As Múltiplas Face Da Constituição Cidadã

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A resistência democrática no Brasil teve forca suficiente para convocar uma Assembleia Constituinte e aprovar uma Constituição adequada ao fim da ditadura. Objetivo não conseguido por outros países da região, que sofreram ditaduras ainda mais ferozes do que a nossa, mas sobrevivem com Constituições herdadas das ditaduras. Como é o caso do Chile, que, embora remendada, ainda é regido pela Constituição imposta pela ditadura do Pinochet, em pleno estado de sítio.A primeira das características novas da Constituinte foi a convocação dos movimentos populares a levar suas propostas, ao longo de todo um ano, antes do funcionamento propriamente dito da Assembleia Constituinte. Foi um dos momentos mais bonitos da redemocratização brasileira

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  • 7/21/2019 As Mltiplas Face Da Constituio Cidad

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    Organ izao

    Jeffe rs on O . G o ula rt

    Prefcio

    G ilb erto B e rc ov ic i

    A s M l t ip las Fac es d a

    Co n s t i t u i o C id ad

    Tex to s

    Ang lica A . Tanu s B en atti A lv im

    A ntnio S rg io R ocha

    C arlo Jos N a p o lit an o

    C ic ero A ra ujo

    C ic ilia M . K ro hlin g P eru zzo

    Jefferson O . G oulart

    Lu iz G uilherm e R ivera de C astro

    M axim ilia no M artin V ice nte

    M urilo C sar S oares

    N els on S au le J n io r

    O th on Ja mb eiro

    R ach ei M oreno

    Sarah Fe ldman

    O thon Jam beiro

    A c o m u n ic a o n a

    Cons t i t u i o 988

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    O th on J am b eiro

    A

    c o m u n ic a o n a

    C o n s t i t u i o

    d e

    988

    Este texto focaliza a comunicao no Brasil sob o ponto de vista da

    base constitucional de sua regulao. Nele se argumenta que, consideradas

    as constituies brasileiras do sculo XX, somente a Constituio de 1988

    apresenta alteraes substanciais relativas a este setor econmico-cultural.

    As continuidades so mais evidentes, destacando-se, dentre elas, a centrali-

    zao do processo de outorga de canais de rdio e TV no Poder Executivo,

    com reviso do Legislativo, sem audincia de qualquer organismo social

    democraticamente constitudo.

    Para que melhor se compreenda a evoluo constitucional do Brasil,

    com referncia

    Comunicao faz-se uma reviso das constituies brasi-

    leiras do sculo XX: a Constituio de 1934, que no curso da Revoluo de

    1930 institucionalizou a Segunda Repblica; a Constituio de 1937, que

    legalizou o Estado Novo e a ditadura de Getlio Vargas; a Constituio de

    1946, que restaurou a democracia, aps o final da I r Guerra Mundial e a de-

    posio de Vargas; a Constituio de 1967, que institucionalizou um regime

    fortemente dirigido pelos militares; e, finalmente, a Constituio de 1988,

    que consolidou a redemocratizao do pas, aps 20 anos de regime militar

    e quatro de um governo civil de transio I

    A anlise histrica aqui feita busca, a rigor, pela reconstituio do

    tratamento que as constituies brasileiras do mdia: compreender, 20

    anos depois de elaborada, a Constituio de 1988, seu processo constituinte

    e, particularmente, as bases constitucionais que estabeleceu para a Comuni-

    cao. No conjunto, os dados demonstram que os dispositivos constitucio-

    As fontes principais utilizadas neste texto so Jambeiro 2000; 2001

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    AsM l tip la s F ac es d a C on stitu i o C id ad

    nais, relativos ao tema em anlise, expressan1 mais fortemente o pensamen-

    to conservador, largamente predominante na Constituinte. Alguns avanos

    foram conseguidos, em bases sociais-democratas, mas quase todos se tor-

    naram letra-morta. Exemplo marcante disso

    o Conselho de Comunicao

    Social - ativado apenas

    14

    anos depois

    ( ),

    em junho de 2002, e desativado

    em 2006 I -, cuja criao, com nome, poder e finalidades completamente

    distintas da proposta

    original',

    desde o incio se caracterizou como uma

    falsa vitria das chamadas foras progressistas na Constituinte.

    A C ONSTITU i O D E 934 : A REVOL U O REND E SE

    L E G A L I D A D E

    Com o advento do sculo XX e as mudanas ocorridas na base so-

    cioeconmica nacional, uma nova mentalidade se expandiu nos meios ur-

    banos. A insatisfao com o modelo de Estado vigente levou

    Revoluo

    de

    1930.

    Inaugurou-se, ento, uma nova concepo de Estado, que passou

    a ser visto no mais apenas como um simples mediador dos 'indivduos

    livres', como advogava o liberalismo clssico, mas tambm como um Estado

    interventor e planejador, responsvel pela promoo do 'bem comum'.

    A Constituio de 1934 foi o primeiro 'contrato' deste novo Esta-

    do, sendo, portanto, um marco de capital importncia na histria poltica e

    constitucional brasileira. No que tenha fugido dos princpios liberais, aos

    quais se submeteu, mas sim porque admitiu a convivncia desses princpios

    com concepes menos individualistas e mais sociais e com um regulado,

    porm efetivo, intervencionismo do Estado na gesto da sociedade.

    A Revoluo de 1930 foi um movimento de jovens oficiais das foras

    armadas e setores urbanos emergentes, e constituiu-se como um rompimen-

    to com o modelo poltico e econmico at ento hegemnico. Combatendo

    claramente a poltica do 'caf-com-leite' e a chamada Poltica dos Governa-

    dores', os revolucionrios propuseram e implementaram uma plataforma

    de modernizao do pas e o incentivo sua industrializao.

    Ao assumir o poder, Getlio Vargas, o lder inconteste da Revoluo,

    buscando implementar as mudanas prometidas, iniciou uma 'limpeza' geral

    na poltica, indicando interventores nos estados para substituir os governa-

    dores eleitos pelo velho regime. Atuando sem base jurdica legal, uma vez que

    2 Originalm ente props-se Ass em b le ia C o ns titu int e a c ria o d e um C on se lho Nac io nal de C om unicao , com

    p od ere s d elib era tiv os , te nd o c om o fin alid ade re ver as conc esses de rd io e TV j fe ita s, esta bel ecer novas

    norm as e obrigaes para os concessionrios e fu tu ro s c onces sio nrios , inc lu si ve em term os de renovao

    d a s l ic e nas, e fi sc a liza r o c um prim en to d os c on tratos. O Conselho de Comuni ca o Social

    apen as consul tivo

    e te m co mo fina lida de p rin cip al e mitir pa re ce res, q ua nd o s ol ic it ado - e somente quando solicitad o - par a

    apreciao p elo C o ng re ss o N a ci on al.

    3 A l ia n a poltica en tre os governadores dos principai s estados br asilei ros, qu e garant iam favores do govern o

    federa l pa ra o s g ov er na do re s a l inhados em troca do apoio poltico de ste s n as eleies .

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    A c om un ic ao n a C on stitu io d e 1988

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    a Constituio de 1891 foi desconsiderada pelos revolucionrios, o governo

    provisrio logo provocou forte oposio, particularmente pelas elites cafeei-

    ras que, embora alijadas do poder, permaneciam politicamente ativas.

