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As memórias negras no carnaval da av. Tiradentes (1977-1990) e a cobertura da imprensa. Thiago José Teixeira Soares de Biagio * Resumo: O presente trabalho tem por objetivo pesquisar as temáticas negras trazidas pelas escolas de samba de São Paulo entre os anos de 1977 e 1990 e como a imprensa reportava estas apresentações artísticas. Palavras chave: carnaval escola de samba - imprensa O presente trabalho tem por objetivo pesquisar sobre os teores das letras dos sambas enredos dos desfiles das escolas de samba do carnaval de São Paulo de temática afrodescendente entre os anos de 1977 até 1990, uma vez que foi amplamente representado pelas escolas, assim como analisar como as memorias negras trazidas pelas escolas eram reportadas na imprensa. No período proposto para investigação, o desfile das Escolas de Samba no carnaval de São Paulo se caracteriza pelo início da “profissionalização” e ampliação da cobertura da imprensa, inclusive com transmissões televisivas. Não havia lei alguma que obrigasse no currículo escolar o estudo de culturas africanas, seus desdobramentos no Brasil e demais fomentos às reflexões sobre as questões raciais na sociedade brasileira. Como apenas depois da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, vigente desde 1996, o ensino formal tem a obrigação de abordar a História da África e toda construção cultural. Percebemos que o samba apresentado nos meios de comunicação durante o carnaval dos anos de 1977 a 1990 eram uma forma de celebrar a identidade e as memórias próprias dos grupos de origem africana, bem como suas perspectivas culturais. Desse modo, pretendemos identificar quais foram essas identidades, memórias, celebrações, crenças e transformações e como os veículos de comunicação os enxergava. * Mestrado, Pontifícia Universidade Católica- SP, Bolsa CAPES

As memórias negras no carnaval da av. Tiradentes …...O rei escravo cantou Na mineração Rezou cantando Ao Pai oxalá Nagô-gegê-queto-Iorubá Oiá oiá vem nos ajudar Caô caô

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As memórias negras no carnaval da av. Tiradentes (1977-1990) e a cobertura da

imprensa.

Thiago José Teixeira Soares de Biagio*

Resumo: O presente trabalho tem por objetivo pesquisar as temáticas negras trazidas

pelas escolas de samba de São Paulo entre os anos de 1977 e 1990 e como a imprensa

reportava estas apresentações artísticas.

Palavras chave: carnaval – escola de samba - imprensa

O presente trabalho tem por objetivo pesquisar sobre os teores das letras dos

sambas enredos dos desfiles das escolas de samba do carnaval de São Paulo de temática

afrodescendente entre os anos de 1977 até 1990, uma vez que foi amplamente

representado pelas escolas, assim como analisar como as memorias negras trazidas pelas

escolas eram reportadas na imprensa.

No período proposto para investigação, o desfile das Escolas de Samba no

carnaval de São Paulo se caracteriza pelo início da “profissionalização” e ampliação da

cobertura da imprensa, inclusive com transmissões televisivas. Não havia lei alguma

que obrigasse no currículo escolar o estudo de culturas africanas, seus desdobramentos

no Brasil e demais fomentos às reflexões sobre as questões raciais na sociedade

brasileira. Como apenas depois da publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, vigente desde 1996, o ensino formal tem a obrigação de abordar a História da

África e toda construção cultural. Percebemos que o samba apresentado nos meios de

comunicação durante o carnaval dos anos de 1977 a 1990 eram uma forma de celebrar a

identidade e as memórias próprias dos grupos de origem africana, bem como suas

perspectivas culturais. Desse modo, pretendemos identificar quais foram essas

identidades, memórias, celebrações, crenças e transformações e como os veículos de

comunicação os enxergava.

* Mestrado, Pontifícia Universidade Católica- SP, Bolsa CAPES

2

Principais autores e analise parcial da documentação:

Os principais autores que auxiliaram na problematização e interpretação das fontes são

Raymond Wilians, Stuart Hall e Jesus Martin Barbero.

