As Multiplicidades Espaciais nas Mídias Digitais

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    Adeline Gabriela Silva Gil

    AS MULTIPLICIDADES ESPACIAISNA COMUNICAO MIDITICA DIGITAL

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Comunicao, da rea de Concentrao em ComunicaoMiditica, da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao da UNESP, Campus de Bauru, como requisito parcial para a

    obteno do ttulo de Mestre em Comunicao, sob orientao do Professor Doutor Adenil Alfeu Domingos.

    Banca Examinadora:

    Presidente: Prof. Dr. Adenil Alfeu Domingos.Instituio: FAAC, UNESP Bauru.

    Titular: Prof. Dr. Dorival Campos Rossi.Instituio: FAAC, UNESP Bauru.

    Titular: Prof. Dr. Juan Carlos Gil GonzlezInstituio: Universidade de Sevilla - Espanha.

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    Agradecimento

    s foras que contriburam para a concretizao desse trabalho, mesmo quelas que seapresentaram como obstculo, pois acabaram nos levando a encontrar outros caminhos; famliaSilva Gil e ao Matheus, pelo amor, apoio e pacincia (!) e a todas as pessoas generosas que zeram

    parte desse exerccio ao longo desses cinco semestres: professores queridos, amigos e companheirosde trabalho, esperando que tal movimento no cesse e que essa generosidade retorne a essas

    pessoas de um jeito ainda mais especial.

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    SUMRIO

    Resumo 6

    Abstract 7

    Produes experimentais como objeto de estudo da comunicao 9Introduo 9Relevncia do tema para o campo da comunicao miditica 13Breve contextualizao 15

    Um espao virtual tornado consistente 19O virtual real 21A criao na atualizao 24Os estados de coisas atuais e os acontecimentos virtuais 26Transio experimentada 30

    Condies ampliadas 33

    Diferentes multiplicidades 37Interatividade 41

    Nveis de interatividade 39Interface 53Interatividade como afetabilidade 54

    Modos de individuao 56

    Diferenas em conexo 63Territrio, desterritorializao e reterritorializao 66Interface Maqunica 68

    Linhas de sentido 70Polticas na transversal 73

    Consideraes acerca do mtodo 77Multiplicidades de funo e multiplicidades de fuso 77O mtodo cartogrco 81

    Referncias 87

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    GIL, Adeline Gabriela Silva. As multiplicidades espaciais na comunicao miditica digital. Disserta-

    o (Mestrado em Comunicao Miditica). 2008. 95 s. Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao.

    UNESP/Campus de Bauru.

    ResumoO processo pesquisado o de criao de espaos no encontro entre o usurio, ou coletivos inter-agentes, e a hipermdia, enquanto interface digital de comunicao, tanto em sua concepo quanto no

    momento da interao. Para essa investigao, foram selecionadas algumas produes experimentais, das

    quais destacamos: Reactable (http://reactable.iua.upf.edu/), uma interface multi-toque que funciona como

    um meio pelo qual o usurio atualiza um virtual na forma de imagens e sons; Potrica (http://www.poetrica.

    net/), que aborda processos de comunicao engendrados pela conexo do humano com dispositivos e

    redes de comunicao distncia e as smart mobs, um fenmeno emergente que aponta para a diversi-

    dade de tendncias de uso da mdia interativa, compondo uma cartograa que indica relaes que essas

    experimentaes estabelecem com territrios e subjetividades; seus processos de virtualizao e atual-izao, bem como sua capacidade de estimular novas relaes espao-temporais, as relaes de poder

    envolvidas, entre outras. A cartograa (Deleuze e Guattari) traa um mapa, aberto por natureza, capaz de

    relacionar os signos de um territrio s foras que concorrem para congur-lo. Uma tal cartograa contribui

    para o campo da comunicao medida em que espaos, relaes sociais e processos de individuao

    so cada vez mais condicionados (e no determinados) a novas prticas comunicacionais na contempo-

    raneidade. A criao implica uma tica e uma esttica, pois trata de questes que envolvem dimenses

    sociais, tecnolgicas, cientcas, culturais, polticas, econmicas e mesmo epistemolgicas, em diagramas

    sempre em transformao.

    Palavras-chave: Interatividade, multiplicidade, interface, mdia digital, comunicao.

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    GIL, Adeline Gabriela Silva. Spatial multiplicities in digital media communication. 2008. 95 pgs. Disser-

    tation (Post-Graduate in Communication). Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicao. UNESP / Bauru

    - SP - Brazil.

    Abstract

    The research aims to trace a cartography of processes that are related to the creation of spaces,when a human being or collectives meet, interact or concept a hypermedia, as a digital communication in-

    terface. Some experimental productions were selected for that purpose, such as: Reactable (http://reactable.

    iua.upf.edu/), a multi-touch interface which establishes complex relations with the Virtual through an interac-

    tion that creates images and sounds; Poetrica (http://www.poetrica.net/), which deals with communication

    processes generated by the connection between humans, communication networks and wireless devices;

    and the smart mobs, an emerging phenomena that points to a diversity of use tendencies of interactive me-

    dia. These experiments, among others, compose a map that indicates relations with territories and subjec-

    tivities; their processes of virtualization and differentiation, as well as their ability to stimulate new relations

    with space-time dimensions, the power relations that are involved, and so on. The cartography (Deleuze andGuattari) draws an open map, capable of linking the signs of a territory to the forces that contribute to its con-

    guration. Such a mapping contributes to the eld of communication as long as the spaces, social relations

    and individualization processes are increasingly constrained (not determined) to the new communication

    practices in the contemporaneity. The creation implies an ethical and aesthetic paradigm, because it deals

    with questions that involve social, technological, scientic, cultural, political, economic and even epistemo-

    logical dimensions, composing diagrams in permanent transformation.

    Keywords: Interactivity, multiplicity, interface, digital media, communication.

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    Produes experimentais como objeto de estudo da comunicao

    A pgina ou a tela esto j de tal maneira cobertas de clichs preexistentes, preestabelecidos,

    que preciso de incio apagar, limpar, laminar, mesmo estraalhar para fazer passar uma corrente de ar,

    sada do caos, que nos traga a viso.

    (Deleuze e Guattari, O que a losoa?)

    Introduo

    A produo experimental que deu origem presente pesquisa o projeto Desvio (GIL, 2005)1 umaexperimentao da linguagem digital como modo de relacionar os espaos atual e virtual. No projeto,som e imagens em movimento constituem-se mutuamente, segundo a interao de usurios em rede.

    Seu design teve a funo de congurar o imaterial, captando foras, relacionando diferentes duraes.O conceito de virtual, nesse projeto, foi considerado como a coexistncia das diferenas, de onde tudoainda iria se formar, em tempo real.

    A experimentao no era da ordem de um saber, mas da sensorialidade, das relaes com oambiente audiovisual interativo e, para que aquilo fosse traduzido para a linguagem escrita de umapesquisa cientca, foi necessria uma nova composio com diferentes teorias (tambm ativas); outrosmtodos: um outro tipo de experimentao.

    Multiplicidade implica criao: espaos que se criam no encontro com as subjetividades. ParaGuattari, h tantos espaos quanto os modos de semiotizao e subjetivao2. Assim, prosseguimoscom uma investigao de possveis caractersticas na composio de uma hipermdia que fariam delauma mdia/meio que abre possibilidades de criao de espaos de naturezas diversas, constituindouma potencializao para a criao de direes imprevisveis. Ao mesmo tempo, poderamos encontrarcaractersticas que fariam da hipermdia uma mdia que fecha possibilidades, permitindo somentea repetio do mesmo. Essa questo considerava a tcnica como um meio que atualiza um virtual,criando sensaes e percepes. Por isso, a investigao de nveis de interatividade foi consideradarelevante.

    (1) Projeto de concluso de curso emDesenho Industrial com habilitao emProgramao Visual, FAAC UNESP Bauru,sob orientao da Profa. Dra. Solange MariaBigal, em colaborao com outros designers(Soundesign Carlos Lemos, Ambiente emVRML Matheus Maia e David Desidrio,Aplicativo em C para experimentaessonoras - Cleber Okida).

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    Framesde animaes que zeram parte do projeto Desvio (2005).

    A partir da, a questo passou a ser a respeito da possibilidade da existncia, na composiode uma hipermdia, de elementos que permitam ao usurio diferentes afetabilidades, que ele passepor diferentes estados sensveis, que experimente diferentes relaes espaciais. Isso nos levou a umanova questo: mesmo a obra, no caso o objeto tcnico a hipermdia quem d as condies dessasexperincias? Ou ainda, as hipermdias ampliam as condies da experincia? Assim, era precisocartografar relaes que uma hipermdia poderia estabelecer com os espaos e com os modos deindividuao, tanto em sua concepo quanto no momento da interao.

    O projeto era composto de um site dinmico,pelo qual podia-se fazer o downoad e oupload das experimentaes sonoras, quepodiam ser gravadas; bem como de textos,animaes feitas com o ambiente interativo ede um ambiente em VRML, no qual cada no-lugar explorado pelo usurio desencadeavadiferentes sons, que serviam de parmetropara os movimentos e ritmos luminosos.A experimentao coletiva do ambienteVRML no foi possvel na www por questestcnicas, mas foi possvel no espao aberto

    em que a hipermdia foi disponibilizada, juntamente com outros trabalhos em designinterativo, para experimentao, compondoum ecossistema favorvel para interaesde todo tipo: com outros seres vivos, cominstrumentos musicais,como o berimbau, comdana, entre outras, o que superou qualquerexpectativa de interao em rede.

    (2) GUATTARI, F. (1992), p. 153.

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    Imagens do ambiente audiovisual interativo que fez parte do projeto Desvio (2005).

    Assim, algumas produes foram especialmente escolhidas para essa investigao. No segundocaptulo, est Reactable, que foi desenvolvida pelo Music Technology Group no Audiovisual Institute, naUniversitat Pompeu Fabra, em Barcelona, Espanha. Trata-se de uma interface multi-toque, tangvel aousurio, que funciona como um meio pelo qual o usurio tem contato com o virtual e o atualiza na formade imagens e sons. Uma inovao que no tinha ns comerciais em si, mas tem inspirado a criao denovos dispositivos de comunicao3.