    A oposio, explorando a insatisfao popular com a nomeao de

    interventores 'forasteiros' para vrios estados, conseguiu detonar um Mo-

    vimento Constitucionalista, que tomou corpo inicialmente em So Paulo,

    assumindo ali um carter revolucionrio. Embora os interesses polticos re-

    gionais e econmicos fossem os principais motivos para as elites patrocina-

    rem a empreitada revolucionria, a grande maioria da populao envolvida

    no combate era movida por ideais democrticos e legalistas. O movimento

    foi, contudo, sufocado pelo governo provisrio, antes meSlTIO que pudesse

    ultrapassar os limites do estado de So Paulo. Mas, embora militarmente

    vitorioso, Vargas amargou uma grande derrota ao ter de convocar, logo em

    seguida, eleies para uma Assembleia Constituinte. Os paulistas tinham,

    assim, a vitria poltica que tanto desejavam.

    Mesmo com grande representao entre os constituintes, o governo

    no conseguiu evitar o clima de desconfiana poltica com o governo pro-

    visrio, fortalecida pelos acontecimentos da Revoluo Constitucionalista e

    obviamente pelos resqucios da Republica Velha, com sua grande mquina

    de eleger os representantes das elites. No tendo uma correlao de for-

    as favorvel, os representantes do governo provisrio tiveram que aceitar

    vrias excluses no anteprojeto da Constituio escrito pelos assessores de

    Vargas, ficando para trs as propostas verdadeiramente revolucionrias, que

    estavam no programa do movimento de 1930.

    Ao final, o texto constitucional manteve um controle bastante gran-

    de, como era desejo da burocracia estatal pr- Vargas, sobre a sociedade e,

    em particular, a economia. Sobre a Comunicao, a nova Constituio esta-

    beleceu que a explorao dos servios de radiocomunicao (Art. 5, VIII)

    era de privativa competncia da Unio, podendo o governo fazer concesso

    daqueles servios a terceiros, tendo os estados preferncia para explor-los

    (Art. 5, VIII,

    2). As regras para as concesses seriam de competncia da

    Unio, no impedindo isso que os estados pudessem legislar sobre a mat-

    ria, desde que se restringissem a suprir as possveis lacunas deixadas pela lei

    federal (Art. 5

    0

    VIII,

    3, e Art. 7, III).

    Quanto liberdade de expresso, foi mantido o direito inviolabi-

    lidade do sigilo da correspondncia, assim como a livre manifestao do

    pensamento, exceto em espetculos e diverses pblicas. Ficou proibido o

    anonimato, assegurado o direito de resposta e a permisso para a publicao

    de livros e peridicos. Tudo isto, contudo, condicionado a que no se fizesse

    propaganda de guerra nem estmulos violentos para subverter a ordem so-

    cial (Art. 113,

    8 e 9).

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    As Mlt iplas Facesda Constituio Cidad

    Numa preocupao que pode ser entendida tanto como reserva de mer-

    cado para a mo-de-obra nacional quanto como precauo contra influncias

    'colonialstas,a Constituio determinou que o controle das empresas jomalsti-

    cas, ou de carter noticioso (Art.

    131),

    assim como sua administrao (Art.

    136),

    ficassem nas mos de brasileiros natos e com residncia no pas. Somente estes

    poderiam exercer a responsabilidade principal e a de orientao intelectual ou

    administrativa da imprensa poltica ou noticiosa (Art. 131). Previa tambm que

    haveria uma lei orgnica de imprensa, que estabeleceria regras relativas ao traba-

    lho dos redatores, operrios e demais empregados, assegurando-lhes estabilidade,

    frias e aposentadoria. Alm disso,o art.

    135

    determinava que fosse elaborada lei

    fixando percentagem mnima obrigatria de empregados de nacionalidade brasi-

    leira (Art. 135)nas empresas concessionrias de radiodifuso.

    Aos parlamentares ficava negado o direito de serem diretores, pro-

    prietrios ou scios de concessionrias de radiodifuso, assim como de

    qualquer outra que tivesse contrato com a administrao pblica federal,

    estadual ou municipal.

    No seu todo, a Constituio de 1934 implementou um realismo que

    ficou ausente na Constituio de

    1891,

    fortalecendo o modelo de Estado

    interventor, desejado pelos revolucionrios de

    1930.

    A C O NST ITU i O DE 1937: NA SC E O ES TA DO N O VO

    Promulgada a nova Constituio, o Congresso Nacional elegeu indi-

    retamente Vargas para um mandado de quatro anos

    (I934-1938),

    fixando-

    se, desde ento, que o prximo presidente seria eleito pelo voto direto da

    populao. Decorridos trs anos, tornou-se acirrada a guerra ideolgica

    entre, de um lado, a Aliana Nacional Libertadora (ANL), movimento de

    esquerda, de orientao marxista, hegemonizado pelo PCB - Partido Co-

    munista do Brasil, e, de outro, a Ao Integralista Brasileira (AIB), grupo

    de extrema direita, com forte inclinao nazi-fascista. Era um perodo de

    fortalecimento da esquerda em geral, com um grande crescimento do Parti-

    do Comunista, que pouco a pouco se tornou o principal grupo de oposio

    ao governo Vargas, contra o qual tentou um golpe de estado, em

    1935 -

    a

    chamada Intentona

    Comunista.'

    O governo estimulou, ento, entre a populao, o medo a U111asu-

    posta 'ameaa vermelha: e decretou Estado de Stio.Em seguida, com base

    4 A Intentona Comunista foi uma tentativa de movimento insurrecionalliderado pelo

    peB ,

    que acabou malo-

    grada e sem grande adeso, registrando-se aes em poucos lugares, entre eles Recife e Rio de Janeiro, todas

    rapidamente frustradas pelo Exrcito.

    S Lei poltica que d total controle ao governo sobre a sociedade civil, fechando o Congresso e suspendendo

    direitos constitucionais.

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    A comunicao na Constituio de=-1:..:.9-=..:88~ _

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    num falso plano dos comunistas para implantar no Brasil uma sociedade

    socialista - Plano Cohen - elaborado, na verdade, por seus auxiliares, Var-

    gas deu, em aliana com o Exrcito, um golpe de Estado. Tornou sem efeito

    a Constituio de 1934 e outorgou outra, escrita a uma s mo, e com fortes

    conotaes fascistas, quase uma cpia da Constituio Polonesa. Nasce a

    o autoproclamado Estado Novo, um regime ditatorial em que Vargas detm

    poder absoluto, o que se prolongaria at 1945.

    A nova Constituio manteve a competncia privativa da Unio sobre

    os servios de Correios e sobre a explorao dos servios de radiocornuni-

    cao e telgrafos (Art. 15, VI e VII), estes ltimos continuando a poder ser

    concedidos a terceiros, como j previa a Constituio anterior. Tambm foi

    mantida a competncia privativa da Unio para legislar sobre estes servios,

    podendo os legislativos estaduais elaborar leis complementares, desde que

    no contraditrias com a lei federal e submetidas

    aprovao de Vargas (Art.

    16, 17 e 18). Manteve-se, igualmente, a proibio ao membro do Parlamento

    Federal de exercer qualquer lugar de administrao ou consulta ou ser pro-

    prietrio ou scio de empresa concessionria de servio pblico (Art. 44, c).

    Quanto

    censura, a Constituio repetiu a anterior, embora fechasse

    bem mais o cerco. Por exemplo, enquanto na Constituio de 1934 (Art.

    113,

    8) a inviolabilidade da correspondncia era garantida, na de 1937 era

    vlida tambm para a inviolabilidade do domiclio, mas ambas passaram

    a ser relativas, uma vez que eram permitidas excees': expressas em lei

    (Art.

