estado competente. § 2º Para fins do disposto no caput, o chefe da unidade responsável no órgão ou entidade pela gestão de licitações e contratos deve comunicar à autoridade prevista no art. 3ºsobre eventuais fatos que configurem atos lesivos previstos no art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013”. Por meio desse preceito regulamentou-se o art. 30, II da Lei anticorrupção, que, aliás, foi recentemente alterado pela Medida Provisória 703/2015: “Art. 30. Ressalvada a hipótese de acordo de leniência que expressamente as inclua, a aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: (...) II – atos ilícitos alcançados pela Lei nº 8.666, de 1993, ou por outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no que se refere ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC, instituído pela Lei nº 12.462, de 2011”.

252 Pedro Aguiar de Freitas também anteviu essa conexão: “Com base no dispositivo acima reproduzido, pode-se cogitar de que a empresa que vier a ser sancionada com base na LAC e que mantenha contrato com a Administração Pública poderá ser declarada inidônea por demonstrar não mais possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de atos ilícitos praticados”. E “Como se vê, resta clara a conexão entra a LAC e a Lei de Licitações no que tange às autoridades sancionadoras e às condutas ilícitas descritas em ambas as normas, o que leva ao entendimento de que eventuais fatos ilícitos praticados no âmbito de uma ou de outra deverão ser apreciados, inclusive no que tange às sanções correspondentes, à luz de ambos os diplomas legais e até mesmo no curso do mesmo processo administrativo” (A Lei anticorrupção e as empresas: compliance e modulação de sanções. In Revista do Advogado. São Paulo: AASP, n. 125, 2014, p. 104).

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um mesmo comportamento dar ensejo a duas ou mais sanções administrativas. O que faz este

primado é proibir o “reiterado sancionamento por uma mesma infração – vale dizer, afastar a

possibilidade de múltipla e reiterada manifestação sancionadora da Administração Pública”253

com relação a uma mesma infração (e não com relação ao mesmo comportamento, que pode

dar ensejo a mais de uma infração)254.

253 FERREIRA, Daniel. Sanções administrativas, p. 134. 254 Daniel Ferreira é feliz ao exemplificar a hipótese de inobservância desse princípio: “Assim, não pode a

autoridade competente impor uma sanção de advertência ao servidor ‘X’, pelo ilícito ‘y’, e, passados 10 dias, concluir que deveria ter imposto outra, a ‘z’ (inclusive, mais grave). No caso, estará exaurida a competência sancionadora da Administração em face daquela conduta reprovável (Sanções administrativas, p. 134).

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4. INFRAÇÕES E SANÇÕES ADMINISTRATIVAS PREVISTAS NAS LEIS 8.666/93,

10.520/02 E 11.462/11

É sabido e ressabido que a Lei 8.666/93 previu infrações e sanções administrativas

aplicáveis tanto aos licitantes como aos contratados. Posteriormente, sobreveio a Lei do

Pregão (Lei 10.520/02), que, em artigo específico (art. 7º), também dispôs sobre essa matéria,

no que foi seguida pelo art. 47 da Lei 12.462/11, que instituiu o Regime Diferenciado de

Contratações Públicas (RDC).

Diante disso, antes que ingressemos no estudo de cada infração e sanção

administrativa em espécie prevista nas referidas leis, cumpre-nos esclarecer, ainda que

brevemente, como se dá, ao nosso juízo, a aplicação das disposições das Leis 8.666/93,

10.520/02 e 12.462/11 acerca deste tema.

Preliminarmente, não ingressaremos na controvérsia existente acerca do conteúdo e

dos limites da competência da União prevista no art. 22, XXVII da Constituição da República,

para a edição de “normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as

Administrações Públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito

Federal e Municípios (...)”. Adotamos a premissa, com amparo na parcela majoritária da

doutrina255, de que as normas que preveem as infrações e sanções administrativas, veiculadas

255 Nesse sentido, Vera Monteiro desenvolve um excelente estudo acerca desse complexo tema, revelando,

ademais, que a parcela majoritária da doutrina sufraga o entendimento de que a norma que instituiu o pregão é norma geral: “Tratando-se de nova modalidade licitatória, a norma instituidora do pregão tem caráter geral, nos termos do art. 22, XXVII, da Constituição Federal. Compartilham dessa opinião, entre outros, Celso Antônio Bandeira de Mello, Adilson Abreu Dallari, Lúcia Valle Figueiredo, Marçal Justen Filho, Alice Gonzales Borges, Jessé Torres Pereira Jr., Carlos Pinto Coelho Motta, Yara Darcy Police Monteiro e Pedro Barreto Vasconselos. Tais autores são enfáticos ao afirmar que não se pode criar nova modalidade de licitatória a não ser por norma geral, expedida pela União com base na sua competência constitucional privativa” (Licitação na modalidade de pregão, p. 58-59). E, especificamente com relação ao art. 7º da Lei 10.520/02, a ilustre autora acerta ao afirmar: “Dada a necessidade de manutenção da seriedade e uniformidade de tratamento para a aplicação da modalidade de pregão, tal regra é geral e não pode ser modificada pela legislação local” (Ibid., p. 195). Esse entendimento inclusive está em consonância com noção de normas gerais e as razões que, segundo Alice Gonzalez Borges, justificam a sua edição no âmbito das licitações e contratos administrativos: “Assim, segundo entendemos, são normas gerais aquelas que, por alguma razão, convém ao interesse público seja tratadas por igual, entre todas as ordens da Federação, para que sejam devidamente instrumentalizados e viabilizados os princípios constitucionais com que têm pertinência. A bem da ordem harmônica que deve manter coesos os entes federados, evitam-se, desse modo, atritos, colidências, discriminações, de possível e fácil ocorrência” (Normas gerais no Estatuto de licitações e contratos administrativos, p. 26). E continua a autora: “Com efeito, na medida em que tratamento diversificado local de certos aspectos do procedimento licitatório e dos contratos pode repercutir, e repercute, na vulneração de princípios constitucionais como o da igualdade entre os brasileiros e o da vedação de discriminação entre unidades federativas e entre os cidadãos destas, há de resguardar-se a norma fundamental, impondo-se regras de conduta, procedimentos uniformes, para todas as ordens da Federação” (Ibid., p. 44). Ademais, Marçal Justen Filho também é pedagógico ao afirmar: “A Lei do RDC reflete o exercício pela

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pelas Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11, são normas gerais e estão em consonância,

portanto, com o sobredito preceito constitucional. Daí porque se aplicam a todos os entes

políticos.

De outra banda, essa noção de normas gerais e especiais decorrentes dos arts. 22,

XXVII e 24, §1º da Constituição da República, não se confunde com aquela oriunda do art.

2º, §2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro256. Neste caso, a classificação

comumente dividida entre lei geral e lei especial é estabelecida por meio da comparação da

abrangência de dois ou mais conjuntos de normas disciplinadoras de uma determinada

matéria, veiculados em duas ou mais leis.

Deveras, ao veicular um conjunto de normas sobre uma dada matéria, a lei “X” colhe

um conjunto “A” de eventos. Tomemos, como exemplo, já para aclarar o tema, as normas

veiculadas na Lei 8.666/93, que disciplinam as infrações e sanções administrativas aplicáveis

a licitações e os contratos regidos por essa lei.

Pela definição acima adotada, se for editada uma nova lei “Y”, que veicule um

conjunto de normas daquela mesma matéria, porém aplicável a um conjunto menor de eventos

“B” contido no conjunto “A”, estar-se-á diante de uma norma especial em relação à norma

“X”. Também é possível uma nova norma “Z” disciplinar a mesma matéria abrangendo um

conjunto maior de relações “C”, no qual os conjuntos “A” e “B” estão contidos, hipótese em

que esta nova norma será geral se comparada às normas “X” e “Y”. Por fim, se dois ou mais

União da competência prevista no art. 22, XXVII, da CF/88, que se refere à edição de normas gerais de licitação e contratação administrativas. Trata-se da mesma competência que legitima a edição das Leis nºs 8.666, 10.520 e outras, que dispõem sobre o tema” (Comentários ao RDC, p. 18). E vai além: “Portanto, a Lei nº 12.462 veiculou normas gerais sobre licitação e contratação administrativa, vinculante para todas as esferas federativas. Essa temática despertou controvérsias relevantes no tocante à Lei nº 8.666. Em muitos casos – e tal se passou relativamente à Lei nº 8.666 -, o diploma legal veicula não apenas normas gerais, mas também especiais. É necessário diferenciar as duas categorias. Assim se impõe porque as normas gerais aplicam-se a todos entes federados, enquanto as normas especiais aplicam-se apenas ao ente federativo que as editou – no caso, a União. Contudo, afigura-se que a maioria dos dispositivos da Lei nº 12.462 apresenta natureza de normas gerais e, como decorrência, o diploma deverá ser aplicado em termos amplos nas diversas órbitas da Federação” (Ibid., p. 18). Dentre esses dispositivos se inserem, ao nosso juízo, aquele que disciplina as infrações e sanções administrativas aplicáveis ao RDC (art. 47). Também nesse sentido é o magistério de Egon Bockmann Moreira e Fernando Vernalha Guimarães (A Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, p. 38-42). Já Maurício Zockun possui entendimento divergente, assinalando que a Lei 12.462/11 é norma especial, ao argumento de que ela “não cuidou de fixar balizas elementares para o tratamento da matéria. A Lei Federal nº 12.462 desceu aos pormenores que lhe interdita, a qualificação como norma geral, nem mesmo se ocupando de fixar garantias mínimas para tutela do interesse público”, razão da sua inconstitucionalidade (Apontamentos do regime diferenciado de contratações públicas à luz da Constituição da República. In CAMMAROSANO, Márcio, e DAL POZZO, Augusto Neves, e VALIM, Rafael (Coord.). Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC). Aspectos Fundamentais, p. 39). Ao nosso juízo, ao menos as normas veiculadas no art. 47 desse diploma normativo escapam da noção de norma especial, subsumindo-se, pois, à noção de norma geral, pelas razões acima expostas.

256 “Art. 2º. (...) §2º - A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior”.

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conjuntos de normas acerca de uma determinada matéria possuir a mesma abrangência, não

haverá a relação de especialidade ou de generalidade em comento. Neste último caso, não há

dúvida de que ambos os conjuntos de normas se aplicam às situações e relações jurídicas por

ele açambarcadas, devendo, portanto, ser interpretados em conjunto. É isto que se opera no

caso concreto257.

Com efeito, a despeito das respeitáveis vozes em sentido contrário258, concordamos

com o entendimento de Fábio Mauro de Medeiros pela integração plena, por meio de uma

interpretação sistemática e teleológica, das normas veiculadas nas Leis 8.666/93 e 10.520/02

disciplinadoras do regime sancionatório, o que também se aplica, evidentemente, às

disposições da Lei do 12.462/11 sobre esta matéria.

Nessa toada, em dois excelentes artigos acerca do tema259, o ilustre autor averba com

acerto que esta solução “é sustentável no nosso ordenamento jurídico e viabiliza a

recodificação de ambos os regramentos legais simultaneamente, reconstruindo a coerência do

257 Egon Bockmann Moreira e Fernando Vernalha Guimarães fazem a mesma distinção entre as diferentes

noções de normas gerais, acima referidas, porém chegam a conclusão distinta: “Logo, o RDC é uma norma geral diferenciada de licitação e contratação administrativa – aplicando-se a ele, de modo autônomo, o que ficou acima consignado a propósito das normas gerais. Afinal, a distinção entre normas gerais e normas federais, estaduais, distritais e municipais não diz respeito ao direito intertemporal e à solução das pseudoantinomias porventura constatadas pelo intérprete (em que se poderia cogitar da distinção, que ocupa outra categoria hermenêutica, entre normas gerais e normas especiais, distinguidas devido à abrangência da matéria legislada). Desta forma, o RDC é norma geral-especial, pois configura, ao mesmo tempo, uma norma geral de licitações públicas e uma norma especial em relação às demais leis que disciplinam licitações públicas” (A Lei Geral de Licitação – LGL e o Regime Diferenciado de Contratação – RDC, p. 39).

258 Nessa toada, Jorge Ulisses Jacoby Fernandes assinala: “No pregão há regra própria sobre as sanções cabíveis que devem ser interpretadas restritivamente. Desde já deve ser observado que a sanção – impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e a multa – não são cumulativas com as penalidades administrativas previstas na Lei n. 8.666/93, mas apenas com os crimes definidos nessa norma (Sistema de Registro de Preços e Pregão. Belo Horizonte: Fórum, 2003, p. 459-460 apud MOTTA, Carlos Pinto Coelho, Eficácia nas licitações e contratos, p. 947). Também nesse sentido é a posição de Joel de Menezes Niebuhr: “Portanto, a Lei n. 10.520/2002 prescreve sistemática própria para a aplicação de sanções administrativas, que diverge da sistemática da Lei n. 8.666/93. Então, em relação às sanções, não se deve cogitar de aplicação subsidiária da Lei n. 8.666/93, na medida em que a Lei n. 10.520/2002 não foi omissa. Em edital de pregões, em contratos decorrentes de pregões, as sanções são as do art. 7º da Lei n. 10.520/2002” (Pregão presencial e eletrônico. Curitiba: Zênite, 2006, p. 30 apud MOTTA, Carlos Pinto Coelho, Eficácia nas licitações e contratos, p. 947-948). Por fim, Marçal Justen Filho sustenta que “a Lei nº 10.520 afastou a aplicação das sanções de suspensão de direito de licitar e de declaração de inidoneidade. Criou uma terceira figura, consistente no impedimento de licitar e contratar”; e “A solução hermenêutica reside em reconhecer que existe uma disciplina punitiva específica no caput do art. 47. Daí se segue a prevalência dessas regras especiais sobre as gerais da Lei nº 8.666. Portanto, a suspensão do direito de licitar e contratar e a declaração de inidoneidade não são aplicáveis no âmbito do RDC – precisamente porque a Lei do RDC apresenta uma solução própria e especial” (Comentários ao RDC, p. 668-669).

259 Os efeitos das sanções da lei de pregão em face dos que contratam com o Poder Público sobre as sanções previamente existentes na Lei 8.666/93. In Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, n. 56, 2011, p. 212-229; O novo entendimento do TCU acerca da aplicação de sanções no âmbito dos contratos administrativos (quando aplicá-lo). In Revista da AGU, v. 30, p. 34, 2012. Disponível em file:///C:/Users/Felipe/Downloads/05_-_o_novo_entendimento_do_tcu.pdf. Acesso em 07/12/2015.

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sistema e permitindo a sua aplicação, sem vícios, ao caso concreto”260; e “os conceitos

adotados no art. 7º da Lei de Pregão estão previstos implicitamente já no art. 87 da Lei de

Licitações (fraude, inidoneidade, etc.)”, sendo que “o princípio da igualdade impõe punição

igual para situações iguais, pois, independentemente da modalidade, será igualmente punido o

fornecedor em qualquer modalidade licitatória que cause igual dano pela inadimplência”261.

Daí porque “os comportamentos ou tipos administrativos descritos no art. 7º da Lei de Pregão

podem ser redistribuídos entre as sanções previamente existentes na Lei 8.666/93”262.

Em vista disso, não nos afigura admissível a interpretação literal que leve a aplicação

de uma única sanção a todas as infrações previstas no art. 7º da Lei do Pregão e também no

art. 47 da Lei do RDC263.

260 Os efeitos das sanções da lei de pregão em face dos que contratam com o Poder Público sobre as sanções

previamente existentes na Lei 8.666/93. In Revista Trimestral de Direito Público. São Paulo: Malheiros, n. 56, 2011, p. 215.

261 Fábio Mauro de Medeiros vai além: “Em desfavor da aplicação isolada da Lei 10.520/2002, na ideia tradicional de aplicá-la como norma especial, estaria o nítido desbalanceamento de sanções quanto à gravidade do comportamento, ou melhor, romper-se-iam os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Aplicar uma mesma sanção ao mero atraso na execução do objeto, que na Lei de pregão seria o fornecimento de produtos ou serviços comuns, com a fraude fiscal, que também é crime, seria uma nítida injustiça e ausência de critério de punição. A interpretação literal faria com que todas as faltas fossem punidas com o impedimento de licitar e contratar com a União, ferindo o princípio da proporcionalidade. Assim, demonstra-se não se tratar apenas de ‘injustiça’, mas de ilegalidade” (Ibid., p. 216); e “A razão de discriminação entre os sancionados na aplicação de penalidades não pode ser a modalidade licitatória, pois não haveria correlação lógica entre a aplicação de pena mais severa ou amena entre empresas exclusivamente em razão da modalidade licitatória. O critério de discrímen na punição seria o dano causado ao Poder Público, indiretamente ofendendo toda a coletividade” (O novo entendimento do TCU acerca da aplicação de sanções no âmbito dos contratos administrativos (quando aplicá-lo), p. 6).

262 Ibid., mesma página. 263 Fábio Mauro de Medeiros acerta uma vez mais ao apontar os óbices desta interpretação literal: “As críticas

que podem ser feitas à tese exclusivista de uma norma ou outra regular inteiramente a relação sancionatória particular-Administração seriam: falta de racionalidade de ter um sistema sancionatório para cada modalidade licitatória, faltaria um nexo lógico e moral para fundamentar a diferenciação entre um e outro sancionado, ferindo o princípio da igualdade; a aplicação literal e isolada do artigo 7º da Lei 10.520/2002 iguala situações de gravidade muito diferentes como retardar ou falhar na execução do contrato com cometer fraude fiscal. Iguala, portanto, mero atraso contratual com crime. Neste último aspecto, tal interpretação pode levar a desconsiderar princípios importantes para o Direito como o da proporcionalidade e da razoabilidade e aplicar sanção draconiana a qualquer caso, o que poderia levar a uma interpretação inconstitucional da lei” (Ibid., p. 4). E também aponta as críticas que podem ser feitas à interpretação integrativa proposta, afastando-as, contudo, novamente com felicidade: “Assim como as primeiras teses, esta também seria passível de críticas, pois, lidos os dispositivos separadamente, afrontaria a letra expressa da lei, sendo viável esta interpretação apenas pela aplicação dos princípios da proporcionalidade, da razoabilidade, da interpretação sistemática e teleológica e, ainda, diante de uma interpretação da lei conforme a Constituição” (Ibid., p. 7). Aliás, conforme assinala o autor, há precedentes do TCU admitindo a imposição das sanções previstas na Lei 8.666/93 no âmbito do Pregão: TCU – Plenário – Acórdão 2578/2010; e TCU – 1º Câmara – Acórdão 2218/2011. Por fim, o art. 7º da Lei 10.520/02 expressamente admite a aplicação da disciplina prevista na Lei 8.666/93 acerca das infrações e sanções administrativas, ao prever a incidência “das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais”. O mesmo se verifica com relação ao RDC, eis que o art. 47, §2º dispõe que “As sanções administrativas, criminais e demais regras previstas no Capítulo IV da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aplicam-se às licitações e aos contratos regidos por esta Lei”, não deixando o art. 111 do seu Regulamento (Decreto 7.581/11) qualquer espécie de dúvida nesse sentido, ao dispor: Art. 111. Serão aplicadas sanções nos termos do art. 47 da Lei no 12.462, de 2011, sem prejuízo das multas

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Discordamos, contudo, da afirmação no sentido de que “há paulatino agravamento de

condutas na própria leitura do artigo” 7º da Lei 10.520/02264. Parece-nos que este preceito e

também o art. 47 da Lei 12.462/11 não estabeleceram uma ordem de gravidade das infrações.

Deveras, logo no início do art. 7º, há a previsão da infração consistente na apresentação de

documentação falsa (colocada, inclusive, ao lado da infração decorrente da ausência de

apresentação de documentação exigida para o certame). Não há dúvida de que aquela infração

é mais grave do que alguns dos ilícitos previstos posteriormente, eis que pode inclusive

configurar crime. O mesmo se aplica à falha na execução do contrato, que pode ser menos

grave do que aquelas que lhe antecedem. E quanto ao art. 47 da Lei do RDC, basta ver que a

última infração prevista é a inexecução total ou parcial do contrato que, evidentemente, não é

o ilícito mais grave.

Assim, o que as Leis do Pregão e do RDC fizeram foi dar guarida ao princípio da

tipicidade, elencando, aleatoriamente, as infrações administrativas aplicáveis às licitações e

contratos administrativos, que já estavam previstas na Lei 8.666/93. E, a despeito dessa

pretensão – que, evidentemente, possui a virtude de ao menos elencar objetivamente as

condutas puníveis -, incorreu-se nas mesmas máculas da Lei 8.666/93, mantendo-se, na

maioria das vezes, a generalidade exacerbada do comportamento tipificado.

Ademais, entendemos que a sanção de impedimento de licitar e contratar com a

União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, prevista nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da

Lei 12.462/11, confunde-se com a penalidade prevista no art. 87, III da Lei 8.666/93265. Trata-

se, ao nosso juízo, da mesma sanção. E, por força disso, como propomos uma interpretação

conjunta desses preceptivos, que veiculam normas aplicáveis a todas as modalidades de

licitação e contratos, parece-nos que o prazo máximo dessa penalidade deixou de ser 2 (dois)

previstas no instrumento convocatório. § 1o - Caberá recurso no prazo de cinco dias úteis contado a partir da data da intimação ou da lavratura da ata da aplicação das penas de advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação, impedimento de contratar com a administração pública e declaração de inidoneidade, observado o disposto nos arts. 53 a 57, no que couber. §2o - As penalidades serão obrigatoriamente registradas no SICAF”.

264 Ibid., p. 5. 265 Não vislumbramos nenhuma semelhança da sobredita sanção com a declaração de inidoneidade. O art. 14 do

Decreto 3.555/00 pretendeu aproximá-las – prevendo, por exemplo, a figura da reabilitação -, tendo, aparentemente, distinguido-a da penalidade de suspensão de licitar. Afora a ausência de clareza desse dispositivo, é evidente que ele extrapola o art. 7º da Lei 10.520/02, o que afasta, consequentemente, sua aplicação. Eis a redação do referido art. 14: “O licitante que ensejar o retardamento da execução do certame, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo, fizer declaração falsa ou cometer fraude fiscal, garantido o direito prévio da citação e da ampla defesa, ficará impedido de licitar e contratar com a Administração, pelo prazo de até cinco anos, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade. Parágrafo único. As penalidades serão obrigatoriamente registradas no SICAF, e no caso de suspensão de licitar, o licitante deverá ser descredenciado por igual período, sem prejuízo das multas previstas no edital e no contrato e das demais cominações legais”.

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anos, passando a ser de 5 (cinco) anos. Neste ponto, entendemos que há uma aparente

antinomia, facilmente dirimida pelo critério cronológico.

E, sem prejuízo de nos aprofundarmos acerca deste assunto no momento oportuno266,

os arts. 7º da Lei do Pregão e 47 do RDC dirimiram a controvérsia acerca da extensão da

sanção em comento, ao prever sua aplicação à União, Estados, Distrito Federal ou

Municípios. Ou seja, o administrado que for sancionado está suspenso ou impedido de licitar e

contratar com o ente que lhe impor esta penalidade.

Em face do quanto exposto, primeiramente investigaremos as infrações e sanções

administrativas previstas nas Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11. No capítulo seguinte,

passaremos à análise dos ilícitos e penalidades administrativas previstas na Lei anticorrupção,

aplicáveis às licitações e contratos administrativos267.

4.1. Infrações administrativas em espécie

4.1.1. Inexecução total ou parcial do contrato

Dispõe o art. 87 da Lei 8.666/93:

Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções: I - advertência; II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato; III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos; IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior. § 1o Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente. § 2o As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis. § 3o A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência

266 Vide subitem 4.2.3. 267 Verificou-se que a Lei anticorrupção também previu infrações e sanções administrativas aplicáveis a

licitações e contratos, que, conforme já adiantamos (vide o subitem 3.5.), não afasta a aplicação dos ilícitos e penalidades previstos nas Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11 (não há dúvida de que a Lei 12.846/13 tipificou novas infrações e sanções).

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exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação

A partir da leitura deste preceito normativo, não há dúvida de que ele veiculou um

tipo infracional, cuja materialidade é um comportamento omissivo268, doloso ou culposo,

imputável ao contratado, consistente em inexecutar total ou parcialmente contrato

administrativo269.

Também é induvidoso que esse comportamento é exacerbadamente genérico, eis que

não declina as hipóteses que se subsumem à inexecução total ou parcial do contrato e

tampouco fixa critérios para a sua identificação, além de, conforme observa Marçal Justen

Filho, não prever “os casos de cabimento de cada espécie de sanção”270, não tendo novamente

fixado critérios para a sua aplicação.

Daí porque a parcela majoritária da doutrina sustenta a afronta do art. 87 da Lei

8.666/93 ao princípio da tipicidade, em razão da delimitação genérica do comportamento

típico, somada, principalmente, à ausência de tipificação das hipóteses de cabimento das

sanções previstas nos incisos III e IV daquele dispositivo legal271.

E a edição das Leis 10.520/02 e 12.462/11 não corrigiu estas deficiências. O art. 47,

VII da Lei do RDC se limitou a reiterar a infração em comento272, enquanto que o art. 7º da

268 Mesmo nas hipóteses em que ocorra uma execução, porém equivocada, do contrato, parece-nos que o núcleo

do comportamento é omissivo, eis que se consubstancia em um não fazer. É dizer, a execução equivocada do objeto nada mais é do que uma a sua inexecução, em regra parcial. Nesse ponto, divergimos de Francisco Zardo, para quem “A infração do art. 87 da Lei 8.666/1993 pode ser cometida tanto por ação, que se configura quando o contratado executa algo diferente daquilo que foi avençado, quanto por omissão, nas modalidades dolosa ou culposa” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 131).

269 Esse tipo revela que se trata de infração de perigo abstrato ou de mera conduta, em que basta a prática do comportamento ilícito (ou seja, a inexecução total ou parcial do contrato) para a imediata consumação da infração, independentemente da produção de resultado naturalístico, não sendo possível sua prática tentada.

270 Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1141. 271 Comungam desse pensamento: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos

administrativos, p. 1164; NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo, p. 1006; ZARDO, Francisco. Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 130; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 594; MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 138. De outra banda, possuem entendimento divergente: PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, p. 788-789; DIAS, Eduardo Rocha. Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 82. Sustenta este nobre autor: “Mesmo que o edital ou o contrato silenciem no tocante às infrações e às sanções a serem aplicadas a licitantes e contratados, ou se restrinjam a uma genérica remissão à Lei 8.666/93, deverão ser aplicadas sanções. Do contrário, estar-se-ia privilegiando a impunidade” (Ibid., mesma página).

272 “Art. 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que: (...) VII - der causa à inexecução total ou parcial do contrato.

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Lei do Pregão273 também a previu, porém como falha na execução do contrato. Ou seja,

tipificou-se comportamento ainda mais genérico, que, ao nosso juízo, encerra a inexecução

total ou parcial do contrato prevista no art. 87 da Lei 8.666/93. Isso porque é evidente que não

é toda e qualquer falha na execução do contrato que acarreta a imposição de penalidade,

devendo esta falha acarretar a inexecução contratual para que possa ser sancionada274.

Vê-se, portanto, que ao menos duas são as controvérsias acerca da infração em

comento. A primeira decorre da generalidade do tipo previsto no art. 87 da Lei 8.666/93, o

que, insiste-se, não sofreu alteração em razão da edição das Leis 10.520/02 e 12.462/11. E a

segunda é afeta à aplicação das sanções previstas naquele preceito normativo, mormente no

que tange às penalidades de suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e contratar e

declaração de inidoneidade. Tentemos, pois, dirimir estas celeumas.

Primeiro, concordamos que o tipo veiculado no art. 87 da Lei 8.666/93 – e repetido

nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei 12.462/11 – não permite, por si só, a aplicação dessa

infração administrativa sem que se amesquinhe o primado da tipicidade. Todavia, parece-nos

ser possível a sua legítima aplicação, acaso busquemos em outras normas as condutas que,

segundo a própria Lei 8.666/93 e que também são aplicáveis ao RDC e ao Pregão275,

acarretam a inexecução total ou parcial do contrato. Trata-se, pois, da já estudada tipificação

indireta276.

Com efeito, o art. 77 da Lei 8.666/93 prevê que “A inexecução total ou parcial do

contrato enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais e as previstas em lei ou

regulamento”. E o art. 78, por sua vez, prevê os fatos que podem dar ensejo a essa rescisão,

sendo que os incisos I a VIII e XVIII veiculam comportamentos ilícitos que podem ser

imputados ao contratado277. Somam-se a estas condutas a hipótese prevista no art. 81 da Lei

273 “Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de

entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no SICAF, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais”.

274 Note, por exemplo, que o atraso na execução do contrato também consiste em uma falha, porém é objeto de tipo distinto.

275 Nesse sentido, o art. 9º da Lei 10.520/02 dispõe que “Aplicam-se subsidiariamente, para a modalidade de pregão, as normas da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993”, o que açambarca aquelas que disciplinam a rescisão contratual, que não foi objeto da Lei do Pregão. E o art. 39 da Lei 12.462/11 é cristalino ao dispor que “Os contratos administrativos celebrados com base no RDC reger-se-ão pelas normas da Lei 8.666, de 21 de junho de 1993, com exceção das regras específicas previstas nesta Lei”, que também não cuidou do tema da rescisão contratual.

276 Vide subitem 2.2.2. 277 “Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato: I - o não cumprimento de cláusulas contratuais,

especificações, projetos ou prazos; II - o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações,

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8.666/93, que será investigada em subitem apartado278; e os demais casos de rescisão

previstos no contrato, tal como autoriza o art. 55, VIII também da Lei 8.666/93279, donde se

insere aquele previsto no inciso XIII desse preceptivo (“a obrigação do contratado de manter,

durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele

assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”).

Vê-se, portanto, que a configuração da infração em comento pressupõe a rescisão do

contrato administrativo. Isso porque a sua inexecução total ou parcial somente se aperfeiçoa

por meio deste ato, que a reconhece formalmente, tal como prescreve o art. 77 daquele

diploma normativo. Daí porque, ainda que presente uma das hipóteses autorizadoras da

rescisão contratual, acaso esta não seja decretada, não restará configurada a infração prevista

nos arts. 87 da Lei 8.666/93, 7º da Lei 10.520/02 (consistente na falha na execução do

contrato) e 47, VII da Lei 12.462/11. Neste caso não terá ocorrido o fato típico280.

E como essa rescisão deve se fundar, motivadamente, nas referidas hipóteses

discriminadas na lei e no contrato administrativo, devendo inclusive ser instaurado processo

administrativo para que se garanta o contraditório e a ampla defesa ao contratado281, parece-

nos que a aludida infração pode ser aplicada em consonância com o princípio da tipicidade,

desde que respeitadas estas balizas282. Ou seja, desde que se pretenda aplicá-la após a

projetos e prazos; III - a lentidão do seu cumprimento, levando a Administração a comprovar a impossibilidade da conclusão da obra, do serviço ou do fornecimento, nos prazos estipulados; IV - o atraso injustificado no início da obra, serviço ou fornecimento; V - a paralisação da obra, do serviço ou do fornecimento, sem justa causa e prévia comunicação à Administração; VI - a subcontratação total ou parcial do seu objeto, a associação do contratado com outrem, a cessão ou transferência, total ou parcial, bem como a fusão, cisão ou incorporação, não admitidas no edital e no contrato; VII - o desatendimento das determinações regulares da autoridade designada para acompanhar e fiscalizar a sua execução, assim como as de seus superiores; VIII - o cometimento reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do § 1o do art. 67 desta Lei; (...) XVIII – descumprimento do disposto no inciso V do art. 27, sem prejuízo das sanções penais cabíveis”.

278 Vide subitem 4.1.2. 279 “Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam: (...)VIII - os casos de rescisão”. 280 Esta circunstância aliás é que separa a infração prevista no art. 87 da Lei 8.666/93 daquela prevista no art. 86

desta Lei, conforme restará explicitado quando investigarmos esta infração (vide o subitem 4.1.3.). 281 Dispõe o art. 78, parágrafo único: “Os casos de rescisão contratual serão formalmente motivados nos autos do

processo, assegurado o contraditório e a ampla defesa”. 282 Em que pese possui entendimento mais flexível do que o nosso, eis que admite atuação irrestrita de atos

infralegais na delimitação das infrações e sanções, Eduardo Rocha Dias também fez menção à referência do art. 87 da Lei 8.666/93 às sobreditas normas previstas preceitos distintos: “Os atos convocatórios da licitação e os contratos posteriormente firmados podem auxiliar na determinação dos pressupostos de sancionamento e na definição dos critérios de aplicação das sanções, fazendo remissões a outros dispositivos da Lei 8.666/93 ou a outras normas. Assim, o artigo 86 da Lei de Licitações, ao se referir a ‘atraso injustificado na execução do contrato’, remete à cláusula obrigatória prevista no artigo 55, inciso IV, do mesmo diploma, que deve constar do contrato. A multa moratória prevista no dispositivo citado deve obedecer ao limite previsto pelo Decreto nº 22.626/33 (10% do valor do contrato). Ao se referir a ‘inexecução total ou parcial do contrato’, o artigo 87 da Lei 8.666//93 remete aos artigos 55, 78, incisos I a VIII, e 81, que preveem deveres dos contratados e licitantes cuja inobservância deve acarretar a imposição de sanções” (Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 113).

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ocorrência da rescisão do contrato administrativo por sua inexecução total ou parcial,

decorrente da prática, pelo contratado, de um dos comportamentos que, segundo a lei ou o

contrato, acarretam essa consequência.

Segundo, com relação à ausência de previsão das hipóteses de cabimento de cada

sanção em razão da prática da infração administrativa em comento, admitimos a aplicação da

multa, desde que tipificadas objetivamente no instrumento convocatório e no contrato as

hipóteses do seu cabimento, tal como dispõe os arts. 87, II, da Lei 8.666/93; 7º da Lei

10.520/02 e 47 da lei 12.462/11, inclusive quanto aos seus respectivos critérios de aplicação,

respeitado o limite máximo previsto no art. 22 do Decreto 22.626/33283.

Por se tratar de sanção, criada por lei284, que não extrapola a relação de sujeição

especial travada entre o contratado e a Administração e cujas consequências são de média

gravidade, admitimos que a explicitação das hipóteses de seu cabimento possa ser realizada

por ato infralegal285.

E, no que tange à advertência, parece-nos que ela não se consubstancia em uma

sanção aplicável em razão da inexecução total ou parcial do contrato, conforme será

explicitado em subitem específico286.

A maior controvérsia, contudo, cinge-se à aplicação das sanções de suspensão do

direito (ou impedimento) de licitar e contratar287 e de declaração de inidoneidade. Deveras,

por se tratar de sanções que extrapolam a apontada relação de sujeição especial, não

admitimos a especificação das hipóteses do seu cabimento por ato infralegal. Isto deve se dar,

necessariamente, por meio de lei, o que, conforme se verificou, não foi realizado, ao menos

até o presente momento.