    (3) Surface, da Microsoft, uma plataformaque interage com outros dispositivos decomunicao via conexo sem o: http://www.microsoft.com/surface/.

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    Uma outra hipermdia analisada, no terceiro captulo, Potrica, de Giselle Beiguelman, que ocorreu

    em So Paulo e Berlim, de 2003 a 2004, que foi escolhida por abordar os processos de comunicao

    engendrados pela conexo do humano com dispositivos e redes de comunicao distncia.

    Consideramos um dos primeiros trabalhos no campo do que se convencionou chamar atualmente de

    mdias locativas4. H, ainda, referncias a outras produes, como os concertos de Emanuel Pimenta,

    que se transformam e se espalham por toda a cidade, convidando o pblico a caminhar e descobriros diferentes sons; bem como a pesquisas que esto sendo desenvolvidas ao redor do mundo. Essas

    incluses foram consideradas pertinentes no decorrer do trabalho por se constiturem como interfaces

    que relacionam criativamente os espaos atual e virtual.

    No quarto captulo, as tecnologias digitais de comunicao entram como componentes de um

    processo muito mais complexo que relaciona as multiplicidades espaciais, tendo como objeto de anlise

    as smart mobs, ou multides inteligentes, as quais indicam uma tendncia de uso das tecnologias de

    comunicao que tornam sensveis, e tambm visveis, as diferentes relaes de poder que interferem

    nas relaes sociais e comunicacionais.

    Essas composies nos levaram a considerar que o encontro entre o interagente e a hipermdia

    aquilo que faz a obra acontecer, e que a hipermdia pode ampliar as condies da experincia se permitir

    o aparecimento de novas questes e a incluso da experincia com o outro (no como completude;

    outro como limite do emprico, que lana a subjetividade a devires outros).

    Os indicadores que guiaram a investigao, em todas as produes analisadas, so os vetores

    circulantes e os signos que constituem seus territrios no em sua signicao, mas em seu modo de

    funcionamento, em sua processualidade, nas relaes com as subjetividades, em que indivduo e meio

    so criados a partir de uma realidade transindividual5.

    Assim, chegamos ao quinto captulo com novas questes, em vez de uma comprovao ou soluo

    para um problema, pois ao considerar novas maneiras de pesquisar na contemporaneidade, possvel

    relacionar e transitar nos espaos criados por esse novo paradigma esttico e tico.

    (4) Mdias locativas so meios de comunicaovinculados a uma localizao fsica, quedesencadeiam interaes sociais. Os projetosno campo da mdia locativa podem variar muitode foco. Apesar de terem em comum a utilizaode tecnologias como o GPS (Global PositionSystem), podem tanto fomentar discussessobre relaes entre humano e espao, sendo

    um campo para experimentao e atuaocrtica diante dos novos modos de comunicarde nosso tempo, quanto ser aplicados paraa acelerao da implantao de vigilnciae controle, da micro macroescala. Ver.Acesso em 22 jan. 2008.

    (5) Segundo o agenciamento Simondon/Deleuze/Guattari. Esta questo ser retomadano terceiro captulo.

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    Os captulos que antecederam o ltimo captulo funcionaram como ordenadores ou atratores

    capazes de levar a um questionamento acerca doprprio mtodo de investigao desses novos objetos

    de comunicao, agora sensveis, hbridos, virtuais. Essa questo do mtodo, colocada apenas ao nal,

    tende a criar condies de abertura para que futuras pesquisas e produes no campo da comunicao

    miditica digital deixem de atuar como composies de ordem e passem a funcionar como componentes

    de passagem.

    Relevncia do tema para o campo da comunicao miditica

    A comunicao via mdias digitais como objeto de estudo em um programa de ps-graduao pedeuma abordagem que no se resuma s caractersticas tcnicas da mdia, ao seu carter instrumental ouao seu poder de controle, embora este ltimo seja um dos fatores que estimularam a escolha do objeto;mas deve levar em conta sua participao na constituio de novas realidades, seu potencial criador.

    Segundo Parente o paradoxo das conquistas tcnico-cientcas que elas no esto sendo apropriadascriativamente pelas foras sociais em funo de novas sensibilidades e pensamentos 6. No caso dasmdias digitais, interessa-nos evidenciar seu potencial criativo, que pode tomar diversas direes e,mesmo considerando que qualquer abordagem seja parcial, importante que ela propicie uma aberturaa diferentes maneiras de compreender e atuar nesse campo relativamente novo.Diferentes maneirassupem, de incio, uma viso cientca e uma losca, e muitos entrelaamentos possveis entre essescampos distintos. O termo virtual, em cada campo do conhecimento, tem um sentido diferente, assimcomo a questo da interatividade e do tempo real. Por isso, conforme o problema colocado, alguns

    conceitos sero convocados.A presente pesquisa pretende contribuir com o campo da comunicao miditica digital, oferecendo

    uma composio com elementos de um e de outro modo de conhecer, utilizando-se de produesdigitais experimentais como objetos de anlise para, qui, permitir que as potencialidades trazidas pelaevoluo tecnolgica desemboquem numa era [...] que as livre dos valores capitalsticos segregativose crie condies para o pleno desabrochar dos esboos atuais de revoluo [...] da sensibilidadee da criao7. Isso porque vemos, em muitas produes, a sensibilidade, a sensao, dar lugar

    (6) PARENTE. A. (1993), p. 28.

    (7) GUATTARI, F. (1992), p. 187.

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    simples explorao dos sentidos do corpo, tanto na criao de hipermdias e/ou obras interativas8,quanto no momento de interao, de modo que o prprio conceito de interatividade acaba pressupondoalgo fechado dentro de uma estrutura de uso ou de utilidade previamente conhecida, muitas vezesj determinada pela programao do prprio aparato tecnolgico, o que torna difcil que algo de novoaparea nestas condies9.

    Se possvel pensar em criao ou produo de algo novo na interao entre o humano e a mdiadigital, qual a natureza desse espao ou espaos em que ocorrem tais acontecimentos? Quais suasdinmicas, modos de operar? Essas so questes que se colocam e que, no decorrer da dissertao,

    procuraremos, antes de respond-las, problematiz-las de modo consistente. O problema, como campo

    em tenso, composio de foras divergentes, como criao, diferente da simples interrogao, que j

    traz em si uma ou duas respostas possveis. Como dizem Deleuze e Guattari, a soluo, ou oprocesso

    de formao pelo qual as foras assumem diferentes conguraes, decorre das condiessob as

    quais o problema colocado.

    O campo problemtico da presente pesquisa so as multiplicidades (atuais e virtuais) que compem

    encontros com as mdias digitais. Elas envolvem as relaes entre o humano e a mdia digital, sendo

    esta um meio pelo qual o indivduo conhece e constri uma multiplicidade de espaos, e como, ao

    mesmo tempo, a subjetividade afetada por tais processos.

    A escolha dos objetos, embora possam ser considerados produes do campo da arte e/ou

    tecnologia, se deu por seu carter de experimentao, que permite uma comunicao criadora, rica

    em seu potencial de produzir sentido, em uma cultura em transformao, atravessada pelos avanos

    tecnocientcos. A produo de sentido est intimamente ligada multiplicidade de espaos que socriados nos encontros, portanto, o sentido tambm pode ser criado no momento da interao, e no

    apenas induzido ou direcionado.

    Como dizem Ezra Pound, o artista a antena da raa10, e Santaella, em tempos de mutao,

    h que car perto dos artistas, pelo simples fato de que, parafraseando Lacan, eles sabem sem saber

    que sabem11; no se pode desconsiderar as diversas experimentaes nesse espao de criao de

    (8) As hipermdias podero ser designadasaqui como obras, mesmo que sejamprodues que se do em mltiplos espaos,que entrem em ressonncia com a dimenso

    movente dos espaos que tocam, que nocaibam em espaos de exposio, que nosejam da ordem da recepo e interpretao.

    (9) FREIRE, E. (2007). Texto gentilmentecedido pelo autor (mimeo).

    (10) POUND, E. (2001), p.77.

    (11) SANTAELLA, L. .

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    modos de pensar o humano e seu contexto de comunicao. Muitas vezes, os artistas subvertem o uso

    das tecnologias, suscitando novas formas de interao, apontando direes para uma comunicao

    fundada em atitudes construtivas, crticas e inovadoras12.

    Segundo Plaza, para os artistas da comunicao, a transmisso cultural desmaterializada provoca

    a emergncia de uma criatividade e inteligncia coletivas e a explorao de novos espaos-tempo, umadilatao e densicao dos potenciais imaginrios e sensveis13. No apenas a transmisso, mas a

    construo e a troca.

    Uma comunicao criadora seria um tipo de comunicao que, em vez de tentar buscar delidadeconsensual do factual com o signo que o representa, como ocorre no jornalismo, por exemplo, talcomunicao constri uma realidade, entra em uma zona de vizinhana com outros campos paraproduzir novos sentidos.

    O discurso um modo pelo qual o indivduo recorta e organiza o caos exterior, construindo uma

    realidade sgnica para si, estabelecendo relaes de signicao. Assim, o que o humano entendecomo real o que os discursos feitos sobre ele carregam em si de modo consensual. Porm, pelarepresentao e pelo discurso, no possvel conhecer as intensidades no-discursivas das foras

    do fora que do a pensar - um fora enquanto campo de foras heterogneas ou estado em que opensamento levado, e que o faz pensar de outro jeito. Ao reconstruir um real sempre a partir de umnovo encontro com o real, destroem-se os esteretipos cristalizados e revelam-se as disparidades entreas diversas realidades. Mais que isso: no encontro, ambos se reconstroem, indivduo e espao.

    Breve contextualizao

    Desde seu incio, em festivais de design e de arte eletrnica, como o Ars Electronica, de 1979,em Linz, na ustria (MIRANDA, 1998), at os contemporneos como o Siggraph, nos Estados Unidos;Transmediale, na Alemanha; FILE, no Brasil, entre outros, as produes experimentais interativas

    eletrnicas vm tomando diversas direes que, juntamente com avanos tecnolgicos, contriburamde alguma maneira para aquilo que conhecemos atualmente como a comunicao miditica digital.