    122,

    6). Da mesma forma, o direito expresso do pensamento foi

    mantido, salvo prescries de lei, como: garantia da paz, ordem e segurana

    nacional; defesa da moralidade pblica, dos bons costumes e da infncia e

    da juventude; proteo do interesse pblico, bem-estar do povo e segurana

    do Estado (Art. 122, 15, a ,be c). Ou seja, a censura era uma realidade

    no disfarada na Constituio de 1937.

    Ficou prevista a elaborao de lei especial para a imprensa, para

    a qual foram estabelecidos princpios, entre os quais o carter pblico da

    funo da imprensa, a publicao obrigatria de comunicados do governo,

    o direito gratuito de resposta, a proibio de anonimato, a pena de priso

    para o diretor responsvel pelos abusos e pecuniria para a empresa (Art.

    145). Foram mantidos idnticos aos da Constituio de 1934 os artigos 146

    (Idem ao Art. 136 da Constituio de 1934), que dizia respeito ao controle

    6 Este nome era uma referncia a um importante general comunista europeu, que ficou muito conhecido no

    Ocidente pelos seus mtodos bastante severos na luta contra a os seus inimigos. O uso de seu nome foi uma

    clara tentativa de estimular o medo entre a populao.

    7 Foi escrita por Francisco Campos, poca acadmico de Direito, posteriormente deputado e ministro da Justi-

    a no Estado Novo.

    8 Por este motivo, esta Constituio ficou conhecida como a Polaca.

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    A s M lt ip la s F aces da Const it ui o C id ad

    administrativo das empresas concessionrias por brasileiros; e 153 (Idem ao

    Art. 135 da Constituio de 1934), que determinava porcentagem mnima

    de empregados brasileiros nos servios explorados por concesso.

    De um ponto de vista geral, a Constituio de 1937 repetia em mui-

    to a Constituio de 1934, pelo menos no que diz respeito regulao da

    radiodifuso, embora apresente novidades quanto ao controle ideolgico

    das empresas concessionrias. Na verdade, o regime ditatorial de Vargas - o

    Estado Novo - tentou manter uma aparncia de regime constitucional, da

    mesma forma que, como veremos adiante, o fez a ditadura militar, com a

    Constituio 'promulgada' em 1967.

    A C O NST ITU i O DE 946 RESTA B EL EC E A DEM OC R A C IA

    Levado

    renncia, em 1945, aps o fim da II Guerra Mundial, Var-

    gas substitudo pelo general Eurico Gaspar Dutra, seu ex-rninistro da

    Guerra, que convoca eleies para uma Assembleia Nacional Constituinte.

    Em clima de liberdade, mais de uma dezena de partidos polticos, inclusive

    o Partido Comunista, participam das eleies.

    Dominada por liberais e representantes da tradicional oligarquia

    brasileira, a Constituinte identificou-se com as teorias de Keynes, dominan-

    tes ento, que tm como principal pressuposto um liberalismo que permite

    e estimula a interveno do Estado na gesto da sociedade, particularmente

    na economia.

    A Constituio de 1946 reafirma o monoplio dos servios de ra-

    diodifuso nas mos da Unio, a ela atribuindo a exclusiva competncia

    de explorar, diretamente ou mediante concesso, estes servios, e mantm

    a proibio de deputados e senadores terem qualquer tipo de relao com

    concessionrias de servios pblicos.

    Numa demonstrao de que o processo de democratizao era limi-

    tado, estabeleceu-se que a manifestao do pensamento era livre, sem que

    dependa de censura': salvo nos espetculos e diverses pblicas. Alm disso,

    o pensamento 'livre' no podia fazer propaganda de guerra, de processos

    violentos para subverter a ordem poltica e social, ou de preconceitos de

    raa ou de classe. No mais, manteve-se a proibio ao anonimato, assegu-

    rou-se o direito de resposta e a no-necessidade de licena para publicao

    de livros e peridicos (Art. 141).

    O controle das empresas de radiodifuso - que, alis, aparece citada

    nominalmente pela primeira vez na histria constitucional brasileira - tal

    9 A rt . 5 - C omp et e

    Unio : ...] XII - ex plorar, diretam ente ou m edian te autori zao ou conc esso, o s serv i os d e

    t el gra fo s, d e r ad io co m un ic a o , d e ra dio difu so [...].

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    A comunicao na Constituio de 1988

    como havia sido estabelecido em 1931 pelo governo provisrio de Vargas,

    permaneceu nas mos de brasileiros natos, sendo vedadas aes ao por-

    tador e sociedades annimas, cuja propriedade impede a identificao de

    responsabilidades individuais. As excees continuavam a ser os partidos

    polticos, como, alis, Vargas j houvera estabelecido.

    Ao governo central ficava assegurado o direito de, durante o estado

    de stio, suspender todas as garantias individuais, utilizar censura plena, e

    comandar diretamente as empresas concessionrias que realizassem servio

    pblico, inclusive as emissoras de rdio.

    Estes os principais dispositivos da Constituio de 1946, relacionados

    Comunicao. Ela vai gerir a vida brasileira at 1967, quando substituda

    por outra, embora desde 1964 importantes artigos seus tenham sido tornados

    sem efeito pelo regime autoproclamado 'revolucionrio: que derrubou, neste

    ltimo ano, por meios militares, o governo constitucional de Joo Goulart.

    A C O NSTITU i O DE 967 : C O NST ITUC IO NA lIZA NDO A D ITA DURA

    A Constituio de 1946 vigorou dentro de uma conjuntura nacional

    de grandes movimentaes polticas, em cinco governos democrticos dis-

    tintos: Dutra, Vargas, Juscelino, [nio Quadros e Joo Goulart. O primeiro

    e o terceiro, cumpridos por inteiro; os trs outros, interrompidos: um pelo

    suicdio de Vargas, outro pela renncia de Inio e o outro pelo golpe de

    1964, que estabeleceu uma ditadura militar por 20 anos.

    O perodo marcado pelo aparecimento de um novo veculo de co-

    municao de massa, a televiso, prevista pela legislao brasileira j em

    1931. I O No plano institucional, o Estado brasileiro sofre rude golpe militar,

    em 1964, que se prolonga at 1985. O pas passa a ser marcado pelo autori-

    tarismo, supresso dos direitos constitucionais, perseguio poltica, priso

    e tortura dos opositores, e pela imposio da censura prvia aos meios de

    comunicao de massa. Em 1967, os militares impem uma nova Constitui-

    o ao Congresso Nacional, a quinta do pas, quarta da Repblica e terceira

    do sculo XX. Ela traduziu a ordem estabelecida pelos militares golpistas de

    1964 e institucionalizou a ditadura: incorporou o contedo dos Atos Insti-

    tucionais emitidos pela 'Revoluo'; aumentou o poder do Executivo, que

    passou a ter a iniciativa de projetos de emenda constitucional; e reduziu os

    poderes do Congresso. Para complementar, fora do mbito constitucional, o

    novo regime instituiu novas leis de Imprensa e de Segurana Nacional.

    Comparada com a de 1946, a nova Constituio pouco altera os dis-

    positivos relacionados Comunicao. Assim, por exemplo, explorar ser-

    10 Decreto nO20.047, de 27de maio de 1931, regulamentado pelo Decreto na 21.111,de lde maro de 1932.

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    As M lt ip la s F a ce s d a C o ns ti tu i o C id ad

    vios de radiodifuso, diretamente ou mediante autorizao ou concesso,

    continua sendo competncia exclusiva da Unio. Em relao

    liberdade de

    expresso, a Constituio de 1967 demonstra como o texto constitucional

    reflete a situao poltica: no inciso relacionado ao tema

    11 ,

    essa liberdade

    limitada por um condicionante: o respeito

    ordem, aos bons costumes,

    moral, condicionante este que fica a juzo do governo, a quem cabe concei-

    tuar ordem, bons costumes e moral.