E como, a despeito da interpretação restritiva acima deduzida, ainda restam diversas

hipóteses, de diferentes graus de potencialidade ofensiva, que podem se subsumir à infração

em comento, não vislumbramos a possibilidade, mesmo com um esforço interpretativo, de se

franquear à Administração a livre aplicação de uma das sanções previstas no art. 87, III e IV

283 Ao nosso juízo, a ausência de previsão pela lei do patamar máximo da multa impede a sua aplicação, por

flagrante inconstitucionalidade, não sendo cabível o emprego de analogia. Todavia, como esta sanção tem sido largamente aplicada, afigura-se menos lesivo a aplicação analógica do limite previsto do art. 9º do Decreto 22.626/33 (vide o subitem 4.2.2., no qual aprofundamos o estudo desta penalidade).

284 Ainda que tenhamos que superar a inconstitucionalidade quanto à ausência de previsão, em lei, do seu patamar máximo (vide a nota de rodapé anterior).

285 Vide o subitem 2.2.2.1. 286 Vide subitem 4.2.1. 287 Conforme assinalamos anteriormente, para nós, a sanção prevista no art. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei

12.462/11 se confunde com aquela prevista no inciso III do art. 87 da Lei 8.666/93, tendo aqueles preceitos alterado o patamar máximo e colocado uma pá de cal acerca da extensão dessa penalidade (vide o introito desse capítulo e o subitem específico em que tratamos desta sanção).

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da Lei 8.666/93, a toda e qualquer hipótese de inexecução contratual. A afronta ao primado da

tipicidade não poderia ser contornada, ensejando uma inquestionável insegurança jurídica ao

administrado.

Sem embargo, em que pese também ser de questionável constitucionalidade,

admitimos a aplicação das sanções de suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e

contratar288 e de declaração de inidoneidade, nas hipóteses em que o legislador previu ilícitos

aos quais são aplicáveis apenas e tão somente estas penalidades.

Ao assim proceder, isto é, ao prever a aplicação apenas das sanções previstas no art.

87, III e IV da Lei 8.666/93 a determinadas infrações, o legislador, consequentemente,

reputou que estas infrações são as mais gravosas, merecendo, por força disso, uma resposta

mais contundente. E, dentre as infrações previstas na Lei de Licitações, mereceram esse

tratamento aquelas previstas no art. 88.

Em vista disso, enquanto não for editada lei tipificando as hipóteses de inexecução

contratual às quais são aplicáveis as sanções de suspensão do direito (ou impedimento) de

licitar e contratar e de declaração de inidoneidade, estas penalidades podem ser aplicadas aos

comportamentos que, além de acarretarem a rescisão do contrato por sua inexecução,

subsumirem-se a uma das infrações previstas no art. 88 também da Lei 8.666/93 (que,

conforme se verificará em subitem específico, colhe algumas das infrações previstas na Lei

10.520/02 e 12.462/11)289. Ao nosso juízo, esta interpretação dá guarida ao primado da

tipicidade, sendo inclusive mais flexível do que a posição de respeitáveis vozes da doutrina290.

Ademais, reitera-se que não incorrerá no ilícito em comento o contratado que

suspende a execução de contrato administrativo em razão do atraso superior a 90 (noventa)

dias dos pagamentos devidos pela Administração, decorrentes da parcela já executada. O

contratado, nesta hipótese, estará exercendo regularmente o direito de suspender o

288 Conforme assinalamos anteriormente, para nós, a sanção prevista no art. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei

12.462/11 se confunde com aquela prevista no inciso III do art. 87 da Lei 8.666/93, tendo aqueles preceitos alterado o patamar máximo e colocado uma pá de cal acerca da extensão dessa penalidade (vide o introito desse capítulo e o subitem específico em que tratamos desta sanção).

289 Opera-se neste caso a consunção, em que a recusa injustificada é o meio para a prática de delito mais grave, que já protege o bem jurídico tutelado pela primeira. Verifique-se, a propósito, o magistério de René Ariel Dotti: “Há consunção quando um crime é meio necessário ou normal etapa de preparação ou de execução de outro crime. Entre os bens jurídicos protegidos pelas normas penais, verificam-se, às vezes, relações de mais e de menos: uns contêm-se já nos outros de tal maneira que uma norma consome já a proteção que a outra visa. Daí que, com fundamento na regra de ne bis in idem, se deve concluir que a lex consumens derogat legi consumtae” (Curso de direito penal – Parte geral, p. 383-384).

290 Nessa toada, Celso Antônio Bandeira de Mello defende que, na ausência de descrição das hipóteses de cabimento das sanções previstas no art. 87, III e IV da Lei 8.666/93 (aplicáveis à infração prevista no art. 88, II da Lei 8.666/93), “tais sanções só poderão ser aplicadas no caso de comportamentos tipificados como crimes” (Curso de direito administrativo, p. 594). Francisco Zardo também adota este entendimento (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 131).

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cumprimento de suas obrigações, nos termos do art. 78, XV da Lei 8.666/93.

Além disso, assim como ocorre com relação ao atraso injustificado, é de difícil

visualização hipótese em que o comportamento ilícito em comento não poderia ser imputável

à pessoa jurídica contratada. Como se trata de um comportamento ilícito omissivo, consistente

na inexecução total ou parcial do contrato, em regra por vício culposo no planejamento ou na

operação necessária à execução do objeto, não há dúvida de que esta conduta pode ser

imputada à pessoa jurídica, desde que presentes os requisitos explicitados nos subitens 2.2.1.

e 2.2.3.

Por fim, o bem jurídico tutelado é a “respeitabilidade, probidade e moralidade das

contratações públicas, bem como as necessidades coletivas a serem satisfeitas por ela”,

conforme anota Francisco Zardo291, com amparo nas lições de Cezar Roberto Bitencourt292.

4.1.2. Recusa injustificada em assinar o contrato

Dispõe o art. 81 da Lei 8.666/93:

Art. 81. A recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato, aceitar ou retirar o instrumento equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração, caracteriza o descumprimento total da obrigação assumida, sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas. Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos licitantes convocados nos termos do art. 64, §2º desta Lei, que não aceitarem a contratação, nas mesmas condições propostas pelo primeiro adjudicatário, inclusive quanto ao prazo e preço.

A partir da leitura desse preceptivo, não há dúvida de que o art. 81 da Lei 8.666/93

veiculou um comportamento omissivo293 ilícito, imputável ao licitante adjudicatário,

consistente na recusa em assinar o contrato, bem como em aceitar ou retirar o instrumento

equivalente, dentro do prazo estabelecido pela Administração 294.

291 Ob. cit., mesma página. 292 Direito penal das licitações, p. 231. 293 Mesmo na recusa expressa, parece-nos que o núcleo do comportamento é omissivo, eis que se consubstancia

em um não fazer. É dizer, a recusa expressa nada mais é do que uma manifestação do indivíduo de que ele incorrerá na omissão ilícita. Nesse ponto, divergimos de Francisco Zardo, para quem “A infração do art. 81 da Lei 8.666/1993 pode ser competida tanto por ação (recusa expressa) quanto por omissão (recusa implícita), nas modalidades dolosa ou culposa” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 129).

294 Justifica-se essa previsão quanto ao instrumento equivalente em razão do disposto no art. 62 da Lei 8.666/93: “O instrumento de contrato é obrigatório nos casos de concorrência e de tomada de preços, bem como nas dispensas e inexigibilidades cujos preços estejam compreendidos nos limites destas duas modalidades de licitação, e facultativo nos demais em que a Administração puder substituí-lo por outros instrumentos hábeis, tais como carta-contrato, nota de empenho de despesa, autorização de compra ou ordem de execução de serviço”. Ademais, não há dúvida de que se trata de infração de perigo abstrato ou de mera conduta, em que basta a

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Sucede que, ao contrário do que dispõe o sobredito art. 64 da Lei 8.666/93295, o art.

81 desse diploma normativo não tipifica uma infração administrativa. É dizer, a norma

veiculada nesse dispositivo prevê um comportamento que se subsume ao ilícito administrativo

previsto no art. 87, também da Lei de Licitações, cujo tipo infracional, conforme se verificou,

é a inexecução total ou parcial do contrato.

Com efeito, o art. 81 da Lei 8.666/93 previu que a apontada recusa acarreta “o

descumprimento total da obrigação assumida”, ou seja, a inexecução total do contrato,

“sujeitando-o às penalidades legalmente estabelecidas”, que são aquelas previstas no art. 87,

também da Lei de Licitações296. Isto é, nas palavras de Marçal Justen Filho, “A regra legal

estabelece que, no plano do Direito Administrativo, a recusa do particular de honrar a

proposta equivale ao inadimplemento do contrato, ainda que ele não esteja formalizado”297.

Trata-se, portanto, conforme se verificou, de uma espécie de tipificação indireta298,

em que (i) uma norma tipificou a infração administrativa consistente em inexecutar total ou

parcialmente o contrato administrativo; e (ii) outra regra previu um determinado

comportamento ilícito que caracteriza a inexecução integral do contrato.

Registra-se, contudo, que o art. 7º da Lei 10.520/02 e o art. 47, I da Lei 12.462/11

abandonaram essa tipificação indireta, eis que tipificaram como infração a conduta

consistente em “não celebrar o contrato” e “convocado dentro do prazo de validade da sua

proposta não celebrar o contrato, inclusive nas hipóteses previstas no parágrafo único do

art. 40 e no art. 41 desta Lei”, respectivamente.

Sem embargo, estas disposições, por não terem previsto ou fixado os critérios para

escolha da sanção299, impõem que essa escolha continue se dando nos mesmos moldes da

prática do comportamento ilícito (ou seja, a recusa em assinar o contrato) para a imediata consumação da infração, independentemente da produção de resultado naturalístico, não sendo possível sua prática tentada. E não há dúvida de que o bem jurídico protegido se confunde com aquele tutelado pela inexecução total ou parcial do contrato: “respeitabilidade, probidade e moralidade das contratações públicas, bem como as necessidades coletivas a serem satisfeitas por ela” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 131).

295 Note que este preceito prevê a aplicação de “sanções previstas no art. 81 desta Lei”, dando a entender que este preceito tipifica uma determinada infração e as sanções que poderão ser aplicadas.

296 Nesse sentido, assinala Joel de Menezes Niebuhr: “Ou seja, quem se recusa a assinar o contrato, dentro do prazo de validade de sua proposta, deve ser penalizado, de acordo com as sanções do art. 87 da Lei nº 8.666/93” (Licitação pública e contrato administrativo, p. 744).

297 Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1131. O ilustre autor inclusive chama a atenção para o aparente conflito entre os arts. 60, parágrafo único e 81 da Lei 8.666/93, em que o primeiro veda o contrato verbal e o segundo prevê que a aludida recusa caracteriza o inadimplemento de um contrato ainda não formalizado. Assim como Marçal Justen Filho, não vislumbramos conflito e tampouco óbice à regra prevista no art. 81, sendo acertado pensamento no sentido de que “o art. 81 institui uma hipótese especial de responsabilidade pré-contratual” (Ibid., mesma página).

298 Vide subitem 2.2.2.2. 299 Recorde-se que não acatamos a interpretação literal dos referidos preceitos, que indicam a imposição da

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inexecução total ou parcial do contrato, conforme exposto no subitem anterior.

Daí porque, pelas razões já expostas300, é permitido ao instrumento convocatório

prever a aplicação de multa em razão da prática deste ilícito. E também nos afigura possível a

imposição das sanções de suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e contratar e de

declaração de inidoneidade, apenas e tão somente se a recusa injustificada configurar uma das

infrações previstas no art. 88 da Lei 8.666/93, mormente aquela prevista no seu inciso II

(consistente em frustrar os objetivos da licitação)301. Verificou-se que se opera neste caso a

consunção.

Ademais, cumpre-nos reiterar que o art. 81, parágrafo único da Lei 8.666/93 encerra

hipótese excludente da ilicitude, em que não incorrerá em inexecução contratual o licitante,

convocado nos termos do art. 64, §2º da Lei n. 8.666/93, que não aceita “a contratação, nas

mesmas condições propostas pelo primeiro adjudicatário, inclusive quanto ao prazo e preço”.

Este licitante estará atuando no exercício regular de um direito.

A despeito de ter sido previsto regime distinto do art. 64, §2º da Lei 8.666/93,

também não incorrerá na infração em comento o licitante que se recursar a manter a proposta

do licitante vencedor em negociação oferecida pelo pregoeiro, acaso convocado nas hipóteses

dos incisos XI, XVI e XXIII do art. 4º da Lei 10.520/02302. Note, contudo, que, segundo, estes

preceitos, o pregoeiro não está impedido de aceitar proposta ofertada pelos demais licitantes,

mesmo que ela seja superior àquela que havia sido declarada vencedora. Nesta hipótese, acaso

convocado, o licitante é obrigado a celebrar o contrato, sob pena de incorrer no sobredito

ilícito.

Esta mesma regra está prevista nos arts. 40, parágrafo único303 e 41304 da Lei

mesma sanção para todas as infrações neles tipificadas. Daí porque não nos afigura possível cravar que se aplica ao ilícito em comento a penalidade de suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e contratar.

300 Verifique-se novamente o subitem anterior. 301 Nessa toada, suponha-se hipótese em que a recusa injustificada do adjudicatário em assinar o contrato frustre

a licitação, eis que os licitantes remanescentes convocados não aceitaram as mesmas condições propostas, nos termos do art. 64, §2º. E mesmo que algum licitante remanescente aceite, pode restar configurada a prática da infração prevista no art. 88, II na modalidade tentada, sendo necessário, em ambas as hipóteses, o preenchimento de todos os elementos deste tipo, explicitados em subitem apartado (vide o subitem 4.1.5.).

302 “Art. 4º. A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras: (...)XI - examinada a proposta classificada em primeiro lugar, quanto ao objeto e valor, caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito da sua aceitabilidade; (...)XVI - se a oferta não for aceitável ou se o licitante desatender às exigências habilitatórias, o pregoeiro examinará as ofertas subseqüentes e a qualificação dos licitantes, na ordem de classificação, e assim sucessivamente, até a apuração de uma que atenda ao edital, sendo o respectivo licitante declarado vencedor; e XXIII - se o licitante vencedor, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, aplicar-se-á o disposto no inciso XVI”.

303 “Art. 40. É facultado à administração pública, quando o convocado não assinar o termo de contrato ou não aceitar ou retirar o instrumento equivalente no prazo e condições estabelecidos: I - revogar a licitação, sem prejuízo da aplicação das cominações previstas na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, e nesta Lei; ou II -

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12.462/11, tendo o art. 47, I desse diploma normativo previsto pedagogicamente a aplicação

da infração administrativa ora investigada “inclusive nas hipóteses previstas no parágrafo

único do art. 40 e no art. 41 desta Lei”.

Também atua no exercício regular de direito o licitante que se recusa a assinar o

contrato depois de transcorridos “60 (sessenta) dias da data da entrega das propostas”, em

razão do disposto no art. 64, §3º da Lei 8.666/93, sendo facultado ao edital ampliar ou reduzir

o sobredito prazo, nos termos do art. 6º da Lei 10.520/02305. Aliás, o art. 7º deste diploma

normativo e o art. 47, I da Lei 12.462/11 previram expressamente essa causa excludente da

ilicitude, ao tipificar a infração em comento.

De outra banda, reitera-se também que atuará no estrito cumprimento de dever legal

o licitante que se recusa a assinar contrato, por lhe ter sido imposta, após a adjudicação do

objeto, as sanções de suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e contratar ou de

declaração de inidoneidade. Também nesta hipótese não restará configurada a recusa em

assinar o contrato306.

Por fim, registra-se, novamente, que o emprego do vocábulo “injustificada” no

mencionado art. 81 revela-se despiciendo, não sendo esta uma característica ou elemento

definidor da conduta ilícita307. Isso porque, independentemente de previsão, a prática

justificada de uma conduta típica afasta a ilicitude desse comportamento.

É dizer, a configuração de todo e qualquer ilícito jurídico em sentido estrito depende

da prática injustificada do comportamento típico, o que não se verificará acaso esteja presente

causa excludente da ilicitude (aliás, verificou-se que Daniel Ferreira chama estas hipóteses de

causas de justificação). Daí porque não possui nenhuma repercussão sobre esta infração a

convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a celebração do contrato nas condições ofertadas pelo licitante vencedor. Parágrafo único. Na hipótese de nenhum dos licitantes aceitar a contratação nos termos do inciso II do caput deste artigo, a administração pública poderá convocar os licitantes remanescentes, na ordem de classificação, para a celebração do contrato nas condições ofertadas por estes, desde que o respectivo valor seja igual ou inferior ao orçamento estimado para a contratação, inclusive quanto aos preços atualizados nos termos do instrumento convocatório”.

304 “Art. 41. Na hipótese do inciso XI do art. 24 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, a contratação de remanescente de obra, serviço ou fornecimento de bens em consequência de rescisão contratual observará a ordem de classificação dos licitantes remanescentes e as condições por estes ofertadas, desde que não seja ultrapassado o orçamento estimado para a contratação”.

305 Concordamos com Marçal Justen Filho no sentido de que “Como o prazo de validade de propostas é matéria referida preponderantemente ao interesse privado, o instrumento convocatório pode estabelecer regras diversas, quer ampliando, quer reduzindo o prazo previsto no § 3.º. (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 999).

306 Francisco Zardo comunga desse mesmo pensamento (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 119).

307 Régis Fernandes de Oliveira aponta este vocábulo como um elemento normativo do tipo Infrações e sanções administrativas, p. 36). Se o considerarmos como elemento, realmente se tratará de um elemento normativo, por se tratar de um conceito jurídico indeterminado.

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ausência de previsão desse vocábulo nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei 12.462/11308.

E não se tergiversa que esse termo encerra um conceito jurídico indeterminado, até

mesmo porque, conforme assinalamos, é aplicável ao direito administrativo sancionador, além

das causas justificadoras previstas no art. 23 do Código Penal e no art. 188 do Código Civil

(estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício

regular do direito), outras hipóteses que, a despeito de não terem sido expressamente alçadas

pela lei à condição de excludentes da antijuridicidade, acarretem esta consequência em razão

dos primados da razoabilidade e da proporcionalidade (as denominadas causas supralegais309).

Ou seja, não é possível prever um rol taxativo das hipóteses justificadoras da recusa

prevista no art. 81 da Lei 8.666/93, ainda que se possa elencar algumas causas já previstas em

lei310, sendo ainda possível ao regulamento e ao contrato administrativo veicular algumas

hipóteses nesse sentido (o que, insiste-se, não excluirá outras causas decorrentes dos primados

da razoabilidade e proporcionalidade).

Aliás, em razão dessa ausência de previsão de um rol taxativo das causas

justificadoras, questiona-se se o seu reconhecimento, pela Administração, é discricionário ou

vinculado. A resposta a esta indagação já foi dada quando tratamos dos conceitos jurídicos

indeterminados (categoria na qual se insere o vocábulo justificada)311.

É dizer, em cada caso concreto, deve-se apurar se o reconhecimento ou o não

reconhecimento de determinada causa de justificação são igualmente sustentáveis (ou seja, se

se está diante de uma zona de incerteza). As referidas hipóteses justificadoras decorrentes da

lei, por exemplo, devem necessariamente ser reconhecidas, não havendo que se falar em

discricionariedade.

Registre-se, ademais, que o art. 40, II da Lei 8.666/93 dispõe que o edital deve

obrigatoriamente prever o “prazo e condições para assinatura do contrato ou retirada dos 308 Renata Fiori Pucetti também comunga desse pensamento: Entendemos, que a infração só estará caracterizada

se presente o elemento subjetivo, em qualquer de suas modalidades, ou não houver causas justificadoras do não atendimento à convocação, remetendo, tanto o adjudicatário, quanto à Administração, às excludentes de ilicitude aplicáveis genericamente às licitações e contratos administrativos, examinadas” (Infrações e sanções administrativas em licitações e contratos, p. 124).

309 Vide subitem 2.3.1. 310 Nesse sentido, verifique-se uma hipótese citada por Francisco Zardo: “Suponha-se que um consorcio vença a

licitação. O art. 33, § 2.º, da Lei 8.666/1993, dispõe que ‘o licitante vencedor fica obrigado a promover, antes da celebração do contrato, a constituição e o registro do consórcio, nos termos do compromisso referido no inciso I deste artigo’. Caso, a despeito de toda a diligencia aplicada, o licitante vencedor não consiga constituir e registrar o consórcio na respectiva Junta Comercial por circunstâncias imputáveis à Junta, restará justificado não apenas eventual pedido de prorrogação de prazo como também a recusa a assinatura do contrato à mingua de um documento essencial” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 128). Jessé Torres Pereira Júnior ainda aponta outras três causas justificadoras, previstas no art. 78, XI, XIII e XVII da Lei 8.666/93 (Comentários à lei de licitações e contratações da Administração Pública, p. 760).

311 Vide subitem 2.2.2.3.

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instrumentos, como previsto no art. 64 desta Lei, para execução do contrato e para entrega do

objeto da licitação”312. Ou seja, para apurar se o licitante incorreu no comportamento ilícito

em comento, deve-se examinar se houve o desrespeito do prazo e das condições previstas no

edital313, bem como se o referido prazo foi prorrogado, nos termos do art. 64, §1º da Lei

8.666/93.

Aliás, no que tange à prorrogação do prazo para a assinatura do contrato, o art. 64,

§1º da Lei 8.666/93 exige que o licitante formule esse pedido durante o transcurso desse

prazo, indicando o seu motivo justificador, cabendo à Administração apreciá-lo.

Dessa regra, contudo, surgem as seguintes indagações: acaso a Administração rejeite

o pedido de prorrogação após o transcurso do prazo originariamente previsto para a assinatura

do contrato, restará configurada a recusa injustificada? E se essa rejeição se der dentro do

prazo, porém no último dia do referido prazo, sem que houvesse, portanto, tempo hábil para a

assinatura do contrato?

Ao nosso juízo, uma vez formulado o pedido de prorrogação, devidamente

fundamentado, o princípio da segurança jurídica impõe que a Administração, acaso o rejeite,

conceda prazo hábil para que o licitante assine o contrato, ainda que isso se dê após o prazo

originalmente previsto no edital. E uma vez assinado o contrato dentro desse novo prazo, não

haverá que se cogitar na prática do comportamento ilícito ora investigado.

Sem embargo, acaso, após a rejeição do pedido de prorrogação, não seja

oportunizada a assinatura do contrato ao licitante que o formalizou, ainda assim não poderá

lhe ser imposta penalidade em razão de suposta recusa injustificada em assinar o contrato,

independente da procedência ou improcedência do referido pleito314. Neste caso, a ausência

de assinatura do contrato dentro do prazo terá decorrido do exercício regular do direito de o

312 Nesse mesmo sentido dispõe o art. 4º, XXII da Lei 10.520/02: “A fase externa do pregão será iniciada com a

convocação dos interessados e observará as seguintes regras: (...) XXII - homologada a licitação pela autoridade competente, o adjudicatário será convocado para assinar o contrato no prazo definido em edital”. E não se tergiversa que se aplica ao Pregão e ao RDC a disciplina acerca da prorrogação do prazo para assinatura do contrato previsto na Lei 8.666/93, em razão, insiste-se, no disposto no art. 9º da Lei 10.520/02 e no art. 39 da Lei 12.462/11.

313 Marçal Justen Filho faz importante observação, com a qual concordamos: “E se o ato convocatório não estabelecer prazo ou condições para assinatura do contrato? Embora a omissão seja reprovável, não acarretará a nulidade da licitação. O interessado deverá ser convocado para comparecer em prazo razoável (tal como cinco dias). Se não puder comparecer ou se entender que a fixação do prazo acarreta-lhe prejuízos, o licitante deverá manifestar-se imediatamente, expondo seus motivos” (Ob. cit., p. 996), o impedirá que lhe seja imputa a prática do comportamento ilícito previsto no art. 81 da Lei 8;666/93. Nesta hipótese a Administração deverá responder formalmente à manifestação do licitante e, ainda que divirja dos motivos expostos, deve conceder novo prazo para que ele assine o contrato.

314 Note que a formalização de pedido de prorrogação sem qualquer espécie de motivo justificador acarreta a inexistência desse pedido, o que, portanto, caracterizará a recusa injustificada, autorizando a imposição de penalidade ao licitante. Com isso se coíbe a utilização do referido pedido com o intuito de apenas e tão somente se esquivar da imposição de eventual sanção.

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licitante formular o referido pedido de prorrogação do prazo, o que, ao nosso juízo, exclui a

ilicitude do seu comportamento315.

Também vislumbramos uma interessante hipótese, em que um licitante, por um

equívoco (um erro de digitação, por exemplo), apresenta proposta inexequível, à luz do art.

48, §1º da Lei 8.666/93316; do art. 4º, XI da Lei 10.520/02317; e do art. 24, III e IV da Lei

12.462/11318, e que somente identifica esse equívoco quando não é mais cabível a desistência

da proposta319. Acaso a Administração não desclassifique a aludida proposta, declarando-a

vencedora, pode o licitante deixar de assinar o contrato, ao fundamento de que sua proposta é

inexequível? Esta justificação afasta a ilicitude da recusa em assinar o contrato?

Entendemos que sim, pois essa recusa teria o condão de evitar a prática de um ato

ilícito mais lesivo ao interesse público, qual seja: a formalização de um contrato fundado em

proposta que, à luz da legislação de regência, é manifestamente inexequível. Daí porque o

licitante, neste caso, agiria no estrito cumprimento de um dever legal320.

A propósito, cumpre-nos assinalar que o comportamento ilícito previsto nos arts. 7º

da Lei 10.520/02 e 47, IV da Lei 12.462/11, consistente na ausência de manutenção da

proposta, confunde-se com a recusa em assinar o contrato. Isso porque a desistência ou

retirada da proposta fora das hipóteses cabíveis é ineficaz, razão pela qual a única forma de o

315 Renata Fiori Pucetti discorda: “Por outro lado, se os motivos apresentados, seja para a recusa, seja para o

pedido de prorrogação, se assentarem em ineficiência do próprio vencedor da licitação ou a fatores que lhe são diretamente imputáveis, a Administração deverá decidir pela ocorrência da infração e, também, indeferir eventual pedido de prorrogação de prazo, pois, eventual clemência da Administração significará violação a direito de terceiros240 e às próprias regras que presidem a licitação” (Infrações e sanções administrativas em licitações e contratos, p. 123).

316 “Art. 48. Serão desclassificadas: (...) II - propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexequíveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação. § 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexequíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores: a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinquenta por cento) do valor orçado pela administração, ou b) valor orçado pela administração”.

317 “Art. 4º. A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras: (...) XI - examinada a proposta classificada em primeiro lugar, quanto ao objeto e valor, caberá ao pregoeiro decidir motivadamente a respeito da sua aceitabilidade”.

318 “Art. 24. Serão desclassificadas as propostas que: (...) III - apresentem preços manifestamente inexequíveis ou permaneçam acima do orçamento estimado para a contratação, inclusive nas hipóteses previstas no art. 6o desta Lei; IV - não tenham sua exequibilidade demonstrada, quando exigido pela administração pública”.

319 O art. 43, §6º da Lei 8.666/93 veda a desistência da proposta após a fase de habilitação, salvo por motivo justo. A Leis 10.520/02 e 12.462/11 não disciplinaram essa matéria, sendo inaplicável essa regra da Lei de Licitações, em razão da inversão de fases no Pregão e no RDC. Diante disso, dada as suas características, a regra é pela impossibilidade de desistência, podendo esta ser admitida na hipótese de desistência da proposta inicial, antes do início sessão pública.

320 Esta circunstância poderia inclusive se subsumir à causa justificadora expressamente admitida pelo art. 43, §6º da Lei 8.666/93.

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licitante não manter a proposta é por meio da recusa em assinar o contrato, uma vez

adjudicado-lhe o objeto321. E, neste caso, ser-lhe-á aplicável esta infração, razão da ineficácia

das referidas disposições das Leis do Pregão e do RDC.

4.1.3. Atraso injustificado na execução do contrato

Dispõe o art. 86 da Lei 8.666/93:

Art. 86. O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato. § 1o A multa a que alude este artigo não impede que a Administração rescinda unilateralmente o contrato e aplique as outras sanções previstas nesta Lei. § 2o A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado. § 3o Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente.

Em que pese a sua redação acarretar controvérsia322, entendemos que o

comportamento previsto no art. 7º da Lei 10.520/02, consistente em ensejar o retardamento

da execução do objeto do certame, nada mais é do que o atraso injustificado previsto no art.

86 da Lei 8.666/93. Para nós, não há dúvida de que o objeto do certame são os bens ou

serviços comuns licitados por meio do pregão, conforme se depreende dos arts. 3º e 4º da Lei

10.520/02323. Daí porque retardar a execução do objeto do certame é o mesmo que atrasar a

321 A despeito de aparentemente conferir autonomia à aludida ausência de manutenção da proposta, Marçal

Justen Filho admite a aplicação do regime do art. 81 da Lei 8.666/93, chamando atenção, ademais, para a sobredita ineficácia da desistência da proposta: “Somente se pode configurar a infração a partir do momento em que se encerrar o certame, após a adjudicação. Sem adjudicação, não surge o dever de o licitante praticar algum ato atinente à execução do contrato. E se o licitante, antevendo dificuldades derivadas de lance arriscado, pretender retirá-lo? É juridicamente impossível essa retirada, o que significa que a hipótese nunca se verificará. A manifestação de ‘desistência’, ressalvadas as hipóteses em que tal seja justificável, não libera o licitante e o lance produzirá todos os efeitos jurídicos correspondentes, ainda que o próprio licitante assim não o deseje” (Pregão (Comentários à legislação do Pregão comum e eletrônico, p. 250). Renata Fiori Pucetti também assinala que a ausência de manutenção da proposta não configura uma infração nos procedimentos da Lei 8.666/93 (apontando inclusive a aludida ineficácia), porém a admite no Pregão, eis que fora tipificada (Infrações e sanções administrativas em licitações e contratos, p. 119).

322 Nesse sentido, Marçal Justen Filho sustenta que “A solução mais lógica é presumir que se pretendia imputar irregularidade à conduta que provocasse o retardamento do próprio certame. Ou seja, o objeto do certame seria a competição, o processo licitatório em si mesmo. Portanto, a conduta reprovável e punível seria aquela que impedisse o normal seguimento do certame e o atingimento do resultado final, consistente na seleção de lance vencedor” (Pregão (Comentários à legislação do Pregão comum e eletrônico, p. 252).

323 Cita-se alguns deles que afasta qualquer espécie de dúvida quanto à noção de objeto do certame: “Art. 3º A fase preparatória do pregão observará o seguinte: I - a autoridade competente justificará a necessidade de contratação e definirá o objeto do certame, as exigências de habilitação, os critérios de

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execução do contrato, tendo o art. 47, III da Lei 12.462/11 veiculado disposição bastante

semelhante, ainda que um pouco mais clara324.

E, evidentemente, nem se cogita a possibilidade de aplicação de sanção mais gravosa

do que a multa prevista no art. 86 da Lei 8.666/93 em razão da prática dessa infração, o que

evidencia a impossibilidade de interpretação literal dos arts. 7º da Lei do Pregão e 47 da Lei

do RDC. Se assim procedêssemos, teríamos que admitir a imposição da sanção de

impedimento de licitar ou contratar nesta hipótese, o que seria um descalabro.

Dito isto, vê-se, primeiramente, que se previu uma infração administrativa, sujeita a

imposição de uma única espécie de sanção (multa)325, em que o comportamento tipificado

objetivamente é omissivo, consistente no atraso injustificado da execução do contrato. Ou

seja, o critério material da conduta ilícita é deixar de executar injustificadamente o contrato

no prazo previamente acordado (ou ensejar o retardamento do objeto do certame. Não há

diferença, conforme se verificou)326.

Vê-se, portanto, que o sobredito preceito também empregou o vocábulo injustificado,

sendo aplicável as considerações lançadas no subitem anterior, relativamente ao

aceitação das propostas, as sanções por inadimplemento e as cláusulas do contrato, inclusive com fixação dos prazos para fornecimento; II - a definição do objeto deverá ser precisa, suficiente e clara, vedadas especificações que, por excessivas, irrelevantes ou desnecessárias, limitem a competição; (...) IV - a autoridade competente designará, dentre os servidores do órgão ou entidade promotora da licitação, o pregoeiro e respectiva equipe de apoio, cuja atribuição inclui, dentre outras, o recebimento das propostas e lances, a análise de sua aceitabilidade e sua classificação, bem como a habilitação e a adjudicação do objeto do certame ao licitante vencedor”. “Art. 4º. A fase externa do pregão será iniciada com a convocação dos interessados e observará as seguintes regras: (...) XX - a falta de manifestação imediata e motivada do licitante importará a decadência do direito de recurso e a adjudicação do objeto da licitação pelo pregoeiro ao vencedor; XXI - decididos os recursos, a autoridade competente fará a adjudicação do objeto da licitação ao licitante vencedor”.

324 Art. 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que: (...) III - ensejar o retardamento da execução ou da entrega do objeto da licitação sem motivo justificado. Nesta hipótese, Marçal Justen Filho ainda entende que “Não há certeza precisa sobre o que seria o objeto da licitação”, do que, conforme se verificou, discordamos (no caso do RDC, basta a leitura do art. 2º, IV, “a” para chagar nessa definição). Sem embargo, em razão da redação do inciso III do art. 47, afirma que “a conduta de ‘entrega’ somente apresenta sentido quando referida à execução do contrato. A Lei se refere, então, a objeto da licitação para indicar a conduta jurídica ou material que se busca obter por meio da licitação” (Comentários ao RDC, p. 678).

325 Nesse ponto divergimos do magistério de Jessé Torres Pereira Júnior, segundo o qual “o art. 86 ordena à Administração que, em caso desse atraso, cogite, preferencialmente, de sancionar o infrator tão-só com multa. Se a conduta faltosa for agravada por reincidência no atraso, antecedentes de inexecução, dano irreparável, dolo da contratada, poderá aplicar outra sanção além da multa, sem prejuízo da rescisão do contrato” (Comentários à lei das licitações e contratações da administração pública, p. 783). Ao nosso juízo somente com a rescisão do contrato afigura-se possível a imposição de penalidade distinta da multa de mora, conforme a seguir será esclarecido.

326 Esse tipo revela que se trata de infração de perigo abstrato ou de mera conduta, em que basta a prática do comportamento ilícito (ou seja, do atraso injustificado na execução do contrato) para a imediata consumação da infração, independentemente da produção de resultado naturalístico, não sendo possível sua prática tentada.

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comportamento previsto no art. 81 da Lei 8.666/93 (que também fez expressa alusão ao

referido termo) e nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47, I da Lei 12.462/02 (que não empregam

esse termo)327.

Daí porque também não se afigura possível prever um rol taxativo das hipóteses

justificadoras do atraso em comento, ainda que se possa elencar as causas já previstas em

lei328, sendo ainda possível ao regulamento e ao contrato administrativo veicular outras

hipóteses (o que, insiste-se, não excluirá outras causas decorrentes dos primados da

razoabilidade e proporcionalidade).