    (12) Popper apud Plaza in: PLAZA, J. Arte einteratividade: autor, obra, recepo. .

    (13) Ibid., p. 19.

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    Uma dessas direes tem sido a formao de redes de artistas e pesquisadores que dedicam-se democratizao e humanizao das tecnologias da comunicao, como o Electronic Cafe Internacional,no incio dos anos 80 (YOUNGBLOOD, 1998), bem como o LABI Laboratrio Aberto de Interatividade,da Universidade Federal de So Carlos14, de modo que a aculturao das tecnologias no seja umatarefa a ser feita pelo mercado de consumo ou pelo Estado.

    Porm, uma outra direo de uso da mdia digital tem sido uma atuao sobre as subjetividades,sobre territrios existenciais, numa tentativa de regular, disciplinar, engendrar e capturar desejos e

    comportamentos, separando, classicando grupos, comunidades e at mesmo etnias. Trata-se domidiopoder: o poder de mediar para manipular. A mdia voltada para o entretenimento passou a ser ummeio de o sujeito escapar de uma realidade, quando esta se encontra reduzida em seu potencial detransformao.

    A mdia, enquanto instrumento de controle, sempre esteve do lado do poder constitudo, permitindoque o poder constitudo expressasse por meio dela os seus pensamentos. Por isso, comunicao

    entendeu que arte no faria parte das suas teorias, pois foi considerada contra-comunicao. Na verdade, a contra-comunicao uma via muito forte de criar pensadores e indivduos com uma postura/atitude

    crtica, capaz de contestar a ideologia vigente do poder institudo. Essa a voz que os chamadoscomuniclogos no querem que faa parte da comunicao miditica, idia considerada aqui, comoalgo alm da comunicao da informao ideolgica.

    A mdia digital interativa tende a criar uma iluso de que h escolhas individuais dentro do mundoglobalizado15. Ela se serve de tecnologias interativas para oferecer modelos de vida como opo deescolha, quando, na verdade, os sujeitos so analisados antes pelas empresas de comunicao para

    atuar em seus territrios. Na maioria das vezes, isso se d de modo apelativo, porm disfarado; dediversas maneiras e atravs de todos os sentidos do corpo. A rapidez desse jogo quase impede o sujeitode despertar e se posicionar criticamente diante de uma massa quase informe de idias repetitivase consumistas. Assim, a invaso do territrio alheio por guerras em combates corporais do passado,

    passou, agora, a ser uma invaso de signos mediados por interesses (ou a invaso de interessesmediados por signos?).

    (14) O LABI trabalha as relaes entrearte e cincia, ao mesmo tempo em queinvestiga novas formas de interatividadeenvolvendo os espaos digital, virtual e atualEm 2007, participou na produo do eventoI Contato, um festival que reuniu diversasmanifestaes culturais abertas participaode interessados. Ver .

    (15) Guattari prope, em O CapitalismoMundial Integrado e a Revoluo Molecular,(in Revoluo Molecular. Pulsaes polticasdo desejo, org. Rolnik, Suely. Brasiliense: SoPaulo, 1981), o nome Capitalismo MundialIntegrado no lugar de globalizao, pois o termoglobalizao vela o sentido fundamentalmenteeconmico, e mais precisamente capitalista eneo-liberal do fenmeno da mundializao emsua atualidade (Rolnik).

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    Algumas mdias funcionam como territrios portteis, como o celular, o mp3 player, o laptope o palmtop. Um territrio sonoro, por exemplo, segundo Obici, pode atuar tanto instaurandocomportamentos e modos de percepo, congurando o tecido sensvel de nossos ouvidos a ponto deos manter anestesiados, quanto oferecendo possibilidades de enfrentar tal condio, restituindo aspotncias do sonoro16. Paul Virilio, citado por Obici, arma que vivemos a ditadura do movimento, quenos leva a um estado de inrcia polar, a um esgotamento. Segundo Virilio (1984), vivemos a iluso deque a liberdade de movimento leva liberdade innita, mas a mobilidade pode ser tanto uma estratgiade criar territrios, como tambm de extermin-los.

    Porm, concordamos com alguns autores para quem o espao miditico no pode ser pensadosomente como alienador, pois existem outros fatores, como a situao poltica, social e educacional dopas, alm de haver um receptor ativo, em uma relao comunicacional complexa17. Idia compartilhadacom Maffesoli, para quem a comunicao tambm divertimento, no no sentido de dominar umpblico18, pois onde h manipulao tambm h alguma forma de resistncia.

    O que caracteriza a nova mdia a possibilidade de ser a mdia, segundo o Independent

    Media Center19. E com essa possibilidade, diversas formas de expresso, politicamente engajadas(ciberativismo), de exerccio de pensamento, de cultura, ou motivadas por inmeras outras questes,podem emergir.

    Entendemos que as experimentaes e movimentos envolvendo a mdia digital nacontemporaneidade tendem a nos mostrar um outro modo de comunicao, que abre campos dealteridade, e isso tem uma implicao tica. Nesse espao, entendemos ns, tais produes quetangenciam o campo da arte, da tecnologia e da cincia, vo cumprir um papel fundamental, por noserem impositoras de informao e de ideologias, mas estimuladoras de novas formas de se relacionarcom o mundo.

    Dessa forma, estaremos investigando seus modos de operar sob um paradigma esttico, quetrabalha com os paradigmas cientcos e ticos e por eles trabalhado 20. O paradigma esttico temimplicaes ticas porque trata de criao, da construo de mundos, de escolhas que envolvem, aomesmo tempo, dimenses sociais, tecnolgicas, cientcas, biolgicas, econmicas, implicando umaresponsabilidade em relao criao, alm de uma condio de alteridade na relao com o mundo,com a vida.

    (16) OBICI, G. (2006), p. 93.

    (17) MORIN, E. (2004).

    (18) MAFFESOLI, M. Op. Cit.

    (19)Ver e, no Brasil, .

    (20) GUATTARI, F. (1992), p. 136.

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    Um espao virtual tornado consistente

    Viagem no mesmo lugar, esse o nome de todas as intensidades, mesmo que elas se desenvolvam

    tambm em extenso. Pensar viajar (...). Em suma, o que distingue as viagens no a qualidade objetiva

    dos lugares, nem a quantidade mensurvel do movimento nem algo que estaria unicamente no esprito mas o modo de espacializao, a maneira de estar no espao, de ser no espao. Viajar de modo liso ou

    estriado, assim como pensar... Mas sempre as passagens de um a outro, as transformaes de um no outro, as

    reviravoltas.

    (Deleuze e Guattari,Mil Plats, vol. 5)

    Reactable um instrumento musical colaborativo, composto de uma mesa cuja superfcie

    uma interface digital multi-toque e objetos de formatos variados que, ao serem colocados sobre amesa, produzem os diferentes sons. Os objetos em contato com a mesa funcionam como componentesde um sintetizador que pode ser manipulado por diversos usurios, simultaneamente, sem qualquerconhecimento prvio de seu funcionamento pois, segundo os criadores, foi projetado para ser deuso intuitivo. Movendo e girando os objetos sobre a mesa luminosa, usurios podem criar topologiascomplexas e dinmicas, atravs de linguagens de programao controladas.

    O instrumento foi desenvolvido por uma equipe do Music Technology Group no AudiovisualInstitute, na Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona, Espanha, com incio em 2003. Segundo oscriadores, Reactable tem a inteno de ser colaborativa (com diversos usurios, local ou remotamente),

    sonoramente interessante e desaadora, masterizvel e utilizvel em concertos ou instalaes.

    Seuhardware composto pela mesa, uma cmera situada acima da mesa, que analisa continuamentea superfcie, monitorando as pontas dos dedos do usurio, o tipo, posio, orientao e a relao entreos objetos fsicos distribudos na superfcie da mesa e um projetor, situado dentro/abaixo da mesa, quefornece um feedbackvisual do estado, da atividade e das principais caractersticas dos sons produzidos.As aes do usurio controlam diretamente a estrutura topolgica e os parmetros do sintetizador.

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    Reactable. Fonte: .

    A hipermdia, em seus estados de coisas, como descrita acima, composta de singularidades

    que dependem de funes pr-desenhadas, como a linguagem de programao que vai responder ao do interagente, criando situaes projetadas previamente, fazendo suceder diferentes estados nascoisas: imagens e sons que retornam para o usurio a cada input. So misturas: componentes atuaise variveis que so postas em relao de funo. Seus componentes atuais so como o resultado oua parada de um movimento de atualizao, mas guardam algo de potencial. Ou seja: as coisas e osestados de coisas do condies para que uma virtualidade, no mais catica, e sim consistente, seatualize. Esse movimento no tem uma nica direo, como veremos mais adiante.

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    O que est em movimento o prprio plano no qual estamos, movimento mltiplo dobra, troca

    imediata, instantnea. No momento, se faz relevante diferenciar o conceito de virtual sinttico, no

    sentido comumente empregado pela mdia em geral, e o conceito de Virtual que responde ao campo

    problemtico que est sendo apresentado.

    O Virtual real

    No campo das tecnologias da informao e comunicao, as TICs, convencionou-se chamar de

    real tudo aquilo que faz parte do espao fsico, como os objetos materiais, elementos constitudos; e

    opor ao real o termo virtual, que seria o mundo criado pelas tecnologias digitais. Assim, uma experincia

    no mundo virtual seria irreal, pois o corpo, como um real, continua na dimenso fsica, enquanto seu

    avatar atua no mundo virtual do ciberespao. Pierre Lvy (1999) chegou, inclusive, a esquematizar

    os diferentes sentidos que a palavra Virtual pode ter, do mais fraco ao mais forte e, em certo sentido,

    virtual teria o sentido de digital.