    A Unio foi autorizada a organizar e manter a Polcia Federal, in-

    cluindo entre suas finalidades fazer a censura de diverses pblicas . Ao

    Conselho de Segurana Nacional foi dada a competncia para autorizar, em

    reas indispensveis segurana nacional, [...] instalao de meios de co-

    .

    murucaao .

    Ficou mantida a proibio aos parlamentares de participar de em-

    presas que explorassem servios concedidos, a includa a radiodifuso, es-

    tabelecendo-se como pena para a infringncia deste dispositivo a perda do

    mandato. Igual proibio atingiu os estrangeiros, as sociedades por aes ao

    portador e as sociedades que tivessem como acionistas, ou scios, estrangei-

    ros ou pessoas jurdicas. Os partidos polticos permaneceram autorizados a

    participar de empresas de rdio e TV.

    Embora reafirme a livre manifestao de pensamento, de convico

    poltica ou filosfica, bem como a prestao de informao independente-

    mente de censura, o texto constitucional ressalva a excepcionalidade das

    diverses e espetculos pblicos. A publicao de livros, jornais e peridi-

    cos continua no dependendo de licena da autoridade. Contudo, deixa alta

    margem de subjetividade para apreciao do regime militar quando afirma

    que no sero toleradas a propaganda de guerra, de subverso da ordem ou

    de preconceitos de religio, de raa ou de classe, e as publicaes e exterio-

    rizaes contrrias moral e aos bons costumes (Art. 153).

    A nova Constituio determina que,

    sem prejuzo da liberdade de pensamento e de informao, a lei po-

    der estabelecer outras condies para a organizao e o funciona-

    mento das empresas jornalsticas ou de televiso e de radiodifuso,

    no interesse do regime democrtico e do combate subverso e

    corrupo (Art. 174).

    11 Constitu io de 1967, A rtigo 153 , 8 :

    liv re a m a nife st a o d e p en sa me nto , d e c on vic o p oltic a o u filo s fi-

    ca, bem com o a prestao de inform ao independentem ente de censura , sa lvo quanto a d iv erses e espe t -

    c ulo s p b lico s, re sp on den do c ad a u m, nos term os da le i, p el os a bu sos qu e c om eter. assegurado o direito de

    re sposta . A p ub lic a o d e liv ro s, jo rn ais e p erid icos no depende de licena da au toridade . N o sero , porm ,

    to le ra do s a p ro pag an da d e gu erra , d e su bv ers o d a o rd em o u d e p re con ceitos de re lig io , de raa ou de clas se ,

    e a s p ub li ca es e e xt er io ri za es c on tr r ia s m oral e a os b on s c ostu me s.

  • 7/21/2019 As Mltiplas Face Da Constituio Cidad

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    A comunicao na Consti tuio de 1988

    Estava, pois, autorizado o regime militar a elaborar leis que puses-

    sem a radiodifuso sob seu controle, bastando para isso alegar a necessidade

    de preservar a democracia e proteger o pas da subverso. O estado de stio

    foi mantido como possibilidade, dependendo de aprovao do Conselho de

    Segurana Nacional, podendo haver, neste caso, censura de correspondn-

    cia, da imprensa, das telecomunicaes e diverses pblicas .

    Comparada com a Constituio de 1946, a de 1967 apresenta algu-

    mas mudanas significativas, no que se refere Comunicao:

    1) A Constituio de 1946

    determinava

    que no fosse tolerada a divul-

    gao de processos violentos por subverso da ordem poltica e so-

    cial. A nova Constituio eliminou de seu texto as expresses pro-

    cessos violentos e poltica e social , tornando genrica a disposio

    que tornava crime de subverso da ordem, isto , seria crime o que

    fosse entendido como propaganda de subverso da ordem . A alte-

    rao possibilitou considerar crime o simples falar contra qualquer

    aspecto do regime;

    2) As expresses radiodifuso, telegrafia, radiocomunicao e telefo-

    nia, usadas na Constituio de 1946, desapareceram, para dar lugar

    ao termo genrico Servios de Telecomunicaes, emprestado do

    Cdigo Nacional das Telecomunicaes que o Congresso aprovara

    em 1962;

    3) A Polcia Federal ganhou status constitucional e, junto com ela, COIUO

    uma de suas misses, a censura em toda a mdia e nos espetculos

    pblicos;

    4 O Congresso ficou autorizado a reorganizar, se necessrio, a estrutu-

    ra e o funcionamento da mdia, no interesse do regime democrtico

    e da luta contra a subverso e a corrupo. Isto era uma bvia ame-

    aa mdia, que poderia ter sua liberdade limitada a qualquer mo-

    mento, por um Congresso na poca extremamente dcil

    vontade

    do governo militar.

    A C O N ST ITU i O D E 988 : U M N O VO C O M E O

    O Contexto

    A convocao de uma Assembleia Nacional Constituinte para reor-

    ganizar a vida poltica, econmica e social do pas foi o pice da transio

    para a democracia, aps 20 anos de ditadura, semiditadura e democracia

    relativa. Uma transio iniciada pelas elites militares, em

    1974,

    aps signi-

    141

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    142

    A s M lt ip la s F ac es d a C o ns ti tu i o C id ad

    ficativa vitria eleitoral das foras progressistas agrupadas no MDB-Movi-

    mento Democrtico Brasileiro, com o carter de uma liberalizao contro-

    lada, concluda 10 anos depois por meio de um acordo negociado com as

    elites polticas.

    Pelo menos cinco fatores parecem ter sido decisivos no deslanche e

    consolidao do processo de transio.

    Primeiro, o acirramento das divergncias entre os militares da soft

    lin liderados pelo Presidente Ernesto Geisel e seu principal auxiliar,

    general Golbery do Couto e Silva - e os da

    hard-line

    que controlavam os

    chamados 'rgos de segurana, em cujo rol estavam o Servio Nacional de

    Informaes (SNI), os servios secretos do Exrcito, Marinha, Aeronutica

    e Polcias Militares de todos os estados da federao, e ainda rgos especi-

    ficamente criados para a represso poltica, tais como Doi-Codi e Operao

    Bandeirantes.

    Segundo, a ressurreio da sociedade civil, conduzida por entida-

    des tais como ABI, OAB e SBPC; partidos polticos legais, como o MDB

    (depois transformado em PMDB), ajudado posteriormente pelo PT, PDT,

    PSB, e ilegais, como PCB e PCdoB; entidades de trabalhadores, de servido-

    res pblicos e de profissionais liberais; e movimentos polticos, culturais e

    sociais por anistia, democracia, desenvolvimento, liberdade de expresso, e

    eleies livres e diretas.

    Terceiro, a imprensa que, por meio da implementao de um estilo

    de jornalismo voltado para a investigao de todos os ngulos, interfaces,

    causas e consequncias dos fatos contidos nas principais notcias, corajosa-

    mente iniciou e manteve urnapostura de denncia de atos de corrupo nos

    governos militares, ao mesmo tempo em que clamava pelo estabelecimento

    de um estado de direito, dirigido por um governo democrtico. Uma 'im-

    prensa alternativa' extremamente combativa e destemida teve papel crucial

    no processo.