A contribuição de Raymond para a interpretação da documentação histórica do presente

trabalho se dá, primeiramente, pela percepção materialista das produções culturais,

utilizando, resignificando e desmembrando suas análises ao que denominou de

materialismo cultural. Essa noção cultural nos permite observar as produções artísticas e

em análise, perceber que as narrativas trazem consigo ora valores hegemônicos, ora

contra hegemônicos, explícitos ou sutis, que demonstra que os enredos das escolas de

samba, dentro de uma perspectiva de cultural trazida por Wilians, se enquadra na

perspectiva de resistência às construções históricas de um país escravocrata, e que tem a

arte e manifestações populares como palco de disputas pelas memórias, uma vez que a

presença negra não faz parte do imaginário hegemônico que se construiu na cidade de

São Paulo.

Stuart Hall também volta seus esforços para a história cultural e atenta para a diáspora

africana e seus desdobramentos culturais em todo o mundo. Sendo assim, considero

extremamente coerente e oportuno o questionamento de Hall: “Que negro é este na

cultura negra?” Pensando na influência das política nacionais para a culturais, veículos

de comunicação, verbas publicitárias e conjuntura de um mundo pós guerra

bipolarizado, ou seja, agentes que moldam a cultura.

O recorte histórico da pesquisa vai de encontro a um momento de forte ampliação dos

veículos de comunicação sobre a representação artística analisada. Barbero questiona o

popular no processo de massificação da cultura, a ampliação da indústria do

entretenimento, o surgimento de ícones nacionais e o consumo da cultura, também

transformando as memórias populares.

3

A seguir, uma análise parcial da documentação: três letras de samba enredo e a

cobertura do jornal O Estado de São Paulo sobre o desfile de 1977.

A escola de samba Paulistano da Gloria participa de quatro desfiles no principal grupo

do período em estudo, justamente os quatro primeiros anos. Deles, serão analisados

momentaneamente três, assim como o compositor dos sambas que trazem temáticas

relacionados a negritude em seus enredos: Geraldo Filme, consagrado sambista de São

Paulo.

Geraldo Filme era um artista muito respeitado entre os sambistas pelo seu talento

musical, além de narrar em suas composições as lutas da população negra e seus direitos

negados historicamente no Brasil. O repertório de Geraldo filme nos permite afirmar

que a sua produção artística carregava uma postura política de resistência,

configurando-se pelo samba-protesto, e pelo samba denúncia, tendo um olhar apurado

sobre a sociedade, a cidade o presente histórico de forma crítica (Azevedo, 2006).

A contribuição de Geraldo Filme para o carnaval de São Paulo foi muito além do que

está sendo analisado neste trabalho, uma vez que participou e construiu desfiles em anos

anteriores, sempre engajado na produção artística dos desfiles da Escola de Samba

Paulistano da Gloria. Contudo, foi justamente o crescimento da divulgação destes

desfiles que dá grande notoriedade às composições.

O enredo do Paulistano da Gloria de 1977 e 1980 reproduzem referência religiosa

Iorubá presente no cotidiano do povo negro no passado e no cotidiano das produções.

Meu povo pede licença

Para contar esta História

O negro e seus orixás

Canta a Paulistano da Glória

Foi na Bahia início da escravidão

E o Negro despojado em seu direito

De praticar a sua devoção

Oxossi iluminou a sua mente

4

O negro foi a floresta

Armou o pegy

Bateu o Tambor

Em tempo de festa

E o branco viu o mar se agitar

Quando um lamento chamou yemanjá

O céu escuro se iluminou

E o atabaque tocou pra xangô

Ogum de ronda, Omulu de prontidão

Exu dava pirueta provocando confusão

O arco-iris de oxumaré

Dava colorido ao ambiente

Ao centro Pai oxalá, Iansã sorria contente

Eis que vem o som divino lá da pedreira

É mamãe oxum trazendo o som da cachoeira

É mamãe oxum trazendo o som da cachoeira

Chuê, Chuê, Chuê, Chuá

Canta negro, Canta para seus orixás1

Dentro de uma perspectiva histórica escravagista de total segregação e vigilância, esta

narrativa diz que as divindades ajudavam os negros a se proteger e a manter a cultura

religiosa presente. Didaticamente, nos dá referências das características das divindades,

demonstrando que foi essencial e continua cotidianamente quando no final da música a

frase “Canta negro, canta para seus orixás” é construída no presente e portanto, longe de

qualquer perspectiva de um passado congelado.