    No sentido losco, como o segundo sentido mais fraco, Lvy exemplica como sendo a

    existncia da rvore na semente - existncia em potncia, e no em ato, ou como uma palavra em

    uma lngua, por oposio atualidade de uma ocorrncia de pronncia. Em nveis intermedirios,

    o virtual teria o sentido de possibilidade de clculo computacional ou de dispositivo informacional

    (espao de interao dentro do qual o usurio pode controlar um representante de si, como acontece

    em videogames, mapas dinmicos de dados, simuladores, etc.) e, no sentido mais forte, seria a iluso

    de interao sensrio-motora com um modelo computacional, ou seja, um sentido predominantemente

    tecnolgico. Para o autor, um mundo virtual, no sentido amplo, um universo de possveis, calculveisa partir de um modelo digital21.

    Nesse captulo, mostraremos como virtual e digital podem se colocar de maneiras completamente

    diferentes. No se trata de comparar os conceitos, para escolher um melhor, mas de confrontar os

    campos problemticos aos quais eles respondem, as variveis que eles permitem, para descobrir como

    esses problemas se transformam e exigem, muitas vezes, a constituio de novos conceitos.(21) LVY, P. (1999), p. 74.

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    Segundo Pimenta, wiros, do indo-europeu, teria dado origem s palavras virtuale viril; wirostransformou-se no latim primitivo vir, o que fez surgir virilise tambm virtus: virtude, fora da alma. NaIdade Mdia, o latim escolstico introduziu o virtualis: aquele que possui em si a fora para realizaralgo. Santo Agostinho teria aberto uma passagem para o virtualis, ao designar o signo como virtus.Para designar Deus, ele armaria a existncia do ser, do no-sere de uma terceira instncia, que se

    comporia com as outras duas, como se lembrasse Lupasco e o princpio do terceiro includo22

    ; essaseria, para Pimenta, a natureza primeira do virtusescolstico.

    O autor distingue, ento, um virtual sinttico, que seria representado pela simulao de mundosconcretos dentro de computadores, e um virtual integral, envolvendo a produo de uma sensorialidadeque no privilegia um sentido em detrimento de outros:

    A Realidade Virtual Integral encontraria a sua principal referncia na Internet. E as redes de

    redes de computadores evidenciariam com mais fora a emergncia de uma nova sociedade:

    o Teleantropos cunhado por Ren Berger o ser humano feito tambm distncia, dando ao

    conceito de proxemia criado por Edward T. Hall nos anos 60 uma nova dimenso e projetandouma teleproxemia23.

    Para Deleuze e Guattari, lsofos que so referncia para Lvy, o virtual um modo de ser doreal: possui realidade, sem ser atual, ou ainda, o no dado; essa concepo tambm prxima deQuau (1995), ainda que com algumas nuances. O movimento de atualizao, que vai do virtual ao atual,se d de modo diferente do movimento de realizao, ou seja, do possvel ao real. Esses movimentosse do segundo regras diferentes: aquilo que possvel deve se assemelhar ao real para se realizar, e

    tem no real sua limitao. Como no so todos os possveis que se realizam, pela limitao implicadapela realizao, que certos possveis so impedidos de se realizar. Ou seja: dentre tantas possibilidades,apenas algumas se realizam, excluindo as outras.

    J as regras da atualizao so a diferena e a divergncia ou criao. Uma intensidade, sendoj diferena em si, carregando tendncias de diferentes naturezas, abre-se sobre sries disjuntivas, eas disjunes permanecem como disjunes, mas sua sntese deixa de ser exclusiva ou negativa para

    (22) PIMENTA, E. (1999), p. 50.

    (23) PIMENTA, E. .

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    assumir um sentido armativo pelo qual uma instncia mvel passa por todas as sries disjuntivas.

    O Virtual j possui realidade, e no processo de atualizao que existe a criao, pois o virtual se

    diferencia de si mesmo para se constituir enquanto matria, enquanto algo efetuado.

    No virtual, as tendncias que se desenvolvem criando direes divergentes, carregam um

    impulso que Bergson chamou de Impulso Vital: o Impulso Vital dissocia-se a cada instante em dois

    movimentos, sendo um de distenso, que recai na matria, e outro de tenso, que se eleva na durao24.

    Os movimentos que recaem na matria no se assemelham entre si, mas os produtos desse movimento

    podem se assemelhar entre si. Por exemplo, ao interagir com uma hipermdia, atuamos sobre cdigos

    e linguagens que, em sua atualidade, podem assemelhar-se, mas o movimento que os atualiza a cada

    instante, a as tradues entre os diferentes espaos, as relaes que estabelecem com as subjetividades

    a todo momento e os cruzamentos entre sistemas de signos, operam de modo divergente. Como diria

    Rossi, o que se percebe que as mdias convergem, mas nem tanto a linguagem 25...

    Mesmo a matria no puramente atual. Ela se envolve em crculos de virtualidade, guardandoem si, atravs de suas linhas divergentes atuais, uma virtualidade, traos do movimento do qual resultam.

    No encontro com a nossa percepo, essa virtualidade que persiste, se desdobra, remonta ao virtual e

    ganha potencial de diferenciar-se novamente.

    Novak (1997) entende a realidade como campos de informao latente, que so segmentados

    e reconstitudos para se ajustarem ao nosso entendimento, o que implica um senso intermedirio de

    realidade, uma noo fractal do real. Segundo essa lgica, podem haver tantos pontos de sampleagem

    onde algo no , quanto onde algo . Nossa percepo no pode apreender a microescala, tampouco

    a macroescala - a no ser que se utilizem verdadeiras prteses sensoriais (PIMENTA, 1999) - masmesmo em nossa escala, para Novak, para apreender emanaes de informao de cada objeto, como:

    uxos eletromagnticos, intensidades de luz, presso, ou o calor de um corpo, que formam complexas

    geometrias danantes a nossa volta a todo instante 26, a nossa percepo opera por descontinuidade

    e reconstituio: escolhe uma resoluo, encontra uma faixa de onda ou sintonia dinmica, para dar

    conta das disparidades de freqncias que a afetam.

    (24) DELEUZE, (1999), p.77. Faz-senecessrio explicitar as razes de se utilizaro Bergsonismo de Deleuze em vez do prprio

    Bergson. O pensamento de Deleuze, ao seencontrar com o pensamento de um autor,transforma e cria junto com o pensamentodesse autor e, embora tenhamos consultadoBergson diretamente, com Deleuze que suasidias tornam-se mais claras e prximas dasquestes colocadas na presente pesquisa.

    (25) ROSSI, D. (2003).

    (26) NOVAK, M. (1997), p. 265. Traduonossa.

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    A atualizao de uma virtualidade que persiste no atual , para Deleuze e Guattari, a diferenciao- a vida o prprio movimento de diferenciao - ela procede por dissociao, desdobramento.Seguindo essa linha, a evoluo no se daria de um termo atual a outro, e sim de um virtual aos termosheterogneos que o atualizam ao longo de uma srie ramicada.

    Assim, o digital em si da ordem do possvel, dado que consiste em muitas possibilidades

    programadas por um sistema, aguardando que uma ao o realize. Mas se o considerarmos em suaatualidade, ele pode guardar em si um potencial, algo de virtual, capaz de se relacionar com elementosheterogneos, sendo a ao humana um desses elementos, e se diferenciar, ou seja, criar.

    A criao na atualizao

    Nas cincias sistmicas, a criao est diretamente relacionada com a introduo da echado tempo. Na concepo clssica, a irreversibilidade do tempo estava ligada entropia e esta a umaprobabilidade. No se podia ter a localizao exata das trajetrias. Atualmente, a prpria noo de

    trajetria deu lugar ao par estabilidade/instabilidade.

    Com o avano dos estudos dos fenmenos irreversveis, foi vericado que processos irreversveisquebram a simetria do tempo e do origem a novas estruturas. Alguns sistemas adquirem ritmosdiferentes conforme as condies (bio-ritmicidade ou poli-ritmicidade). As mudanas estruturais em umsistema constituem atos de cognio, para Varela e Maturana. A cognio no a representao deum mundo para esses autores, mas a contnua atividade de criar um mundo por meio do processo deviver (CAPRA, 1996).

    Essa descontinuidade na qual opera nossa percepo um tema bastante trabalhado por Pimenta

    (1999). Baseando-se em estudos de Edelman, entre outros, nos diz que cada vez que um elementopenetra os domnios do nosso corpo, desencadeia-se um processo dissipativo gerando uma espciede metamorfose estrutural, uma [...] mutao27. Segundo esses estudos, a seleo, o acaso e a auto-organizao, que fazem parte do comportamento de conjuntos neuronais (e do sistema imunolgico,por exemplo) so princpios que no implicam uma relao causal ou determinista, mas um processocomplexo de trocas com uma lgica prpria, um processo gerado por espcies de atractores estranhos,cujas rbitas acontecem apenas enquanto campos de tendncias28.

    (27) PIMENTA, E. (1999), p. 187.

    (28) Ibid., p. 188.

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    Outra caracterstica fundamental da natureza cognitiva, segundo o autor, a operao de

    montagens e desmontagens que, mais adiante, identica como operaes em loopings sensoriais, ou

    ainda, conjunes e disjunes, que se do segundo diferentes padres de realismo [...] alternando-se

    segundo a paleta sensorial estabelecida pelo ambiente de cada situao29. Os loopingsno operam

    por simetria, operam como um conjunto dinmico e turbulento de trocas, sendo a turbulncia o mais alto

    potencial de criatividade.

    Muitos aspectos da criao podem ser esclarecidos nas relaes entre memria e percepo em

    Bergson. O que liga um instante a outro a memria, assim o autor distingue dois tipos de memria: a

    memria-contrao, que d a um corpo durao no tempo - mas no em um tempo cronolgico, e sim

    um tempo no qual o presente o ponto mais contrado de um passado ontolgico, que existe virtual e

    simultaneamente com o presente - e a memria-lembrana, sendo contempornea com a percepo e

    denida em relao ao momento seguinte, no qual ela se prolonga, mudando de qualidade. O presente

    , desse modo, o ponto preciso onde o passado se lana em direo ao futuro, e se dene como aquilo

    que muda de natureza, o sempre novo.