    Quarto, o 'novo sindicalismo, um forte movimento de trabalhado-

    res no ligado s tradicionais federaes e confederaes nacionais de sin-

    dicatos' que passou a privilegiar aes baseadas no contato direto com os

    operrios, em seus locais de trabalho, e que promoveu greves polticas e

    econmicas, principalmente em So Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

    Quinto, a campanha 'antiestatista, conduzida pelos empresrios,

    particularmente pela poderosa Fiesp- Federao das Indstrias do Estado

    de So Paulo, que reivindicava o fim da ao direta do Estado na economia

    nacional e na formulao de polticas especficas para setores empresariais,

    em detrimento do livre jogo do mercado.

    Esses fatores tiveram decisiva influncia na aceitao pelos militares

    de um grau de democratizao bem alm de sua inicial proposta de liberaliza-

  • 7/21/2019 As Mltiplas Face Da Constituio Cidad

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    A comunicao na Constituio de 1988

    143

    o

    lenta, gradual e restrita': Na verdade, a conjuno de todos eles, que assu-

    miram rapidamente carter nacional e abrangeram manifestaes de todas as

    classes sociais, levou os militares a aceitar sua completa sada do poder.

    A mudana de regime foi, ao final do processo, efetuada pela elite

    poltica, que por meio de negociaes e frmulas institucionais arranjou os

    termos da transformao do regime autoritrio em democracia liberal, sob

    controle civil. Evitando sequelas danosas ao tnue poder civil e rupturas

    ideolgicas e estruturais na organizao do Estado, polticos, homens de

    negcio e lderes militares negociaram inclusive o poder com que cada um

    desses setores deveria entrar na chamada Nova Repblica, nome que os ne-

    gociadores civis escolheram para o regime de transio a ser instalado.

    O governo civil que se seguiu ao regime militar nasceu, portanto,

    comprometido com - e tinha de ser constru do sobre - as fundaes do

    regime autoritrio que ele substituiria. Em conseqncia, o grau de con-

    tinuidade dos administradores e polticos do antigo regime foi muito alto,

    uma vez que a maior parte das elites poltica, administrativa e tcnica que

    dera sustentao ao regime militar permaneceu no controle das estruturas

    de poder do pas.

    Exemplo disso foi o Ministrio das Comunicaes, entregue a An-

    tonio Carlos Magalhes, um poltico que apoiara abertamente a ditadura

    militar e era altamente comprometido com os radiodifusores - inclusive

    porque tambm o era -, que manteve como seu Secretrio-Geral Rmulo

    Villar Furtado, que havia exercido a mesma funo, nos trs ltimos gover-

    nos militares, por onze anos seguidos. Em consequncia, nada foi feito para

    mudar, desenvolver e aperfeioar a regulamentao da radiodifuso nem

    reformar a Lei de Imprensa. Straubhaar (1989) acredita que isto ocorreu

    porque o governo civil identificava os meios de comunicao como um ins-

    trumento de poder que fazia tanto sentido para ele quanto tinha feito para

    o regime militar.

    O certo que o contexto do Brasil nos anos 1980 era o de uma socie-

    dade urbanizada e industrializada, com uma expressiva classe mdia, cujos

    poder econmico, preferncias culturais e estilo de vida a transformaram

    naturalmente em efetiva massa consumidora. Pressionadas pela rapidez

    do desenvolvimento econmico que a ditadura militar tinha conseguido

    implementar, as velhas estruturas, instituies e organizao social torna-

    ram-se inadequadas s novas relaes econmicas e sociais no pas. Novos

    elementos, caracteres e ideias comearam a agir e a desempenhar papis

    significativos na construo de uma dimenso pblica da sociedade, nos

    eventos artsticos e esportivos, na mdia, no turismo, bem como na amplia-

    o da participao popular nos aspectos culturais, sociais, econmicos e

    polticos da sociedade.

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    13/22

    144~ ~A~s~M~~lti~pl~as~F~ac~e~sd~a~C~on~s~tit~ui~~o~Ci=da~d

    Novas indstrias brasileiras de cultura e mdia surgiram, seguindo as

    tendncias internacionais, subordinadas ao processo capitalista de produ-

    o e integradas ao mercado internacional de bens simblicos. A indstria

    da TV havia se tornado solidamente prspera, tendo recebido do Estado os

    meios para levar suas imagens a todo o pas, formar audincias nacionais e

    produzir programas tambm nacionais. A partir do final dos anos 1960, ela

    havia se tornado uma divulgadora de ideias, padres de comportamento,

    valores morais, polticos e culturais e uma apoiadora do sistema produtivo,

    por meio, principalmente, da publicidade e do merchandising. ? O Estado

    tornara-se, alm de censor, o principal anunciante do pas.

    Era este, pois, o contexto brasileiro na segunda metade dos anos

    1980 quando, aps fortes presses sobre o presidente da Repblica, par-

    ticularmente das foras polticas que tinham sido a real e histrica base

    da oposio ao regime militar, uma Assembleia Nacional Constituinte foi

    oficialmente convocada, no final de 1986, para iniciar seus trabalhos em

    fevereiro de 1987.

    onstituint

    Na Assembleia Nacional Constituinte de 1987/88, cerca de 32% dos

    constituintes eram homens de negcios, e outros 13% tinham estreitos laos

    com o setor privado da economia. Em contraste, aqueles identificados com

    o movimento trabalhista eram no mais que 12% (CONNIFF, 1989). Apesar

    desta evidente supremacia do empresariado brasileiro, nenhum dos consti-

    tuintes considerava-se de direita : 6% classificavam-se como 'moderados' ou

    'centro-direita, 37% de 'centro: e 52% de 'esquerda (SCHNEIDER, 1992).

    A real composio da Constituinte levou-a a assumir posies liberais,

    particularmente quanto preferncia pela economia de mercado, pela empre-

    sa privada ao invs da pblica, e pela no-interferncia do Estado na econo-

    mia. O pensamento dominante, em termos econmicos, considerava a eco-

    nomia de mercado mais eficiente que a economia controlada pelo governo,

    devendo, portanto, prevalecer claramente na Constituio. Em

    consequncia,

    a nova Carta, embora tenha ratificado os pr-existentes monoplios estatais

    em setores bsicos da economia, tais como petrleo, gs natural, telecomuni-

    caes e minerao, no se caracterizou como estatista. Para compensar tal

    ratificao, restringiu a expanso da interveno do Estado na economia, e

    tornou praticamente impossvel ao Poder Executivo a criao de novas em-

    presas estatais sem expressa permisso do Congresso Nacional.

    12 Forma de propaganda que ut iliza a tcnica de divulgar produtos, imagens e ideias no interior dos programas,

    aparentando no intencionalidade.

  • 7/21/2019 As Mltiplas Face Da Constituio Cidad

    14/22

    A co m un icao na C onstitu io de 1988

    145

    Esta mesma Constituinte, contudo, foi capaz de aprovar dispositivos

    constitucionais que deixaram os neoliberais perturbados. Tais foram os casos da

    reduo da semana de trabalho de 48 para 44 horas, a universalizao das frias

    de 30 dias, a extenso da licena maternidade e a criao da licena paternidade,

    entre outros. Estes dispositivos representaram derrotas para as majoritrias cor-

    rentes neoliberais e parte dos parlamentares liberais. Tambm caracterizados

    como perdas de natureza poltico-ideolgica para essas correntes esto vrios

    dispositivos de natureza corporativa, principalmente os que deram tratamento

    privilegiado aos servidores do Estado, autarquias e empresas pblicas.