Ao contrário de algumas composições e das políticas culturais governamentais de 1977,

ano da apresentação do enredo, a letra deste samba não faz menção sobre qualquer tipo

de hibridização religiosa e sim, valoriza a mitologia Ioruba.

1 Enredo: oração em tempo de festa- mitologia Afro- Brasileira, paulistano da Gloria, 1977

5

Que gente é essa

De pé no chão

Que tem no canto

Sua forma de expressão

Cantou na travessia

O seu triste lamento

Para amenizar

Tanta dor e sofrimento

Que canto lindo

Na plantação

O rei escravo cantou

Na mineração

Rezou cantando

Ao Pai oxalá

Nagô-gegê-queto-Iorubá

Oiá oiá vem nos ajudar

Caô caô caô cabe si iobá

Depois surgiu palmares

Sua confederação

E um canto livre

Vem lá do sertão

Cantou na capoeira

No tronco cantou e gemeu

Ela cantando embalava

Um filho que não era seu

Hoje esta gente sofrida

Vem do morro da favela

Mas traz um canto divino

6

Que ilumina a passarela

É o canto do negro sinhô

É o povo negro sinhô

É a liberdade sinhô, ôôô2

Novamente em 1980, o enredo da escola de samba Paulistano da Glória faz uma

referência cultural à negritude na nossa sociedade. A musicalidade na vida cotidiana do

negro, se descreve como um traço cultural permanente que se constrói no passado e

permanece no cotidiano, inclusive nas questões religiosas.

Contudo, estas duas letras abordam questões raciais conflitantes, afastando-se da ideia

de uma miscigenação sem atritos, surgida no nos anos de 1930 amplamente fortalecida

pelos governos ditatoriais e reforçados pelos meios de comunicação. Na primeira

canção, a força sobrenatural da evocação de Iemanjá assusta o branco opressor,

colocando-o em condição de passividade e demonstrando uma tensa relação racial.

Tensão esta que não se resolve dentro da narrativa e coloca o negro como agente social

da resistência do processo social desfavorável a ele.

Na segunda canção, novamente se destaca a denúncia de uma relação social nada

harmônica na escravidão: “ela cantando embalava um filho que não era seu”.

Além de toda narrativa retratar a opressão ao povo negro, a palavra “Ela” faz referência,

possivelmente, a uma escrava doméstica, ama de leite, que precisa usar o seu canto

destacado por toda a canção como algo característico das culturas afro descendentes

para cuidar de uma criança de uma família opressora que não é sua. Novamente o samba

não mostra uma situação harmônica entre as relações sociais dentro da realidade narrada

pela canção.

Podemos perceber que o caráter político da produção artística de Geraldo filme se

potencializa no carnaval com o seguinte depoimento do artista:

2 Enredo: Que gente é essa. Paulistano da Glória, 1980.

7

O paulistano da Glória representa muito para mim, porque faz lembrar a minha mãe. A

velha trabalhava numa família lá dos Penteados, no Jardim América, Cerqueira Cezar,

aquelas regiões, Alameda Santos, vinte e cinco, por ai, vinte e cinco, vinte e seis

(referência cronológica) ela fez uma viajem para a Europa com uma dessas famílias ai.

Daí ela viu um movimento de operário, um movimento sindical, aquelas coisas todas e

ela... gostou da coisa, dá até para organizar as cozinheiras lá de baixo. Quando voltou

prá cá ela pensou em sindicalizar as domésticas, aquela coisa toda, uma organização

em defesa das domésticas(...)

Ela e mais outras mulheres fundaram o Paulistano, não era o Paulistano da Glória que

havia surgido o Paulistano lá em baixo, dos bacanas lá em baixo, ela fundou aqui em

cima na cabeceira o Paulistano das cozinheiras...3

Percebemos o destaque que Geraldo Filme dá às características políticas as quais

surgiu o Paulistano da Glória, assim como o engajamento político e social de sua mãe

que é herdado pelo compositor mostrando-se presente em suas canções.

Em 1978, ainda sob as normas da censura prévia do AI5 e de perseguição aos

artistas que se opunham ao governo, o Paulistano da Gloria apresenta um enredo

denominado “ Epopeia de Gloria”, que se refere ao fato histórico denominado de

“Revolução Constitucional de 1932”e que faz um trocadilho com o nome da escola de

samba.