    Entre a percepo e a ao, uma Memria, como coexistncia de graus de diferena, que

    entra nesse intervalo e se torna atual, na forma de imagens, sons, etc. Nesse intervalo que ocorre uma

    mutao, uma reorganizao, provocada por aquilo que chega nossa percepo.

    Bergson, citado por Deleuze (1999), nos mostra com um belssimo exemplo as noes de

    diferena de graus, e degraus de diferena. Temos simples diferenas de graus entre objetos, no caso

    do conceito geral de cor, se extramos as singularidades de cada cor, de modo que as diferentes cores

    se tornam objetos sob esse conceito, que funcionar como um gnero. Nesse caso, permanecemos nasdistines espaciais, em um estado de diferena exterior coisa30. O objeto e o conceito fazem dois, e

    a relao entre eles de subsuno. J se fazemos com que as diferentes cores sejam atravessadas

    por uma lente convergente que as conduza a um mesmo ponto, [...] o que obteremos a pura luz

    branca, aquela que fazia ressaltar as diferenas entre as tintas, de modo que as diferentes cores

    [...] so nuanas ou graus do prprio conceito, graus da prpria diferena. 31, ou seja: agora o objeto

    participa do conceito, o conceito a prpria coisa.

    (29) IPIMENTA, E. (1999), p. 110.

    (30) DELEUZE, (1999), p.111.

    (31) Ibid.

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    Pensamos em diferenas de graus quando relacionamos objetos e os colocamos em termosde oposies contnuo/descontnuo; tudo/nada e quando os comparamos em termos de mais ede menos - menos rgido, mais claro... J os graus da diferena podem ser pensados em termos denuanas, sendo o virtual a coexistncia das nuanas, o conceito da diferena. A diferena de naturezaest em uma mesma coisa, entre duas tendncias que atravessam essa mesma coisa. O virtual, ou a

    diferena, s agir diferenciando-se de si mesmo.A atualizao, que opera por divergncia ou diferenciao (diferentemente da realizao, que tem

    como regras o limite e a semelhana com o real), se mostra como aquela que apresenta o aspecto criativo,que estaria justamente nesses movimentos de atualizao/virtualizao das linguagens em constantetransduo32, considerando as linguagens em um sentido mais amplo: som, imagem, movimento, gesto,ritmo, passagem, a codicao de uma idia ou o estabelecimento de ordem em um sistema, a potnciade transformao cognitiva, entre outros.

    A criao, segundo Deleuze e Guattari, um dos princpios/operaes do Rizoma33: conceito que

    se coloca em oposio ao esquema arborescente - mas se coloca em oposio apenas tornar possvela distino e apreender como se do suas relaes. O modelo de rvore do conhecimento mostra umsistema em que h um centro, do qual saem ramicaes, enquanto o rizoma caracteriza abertura ecriao, independentemente de um centro. medida em que o rizoma aumenta suas conexes, elenecessariamente cria novas direes. Assim parece ser uma dinmica de produo de conhecimentoque se anuncia: comportando linhas rizomticas e, ao mesmo tempo, com pontos de arborescncia.

    Os estados de coisas atuais e os acontecimentos virtuais

    Os estados de coisas e misturas de corpos, nas quais se atualiza o acontecimento, somultiplicidades de espao, nmero e tempo, que ordenam as misturas. Misturas, essas, que podem ser detipos diversos: da ordem da afeco e da percepo, da intensidade e dos espaos, da correspondnciae da ressonncia, etc.

    Em um espao extenso, ou Estriado34,tais misturas se dividem, se distribuem, como formas oupropriedades que podem ser percebidas, classicadas; como matria de alguma forma organizada, que

    (32) A transcodicao ou transduo, paraDeleuze e Guattari, a maneira pela qualum meio serve de base para um outro ou,ao contrrio, se estabelece sobre um outro,se dissipa ou se constitui no outro, sendo osmeios essencialmente comunicantes. Alliezdene o prexo trans como transversalidade,transdisciplinaridade, transformao, emapresentao coleo de livros intituladaTRANS. A transduo, em Simondon (Kastrup,prelo) um movimento de tomada de formapor atrao ou propagao. A transduo uma cadeia de transformaes, atravs dasquais as formas so modicadas a partir deseu nvel pr-individual.

    (33) Os demais princpios do Rizoma seroabordados no quinto captulo.

    (34) DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Vol. 5.(1995). Edio eletrnica.

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    pode ser medida, quanticada. Esse espao traduzido o tempo todo em um espao Liso, o que noquer dizer que seja homogneo, mas de outra natureza: um espao de percepo hptica, ocupadopor intensidades, de variao contnua, de desenvolvimento contnuo da forma, espao de afectos, deacontecimentos.

    Um exemplo que facilita o entendimento, diz respeito estriagem da fora da gua, que consiste

    em subordin-la a a condutos, canos, diques que impeam a turbulncia, que imponham ao movimentoir de um ponto a outro, que imponham que o prprio espao seja estriado e mensurado, que o uidodependa do slido[...]ao passo que sua dinmica em um espao liso seria expandir-se por turbulncia,produzir um movimento que tome o espao e afete simultaneamente todos os seus pontos, ao invs deser tomado por ele como movimento local, que vai de tal ponto a tal outro 35.

    Assim, um aspecto varivel dos dois espaos e de suas relaes, concerne relao do ponto eda linha que, no estriado, vai-se de um ponto a outro e, no liso, os pontos esto subordinados ao trajeto,como uma direo e no uma dimenso. como entre os nmades, ou como em uma prtica de deriva36,

    em um espao ocupado por intensidades, qualidades tteis, sonoras... O liso uma multiplicidade no-mtrica em que o nmero refere-se a uma distncia, e no a uma grandeza, que s se deixa medir pormeios indiretos.

    As multiplicidades de distncias, ou de espao liso, so inseparveis de um processo devariao contnua, enquanto as multiplicidades de grandeza, ou de espao estriado, repartem xos evariveis37.

    Pensando em algumas prticas contemporneas, envolvendo a mdia digital, que podemexemplicar aspectos variveis entre esses espaos e suas misturas, poderamos considerar a arte

    generativa e o live coding38. A arte generativa criada a partir de algoritmos, e geralmente executadade maneira autnoma. Podem haver controles (parmetros/argumentos) para este processo, mas oalgoritmo xo, dessa forma o uxo de dados segue a programao feita previamente (ela estria ouxo). J no live coding, o contedo audiovisual gerado atravs de uma programao improvisada: um tipo de programao ao vivo, que modica substancialmente a natureza do algoritmo pois, mesmohavendo clculos, os dados podem vir de todo o ambiente interativo; diramos que estruturalmenteaberto e pode captar informaes do movimento das pessoas, emanaes de luz e calor, ou qualquer

    (35) DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Vol. 5.

    (1995). Edio eletrnica, p. 22.(36) A prtica da deriva e da psicogeograa,advindas do movimento situacionista no naldos anos 50, se baseavam no preceito deandar sem um rumo previamente conhecido,buscando redescobrir ligaes afetivas emespaos pblicos (Leo, 2004).

    (37) DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Op. Cit.,p. 191.

    (38) Conra: TOPLAP (Temporary|Transnational|Terrestrial|Transdimensional) Organisation

    for the (Promotion|Proliferation|Permanence|Purity) of Live (Algorithm|Audio|Art|Artistic)Programming. Disponvel em: . Alguns sloganspara essa prtica traduzem o que acontece:putting the rhythm into algorithms, puttingthe funk into functions, entre outros. Htambm pesquisas exploratrias do tema eda prtica. Ver tambm: .

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    outro dado do ambiente em tempo real, e causar modicaes no prprio algoritmo. Grosso modo, ainda

    que ambas estriem a informao, codicando-a em cdigo binrio, h uma notvel diferena nos

    modos de operar da linguagem digital em um e no outro caso.

    H, ainda, um outro aspecto varivel entre as duas multiplicidades a de distncias e a de

    grandezas: quando a situao de duas determinaes exclui sua comparao. o caso das relaes

    entre pores riemanianas de espao, que se conectam por processos de frequncia ou acumulao

    de vizinhanas, assim como os nmeros fractais:

    dois observadores vizinhos podem referir, num espao de Riemann, os pontos que esto em sua

    vizinhana imediata, mas no podem, sem uma nova conveno, situar-se um em relao ao

    outro. Cada vizinhana , pois, como uma pequena poro de espao euclidiano, mas a ligao

    de uma vizinhana vizinhana seguinte no est denida e pode ser feita de uma innidade de

    maneiras. O espao de Riemann mais geral apresenta-se, assim, como uma coleo amorfa de

    pores justapostas, que no esto atadas umas s outras; e possvel denir essa multiplicidade

    independentemente de qualquer referncia a uma mtrica, mediante condies de freqncia, ou

    antes de acumulao, vlidas para um conjunto de vizinhanas, condies inteiramente distintas

    daquelas que determinam os espaos mtricos e seus cortes 39.

    Justamente a noo de atratores, j mencionada, indica como podem se misturar os dois tipos

    de multiplicidade. Para Pimenta, imaginar atractores estranhos signica pensar a turbulncia enquanto

    fenmeno intermdio, [...] uma espcie de interface entre sistemas40. Isso porque, para o autor, est

    acontecendo um salto de metamorfose em nosso modo de perceber a realidade, naquilo que chamamosde conhecimento e na prpria realidade. Percebemos enquanto processo, e isso ca mais claro ao

    pensarmos no universo intensamente dinmico engendrado pelos sistemas de comunicao interativa

    em tempo real. Estes, j no imitam a natureza em sua forma de operar, mas incorporam-se a ela

    enquanto processo.

    (39) DELEUZE, G. e GUATTARI, F. (1995), p.193. Edio eletrnica.

    (40) PIMENTA, E. (1999), p. 242.

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    Imagens de atratores simulados por clculo computacional.