    Ainda outra derrota para aquelas correntes, neste caso com um signi-

    ficado claramente ideolgico, foi o relativo aos direitos individuais.

    A

    tradio

    brasileira, expressa tanto na Constituio de 1934 quanto na de 1946, vinha

    aceitando o conceito liberal do indivduo como o sujeito de direitos, negando

    tal qualidade a grupos sociais. Rompendo tal tradio, a Constituio de 1988

    no s manteve as garantias e direitos individuais tradicionais, como tambm

    os estendeu s entidades coletivas. Exemplo disso o direito dado aos partidos

    polticos, sindicatos e associaes voluntrias para recorrerem justia como

    pessoas coletivas, quando os direitos de seus membros estejam ameaados.

    A nova Constituio foi escrita pela totalidade dos 559 membros do

    Parlamento Nacional (compreendendo o Senado Federal e a Cmara dos De-

    putados), que se dividiram em oito comits, todos delineados para refletir o

    peso proporcional de cada partido poltico ali representado. Cada comit, por

    seu turno, foi dividido em trs subcomits.

    A

    tarefa de integrar e harmoni-

    zar o previsvel e frequentemente conflitivo contedo de todos os 24 grupos

    foi entregue ao Comit de Sistematizao, constitudo de 93 parlamentares

    oriundos de todos os partidos com representao na Constituinte. Grupos

    sociais que se sentissem marginalizados ou no devidamente representados

    poderiam submeter propostas formais para o estgio final de deliberao, por

    meio de peties assinadas por no mnimo 30 mil eleitores.

    Para realizar seu intento, a Constituinte gastou 613 dias: de 1

    0

    de

    fevereiro de 1987 at 5 de outubro de 1988. Durante ss perodo, os cons-

    tituintes receberam cerca de 200 mil propostas de todos os setores da socie-

    dade e fizeram aproximadamente 21 mil discursos. O servio de imprensa

    produziu 712 programas de TV, exibidos em 170 emissoras e 700 programas

    de rdio, transmitidos por cerca de duas mil estaes radiofnicas. Jornais e

    revistas publicaram em torno de 21 mil matrias sobre o processo.

    Tudo isto fez da Constituio de 1988 um longo, detalhado e com-

    plexo documento, contendo 245 dispositivos permanentes e 70 provisrios.

    Juntos, esses 315 artigos tomam 193 pginas na publicao oficial. Dentre

    13 Info rm aes d ivulgadas pela S ecretaria da A ssembl eia Const ituin te , aps o ence rram ent o dos traba lhos .

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    15/22

    A - Concepo de comunicao social como bem pblico;

    B - Direito da sociedade de estar informada, informar e se expressar;

    C - Estabelecimento de um sistema pblico de comunicao social;

    D - Criao de um Conselho Nacional de Comunicao indepen-

    dente, com a misso de elaborar e supervisionar a implernenta-

    o de polticas democrticas no setor;

    E - Elaborao de normas rigorosas contra monoplios e oligop-

    lios no campo das comunicaes.

    A comunicao na Constituio de 1988

    147

    de 'progressistas'; e, do outro, a Associao Brasileira de Emissoras de Rdio

    e Televiso (Abert) e parlamentares membros do chamado

    'Centro'

    Num

    segundo nvel, operavam lobistas dos Evanglicos, da ABI, da Associao dos

    Jornais e Revistas, da OAB, da CNBB, da Federao Nacional dos Radialistas,

    da Confederao Nacional dos Trabalhadores em Comunicaes e Publicida-

    de (Contcop), e de entidades associativas de atores, msicos e escritores.

    A posio da Abert era mais reativa que pr-ativa. Ela preferia que a

    Constituio se omitisse completamente do assunto radiodifuso. Admitia,

    contudo, recuar dessa posio, e aceitaria algum dispositivo relativo ao as-

    sunto, desde que fosse para incorporar o j estabelecido no Cdigo Nacio-

    nal de Telecomunicaes e no Regulamento dos Servios de Radiodifuso,

    em vigor desde, respectivamente, 1962 e 1963. Na prtica, a Abert fechou

    questo quanto aos dois pontos bsicos do debate: ela propunha que a ra-

    diodifuso fosse: (1) regulada pelo Poder Executivo e no por um Conselho

    Nacional de Comunicao; e

    (2)

    explorada pela iniciativa privada, nos mol-

    des estabelecidos pela legislao ento em vigor.

    A Fenaj, por seu turno, tinha realizado uma Conferncia Nacional

    sobre o tema e um Congresso Nacional de Jornalistas, que ratificou as pro-

    postas elaboradas pela Conferncia. Os dois eventos estabeleceram cinco

    diretrizes gerais como demandas mnimas para a nova Constituio:

    Tendo como base essas diretrizes, foram elaboradas propostas es-

    pecficas para um captulo constitucional tratando da Comunicao, sendo

    seus principais pontos:

    1) Todo meio de comunicao de massa deve ser explorado por entida-

    des sem fins lucrativos;

    2) Um Conselho Editorial, eleito pelos empregados, deve ser instalado

    em todo meio;

    3) Um Conselho Nacional de Comunicao Social composto por 15

    representantes de entidades profissionais e sociais deve ser institudo

    para conceder licenas de qualquer tipo de servio de rdio ou TV;

  • 7/21/2019 As Mltiplas Face Da Constituio Cidad

    16/22

    148

    A sM ltip la s F ace s d a C on stitu i o C idad

    4) O Conselho ser encarregado de fazer as concesses para explorao

    de servios de rdio e TV, dando preferncia a sindicatos, coope-

    rativas profissionais, partidos polticos e organizaes educacionais,

    comunitrias e culturais;

    5)

    As concesses somente podem ser suspensas ou cassadas em conse-

    quncia

    de sentena judicial;

    6) O concessionrio pode controlar apenas uma estao de rdio ou

    TV no mesmo estado.

    Pouco depois do incio dos trabalhos da Constituinte, em abril de

    1987, as entidades que tinham permanecido ativas na Frente por Polticas

    Democrticas de Comunicao discutiram as propostas da Fenaj e decidi-

    ram elaborar uma proposio unificada para ser apresentada Assembleia

    Constituinte, em nome da Frente. Havia, contudo, discordncia quanto

    questo relativa

    propriedade da mdia: a Frente no concordava com a

    proposio da Fenaj determinando que todos os meios de comunicao de

    massa deveriam ser explorados por entidades sem fins lucrativos. A propos-

    ta da Frente era de que este tipo de entidade deveria ter no exclusividade,

    mas prioridade na concesso de rdio e TV, sendo-lhes tambm concedida

    iseno de impostos se fossem bem-sucedidas na solicitao.