Brasil

Ano de 32

Sofre cruel opressão

Quando alfa 1 se destaca

Em nossa constelação

São Paulo da independência

Toma fiel decisão

3 Depoimento de Geraldo Filme ao Programa Ensaio, TV Cultura, 1992.

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Urge um brado forte

Pela constituição

Alerta, alerta, o povo se irmana

Avante paulista, a pátria quem te chama

Miragaia, Martins

Drausio e Camargo, ausente

A preta Maria soldado

Marcondes salgado

Primeiro batalhão de caçadores

Os negros e a sua legião

Um só pensamento

Um só coração

Paulistano exalta

Fato tão marcante

Unidos pelo bem da pátria

Um povo livre um Brasil gigante

Laía, laia, silêncio na cidade

E um brado se ouviu, liberdade.

Em primeiro plano, este enredo faz menção ao fato histórico tão presente nas

construções das memórias hegemônicas do Paulista: as “bravuras” dos “heróis” da

Guerra Civil ocorrida no Brasil em 1932 durante o governo de Getúlio Vargas, onde as

elites paulistas organizam frentes militares para depor o presidente. Além disso,

menciona a presença negra nestes batalhões paulistas, o que permitiria a interpretação

de uma situação de convergências entre o os personagens envolvidos na guerra e a

população negra. Porém, se analisadas as conjunturas contemporâneas à produção do

samba, tratava-se de um período de grande contestação ao regime militar, em que

mensagens e anseios de abertura política se fazem travestidas de uma narrativa do

passado. Esta estratégia de disfarce e resistência foi muito utilizada por artistas de

diversas áreas, como no teatro, literatura e como não poderia deixar de ser a música.

9

Primeiramente, coloca-se a questão da constituição, justificativa formal para o embate

em 1932, assim como em 1978, a constituição possibilitava ações autoritárias uma vez

que dava suporte legal aos amplos poderes do poder executivo sobre os demais,

possibilitando ações políticas antidemocráticas. Uma nova constituição vinha de

encontro à abertura almejada naquele momento de crise política, econômica e,

consequentemente, social.

O samba em análise contém alguns termos que podem ser encarados com duplo sentido,

algo muito utilizados por artistas em produções de protesto, mas pouco comum aos

sambas enredos como “Opressão” “Silêncio na cidade” ou “Um brado se ouviu,

liberdade”

As frases destacadas dialogam com os anseios políticos daquele momento, em que

posicionamentos políticos contrários à ditadura militar iam ganhando corpo pelas

grandes cidades brasileiras, assim como sinais políticos de abertura se faziam presentes,

como o final da censura prévia, revogação do AI 5 e a anistia política.

Análise parcial da cobertura da Imprensa

Notamos que o principal desfile das escolas de samba de São Paulo, no dia 12 de

fevereiro de 1977, o primeiro da avenida Tiradentes, trouxe para o público quatro

enredos com referências à negritude. Contudo os temas, letras, preparativos e desfiles

não fizeram parte da cobertura do jornal O Estado de S Paulo. Em suas reportagens

destacam-se a decadência do carnaval do bairro da Vila Esperança, o problema de

abastecimento de combustível, a ameaça de não ter desfile no Rio de Janeiro diante da

prisão do presidente da Portela e a visita da Atriz suiça Ursula Andress ao carnaval

carioca onde o título da reportagem é: Ursula Chega curiosa por conhecer a “festa

Violenta”.

10

Capa do jornal O Estado de S. Paulo, 11 de fevereiro de 1977.

Nesta manchete do dia 11 de fevereiro, percebe-se o destaque é para a “fuga” das

pessoas do carnaval de São Paulo. Contudo, o mesmo jornal destaca que 52

agremiações desfilarão pelos três dias de festa na cidade. Dois dias depois, na edição do

dia 13, há o relato de 200 mil pessoas participando da festa no dia do desfile principal e

reportando que a ampliação de 3 mil lugares na avenida São João no ano anterior, para

10 mil lugares na avenida Tiradentes daquele ano era insuficiente para atender à toda

demanda do carnaval.

Pensando ainda no valor categorizado pelo veículo de comunicação em estudo sobre o

carnaval na cidade e a negritude, analisaremos parte do edital do dia 11, primeiro dia de

carnaval e, em seguida, uma opinião sobre um congresso ocorrido na Nigéria.