Aliás, por se tratar de infração administrativa diretamente relacionada ao prazo de

execução do contrato, o que, evidentemente, é bastante cambiante a depender do seu objeto

(não há dúvida quanto às distinções entre os contratos de execução de obra; e de compra, por

exemplo, inclusive no que tange ao prazo de execução), esta infração deve estar

necessariamente prevista no contrato, fixando-se inclusive a gradação da multa. É sabido que

os próprios preceitos legais acima referidos veiculam essa obrigatoriedade.

E, justamente por força disso, não vislumbramos nenhum óbice para que o contrato

preveja a aplicação da multa em decorrência do atraso na execução de cada etapa do objeto

contratado, sendo acertada, contudo, a arguta observação de Francisco Zardo no sentido de

que a ausência de imposição da penalidade em razão do atraso na execução de algumas etapas

e a posterior conclusão da obra dentro do prazo acordado afasta a possibilidade de aplicação

da aludida penalidade ao contratado329.

327 Na presente hipótese, o art. 47, III da Lei 12.462/11 empregou o termo justificado, enquanto o art. 7º da Lei

10.520/02 não o fez, o que, conforme se verificou, não acarreta nenhuma consequência jurídica. 328 Nessa toada, as hipóteses previstas no art. 57, §1º da Lei 8.666/93 são justificadoras de eventual atraso,

impondo-se a prorrogação do prazo de execução. Eis a redação desse preceito: Art. 57. (...) §1º - Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo: I - alteração do projeto ou especificações, pela Administração; II - superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato; III - interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração; IV - aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei; V - impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência; VI - omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis. Reitera-se, ademais, que não incorrerá no ilícito em comento o contratado que suspende a execução de contrato administrativo em razão do atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração decorrentes da parcela já executada. O contratado, nesta hipótese, estará exercendo regularmente o direito de suspender o cumprimento de suas obrigações, nos termos do art. 78, XV da Lei 8.666/93.

329 Nesse sentido, assinala o ilustre autor: “Além de não ter nenhum efeito à aplicação de uma multa nessas circunstâncias, o que contraria o princípio da proporcionalidade das sanções, a observância do prazo final

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Segundo, o art. 86, §1º da Lei 8.666/93 permite o estabelecimento de uma importante

distinção entre o atraso e a inexecução do objeto, cujo marco diferenciador é a rescisão do

contrato.

Com efeito, imagine-se, por exemplo, um contrato administrativo cujo objeto é a

aquisição, pela Administração, de canetas. Segundo esse contrato, a entrega deveria se dar no

prazo de 30 (trinta) dias após a sua assinatura, incidindo multa de 1% por dia de atraso,

limitado a 20 (vinte) dias, após o que operar-se-á a rescisão do contrato. Como, insiste-se, a

lei explicitamente impôs que a infração consistente no atraso injustificado, e sua respectiva

sanção, estejam previstas no contrato, em regra este instrumento traz a referida disciplina330.

Sem embargo, suponha-se, ainda, que o contratado, após 40 (quarenta) dias de atraso

ilícito culposo, entregue as canetas à Administração, que as recebe definitivamente, nos

termos do art. 73 da Lei 8.666/93. Ou seja, em que pese o contrato prever que neste caso

operar-se-ia a rescisão contratual (eis que o atraso foi superior a 20 dias), o objeto foi

integralmente entregue e recebido pela Administração. E, nesta hipótese, indaga-se: o

contratado incorreu na infração prevista no art. 86 da Lei 8.666/93 (atraso injustificado), ou

no ilícito previsto no art. 87 da Lei 8.666/93 (inexecução contratual)?

Ao nosso juízo, é evidente que a infração praticada é a primeira, não havendo que se

falar em inexecução contratual. Isso porque, se o objeto foi entregue e recebido pela

autoridade administrativa competente, não se operou a inexecução do contrato, mas sim a sua

execução a destempo. Ou seja, o comportamento ilícito praticado foi o atraso injustificado na

execução do objeto, e não a sua inexecução total ou parcial.

Para que esta segunda infração restasse configurada, a Administração teria que

rescindir o contrato, deixando de receber as canetas que lhe foram entregues. Se assim não o

fez, optou por não rescindi-lo, permitindo a sua execução, o que se revela legítimo. Não há

dúvida de que a rescisão do contrato traz um prejuízo maior do que permitir a sua execução,

acaso esta ainda se afigure possível, mormente porque será cabível a imposição de multa ao

contratado, pela prática da infração prevista no art. 86 da Lei 8.666/93.

Terceiro, concordamos com Francisco Zardo no sentido de que “os bens jurídicos

tutelados pela norma são a seriedade da contratação, bem como as necessidades públicas a

evidenciará a inexistência de ofensa ao bem jurídico tutelado pela norma e, consequentemente, a atipicidade da conduta” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 130).

330 Registre-se que, conforme observa Marçal Justen Filho, “Se o contrato não dispuser acerca dos prazos para incidência da multa moratória e para rescisão por inadimplemento, caberá à Administração demonstrar que a demora tornou inútil a prestação” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1137).

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serem satisfeitas por ela (...)”331, podendo a infração em comento ser cometida tanto dolosa

como culposamente. Em regra, o comportamento é praticado por culpa do contratado

(previsão equivocada da produção que seria necessária para o atendimento dos pedidos de um

determinado período), que, todavia, também pode ser afastada em determinadas hipóteses (o

que também pode ser apontado como uma causa justificadora).

Cita-se, por exemplo, um extraordinário aumento de demanda, que não poderia ser

previsto, por causa alheia à vontade do contratado. É o que tem ocorrido com relação aos

repelentes, em razão do aumento dos casos de contaminação pelo zika vírus, que é transmitido

aos seres humanos pelo inseto aedes aegypti. Nesta hipótese, eventual atraso na execução de

contrato administrativo cujo objeto é a aquisição de repelentes deverá ser tolerado pela

Administração, respeitando, contudo, o limite do razoável, eis que o contratado deve

empreender todos os esforços para adimplir o contrato que já havia sido celebrado antes do

aumento extraordinário da demanda, deixando de celebrar novos negócios, se for o caso.

Aliás, é de difícil visualização hipótese em que o comportamento ilícito em comento

não poderia ser imputável à pessoa jurídica contratada. Como se trata de um comportamento

ilícito omissivo, consistente na execução do contrato a destempo, em regra por vício culposo

no planejamento ou na operação necessária à execução na data aprazada, não há dúvida de

que esta conduta pode ser imputada à pessoa jurídica332.

Quarto e apenas para que se afaste qualquer espécie de dúvida nesse sentido, as

semelhanças e diferenças das multas previstas nos arts. 86 e 87, II, da Lei de Licitações serão

explicitadas em subitem específico333, não havendo óbice, contudo, para que ambas sejam

impostas cumulativamente, acaso ocorra a rescisão do contrato em razão do atraso em sua

execução (art. 86, §1º da Lei 8.666/93).

4.1.4. Fraude fiscal

O art. 88, I da Lei 8.666/93 prevê a aplicação das penalidades previstas nos incisos

III e IV do art. 87 (suspensão do direito de licitar e contratar e declaração de inidoneidade) “às

empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta Lei, tenham

sofrido condenação definitiva por praticarem, por meios dolosos, fraude fiscal no

recolhimento de quaisquer tributos”.

331 Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 130. 332 Vide subitem 2.2.3. 333 Vide subitem 4.2.2.

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Os arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47, VI da Lei 12.462/11 também previram esta

infração, restringindo-se a assinalar que nela incorre aquele que “cometer fraude fiscal”. E, a

despeito de não ter sido feita alusão à necessidade de condenação definitiva, não há como

afastar este elemento do tipo infracional. Isso porque somente o Poder Judiciário, mediante o

regular processo penal, tem competência para reconhecer a prática do crime de fraude

fiscal334. Logo, as disposições das Leis do Pregão e do RDC não repercutiram sobre a infração

em comento, e tampouco sobre a sanção aplicável, eis que, insiste-se, interpretamos

conjuntamente aqueles preceptivos com as normas da Lei 8.666/93335.

Vê-se, portanto, que critério material do tipo infracional não é a prática dolosa de

fraude fiscal no recolhimento de tributos, em decorrência de contrato administrativo. Em

verdade, a materialidade dessa infração é a condenação definitiva pela prática daquele crime,

previsto nos arts. 1º, II e 2º, I da Lei 8.137/90336, o que aproxima a sanção dela decorrente a

334 Renata Fiori Pucetti também comunga desse entendimento: “Com relação à fraude fiscal mencionada como

hipótese sancionável pela lei disciplinadora do pregão, conquanto não haja menção expressa ao evento condenação ou condenação definitiva, por razões lógicas, só terá cabimento na mesma situação pertinente à lei de licitações. Isto porque a constatação de fraude fiscal só pode se dar mediante processo judicial e, de acordo com o que dispõe o art. 5º, inc. LVII274, da Constituição da República, ninguém poderá ser considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória” (Infrações e sanções administrativas em licitações e contratos, p. 139). Já Marçal Justen Filho entende que infração prevista no art. 7º da Lei do Pregão é distinta: “Já o dispositivo ora examinado referiu-se apenas a ‘fraude fiscal’, que não se refere diretamente ao recolhimento de tributos. Suponha-se o caso de sociedade constituída por ‘laranjas’, cuja constituição se destina a obter benefícios e vantagens da mais diversa ordem. Enfim, existem obrigações tributárias ditas ‘acessórias’ (cujo objeto não consiste no pagamento de uma importância em dinheiro ao Estado), cujo cumprimento pode ser frustrado de modo fraudulento” (Pregão (Comentários à legislação do Pregão comum e eletrônico, p. 259). Ousamos discordar, eis que, conforme se verificará, os tipos penais configuradores da fraude fiscal pressupõem a ausência de recolhimento de tributo. Tanto mais isso é verdade que esse recolhimento acarreta a extinção da punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei 9.249/95. Por fim, é evidente que o fato de as Leis do Pregão e do RDC não terem previsto a necessidade de a fraude fiscal estar relacionada com o contrato também não afasta este elemento do tipo, pois se trata de uma limitação lógica e que atenderia ao primado da tipicidade, diante da generalidade desses preceptivos (acaso, evidentemente, a Lei 8.666/93 não tivesse veiculado as sobreditas normas).

335 Aliás, ao nosso juízo, não há conflito entre as normas acima referidas, não há que se falar que neste caso se aplica a sanção mais branda – impedimento do direito de licitar e contratar -, tal como prevê o art. 112 do CTN.

336 “Art. 1° Constitui crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (...) II - fraudar a fiscalização tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal”. “Art. 2° Constitui crime da mesma natureza: I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo”. Comungam desse mesmo entendimento: Marçal Justen Filho (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1164; Eduardo Rocha Dias (Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 114); e Franscisco Zardo (As infrações administrativas em licitações e contratos administrativos, p. 133). Já Jessé Torres Pereira Junior admite que esta infração reste configurada ausente decisão judicial condenatória, na hipótese em que decisões administrativas que tenham reconhecido a fraude fiscal “se hajam tomado definitivas pela prescrição do direito de provocar a tutela jurisdicional” (Comentários à lei das licitações e contratações da Administração Pública, p. 823).

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um efeito secundário da condenação pela prática do referido ilícito penal337 (tal como ocorre

na hipótese prevista no art. 92, I do Código Penal338)339.

Todavia, em que pese a semelhança, não é possível equiparar a regra prevista no art.

88, I da Lei 8.666/93 – e tampouco as veiculadas na Lei 10.520/02 e 12.462/11 - a um efeito

secundário da condenação criminal. Isso porque, uma vez ocorrida a condenação definitiva

pela prática do crime de fraude fiscal, caberá à autoridade administrativa competente (i)

decidir se a sobredita condenação se deu em razão dos contratos regidos pela Lei 8.666/93340,

o que afigura como condição para a configuração da referida infração administrativa; e (ii)

escolher a sanção que será imposta, dentre a suspensão do direito (ou impedimento) de licitar

e contratar e a declaração de inidoneidade.

É dizer, ao contrário do que se opera com efeitos secundários da condenação, a

imposição da sanção decorrente da infração administrativa ora investigada depende de uma

decisão administrativa, em que a autoridade competente, a despeito de não deter competência

para apreciar a ocorrência da fraude fiscal, aprecia a existência de relação da fraude com o

contrato administrativo e escolhe a sanção que será aplicada.

Sucede que, dada a gravidade das sanções que podem ser impostas em razão da

prática da infração em comento, cujos efeitos extrapolam a relação de sujeição especial

travada entre a Administração e o contratado, parece-nos que o art. 88, I da Lei 8.666/93

inobservou o princípio da tipicidade, o que não foi sanado pelos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47

da Lei 12.462/11. Deveras, verificou-se que um dos elementos definidores do tipo infracional

decorre da expressão “em razão dos contratos regidos por esta Lei”, que é demasiadamente

genérica, mormente considerando-se que a “fraude fiscal no recolhimento de quaisquer

tributos” deve decorrer dos aludidos contratos para que a infração administrativa em comento

reste configurada.

É dizer, a lei não define nenhum critério para que se identifique quando uma fraude

fiscal no recolhimento de tributos se dará em razão de um contrato administrativo,

337 Nessa toada, segundo Damásio de Jesus, “A par dos efeitos principais a condenação penal produz outros,

denominados secundários, reflexos ou acessórios, de natureza penal e extrapenal”, sendo que “Entre os efeitos secundários extrapenais da condenação incluem-se os de natureza civil e administrativa (...)” (Direito Penal – Parte Geral, p. 688).

338 Art. 92 - São também efeitos da condenação: I - a perda de cargo, função pública ou mandato eletivo: a) quando aplicada pena privativa de liberdade por tempo igual ou superior a um ano, nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública; b) quando for aplicada pena privativa de liberdade por tempo superior a 4 (quatro) anos nos demais casos.

339 Esse tipo revela que se trata de infração de perigo abstrato ou de mera conduta, em que com a condenação se opera a sua instantânea consumação, independentemente da produção de resultado naturalístico, não sendo possível sua prática tentada.

340 É induvidoso que isto açambarca os contratos celebrados no âmbito do Pregão ou do RDC, até mesmo porque, por expressa previsão legal, estes contratos são disciplinados pela Lei 8.666/93.

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subsumindo-se, portanto, à aludida infração. Ou seja, basta, por exemplo, fraude fiscal

decorrente de eventual ausência de declaração dos rendimentos auferidos em razão de

contrato administrativo, somados ainda a outras diversas omissões de rendimentos de origens

distintas? Ou a referida condenação deve advir, por exemplo, de fraude de documento

diretamente relacionado a um contrato administrativo, como as notas fiscais que aparelharam

o fornecimento de mercadorias ou a prestação de serviços, pretendendo-se evitar o

recolhimento de tributo?341

É evidente a deficiência da tipificação objetiva do comportamento infracional, que

não pode ser corrigida por meio de ato infralegal (seja em regulamento, edital ou contrato,

pois, insiste-se, a sanção decorrente daquela infração extrapola os limites da relação de

sujeição especial342). E, justamente por força disso, parece-nos que a infração prevista nos

arts. 88, I da Lei 8.666/93; 7º da Lei 10.520/02; e 47, VI da Lei 12.462/11 não poderia ser

aplicada, até a sobrevinda de lei definindo de modo claro e preciso o comportamento ilícito

(ou seja, tipificando-a objetivamente)343.

Sem embargo, superando-se esse óbice e pretendendo preservar em maior grau

possível a segurança jurídica, deve-se interpretar a regra veiculada no apontado preceptivo

restritivamente, de modo que a infração somente reste configurada acaso a condenação pela

prática de fraude fiscal decorra diretamente de um fato praticado na execução de um contrato

administrativo, sendo este fato, ademais, preponderante para aquela condenação. Ou seja, nos

dois exemplos formulados acima, somente na segunda hipótese poderia ser imposta sanção

administrativa com espeque no art. 88, I da Lei 8.666/93. Sabemos que esta fórmula não

resolve o problema, sendo apenas um norte, que deve ser aplicado sempre à luz do caso

341 Marçal Justen Filho chama a atenção para a infinidade de situações que a redação do art. 88 pode açambarcar:

“Embora as condutas arroladas no art. 88 não se vinculem à atividade executória do contrato administrativo, deve haver um vínculo com um contrato administrativo ou com uma licitação. A existência anterior, contemporânea ou posterior de um contrato administrativo seria condição indispensável para o sancionamento. Podem imaginar-se inúmeras situações, tal como irregularidades praticas no curso de uma licitação (fornecimento de declarações ideologicamente falsas de capacidade técnica) ou, mesmo, no curso de um contrato (fornecimento de documentos falsos para tentar caracterizar caso fortuito)” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1164).

342 Vide subitem 2.2.2. 343 Marçal Justen Filho comunga desse pensamento, assinalando que “A hipótese do inc. I não é dotada dos

contornos necessários à sua aplicação. Não há definição na lei acerca do conceito de ‘fraude fiscal no recolhimento’ de quaisquer tributos. Deve reputar-se que o inc. I vincula o sancionamento à condenação (na esfera própria) do particular por crime contra a ordem tributária” (Ob. cit., p.164). Todavia, ao contrário do que sustentamos pelas razões acima declinadas, entende que os arts. 7ª da Lei 10.520/02 e 47, VI da Lei 12.462/11 adotaram “uma fórmula que aperfeiçoou o disposto no inciso I do art. 88 da Lei nº 8.666”, ao argumento de que, segundo esses preceitos, “A fraude fiscal envolve tanto as obrigações tributárias principais como as acessórias” (Comentários ao RDC, p. 684). Joel de Menezes Niebuhr possui entendimento diverso. Ao seu juízo, “A hipótese preconizada no inciso I do art. 88 da Lei nº 8.666/93 é suficientemente clara e específica, referindo-se ao cometimento de fraude fiscal (Licitação pública e contrato administrativo, p. 1002).

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concreto.

Não obstante isso, é sabido e ressabido que somente pessoas naturais podem ser

condenadas pelo crime previsto nos arts. 1º, II e 2º, I da Lei 8.137/90 (que açambarca a fraude

fiscal), ainda que a conduta fraudulenta tenha sido realizada por meio de pessoa jurídica, nos

termos do art. 11 da Lei 8.137/90344. Neste caso, a condenação deve recair sobre os

administradores, sócios ou responsáveis legais da pessoa jurídica, em razão da propalada

incapacidade penal desta.

Por força disso, surge outra indagação: se a pessoa jurídica não pode ser condenada

pelo crime de fraude fiscal, como poderá lhe ser imputada a infração administrativa em

comento?

Uma vez mais a legislação não é clara nesse sentido, sendo este mais um vício na

tipificação que impede a aplicação da infração administrativa em comento às pessoas

jurídicas. Sem embargo, realizando novo esforço interpretativo, à luz dos princípios que

regem a matéria, entendemos que três requisitos devem ser atendidos para a imputação da

infração administrativa em tela às pessoas jurídicas: (i) a ocorrência de condenação definitiva

pelo crime de fraude fiscal de sócio, administrador ou responsável legal da pessoa jurídica;

(ii) o fato que acarretou essa condenação deve estar relacionado, na intensidade acima

exposta, com um contrato administrativo celebrado também pela pessoa jurídica; e (iii), como

a condenação pelo sobredito crime não recai sobre a pessoa jurídica (mas sim sobre os seus

sócios, administradores ou representantes legais), deve-se apurar se esse comportamento

poderia ser imputado à pessoa jurídica (pois isto, por razões óbvias, não é objeto do processo

penal), aferindo a presença dos requisitos necessários, conforme exposto nos subitens 2.2.1. e

2.2.3.

Ou seja, deve-se apurar (i) se o comportamento ilícito foi praticado (i.1) diretamente

pelos administradores ou representantes legais da pessoa jurídica, dentro dos limites de suas

atribuições; ou (i.2) por um funcionário, sem poderes de representação, atendendo a decisão

da pessoa jurídica; ou (ii), acaso aquele comportamento tenha sido praticado pelos seus

colaboradores (administradores, representes legais ou prepostos) extrapolando os limites de

suas atribuições e/ou à margem de ordem da pessoa jurídica, se esta descumpriu o seu dever

jurídico de adotar as medidas que devia e podia para prevenir a prática daquele

comportamento, sendo necessário, contudo, que esta conduta tenha o condão de lhe trazes

344 “Art. 11. Quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos

nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

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benefício ou vantagem345.

Somente se comprovada a presença desses requisitos, no processo administrativo

instaurado para apuração da prática da infração prevista nos arts. 88, I da Lei 8.666/93; 7º da

Lei 10.520/02; e 47, VI da Lei 12.462/11, esta infração poderá ser imputada à pessoa jurídica.

Ademais, uma vez mais não foram definidos os critérios para a escolha da sanção

decorrente da prática do sobredito ilícito administrativo346, o que, insiste-se, não pode ser

realizado por ato infralegal. Daí porque se aplicam as regras gerais para a escolha entre as

sanções que podem ser aplicadas ao ilícito ora investigado (suspensão do direito - ou

impedimento - de licitar e contratar e declaração de inidoneidade), examinadas em subitem

específico347.

Por fim, concordamos uma vez mais com Francisco Zardo no sentido de que o bem

jurídico tutelado no caso concreto “é a respeitabilidade e a probidade nas contratações

públicas, bem como a proteção da ‘política socioeconômica do Estado, como receita estatal,

para obtenção dos recursos necessários à realização de suas atividades’”348.

4.1.5. Prática de atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação

O art. 88, II da Lei 8.666/93 também prevê a aplicação das penalidades previstas nos

incisos III e IV do art. 87 (suspensão do direito de licitar e contratar e declaração de

inidoneidade) “às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta

Lei, tenham praticado atos ilícitos visando a frustrar os objetivos da licitação”. Os arts. 7º da

Lei 10.520/02 e 47 da Lei 12.462/11, ao contrário do que se verificou nas demais hipóteses,

não previram essa infração (o que, insiste-se, não afasta a sua aplicação às licitações e aos

contratos deles decorrentes349), ainda que tenham tipificado comportamento ilícito que a ela se

subsume, conforme adiante será esclarecido. 345 Note que, neste caso, não caberá à autoridade administrativa apurar se o colaborador da pessoa jurídica

praticou a conduta com dolo (tal como exige o art. 88, I da Lei 8.666/93). Isso porque isto já terá sido reconhecido em razão da sua condenação pelo crime de fraude fiscal, que pressupõe o dolo. Caberá apenas apurar a presença do elemento subjetivo da pessoa jurídica acaso a imputação do comportamento ilícito se dê em razão do descumprimento do seu dever jurídico de adotar as medidas que devia e podia para prevenir a prática daquele comportamento (ou seja, na segunda hipótese).

346 Nessa toada, assinala Marçal Justen Filho: “Depois, a Lei não define a exata extensão da sanção. O art. 87 alude a um prazo de dois anos. Mas verificados os eventos indicados nos incisos do art. 88, como será definida a extensão temporal da sanção? Ademais, a Lei não distingue as hipóteses em que, nos casos do art. 88, haverá a suspensão temporária do direito de licitar e os em que se aplicará a declaração de inidoneidade” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1164).

347 Vide subitem 4.2.5. 348 Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 134. 349 Vide, uma vez mais, as razões lançadas no introito do presente capítulo.

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Logo, adotando uma interpretação literal, o comportamento tipificado é a prática de

ato ilícito com a finalidade de frustrar os objetivos da licitação, que estão pedagogicamente

previstos no art. 3º da Lei 8.666/93350 e também mereceram tratamento pelo art. 1º, §1º da Lei

12.462/11351, que também se aplicam ao Pregão.

Todavia, não há dúvida de que, pela redação do sobredito preceito normativo, o

legislador foi ainda mais genérico se comparado com o art. 88, I da Lei 8.666/93, eis que se

previu que o comportamento típico é a prática de um ato ilícito, sem, contudo, “especificar

que tipo de ilícito e qual a dimensão dele”, conforme observa Joel de Menezes Niebuhr352. E,

como se isso não bastasse, a lei também não veiculou nenhuma baliza para a aplicação das

sanções previstas no art. 87, III e IV da Lei 8.666/93, em razão da prática da referida infração

administrativa353.

Logo, também nesta hipótese é evidente a deficiência da tipificação objetiva do

comportamento infracional, que não pode ser corrigida por meio de ato infralegal, pelas

mesmas razões expostas no subitem anterior.

Sem embargo, como a infração prevista no art. 88, II da Lei 8.666/93 é comumente

aplicada, cumpre-nos, assim como procedemos anteriormente, gizar os seus contornos,

pretendendo mitigar a insegurança jurídica dela decorrente.

Nessa toada, verificou-se que Celso Antônio Bandeira de Mello defende que, na

ausência de descrição das hipóteses de cabimento das sanções previstas no art. 87, III e IV da

Lei 8.666/93 (aplicáveis à infração prevista no art. 88, II da Lei 8.666/93), “tais sanções só

poderão ser aplicadas no caso de comportamentos tipificados como crimes”354.

Não comungamos desse entendimento, a despeito de ser bastante provável que a

prática de atos pretendendo frustrar os objetivos da licitação também se subsumam aos tipos

350 “Art. 3o. A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da

proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos”.

351 "Art. 1º; (...) §1o - O RDC tem por objetivos: I - ampliar a eficiência nas contratações públicas e a competitividade entre os licitantes; II - promover a troca de experiências e tecnologias em busca da melhor relação entre custos e benefícios para o setor público; III - incentivar a inovação tecnológica; e IV - assegurar tratamento isonômico entre os licitantes e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração pública”.

352 Licitação pública e contrato administrativo, p. 1002. 353 Aplica-se as mesmas considerações lançadas no subitem anterior, quais sejam: “Ademais, reiterando-se a

crítica já lançada quando investigamos as sanções previstas no art. 87, III e IV da Lei 8.666/93, não foram definidos os critérios para a escolha da sanção decorrente da prática da infração prevista no art. 88, I da Lei 8.666/93, o que não pode ser realizado por ato infralegal. Daí porque, superando-se uma vez mais esta flagrante inconstitucionalidade, os mesmos critérios acima expostos para a escolha daquelas sanções são aplicáveis ao ilícito ora investigado (vide subitem 4.1.1.)”.

354 Curso de direito administrativo, p. 594.

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penais previstos na Lei 8.666/93, tais como aqueles veiculados pelos arts. 90 e 93 da Lei

8.666/93355.

Ao nosso juízo o art. 88, II da Lei 8.666/93, ao contrário do inciso I desse mesmo

artigo, não condicionou a infração à condenação ou à prática de ilícito criminal. Aquele

preceito legal utilizou a expressão “atos ilícitos”, que, ao nosso juízo, não se restringem a

ilícitos criminais.

De outra banda, poder-se-ia estar diante de uma tipificação indireta, acaso outra

norma tipificasse os atos ilícitos que visam frustrar os objetivos da licitação. Esta, aliás, seria

a medida que melhor atenderia ao primado da tipicidade, o que, contudo, somente pode ser

realizado por lei formal, eis que as sanções decorrentes dessa infração são graves e

extrapolam a relação de sujeição especial travada entre o licitante ou contratado e a

Administração.

Todavia, na ausência dessa norma, parece-nos que a solução para a aplicação da

infração em comento está justamente na interpretação da sobredita expressão (“atos ilícitos”)

utilizada na descrição do critério material do tipo. Até mesmo porque decorre dessa expressão

a propalada incerteza quanto ao comportamento ilícito tipificado pelo art. 88, II da lei

8.666/93, conforme assinala Marça Justen Filho356.

Deveras, deve-se interpretar a norma veiculada no sobredito preceito legal conforme

a Constituição da República e sem redução de texto (à luz do princípio da tipicidade), de

modo que o comportamento típico não seja a prática de quaisquer atos ilícitos pretendendo

frustrar os objetivos da licitação, mas sim a conduta consistente em frustrar os objetivos da

licitação, mediante qualquer expediente357, o que inclusive aproximaria essa infração do

crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93 e, mais ainda, do ilícito previsto no art. 5º, IV, “a”

355 “Art. 90 - Frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter

competitivo do procedimento licitatório, com o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação: Pena - detenção, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa”. “Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório: Pena -detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

356 Segundo o ilustre professor, “é problemático identificar a ocorrência de ‘(...) atos ilícitos, visando a frustrar os objetivos da licitação’” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1164).

357 Nesse sentido, as ideias lançadas por Cezar Roberto Bitencourt ao estudar o crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, acerca da locução “qualquer outro expediente” empregada por este tipo, aplica-se à hipótese concreta: “Com efeito, para fraudar ou frustrar o certame licitatório o agente pode – além de valer-se de ‘ajuste’ ou ‘combinação’, que seriam meios específicos –, utilizar-se de ‘qualquer outro expediente’ – que é um meio genérico, e constitui uma fórmula abrangente para abrir o leque de possibilidade de ludibriar o formalismo do certame licitatório” (Direito penal das licitações, p. 195). O autor ainda menciona, como exemplo de outro expediente, o artifício e o ardil, em que “Artifício é toda simulação ou dissimulação idônea para enganar ou mesmo induzir uma pessoa a erro ou a equívoco, levando-a à percepção de uma falsa aparência da realidade. Ardil, por sua vez, é a trama, o estratagema, astúcia com a qual o agente pode enganar alguém” (Ibid., mesma página).

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da Lei anticorrupção (Lei 12.846/13)358.

É dizer, para nós, os “atos ilícitos” são os expedientes ou meios empregados para a

prática do comportamento típico, consistente em frustrar, dolosamente, os objetivos da

licitação359.

E foi neste campo que obraram os arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47, II da Lei 12.462/11,

ao tipificarem o comportamento ilícito consistente em deixar de entregar a documentação

exigida para o certame. Com efeito, divergindo da doutrina, entendemos que esta disposição

deve ser interpretada, não como uma infração autônoma, mas sim como um meio para a

prática do ilícito ora investigado (ou seja, frustrar os objetivos da licitação).

Com isso, giza-se adequadamente os contornos desse comportamento, eis que, ao

nosso juízo, não é toda e qualquer ausência de entrega da documentação exigida que dá ensejo

à punição. É dizer, o mero equívoco (um verdadeiro esquecimento) consistente na ausência de

apresentação de documento que o licitante possui, não acarreta a imposição de sanção. Neste

caso, a sua inabilitação já será uma consequência bastante danosa.

Já o licitante que, dolosa ou culposamente360, aflui a certame a despeito de não

preencher os requisitos de habilitação, por não possuir, validamente, algum dos documentos

exigidos, incorre na infração administrativa ora investigada, eis que esta conduta é meio apto

a frustrar os objetivos do procedimento licitatório. Vê-se, portanto, que o critério determinante

é o fato de o licitante possuir, ou não, a documentação exigida, que deve ser pertinente à

habilitação, conforme assinala Marçal Justen Filho361.

358 “Art. 5o Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei,

todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos: (...) IV - no tocante a licitações e contratos: a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público”.

359 Verifique-se, aliás, a definição de Vicente Greco Filho para a ação física do crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, que se assemelha à interpretação que construímos à norma prevista no art. 88, II da Lei 8.666/93: “A conduta consiste em fazer ajuste, combinação ou utilizar-se de qualquer outro expediente que frustre a competitividade do procedimento” (Dos crimes da lei de licitações, p. 74).

360 A conduta consistente em frustrar o caráter competitivo dos objetivos do certame pode, no mundo fenomênico, se dar por negligência, imprudência ou imperícia. Todavia, ao nosso juízo, a previsão de que a prática desse comportamento ilícito deve se dar por meio de qualquer expediente pressupõe a sua escolha livre e consciente, razão pela qual, juridicamente, o dolo é pressuposto para a sua prática. Sem embargo, à lei é dado prever hipóteses em que se admitirá a prática culposa da infração. E foi isso que, ao nosso juízo, fez os arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47, II da Lei 12.462/11. Ou seja, previu-se, legitimamente, exceção à regra geral. Aliás, nas hipóteses em que for apresentado documento, que, todavia, não preenche os requisitos do edital, não se tratará de ausência de apresentação de documento exigido pelo certame. Poder-se-á, contudo, consubstanciar-se em meio distinto para a frustração dos objetivos da licitação, ou até mesmo fraude, o que, aliás, sequer se cogita quando houver fundada dúvida quanto ao preenchimento dos requisitos editalícios pelo documento apresentado.

361 Ensina o festejado professor: “Bem por isso, a documentação a que se refere o dispositivo é somente aquele

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E, também divergindo da doutrina, admitimos a aplicação da infração ora

investigada, por meio do aludido comportamento previsto nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47,

II da Lei 12.462/11, às licitações regidas pela Lei 8.666/93, em que não há inversão de fases.

A distinção que, ao nosso juízo, ocorre com relação aos procedimentos em que o julgamento

das propostas ocorre antes da fase de habilitação (tal como no Pregão e no RDC), cinge-se à

consumação da sobredita infração.

Deveras, nos procedimentos licitatórios em que não há inversão de fases, acaso um

dado licitante deixe de apresentar documento comprobatório da sua habilitação – dentro da

hipótese punível acima referida –, a consumação da infração em comento se opera acaso ele

celebre o contrato administrativo. É dizer, acaso ele seja inabilitado ou até mesmo não se

sagre vencedor, não se consuma a frustração dos objetivos da licitação (mormente, a garantia

da isonomia entre os participantes e a seleção da proposta mais vantajosa), sendo cabível,

contudo, a imposição de sanção pela tentativa.

Já no procedimento em que há inversão de fases (como no Pregão e no RDC), um

dos objetivos é incrementar a sua eficiência e celeridade. E como a habilitação se dá somente

após o julgamento das propostas, em que o licitante que não preenche os requisitos de

habilitação poderá inclusive participar da sessão de lances, a frustração já se consuma com

essa participação, independentemente de sua inabilitação ou celebração do contrato362.

Vê-se, portanto, que a interpretação sugerida à infração prevista no art. 87, II da Lei

8.666/93 não afasta a possibilidade de imposição de sanção na hipótese de sua prática tentada,

ou seja, nos casos em que a frustração dos objetivos da licitação não seja consumada363, eis

que se trata de uma infração administrativa material (ou de dano), que exige a produção de um

resultado naturalístico. Isso, ao nosso juízo, afasta eventual argumento no sentido de que essa

pertinente à habilitação. Se o sujeito omitir documento referente à proposta, isso acarretará a sua desclassificação. Tal se passará mesmo nos casos em que se tratar de planilhas a serem elaboradas para compatibilizar o valor ofertado ao final e a composição de custos” (Comentários ao RDC, p. 676).

362 A propósito, conforme será aprofundado no subitem subsequente, entendemos que a apresentação de documento falso (também prevista nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei 12.462/11), em que pese também ser capaz de frustrar os objetivos da licitação, se subsume à ilícito mais grave, consistente na ausência de demonstração de idoneidade ou comportar-se de modo inidôneo. Aplica-se também neste caso o critério da consunção. O mesmo se verifica com relação aos meios e expedientes que caracterizem fraude.