    Fonte: http://www.processingblogs.org/2004/05/12/attractor-patterns/

    O prprio desenvolvimento tecnolgico uma mistura atravessada por diferentes tendncias; o

    ciberespao s foi possvel graas a mtodos cientcos, frmulas, modos de organizao (todo tipo

    de estriagem), mas ele no se reduz s questes tecnolgicas, envolvendo uma innidade de prticas

    culturais, formaes e dissolues, devires e acontecimentos, servindo de inspirao e enriquecendo os

    procedimentos da cincia tida como cincia maior. Assim, o espao liso , tambm, traduzido o tempo

    todo em estriado, mas a simples oposio no basta: pode-se fazer do espao estriado uma prtica que

    restitua o liso, assim como fazer o liso sofrer uma estriagem o que nos interessa so os processos, as

    passagens e combinaes que ocorrem entre os espaos.

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    Os acontecimentos incorporais, ao mesmo tempo em que se atualizam nos estados de coisas,se elevam desses estados de coisas em um duplo movimento: atualizar-se e virtualizar-se. Osacontecimentos se efetuam nos corpos, j que dependem de um estado e de uma mistura de corposcomo de suas causas. Mas, tambm, o acontecimento no esgotado em sua efetuao, pois, comoefeito, ele difere em natureza de sua causa, j que ele age como uma Quase-causa que sobrevoa oscorpos, que percorre e traa uma superfcie, objeto de uma contra-efetuao 41. O sentir, por exemplo,engendra-se nos corpos - est na profundidade dos corpos, mas tambm sobre uma superfcie incorporalque o faz advir.

    Se os innitivos so acontecimentos, porque h neles uma parte que sua realizao no bastapara realizar, um devir em si mesmo que est sempre, a um s tempo, nos esperando e nos precedendo42O acontecimento uma multiplicidade que comporta muitos termos de naturezas diferentes, e queestabelece ligaes trans-histricas, agenciamentos de co-funcionamento entre os termos.

    Assim, vericamos que uma produo experimental pode relacionar, ao menos, dois tipos de

    espao. medida em que suas orientaes, referncias e conexes variam, constituem um espao liso,hptico, como jogo no harmnico, como atrito de sensaes dspares, que arranca o sujeito de suaforma constituda; ao mesmo tempo, constituem o estriado: ptico, sonoro, da ordem dos enunciadosou da expresso. Se tais multiplicidades coexistem e se misturam de diferentes maneiras em um plano,investigaremos possveis direes de como podem produzir qualidades expressivas e comunicantes.

    Transio experimentada

    Na cincia, temos o observador parcial, como pontos de vista nas coisas mesmas. No campointensivo, segundo a losoa de Deleuze e Guattari, o observador tem o papel de perceber e experimentar,no enquanto um ser com identidade, um eu, mas se deixando atravessar por percepes e afecesque surgem do encontro com as coisas que se dispe a interagir. O empirismo que se d em um campode imanncia no apresenta um uxo do vivido imanente a um sujeito, pois a imanncia no imanentea algo, somente a si mesma; o empirismo, em um tal plano atravessado por potncias, s conheceacontecimentos e expresses de mundos possveis43.

    (41) DELEUZE, G. e PARNET, C. (1998), p.73.

    (42) Ibid., p. 78.

    (43) DELEUZE, G. e GUATTARI, F. (1992), p.65- 66.

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    medida que os corpos perdem sua unidade e o Eu sua identidade, a linguagem no mais tema funo de designao e sim de expresso, no relativamente a algum que se expressa, mas comrelao ao expresso. A linguagem exprime intensidades, o signo uma intensidade. O sentido, comosingularidade pr-individual, se d em um mundo em que a identidade do eu se acha perdida [...] emproveito de uma multiplicidade intensa e de um poder de metamorfose em que as relaes de potnciaatuam umas nas outras44.

    Em um plano de imanncia, o que percebido no remete a um inconsciente, mas formacomposies, no simblico, no aceita interpretaes, e sim desenha um plano no qual os elementosvo se associar, de uma maneira ou de outra. O sentido, no mais como predicado ou propriedade, produzido em um mundo de singularidades impessoais e pr-individuais, como acontecimento 45. Oacontecimento aparece (ou desaparece) como um ponto aleatrio que se acrescenta ou se subtrai auma regio de um estado de coisas, ou de um corpo apreendido por um experimentador, sem que sepossa decidir sobre a pertena do acontecimento situao na qual se encontra essa regio, ou stio.Pode haver uma interveno como um lance de dados sobre o stio que qualica o acontecimento e o

    faz entrar na situao, uma potncia de fazer o acontecimento.

    Em Reactable, alm dos elementos descritos, h outros em vias de se atualizar, que dependemtanto de fatores tcnicos, quanto das circunstncias em que as experincias sensveis se do. Soelementos heterogneos que se mantm juntos sem deixarem de ser heterogneos, e o que garanteque eles assim se mantenham, o que faz a consistncia do Acontecimento, pode ser o elemento maisdesterritorializado de todos, ou um vetor desterritorializante, como a matria sonora, varivel e variante,um corpo vibrtil46ou impulsos que se transcodicam de um meio a outros. Esses heterogneos secomunicam por zonas de indiscernibilidade:

    Tanto o som quanto a luz so topos vibrteis, isto , espaos (e)feitos de ora movimento ora de

    partculas, ora de ondas, ora sabe-se l do qu. A organizao do espao vibrtil, em certo sentido

    e direo, chama-se linguagem audiovisual. Pode ser denida como o design do topos vibrtil

    numa determinada ordem simblica possvel, quando o espao ptico se transmuta em espao

    ttico, hptico, que, por sua vez, se translada ao espao relacional da comunicao 47.

    (44) DELEUZE, G. (1998), p. 305.

    (45) Ibid., p. 110.

    (46) O conceito de corpo vibrtil em Rolnik(2006) ser abordado no terceiro captulo.

    (47) ROSSI, (2003). Rossi cita Dorival ROSSIe Joo WINCK. Um Conceito de AudiovisualInterativo. Cf.: e-papper publicado em www.winckonline.com.br.

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    O Acontecimento no aquilo que se passa, Segundo Deleuze e Guattari: no o som chegandoaos sentidos do corpo, nem nossa ao sobre as peas da mesa - ambos exemplos so do plano dascoisas e estados de coisas e, tomados isoladamente, s abririam passagem para o possvel, no parao potencial.

    A percepo, a passagem, a transio de um estado do corpo a outros estados, enquanto afetado

    e enquanto afeta outros corpos (podendo ser o corpo humano e/ou no-humano), so interaes, destavez operando um aumento ou diminuio de potncia, e concernem s coisas e aos estados de coisas.Mas, como havia sido descrito por Deleuze em Diferena e Repetio (1968), pode-se representar duassries de acontecimentos, que se desenrolam em dois planos distintos: uns reais, ao nvel das soluesengendradas, outros ideais, ao nvel das condies do problema. Assim, as interaes tambm podemser entendidas como uma outra srie de acontecimentos.

    Reactable. Fonte:

    O acontecimento prprio do campo do intensivo, como uma reserva, e se atualiza no extensivo,na extenso das coisas e estados de coisas. Mas algo s extensivo conforme alguma coisa, no deantemo. O intensivo se dispara conforme a intensidade do encontro.

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    Para os Esticos, o acontecimento ocorre nos corpos e ganha sentido na linguagem: a idiade multiplicidade decorre do fato de um mesmo acontecimento poder ter muitos sentidos. Portanto, arelao signicante/signicado, para os Esticos, no supre os mltiplos enunciados48.

    Reactable no FILE 2007, So Paulo. Crditos do autor.

    Um modo de entender a temporalidade do Acontecimento pens-lo como aquilo quepermanece, que coexiste com o evento, mas que no se atualiza totalmente. Naquilo que se atualiza,h um entre-tempo, que no est antes nem depois, ele est junto, devir.

    Condies ampliadas

    Como vimos, o Virtual j contm as diferentes tendncias que vo mudando qualitativamente medida que passam ao ato. Assim, o espao pode conter em si, enquanto diferentes tendncias,matria e durao, segundo o bergsonismo de Deleuze. Segundo esse pensamento, a durao ograu mais contrado da matria, ao passo que a matria o grau mais distendido da durao. Aqueladescontinuidade de que falamos acaba por se fundir na durao, que guarda diferentes nveis decontrao e distenso num mesmo plano. Assim, a durao como a contrao de uma sucesso deestados, de instantes, mas uma sucesso sem separao.

    A nossa experincia uma mistura de multiplicidades que no se deixa representar enquantomistura: uma multiplicidade caracterizada pela inseparabilidade das variaes, multiplicidade intensiva(48) ROSSI, D. (2003).

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    (estados que se fundem na Durao); e uma multiplicidade de termos justapostos no espao, no domnioda quantidade extensiva.

    A cincia nos convida a ver o mundo sob o estatuto das coisas separadas da tendncia eapreendidas em suas causas elementares. As idias de nalidade, causalidade e possibilidade sereferem a uma coisa pronta, mas se considerarmos que tudo no est dado, eis a armao de uma

    virtualidade que, para se atualizar, se inventa. Tempo real isso: alterao, passagem, mudana denatureza, no de grandeza.

    Assim como o termo Virtual pode assumir diferentes sentidos, como indicamos, o mesmo ocorrecom o chamado tempo real. Aqui, esse conceito responde a um campo problemtico que surge aoconsiderarmos um empirismo que excede as condies da experincia possvel. Nesse processo, se huma memria, no para rebater o interagente a situaes vividas, e sim para criar o novo, funcionarcomo desvio.

    A diculdade em concebermos o tempo de outra maneira que no como pores discretas

    e sucessivas, se deve ao fato de o espacializarmos. Isso vem da intensicao de uma cultura que

    privilegia a viso como principal responsvel pela percepo espacial, e que defende a supremacia

    da predicao e da contigidade na comunicao como um todo49. Porm, com o surgimento de

    novas geometrias50, novas velocidades e novas formas de comunicao, so novas condies espao-

    temporais que se colocam, e que suscitam novas maneiras de projetar. Segundo Novak, agora no

    apenas o ambiente leva em conta as aes do usurio, mas ele mesmo muda sua atitude ou atributos,

    respira e se transforma51.