Edital 1977

Intérprete do sistema:

Se ainda fosse habito generalizado de boa parte do povo brasileiro recolher-se em

retiro durante o carnaval – para meditar sobre as misérias da condição humana e as

possibilidades de adequação da vida aos desígnios superiores do Senhor- esses dias em

que tudo para o país deveriam ser dedicados à análise do quadro político e do futuro

que nos espera . Sobretudo quando os otimistas acreditam que o início dos

entendimentos entre as lideranças dos dois partidos podem finalmente conduzir à tão

11

esperada abertura política, e os pessimistas veem na reinterada aplicação do AI 5 a

prova de que nada mudou e nada mudará nas intenções do governo.

(...)

Neste início de texto que aborda questões políticas, único que faz menção ao carnaval

no editorial, percebemos uma desvalorização do carnaval, as suas características

coletivas e festivas, assim como, coloca-se uma referência cristã para dar suporte a este

juízo de valor.

Na mesma edição do jornal, há uma abordagem sobre um congresso de cultura negra

acontecido na Nigéria, no mês de fevereiro daquele ano. Diante da reportagem, dois

fatores chamam a atenção em relação às artes negras e a percepção das políticas

culturais do jornalista e, consequentemente, do veículo de comunicação.

A primeira delas é o relato de um brasileiro, negro, morador da cidade de Nova Iorque

que faz uma denúncia sobre o racismo “cordial” no Brasil. O jornalista analisa da

seguinte forma:

(...)

Quanto ao problema de relacionamento entre as coletividades branca e negra, vale

apena consignar que até mesmo o Brasil foi duramente criticado e mesmo agredido

duramente o colóquio, mas não por nigerianos ou por representantes de outras nações

negras, mas sim, por incrível que pareça, por um brasileiro, franco atirador da

agitação residente há dez anos em Nova York. Acusou-nos este indivíduo de

praticarmos uma sutil discriminação ao permitirmos que o contingente negro se dilua e

assim acabe, no futuro por desaparecer na etnia brasileira. Felizmente, esta descabida

manifestação isolada não foi sequer anotada pelos representantes das nações negras da

África e de outras partes do mundo, que demonstram assim confiança no Brasil e

estima sobre o nosso povo.

12

Na mesma coluna o jornalista se posiciona contra o Brasil sediar este evento em

circunstancias futuras, pois é importante valorizar as influências negras na cultura

brasileira, mas não somente a negritude, pois isto pode gerar secções dentro do pais.

Diante destas duas percepções distintas e encontradas em lugares diferentes do

jornal, é compreensível que as memórias negras das escolas de samba da cidade sejam

invisíveis aos olhos deste veículo. Trata-se de posicionamento hegemônico diante de

manifestações populares.

Os sambistas que participavam da época, sabiam, empiricamente, que estavam fazendo

uma representação artística contra hegemônica. Verificamos o que foi colocado em

entrevista para a Historiadora Olga Von Simos no ano de 1981.

Evaristo de Carvalho: (...) Existe muito preconceito social contra a escola (de samba)

aqui em São Paulo... (em comparação ao Rio de Janeiro)

(...)

Veja Bem...então nós temos aqui, o fato da televisão em si, ela mostra no vídeo o

carnaval do Rio.

Olga Von Simon: Valoriza o carnaval do Rio?

Evaristo: Veja bem, ela mostra o carnaval do Rio, de vez em quando ela da um Take

para são Paulo...é terrível! Você não existe! Um problema muito sério também...agente

tem que estudar, não sei de que forma fazer para que o povo aceite o nosso carnaval

como ele é...difícil isso.

Diante da questão da visibilidade e valorização do desfile em São Paulo Pé Rachado se

posiciona da seguinte forma:

No Rio eles estão acostumados com o Samba, em São Paulo tem problema com vizinho,

polícia...

(...)

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O paulista não é carnavalesco...

(...)

O Paulista é um trouxa, ele não entende o que é carnaval... Aqui é duro, não tem

condições...

Referências bibliográficas:

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micro Áfricas em São Paulo. São Paulo s.n. 2006.

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________Da diáspora : Identidades e Mediações Culturais. 1º edição. Belo

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pós-graduados em História e do departamento de História. São Paulo: editora Educ,

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