363 Nessa toada, as ideias lançadas por Cezar Roberto Bitencourt ao estudar o crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93 caem como uma luva: “O crime do art. 90 – frustrar ou fraudar o caráter competitivo de procedimento licitatório – somente se consuma com a efetiva frustração ou fraude do referido procedimento. Mais que isso: é necessário que o ‘caráter competitivo’ resulte frustrado ou fraudado, sendo insuficiente, portanto, a simples ação visando frustrá-lo ou fraudá-lo, sendo indispensável que resulte realmente frustrada ou fraudada a competitividade do procedimento licitatório, como exige o tipo penal. Trata-se, por consequência, de crime de dano, portanto, material, que exige a produção desse resultado” (Direito penal das licitações, p. 208). Nesse mesmo sentido é o magistério de Vicente Greco Filho (Dos crimes da lei de licitações, p. 72).

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interpretação restringe a aplicação do art. 88, II da Lei 8.666/93, cuja letra fria indica que

basta a intenção em frustrar os objetivos da licitação para que a infração reste configurada.

Esta conduta também será punida, porém em razão da prática tentada da infração em

comento, e não por força de sua consumação.

Aliás, é sabido que, à luz do Código Penal364, a pena decorrente da tentativa deve ser

diminuída, o que também deve ser levado em consideração para a imposição da sanção em

razão da prática do ilícito previsto no art. 88, II da lei 8.666/93.

Logo, o comportamento tipificado é praticado por ato comissivo (em regra) ou

omissivo, doloso (salvo na hipótese de ausência de documentação exigida para o certame,

que, aliás, é um comportamento omissivo), consistente em frustrar365os objetivos da licitação,

mediante qualquer expediente366.

Ademais, em que pese o art. 88 da Lei 8.666/93 exigir que os comportamentos

ilícitos previstos em seus incisos sejam praticados “em razão dos contratos regidos por esta

Lei”, parece-nos que o Superior Tribunal de Justiça andou bem ao sufragar o entendimento no

sentido de que esta expressão não restringiu a aplicação daquelas infrações aos licitantes que

efetivamente se sagraram vencedores e celebraram contrato administrativo, englobando

também “toda e qualquer empresa que tenha agido de forma ilegítima com o escopo de tornar-

se vencedora de certame que, em última análise, culminaria em um contrato submetido à

referida lei”367.

364 “Art. 14 – Diz-se crime: (...) II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias

alheias à vontade do agente. Parágrafo único - Salvo disposição em contrário, pune-se a tentativa com a pena correspondente ao crime consumado, diminuída de um a dois terços”.

365 Segundo Cezar Roberto Bitencourt, “Frustrar significa privar, iludir, inviabilizar a realização do procedimento licitatório, mediante ajuste, combinação ou, como diz a lei, qualquer outro expediente; ou, na erudita definição de Paulo José da Costa Jr., ‘frustrar, do latim frustrare, é tornar inútil, fazer falhar, baldar, tornar sem efeito’. Dito em bom português, ‘frustrar’ é inviabilizar, inutilizar ou impedir tanto a realização do ‘procedimento licitatório’, como também o seu ‘caráter competitivo’, ou seja, frustrar implica no impedimento da licitação, esta não se realiza pura e simplesmente”. Essa definição, construída pelo autor ao investigar o crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, é plenamente aplicável à infração prevista no art. 80, II da Lei 8.666/93, bastante ter em mente que a frustração, neste caso, se dá com relação aos objetivos da licitação.

366 Marçal Justen Filho, também realizando um esforço interpretativo, chega a resultado semelhante ao nosso no que tange às condutas açambarcadas pelo tipo em comento: “Cabe entender que o dispositivo alcança infrações de natureza dolosa, caracterizadas pela orientação à frustração das finalidades essenciais da licitação. Então, a mera formulação de oferta de valor excessivo é insuficiente para autorizar a imposição das sanções sob exame. É indispensável que o sujeito atue de modo ardiloso, com a intenção de impedir a operação dos mecanismos de competição e de tutela à vantajosidade. Isso se passa quando o sujeito se vale dolosamente de documentos falsos, viola o sigilo do certame, busca realizar ou realiza concerto com outros licitantes e assim por diante” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1164-1165). Conforme se verificou, divergimos quanto à apresentação de documento falso e demais comportamentos que caracterizem fraude, em razão do disposto nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei 12.462/11.

367 STJ – 2ª Turma – REsp 1.192.775 – Rel. Min Castro Meira – DJe 1.12.2010. O magistério de Marçal Justen Filho também caminha nesse sentido: “Embora as condutas arroladas no art.

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Além disso, não há nenhuma peculiaridade quanto à imputação da infração

administrativa em comento às pessoas jurídicas (ao contrário, portanto, do que ocorre com

relação ao ilícito previsto no art. 88, I da Lei 8.666/93, conforme se verificou no subitem

anterior), razão pela qual se aplicam integralmente os requisitos explicitados nos subitens

2.2.1. e 2.2.3.

Por fim, não há dúvida de que os bens jurídicos tutelados são os próprios objetivos

da licitação, quais sejam: isonomia entre os participantes; seleção da proposta mais vantajosa

para a Administração; e promoção do desenvolvimento nacional sustentável, aforam aqueles

previstos no art. 1º, §1º da Lei 12.462/11.

4.1.6. Demonstração de inidoneidade para contratar com a Administração

Por fim, o art. 88, III da Lei 8.666/93 prevê a aplicação das penalidades previstas nos

incisos III e IV do art. 87 (suspensão do direito de licitar e contratar e declaração de

inidoneidade) “às empresas ou aos profissionais que, em razão dos contratos regidos por esta

Lei, demonstrem não possuir idoneidade para contratar com a Administração em virtude de

atos ilícitos praticados”. Por sua vez, os arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47, VI da Lei 12.462/11

também previram como infração a conduta consistente em “ comportar-se de modo inidôneo”,

tendo, ademais, tipificado comportamentos que se subsumem a esta infração.

Nessa toada, não há dúvida de que as mesmas objeções lançadas com relação à

deficiente tipificação do ilícito previsto no art. 88, II da Lei 8.666/93 se aplicam também à

infração ora investigada. Parece-nos inclusive que os elementos definidores do

comportamento infracional são ainda mais genéricos, eis que, além de se ter novamente

colocado como pressuposto a prática de quaisquer “atos ilícitos” (sem, portanto, especificar

sua natureza ou dimensão), empregou-se conceito jurídico indeterminado, qual seja: a

“ausência de idoneidade para contratar com a Administração”. E não há dúvida de a conduta

88 não se vinculem à atividade executória do contrato administrativo, deve haver um vínculo com um contrato administrativo ou com uma licitação. A existência anterior, contemporânea ou posterior de um contrato administrativo seria condição indispensável para o sancionamento” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1164). Francisco Zardo também comunga desse pensamento, assinalando que a infração em comento pode inclusive ser praticada no bojo do registro cadastral (fornecendo documentação falsa, por exemplo), com o que concordamos: “Os registros cadastrais estão expressamente previstos no art. 34 e seguintes da Lei 8.666/1993. Sua finalidade, consoante o magistério de Carlos Ari Sundfeld, é ‘desburocratizar e agilizar as licitações’, pois evita que os documentos de habilitação devam ser apresentados e analisados a cada certame. Portanto, há uma indissociável ligação entre o registro cadastral, a licitação e o contrato administrativo. Quem solicita o registro cadastral o faz em razão dos contratos regidos pela Lei 8.666/93, motivo pelo qual um ato ilícito praticado nessas circunstâncias sujeita o particular às sanções do art. 87” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 137).

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consistente em “comportar-se de modo inidôneo”, previstas nas Leis 10.520/02 e 12.462/11,

não altera este quadro.

Por estas razões, também a infração em comento não poderia ser aplicada, até que

sobreviesse lei descrevendo de modo claro e preciso – ainda que por meio da tipificação

indireta – os atos ilícitos que demonstrem a ausência de idoneidade para contratar com a

Administração368.

Apenas com relação à sanção aplicável é que nos parece que a lei, desta vez, não

deixou margem de discricionariedade, nem mesmo in abstrato, à Administração. Isso porque,

se um dos elementos do tipo é a sobredita ausência de idoneidade, não há outra sanção a ser

aplicada que não seja a declaração de inidoneidade prevista no art. 87, IV da Lei 8.666/93,

afastando-se, pois, a possibilidade de imposição da suspensão do direito (ou impedimento) de

licitar e contratar369.

Sucede que, pretendendo uma vez mais superar o vício apontado – que, conforme se

verificou, é bastante recorrente –, não cremos ser possível, assim como procedemos com

relação ao art. 88, II da Lei 8.666/93, outorgar aos “atos ilícitos” a condição de expediente por

meio do qual o comportamento infracional é praticado.

Isso porque a norma prevista no art. 88, III da Lei 8.666/93 – e tampouco aquelas

dispostas nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei 12.462/11 – não permite a delimitação de

uma conduta com um conteúdo determinável, como é aquela consistente em frustrar os

objetivos da licitação, que alocamos como comportamento típico ao interpretar o art. 88, II da

Lei 8.666/93.

É dizer, de nada adiantaria definir o comportamento típico da infração administrativa

em comento como o fato consistente em demonstrar não possuir idoneidade para contratar

com a Administração – ou comporta-se de modo inidôneo –, por meio do emprego de

qualquer expediente.

Em vista disso, não nos afigura crível outra conclusão que não seja a que o

comportamento tipificado pelos sobreditos dispositivos normativos é comissivo ou omissivo,

cujo critério material é a prática de ato ilícito que demonstre a ausência de idoneidade para

368 Reitera-se que, ao nosso juízo, esta tipificação não pode ser realizada por ato infralegal, eis que a sanção

decorrente dessa infração extrapola a relação de sujeição especial mantida entre o licitante ou contratado e a Administração (vide subitem 2.2.2).

369 Recorde-se que sustentamos a interpretação conjunta das disposições das Leis 8.666/92, 10.520/02 e 12.462/11 (vide o introito do presente capítulo). Aliás, este ilícito ressalta uma vez mais a ofensa ao princípio da isonomia que a interpretação literal e isolada dos arts. 7º da Lei do Pregão e 47 da Lei do RDC acarretaria. Isso porque, se assim procedêssemos, o licitante ou contratado que se comportasse de modo inidôneo no Pregão e no RDC seria sancionado com pena mais branda do que aquele submetido à Lei 8.666/93. É evidente que não motivo autorizador desse tratamento desigual.

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contratar com a Administração370. Restringir este tipo àquele previsto nas Lei do Pregão e do

RDC tornaria o comportamento ilícito ainda mais genérico e indeterminável, o que,

evidentemente, em nada contribuiria para a delimitação do conteúdo da infração em comento.

Vê-se, portanto, que a conduta ilícita ora investigada se assemelha àquela prevista

nos art. 88, I da Lei 8.666/93 (e também nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47, VI da Lei

12.462/11), que também exige a prática de um ilícito para que a infração reste configurada,

qual seja: a fraude fiscal. Há, contudo, duas distinções, na medida em que tanto o art. 88, III

da Lei 8.666/92, como os arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47, VI da Lei 12.462/11 (para a infração

em comento), (i) não exigem a condenação pelo apontado ilícito, mas apenas a sua prática; e

(ii) não restringem aquele ilícito aos de natureza criminal, eis que faz expressa referência a

“atos ilícitos”, sem qualquer delimitação371.

E, justamente por força disso, pretendendo-se afastar a mitigação ao princípio da

tipicidade, cremos que os atos ilícitos cuja prática pode dar ensejo à infração administrativa

em comento devem necessariamente estar tipificados, de modo claro preciso, como ilícito

jurídico em sentido estrito.

Ou seja, ilícitos penais, de improbidade administrativa, de corrupção, dentre outros, a

depender do critério de classificação que se adote. O importante é que se tratem de

comportamento tipificados, de modo claro e preciso, como ilícitos jurídicos em sentido

estrito372, que, além disso, tenham sido praticados “em razão dos contratos regidos por esta

lei”, conforme prescreve o art. 88, caput da Lei 8.666/93.

Aliás, já assinalamos que a prática dos comportamentos tipificados no art. 5º, IV da

Lei anticorrupção podem acarretar, além das sanções previstas naquela lei, também a

imposição da penalidade de declaração de inidoneidade, em razão do disposto no art. 88, III

da Lei 8.666/93. Aos ilícitos que certamente acarretam a prática dessa infração administrativa

se somam os crimes previstos na Lei 8.666/93, sem prejuízo, insiste-se, de outros ilícitos

tipificados objetivamente por outras normas, cuja prática revele a ausência de idoneidade para

contratar com a Administração373.

370 Esse tipo revela que se trata de infração de perigo abstrato ou de mera conduta, em que basta a prática do ato

ilícito para a sua consumação, independentemente da produção de resultado naturalístico, não sendo possível sua prática tentada. Sem embargo, nada impede que a norma que preveja os apontados atos ilícitos exija a produção de resultado. Mas neste caso será a consumação do ato ilícito que exigirá a produção de resultado, e não a infração prevista no art. 88, III da Lei 8.666/93.

371 Vê-se, portanto, que, pelas mesmas razões expostas no subitem anterior, não comungamos do entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello (no que foi acompanhado por Francisco Zardo), no sentido de que as sanções previstas no art. 87, III e IV da Lei 8.666/93 “só poderão ser aplicadas no caso de comportamentos tipificados como crimes” (Curso de direito administrativo, p. 594).

372 Vide os subitens 1.2. e 1.4, oportunidade em que delimitamos a definição essa espécie de ilícito. 373 Marçal Justen Filho, a despeito de não exigir a tipificação desses comportamentos ilícitos, giza com acerto o

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E, dentre esses ilícitos, inserem-se duas infrações tipificadas pelos arts. 7º da Lei

10.520 e 47, II e V da Lei 12.462/11, consistente em (i) “apresentar documento falso”374 e (ii)

“fraudar375 a licitação ou praticar atos fraudulentos na execução do contrato”376. Ao nosso

conteúdo do elemento consistente da demonstração da ausência de idoneidade para contratar com a Administração: “Tem de presumir-se que a lei apanha as condutas absolutamente incompatíveis com a condição de licitante ou de contratado pela Administração Pública. São consideradas as condutas que produzem a extinção da confiabilidade do sujeito, eliminando a presunção de que ele disporá de condições de executar satisfatoriamente o contrato” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1165).

374 O conteúdo desse comportamento é evidente, cabendo esclarecer (i) que “A falsidade pode ser tanto ideológica como material”, conforme assinala Marçal Justen Filho (Comentários ao RDC, p. 677); (ii) que sua prática pode se dar com dolo ou culpa, eis que “Se o sujeito receber certo documento cujos termos contêm indícios de falsidade, deverá acautelar-se e evitar sua utilização. Deve considerar-se o dever de diligência correspondente a uma pessoa normal, aquela cautela que um empresário deve aplica na sua atuação cotidiana”, também conforme assinala o festejado professor paranaense (Ibid., mesma página); e (iii), conforme observa Renata Fiori Pucetti, a inabilitação de licitante em pregão, que apresenta a declaração prevista no art. 4º, VII da Lei 10.520/02, não se subsume automática e infalivelmente ao comportamento ilícito em comento. Com efeito, acerta a autora ao assinalar que “as exigências para habilitação previstas no instrumento convocatório, notadamente as relativas à capacidade técnica, podem vir redigidas de maneira imprecisa, a comportar variadas interpretações quanto a seu conteúdo e alcance. Nesses casos, o adjudicatário, desde que revele uma interpretação razoável, coerente e lógica do conteúdo da exigência, ainda que diversa daquela adotada pelas autoridades julgadoras, não terá cometido a infração” (Infrações e sanções administrativas em licitações e contratos, p. 127).

375 A definição de fraude construída por Cezar Roberto Bitencourt, ao se debruçar sobre o crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, aplica-se ao presente caso: “Fraudar, por outro lado, é usar ou utilizar manobra ardilosa, astuciosa, isto é, realizada com emprego de artifício. Fraude, em outros termos, é a utilização de artifício, de estratagema, de engodo ou ardil para vencer a vigilância da vítima ou responsável pela vigilância. Não vemos, a rigor, nenhuma restrição quanto à forma, meio ou espécie de fraude, bastando que seja idônea para desviar a atenção ou simplesmente enganar o administrador público ou os concorrentes do procedimento licitatório. Assim, caracteriza meio fraudulento qualquer artimanha utilizada para enganar, mascarar ou alterar a forma procedimental ou o caráter competitivo da licitação” (Direito penal das licitações, p. 190). E, ao nosso juízo, assim como esse autor, não há dúvida de que a fraude pressupõe o dolo, que encerra a vontade livre e consciente de fraudar. Verifique-se, ademais, a definição de Marçal Justen Filho para a fraude à licitação e fraude ao contrato: “A previsão legal compreende condutas ativas, eis que a fraude não se configura por omissão. Fraudar a licitação se configura pela prática de condutas maliciosas, visando evitar o atendimento de requisitos ou exigências ou a afastar o cunho competitivo da licitação. Há fraude quando o sujeito engana outrem, produz documentos falsos, formula alternativas inverídicas, produz ajuste com outrem para eliminar a competição. Não existe um elenco exaustivo de condutas enquadráveis na definição legal. O ponto em comum a todas elas reside na produção de uma aparência de conformidade às exigências, destinada a ocultar uma situação que configura infração à ordem jurídica, visando à obtenção de um benefício a que o sujeito não faz jus” (Comentários ao RDC, p. 681-682); e “Em matéria de execução de contrato administrativo, a fraude consiste na prática maliciosa destinada a ocultar o inadimplemento total ou parcial do contratado ou a permitir que a execução do contrato faça-se de modo menos oneroso para o sujeito, Tal como se passa em outros casos, a fraude na execução do contrato pode exteriorizar-se através de diversas e variadas condutas. A fraude indica a armação produzida pelo contratado, sendo impossível enumerar todas as possíveis manifestações geradas pela criatividade negativa do intelecto humano. Pode haver manifestações grosseiras ou sutis de comportamento humano. Assim, o contratado pode alterar as embalagens, inserindo em todas ou em algumas produtos distintos daqueles que originalmente ali se encontravam; ou o sujeito pode substituir os insumos apropriados; ou apresentar comprovante de origem inadequado e assim por diante. É impossível arrolar todas as hipóteses imagináveis” (Ibid., p. 682).

376 Estes são os termos empregados pela Lei 12.462/11. A Lei do Pregão utilizou termos distintos para definir o primeiro comportamento, cuja redação, contudo, não deixa dúvida quanto à identidade com a conduta prescrita na Lei do RDC. Já quanto à fraude, a Lei 10.520/02 aparentemente limitou-a à execução do contrato. Porém, seguindo o entendimento acertadamente plasmado pela 2ª Turma do STJ (REsp 1.192.775 – Rel. Min Castro Meira – DJe 1.12.2010), não há dúvida de que a prática de atos fraudulentos no curso do pregão também se subsumiria àquele comportamento ilícito.

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juízo, opera-se, neste caso, uma situação inusitada, que poderia ser retratada como uma

consunção377, porém “permanente”, em que em toda e qualquer hipótese estes ilícitos estarão

contidos na infração consistente em comportar-se de modo inidôneo, sendo, pois, sempre um

meio para a sua prática. Isso porque a apresentação de documento falso e a prática de atos

fraudulentos sempre revelará a ausência idoneidade para contratar com a Administração.

Daí porque, como estes comportamentos foram tipificados de modo claro e preciso,

como ilícitos em sentido estrito, cremos que sua aplicação não se dará com uma infração

autônoma, mas sim como um dos atos ilícitos que se subsumem à infração prevista no art. 88,

I da Lei 8.666/93 (e também nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47, VI da Lei 12.462/11).

E a afastar qualquer espécie de dúvida nesse sentido, o art. 46 da Lei Orgânica do

TCU (Lei 8.443/92) dispõe que “Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o

Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de

licitação na Administração Pública Federal”. Logo, mesmo antes da edição das Leis

10.520/02 e 12.462/11, a fraude já havia sido tipificada como um ato ilícito em sentido estrito

que se subsume à infração administrativa em comento378.

Vê-se, portanto, que a interpretação por nós engendrada se assemelha à tipificação

indireta, com a diferença de que não são os comportamentos ilícitos, especificamente

reveladores dessa ausência de idoneidade, que são tipificados por outra norma. Está-se, em

verdade, tomando-se emprestado a tipificação de ilícitos distintos, o que não se afigura como

a situação ideal, porém dá maior guarida ao princípio da tipicidade.

Ademais, relativamente ao elemento subjetivo, a sua exigência se dá com relação ao

ato ilícito cuja prática configura a infração administrativa em comento, e não propriamente

com relação a esta infração. Ora, se o comportamento típico é a prática de ato ilícito tipificado

em outra norma, deve-se apurar a presença dos elementos necessários à configuração deste

ilícito, donde se insere o elemento subjetivo. E estando presentes estes elementos, considera-

377 Nesse sentido, verifique-se novamente o magistério de René Ariel Dotti: “Há consunção quando um crime é

meio necessário ou normal etapa de preparação ou de execução de outro crime. Entre os bens jurídicos protegidos pelas normas penais, verificam-se, às vezes, relações de mais e de menos: uns contêm-se já nos outros de tal maneira que uma norma consome já a proteção que a outra visa. Daí que, com fundamento na regra de ne bis in idem, se deve concluir que a lex consumens derogat legi consumtae” (Curso de direito penal – Parte geral, p. 383-384).

378 E nem se cogite na revogação ou no conflito entre as Leis 10.520/02, 12.462/11 e 8.443/92, no que tange à sanção aplicável à conduta fraudulenta na licitação ou contrato. Insiste-se, pelas razões declinadas no introito deste capitulo (razão pela qual a ele fazemos remissão) que a interpretação sistemática e teleológica destes diplomas normativos, em conjunto com a Lei 8.666/93, afasta o entendimento de que se aplica neste caso a sanção de impedimento de licitar e contratar, em detrimento da declaração de inidoneidade. Aliás, repisa-se que Fábio Mauro de Medeiros também identificou esse suposto conflito com a Lei Orgânica do TCU, porém, conforme se verificou, afastou-o (O novo entendimento do TCU acerca da aplicação de sanções no âmbito dos contratos administrativos (quando aplicá-lo), p. 5).

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se que o ilícito fora praticado, restando apenas apurar se ele demonstra a ausência de

idoneidade para contratar com a Administração.

Registre-se apenas que, ainda que a norma tipificadora dos referidos ilícitos admita a

prática do comportamento ilícito mediante culpa, somente se esta conduta for praticada de

modo doloso poder-se-á cogitar na aplicação da infração em tela, pois, conforme

acertadamente observa Francisco Zardo, “evidentemente, não se é inidôneo por negligência e

sim por má-intenção”379.

E a aplicação dessa infração às pessoas jurídicas requer (i) a prática, por elas, dos

sobreditos “atos ilícitos”; ou (ii), acaso isto não seja possível em razão de sua incapacidade

(tal como ocorre, por exemplo, com relação aos ilícitos penais), que o ato ilícito poderia lhes

ser imputado, aferindo a presença dos requisitos necessários, conforme exposto nos subitens

2.2.1. e 2.2.3. A solução, portanto, é abstrair a referida incapacidade, em um esforço

interpretativo para garantir a aplicação da infração em comento, conforme procedemos com

relação ao art. 88, I da Lei 8.666/93.

Eis os requisitos, aplicáveis em ambas as hipóteses: (i) o comportamento ilícito deve

estar diretamente relacionado com licitação380 ou contrato administrativo da qual a pessoa

jurídica tenha afluído ou celebrado; e (ii) deve-se apurar se (a) o comportamento ilícito foi

praticado (a.1) diretamente pelos administradores ou representantes legais da pessoa jurídica,

dentro dos limites de suas atribuições; ou (a.2) por um preposto, sem poderes de

representação, atendendo a decisão da pessoa jurídica; ou (b), acaso aquele comportamento

tenha sido praticado pelos seus colaboradores (administradores, representes legais ou

funcionários) extrapolando os limites de suas atribuições e/ou à margem de ordem da pessoa

jurídica, se esta descumpriu o seu dever jurídico de adotar as medidas que devia e podia para

prevenir a prática daquele comportamento, sendo necessário, contudo, que esta conduta tenha

o condão de lhe trazer benefício ou vantagem381.

379 Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 141. 380 Conforme assinalamos anteriormente, em que pese o art. 88 da Lei 8.666/93 exigir que os comportamentos

ilícitos previstos em seus incisos sejam praticados “em razão dos contratos regidos por esta Lei”, parece-nos que o Superior Tribunal de Justiça andou bem ao sufragar o entendimento no sentido de que esta expressão não restringiu a aplicação daquelas infrações aos licitantes que efetivamente se sagraram vencedores e celebraram contrato administrativo, englobando também “toda e qualquer empresa que tenha agido de forma ilegítima com o escopo de tornar-se vencedora de certame que, em última análise, culminaria em um contrato submetido à referida lei” (STJ – 2ª Turma – REsp 1.192.775 – Rel. Min Castro Meira – DJe 1.12.2010).

381 Note que, diferentemente do que se opera com relação ao art. 88, I da Lei 8.666/93, caberá à autoridade administrativa, ao menos em regra, apurar se o colaborador da pessoa jurídica praticou a conduta com dolo (tal como exige o art. 88, III da Lei 8.666/93), nas hipóteses do item “a”. Salvo se já tiver ocorrido a condenação definitiva pela prática dos aludidos “atos ilícitos” (cuja prática, recorde-se, é pressuposto para a configuração da infração administrativa em comento), tendo sido previamente reconhecido que ele fora praticado com dolo (hipótese que se subsume ao art. 88, III da Lei 8.666/93) ou com culpa (o que afastaria a

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Por fim, uma vez mais concordamos com Francisco Zardo no sentido de que “O bem

jurídico tutelado pela norma é a respeitabilidade e a probidade nas contratações públicas”382.

4.1.7. Falta ou defeito na execução do contrato

Ao nosso juízo, o art. 67 da Lei 8.666/93 tipificou uma infração administrativa –

aplicável, registre-se, também ao RDC e ao Pregão –, consistente em cometer falta ou defeito

na execução do contrato administrativo, cuja sanção aplicável é a advertência.

Diante disso, para fins didáticos e para evitar repetições, gizaremos os contornos

desse ilícito no subitem subsequente, quando trataremos da advertência.

4.2. Sanções administrativas em espécie

4.2.1. Advertência

O art. 87 da Lei 8.666/93 prevê, dentre o rol das sanções aplicáveis à infração nele

tipificada (qual seja: a inexecução total ou parcial do contrato), a advertência, cuja imposição

deve ser precedida da instauração de processo administrativo, em que se garanta a defesa do

contratado383. Esse preceito normativo não previu os pressupostos de cabimento ou os seus

efeitos, não havendo dúvida, contudo, que se trata da penalidade menos gravosa dentre

aquelas cominadas.

Sucede que, conforme já adiantamos quando tratamos da sobredita infração, parece-

nos que a advertência não se consubstancia em uma sanção aplicável à inexecução total ou

parcial do contrato. Ao nosso juízo, o legislador incorreu em flagrante equívoco, pois não

mais se revela cabível ou prestante advertir o contratado, uma vez rescindido o contrato em

virtude da sua inexecução (rescisão esta que, conforme se verificou, é condição necessária à

configuração dessa infração, nos termos do art. 77 da Lei 8.666/93384).

Isto, conduto, não afasta a aplicação da advertência. Ao nosso juízo, o legislador se

sua aplicação). Já na hipótese do item “b” deve-se apurar a presença do elemento subjetivo da pessoa jurídica acaso a imputação do comportamento ilícito se dê em razão do descumprimento do seu dever jurídico de adotar as medidas que devia e podia para prevenir a prática daquele comportamento, bastando, neste caso, a culpa, pois exigir o dolo não se coaduna com a natureza da responsabilização em razão da posição de garante.

382 Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 141. 383 Reitera-se que a advertência também é aplicável ao Pregão e também ao RDC (vide o introito do presente

capítulo). 384 Vide subitem 4.1.1.

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equivocou ao prevê-la dentre as sanções dispostas no art. 87 da Lei 8.666/93. Todavia,

parece-nos que o art. 67 da Lei 8.666/93 tipificou a infração em face da qual ela se revela

cabível385.

Com efeito, o art. 67 da Lei 8.666/93 impõe à Administração a indicação de

representante responsável por acompanhar e fiscalizar a execução do contrato, competindo-

lhe anotar “em registro próprio todas as ocorrências relacionadas com a execução do contrato,

determinando o que for necessário à regularização das faltas ou defeitos observados” (§1º do

art. 67). E o §2º desse preceito normativo é cristalino ao dispor que “As decisões e

providências que ultrapassarem a competência do representante deverão ser solicitadas a seus

superiores em tempo hábil para a adoção das medidas convenientes”.

É dizer, identificado, pelo representante da Administração, falta ou defeito na

execução do contrato, passível de regularização, este determinará a adoção de providências

pelo contratado nesse sentido. Se, contudo, (i) o contratado não corrigir o defeito ou falta

apontada, no prazo que lhe fora assinalado, seja por simples inércia ou por discordar da

posição do representante; (ii) esta falta ou defeito for grave, cuja correção, ainda que possível,

seja de considerável complexidade ou dificuldade; ou (iii) o contratado esteja reiteradamente

cometendo faltas ou defeitos, ainda que as esteja corrigindo e sejam elas de menor gravidade;

segue-se que caberá ao representante da Administração comunicar este fato aos seus

superiores (art. 67, §2º), que poderão requerer, junto à autoridade competente, a instauração

de processo administrativo para apuração de infração cometida pelo contratado.

Ao cabo desse processo administrativo, em que deve ser garantida a defesa prévia ao

contratado (que poderá, por exemplo, demonstrar que executou o contrato conforme as

especificações do projeto, não tendo incorrido em defeito ou falta), este poderá ser advertido a

corrigir a falta ou defeito e/ou adotar conduta mais atenta na execução do contrato, de modo a

evitar novas faltas ou defeitos, sob pena de rescisão contratual. Neste caso, o contratado terá

incorrido na infração consistente cometer falta ou defeito na execução do contrato

administrativo, devendo a advertência ser anotada nos termos do art. 67, §1º, da Lei 8.666/93.

Alternativamente, (i) acaso a falta ou defeito seja grave, apta a revelar a incapacidade

técnica do contratado; ou (ii) se este já tiver sido advertido anteriormente; segue-se que a

autoridade competente poderá rescindir o contrato, o que caracterizará a sua inexecução e,

385 Nesse ponto divergimos do magistério de Marçal Justen Filho, que sustenta: “Será inválida a aplicação ao

particular da sanção da advertência se inexistir discriminação legal dos seus pressupostos. Quando muito, terá um cunho de mera comunicação da insatisfação da Administração. Não poderá constar de quaisquer cadastros nem ser invocada para produzir efeitos negativos à reputação e à idoneidade do particular” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1.154).

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consequentemente, autorizará a imposição das sanções previstas no art. 87, II a IV, da Lei

8.666/93 (mas não da penalidade de advertência, que não mais se revelará cabível).

Nessa toada, o art. 78 da Lei 8.666/96, além de prever como motivo para a rescisão

do contrato “o cumprimento irregular de cláusulas contratuais, especificações, projetos e

prazos”386 (donde se insere a falta ou defeito grave, ou a falta ou o defeito que o contratado,

em pese advertido, não corrigiu), também autoriza a rescisão em razão do “cometimento

reiterado de faltas na sua execução, anotadas na forma do §1º do art. 67 desta Lei” (inciso

VIII). Para nós, só há que se falar em falta reiterada na hipótese de o contratado já ter sido

advertido, após regular processo administrativo.

Eis, portanto, os pressupostos e efeitos da penalidade de advertência387, bem como os

contornos da infração prevista no art. 67 da Lei 8.666/93388.

4.2.2. Multa

A doutrina e a jurisprudência costumam segregar a multa em duas espécies, sendo

moratória (ou de mora) a multa decorrente do atraso no adimplemento da obrigação; e

punitiva aquela oriunda do inadimplemento da obrigação, sem finalidade compensatória389.

386 Inciso II. 387 Note que concordamos com Marçal Justen Filho quanto aos efeitos da advertência: “O primeiro reside na

submissão do particular a uma fiscalização mais atenta. Não se trata de alterar as exigências impostas, que continuam as mesmas. Haverá, porém, um acompanhamento mais minucioso da atividade do particular, tendo em vista anteriormente descumprido seus deveres. O segundo consiste na cientificação de que, em caso de reincidência (específico ou genérica), o particular sofrerá uma punição mais severa” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1.154). Por sua vez, ao versar sobre a penalidade ora investigada, Joel de Menezes Niebuhr também se refere ao art. 67 da Lei 8.666/93, assinalando que as determinações do representante da Administração para correção das falhas ou defeitos na execução do contrato equivalem, em sua essência, à advertência. Todavia, diante do disposto no art. 87 da Lei 8.666/93, o ilustre autor se viu obrigado a estabelecer uma distinção, que se assemelha, mas não se confunde com a nossa: “Pois bem, quanto aos efeitos, não há como distingui-las. Ambas prestam-se à mesma finalidade. A distinção possível é que a advertência, no inciso I do art. 87, deve ser precedida de ampla defesa; a determinação para a regularização das faltas os defeitos, do §1º do art. 67, não deve ou não precisa ser precedida de ampla defesa. A aludida distinção é esdrúxula porque a advertência produz praticamente os mesmos efeitos da determinação para a regularização das faltas ou defeitos: ambos os atos servem, em essência, a advertir, comunicando o contratado a respeito de alguma falta, para que ele a corrija antes que se produza espécie de dano maior. O uso de uma ou de outra figura, da advertência ou da determinação para a regularização das faltas ou defeitos, depende do humor e da disposição dos agentes administrativos, já que, insista-se, os efeitos de ambas são os mesmos” (Licitação pública e contrato administrativo, p. 1008).

388 A despeito da generalidade do tipo, não há afronta ao princípio da tipicidade neste caso, pois a sanção de advertência é branda e irradia efeitos somente dentro da relação de sujeição especial travada com a Administração (vide subitem 2.2.).

389 Também se fala em multa compensatória, que, todavia, consubstancia-se em uma sanção ressarcitória, cujo regime jurídico é flagrantemente distinto do que o aplicável às sanções retributivas, conforme assinalamos quando nos debruçamos sobre a definição de sanção jurídica (vide subitem 1.3.). A sanção ressarcitória se presta a recompor as perdas e danos, o que, ao nosso juízo, não é a finalidade das multas previstas nos arts. 86 e 87 da Lei 8.666/93, que possuem natureza retributiva. Tanto mais isso é verdade que o art. 70 desse

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Essa distinção se justifica, pois não há dúvida quanto à nítida distinção das infrações

que dão ensejo a cada espécie de multa. É dizer, a multa de mora pretende prevenir o

adimplemento impontual da obrigação, que, ainda que com atraso, não deixa de ser satisfeita.

Já a multa punitiva se volta contra um comportamento mais grave, consistente no

inadimplemento da obrigação assumida390.

E, justamente em razão dessa inegável distinção e a despeito de o tema ainda estar

sob repercussão geral391, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem sufragado o

entendimento de que os limites máximos de cada espécie de multa, aplicável no âmbito do

Direito tributário, são distintos (20% para a multa moratória e 100% para a multa punitiva,

calculados sobre o valor da obrigação atrasada ou inadimplida)392.