    Afora o dispositivo sobre propriedade da mdia, Fenaj e Frente con-

    cordaram em apresentar Assembleia Constituinte as seguintes propostas:

    A) S brasileiros podem ser licenciados para explorar servios de

    rdio e TV;

    B) O Conselho Nacional de Comunicao deve ser o rgo encar-

    regado de elaborar as polticas para o setor e de fazer as conces-

    ses para a explorao dos servios;

    C) O Conselho deve ser composto por dois representantes de con-

    cessionrios de radiodifuso e proprietrios de outros meios de

    comunicao de massa, cinco profissionais da rea de comuni-

    cao, sete representantes de outras profisses e organizaes

    populares, um representante de universidades. Seus nomes se-

    riam aprovados pelo Parlamento. Seriam criadas Comisses,

    com composio semelhante

    sua, em todos os estados brasi-

    leiros, sendo seus membros aprovados nas respectivas Assem-

    bleias Legislativas;

    D) Todos os meios de comunicao de massa devem ter um Conse-

    lho Editorial eleito pelos empregados, com a misso de elaborar

    suas diretrizes editoriais;

  • 7/21/2019 As Mltiplas Face Da Constituio Cidad

    17/22

    A comunicao na Constituio de 1988

    E) Partidos polticos, sindicatos e entidades populares tero direito a

    usar parte do tempo de programao das emissoras de rdio e TV;

    F) O direito de resposta deve ser assegurado a todos, de acordo

    com lei complementar;

    G) As concesses podero ser canceladas somente em consequn-

    cia de sentena judicial;

    H) Os concessionrios podem controlar apenas uma estao de r-

    dio ou TV por estado; aquele que estiver explorando mais de

    uma deve optar por uma em particular, estando o Conselho au-

    torizado a redistribuir as outras.

    A Frente mostrou-se, contudo, incapaz de articular suas combalidas

    foras, inclusive para resolver o desacordo com a Fenaj em torno do dispo-

    sitivo referente

    propriedade dos meios. Como algum tinha que negociar

    alguma coisa imediatamente na Assembleia Constituinte, a Fenaj assumiu

    o comando do processo, com base nas suas propostas originais e no que

    aceitara das proposies da Frente.

    A maioria dos parlamentares que compunham o Sub-Comit de Ci-

    ncia, Tecnologia, Comunicao e Informtica estava dividida entre as po-

    sies das duas entidades, com variado grau de concordncia e discordncia

    de suas teses. A discusso levou finalmente ao impasse, no se conseguindo

    nenhum acordo ou deciso majoritria. O Sub-Comit de Cincia e Tec-

    nologia, Comunicao, e Informtica foi o nico dentre os 24 existentes a

    no ter concluses a apresentar. Em

    conseqncia,

    as mesmas questes que

    inviabilizaram os trabalhos no nvel inicial da elaborao da Constituio

    foram levadas para o Comit especfico no nvel superior. Contudo, tam-

    bm ali foi impossvel superar o impasse, o que levou aquele Comit a ser o

    nico dentre os oito existentes a no concluir seus trabalhos.

    Levado a seguir ao Comit de Sistematizao, que era a instncia

    final antes da apreciao do plenrio, o impasse foi finalmente superado

    atravs de trs formulaes engenhosas, mas na realidade desfiguradoras

    das propostas iniciais:

    1)

    A explorao dos servios de radiodifuso seria complementar entre

    entidades privadas, pblicas e estatais, isto

    ,

    admitir-se-ia a exis-

    tncia de fundaes ou outras entidades nem estatais nem privadas,

    sem fins lucrativos, no setor, mas sem deslocar dali os j existentes

    setores privado e estatal;

    2) O Conselho de Comunicao Social - no mais Conselho Nacional

    de Comunicao, como proposto inicialmente - seria criado, mas

    como um rgo apenas consultivo do Congresso Nacional, ao con-

    149

  • 7/21/2019 As Mltiplas Face Da Constituio Cidad

    18/22

    150 A s M ltip la s F ac es d a C on stitu i o C id ad

    trrio do poderoso e independente conselho proposto pela Fenaj,

    semelhante ao FCC americano, com poderes para regular e conceder

    licenas para explorao de servios de radiodifuso;

    3) As concesses continuariam a ser da competncia exclusiva do Po-

    der Executivo, atravs do ministro das Comunicaes e do presiden-

    te da Repblica, mas seriam revistas pelo Congresso.

    Na verdade, houve na Constituinte uma confluncia de interesses

    entre grupos conservadores, constitudo de parlamentares de centro e cen-

    tro-direita, grupos religiosos - particularmente evanglicos -, o ministro

    das Comunicaes, o presidente Jos Sarney e a Abert, visando a manter o

    Poder Executivo, particularmente o presidente da Repblica, como o poder

    concedente para a explorao de servios de rdio e televiso. A oposio a

    isto foi relativamente forte apenas enquanto o assunto esteve nos pequenos

    foros do Sub-Comit e dos Comits. No plenrio, contudo, os interesses dos

    majoritrios parlamentares concessionrios ou aliados de concessionrios

    de emissoras de rdio e TV tinham condies de ganhar qualquer confron-

    to. Foi a percepo da iminente e inevitvel derrota que fez a Fenaj e os par-

    lamentares mais esquerda recuarem e aceitarem a negociao conduzida

    por deputados 'progressistas moderados' (notadamente Arthur da Tvola

    e Antonio Brito) a qual, se no levou s conquistas pretendidas, ao menos

    trouxe algumas aberturas constitucionais para a democratizao do setor.

    ON USO

    No cmputo geral, o resultado final da Constituinte criou novas

    obrigaes e direitos na rea da Comunicao e alterou outros constantes

    dos atos regulatrios ento existentes:

    1) Ficou intocado o carter nacionalista da radiodifuso, permitindo-

    se sua explorao exclusivamente a brasileiros. O artigo 222, con-

    tudo, abre a possibilidade de, alm dos brasileiros natos, tambm

    os naturalizados h mais de 10 anos poderem ser concessionrios.

    Contudo, a chamada Lei do Cabo, aprovada em 1995, permitiu a

    participao de at 49% de capital estrangeiro na explorao deste

    tipo especfico de servios de TV. Portarias do Ministrio das Co-

    municaes, de 1997, permitiram a participao de at 100% de

    capital estrangeiro em empresas que exploram servios de TV via

    tecnologia MMDS e DTH. E, finalmente, Emenda Constitucional,

    aprovada em 2002, permitiu a participao de at 30% de capital

    estrangeiro na imprensa e na radiodifuso. Neste ltimo caso, en-

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    19/22

    A co m u nic ao na C onstitu io de 1988

    tretanto, continua privativo de brasileiros a gesto de contedos;

    2) O governo federal manteve a exclusiva competncia para regula-

    mentar e explorar o servio diretamente, ou indiretamente, atravs

    da concesso de licenas a entidades pblicas ou privadas. Os esta-

    dos e municpios podem atuar no setor apenas como concession-

    rios;

    3) O artigo 175 estabelece que uma lei ordinria deva ser feita para

    definir os direitos do pblico e a adequao dos servios pblicos

    aos seus fins, tendo-se entendido que a indstria da TV estaria

    tambm a includa. Aprovada em julho de 1995 pelo Congresso

    Nacional, tal lei explicitamente excluiu de seu alcance as conces-

    ses de servios de radiodifuso sonora e de som e imagem,

    4) O artigo 223 criou trs modos de explorao dos servios de radio-

    difuso no Brasil: o privado, o estatal e o pblico. Foi gualmente

    dito, muito vagamente, que os trs devem ser

    complementares,

    Este

    dispositivo foi entendido como uma possibilidade de reduzir-se a

    esmagadora predominncia da explorao comercial da radiodi-

    fuso. Sua natureza inovadora est em que atribui carter 'com-

    plementar' aos trs sistemas, em vez de faz-lo com relao a um

    ou dois deles. Contudo, no traz qualquer concepo do que seja

    'servio pblico' de televiso. Como sabemos, no Brasil o uso do

    atributo 'pblico' muito confuso: tanto na Constituio como no

    sistema legal do pas, tudo que relacionado ao Estado referido

    como 'setor pblico', ou 'sistema pblico: ou 'servio pblico';