    Considerando a raiz etimolgica da palavra cosmos como sendo ordem espontnea52

    , segundoum cosmos de um povo que o espao tem sido projetado e, com o espao, toda uma dinmica cultural.

    Pimenta nos mostra diversos exemplos disso, desde tribos indgenas, at a lgica linear de muitas

    cidades ocidentais, o que nos faz concordar com Laymert, quando considera que no h razes para

    considerar nosso mundo tecnolgico como mais avanado que o dos ndios ou de sociedades ditas

    primitivas, j que eles dispem um canal ou abertura atravs da qual existe uma troca com o cosmos,

    uma comunicao com o virtual53.

    (49) PIMENTA, E. (1999), p. 155.

    (50) Novak (1997) faz referncia aLobachevsky, Gauss e Riemann.

    (51) NOVAK, M. (1997), p. 263. Traduonossa.

    (52) PIMENTA, E. Op. Cit.

    (53) Laymert Garcia dos Santos entrevistadopor CTeMe. (2005). Disponvel em: .

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    O espao concebido como modo (ou modos) de organizao, ou como o resultado de um movimento

    que ainda guarda intensidades e vibraes, nos convida a experiment-lo de modo a possibilitar que

    diferentes duraes entrem em relao. Um espao de relaes desenhado tanto em espao quanto

    em tempo, mudando interativamente segundo diferentes modos de durar, segundo certa distenso ou

    tenso da durao, implica movimentos no tempo, novos ritmos: nessa concepo [...] o tempo deixa

    de ser vivido passivamente; ele agido, orientado, objeto de mutaes qualitativas54

    , podendo originarfocos mutantes de expresso e de subjetivao. Ento no se trata mais de uma interpretao em

    funo de um contedo preexistente, mas inveno de novos focos catalticos suscetveis de fazer

    divergir o sentido, a existncia.

    O som no referencial por natureza, no designa objetos: a cada frame, a cada afetao, umrizoma em tempo55, diferentes projees e modos de temporalizao que podem ocasionar transformaesno s na escala de eventos cognitivos, mas em agenciamentos que envolvem componentes biolgicos,scio-culturais, maqunicos, csmicos... Assim, uma hipermdia tambm uma articulao de foras

    manter o mesmo ou estimular a criao.Experimentar as transies, passagens de um espao intensivo a um extensivo e vice-versa,

    possvel no encontro com uma tcnica enquanto transdutora de processos de atualizao e virtualizao,encontro que cria afeces e composies nas quais se exerce a existncia.

    (54) GUATTARI, F. (1992), p. 30.

    (55) NOVAK, M. - Paper, 1997,

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    Diferentes multiplicidades

    Mas aqui as prprias balizas esto em movimento:

    s h pontos xos por comodidade de linguagem.

    (Deleuze e Guattari, Mil Plats, vol. 1)

    Muitas hipermdias excedem os limites da tela, alcanando espaos pblicos, criando novas

    formas de interagir e de comunicar no espao da cidade. Nesse captulo, destacaremos indicadores

    da coexistncia de diferentes tipos de multiplicidade em algumas hipermdias e direes a respeito de

    suas relaes espaciais. Tais relaes e processos podero contribuir para uma maior compreenso a

    respeito da produo de qualidades expressivas e comunicantes.

    Potrica, de Giselle Beiguelman, que ocorreu em So Paulo e Berlim, de 2003 a 2004, consistia

    basicamente em poemas visuais criados pela autora com fontes no-fonticas e um site (www.poetrica.

    net), onde as pessoas podiam enviar mensagens de texto, que tambm eram enviadas via celular e,em seguida, convertidas no mesmo tipo de fonte dos poemas (dings e fontes de sistema). O resultado,

    imprevisvel, podia ser visto em forma de imagens em painis digitais de quarenta metros quadrados

    localizados em trs pontos movimentados de So Paulo: a avenida Paulista, a Rebouas e rua da

    Consolao. O encerramento foi em Berlin, durante a exposio P0es1s.

    A autora nos fala de um nomadismo de signos, que cria novos sentidos. Esse nomadismo se

    refere tanto ao carter mvel dos dispositivos informacionais, quanto independncia de um suporte

    especco para uma escritura clonvel, em trnsito, que desfaz a distino entre original e cpia, bem

    como entre texto e imagem, entre emissor e receptor.

    Esse trabalho estabelece diferentes relaes com o territrio: uma relao com o espao fsico

    de cidade, com as subjetividades, bem como uma relao desterritorializada entre os dispositivos

    informacionais; introduz a questo da mobilidade de tais dispositivos, que congura uma nova relao

    comunicativa, e nos leva a pensar as tradues que ocorrem entre os espaos, tradues de linguagens,

    de uxos e de foras.

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    Potrica. Fonte:

    Final de poema da srie ad_oetries no painel da Kudamm, em Berlim, vista do Cafe Kranzler.

    Fonte:

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    A inteno no era representar uma paisagem, e sim potencializar a criao de novas qualidades

    expressivas. O signo passa a no existir mais enquanto imagem xa do (e no) espao ou pensamento,

    como representao. No se trabalhou com uma semelhana de sensaes, que no fora a pensar, e

    sim com algum tipo de divergncia ou disjuno. Disjuno signica que cada coisa se abre ao innito

    dos predicados pelos quais passa, com a condio de perder sua identidade como conceito ou como

    eu. Nem por isso, deixam de ter singularidades mltiplas, utuaes, formando e dissolvendo gurasmveis, que se comunicam com outras.

    Os poemas visuais de Potrica tendem a no fazer referncia ao j criado, eles se transformam

    entre as interfaces conectadas entre si, em conguraes provisrias e segundo uma tcnica de

    linkagem no-local, cujas expresses tomam forma de eventos diretamente percebidos, de natureza

    relacional, em um contexto em que a leitura distribuda e agenciada por hibridizaes (de linguagens,

    de espaos...).

    Outros trabalhos que tambm relacionam criativamente os espaos atual e virtual, tendo comoum dos componentes a tecnologia digital, so os concertos de Emanuel Pimenta, como o Zyklus 56 -

    uma pea que transformava-se continuamente durante 15 dias, e que foi estruturada a partir de alguma

    msica vernacular encontrada nas estepes da Sibria, da oresta Amaznica, em algumas ilhas do

    Pacco Sul, nas montanhas do Tibet e, paralelamente, tambm sobre sons urbanos da cidade de Nova

    York bem como a recente pea elaborada pelo autor a partir dos desenhos de Leonardo da Vinci57,

    transportados para ambientes digitais, que teve durao sete dias e foi realizada nos mais inesperados

    espaos da cidade de Locarno, na Sua. Como se no bastasse a prpria msica, sua distribuio

    nmade, que subverte as noes clssicas de msica, instaurando armadilhas lgicas

    58

    , o pblicoque, ao caminhar pela cidade, descobre os diferentes sons.

    Nesses casos, a msica no faz lembrar de coisas que o indivduo viveu, e sim projeta a

    experincia; a forma da msica no dada, acabada, mas est continuamente em formao em

    um processo afetivo em um indivduo-meio associados. O percurso-msica se confunde com as

    subjetividades e com o prprio meio.

    (56) Ela foi elaborada em memria de Rinaldo

    Bianda, a partir de um convite do Festivalde Video Arte de Locarno e da cidade deLocarno, e ocorreu de 1 a 15 de agosto de2005. A expectativa de pblico foi de cercade trezentas a quatrocentas mil pessoas. Ver. Acessoem 22 jul. 2008.

    (57) O historiador Italiano Marino Vigananunciou recentemente a descoberta donico edifcio ainda existente projetadopor Leonardo da Vinci, na cidade Suade Locarno. A cidade ento convidou ocompositor Emanuel Pimenta para criar umgrande concerto em celebrao aos 500 anosdo projeto de Leonardo. Ver http://www.asa-art.com/leonardo.html

    (58) A nova abordagem criao musical,no trabalho de Pimenta, cuja tcnica se baseia,entre outros, em pesquisas de processosmentais, implicando uma transformao depadres sinpticos, tem sido chamada dearmadilhas lgicas.

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    Tal comunicao se constri por linhas que formam coordenadas que, ao mesmo tempo em que

    estriam o espao, permitem a emergncia de qualidades expressivas, constituem uma topologia deagenciamentos que produzem afetos e perceptos.

    A linha nmade do espao liso tem orientao mltipla e passa entre os pontos, entre as guras,no desenhando contornos. Mas ainda assim se conecta com uma potncia de expresso. Uma tal

    linha o afecto do espao liso, enquanto a representao o sentimento do espao estriado59. Temos,assim:

    De um lado, as multiplicidades extensivas, divisveis e molares; unicveis, totalizveis, organizveis;

    conscientes ou prconscientes e, de outro, as multiplicidades libidinais inconscientes, moleculares,

    intensivas, constitudas de partculas que no se dividem sem mudar de natureza, distncias que no

    variam sem entrar em outra multiplicidade, que no param de fazer-se e desfazer-se, comunicando,

    passando umas nas outras no interior de um limiar, ou alm ou aqum60

    Este ltimo tipo de multiplicidade a que Deleuze e Guattari se referem, s poderia ser pensadaem termos de intensidade, jamais como uma soma de unidades, j que est sempre aberta a conexese, por isso, sempre em transformao. Alm disso, no se pode localizar pontos ou posies xas emum tal tipo de multiplicidade, somente linhas de direes variveis. Poderamos classicar, quanticar elocalizar elementos do primeiro tipo de multiplicidade: a que velocidade ou largura de banda ocorriam astransmisses de dados? Ou, ainda, que tipos ou nveis de interatividade cada hipermdia permitiu? Masas multiplicidades no existem isoladamente, se fazem sempre em relaes de alteridade. Pensandoem multiplicidades separadamente, no poderamos chegar questo da criao de espaos entrecoletivos interagentes.

    A questo muito mais ampla, pois trata-se de traar um mapa com componentes heterogneos,como: comportamentos sociais, linguagens diversas, cadeias semiticas e suas proliferaes, quepodem disparar processos de desterritorializao e reterritorializao, levando em conta a participaoda sociedade na criao de novos espaos e sentidos.