Logo, a partir da leitura dos arts. 86393 e 87394 da Lei 8.666/93, vê-se que aquele

diploma normativo prevê a responsabilidade do contratado por perdas e danos, o que não afasta a sanção prevista no art. 87 da Lei de Licitações. O art. 80, III é ainda mais claro nesse sentido, ao dispor que “A rescisão de que trata o inciso I do artigo anterior acarreta as seguintes consequências, sem prejuízo das sanções previstas na lei: (...) III - execução da garantia contratual, para ressarcimento da Administração, e dos valores das multas e indenizações a ela devidos”. Nessa toada, assinala Francisco Zardo: “A multa compensatória, também denominada multa ressarcitória ou cláusula penal, tem a finalidade de compensar os prejuízos decorrentes do inadimplemento. Por meio dela, ensina Orlando Gomes, ‘as partes de um contrato fixam, de antemão, o valor das perdas e danos que por acaso se verifiquem em consequências da inexecução culposa da obrigação’. Trata-se, portanto, de uma multa com a finalidade de reparar danos. Ocorre que a Lei 8.666/1993 não diz ser essa a finalidade da multa prevista no art. 87, II. Ao contrário, em algumas oportunidades a Lei 8.666/1993 refere-se à multa e à reparação de danos, como se fossem independentes. Ademais, a reparação de danos é assegurada pelo art. 70 da Lei 8.666/1993, independentemente da aplicação de sanções (...)” (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 164). Por sua vez, Joel de Menezes Niebuhr possui entendimento em sentido contrário (Licitação pública e contrato administrativo, p 1.008 e 1.009).

390 Nesse sentido, assinala Jessé Torres Pereira Júnior: “O que se conclui é que entre a multa prevista no art. 86 e aquela referida no art. 87 há diferença correlacionada com a distinção que a teoria geral das obrigações formula entre mora e inadimplemento absoluto. Existe a primeira quando a obrigação, embora não cumprida, ainda pode vir a sê-lo proveitosamente para o credor; consuma-se o segundo quando a obrigação não for cumprida, nem poderá mais vir a sê-lo com proveito para o credor, tornando-se definitivo o descumprimento”. E o autor prossegue: “A multa do art. 86, aplicável tão-só na hipótese de atraso injustificado na execução do contrato, é tipicamente moratória, porquanto o atraso não impede a execução do pactuado de molde a atender aos fins do credor (a Administração contratante) (...). A multa do art. 87 vincula-se à inexecução do contrato, ou seja, inadimplemento absoluto, que deixará sem execução, em definitivo, todo o objeto (a prestação a cargo do devedor) ou parte dele. Tal multa não é moratória. É penal, daí acrescer-se a sanção mais severa se houver elementos subjetivos que agravem a conduta do contratado” (Comentários à lei das licitações e contratações da Administração pública, p. 783-784).

391 Há três recursos extraordinários, submetidos à sistemática da repercussão geral, que versam sobre o limite máximo das multas punitiva e moratória: Recursos extraordinários 640.452, 736.090 e 882.461.

392 Nessa toada, em recente acórdão, em que o Ministro Luís Roberto Barroso fez uma excelente digressão quanto aos precedentes do Supremo Tribunal Federal acerca desse tema, a 1ª Turma dessa C. Corte assentou: “Considerando as peculiaridades do sistema constitucional brasileiro e o delicado embate que se processa entre o poder de tributar e as garantias constitucionais, entendo que o caráter pedagógico da multa é fundamental para incutir no contribuinte o sentimento de que não vale a pena articular uma burla contra a Administração fazendária. E nesse particular, parece-me adequado que um bom parâmetro seja o valor devido a título de obrigação principal. Com base em tais razões, entendo pertinente adotar como limites os montantes de 20% para multa moratória e 100% para multas punitivas” (STF – 1ª Turma – AgRg no Agravo de instrumento 727.872 – Rel. Min. Luís Roberto Barroso – DJe. 18/5/2015).

393 “Art. 86. “O atraso injustificado na execução do contrato sujeitará o contratado à multa de mora, na forma

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preceptivo tipificou infração administrativa cuja sanção aplicável é a multa de mora; enquanto

que este previu a aplicação de multa punitiva, no que foi seguido pelos arts. 7º da Lei

10.520/02395 e 47 da Lei 12.462/11396. E, à luz destes diplomas normativos, compete ao edital

e ao contrato disciplinar os pressupostos de aplicação das multas, inclusive os seus

respectivos patamares. Gizemos, pois, os contornos destas normas.

Primeiro, salta aos olhos que a legislação de regência não previu o patamar máximo

tanto da multa de mora como da multa punitiva, o que, ao nosso juízo, consubstancia-se em

uma inconstitucionalidade incontornável. Deveras, assinalamos, ao estudar o princípio da

tipicidade, que as sanções jurídicas em sentido estrito e os seus critérios mínimos de aplicação

devem ser previstos em lei, mesmo nas relações de sujeição especial. Nesta hipótese, o que se

admite é a tipificação das infrações por ato infralegal, a depender, contudo, da gravidade da

sanção prevista em lei397.

Dentre os critérios mínimos da penalidade de multa, inserem-se os patamares

mínimo e máximo ou, ao menos, este último, não sendo cabível o emprego de analogia para a

fixação de intensidade de sanção administrativa em sentido estrito398. E os primados da

razoabilidade, proporcionalidade e não-confisco somente podem ser empregados para a

redução de patamar da multa previamente definido em lei. Ausente esta previsão, há um vício

de origem por ofensa ao princípio da legalidade, não se colocando em pauta os aludidos

prevista no instrumento convocatório ou no contrato”. 394 “Art. 87. Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa,

aplicar ao contratado as seguintes sanções: (...) II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato”.

395 “Art. 7º Quem, convocado dentro do prazo de validade da sua proposta, não celebrar o contrato, deixar de entregar ou apresentar documentação falsa exigida para o certame, ensejar o retardamento da execução de seu objeto, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo ou cometer fraude fiscal, ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios e, será descredenciado no Sicaf, ou nos sistemas de cadastramento de fornecedores a que se refere o inciso XIV do art. 4o desta Lei, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas em edital e no contrato e das demais cominações legais”.

396 “Art. 47. Ficará impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, pelo prazo de até 5 (cinco) anos, sem prejuízo das multas previstas no instrumento convocatório e no contrato, bem como das demais cominações legais, o licitante que (...)”.

397 Vide subitem 2.2.2. 398 Recorde-se o magistério de Rafael Munhoz de Mello acerca do princípio da tipicidade: “Portanto, não basta

que o ilícito administrativo e a sanção administrativa retributiva sejam criados por lei formal. É preciso mais: a lei formal deve descrever de modo claro e preciso – com ‘densidade normativa suficiente’, nas palavras de Canotilho – tanto o comportamento proibido como a consequência que pode advir de sua prática, tanto a infração administrativa como a respectiva sanção. Ao lado da garantia formal – criação por lei – há também uma garantia material” (Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 135). A princípio, por se tratar de sanção, criada por lei, que não extrapola a relação de sujeição especial travada entre o contratado e a Administração e cujas consequências são de média gravidade, admitimos que a explicitação das hipóteses de seu cabimento possa ser realizada por ato infralegal. Todavia, a lei, a despeito de prever esta sanção, não a tipificou com a “densidade normativa suficiente”, inobservando, pois, a garantia material do primado da tipicidade.

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primados.

Daí porque, ao nosso juízo, as multas previstas nos arts. 86 e 87, II da Lei 8.666/93,

bem como nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei 12.462/11, não podem ser aplicadas.

Todavia, como estas sanções têm sido amplamente aplicadas, afigura-se menos lesivo a

aplicação analógica do limite previsto do art. 9º do Decreto 22.626/33399, conforme sustenta

Joel de Menezes Niebuhr400.

Segundo, os primados da razoabilidade e da proporcionalidade impõem que o

instrumento convocatório e o contrato fixem patamares mais gravosos para a multa decorrente

do art. 87 da Lei 8.666/93. Em rigor, para a multa de mora, fixa-se um percentual incidente

sobre o valor da obrigação por dia de atraso, respeitado um limite máximo. E, acaso haja a

rescisão do contrato em razão de sua inexecução total ou parcial, que pode inclusive decorrer

do atraso não mais tolerado pela Administração, incidirá a multa punitiva, – acaso,

evidentemente, esteja ela prevista no edital e no contrato -, calculada sobre a obrigação

inexecutada, devendo esta ser fixada em um patamar mais elevado do que a multa moratória.

Terceiro, tirante a infração que dá ensejo a cada uma destas espécies de multa (que

são efetivamente distintas, conforme se verificou), bem como a necessária distinção quanto

aos seus patamares, que deve constar do edital e do contrato, o seu regime jurídico é

coincidente.

Com efeito, em ambos os casos a sanção somente pode ser imposta após regular

processo administrativo, cabendo o desconto do seu valor da garantia eventualmente oferecida

e, sendo esta insuficiente, o seu abatimento dos valores devidos pela Administração ao

contratado (arts. 86, §§2º e 3º401, e 87, §§ 1º e 2º402).

399 “Art. 9º. Não é válida a cláusula penal superior a importância de 10% do valor da dívida”. 400 “Para pôr cobro abusos, o Poder Judiciário tem prolatado decisões minimizando o valor das multas aplicadas

aos contratados, a teor do acórdão prolatado pelo STJ nos autos do REsp nº 330.677/RS, 1ª Turma (Rel. Min. José Delgado. julg. 02.10.2001), em que se determinou a aplicação supletiva do Código de Defesa do Consumidor, mais precisamente do §1º do seu art. 52, cujo teor prescreve limite de 10% para as multas. Realmente, ante a omissão da Lei nº 8.666/93 em torno de parâmetro para a aplicação das multas, é necessário recorrer às normas de Direito Privado, como, aliás, autoriza expressamente o art. 54 da própria Lei nº 8.666/93. Entretanto, não parece que seja correto aplicar as normas do Código de Defesa do Consumidor, porquanto a relação que se instaura no âmbito administrativo não é rigorosamente de consumo. Ademais, ainda que fosse de consumo, o consumidor seria a Administração, e não o contratado, que é quem sofre a multa. Enfim, em vez do Código de Defesa do Consumidor, dever-se-ia aplicar o Decreto nº 22.626/33, que trata de juros, multa e demais encargos legais, cujo art. 9º limita as cláusulas penais a 10% do valor do contrato. Registre-se que, substancialmente, não há diferença prática, porquanto o §1º do art. 52 do Código de Defesa do Consumidor prescreveu o mesmo limite (Licitação pública e contrato administrativo, p. 1010).

401 “Art. 86 (...) §2º - A multa, aplicada após regular processo administrativo, será descontada da garantia do respectivo contratado. § 3o - Se a multa for de valor superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, a qual será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou ainda, quando for o caso, cobrada judicialmente”.

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Ademais, conforme já assinalamos, não há nenhum óbice no que tange à aplicação

cumulativa das multas em comento, o que poderá se verificar acaso ocorra a rescisão do

contrato administrativo em razão do atraso em sua execução (art. 86, §1º da Lei 8.666/93). Ou

seja, desde que esteja previsto no edital e no contrato, poderá incidir multa em razão do atraso

injustificado e, acaso este atraso leve à rescisão do contrato, também poderá ser aplicada a

sanção pecuniária pela sua inexecução.

Quarto, a celebração de acordo de leniência, com expressa especificação da

respectiva infração no acordo, afasta a possibilidade de aplicação de sanção de natureza

pecuniária, conforme dispõe o art. 16, §2º, II e III da Lei anticorrupção, com a redação dada

pela recente Medida Provisória 703/2015403.

Quinto, o art. 23, §3º, II da Lei 12.462/11 previu suposta penalidade pecuniária

aplicável na execução dos denominados contratos de eficiência404 que, segundo o art. 23, §1º,

tem como objetivo “proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas

correntes, sendo o contratado remunerado com base em percentual da economia gerada”405.

402 “Art. 87 (...) §1º - § 1o Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta,

responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente. § 2o - As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis”.

403 “Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e pelos fatos investigados e previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo, de forma que dessa colaboração resulte: (...)§ 2º O acordo de leniência celebrado pela autoridade administrativa: II - poderá reduzir a multa prevista no inciso I do caput do art. 6º em até dois terços, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo; e III - no caso de a pessoa jurídica ser a primeira a firmar o acordo de leniência sobre os atos e fatos investigados, a redução poderá chegar até a sua completa remissão, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo”.

404 Eis a definição dessa espécie de contrato segundo Marçal Justen Filho: “O contrato de eficiência consiste num contrato administrativo bilateral por meio do qual um particular assume a obrigação de propiciar redução de despesas correntes da Administração Pública, por meio da execução de serviços, obras e fornecimentos e da introdução de práticas de racionalização do consumo em edifícios da Administração Pública, sem do a ele assegurada remuneração proporcional à redução de custos obtida” (Comentários ao RDC, p. 408-409).

405 Verifique-se a redação desse preceito normativo: “Art. 23. No julgamento pelo maior retorno econômico, utilizado exclusivamente para a celebração de contratos de eficiência, as propostas serão consideradas de forma a selecionar a que proporcionará a maior economia para a administração pública decorrente da execução do contrato. § 1o O contrato de eficiência terá por objeto a prestação de serviços, que pode incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao contratante, na forma de redução de despesas correntes, sendo o contratado remunerado com base em percentual da economia gerada. § 2o Na hipótese prevista no caput deste artigo, os licitantes apresentarão propostas de trabalho e de preço, conforme dispuser o regulamento. § 3o Nos casos em que não for gerada a economia prevista no contrato de eficiência: I - a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida será descontada da remuneração da contratada; II - se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior à remuneração da contratada, será aplicada multa por inexecução contratual no valor da diferença; e III - a contratada sujeitar-se-á, ainda, a

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Nesta hipótese, a licitação é realizada pelo critério de julgamento do maior retorno

econômico, em que os licitantes apresentam proposta com a economia que pretendem gerar à

Administração e um percentual dessa economia, que se consubstanciará em sua

remuneração406.

Sucede que (i) acaso não seja gerada a economia prevista no contrato; e (ii) a

diferença da economia gerada com aquela efetivamente obtida supere o valor devido ao

contratado a título de remuneração; segue-se que (iii) o art. 23, §3º, II da Lei 12.462/11 dispôs

que “será aplicada multa por inexecução contratual no valor da diferença”.

Neste caso, concordamos com Marçal Justen Filho no sentido de que “O dispositivo

incorre em defeito, ao estabelecer que a diferença que superar o valor da remuneração será

exigida do particular a título de multa”407. Isso porque, tendo em vista a natureza da avença, o

pressuposto e a forma de mensuração da suposta multa, é induvidoso que “Não se configura

uma penalidade em sentido próprio, mas há a simples indenização por perdas e danos”408.

E, como se isso não bastasse, é evidente a afronta do art. 23, §3º, III da Lei 12.462/11

ao princípio da tipicidade, ao dispor que a contratada “sujeitar-se-á, ainda, a outras sanções

cabíveis caso a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida seja superior ao

limite máximo estabelecido no contrato”. A lei, incorrendo em flagrante

inconstitucionalidade, não previu a sanção cabível (que deveria inclusive ser mais gravosa que

a suposta multa), sendo interdito ao regulamento, ao edital e tampouco ao contrato prevê-la409.

outras sanções cabíveis caso a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida seja superior ao limite máximo estabelecido no contrato”.

406 Verifique-se os preceitos regulamentares que disciplinam este critério de julgamento: “Art. 36. No critério de julgamento pelo maior retorno econômico as propostas serão consideradas de forma a selecionar a que proporcionar a maior economia para a administração pública decorrente da execução do contrato. § 1o O critério de julgamento pelo maior retorno econômico será utilizado exclusivamente para a celebração de contrato de eficiência. § 2o O contrato de eficiência terá por objeto a prestação de serviços, que poderá incluir a realização de obras e o fornecimento de bens, com o objetivo de proporcionar economia ao órgão ou entidade contratante, na forma de redução de despesas correntes. § 3o O instrumento convocatório deverá prever parâmetros objetivos de mensuração da economia gerada com a execução do contrato, que servirá de base de cálculo da remuneração devida ao contratado. § 4o Para efeito de julgamento da proposta, o retorno econômico é o resultado da economia que se estima gerar com a execução da proposta de trabalho, deduzida a proposta de preço. Art. 37. Nas licitações que adotem o critério de julgamento pelo maior retorno econômico, os licitantes apresentarão: I - proposta de trabalho, que deverá contemplar: a) as obras, serviços ou bens, com respectivos prazos de realização ou fornecimento; e b) a economia que se estima gerar, expressa em unidade de medida associada à obra, bem ou serviço e expressa em unidade monetária; e II - proposta de preço, que corresponderá a um percentual sobre a economia que se estima gerar durante determinado período, expressa em unidade monetária”.

407 Comentários ao RDC, p. 416. 408 Ibid., mesma página. 409 O art. 67, §2º, III, do Decreto 7.581/11, de modo flagrantemente ilegítimo, outorgou essa competência ao

contrato. Verifique-se a redação desse dispositivo:

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O que afigura possível, em um esforço interpretativo, é considerar esta hipótese, não como

uma infração administrativa autônoma, mas sim como caso de inexecução do contrato,

atraindo a incidência do regime sancionatório aplicável ao art. 87 da Lei 8.666/93410.

4.2.3. Suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e contratar

O art. 87, III da Lei 8.666/93 previu a sanção consistente na “suspensão temporária

de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não

superior a 2 (dois) anos”. Por sua vez, o art. 7º da Lei 10.520/02 dispôs que o licitante ou

contratado que incorrer nas infrações administrativas previstas nesse dispositivo “ficará

impedido de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios (...), pelo

prazo de até 5 (cinco) anos”. E o art. 47 da Lei 12.462/11 trouxe previsão idêntica, tendo

disposto, contudo, que “As sanções administrativas, criminais e demais regras previstas

no Capítulo IV da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, aplicam-se às licitações e aos

contratos regidos por esta Lei”411.

No introito do presente capítulo declinamos as razões pelas quais, em consonância

com as precisas lições de Fábio Mauro de Medeiros, sustentamos a integração plena, por meio

de uma interpretação sistemática e teleológica, das normas veiculadas nas Leis 8.666/93,

10.520/02 e 12.462/11, acerca do regime sancionatório aplicável às licitações e contratos

administrativos. Daí porque, para evitar repetições desnecessárias, fazemos remissão às ideias

lá lançadas.

E, justamente por força disso, já assinalamos que, ao nosso juízo, a sanção de

impedimento de licitar e contratar com a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios,

prevista nos arts. 7º da Lei 10.520/02 e 47 da Lei 12.462/11, confunde-se com a penalidade

“Art. 67. A inexecução total ou parcial do contrato enseja a sua rescisão, com as consequências contratuais, legais e regulamentares. § 1o Não haverá rescisão contratual em razão de fusão, cisão ou incorporação do contratado, ou de substituição de consorciado, desde que mantidas as condições de habilitação previamente atestadas. § 2o Os contratos de eficiência referidos no art. 36 deverão prever que nos casos em que não for gerada a economia estimada: I - a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida será descontada da remuneração do contratado; II - será aplicada multa por inexecução contratual se a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida for superior à remuneração do contratado, no valor da referida diferença; e III - aplicação de outras sanções cabíveis, caso a diferença entre a economia contratada e a efetivamente obtida seja superior ao limite máximo estabelecido no contrato”.

410 Vide o subitem 4.1.1. 411 Aliás, ao regulamentar o art. 47 da Lei 12.462/11, o art. 111, §1º do Decreto 7.581/11 previu que “Caberá

recurso no prazo de cinco dias úteis contado a partir da data da intimação ou da lavratura da ata da aplicação das penas de advertência, multa, suspensão temporária de participação em licitação, impedimento de contratar com a administração pública e declaração de inidoneidade, observado o disposto nos arts. 53 a 57, no que couber”.

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prevista no art. 87, III da Lei 8.666/93412. Trata-se, ao nosso juízo, da mesma sanção. Daí

porque, interpretando-se conjuntamente esses preceptivos - que veiculam normas aplicáveis a

todas as modalidades de licitação e contratos -, parece-nos que o prazo máximo dessa

penalidade deixou de ser 2 (dois) anos, passando a ser de 5 (cinco) anos. Reitera-se que, neste

caso, há uma aparente antinomia, facilmente dirimida pelo critério cronológico.

Ademais, concordamos com Francisco Zardo no sentido de que a sanção em comento

não se consubstancia em uma medida cautelar à declaração de inidoneidade (posição

defendida por Joel de Menezes Niebuhr413). Isso porque a “suspensão é uma sanção

administrativa restritiva de direitos, imposta pelo cometimento de uma infração

administrativa, ao final de um processo administrativo”414. Ou seja, o seu pressuposto é a

consumação de um ilícito, sendo a sua finalidade “intimidar eventuais infratores para que não

incorram em conduta ou omissão indesejada”415, o que as aparta do que Celso Antônio

Bandeira de Mello denomina de providências acautelatórias416. Daí porque a imposição da

412 Reitera-se que não vislumbramos nenhuma semelhança da sobredita sanção com a declaração de

inidoneidade. O art. 14 do Decreto 3.555/00 pretendeu aproximá-las – prevendo, por exemplo, a figura da reabilitação -, tendo, aparentemente, distinguido-a da penalidade de suspensão de licitar. Afora a ausência de clareza desse dispositivo, é evidente que ele extrapola o art. 7º da Lei 10.520/02, o que afasta, consequentemente, sua aplicação. Eis a redação do referido art. 14: “O licitante que ensejar o retardamento da execução do certame, não mantiver a proposta, falhar ou fraudar na execução do contrato, comportar-se de modo inidôneo, fizer declaração falsa ou cometer fraude fiscal, garantido o direito prévio da citação e da ampla defesa, ficará impedido de licitar e contratar com a Administração, pelo prazo de até cinco anos, enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade. Parágrafo único. As penalidades serão obrigatoriamente registradas no SICAF, e no caso de suspensão de licitar, o licitante deverá ser descredenciado por igual período, sem prejuízo das multas previstas no edital e no contrato e das demais cominações legais”.

413 Sustenta o autor: “Como exposto, diverge-se desse entendimento porque, em apertada síntese, a suspensão temporária é medida cautelar e preparatória para a declaração de inidoneidade. O sujeito que comete ilícito ou fraude em licitação ou contrato administrativo primeiro é suspenso temporariamente pelo órgão ou entidade promotor da licitação ou do contrato (Administração) e, depois, em procedimento mais parcimonioso, se for o caso, é, em decisão definitiva, declarado inidôneo, então perante toda a Administração Pública” (Licitação pública e contrato administrativo, p. 1016). Marçal Justen Filho, a despeito de também admitir o uso da sanção em comento como uma penalidade retributiva à prática de determinada infração, admite a sua utilização com finalidade distinta: “Uma solução satisfatória seria reconhecer que a suspensão temporária seria uma medida destituída de cunho sancionatório em sentido estrito, orientando-se a agravar a situação jurídica do sujeito que se recusasse a executar a prestação a que se obrigara, no tempo e modo devidos. Assim, o sujeito teria duas alternativas de conduta a ponderar. Poderia escolher entre adimplir ou não adimplir a prestação devida. O inadimplemento acarretar-lhe-ia a suspensão do direito de licitar, o que corresponderia a uma grave restrição a seus interesses. O adimplemento da prestação evitaria esse resultado gravosso. Ademais, a suspensão do direito de licitar poderia ser utilizada mesmo depois de consumado o inadimplemento. Uma vez o sujeito executando a prestação a que se obrigara, deixará de incidir a suspensão do direito de licitar (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1.156). Também discordamos desse posicionamento, pois não conseguimos sacar da lei disposição que conduza a esta aplicação da sanção de suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e contratar.

414 Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 166. 415 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo, p. 883-884. 416 Verifique-se a definição desse ilustre professor: “Providências administrativas acautelatórias são medidas

que a Administração muitas vezes necessita adotar de imediato para prevenir danos sérios ao interesse público ou à boa ordem administrativa e cuja finalidade não é – como e das sanções – intimidar eventuais

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penalidade de declaração de inidoneidade após a suspensão do direito (ou impedimento) de

licitar e contratar representaria flagrante afronta ao princípio do non bis in idem417.

Sem embargo, a maior controvérsia com relação a esta penalidade ainda se refere à

sua extensão.

Antes da edição da Lei 10.520/02, a grande celeuma girava em torno do significado

dos vocábulos “Administração” e “Administração Pública”. Isso porque o inciso III do art. 87

da Lei 8.666/93 dispõe que a suspensão do direito de licitar e contratar se dá com relação à

“Administração”, enquanto que o inciso IV desse mesmo preceito normativo prevê que o

licitante ou contratado será declarado inidôneo para licitar e contratar com a “Administração

Pública”.

Diante disso, a parcela majoritária da doutrina, com espeque nas definições de

Administração e de Administração Pública constantes do art. 6º, XI e XII da Lei 8.666/93418,

sufragaram o entendimento no sentido de que a suspensão do direito de licitar e contratar

irradia efeitos apenas e tão somente sobre o órgão que a impôs. Ou seja, acaso o licitante ou

contratado, por exemplo, seja sancionado pelo Ministério da Saúde, ele ficará suspenso de

licitar e contratar somente com este órgão419, entendimento este que tem prevalecido no

Tribunal de Constas da União420.

De outra banda, há entendimento, que inclusive foi acolhido pelo Superior Tribunal

de Justiça, no sentido de que “A limitação dos efeitos da “suspensão de participação de

infratores para que não incorram em conduta ou omissão indesejada, mas, diversamente, é a de paralisar comportamentos de efeitos danosos ou de abortar a possibilidade de que se desencadeiem (Ibid., mesma página).

417 Vide subitem 3.5. 418 “Art. 6o. Para os fins desta Lei, considera-se: (...)XI - Administração Pública - a administração direta e

indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou mantidas; XII - Administração - órgão, entidade ou unidade administrativa pela qual a Administração Pública opera e atua concretamente”.

419 Nessa toada, Jessé Torres Pereira Júnior sustenta que “Segundo o art. 87, III, a empresa suspensa do direito de licitar e de contratar com a ‘Administração’ está impedida de fazê-lo tão-somente perante o órgão, a entidade ou a unidade administrativa que aplicou a penalidade, posto que esta é a definição que a lei adota” (Comentários à Lei das licitações e contratações da Administração Pública, p. 791). Apenas a título de exemplo, também comungam desse entendimento Joel de Menezes Niebuhr (Licitação pública e contrato administrativo, p. 1.012); Eduardo Rocha Dias (Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 117); Carlos Pinto Coelho Motta (Eficácia das licitações e contratos, p. 783); e Francisco Zardo (Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 183),

420 Verifique-se, a propósito, acórdão citado por Marçal Justen Filho: “Não é demais lembrar que a jurisprudência dessa Corte de Contas é no sentido de que a sanção prevista no inc. III do art. 87 da Lei 8.666/93 produz efeitos apenas no âmbito do órgão ou entidade que a aplicou (Acórdãos 3.439/2012-Plenário e 3.243/2012-Plenário). Interpretação distinta de tal entendimento poderia via a impedir a participação de empresas que embora tenham sido apenadas por órgãos estaduais ou municipais com base na lei do pregão, não estão impedidas de participar de licitações no âmbito federal (Acórdão 842/2013, Plenário, rel. Min. Raimundo Carreiro)” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1.158). O Acórdão 554/2015, proferido pela 1ª Câmara em 10/2/2015, confirma a prevalência desse entendimento.

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licitação” não pode ficar restrita a um órgão do poder público, pois os efeitos do desvio de

conduta que inabilita o sujeito para contratar com a Administração se estendem a qualquer

órgão da Administração Pública”, sendo, pois, “irrelevante a distinção entre os termos

Administração Pública e Administração”421. Daí porque, conforme restou decidido pela 1ª

Seção daquela C. Corte, “a penalidade prevista no art. 87, III, da Lei 8.666/93, suspendendo

temporariamente os direitos da empresa em participar de licitações e contratar com a

administração é de âmbito nacional”422.

Olhando apenas para a Lei 8.666/93, filiamo-nos à corrente majoritária, assistindo

razão a Joel de Menezes Niebuhr quando afirma que o entendimento sufragado pelo Superior

Tribunal de Justiça “beira ao absurdo porquanto recusa distinção cunhada de maneira

indubitável pela Lei nº 8.666/93, mais precisamente pelos incisos XI e XII do seu art. 6º”423.

Todavia, insistimos que, após a edição do art. 7º da Lei 10.520/02, no que foi seguida

pelo art. 47 da Lei 12.462/11, a sanção em comento ganhou novos contornos não só com

relação ao seu prazo máximo (que, conforme esclarecemos, passou de 2 (dois) para 5 (cinco)

anos), mas também no que tange à sua extensão.

Com efeito, parece-nos que os referidos preceitos normativos dirimiram a sobredita

controvérsia, ao prever que a suspensão do direito (ou impedimento) de licitar e contratar

irradiará efeitos sobre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Ou seja, conforme

observa Marçal Justen Filho, ao comentar o art. 7º do Pregão: “A utilização da preposição

‘ou’ indica disjunção, alternatividade. Isso significa que a punição terá efeitos na órbita

interna do ente federativo que aplicar a sanção”424.

E, como (i) as Leis 10.520/02 e 12.462/11 são silentes; e (ii) a sanção de suspensão

421 STJ, 2ª Turma, REsp 151.567, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, DJ 14/04/2003. 422 STJ, 1ª Seção, MS 19.657, Rel. Minª Eliana Calmon, DJe 23/08/2013.

Marçal Justen Filho também comunga desse pensamento: “No entanto, pode-se contrapor que a lógica excluiria o cabimento de sancionamento ao sujeito no estrito âmbito de um único e determinado sujeito administrativo. Se o agente apresenta desvios de conduta que o inabilitam para contratar com um determinado sujeito administrativo, os efeitos dessa ilicitude teriam de se estender a toda Administração Pública. Assim se passa porque a prática do ato reprovável, que fundamentou a imposição da sanção de suspensão do direito de licitar e contratar, evidencia que o infrator não é merecedor de confiança” (Comentários à Lei de Licitações e contratos administrativos, p. 1.155).

423 Licitação pública e contrato administrativo, p. 1.013. 424 Pregão (Comentários à legislação do pregão comum e eletrônico, p. 260. E o festejado professor continua:

“Logo e considerando o enfoque mais tradicional adotado a propósito da sistemática da Lei nº 8.666., ter-se-ia de reconhecer que a sanção prevista no art. 7º da Lei do Pregão consiste em suspensão do direito de licitar e contratar. Não é uma declaração de inidoneidade. Portanto, um sujeito punido no âmbito de um Município não teria afetada sua idoneidade para participar de licitação promovida na órbita de outro ente federal” (Ibid., mesma página). Registre-se que o Superior Tribunal de Justiça ainda não se debruçou especificamente sobre a extensão desta sanção à luz do art. 7º da Lei 10.520/02. Todavia, há acórdão que, ainda que sem enfrenta-lo, tratou o tema de modo idêntico. Ou seja, admitindo-se a sua aplicação em âmbito nacional (STJ, 2ª Turma, RMS 32.628, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe 14.09.2011).

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do direito (ou impedimento) de licitar e contratar teve a sua extensão ampliada para

açambarcar a Administração Pública (direta e indireta) de cada ente político (União, Estados,

Distrito Federal ou Municípios); segue-se que (iii) a sua aplicação deve seguir as regras

constantes do art. 87, §3º da Lei 8.666/93 quanto ao direito de defesa e a competência para a

sua imposição, que é, portanto, “exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou

Municipal, conforme o caso”425.

Registre-se que não é facultado aos instrumentos convocatórios ampliar os efeitos

dessa sanção, prevendo regra impeditiva de participação no certame de pessoa física ou

jurídica contra a qual tenha sido imposta a sanção em comento, por órgão ou entidade da

administração direta ou indireta de outro ente político426. Aliás, reitera-se que o edital e o

contrato sequer são instrumentos hábeis a disciplinar os efeitos ou as hipóteses de cabimento

desta sanção, eis que, insiste-se, ela extrapola a relação de sujeição especial travada entre o

Administração e o licitante ou contratado. Daí porque também não nos afigura necessária a

previsão dessa sanção no edital ou no instrumento contratual para que ela possa ser aplicada.

Ademais, reitera-se que a ausência de previsão legal não autoriza a desconsideração

da personalidade jurídica para a extensão da suspensão do direito (ou impedimento) de licitar

e contratar para os seus sócios ou administradores, o que, todavia, não afasta a possibilidade

de exclusão do certame de pessoa jurídica criada com a finalidade de contornar os efeitos

dessa sanção, conforme assinalamos anteriormente427.

Também é importante registrar que, ao nosso juízo, a suspensão do direito (ou

impedimento) de licitar e contratar não irradia efeitos sobre os contratos administrativos já

celebrados, tendo o condão, todavia, de impedir a sua celebração mesmo após a adjudicação

425 Nesse sentido, assinala Vera Monteiro: “Por fim, por ausência de previsão expressa na Lei 10.520 e para o

fim de colmatar uma lacuna no tema, também é aplicável ao regime sancionatório do pregão o art. 87, §3º, da Lei 8.666/93, segundo o qual somente agentes políticos (Ministros, Secretários de Estado ou de Município), com exclusividade, têm competência para a imposição de tal sanção. Logo, o impedimento de contratar não pode ser aplicado pelos dirigentes ou servidores de pessoas da Administração indireta, os quais deverão, se apurada falta que a justifique, encaminhar o assunto para decisão aos agentes apontados. Conforme Carlos Ari Sundfeld: ‘A indicação de agentes políticos como competentes tem dois sentidos. De um lado, reservam-se sanções graves a autoridades de maior porte, com isso protegendo os particulares contratados pela Administração. De outro, viabiliza-se a extensão dos efeitos da sanção a todos os entes da mesma Administração Pública, Federal, Estadual, Distrital ou Municipal, conforme o caso’” (Licitação na modalidade de pregão, p. 196).

426 Aliás, a despeito de aparentemente segregar a suspensão do impedimento do direito de licitar e contratar, o TCU proferiu acórdão cujo trecho a seguir transcrito confirma o que sustentamos acima: “1.7. Dar ciência à Casa da Moeda do Brasil acerca da desconformidade dos itens 3.1.4. e 4.1.4. dos editais dos Pregões Presenciais 16/2013, 17/2013, e 002/2014 à regra prevista no art. 87, inciso III, da Lei 8.666/1993, considerando que o entendimento prevalecente neste Tribunal é no sentido de que a suspensão do direito de licitar, prevista no dispositivo em questão, produz efeitos apenas em relação ao órgão ou entidade contratante que aplicou a penalidade” (TCU, 1ª Câmara, Acórdão 5824/2014, j. 07/10/2014).

427 Vide subitem 3.3.1.

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do objeto licitado. Parece-nos que a lei não outorgou efeito retroativo a esta sanção – o que,

aliás, seria de constitucionalidade questionável -, não decorrendo tampouco do art. 55, XIII da

Lei 8.666/93 este efeito428.