    5) O prazo de durao das concesses e permisses, antes objeto de

    lei ordinria, foi incorporado Constituio, mantendo-se 10 anos

    para servios de rdio e ]

    5

    anos para os de televiso. Em ambos os

    casos pode haver renovaes sucessivas por igual perodo, quantas

    vezes sejam solicitadas;

    6) O poder do Executivo para conceder e permitir a explorao de

    servios de radiodifuso foi relativizado, estabelecendo-se que to-

    dos os atos de concesso e permisso devem ser revistos pelo Con-

    gresso Nacional. O presidente, contudo, continua com o poder de

    abrir o caminho para alguns e fechar para outros, uma vez que o

    Congresso revisa as concesses que o presidente decide fazer, mas

    no pode interferir no processo decisrio conduzido previamente

    no mbito do Poder Executivo;

    7) A no-renovao de concesses depende agora do Congresso Na-

    cional, sendo necessrios os votos de dois quintos dos deputados

    e senadores para quebrar a continuidade da concesso ao mesmo

    concessionrio. interessante observar que o processo de radicali-

    15 1

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    20/22

    15 2 A s M ltip la s F ace s da C onstitu i o C idad

    zao

    das posies em choque na Constituinte no impediu que a

    Abert conseguisse, neste caso, um dos seus grandes intentos: retirar

    do presidente da Repblica a prerrogativa de negar a renovao

    das concesses de rdio e TV, como tinha sido estabelecido pela

    Regulamentao dos Servios de Radiodifuso, em 1963. A alega-

    o para a incluso do dispositivo na Constituio foi o excesso

    de poder do presidente e a perigosa dependncia da indstria da

    radiodifuso a uma pessoa. Tal dispositivo torna quase impossvel

    recusar uma renovao, vez que grande nmero dos parlamentares

    tem interesse direto ou indireto em emissoras de rdio e TV, sendo,

    portanto, parte interessada no jogo corporativo de influencias no

    Congresso Nacional;

    8) O Conselho de

    Comunicao

    Social foi criado como um rgo con-

    sultivo do Congresso, e at hoje o nico dispositivo constitucio-

    nal diretamente relacionado com a rea de radiodifuso que mere-

    ceu legislao complementar. Regulamentado pela Lei n 8.389, de

    30.12.1991, suas misses abrangem a emisso de pareceres - desde

    que solicitados pelo Congresso Nacional - sobre tudo que se re-

    fira Comunicao Social, inclusive as interfaces desta rea com

    a Cultura. Isto significa que o Conselho pode tratar de assuntos

    to variados como: liberdade de pensamento, criao e expresso;

    produo e programao de rdio e TV; monoplio e oligoplio no

    setor da mdia; objetivos educacionais, artsticos, culturais e infor-

    mativos dos programas de rdio e televiso; complementaridade

    dos sistemas privado, pblico e estatal de explorao dos servios

    de TV e rdio; e concesso e permisso desses servios. Instalado

    em 2002, foi, contudo, desativado em 2006;

    9) A nova Constituio aboliu completamente a censura, sob qualquer

    forma, seja poltica, ideolgica ou artstica. Agora o governo federal

    pode apenas classificar os programas de rdio e TV em termos de

    propriedade e impropriedade para faixas de idade determinadas,

    em relao a horrios de exibio, tornando pblica essa classifica-

    o, com o carter de recomendao em vez de obrigao;

    10) O uso abusivo do poder econmico, visando ao domnio de mer-

    cados, eliminao de competio e manipulao de preos, deve

    ser objeto de lei complementar (jamais feita). O artigo 220 afirma

    explicitamente que a mdia no pode ser direta ou indiretamente

    objeto de monoplio ou oligoplio;

    11) O governo deve criar meios legais para assegurar aos indivduos

    e famlias a possibilidade de defesa contra programas de rdio e

    TV que desobedeam aos princpios que a Constituio estabelece

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    21/22

    para eles. Esses princpios, contidos no artigo 221, so: (a) prefe-

    rncia a finalidades educativas, artsticas, culturais e informativas;

    (b) promoo da cultura nacional e regional e estmulo produo

    independente que objetive sua divulgao; (c) regionalizao da

    produo cultural, artstica e jornalstica, conforme percentuais es-

    tabelecidos em lei; (d) respeito aos valores ticos e sociais da pessoa

    e da famlia. Tambm neste caso jamais se elaborou a necessria

    legislao complementar;

    12) O governo deve assegurar a proteo do pblico contra a propa-

    ganda comercial de bens, prticas e servios que sejam malficos

    sade e ao ambiente. Em consequncia, anncios de tabaco, bebi-

    das alcolicas, agrotxicos, medicamentos e terapias devem ser res-

    tritos e devem conter avisos sobre seus riscos, quando necessrio;

    13) Pessoas fsicas podem possuir at 100 do capital social de uma

    empresa concessionria de servios de radiodifuso. Pessoas jur-

    dicas podem ter apenas at 30 , sem direito a voto, mesmo que se

    trate de partido poltico ou empresa cujo capital pertena exclusi-

    va e nominalmente a brasileiros. Em 2002, emenda Constituio

    permitiu a participao de capital estrangeiro na mdia brasileira

    com at 30 do capital, sendo-lhe negada, entretanto, participao

    na definio dos contedos;

    14) A nova Constituio assegura a liberdade de palavra, o direito de

    resposta, privacidade, e compensao por danos morais e mate-

    riais. O anonimato proibido;

    15) Autores, artistas e toda pessoa que participe de

    SIIOWS

    inclusive

    desportistas, tm o direito exclusivo de utilizao, publicao ou

    reproduo de suas obras, sendo este direito transmissvel aos seus

    herdeiros, por tempo limitado, a ser estabelecido em lei.

    A comunicao na Cpnstituio de 1988

    153

    No balano, o ponto mais bvio que desponta da anlise da Cons-

    tituio de 1988 que a correlao de foras entre os grupos de interesse

    presentes na Constituinte no favoreceu a transformao dos processos re-

    gulatrios da comunicao no Brasil. No caso da radiodifuso, particular-

    mente grave o fato de que o poder do presidente para fazer concesses de

    rdio e TV, que antes era uma simples disposio legal (Cdigo Nacional de

    Telecomunicaes e Regulamento dos Servios de Radiodifuso), passou

    a ser um dispositivo constitucional. ~ a prtica, isto significa que s uma

    reforma da Constituio pode permitir o estabelecimento de um rgo co-

    letivo autnomo e deliberativo, semelhante ao que se pretendeu criar na

    Constituinte de 1987/88, para conceder cancelar o direito de explorao

    de servios de radiodifuso.

    r

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    22/22

    154

    A s M ltiplas Faces da Const itui o C idad

    Assim, se antes bastava a aprovao de lei ordinria, por maioria simples

    dos parlamentares, agora, por se tratar de matria constitucional, tal mudana

    depende de quorum e processo legislativo qualificados. Como se sabe, para re-

    formar a Constituio so necessrios os votos de dois teros da totalidade dos

    deputados federais e senadores, em quatro votaes distintas. Num Parlamento

    que aparentemente s funciona quando estimulado pela prtica da mxima

    dando que se recebe: apenas quem possui moedas de troca muito especiais para

    oferecer pode esperar ser bem-sucedido em to difcil misso. E este no parece

    ser o caso dos que querem democratizar a comunicao no Brasil.

    REFERNCIA S B IB L IO GR FIC AS

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