Aliás, os Decretos 7.892/2013429 (que regulamenta o sistema de registro de preços

previsto no art. 15 da Lei 8.666/93) e 7.581/2011430 (que regulamenta o RDC) preveem o

cancelamento e a revogação, respectivamente, da ata de registro de preços acaso seja imposta

ao fornecedor a penalidade em comento. A despeito de previsto em ato infralegal – que,

evidentemente, não detém competência para dispor sobre esta matéria –, o cancelamento ou

revogação da ata de registro de preços é mera consequência lógica do impedimento de

contratar com a Administração. Ora, se o fornecedor está impedido de contratar, a Ata de

registro de preços não pode irradiar os seus efeitos (trata-se, em rigor, de típica hipótese de

derrubada ou contraposição, e não de cancelamento ou revogação431)432.

Registre-se, por fim, que, nos termos do art. 16, §2º, I da Lei anticorrupção (com a

redação dada pela Medida Provisória 703/2015), a celebração de acordo de leniência, no qual

haja expressa especificação da respectiva infração, “isentará a pessoa jurídica das sanções

previstas no inciso II do caput do art. 6º e das sanções restritivas ao direito de licitar e

contratar previstas na Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, e em outras normas que tratam

428 O art. 55, XIII da Lei 8.666/93 prevê “a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do

contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação”. É evidente que este preceito normativo não pretendeu disciplinar os efeitos das sanções previstas no art. 87 da Lei 8.666/93, sendo aplicável, inclusive com cautela, aos requisitos de habilitação previstos nos arts. 27 e seguintes da Lei 8.666/93. Aliás, conforme se verificará, o Superior Tribunal de Justiça não admite sequer a incidência da declaração de inidoneidade sobre os contratos administrativos vigentes.

429 “Art. 20. O registro do fornecedor será cancelado quando: (...) IV - sofrer sanção prevista nos incisos III ou IV do caput do art. 87 da Lei nº 8.666, de 1993, ou no art. 7º da Lei nº 10.520, de 2002”.

430 “Art. 107. O registro de preços será revogado quando o fornecedor: (...) IV - sofrer as sanções previstas nos incisos III e IV do caput do art. 87 da Lei no 8.666, de 1993, e no art. 7o da Lei no 10.520, de 17 de julho de 2002”.

431 Nesse sentido, ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, ao classificar as hipóteses de retirada do ato administrativo: “e) retirada porque foi emitido ato, com fundamento em competência diversa da que gerou o ato anterior, mas cujos efeitos são contrapostos aos daquele. É a contraposição ou derrubada. Lembre-se o exemplo de Stassinopoulos, da exoneração de um funcionário, que aniquila os efeitos do ato de nomeação” (Curso de direito administrativo, p. 460).

432 Registre-se que a Lei 12.529/2011, que “estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência”, outorga a competência para o que Plenário do Tribunal Administrativo de Defesa Econômica imponha, em razão da prática de infração à ordem econômica, da sanção consistente na “proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização de obras e serviços, concessão de serviços públicos, na administração pública federal, estadual, municipal e do Distrito Federal, bem como em entidades da administração indireta, por prazo não inferior a 5 (cinco) anos”. A despeito de semelhante, não há dúvida de que se trata de sanção distinta, aplicável a infrações também distintas, que não serão objeto de investigação no presente trabalho. O mesmo se aplica à sanção prevista no art. 33, IV da Lei 12.527/11 (Lei de acesso à informação), que prevê a sanção de “suspensão temporária de participar em licitação e impedimento de contratar com a administração pública por prazo não superior a 2 (dois) anos”, para a “pessoa física ou entidade privada que detiver informações em virtude de vínculo de qualquer natureza com o poder público e deixar de observar o disposto nesta Lei”.

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de licitações e contratos no acordo”433.

4.2.4. Declaração de inidoneidade

Penalidade indubitavelmente distinta do que aquela investigada no subitem anterior,

é a sanção consistente na “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a

Administração Pública”, prevista no art. 87, IV da Lei 8.666/93434. Eis suas características

definidoras:

Primeiro, a lei não previu um prazo certo e determinado após o qual a declaração de

inidoneidade será extinta. Esta sanção irradiará efeitos (i) “enquanto perdurarem os motivos

determinantes da punição”; ou (ii) “até que seja promovida a reabilitação perante a própria

autoridade que aplicou a penalidade”, que somente pode ser requerida após 2 (dois) anos de

sua aplicação (art. 87, §3º) e requer o ressarcimento à Administração dos prejuízos

decorrentes da infração que ensejou a imposição dessa sanção.

Sem embargo, tendo em vista a vedação constitucional de penas perpétuas (art. 5º,

XLVII, “b”), concordamos com Joel de Menezes Niebuhr no sentido de que “ainda que não

desapareçam os motivos determinantes da punição, ainda que a pessoa penalizada não repare

os prejuízos causados e ainda que a Lei nº 8.666/93 não o tenha dito expressamente, a sanção

de declaração de inidoneidade extingue-se em cinco anos”435. O autor adotava por analogia o

prazo de extinção da pretensão punitiva da Administração, previsto na Lei 9.873/99. Todavia,

com edição do art. 25, §2º da Lei anticorrupção (incluído pela recentíssima Medida Provisória

703/2015), passou-se a prever o prazo quinquenal de prescrição para os “ilícitos previstos em

433 Em razão da complexidade deste tema, que inclusive contou com recentíssima alteração legislativa e que, ao

nosso juízo, requer a investigação também das regras veiculadas na Lei 12.529/11, não nos debruçaremos sobre ele no presente trabalho. Sem embargo, verifique-se a redação dos arts. 17, 17-A e 30, todos com nos termos da recente Medida Provisória 703/2015: “Art. 17. A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável por atos e fatos investigados previstos em normas de licitações e contratos administrativos com vistas à isenção ou à atenuação das sanções restritivas ou impeditivas ao direito de licitar e contratar”. “Art. 17-A. Os processos administrativos referentes a licitações e contratos em curso em outros órgãos ou entidades que versem sobre o mesmo objeto do acordo de leniência deverão, com a celebração deste, ser sobrestados e, posteriormente, arquivados, em caso de cumprimento integral do acordo pela pessoa jurídica”. “Art. 30. Ressalvada a hipótese de acordo de leniência que expressamente as inclua, a aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de: I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei nº 8.429, de 1992; II - atos ilícitos alcançados pela Lei nº 8.666, de 1993, ou por outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no que se refere ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC, instituído pela Lei nº 12.462, de 2011; e III - infrações contra a ordem econômica nos termos da Lei nº 12.529, de 2011”.

434 Pelas mesmas razões expostas no introito do presente capítulo e no subitem anterior, ressalta-se, uma vez mais, que a declaração de inidoneidade é aplicável ao Pregão e ao RDC, inclusive aos contratos administrativos deles decorrentes.

435 Licitação pública e contrato administrativo, p. 1014.

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normas de licitações e contratos administrativos”436.

Segundo, em que pese também haver divergência nesse sentido, concordamos com

Eduardo Rocha Dias no sentido de que “a sanção de declaração de inidoneidade alcança todos

os órgãos e entidades de todas as esferas de governo, nos termos dos artigos 6, inciso XI, 87,

inciso IV, e 97, da Lei 8.666/93”. É dizer, é inconteste que o art. 87, IV dispôs que a

declaração de inidoneidade de licitar e contratar açambarca a Administração Pública que, à

luz do art. 6º, XI, encerra “a administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito

Federal e dos Municípios, abrangendo inclusive as entidades com personalidade jurídica de

direito privado sob controle do poder público e das fundações por ele instituídas ou

mantidas”. Esta é a extensão da sanção em comento437.

E não vislumbramos o óbice apontado por parte da doutrina quanto à impossibilidade

de extensão dos efeitos da declaração de inidoneidade a entes políticos distintos daquele que

impôs esta sanção438. Isso porque o art. 87, IV da Lei 8.666/93 – e os demais preceitos que

veiculam infrações e sanções administrativas –, com fundamento no art. 22, XXVII, da

Constituição da República, veicula norma geral de observância obrigatória por todos os entes

436 “Art. 25. Prescrevem em 5 (cinco) anos as infrações previstas nesta Lei, contados da data da ciência da

infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado. § 1º - Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração. § 2º - Aplica-se o disposto no caput e no § 1º aos ilícitos previstos em normas de licitações e contratos administrativos”.

437 Registre-se que o art. 46 da Lei Orgânica do TCU (Lei 8.443/92) dispõe que “Verificada a ocorrência de fraude comprovada à licitação, o Tribunal declarará a inidoneidade do licitante fraudador para participar, por até cinco anos, de licitação na Administração Pública Federal”. Em que pese este preceito também prever sanção consistente na declaração de inidoneidade, não há dúvida de que o regime jurídico desta sanção é distinto do que aquele aplicável à penalidade prevista no art. 87, IV da Lei 8.666/93, inclusive quanto à sua extensão e prazo máximo de aplicação. Tratam-se, pois, de sanções distintas, que não se excluem, conforme já decidiu o Supremo Tribunal Federal (STF, Plenário, AgRg na Pet 3.606, Rel. Min Sepúlveda Pertence, DJ 27/10;1996). Ainda mais semelhante é a sanção prevista no art. 33, V da Lei 12.527/11 (Lei de acesso à informação), consistente na “declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a administração pública, até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade”, cuja infração, todavia, não se confunde com aquelas objeto do presente estudo (eis a infração: “A pessoa física ou entidade privada que detiver informações em virtude de vínculo de qualquer natureza com o poder público e deixar de observar o disposto nesta Lei estará sujeita às seguintes sanções (...)).

438 Segundo Joel de Menezes Niebuhr, “Além do argumento concernente ao princípio da legalidade, deve-se apreender a questão também sob a ótica do princípio federativo e da consequente autonomia administrativa dos entes federativos, prescrições encartadas nos artigos 1º e 18 da Constituição Federal. Em virtude de tais preceitos, cumpre concluir que um ente federativo não pode ser obrigado a aceitar penalidade imposta por outro. Isto é, um Estado goza de autonomia administrativa, pelo que não está vinculado à decisão administrativa tomada por autoridade de outro Estado, como ocorre com a declaração de inidoneidade. Nesse passo, os efeitos da declaração de inidoneidade são restritos ao âmbito das entidades e órgãos pertencentes ao ente político que a aplicou. Isto é, se o Estado de Santa Catarina declara determinada empresa inidônea, ela não poderá participar apenas das licitações públicas promovidas por órgãos e entidades integrantes da Administração Pública estadual catarinense. Ela, a empresa apenada, poderá participar de licitações promovidas por outros estados, por municípios, mesmo catarinenses, e pela União Federal (Licitação pública e contrato administrativo, p. 1.018). O magistério de Francisco Zardo também caminha nesse sentido (Infrações e sanções em licitações e contratos, p. 177-181).

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políticos, aí se incluindo os efeitos dos atos expedidos com fundamento nesta norma geral

(donde se insere os efeitos da declaração de inidoneidade)439.

Por fim, conforme restou assinalado no subitem anterior, o art. 87, 3º da Lei 8.666/93

prevê a competência para a imposição desta sanção bem como a garantia do direito de defesa

do administrado, sendo aplicável, ademais, as mesmas ideias também lançadas no subitem

anterior quanto à ausência de lei prevendo a desconsideração da personalidade jurídica; a

inaplicabilidade desta sanção para os contratos administrativos já celebrados440; e a

possibilidade de, nos termos da Lei anticorrupção, o acordo de leniência também afastar a

imposição desta penalidade.

4.2.5. Dosimetria das sanções

Assinalamos, em mais de uma oportunidade, que um dos vícios da Lei 8.666/93, que

não foi corrigido pelas Leis 10.520/02 e 12.462/11, é a ausência de previsão de critérios para a

escolha das sanções previstas no seu art. 87. Isso, aliás, conforme também já afirmamos, faz

com que a parcela majoritária da doutrina sustente a afronta do art. 87 da Lei 8.666/93 ao

princípio da tipicidade, mormente em razão da ausência de tipificação das hipóteses de

cabimento das sanções previstas nos incisos III e IV daquele dispositivo legal441.

Ao investigarmos as infrações e sanções administrativas tipificadas pelos referidos 439 Nesse sentido, as lições de Eduardo Rocha Dias são bastante esclarecedoras: “Por normas gerais se entendem

aquelas que disciplinam princípios da licitação e direitos fundamentais de licitantes e contratados decorrentes da Constituição. São normas nacionais, de observância obrigatória por todas as esferas de governo, como leciona o Professor Eros Roberto Grau (1995:9-13). As normas definidoras de sanções e infrações, na medida em que se relacionam com princípios fundamentais da Constituição de 1988 (legalidade e moralidade na Administração Pública, a supremacia do interesse público, observância do contraditório e da ampla defesa em matéria punitiva etc.) podem ser caracterizadas como normas gerais. Daí, por que, de um lado, não podem os Estados e Municípios prever em suas legislações específicas sanções diversas daquelas relacionadas na Lei 8.666/93 e, por outro, a sanção de declaração de inidoneidade produz efeitos com relação a todas as esferas de governo. A norma geral da Lei 8.666/93, ao se referir a inidoneidade para licitar ou contratar com a ‘Administração Pública’, aponta para o caráter genérico de referida sanção, cujos efeitos irradiam por todas as esferas do governo. Essa também é a opinião de Maria Sylvia Zanella Di Pietro (1996:226” (Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 104-105).

440 Registre-se que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça sufragou entendimento nesse sentido (MS 13.101, Rel. Minª Eliana Calmon, DJe 25/5/2009).

441 Comungam desse pensamento: JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1164; NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação pública e contrato administrativo, p. 1006; ZARDO, Francisco. Infrações e sanções em licitações e contratos administrativos, p. 130; BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, p. 594; MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios constitucionais de direito administrativo sancionador, p. 138. De outra banda, possuem entendimento divergente: PEREIRA JÚNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei de Licitações e Contratações da Administração Pública, p. 788-789; DIAS, Eduardo Rocha. Sanções administrativas aplicáveis a licitantes e contratados, p. 82. Sustenta este nobre autor: “Mesmo que o edital ou o contrato silenciem no tocante às infrações e às sanções a serem aplicadas a licitantes e contratados, ou se restrinjam a uma genérica remissão à Lei 8.666/93, deverão ser aplicadas sanções. Do contrário, estar-se-ia privilegiando a impunidade” (Ibid., mesma página).

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diplomas normativos, gizamos os contornos da advertência e da multa, que, se respeitados,

cremos que não acarretará controvérsia quanto à sua aplicação442. Todavia, a despeito de

termos restringido o campo de aplicação das sanções de suspensão do direito (ou

impedimento) de licitar e contratar e de declaração de inidoneidade, ainda caberá à

Administração a escolha entre estas duas sanções, acaso se esteja diante das infrações

previstas no art. 88, I e II da Lei 8.666/93.

E, na ausência de critérios previstos na legislação de regência, pretendendo-se, uma

vez mais, superar esta inconstitucionalidade e reduzir a lesividade na aplicação destas

penalidades, cabe à autoridade competente determinar a sanção cabível com fundamento nos

princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, levando em consideração a gravidade do

comportamento ilícito; o elemento subjetivo; o prejuízo perpetrado à Administração; dentre

outros elementos que auxiliem na qualificação da gravidade da conduta, o que está sujeito a

controle pelo Poder Judiciário443.

Aliás, no silêncio da legislação de regência, cremos que não há óbice para a

aplicação analógica dos critérios previstos no art. 7º da Lei anticorrupção (Lei 12.846/23), que

objetivam garantir a aplicação dos primados da razoabilidade e proporcionalidade na escolha

das sanções444.

442 Vide os subitens 4.1.1, 5.1.1. e 5.1.2. 443 Nesse sentido, assinala Régis Fernandes de Oliveira: “O princípio da razoabilidade e proporcionalidade

funcionam como verdadeiros guias para a dosimetria da sanção, a fim de se evitar eventual desvio de finalidade do ato sancionador. É imperioso que haja adequação entre meios e fins” (Infrações e sanções administrativas, p. 121). Verifique-se, ademais, o magistério de Celso Antônio Bandeira de Mello: “As sanções devem guardar uma relação de proporcionalidade com a gravidade da infração. Ainda que a aferição desta medida inúmeras vezes possa apresentar dificuldade em ser caracterizada, em inúmeras outras é perfeitamente clara; ou seja: há casos em que se pode ter dúvida se tal ou qual gravame está devidamente correlacionado com a seriedade da infração – ainda que se possa notar que a dúvida nunca se proporá em uma escala muito ampla, mas em um campo de variação relativamente pequeno -, de par com outros casos em que não haverá dúvida alguma de que a sanção é proporcional ou é desproporcional. É impossível no Direito fugir-se a situações desta compostura, e outro recurso não há para enfrentar dificuldades desta ordem senão recorrendo ao princípio da razoabilidade, mesmo sabendo-se que também ele comporta alguma fluidez em sua verificação concreta. De todo modo, é certo que, flagrada a desproporcionalidade, a sanção é inválida” (Curso de direito administrativo, p. 880-881).

444 “Art. 7o Serão levados em consideração na aplicação das sanções: I - a gravidade da infração; II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator; III - a consumação ou não da infração; IV - o grau de lesão ou perigo de lesão; V - o efeito negativo produzido pela infração; VI - a situação econômica do infrator; VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações; VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica; IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados”.

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5. INFRAÇÕES E SANÇÕES ADMINISTRATIVAS DA LEI ANTICORRUPÇÃO

(LEI 12.846/13), APLICÁVEIS A LICITAÇÕES E CONTRATOS

Antes de nos debruçarmos sobre o objeto deste capítulo, retomemos, para fins

didáticos, as conclusões que alcançamos ao longo do presente trabalho, acerca das infrações e

sanções administrativas previstas Lei anticorrupção.

Primeiro, verificou-se que os atos ilícitos previstos no art. 5º da Lei 12.846/13 são

tanto ilícitos administrativos como jurisdicionais da subespécie corrupção, eis que podem dar

ensejo à imposição de sanções administrativas e jurisdicionais de corrupção. De outra banda,

as sanções previstas no art. 6º daquele diploma normativo são sanções administrativas, porém,

na omissão da autoridade administrativa competente, transmutam-se em sanções

jurisdicionais de corrupção, eis que a competência para impô-las passa a ser do Poder

Judiciário. E as sanções previstas no art. 19 daquele diploma normativo são sanções

jurisdicionais de corrupção445.

Segundo, concluímos que a pessoa jurídica pode incorrer na prática das infrações

administrativas de duas maneiras: (i) praticando, dolosa ou culposamente, o comportamento

previsto no tipo comissivo ou omissivo próprio (quando a ação ou omissão – insiste-se,

própria - representa a vontade da pessoa jurídica); ou (ii) omitindo-se com relação ao dever

jurídico de adotar os mecanismos para prevenir a prática da infração por seu preposto (com

vínculo de subordinação ou parassubordinação), que a praticara contra a sua vontade, desde

que este comportamento possa, ao menos em tese, trazer ao ente coletivo benefício ou

vantagem.

E, interpretando o art. 7º, VIII da Lei anticorrupção conforme a Constituição da

República (à luz do primado da adequação), segue-se que a norma nele veiculada previu,

objetivamente – mormente após a edição do regulamento -, o dever jurídico (com os critérios

para a aferição do seu adimplemento) cujo (i) descumprimento autoriza a imputação à pessoa

jurídica da conduta prevista nos tipos dos ilícitos administrativos aplicáveis a licitações e

contratos aqui investigados; e, de outra banda, (ii) cujo cumprimento afasta a possibilidade de

lhe ser imputada estas infrações, quando praticadas por seus prepostos, a seu desmando, por

ausência do nexo de causalidade.

Não obstante isso, ainda que nesta hipótese não se afigure necessário à apuração da

445 Vide subitem 1.4.

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presença de dolo ou culpa (pois, insiste-se, o tema se resolve no nexo de causalidade), parece-

nos que os arts. 1º e 2º da Lei anticorrupção também devem ser interpretados conforme a

Constituição da República, para que se sufrague a aludida interpretação quanto à necessidade

de (i) se distinguir os comportamentos que representam a vontade da pessoa jurídica daqueles

que não representam; e (ii) a conduta do preposto, nesta segunda hipótese, ter o condão de

trazer vantagem ou benefício à pessoa jurídica, conforme explicitamente dispõe o art. 2ª.

Terceiro, o art. 5º da Lei anticorrupção (Lei 12.846/13) afasta qualquer espécie de

dúvida no sentido de que somente as pessoas jurídicas podem incorrer nas infrações por ele

tipificadas, desde que presentes os requisitos explicitados nos subitens 2.2.1. e 2.2.3.

E, justamente por força disso, ao prever a responsabilização de “qualquer pessoa

natural, autora, coautora ou partícipe de ato ilícito”, o art. 3º da Lei anticorrupção não está se

referindo às infrações previstas no art. 5º dessa lei. O que pretendeu a Lei anticorrupção foi

afastar qualquer espécie de dúvida no sentido de que a prática das condutas ilícitas tipificadas

por aquela lei, imputáveis às pessoas jurídicas, também podem se subsumir a outros tipos

infracionais, inclusive de natureza penal ou de improbidade administrativa, porém imputáveis

às pessoas naturais responsáveis por aquelas condutas (ou seja, aos dirigentes,

administradores ou qualquer preposto da pessoa jurídica).

Quarto, parece-nos que andou bem o art. 4º, §1º da Lei anticorrupção (Lei

12.846/13). Isso porque afastou a possibilidade de imputação, à pessoa jurídica distinta da

infratora, da responsabilidade pelas sanções previstas na Lei anticorrupção, assinalando,

contudo, que isto não afasta a possibilidade de se exigir, perante o patrimônio transferido (ou

seja, o patrimônio da infratora), a satisfação da multa que lhe havia sido imposta (o que não

importa em transmissão dessa responsabilidade).

Sem embargo, o art. 4º, §1º da Lei anticorrupção prevê, de modo legítimo, uma

exceção às sanções intransmissíveis (tanto administrativas como jurisdicionais), em que,

diante de simulação ou evidente intuito de fraude, desconsidera-se parte dos efeitos do

negócio jurídico realizado (fusão ou incorporação), para admitir a transmissão daquelas

sanções que, em regra, são intransmissíveis.

De outra banda, parece-nos que o art. 4º, §2º incorreu em inconstitucionalidade.

Nesta hipótese há típica imputação de responsabilidade pela sanção a terceiro (inclusive

solidária), que sequer depende da comprovação de eventual fraude ou simulação, o que, ao

nosso juízo, afronta o princípio da pessoalidade e a finalidade da sanção.

Quinto, a despeito de o art. 14 da Lei anticorrupção estar inserido no capítulo que

disciplina o procedimento de responsabilização administrativa, parece-nos que a

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desconsideração da personalidade jurídica pode ocorrer com relação às sanções

administrativas e jurisdicionais previstas na lei, desde que estas penalidades sejam

compatíveis com este instituto.

Sexto, a Lei anticorrupção, ao veicular infrações aplicáveis a licitações e contratos

administrativos, cominando-lhes as sobreditas sanções administrativas, não revogou

disposição das Leis de Licitação, Pregão e do RDC relativas a essa matéria. Aquele diploma

normativo, de modo legítimo, previu novas sanções aplicáveis a determinadas infrações por

ele tipificadas. E o art. 12 do Decreto federal 8.420/15 andou bem ao prever a apuração e

julgamento conjuntos nessa hipótese, preservando, contudo, a autonomia e competência de

cada autoridade para decidir pela configuração da infração e imposição da sanção que

entender cabível, pois as relações jurídicas sancionatórias instauradas são distintas, a despeito

de decorrentes do mesmo fato.

Sétimo, os bens jurídicos tutelados pelas infrações tipificadas pela Lei anticorrupção

são aqueles previstos no caput do seu art. 5º, quais sejam: o patrimônio público nacional ou

estrangeiro; os princípios da Administração Pública; e os compromissos internacionais

assumidos pelo Brasil. E, ao proteger estes bens jurídicos, pretende-se atingir a grande

finalidade desta lei, que é o combate à corrupção.

Por fim, da leitura do art. 5º, IV, que veiculou as infrações aplicáveis às licitações e

contratos, não há dúvida de que a intenção do legislador foi sancionar as pessoas jurídicas

pela prática dos comportamentos também tipificados como crime pela Lei 8.666/93, que

permitia a punição somente das pessoas físicas (ainda que, conforme se verificou, é certo que

uma conduta que caracterizaria crime acarretaria também a imposição das sanções previstas

nas Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11). Pretendeu-se, pois, ampliar as sanções.

Dito isto, ingressemos no estudo de cada tipo infracional que, segundo a Lei

anticorrupção, são aplicáveis às licitações e contratos administrativos. E este estudo é

consideravelmente menos problemático do que aquele promovido no capítulo anterior, eis que

a Lei anticorrupção tipificou, de modo bem mais claro e preciso, as infrações que

pretendemos investigar.

5.1. Infrações administrativas em espécie

5.1.1. Frustração ou fraude do caráter competitivo do procedimento licitatório

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Nos termos do art. 5º, IV, “a” da Lei anticorrupção, constitui ato lesivo à

administração pública, nacional ou estrangeira, “frustrar ou fraudar, mediante ajuste,

combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório

público”.

Vê-se, de antemão, que, afora a induvidosa identidade com o crime previsto no art.

90 da Lei 8.666/93446, também é flagrante a semelhança com as infrações administrativas

previstas no art. 88, II e III deste diploma normativo447. Daí porque a pessoa jurídica que

incorrer na infração ora investigada muito provavelmente também incorrerá em um dos

sobreditos ilícitos previstos na Lei 8.666/93.

E, justamente em razão disso, ao estudar estes ilícitos, gizamos as definições

necessárias à compreensão do tipo previsto no art. 5º, IV, “a” da Lei anticorrupção. Deveras,

verificou-se, à luz do magistério de Cezar Roberto Bitencourt, que (i) “frustrar é inviabilizar,

inutilizar ou impedir tanto a realização do ‘procedimento licitatório’, como também o seu

caráter competitivo”448; (ii) “Fraude, em outros termos, é a utilização de artifício, de

estratagema, de engodo ou ardil para vencer a vigilância da vítima ou responsável pela

vigilância”, isto é, “caracteriza meio fraudulento qualquer artimanha utilizada para enganar,

mascarar ou alterar a forma procedimental ou o caráter competitivo da licitação”449; e (iii) os

meios pelos quais estes comportamentos podem ser praticados são (iii.1) o ajuste ou

combinação, que encerram o concurso de agentes para a prática do ilícitos e “não apresentam

diferenças significativas, sendo utilizados, no quotidiano, como sinônimos, aliás, como faz o

próprio legislador”450; e (iii.2) qualquer outro expediente, que “significa que, embora não

conste expressamente do texto legal, também podem ser admitidos, como meios fraudulentos,

o artifício e o ardil”451.

Modesto Carvalhosa traz à baila exemplo que encerra, provavelmente, a conduta que

mais comumente se subsume ao tipo infracional em comento. Trata-se, segundo esse festejado 446 Seguindo o nítido objetivo da Lei anticorrupção, que é garantir a punição da pessoa jurídica com relação às

condutas tipificadas como crime, mas cuja pena não pode lhe ser aplicada em razão da sua propalada incapacidade penal, o art. 5º, IV, “a” repetiu o comportamento típico previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, suprimindo, contudo, o elemento subjetivo especial nele previsto, qual seja: “o intuito de obter, para si ou para outrem, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação”. É certo que assim se procedeu em razão da pretensão de se responsabilizar a pessoa jurídica objetivamente. Todavia, além de o referido elemento não se confundir com o dolo, este é pressuposto das condutas consistentes em frustrar ou fraudar.

447 Vide subitens 4.1.5 e 4.1.6. 448 Direito penal das licitações, p. 189. 449 Ibid., p. 190. 450 Ibid., p. 191. 451 Eis a definição desses expedientes, também segundo Cezar Roberto Bitencourt: “Artifício é toda simulação ou

dissimulação idônea para enganar ou mesmo induzir uma pessoa a erro ou a equívoco, levando-a à percepção de uma falsa aparência da realidade. Ardil, por sua vez, é a trama, o estratagema, a astúcia com a qual o agente pode enganar alguém" (Ibid., mesma página).

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professor, de uma espécie de cartel que, para efeito da Lei anticorrupção, consubstancia-se na

“prática concertada entre concorrentes em licitações e leilões públicos, mediante a

combinação quanto ao conteúdo da proposta de cada uma delas para, assim, dividir os

serviços, as obras e os fornecimentos para o Poder Público”452. É dizer, em um verdadeiro

sistema de “rodízio”, em que “a, b, c e d oferecem lances maiores pré-ajustados, a fim de que

‘a’ adjudique a obra ou fornecimento por um valor que não prevaleceria se o certame fosse

regular, mediante lances livres”453, ficando “ajustado que na próxima concorrência ‘b’ será

beneficiada nesse concurso delituoso, e assim sucessivamente”454.

Trata-se, pois, de típica fraude ao caráter competitivo do certame, praticado por meio

de ajuste e combinação, que pressupõe, portanto, o concurso de duas ou mais pessoas

jurídicas. É possível que haja também o envolvimento do agente público responsável pelo

procedimento licitatório, o que, além de não nos afigurar como um elemento necessário à

configuração da infração em tela455, não lhe acarretará a imputação deste ilícito, que,

conforme se verificou, somente pode ser praticado por pessoa jurídica (isto, evidentemente,

não afasta a provável imposição de penalidade de outra ordem ao agente público, inclusive

aquela prevista no art. 90 da Lei 8.666/93).

Sem embargo, o apontado ajuste ou combinação não é elemento indispensável à

prática da infração prevista no art. 5º, IV, “a” da Lei anticorrupção, podendo a fraude ou a

frustração ao caráter competitivo do certame se dar de modo unilateral, por qualquer outro

expediente, conforme está expressamente previsto no tipo456. E não se tergiversa que a

452 Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p. 213. 453 Ibid., p. 220. 454 Ibid., mesma página. 455 Segundo Modesto Carvalhosa, “a consumação do delito de corrupção, na forma e para os efeitos da presente

Lei, dá-se pela conduta da pessoa jurídica sempre em concurso com agente público” (Ibid., p. 178). Isto é, “se a conduta de fraudar o bem jurídico se estabelece entre pessoas jurídicas sem a participação do agente público, não há incidência de nenhum tipo instituído na presente Lei, à única exceção da compra de concorrentes para não participarem em licitações, como referido (letra ‘c’ do Inciso IV do art. 5º)” (Considerações sobre a lei anticorrupção, mesma página). Não vislumbramos a necessidade desse concurso – que, formalmente, sequer se figura possível, pois as infrações previstas na Lei anticorrupção somente podem ser praticadas por pessoa jurídica –, eis que a lei nada dispôs nesse sentido. É dizer, nos tipos infracionais não foram previstos este elemento. De outra banda, Antônio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz Neves Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto, entendem que “se a competição vier a ser frustrada por ação apenas de particulares, o caso se enquadra na alínea ‘a’ do inciso IV do art. 5º, mas se houver a participação de servidor público, o enquadramento correto será no inciso VIII do art. 11 da Lei n. 8.429/92” (Lei anticorrupção – Apontamentos sobre a Lei nº 12.846/13, p. 56). Também não comungamos deste pensamento, pois, conforme já esclarecemos, os atos de improbidade e as infrações previstas na Lei anticorrupção não se confundem e não são excludentes entre si, conforme pedagogicamente prevê o art. 30, I deste diploma normativo.

456 Dada a já referida semelhança com o crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, cita-se o pensamento de Vicente Greco Filho ao comentar este ilícito, no que é aplicável à infração administrativa em comento: “Ajuste e combinação envolvem pelo menos duas pessoas, dois concorrentes ou um concorrente e o administrador responsável pelo certame. Quanto a outro expediente, pode ser unilateral” (Dos crimes da lei

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configuração desse ilícito pressupõe a delimitação do expediente utilizado e a demonstração

da sua idoneidade para a prática da fraude ou da frustração457.

Também como já esclarecemos ao nos debruçarmos sobre a infração prevista no art.

88, II da Lei 8.666/93, o ilícito em comento se consuma com a efetiva frustração ou fraude, o

que, todavia, não afasta a sua prática tentada, eis que se trata de uma infração administrativa

material (ou de dano), que exige a produção de um resultado naturalístico, qual seja: a

frustração ou a fraude ao caráter competitivo do certame458.

Por fim, quanto ao elemento subjetivo, cremos que a fraude, em razão do seu

conteúdo, tem como pressuposto o dolo, pois não se emprega expediente com o fito de

enganar, mascarar ou alterar o caráter competitivo do certame sem que se tenha a vontade

livre e consciente nesse sentido. Já a inviabilização ou a inutilização da licitação ou do seu

caráter competitivo, que se consubstancia na sua frustração, pode se dar por negligência,

imprudência ou imperícia. Todavia, como a lei dispôs que esse comportamento ilícito deve ser

praticado por meio de ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o emprego desses

meios também pressupõe a sua escolha livre e consciente. E, como se isso não bastasse,

parece-nos que punir a frustração culposa não atinge a finalidade dessa infração (que é

combater a corrupção) e, portanto, não lesa o bem jurídico por ela tutelado.

Logo, sem prejuízo da inconstitucionalidade da responsabilidade objetiva prevista no

art. 2º da Lei anticorrupção, os comportamentos tipificados no art. 5º, IV, “a” deste diploma

de licitações, p. 74). 457 O pensamento de Cezar Roberto Bitencourt cai, uma vez mais, como uma luva: “Dito de outra forma, esse

‘qualquer outro expediente’ será o meio fraudulento através do qual o agente fraudará o sistema licitatório. A inidoneidade do meio, no entanto, pode ser relativa ou absoluta: sendo relativamente inidôneo o meio fraudulento para enganar a Administração Pública, poderá configurar-se tentativa do crime de ‘fraude ao caráter competitivo de licitação’; contudo, se a inidoneidade for absoluta, tratar-se-á de crime impossível, por absoluta ineficácia do meio empregado” (Direito penal das licitações, p. 196).

458 Nessa toada, verifique-se novamente as ideias lançadas por Cezar Roberto Bitencourt ao estudar o crime previsto no art. 90 da Lei 8.666/93, plenamente aplicáveis ao ilícito ora investigado: “O crime do art. 90 – frustrar ou fraudar o caráter competitivo de procedimento licitatório – somente se consuma com a efetiva frustração ou fraude do referido procedimento. Mais que isso: é necessário que o ‘caráter competitivo’ resulte frustrado ou fraudado, sendo insuficiente, portanto, a simples ação visando frustrá-lo ou fraudá-lo, sendo indispensável que resulte realmente frustrada ou fraudada a competitividade do procedimento licitatório, como exige o tipo penal. Trata-se, por consequência, de crime de dano, portanto, material, que exige a produção desse resultado” (Direito penal das licitações, p. 208). Nesse mesmo sentido é o magistério de Vicente Greco Filho (Dos crimes da lei de licitações, p. 72). Eduardo Cambi, ao comentar a infração administrativa em comento, também comunga desse pensamento: “Ainda é admitida a aplicação do artigo 5º, inc. IV, letra ‘a’, quando caracterizada a tentativa, ou seja, quando o concerto prévio for identificado antes do término do certame, por circunstâncias alheias à vontade dos licitantes. Exegese que é reforçada pelo artigo 7º, inc. II e III, da Lei anticorrupção” (Dos atos lesivos à Administração Pública Nacional ou Estrangeira – Comentário ao artigo 5º. In CAMBI, Eduardo, e GUARAGNI, Fábio André (Coord.). Lei anticorrupção. São Paulo: Almedina, 2014, p. 118). Já Modesto Carvalhosa possui opinião divergente: “A consumação do delito corruptivo se dá pela conduta das pessoas jurídicas concertadas, independentemente de lograrem, de fato, praticar a fraude de distorção do processo de licitação ou leilão” (Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p. 219).

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normativo possuem, como elemento que lhes é inerente, o dolo. Quer-se com isso dizer que,

ainda que se pretenda responsabilizar objetivamente a pessoa jurídica, isto não se afigura

possível, eis que a comprovação da fraude ou da idoneidade do meio utilizado para a

frustração do caráter competitivo do certame pressupõe a demonstração do dolo do seu

preposto, seja na hipótese em que esta conduta representa a vontade da pessoa jurídica

(quando se apura o elemento subjetivo deste ente coletivo por meio do animus do seu

preposto); ou para que se apure a ocorrência do resultado ou a prática da infração, o que se

revela necessário para a imputação da infração à pessoa jurídica por omissão imprópria459.

Vê-se, portanto, que a infração tipificada no art. 5º, IV, “a” da Lei anticorrupção

pode ser praticada por ato comissivo (em regra) ou omissivo460, doloso, consistente em

“frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter

competitivo de procedimento licitatório público”, aplicando-se as regras gerais por nós já

declinadas para aferição da presença do sobredito elemento subjetivo com relação à pessoa

jurídica.

5.1.2. Impedimento, perturbação ou fraude da realização de qualquer ato da licitação

O art. 5º, IV, “b” da Lei anticorrupção tipificou a infração consistente em “impedir,

perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público”,

repetindo, nos mesmos termos, o tipo penal previsto no art. 93 da Lei 8.666/93461.

Logo, conforme observa Cezar Roberto Bitencourt, os comportamentos descritos

são: “impedir (obstar, estorvar, embaraçar, obstruir ou impossibilitar); b) perturbar

(tumultuar, confundir, atrapalhar), ou c) fraudar (usar de artifício, ardil, ou qualquer outro

meio enganoso idôneo para induzir ou manter alguém em erro462)”463 a realização de

459 Recorde-se que, nesta hipótese, como a vontade do agente que praticou a conduta típica não representa a

vontade da pessoa jurídica, o animus daquele agente não se presta à aferição do elemento subjetivo da conduta omissiva do ente coletivo. Todavia, deve-se apurar, além do descumprimento do dever jurídico, se o resultado foi produzido, nos ilícitos materiais, em razão da conduta daquele agente; ou se ocorreu a consumação do comportamento ilícito formal ou de mera conduta. E para que se faça esta apuração deve-se identificar o elemento subjetivo do agente, mormente se se estiver diante de tipo infracional que pressuponha o dolo. Sem prejuízo disso, vide o subitem 2.2.3.

460 Nesse sentido, assinala Eduardo Cambi: “Porém, o ilícito do art. 5º, inc. IV, letra ‘a’, também pode ser cometido por omissão, quando, por exemplo, são sonegadas informações que poderiam elucidar o conluio gerador dos danos” (Dos atos lesivos à Administração Pública Nacional ou Estrangeira – Comentário ao artigo 5º. In CAMBI, Eduardo, e GUARAGNI, Fábio André (Coord.). Lei anticorrupção. São Paulo: Almedina, 2014, p. 117).

461 “Art. 93. Impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa”.

462 A conduta fraudulenta foi objeto de análise mais detida quando investigamos as infrações previstas nos arts. 88, III da Lei 8.666/93 (subitem 4.1.6) e 5º, IV, “a” da Lei anticorrupção (subitem 5.1.1.). Sem prejuízo

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qualquer ato de procedimento licitatório público.

E, a partir destas definições, salta aos olhos que impedir confunde-se com a conduta

consistente em frustrar; e perturbar, ao menos em regra, encerra a prática, porém tentada464,

também deste comportamento, previsto no art. 5º, IV, “a” da Lei anticorrupção.

Daí a induvidosa proximidade desta infração com o ilícito ora investigado, que,

contudo, possui um tipo mais genérico, pois o objeto do impedimento, perturbação ou fraude

é a “realização de qualquer ato de procedimento licitatório público”. Já a conduta ilícita

prescrita no art. 5º, IV, “a” da Lei anticorrupção tem como objeto o caráter competitivo do

certame.

Quer-se com isso dizer que a pessoa jurídica que “frustra ou frauda, mediante ajuste,

combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório

público” (art. 5º, IV, “a”), em regra também estará “impedindo, perturbando ou fraudando a

realização de qualquer ato de procedimento licitatório público (art. 5º, IV, “b”). E, a despeito

de as sanções que podem ser aplicadas serem as mesmas, não há dúvida de aquela é norma

especial se comparada a esta, o que impõe a sua prevalência, não havendo que se cogitar na

imputação de ambas as infrações465. Há, pois, uma relação de especialidade e de

subsidiariedade466.

Aliás, a propalada vagueza da expressão qualquer ato de procedimento licitatório

público, que também está presente no crime previsto no art. 93 da Lei 8.666/93, acarretou

críticas da doutrina no sentido de que a “descrição típica é extremamente aberta, imprecisa e

gera insegurança sobre quais seriam esses atos”467.

disso, Cezar Roberto Bitencourt dá exemplos de comportamentos que se subsumem à fraude tipificada na infração ora investigada: “A fraude, neste caso, pode residir em qualquer ato do procedimento licitatório, pode, por exemplo, recair na apresentação da documentação necessária, no conteúdo de alguns dos documentos exigidos, ou na própria forma de ditos documentos, isto é, em sua falsidade material ou ideológica, na alteração de datas ou prazos. Enfim, a casuística de cada certame licitatório é que poderá no dar, in concreto, os limites que a conduta fraudulenta pode abranger em termos de procedimento licitatório” (Direito penal das licitações, p. 266). Eduardo Cambi também obra nesse campo: “A expressão ‘qualquer ato’ tem sentido amplo e inclui, por exemplo, situações como devassar o sigilo da proposta apresentada em procedimento licitatório ou mesmo a juntada de documento falso em recurso administrativo contra a inabilitação” (Dos atos lesivos à Administração Pública Nacional ou Estrangeira – Comentário ao artigo 5º, p. 118).

463 Direito penal das licitações, p. 265. 464 Ora, não se tergiversa que quem perturba ato do procedimento licitatório pretende, em regra, frustrar a sua

realização ou os seus objetivos, dentro os quais se insere o caráter competitivo. 465 Vide o introito do 4ª capítulo, quando tecemos breves considerações acerca da relação de especialidade entre

normas. 466 Nesse sentido, verifique-se o magistério de Vicente Greco Filho: “O crime do art. 90 é também um tipo de

fraude à licitação, quanto ao seu caráter competitivo, e, se ocorrerem os seus demais elementos, por ser mais grave, prevalece sobre o presente artigo, que, quanto a esse aspecto, pode ser considerado subsidiário daquele” (Dos crimes da lei de licitações, p. 101).

467 BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal das licitações, p. 265.

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Todavia, parece-nos que esta generalidade, justificável em razão da impossibilidade

de se elencar todos os atos que poderiam ser atingidos pelas sobreditas condutas ilícitas, não

lesa o princípio da tipicidade. Isso porque, a despeito da generalidade do seu objeto (qualquer

ato de procedimento licitatório público), os comportamentos típicos foram bem delineados. E

como eles pressupõem o dolo468, é certo que a fraude, o impedimento ou perturbação terão

como objeto, em grande parte das vezes, os principais atos do procedimento licitatório, seja da

fase interna ou externa (feitura do edital; habilitação, apresentação e julgamento das

propostas, etc.)469.

Sem embargo, ainda que se atinja ato tido como de menor relevância, esta conduta

também terá o condão de lesar o bem jurídico protegido pela norma, mormente por se tratar

de um processo administrativo, cujos atos são concatenados e ligados por um vínculo de

coordenação, o que deve ser levado em consideração na dosimetria da sanção.

Outro tema que acarreta controvérsia é qual o limite do exercício regular do direito

de o licitante questionar judicialmente ato do procedimento licitatório, o que pode acarretar a

suspensão do certame e, em razão disso, eventual impedimento ou perturbação. Não há

celeuma com relação às ações judiciais e atos praticados no seu bojo que reúnem as condições

formais de cabimento e que não são praticadas com abuso de direito, sendo, pois, típica

hipótese excludente da ilicitude (ou causa justificadora)470. Surge a controvérsia quando a

ação judicial ou eventual recurso, por exemplo, é praticado com abuso de direito,

representando patente litigância de má-fé, cuja pretensão é única e exclusivamente retardar o

certame.

Em que pese as respeitáveis vozes em sentido contrário471, concordamos uma vez

mais com Cezar Roberto Bitencourt no sentido de que “Postular em juízo o que se tem direito

468 Pelas mesmas razões apontadas no subitem anterior, além de, logicamente, não ser possível a prática de

conduta fraudulenta sem a vontade livre e consciente nesse sentido, eventual impedimento perturbação culposa de ato do certame não atinge, evidentemente, a finalidade dessa infração, não lesando, pois, o bem jurídico por ela tutelado.

469 Paulo José da Costa Jr., em pese também criticar a generalidade do tipo previsto no art. 93 da Lei 8.666/93, giza com acerto os contornos do seu conteúdo, também aplicável à infração em comento: “O que se vem a impedir, a perturbar ou a fraudar é a realização do procedimento licitatório, ou melhor, a execução de qualquer ato do aludido procedimento. Considera-se como tal desde o ato de abertura do processo, que deve ser protocolado e numerado, bem como os atos subsequentes (edital, apresentação de propostas e abertura), até os atos finais de julgamento e adjudicação” (Direito penal das licitações. São Paulo: Saraiva, 2ª ed., 2004, p. 43 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Direito penal das licitações, p. 265).

470 Vide o subitem 2.3. 471 Modesto Carvalhosa diverge do nosso entendimento: “A conduta da pessoa jurídica, nesse tipo de delito

corruptivo, pode se dar através de medidas junto ao Poder Judiciário com evidente caráter de litigância de má-fé. Ou, então, conduzir-se a pessoa jurídica corruptivamente junto à administração pública encarregada do certame, ou ainda, mediante medidas administrativas protelatórias ou objetivando a sua anulação” (Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p.222).

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ou se julga ter é um direito de todos, ainda que improcedente”472, sendo que “As demandas

temerárias encontram resposta no mesmo instrumento utilizado, não devendo repercutir em

outras áreas, alheias à própria demanda”473.

E mais, a propositura de ação judicial, além de ser um direito encartado no art. 5º

XXXV da Constituição da República, não tem o condão de, só por si, impedir ou perturbar

ato do certame licitatório. É necessário que o Poder Judiciário acolha eventual pleito que

acarrete a anulação ou suspensão da licitação, o que, evidentemente, ainda que essa decisão

seja reformada, afasta qualquer espécie de dúvida quanto à ausência da prática da infração

prevista no art. 5º, IV, “b” da Lei anticorrupção.

Por fim, o ilícito em comento, nas modalidades impedimento e fraude, consuma-se

com a sua efetiva ocorrência, o que, todavia, não afasta a sua prática tentada, eis que se trata

de comportamentos ilícitos materiais, que exige a produção de um resultado naturalístico,

qual seja: o impedimento ou fraude de qualquer ato do certame licitatório. Já na perturbação

“não há necessidade de realização daquilo que é pretendido pelo agente, e o resultado jurídico

previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo em que se desenrola a conduta”474, o que não afasta a

necessidade de idoneidade do meio utilizado475. Trata-se, pois, de infração que, praticada

nesta modalidade, é classificada como formal, quanto ao seu resultado.

Vê-se, portanto, que a infração tipificada no art. 5º, IV, “b” da Lei anticorrupção

pode ser praticada por ato comissivo (em regra)476, doloso, consistente em “impedir,

perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público”,

aplicando-se as regras gerais por nós já declinadas para aferição da presença do sobredito

472 Direito penal das licitações, p. 271.

O magistério de Marçal Justen Filho também caminha nesse sentido: “Não se realiza o tipo quando se obtém do Poder Judiciário, por exemplo, medida judicial proibindo a prática de ato. O exercício do direito de ação não configura o crime, ainda quando seja inquinável como abusivo em uma abordagem não jurídica” (Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, p. 1180). Assim como Antônio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz Neves Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto: Claro está que não será típico o ato do licitante que buscar invalidar o edital ou uma decisão da Comissão de Licitação, com base em direito que julga ter, seja por via de recurso administrativo ou mandado de segurança, por exemplo” (Dal Pozzo, Lei anticorrupção – Apontamentos sobre a Lei nº 12.846/2013”, p. 56). Por fim, também nesse sentido é o magistério de Sidney Bittencourt (Comentários à lei anticorrupção, p. 54).

473 Ibid., mesma página. 474 Esta é a definição de Julio Fabbrini Mirabete e Renato N. Fabbrini para os ilícitos formais (Manual de Direito

Penal – Vol. I, p. 123). 475 Nesse sentido, assinalam Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Júnior: “Na alínea b, o

dispositivo não contempla apenas a conduta de impedir ou fraudar a realização de ato ou procedimento licitatório público. Fica tipificada, também, a conduta de perturbar a realização de qualquer ato, não se exigindo que, em razão dessa perturbação, o ato não venha a se realizar. É certo que essa perturbação, para que se caracterize a infração contemplada no dispositivo, deve ser relevante e tenha, ao menos, colocado em risco a efetivação do ato” (Lei anticorrupção – Origens, comentários e análise da legislação correlata, p. 66).

476 Em que pese ser de difícil visualização, o impedimento, a fraude e a perturbação de ato do procedimento licitatório, ao menos em tese, pode ser omissivo.

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elemento subjetivo com relação à pessoa jurídica.

5.1.3. Afastamento de licitante do procedimento licitatório

O art. 5º, IV, “c” da Lei anticorrupção tipificou outra infração administrativa,

consistente em “afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de

vantagem de qualquer tipo”477.

Esse preceito não deixa margem de dúvida quanto ao comportamento tipificado, que

se consuma com a prática do comportamento fraudulento ou o oferecimento de vantagem

pretendendo afastar licitante. Isso porque se tipificou como ilícito a tentativa, razão pela qual

não se revela necessária a realização do fim pretendido (afastamento do licitante) e tampouco

a produção de resultado naturalístico. Trata-se, pois, de uma infração de mera conduta, que

não admite, por força disso, a tentativa478.

Nessa toada, Cezar Roberto Bitencourt assinala com o seu habitual acerto que

“afastar o licitante não é apenas ocasionar o seu distanciamento ou a sua ausência para não

licitar, mas também conseguir que se abstenha de formular proposta, ou a retirada desta, ou,

ainda a desistência de apresentar sua proposta”479. É dizer, afastar ou procurar afastar

licitante “não significa deslocar o pretendente no espaço ou no tempo, e tampouco distancia-

lo fisicamente da repartição encarregada do certame licitatório, mas sim alijá-lo da licitação,

lavando-o a abster-se ou desistir de participar do pleito”480.

Também não há dúvida quanto ao conteúdo dos meios previstos para a prática dessa

infração, que pode se dar mediante (i) fraude, que é o artifício, ardil e engodo apto (ou

idôneo) a enganar o licitante que se afasta ou até mesmo a autoridade que detém competência

para proferir decisão nesse sentido (hipótese remota, dada a expertise da Administração, mas

que não pode ser afastada)481; e (ii) o oferecimento de vantagem de qualquer tipo, que, nas

palavras de Vicente Greco Filho, “é a promessa de algum benefício de ordem econômica ou

não”482, cujo destinatário pode ser tanto o licitante que se pretende afastar, como eventual

agente público que pratique atos pretendendo promover esse afastamento. Este,

477 Uma vez mais a semelhança com o crime previsto no art. 94 da Lei 8.666/93 é patente, tendo o art. 5º, IV, “c”

da Lei anticorrupção apenas suprimido os meios “violência” ou “grave ameaça”, o se justifica pois não se está diante de ilícito penal.

478 Vide subitem 2.2.4. 479 Direito penal das licitações, p. 298. 480 Ibid., mesma página. 481 Além dos dois subitens anteriores, vide o subitem 4.1.6., em que investigamos a infração administrativa

prevista no art. 88, III da Lei 8.666/93. 482 Dos crimes da lei de licitações, p. 112.

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indubitavelmente, é o meio mais utilizado483.

Vê-se, portanto, que é possível que esta infração seja praticada com a colaboração de

agente público, que, todavia, não responderá por este ilícito – aplicável, recorde-se, somente a

pessoas jurídicas -, estando sujeito às demais cominações legais (tal como, por exemplo, o

crime previsto no art. 95 da Lei 9.666/93).

De outra banda, se não fosse o silêncio da lei, que não prevê cláusula geral admitindo

a participação484, o licitante que aceita a vantagem oferecida, em se tratando de pessoa

jurídica, incorre na infração em comento como partícipe. Sem embargo, ainda que assim não

o seja, cremos que ele pratica a infração prevista no art. 5º, IV, “a” também da Lei

anticorrupção, eis que terá fraudado, mediante ajuste ou acordo, o caráter competitivo do

certame licitatório485. A pessoa jurídica que oferece a vantagem também pratica conduta que

se subsume a esse tipo infracional. Todavia, a infração prevista no art. 5º, IV, “c” a absorve,

eis que contém elemento que a torna especial, a despeito de estar contida naquela. Se assim

não o for, esta infração será letra morta, não havendo que se cogitar na imputação de ambos

os ilícitos (também neste caso há uma relação de especialidade e subsidiariedade, o que

também se verifica com relação ao ilícito previsto na alínea b).

Aliás, justamente por força disso, também incorrerá nesta infração – e não naquela

prevista no art. 5º, IV, “a” da Lei anticorrupção – as pessoas jurídicas que, mediante ajuste ou

combinação, buscam afastar licitante486.

Por fim, não se tergiversa que a infração em comento também pressupõe o dolo, eis

que não se afasta ou se tenta afastar licitante, por conduta fraudulenta ou oferecendo

483 Nessa toada, a pessoa jurídica que pretende afastar licitante pode, por exemplo, oferecer vantagem à

autoridade pública para que esta, por exemplo, fraude o edital ou o julgamento das propostas. Alternativamente, afigura-se possível o oferecimento da vantagem diretamente ao licitante ou aos licitantes que pretende afastar.

484 Note que, a despeito de o Código Penal admitir a participação (o que já basta), o art. 95, parágrafo único da Lei 8.666/93 dispôs que “Incorre na mesma pena quem se abstém ou desiste de licitar, em razão da vantagem oferecida”.

485 Marco Vinicio Petrelluzzi e Rubens Naman Rizek Junior também comungam desse pensamento: “Ainda analisando esta alínea c cumulada com a alínea a, pode-se afirmar que, caso seja oferecida vantagem para que determinado licitante retire-se do processo licitatório e isso seja feito com intuito de frustrar o caráter competitivo do certame, os sancionados podem ser tanto o agente que ofereceu a vantagem indevida quanto aquele que a aceitou. Assim, a pessoa jurídica que acabou desistindo de processo licitatório, prejudicando seu caráter competitivo, e o fez motivada pelo oferecimento de vantagem indevida por parte de um terceiro será, também responsabilizada” (Lei anticorrupção – Origens, comentários e análise da legislação correlata, p. 67).

486 Vicente Greco Filho crê que há concorrência de ilícitos nesta hipótese: “Mas pode ocorrer concurso material de dois ou mais crimes citados, como, por exemplo, se o agente faz ajuste com um dos concorrentes para fraudar o caráter competitivo do certame e, mediante fraude, afasta outro”. No caso, ainda que a finalidade seja a mesma, fraudar a licitação, as condutas são diferentes”. Ao nosso juízo, acaso a fraude do caráter competitivo tenha se dado apenas por meio do afastamento de outro licitante, aplica-se somente a infração prevista no art. 5º, IV, “c” da Lei anticorrupção, pelas razões acima expostas”.

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vantagem, culposamente, sendo um comportamento, ao menos em regra, comissivo,

aplicando-se as regras gerais por nós já declinadas para aferição da presença do sobredito

elemento subjetivo com relação à pessoa jurídica.

5.1.4. Fraude da licitação ou do contrato

Segundo o art. 5º, IV, “d” da Lei anticorrupção, constitui ato lesivo à administração

pública, nacional ou estrangeira, “fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente”,

comportamento este que, recorde-se, também está previsto no art. 47, VI da Lei 12.462/11487.

Ao nosso juízo, é evidente que o intuito do legislador ao tipificar esta infração foi

açambarcar todo e qualquer comportamento fraudulento que não se subsuma aos demais tipos

infracionais previstos no art. 5º, IV da Lei anticorrupção. Tanto mais isso é verdade que,

conforme se verificou, os ilícitos previstos nas alíneas “a”, “b” e “c” já colhem a prática de

atos fraudulentos praticados no procedimento licitatório, sendo, aliás, difícil imaginar fraude

que escape da infração prevista na alínea “b”, que é bastante abrangente.

De outra banda, o art. 5º, IV, “d” também tipificou a fraude na execução do contrato

administrativo, o que provavelmente propiciará sua maior aplicação, a despeito de as alíneas

“f” e “g” terem tipificados as fraudes mais recorrentes aos contratos administrativos488.

Parece-nos inconteste, portanto, que esta infração, dada a sua generalidade, em

virtude da qual quase que a totalidade dos demais comportamentos ilícitos previstos na Lei

anticorrupção também a ela se subsumem, foi tipificada para colher os comportamentos

fraudulentos, igualmente reprováveis, que não se subsumem aos demais tipos infracionais,

razão da sua nítida aplicação subsidiária. É dizer, praticada fraude, por pessoa jurídica, à

licitação ou contrato, compete à autoridade competente apurar se este comportamento se

subsume às demais infrações previstas no art. 5º, IV da Lei anticorrupção. Somente em caso

negativo será aplicável o ilícito ora investigado.

Dito isto e como já tratamos do comportamento fraudulento ao analisar as demais

infrações administrativas, restringimo-nos a reiterar brevemente, com espeque nos

ensinamentos de Cezar Roberto Bitencourt, que “A fraude consiste em atos praticados,

487 Isto, aliás, afasta qualquer espécie de dúvida de que a pessoa jurídica que incorrer neste ilícito muito

provavelmente também incorrerá na infração prevista no art. 88, III da Lei 8.666/93 (vide o subitem 4.1.6.). 488 Modesto Carvalhosa observa, argutamente, que “quando há fraude na licitação esta se transmite

absolutamente ao contrato de adjudicação que lhe segue, por mais regular que este seja. Portanto, não há necessidade para a consumação do delito aqui tipificado de fraude tanto num como noutro. A primeira fraude (licitação) se transmite necessariamente ao contrato administrativo” (Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p. 227).

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dissimulados ou não, aptos a iludir, enganar ou ludibriar a contratante, isto é, o sujeito

passivo, lesando ou pondo em risco o bem jurídico tutelado”489, sendo, portanto, um

comportamento em regra comissivo, que pressupõe o dolo, aplicando-se as regras gerais por

nós já declinadas para aferição da presença desse elemento subjetivo com relação à pessoa

jurídica.

5.1.5. Fraude de licitação ou contrato, mediante a criação de pessoa jurídica

O art. 5º, IV, “e” da Lei anticorrupção tipificou a infração consistente em “criar, de

modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou

celebrar contrato administrativo”.

A partir da leitura desse preceito legal, tem-se, num súbito de vista, a impressão de

que o núcleo do comportamento tipificado é a criação de uma pessoa jurídica com a específica

finalidade de participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo. E o que torna

esse comportamento ilícito – pois, evidentemente, não há ilicitude na constituição de pessoa

jurídica com a apontada finalidade – é o fato de esse ato de criação ser fraudulento ou

irregular.

Cremos, contudo, que não é esta a interpretação que deve ser dada a este tipo

infracional.

Com efeito, Modesto Carvalhosa observa com acerto que a sobredita fraude e

irregularidade, que aparentam qualificar a constituição da pessoa jurídica, se referem, em

rigor, “aos fins ilícitos para os quais foi constituída a pessoa jurídica interposta”490. É dizer, o

comportamento ilícito é fraudar licitação ou contrato administrativo – que é o que pretende o

agente –, mediante a criação de uma pessoa jurídica. Ou seja, este é o meio para a prática da

conduta típica, e não propriamente o seu núcleo.

E, ao nosso juízo, essa interpretação – que, em rigor, apenas reorganiza os elementos

do tipo infracional – é a que melhor giza os seus contornos, afastando possíveis controvérsias

que certamente surgiriam em razão da sua interpretação literal.

Tanto mais isso é verdade que não se tergiversa que a simples criação irregular de

uma pessoa jurídica (por ausência de arquivamento dos seus atos constitutivos na Junta

Comercial, por exemplo), inclusive com o mote de fornecer bem ou serviço precipuamente ao

489 Direito penal das licitações, p. 323. Note que nesta definição adote classificação distinta da nossa com

relação ao sujeito passivo. 490 Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p. 232.

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Estado, não é conduta grave que autoriza a imputação da infração administrativa prevista no

art. 5º, IV, “e” da Lei anticorrupção. E é inconteste que a interpretação literal do art. 5º, IV,

“e” da Lei anticorrupção conduziria a esta conclusão.

Ademais, relacionar a fraude ou a irregularidade ao ato de criação da pessoa jurídica

também excluirá do tipo infracional em comento a constituição, regular, de pessoa jurídica

com a finalidade de fraudar licitação ou contrato. E não há dúvida de que, em regra, é isto que

ocorre, pois uma pessoa jurídica que sequer foi constituída regularmente, além de

provavelmente não conseguir sequer afluir ao certame, já despertará suspeitas quanto às suas

pretensões. É dizer, o agente em regra se cerca das mínimas cautelas para praticar o ilícito em

comento, donde se insere a regular constituição da pessoa jurídica.

Daí porque, para nós, o que caracteriza o ilícito em comento é a conduta consistente

em iludir, ludibriar ou enganar a Administração (ou seja, fraudar), pretendendo dissimular ou

ocultar interesse ilícito ou os verdadeiros beneficiários da licitação ou do contrato

administrativo que se pretende travar. E isso mediante a criação, seja regular, irregular ou

fraudulenta (com a falsificação de documentos, por exemplo), de pessoa jurídica com essa

específica finalidade.

Logo, assemelhando-se inclusive aos demais atos lesivos previstos no art. 5º, IV da

Lei anticorrupção, entendemos que o comportamento típico, comissivo, da infração prevista

na alínea “e” daquele preceito, consiste em fraudar licitação pública ou contrato dela

decorrente, mediante a criação de pessoa jurídica com esta específica finalidade. Dito isto,

gizemos o conteúdo destes elementos.

Primeiro, sem prejuízo das ideias lançadas nos subitens anteriores acerca da

definição de fraude (que são todas aplicáveis à hipótese concreta491), já assinalamos que o

comportamento típico é iludir, ludibriar ou enganar a Administração, pretendendo dissimular

ou ocultar interesse ilícito ou os verdadeiros beneficiários da licitação ou do contrato

administrativo que se pretende travar.

Nessa toada, José Anacleto Abduch Santos, Mateus Betoncini e Ubirajara Custódio

Filho trazem um interessante exemplo, em que “Mancomunada com os agentes públicos, são

convidadas três pessoas jurídicas para participar da licitação – duas criadas fraudulantemente,

apenas para fazer número, e a vencedora, criadora das duas outras e ajustada com a comissão

de licitação”492. Trata-se, pois, de típica fraude, realizado por meio da criação de pessoa

491 Vide os subitens anteriores, cujas infrações investigadas também pressupõe a fraude, bem como o subitem

4.1.6. 492 Comentários à Lei 12.846/2013.

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jurídica493. E note que a infração restará configurada independentemente se a criação das

pessoas jurídicas tiver se dado de modo regular ou não.

O mesmo se verifica, conforme já adiantamos, na criação de pessoa jurídica

pretendendo contornar os efeitos de sanção que suspendeu o direito de licitar e contratar ou

declarou a inidoneidade de pessoa jurídica, desde que preenchidos, contudo, os demais

requisitos a seguir indicados494.

Segundo, o artifício empregado é a criação de uma pessoa jurídica495. Ou seja, uma

nova sociedade deve ser constituída (o que afasta a utilização de uma já existente), inclusive

mediante fusão ou cisão (excetua-se a incorporação, que não provoca o surgimento de uma

nova pessoa jurídica), ou por meio da criação de um novo estabelecimento filial496.

Terceiro, essa nova sociedade deve ser criada por uma pessoa jurídica, pois, recorde-

se, a prática das infrações previstas na Lei anticorrupção não pode se dar por pessoa natural,

por expressa previsão no art. 5º, caput. Verificou-se que o art. 14 admite a desconsideração da

personalidade jurídica, hipótese em que os seus sócios e administradores poderão ser

responsabilizados, porém a conduta infracional deve ser praticada por pessoa jurídica.

Logo, a principal forma de se apurar se a criação se deu pelo ente coletivo é verificar

se ela figura como uma das sócias da nova sociedade criada, bem como se se restou decidido

em reunião do Conselho de Administração, por exemplo, em se tratando de criação de uma

filial.

Todavia, é sabido e ressabido que quem pretende cometer condutas fraudulentas,

mormente esta que se está investigando, empreenderá todos os esforços para ocultar o autor

do ato ilícito, sendo pouco provável que a pessoa jurídica figurará como sócia da sociedade

criada (sendo mais comum a utilização de “laranjas” ou até mesmo a abertura da nova

493 Verifique-se, ademais, o exemplo de Antônio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz

Neves Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto: “Novamente, a lei busca impedir que a pessoa jurídica se valha de ‘laranja’ para participar da licitação, a fim, por exemplo, de dar cobertura de preços aos constantes da sua proposta. Ou, então, para participar de licitação, apenas para celebrar contrato e depois repassá-lo, como pode ocorrer nas concessões (Lei anticorrupção, p. 58).

494 Vide subitem 3.3.1. 495 Nesse sentido, assinalam José Anacleto Abduch Santos, Mateus Betoncini e Ubirajara Custódio Filho:

“Acaso não haja a criação de nova pessoa jurídica, mas somente a utilização de uma já existente, mesmo que no âmbito das licitações e contratos (inc. IV), terá incidência o inc. III do art. 5º e não o dispositivo especial em estudo. Igualmente emprega-se o inc. III, se a pessoa jurídica anteriormente criada for empregada para ocultar ou dissimular interesses ou beneficiários de quaisquer atos lesivos dos incs. I, II e IV” (Comentários à Lei 12.846/2013, p. 143-144).

496 É sabido e ressabido que os estabelecimentos filiais possuem autonomia para afluir a certame licitatório, desde que preencham os requisitos de habilitação, sendo inclusive vedada a celebração do contrato pela matriz e a sua execução por filial, nas hipóteses em que esta não figurou no certame e não comprovou sua habilitação. Nesse sentido, a 2º Turma do STJ manteve sanção imposta a licitante que procedeu desta forma (STJ – 2ª Turma – RMS 32.628 – Rel. Min. Mauro Campbell Marques – DJe 14/9/2011).

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empresa pelos mesmas ou algumas pessoas naturais que figuravam como sócios497).

E, nesta hipótese, deve-se restar comprovado que a fraude foi praticada em benefício

de uma determinada pessoa jurídica, o que está bastante claro, por exemplo, no caso concreto

retro mencionado. Esta interpretação inclusive encontra guarida no art. 19, §1º, II da Lei

anticorrupção498.

Aliás, à sociedade criada para a prática do ilícito ora investigado não incorre nesta

infração (que é aplicável à pessoa jurídica que cria ou se beneficia desta criação), mas sim no

ilícito previsto no art. 19, §1º, II da Lei anticorrupção, cuja sanção é a dissolução

compulsória, que deve ser imposta pelo Poder Judiciário. Ao nosso juízo esta nova pessoa

jurídica não pratica o comportamento ilícito previsto no art. 5º, IV, “e”, pois a lei não prev~e

a figura da participação.

Quarto, em razão do meio que deve ser empregado para a prática do comportamento

fraudulento, a infração se consuma com o ingresso da pessoa jurídica criada em certame

licitatório ou com a celebração do contrato (nas hipóteses em que a fraude for praticada no

bojo deste499). É dizer, o simples fato de esta pessoa afluir ao certame ou celebrar contrato já

configura fraude, sendo a criação da pessoa jurídica, realizada com esta específica finalidade,

um ato preparatório, que não é punível (ainda que se crie uma pessoa jurídica com a

finalidade de fraudar licitação ou contrato, acaso ela nunca venha a participar de uma licitação

ou celebrar o contrato, não teve sequer início a prática da conduta delituosa). Trata-se, pois,

de infração formal, cujo resultado é produzido concomitantemente com a prática do ilícito,

não sendo admitia a tentativa.

Quinto e por derradeiro, não se tergiversa que a fraude pressupõe o dolo, mormente

tendo em vista o meio mediante o qual ela é praticada no caso concreto, aplicando-se as regras

gerais por nós já declinadas para aferição da presença desse elemento subjetivo com relação à

497 Modesto Carvalhosa também chama a atenção para esta circunstância: “Para a configuração do tipo objetivo

não é necessário que o quadro de sócios ou de associados da pessoa jurídica interposta seja, mesmo em parte, composto dos mesmos quadros da pessoa jurídica inabilitada. Pode haver a interposição de terceiros alcunhados de ‘laranjas’” (Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p. 233).

498 “Art. 19 (...)§1o - A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado: II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”.

499 Salvo as hipóteses de contratação direta da nova pessoa jurídica criada com essa finalidade, em regra a fraude ocorrerá à licitação. Modesto Carvalhosa cogita a criação de pessoa jurídica para contornar a declaração de inidoneidade da empresa criadora, permitindo, em conluio com o agente público, a cessão do contrato para esta (Consideração sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p. 229). Parece-nos hipótese de difícil ocorrência, mormente em se tratando de contrato regido pela Lei 8.666/93, em razão do disposto no art. 78, VI desse diploma normativo. Aliás, também nos parece que dificilmente este tipo infracional atingirá a criação de pessoa jurídica pretendendo afastar

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pessoa jurídica500.

5.1.6. Obtenção de vantagem ou benefício indevido decorrente de modificações ou prorrogações de contratos administrativos

Segundo o art. 5º, IV, “f” da Lei anticorrupção, constitui ato lesivo a administração

pública, nacional ou estrangeira, “obter vantagem ou benefício indevido, de modo

fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração

pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos

instrumentos contratuais”.

A despeito da longa redação desse tipo infracional, o que em uma primeira leitura

dificulta a sua compreensão, cremos que a singela segregação dos seus elementos o torna

cristalino.

Primeiro, é induvidoso que o núcleo do comportamento típico é a obtenção, pela

pessoa jurídica contratada, de vantagem ou benefício (que para nós são expressões

sinônimas), por meio fraudulento. Ou seja, a utilização de qualquer expediente idôneo a iludir,

ludibriar e enganar a Administração Pública501, por meio do qual se obtém benefício,

evidentemente indevido (daí a redundância do emprego desse vocábulo na descrição do

tipo)502.

Logo, por expressa disposição legal, a consumação dessa infração se dá com a

efetiva obtenção da vantagem pelo contratado, que nada mais é do que o resultado 500 Vide o introito do presente capítulo e o subitem 2.2.3. 501 Não se tergiversa que a pessoa jurídica pode contar – e, em regra, conta – com a colaboração de agente

público, conforme restará esclarecido nos exemplos que traremos à baila. E este agente incorrerá no crime previsto no art. 92 da Lei 8.666/93, sem prejuízo das demais cominações legais. Aliás, assiste razão a José Anacleto Abduch Santos, Mateus Betoncini e Ubirajara Custódio Filho quando eles assinalam que: “Observa-se que esse parágrafo único do art. 92 era praticamente letra morta entre nós, haja vista a conhecida ausência de responsabilidade penal da pessoa jurídica, problema esse equacionado pela Lei 12.846/2013” (Comentários à Lei 12.846/2013, p. 146). Verifique-se, a propósito, a redação desse preceito legal: “Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais”.

502 Em rigor, assim como procedemos com relação à infração estudada no subitem anterior, poder-se-ia reorganizar os elementos do tipo, colocando a fraude como o comportamento típico, cujo meio seria a alteração ou prorrogação do contrato ao arrepio da disciplina normativa, desde que isto caracterize benefício ou vantagem. Sem embargo, parece-nos que a redação do tipo ora investigado permite a sua compreensão, sem que seja necessária a reorganização dos elementos, o que revela ser mais prudente, pois se evita novas celeumas que podem dela surgir.

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naturalístico que deve ser produzido para esta consumação, não havendo dúvida, portanto, que

se está diante de um ilícito material. E, justamente por força disso, admite-se a sua prática

tentada, que se verificará quando o emprego dos meios fraudulentos for interrompido antes da

obtenção do aludido benefício.

Segundo, também decorre do tipo infracional que essa vantagem (ou benefício) deve

ser oriundo “de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração

pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos

instrumentos contratuais”.

Ou seja, o ato fraudulento empregado pela pessoa jurídica contratada deve ser idôneo

para provocar uma alteração ou prorrogação do contrato administrativo fora das hipóteses

previstas nos arts. 57503 e 65504 da Lei 8.666/93, no edital ou no próprio instrumento

503 “Art. 57. A duração dos contratos regidos por esta Lei ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos

orçamentários, exceto quanto aos relativos: I - aos projetos cujos produtos estejam contemplados nas metas estabelecidas no Plano Plurianual, os quais poderão ser prorrogados se houver interesse da Administração e desde que isso tenha sido previsto no ato convocatório; II - à prestação de serviços a serem executados de forma contínua, que poderão ter a sua duração prorrogada por iguais e sucessivos períodos com vistas à obtenção de preços e condições mais vantajosas para a administração, limitada a sessenta meses; IV - ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração estender-se pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato. V - às hipóteses previstas nos incisos IX, XIX, XXVIII e XXXI do art. 24, cujos contratos poderão ter vigência por até 120 (cento e vinte) meses, caso haja interesse da administração. §1o - Os prazos de início de etapas de execução, de conclusão e de entrega admitem prorrogação, mantidas as demais cláusulas do contrato e assegurada a manutenção de seu equilíbrio econômico-financeiro, desde que ocorra algum dos seguintes motivos, devidamente autuados em processo: I - alteração do projeto ou especificações, pela Administração; II - superveniência de fato excepcional ou imprevisível, estranho à vontade das partes, que altere fundamentalmente as condições de execução do contrato; III - interrupção da execução do contrato ou diminuição do ritmo de trabalho por ordem e no interesse da Administração; IV - aumento das quantidades inicialmente previstas no contrato, nos limites permitidos por esta Lei; V - impedimento de execução do contrato por fato ou ato de terceiro reconhecido pela Administração em documento contemporâneo à sua ocorrência; VI - omissão ou atraso de providências a cargo da Administração, inclusive quanto aos pagamentos previstos de que resulte, diretamente, impedimento ou retardamento na execução do contrato, sem prejuízo das sanções legais aplicáveis aos responsáveis. § 2o Toda prorrogação de prazo deverá ser justificada por escrito e previamente autorizada pela autoridade competente para celebrar o contrato. § 3o É vedado o contrato com prazo de vigência indeterminado. § 4o Em caráter excepcional, devidamente justificado e mediante autorização da autoridade superior, o prazo de que trata o inciso II do caput deste artigo poderá ser prorrogado por até doze meses”.

504 “Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: I - unilateralmente pela Administração: a) quando houver modificação do projeto ou das especificações, para melhor adequação técnica aos seus objetivos; b) quando necessária a modificação do valor contratual em decorrência de acréscimo ou diminuição quantitativa de seu objeto, nos limites permitidos por esta Lei; II - por acordo das partes: a) quando conveniente a substituição da garantia de execução; b) quando necessária a modificação do regime de execução da obra ou serviço, bem como do modo de fornecimento,

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contratual (o que revela que se está diante de norma em branco505), desde que isso caracterize

benefício ao contratado.

Daí porque a infração se consuma com a efetiva alteração ou prorrogação do contrato

administrativo, sendo necessário, contudo, que esta alteração ou prorrogação tenha o condão

de ampliar a esfera jurídica do contratado, caracterizando, com isso, um benefício ou

vantagem. Quer-se com isso dizer que a efetiva obtenção de proveito econômico oriundo da

alteração ou prorrogação contratual não é condição para a consumação do ilícito506. De outra

banda, não há dúvida de que “A alteração, ainda que ilegal, pode ocorrer em prejuízo do

contratado, não existindo, então, a infração”, conforme observa Vicente Greco Filho507.

em face de verificação técnica da inaplicabilidade dos termos contratuais originários; c) quando necessária a modificação da forma de pagamento, por imposição de circunstâncias supervenientes, mantido o valor inicial atualizado, vedada a antecipação do pagamento, com relação ao cronograma financeiro fixado, sem a correspondente contraprestação de fornecimento de bens ou execução de obra ou serviço; d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. § 1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos. § 2o Nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo: II - as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes. § 3o Se no contrato não houverem sido contemplados preços unitários para obras ou serviços, esses serão fixados mediante acordo entre as partes, respeitados os limites estabelecidos no § 1o deste artigo. § 4o No caso de supressão de obras, bens ou serviços, se o contratado já houver adquirido os materiais e posto no local dos trabalhos, estes deverão ser pagos pela Administração pelos custos de aquisição regularmente comprovados e monetariamente corrigidos, podendo caber indenização por outros danos eventualmente decorrentes da supressão, desde que regularmente comprovados. § 5o Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso. § 6o Em havendo alteração unilateral do contrato que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômico-financeiro inicial. § 8o A variação do valor contratual para fazer face ao reajuste de preços previsto no próprio contrato, as atualizações, compensações ou penalizações financeiras decorrentes das condições de pagamento nele previstas, bem como o empenho de dotações orçamentárias suplementares até o limite do seu valor corrigido, não caracterizam alteração do mesmo, podendo ser registrados por simples apostila, dispensando a celebração de aditamento”.

505 Vide subitem 2.2.2.3. 506 Sem embargo, uma vez obtido proveito econômico, é certo que deve ser aplicada, pelo Poder Judiciário, a

sanção de perdimento de bens prevista no art. 19, I da Lei anticorrupção, conforme observam José Anacleto Abduch Santos, Mateus Betoncini e Ubirajara Custódio Filho (Comentários à Lei 12.846/2013, p. 146). Este preceito normativo também prevê o perdimento de direito, que seria a alteração ou prorrogação do contrato. Sem embargo, não há dúvida de que esta conduta fraudulenta teria o condão de acarretar a rescisão do contrato e a imposição da sanção de declaração de inidoneidade prevista no art. 87, IV da Lei 8.666/93, o que já ceifaria toda a contratação, e não só o aditivo celebrado. 507 Dos crimes da lei de licitações, p. 87. Registre-se que o festejado professor lança essas ideias ao comentar o art. 92, parágrafo único da Lei 8.666/93, que possui inegável semelhança com o tipo aqui investigado. Veja: “Art. 92. Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive

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Registre-se apenas que, em se tratando de alteração contratual, incidirá a presente

infração somente nas alterações que não sejam realizadas para o fim de promover o

reequilíbrio econômico-financeiro do contrato. Isso porque esta específica hipótese é objeto

da infração administrativa prevista no art. 5º, IV, “g” também da Lei anticorrupção, que

guarda com aquela relação de especialidade. Daí porque crê-se que aplicação desta infração se

dará, principalmente, na prática de atos fraudulentos que pretendam obter vantagem oriunda

da prorrogação do contrato. Isso porque, em regra, as alterações contratuais se fundam na

necessidade de reequilibrar a equação econômico-financeira do contrato.

Terceiro, é importante deixar claro que a alteração ou prorrogação contratual, ao

arrepio da lei e dos atos de regência, deve se dar por meio de ato fraudulento. Ou seja,

eventual alteração ou prorrogação contratual oriunda de erro, seja do contratado ou da

Administração, inclusive quanto à presença dos seus pressupostos autorizadores, não

configuram a infração prevista no art. 5º, IV, “f” da Lei anticorrupção.

Quarto e também por derradeiro, novamente não há dúvida de que o comportamento

ilícito em comento pressupõe dolo, eis que praticado mediante fraude, aplicando-se as regras

gerais por nós já declinadas para aferição da presença desse elemento subjetivo com relação à

pessoa jurídica508.

5.1.7. Manipulação ou fraude do equilíbrio econômico-financeiro do contrato

Por fim, o art. 5º, IV, “g” da Lei anticorrupção traz a derradeira infração relativa às

licitações e contratos administrativos, consistente em “manipular ou fraudar o equilíbrio

econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública”. Gizemos,

pois, o conteúdo dos elementos desse tipo, que se assemelha àquele investigado no subitem

anterior, o que nos permitirá ser breve.

Primeiro, concordamos com Modesto Carvalhosa no sentido de que “A inserção do

termo ‘manipular’ no presente tipo pode ser entendida como meio utilizado para a prática do

delito de fraudar”509. Ou seja, uma vez mais o comportamento ilícito é fraudar (isto é, iludir,

prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa. Parágrafo único. Incide na mesma pena o contratado que, tendo comprovadamente concorrido para a consumação da ilegalidade, obtém vantagem indevida ou se beneficia, injustamente, das modificações ou prorrogações contratuais”.

508 Vide o introito do presente capítulo e o subitem 2.2.3. 509 Comentários sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p. 238.

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enganar ou ludibriar a Administração), em regra mediante manipulação (diz-se em regra, pois

não se exclui outros expedientes), o contrato administrativo.

Segundo, assim como na infração prevista no art. 5º, IV, “f” da Lei anticorrupção,

está-se diante de um ilícito que se consuma com a alteração fraudulenta do contrato

administrativo, porém fundada no reequilíbrio econômico financeiro do contrato510.

É dizer, a pessoa jurídica, mediante fraude511, induz a Administração a celebrar

acordo pretendendo reestabelecer a equação econômico-financeira do contrato, quando, em

verdade, não está presente uma das hipóteses que autorizam este reequilíbrio, nos termos do

art. 65, II, “d” da Lei 8.666/93512 ou até mesmo do edital ou do contrato (também se está

diante, pois, de uma norma em branco513).

E, não obstante aparentar ser bastante restrita, é certo que a infração ora investigada

colhe a conduta fraudulenta que, talvez, seja a mais praticada nas licitações e contratações

públicas. Deveras, não é incomum a fraude ser engendrada entre a pessoa jurídica e o agente

público antes mesmo da contratação, mormente nas licitações realizadas por convite, em que

já se realiza o certame propositadamente com falha no projeto, o que abrirá espaço para o

ulterior reequilíbrio econômico-financeiro (por meio dos famigerados aditivos)514.

O mesmo se verifica, desta vez sem a participação do agente público, na hipótese em

que o contratado forja empecilhos inexistentes à execução contratual, levando a

Administração a erro, que poderá, por força disso, celebrar aditivo pretendendo reequilibrar a

510 Não há dúvida, pois, quanto à relação de especialidade que esta infração guarda com relação àquela prevista

na alínea “f” do art. 5º, IV. 511 Acerca do conceito de fraude, vide, especialmente, os subitens 4.1.6. e 5.1.1., sem prejuízo dos demais

subitens deste capítulo, eis que em todos eles lançamos ideias sobre este tema. 512 Em artigo acerca de tema correlato, declinamos as hipóteses de cabimento do reequilíbrio econômico-

financeiro do contrato administrativo, à luz do art. 65, II, “d” e §6º da Lei 8.666/93: “Com efeito, é sabido e ressabido que a Lei 8.666/93 alocou os riscos ordinários ao particular e, de outra banda, os riscos extraordinários à Administração, ao dispor que deve haver o reequilíbrio econômico-financeiro em ocorrendo (i) alteração unilateral do contrato que importe no aumento dos encargos do contratado; (ii) fatos imprevisíveis ou previsíveis de conseqüências incalculáveis, que configurem álea econômica extraordinária (teoria da imprevisão); (iii) caso fortuito ou de força maior; (iv) fato do príncipe; e (v) sujeições imprevistas (que não estão expressamente previstas no art. 65, II, “d” e §6º da Lei 8.666/93, mas às quais se dá o mesmo tratamento dos fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, conforme assinala Marçal Justen Filho)” (A repartição dos riscos e o reequilíbrio econômico-financeiro nas parcerias público-privadas, p. 156-157). Cite-se, ademais, a habitual brilhante definição de Celso Antônio Bandeira de Mello: “Equilíbrio econômico-financeiro (ou equação econômico-financeira) é a relação de igualdade formada, de um lado, pelas obrigações assumidas pelo contratante no momento do ajuste e, de outro lado, pela compensação econômica que lhe corresponderá” (Curso de direito administrativo, p. 660).

513 Vide novamente o subitem 2.2.2.3. 514 Uma vez mais Modesto Carvalhosa faz alerta nesse sentido, ao comentar a infração prevista no art. 5º, IV, “f”

da Lei anticorrupção: “Trata-se de uma das fraudes mais usuais na execução dos contratos administrativos. É esse tipo delituoso a forma que se utiliza para exacerbar os preços e modificar as condições desses contratos, mediante os célebres aditivos que favorecer, enorme e continuadamente as pessoas jurídicas contratantes, em detrimento do interesse público (Considerações sobre a lei anticorrupção das pessoas jurídicas, p. 234).

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equação econômico-financeira do contrato515.

E a manipulação, empregada na descrição do tipo como meio de fraude, é justamente

a realização de manobras pretendendo forjar a realidade, levando a Administração a crer que

está presente uma das hipóteses autorizadoras do reequilíbrio econômico-financeiro do

contrato, quando, em verdade, não está.

Logo, fazendo remissão às ideias lançadas no subitem anterior, conclui-se, em

apertada síntese, que o comportamento ilícito em questão é comissivo, material – que se

consuma com a efetiva alteração contratual fundada no reestabelecimento do seu reequilíbrio

econômico-financeiro, admitindo-se, pois, a prática tentada –, que também pressupõe o dolo.

Daí porque, uma vez mais, aplicam-se as regras gerais por nós já declinadas para aferição da

presença desse elemento subjetivo com relação à pessoa jurídica.

5.2. Sanções administrativas em espécie

5.2.1. Multa

Segundo o art. 6º, I da Lei anticorrupção, são aplicáveis às pessoas jurídicas que

incorrerem nas infrações tipificadas no seu art. 5º: “multa, no valor de 0,1% (um décimo por

cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da

instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à

vantagem auferida, quando for possível sua estimação”. E o §4º prescreve que “Na hipótese

do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da

pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta

milhões de reais)”.

Primeiro, fazendo remissão às razões lançadas anteriormente acerca das diferentes

espécies de multa516, é induvidoso que se está diante de multa punitiva. Isso porque, além de o

seu pressuposto ser a prática de um comportamento ilícito que não se confunde com a

impontualidade no adimplemento de obrigação (o que a aparta da multa de mora), o art. 6º,

515 Nesse sentido é o exemplo dado por Antônio Araldo Ferraz Dal Pozzo, Augusto Neves Dal Pozzo, Beatriz

Neves Dal Pozzo e Renan Marcondes Facchinatto: “Já a modificação do contrato pode ocorrer mediante fraude, com a apresentação pelo contratado, por exemplo, de dificuldades inexistentes para a execução contratual tal como prevista, diante da falta de meios por parte da Administração Pública para sua verificação. Suponha-se que pequena Prefeitura, sem condições de realizar exame geológico da área, confie nos cálculos da empresa, que se vale da modificação contratual ou para se utilizar de método mais econômico de construção” (Lei anticorrupção, p. 59). Estes autores alocaram esta hipótese no ilícito previsto no art. 5º, IV, “f” da Lei anticorrupção, com o que não concordamos, pois é evidente esta hipótese dá ensejo ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

516 Vide subitem 4.2.2.

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§3º dispõe que “A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer

hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado” (afastando, pois, qualquer

espécie de dúvida de que não se está diante de multa compensatória).

Segundo, também nos parece inconteste que o sobredito preceito normativo incorreu

em inconstitucionalidade, eis que a amplitude da multa é extremamente alta, variando de

0,1% a 20% “do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo

administrativo”; ou de seis a sessenta milhões de reais. Há, nesta hipótese, conforme ensina

Celso Antônio Bandeira de Mello, “a outorga de uma ‘discricionariedade’ tão desatada, que a

sanção seria determinável pelo administrador e não pela lei, incorrendo esta em manifesto

vício de ‘falta de razoabilidade’”517.

Terceiro, os arts. 17 a 23 do Decreto 8.420/15 regulamentaram a aplicação dessa

sanção, prevendo percentuais fixos de agravamento e diminuição da multa em cada uma das

hipóteses previamente descritas518, ao cabo do qual deverá ser feita uma somatória que levará

ao seu montante final, respeitados os limites mínimo e máximo519.

517 Curso de direito administrativo, p. 879. 518 “Art. 17. O cálculo da multa se inicia com a soma dos valores correspondentes aos seguintes percentuais do

faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos: I - um por cento a dois e meio por cento havendo continuidade dos atos lesivos no tempo; II - um por cento a dois e meio por cento para tolerância ou ciência de pessoas do corpo diretivo ou gerencial da pessoa jurídica; III - um por cento a quatro por cento no caso de interrupção no fornecimento de serviço público ou na execução de obra contratada; IV - um por cento para a situação econômica do infrator com base na apresentação de índice de Solvência Geral - SG e de Liquidez Geral - LG superiores a um e de lucro líquido no último exercício anterior ao da ocorrência do ato lesivo; V - cinco por cento no caso de reincidência, assim definida a ocorrência de nova infração, idêntica ou não à anterior, tipificada como ato lesivo pelo art. 5º da Lei nº 12.846, de 2013, em menos de cinco anos, contados da publicação do julgamento da infração anterior; e VI - no caso de os contratos mantidos ou pretendidos com o órgão ou entidade lesado, serão considerados, na data da prática do ato lesivo, os seguintes percentuais: a) um por cento em contratos acima de R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais); b) dois por cento em contratos acima de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais); c) três por cento em contratos acima de R$ 50.000.000,00 (cinquenta milhões de reais); d) quatro por cento em contratos acima de R$ 250.000.000,00 (duzentos e cinquenta milhões de reais); e e) cinco por cento em contratos acima de R$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de reais)”. “Art. 18. Do resultado da soma dos fatores do art. 17 serão subtraídos os valores correspondentes aos seguintes percentuais do faturamento bruto da pessoa jurídica do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos: I - um por cento no caso de não consumação da infração; II - um e meio por cento no caso de comprovação de ressarcimento pela pessoa jurídica dos danos a que tenha dado causa; III - um por cento a um e meio por cento para o grau de colaboração da pessoa jurídica com a investigação ou a apuração do ato lesivo, independentemente do acordo de leniência; IV - dois por cento no caso de comunicação espontânea pela pessoa jurídica antes da instauração do PAR acerca da ocorrência do ato lesivo; e V - um por cento a quatro por cento para comprovação de a pessoa jurídica possuir e aplicar um programa de integridade, conforme os parâmetros estabelecidos no Capítulo IV”.

519 “Art. 19. Na ausência de todos os fatores previstos nos art. 17 e art. 18 ou de resultado das operações de soma e subtração ser igual ou menor a zero, o valor da multa corresponderá, conforme o caso, a: I - um décimo por cento do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos; ou II - R$ 6.000,00 (seis mil reais), na hipótese do art. 22”. “Art. 20. A existência e quantificação dos fatores previstos nos art. 17 e art. 18, deverá ser apurada no PAR e evidenciada no relatório final da comissão, o qual também conterá a estimativa, sempre que possível, dos valores da vantagem auferida e da pretendida. § 1º Em qualquer hipótese, o valor final da multa terá como limite: I - mínimo, o maior valor entre o da

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Estas disposições afastam qualquer espécie de tergiversação quanto à apontada

inconstitucionalidade, pois é evidente que é o regulamento – e não a lei – que está

determinando a sanção aplicável, o que, recorde-se, mesmo nas relações de sujeição especial

(donde se insere a multa imposta em razão da prática das infrações previstas no art. 5º, IV da

Lei anticorrupção), não se admite520.

Sem embargo, acaso se supere esta inconstitucionalidade e se admita a aplicação

dessa sanção (o que, aliás, provavelmente ocorrerá), é inegável que é preferível a fixação das

referidas balizas pelo regulamento, do que a completa ausência de critérios para a mensuração

da multa.

Aliás, o art. 20, §1º, II, “b” do Decreto 8.420/15, ainda que extrapolando a Lei

12.846/13, tentou afastar a afronta da sanção em comento ao princípio da não-

confiscatoriedade, impondo como limite máximo da multa a quantia correspondente a “três

vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida”. Ainda que se possa discutir se este limite

ainda não se revela muito exacerbado, parece-nos que esta é uma bem-vinda limitação, pois

não se pode admitir que em toda e qualquer hipótese, independentemente da vantagem

auferida, a multa possa ser fixada em vinte por cento do faturamento bruto da empresa.

Todavia, ao nosso juízo este preceito ainda deixa margem para a imposição de

multas nitidamente confiscatórias, eis que (i) admite a fixação do limite máximo com base da

vantagem pretendida, e não apenas na efetivamente auferida; e (ii) nas hipóteses em que não

for possível mensurar esta vantagem – pretendida ou auferida – será aplicável o limite de

vinte por cento do faturamento bruto.

Por fim, o art. 22 do Decreto 8.420/15521 veicula norma que afronta o próprio art. 6º

vantagem auferida e o previsto no art. 19; e II - máximo, o menor valor entre: a) vinte por cento do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do PAR, excluídos os tributos; ou b) três vezes o valor da vantagem pretendida ou auferida. § 2º O valor da vantagem auferida ou pretendida equivale aos ganhos obtidos ou pretendidos pela pessoa jurídica que não ocorreriam sem a prática do ato lesivo, somado, quando for o caso, ao valor correspondente a qualquer vantagem indevida prometida ou dada a agente público ou a terceiros a ele relacionados. § 3º Para fins do cálculo do valor de que trata o § 2º, serão deduzidos custos e despesas legítimos comprovadamente executados ou que seriam devidos ou despendidos caso o ato lesivo não tivesse ocorrido”. “Art. 21. Ato do Ministro de Estado Chefe da Controladoria-Geral da União fixará metodologia para a apuração do faturamento bruto e dos tributos a serem excluídos para fins de cálculo da multa a que se refere o art. 6º da Lei nº 12.846, de 2013. Parágrafo único. Os valores de que trata o caput poderão ser apurados, entre outras formas, por meio de: I - compartilhamento de informações tributárias, na forma do inciso II do § 1º do art. 198 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966; e II - registros contábeis produzidos ou publicados pela pessoa jurídica acusada, no país ou no estrangeiro”.

520 Vide o subitem 2.2.2.1. 521 “Art. 22. Caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica no ano

anterior ao da instauração ao PAR, os percentuais dos fatores indicados nos art. 17 e art. 18 incidirão: I - sobre o valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, excluídos os tributos, no ano em que ocorreu o ato

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da Lei anticorrupção, na medida em que cria novas regras aplicáveis à hipótese em que não se

afigurar possível a utilização do faturamento bruto do último exercício anterior ao da

instauração do processo administrativo, afastando a aplicação do §4º do referido preceito

legal.

Quarto, com a recente edição da Medida Provisória 703/2015, a celebração de acordo

de leniência poderá acarretar a redução da multa em até dois terços (art. 16, §2º, II da Lei

anticorrupção) ou até mesmo a sua integral remissão, “no caso de a pessoa jurídica ser a

primeira a firmar o acordo de leniência sobre os atos e fatos investigados” (art. 16, §2º, III)522.

Quinto, remetemos o leitor às ideias lançadas no subitem 3.3.1., acerca das regras

previstas nos arts. 4º, §§ 1º e 2º523, e 14524, ambos da Lei anticorrupção.

lesivo, no caso de a pessoa jurídica não ter tido faturamento no ano anterior ao da instauração ao PAR; II - sobre o montante total de recursos recebidos pela pessoa jurídica sem fins lucrativos no ano em que ocorreu o ato lesivo; ou III - nas demais hipóteses, sobre o faturamento anual estimável da pessoa jurídica, levando em consideração quaisquer informações sobre a sua situação econômica ou o estado de seus negócios, tais como patrimônio, capital social, número de empregados, contratos, dentre outras. Parágrafo único. Nas hipóteses previstas no caput, o valor da multa será limitado entre R$ 6.000,00 (seis mil reais) e R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais)”.

522 “Art. 16. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão, no âmbito de suas competências, por meio de seus órgãos de controle interno, de forma isolada ou em conjunto com o Ministério Público ou com a Advocacia Pública, celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos e pelos fatos investigados e previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e com o processo administrativo, de forma que dessa colaboração resulte: § 2º O acordo de leniência celebrado pela autoridade administrativa: (...) II - poderá reduzir a multa prevista no inciso I do caput do art. 6º em até dois terços, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo; e III - no caso de a pessoa jurídica ser a primeira a firmar o acordo de leniência sobre os atos e fatos investigados, a redução poderá chegar até a sua completa remissão, não sendo aplicável à pessoa jurídica qualquer outra sanção de natureza pecuniária decorrente das infrações especificadas no acordo”. Com a edição dessa Medida Provisória o art. 23 do Decreto 8.420/2105 certamente será alterado, ainda que as disposições do §1º e 2º ainda possam ser aplicadas: “Art. 23 (...) §1o - O valor da multa previsto no caput poderá ser inferior ao limite mínimo previsto no art. 6o da Lei no 12.846, de 2013”; §2º - No caso de a autoridade signatária declarar o descumprimento do acordo de leniência por falta imputável à pessoa jurídica colaboradora, o valor integral encontrado antes da redução de que trata o caput será cobrado na forma da Seção IV, descontando-se as frações da multa eventualmente já pagas”.

523 “Art. 4o. Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária. § 1o - Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados. § 2o - As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado”.

524 “Art. 14. A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa”.

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5.2.2. Publicação extraordinária da decisão condenatória

Por derradeiro, o art. 6º, II da Lei anticorrupção admite a aplicação da sanção

consistente na “publicação extraordinária da decisão condenatória”.

José Anacleto Abduch Santos, Mateus Bertoncini e Ubirajara Costódio Filho gizam

com acerto a finalidade dessa sanção, que nada mais é do que “tornar pública a condenação

sofrida, para submeter a pessoa jurídica condenada pelo cometimento dos atos ilícitos de

corrupção ao jugo da sociedade”525, acarretando-lhe, inegavelmente, consequências bastante

deletérias526.

Ademais, ao contrário do que se processou com relação à multa, o Decreto

8.420/2015 não previu a hipótese em que esta sanção é aplicável, tendo apenas repisado o seu

procedimento de execução, previsto no §5º do art. 6º da Lei anticorrupção527. A redação do

art. 24 do sobredito Regulamento pode levar à interpretação de que a publicação

extraordinária da decisão condenatória é aplicável em toda e qualquer hipótese em que a

pessoa jurídica for sancionada pela prática das infrações previstas no art. 5º da Lei 12.846/13,

como se fosse, portanto, um mero efeito da condenação528.

Esta interpretação, contudo, não resiste ao disposto na Lei anticorrupção, que é clara

no sentido de que a publicação extraordinária da decisão condenatória se consubstancia em

uma sanção. E sendo ela mais gravosa do que a sanção pecuniária, parece-nos que é possível

que, com fundamento nos critérios previstos no art. 7º da Lei 12.846/13, seja aplicada a uma

525 Comentários à Lei 12.846/2013, p. 163. 526 José Anacleto Abduch Santos, Mateus Bertoncini e Ubirajara Costódio Filho são novamente pedagógicos ao

afirmar: “É sanção bastante significativa e pode produzir consequências mais severas para as pessoas jurídicas do que a pena pecuniária. A boa reputação das empresas tem, contemporaneamente, especialmente no que tange às grandes corporações, valor econômico direto inegável. Um abalo de reputação ética pode produzir danos econômicos inestimáveis. Em uma ambiência corporativa e de mercado que preza pela responsabilidade social – que inclui o zelo pela coisa pública e abominação de práticas de corrupção – a divulgação da prática e da condenação por atos ilegais violadores de preceitos éticos fundamentais pode produzir efeitos devastadores à imagem com reflexos importantes nas relações comerciais” (Ibid., p. 163-164).

527 “Art. 6º (...)§ 5o A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores”.

528 “Art. 24. A pessoa jurídica sancionada administrativamente pela prática de atos lesivos contra a administração pública, nos termos da Lei no 12.846, de 2013, publicará a decisão administrativa sancionadora na forma de extrato de sentença, cumulativamente: I - em meio de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional; II - em edital afixado no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, em localidade que permita a visibilidade pelo público, pelo prazo mínimo de trinta dias; e III - em seu sítio eletrônico, pelo prazo de trinta dias e em destaque na página principal do referido sítio. Parágrafo único. A publicação a que se refere o caput será feita a expensas da pessoa jurídica sancionada”.

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determinada infração somente a multa.

De outra banda, acaso seja imposta à pessoa jurídica uma das sanções previstas no

art. 19 também da Lei anticorrupção, é induvidoso que também será cabível a imposição da

sanção em comento, o que poderá ser levado a efeito inclusive pelo Poder Judiciário, nos

termos do art. 20 do referido diploma normativo529.

Por fim, o art. 16, §2º, I também prevê que o acordo de leniência “isentará a pessoa

jurídica” desta sanção.

529 “Art. 20. Nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, poderão ser aplicadas as sanções previstas no art. 6o,

sem prejuízo daquelas previstas neste Capítulo, desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa”.

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CONCLUSÃO

Ao investigar as infrações e sanções administrativas previstas nas Leis 8.666/93,

10.520/02, 12.462/11 e 12.846/13, aplicáveis às licitações e contratos administrativos,

tivemos como precípuo objetivo fixar as balizas necessárias à sua aplicação em consonância

com as normas que regem o direito administrativo sancionador. E isso para que ao menos

tentássemos ampliar a segurança jurídica para a Administração e para os administrados, sobre

matéria que, como se sabe, a cada dia assume uma relevância maior.

Enfrentamos, pois, desde o início, temas extremamente espinhosos, que deixam

margem a inúmeras controvérsias, razão pela qual temos consciência de que ainda há muito

no que se evoluir.

Nessa toada, é conhecida a celeuma sobre a qual a doutrina há tempos se debruça

relativamente ao regime jurídico aplicável ao direito administrativo sancionador. Daí porque,

já no começo, fixamos as nossas primeiras premissas conceituais, construindo, primeiramente,

a definição de ilícito e sanção jurídica para, acrescendo-lhes novos elementos, chegar à

definição de infração e sanção administrativa. Com isso delimitamos o objeto do nosso

estudo, segregando de outras figuras que, ao nosso juízo, possuem regime jurídico distinto.

Ato contínuo, ingressamos no estudo da infração administrativa, oportunidade em

que tentamos desbastar o conteúdo e aplicação dos seus elementos definidores (que havíamos,

recorde-se, delimitado no início do nosso trabalho). Ao assim proceder, enfrentamos temas

bastante complexos, tal como, por exemplo, a forma de exteriorização do comportamento das

pessoas jurídicas; as formas mediante as quais ele pode incorrer na prática de ilícito

administrativo; o modo como é identificado o seu elemento subjetivo; dentro outros tantos,

cujo desenvolvimento nos guiou a inúmeras conclusões.

E, durante esse desenvolvimento, nos deparamos com um novo colorido que a Lei

anticorrupção trouxe a muitos dos temas que tivemos que enfrentar, lei esta cuja aplicação,

insiste-se, ainda está no seu nascedouro e que, certamente, ainda nos proporcionará surpresas

quanto à sua aplicação.

Investigado o ilícito administrativo, passamos para o estudo da sanção

administrativa, oportunidade em que procuramos também gizar o conteúdo e a aplicação dos

aspectos da relação jurídica sancionatória. Também estudamos temas muito caros, como, por

exemplo, o princípio do non bis in idem, bem como a autoria, responsabilidade,

transmissibilidade das sanções e a desconsideração da personalidade jurídica. E novamente

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chegamos a difíceis conclusões, mas sempre com a pretensão de construir as balizas

necessárias à aplicação das infrações e sanções em espécie que investigaríamos mais à frente.

Findo o estudo das sanções administrativas, mergulhamos nas infrações e sanções

administrativas previstas nas Leis 8.666/93, 10.520/02 e 12.462/11. A tipificação bastante

deficiente destas infrações demandou um enorme esforço interpretativo, para que, uma vez

mais, conseguíssemos delimitar o seu conteúdo, alcance e aplicação, sob os contornos das

normas que regem o direito administrativo sancionador. E cremos que, ainda que

modestamente, evoluímos no estudo desses objetos, muito em razão do nosso animus em

interpretá-los conjuntamente.

Por fim, após retomar as conclusões que, ao longo deste trabalho, atingimos com

relação a determinadas normas da Lei anticorrupção, dedicamo-nos ao estudo das infrações e

sanções administrativas, aplicáveis a licitações e contratos, previstas nesse diploma

normativo. Nesta quadra as dificuldades foram menores, mormente porque a Lei

anticorrupção adotou como paradigma os tipos penais previstos na Lei 8.666/93, cuja clareza

e precisão são bem mais elevadas comparativamente aos demais ilícitos e penalidades que

investigamos.

Enfim, esperamos que as conclusões atingidas ao longo deste trabalho possam

contribuir, ainda que modestamente, para a evolução de um tema que é tão caro e que,

certamente, pode contribuir para o desenvolvimento do nosso país.

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