    Sendo a tecnologia digital um meio que atualiza um virtual, criando sensaes e percepes,investigaremos, a seguir, caractersticas na composio de uma hipermdia que constituam uma abertura,

    (59) DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Vol. 5.(1995). Edio eletrnica.

    (60) DELEUZE, G. e GUATTARI, F. Op. Cit.,Vol. 1. p.44. Edio eletrnica.

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    uma potencializao para a criao de direes imprevisveis. Tal abertura ou fechamento pode se dar

    segundo certas caractersticas presentes na hipermdia, caractersticas que remetem a uma questo

    mais ampla: a da interatividade. Elas constituem condies dadas pela hipermdia para que algo se crie,

    mas a questo da criao no pode ser reduzida a essas condies. Desenvolvendo melhor a questo

    da interatividade, poderemos chegar necessria distino entre como ocorre a criao segundo as

    condies dadas pela hipermdia, e como se d a criao segundo o encontro com a hipermdia.Vejamos, ento, alguns estudos relevantes sobre a interatividade para, em seguida, investigar

    como as hipermdias podem, atravs da interao com os diferentes espaos, permitir a criao de

    outros.

    Interatividade

    Cada hipermdia tem uma dinmica de passagens entre espaos, diferentes modos de

    afetabilidade, e uma capacidade singular de criar novos encontros com o real. Interessa-nos um tipode produo que estimule uma participao mais crtica e criativa e, como lembra Rolnik, uma criao

    pode ter diferentes polticas, movidas por diferentes graus de armao da vida61.

    Nveis de interatividade

    Como sabemos, a interao uma condio para a comunicao. Com as tecnologias digitais,

    a sociedade vem experimentando novas prticas comunicacionais e, com elas, mudanas nas relaes

    espaciais que, segundo McLuhan(1971), transformaram as noes geogrcas. As tecnologias anteriores,

    que permitiam uma comunicao de um para muitos, como na imprensa, rdio e televiso, e de um para

    um, como no correio e telefone, por exemplo, diferem das tecnologias digitais no apenas por permitirem

    uma comunicao de muitos para muitos, mas tambm por terem introjetadoconhecimentos cientcos

    de habilidades mentais. Foram, por isso mesmo, chamadas de Tecnologias da Inteligncia por Pierre

    Lvy (1993)62.

    (61) ROLNIK, 2007. Com o que voc pensa?(prelo). Texto gentilmente cedido pela autora.

    (62) SANTAELLA, L. (2003), p. 176.

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    Lvy considerou a capacidade que as novas mdias tm de desempenhar atividades de auxlio tomada de decises, memria, clculo, sua funo de representao e inuncia no uso das faculdadesde percepo, manipulao e imaginao; elas demandam uma nova escrita cognitiva e sensitiva: umaideograa dinmica (LVY, 1998). So verdadeiras ferramentas para o pensamento (RHEINGOLD,1985), mas tambm mquinas de sensao.

    A interatividade e o foco no processo, em vez do foco nos plos e categorias xas de emissor,receptor e mensagem, tambm tm sido apontados como grandes diferenas das mdias digitais emrelao s outras mdias, ditas de massa.

    com a intensicao da interatividade que a relao produtor/receptor se relativiza, pois essasposies se tornam intercambiveis e ambos constroem juntos a mensagem, o que Machado (1990)chama de bidirecionalidade do processo. O contexto (social, cultural) em que se d a comunicaoe o que ocorre entre os interagentes, passam a ser considerados elementos que caracterizam umnovo modelo de comunicao. Em geral, pode-se reconhecer nveis de interatividade dependendo da

    qualidade do feedbacke da troca, de acordo com os modo ou modos envolvidos.Machado aponta que muitas produes que se auto classicam como interativas, se enquadrariam

    no que ele chama de reativas. Primo (1998) avana nessa questo, descrevendo dois modos de interao:a mtua e a reativa admitindo, ainda, que haja algum nvel intermedirio. Abaixo, um quadro explicativoque esquematiza as diferenas entre esses dois modos de interao:

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    Como podemos ver no quadro, a interatividade mtua e a reativa diferem em muitos aspectos,porm, quanto interface virtual, classicada como interao mtua, e a potencial, como reativa, o autorse baseou em Pierre Lvy (1999) que, como vimos no captulo anterior, considera um conceito de virtualcom sentido tecnolgico.

    Primo constatou a necessidade de se construir uma classicao de nveis de interatividade quefosse alm da questo tcnica, com interesse voltado para os usurios. Segundo ele:

    Ainda que bem intencionadas, muitas delas acabam mais uma vez resumindo-se mquina. Isto

    , em tentando modelar certos estilos cognitivos, por exemplo, pretendendo permitir que pessoas

    com maneiras diferentes de atuar frente o computador possam encontrar interfaces que se

    adeqem a elas, mais uma vez a nfase recai sobre a criao de meia-dzia de possibilidades,

    que tentam codicar a singularidade cognitiva humana, em toda sua multiplicidade, em poucos

    modelos63.

    Interao mtua e reativa. Fonte:

    (63) Ver em PRIMO, A. . As classicaes aque se refere so, entre outras, as propostaspelos autores Steuer (1995) e Lippman (emBrand, 1988).

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    Para Rafaeli citado por Freitas (2002), os sistemas, para serem considerados interativos, precisamter capacidade de armazenar as diversas mensagens trocadas entre os interlocutores e utilizar-se destasinformaes para a comunicao posterior. Para Freitas, se a inteligncia articial torna possvel, almdo armazenamento das mensagens emitidas por diferentes usurios, o cruzamento entre os dadoscontidos nestas mensagens, ento, promover a interatividade no sistema promover contedo relevantee especialmente elaborado para um usurio64, ou seja, personalizada. Neste sentido, Freitas conclui queo uso de agentes inteligentes juntamente com as demais TICs, proporcionaro uma nova qualidade deinterao.

    Jensen (1999) apresenta diversas classicaes de nveis de interatividade, entre eles a deLaurel (1991), que arma que a interatividade existe em um continuum que pode ser caracterizado portrs variveis: freqncia, que conta a freqncia de reao do usurio; alcance, que conta quantasescolhas estavam disponveis; e signicncia, contando o quanto as escolhas alteram o resultado.

    Outro estudo citado no referido estudo o de Goertz (1995), que isolou quatro dimenses

    signicativas para interatividade: o grau de escolhas oferecido pela mdia, o grau de modicabilidade(por exemplo: possibilidade de o usurio mudar mensagens existentes ou adicionar outras), o nmero deselees e modicaes disponvel (dimenso quantitativa) e o grau de linearidade ou no-linearidade.As quatro dimenses compem um continuum que representado na forma de escalas. Quanto maioro valor na escala, maior o grau de interatividade.

    (64) FREITAS, J. (2002), p. 73.

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    Baseando-se no conceito de interatividade como uma medida da habilidade de uma

    mdia em permitir que o usurio exera inuncia no contedo e/ou forma da comunicao

    mediada, Jensen dividiu o conceito em 4 sub-conceitos ou dimenses. A primeira e a segunda,

    interatividade de transmisso e a de consulta, concernem disponibilidade de escolha, com esem solicitao, respectivamente. A terceira, interatividade conversacional, refere-se medida

    da habilidade potencial em permitir que o usurio produza e insira sua informao em um sistema

    de duas vias, que possa ser armazenado em tempo real (videoconferncias, newsgroups, e-mail,

    etc.); e a quarta, a interatividade de registro, apresentada como a medida da habilidade da

    mdia em registrar e adaptar-se s necessidades e aes de um usurio (sistemas de segurana,

    agentes ou interfaces inteligentes, etc.).

    Localizao de algumas mdias, baseada nas dimenses grau de selees disponveise grau de modicabilidade, de Goertz (1995); citado por Jensen (1999). Traduo nossa.

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    Segundo Loes de Vos (2000), a proposta de Jensen fazer uma separao conceitual entre oconceito sociolgico de interao e o conceito de interatividade, reservando este ltimo s cincias dacomunicao. Para Vos, necessria uma denio de interatividade que integre aspectos sociolgicos,psicolgicos e das cincias da comunicao, um conceito de comunicao como sendo um processosimblico de atores continuamente produzindo e transformando a realidade, viso baseada em Carey(1989). Tal conceito partiria da idia de interatividade como criao de um ambiente mediado a serexperimentado em um contexto social particular, proposta por Steuer (1995), Hanssen, Jankowski eEtienne (1995).

    Nessa direo, Vos e Van Dijk desenvolvem um modelo contextual de interatividade, comquatro dimenses: espao, tempo, comportamento e a dimenso mental. O quarto e mais alto nvel deinteratividade (dimenso mental) depende do grau de entendimento que os usurios tm e da habilidadede derivar das aes e de se localizar no contexto (experincias e circunstncias). As quatro dimensespodem ser cumulativas.

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    47Modelo contextual de interatividade com quatro dimenses. Vos e Van Dijk, 2001. Traduo nossa.

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    A gura a seguir representa um modelo contextual de TV interativa combinando as noes decontexto espacial e social, com a noo de TV interativa como uma integrao entre humanos, humano-mdia e humano-mdia-humano.

    Tabela 4: Modelo contextual TV interativa. Vos e Van Dijk, 2001. Traduo nossa.

    Sims (1997), baseando-se em Schwier e Misanchuk (1993), classicou diversos modos deinteratividade na mdia digital, entre eles: a chamada interatividade linear, que se resume em selecionar

    objetos e controlar linearmente a sucesso dos eventos; a interatividade de atualizao, que utiliza a

    inteligncia articial para estabelecer um dilogo com o usurio, atualizando-se e respondendo a ele

    a cada input; a interatividade de simulao que, dependendo da complexidade, pode estender o papel

    de usurio/aprendiz ao de controlador ou operador e a interatividade de Realidade Virtual Imersiva, que

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    tem a capacidade de responder s aes e movimentos individuais. O conceito de virtual, nesse caso,

    tambm reduzido ao de digital, pois constitudo de um ambiente gerado por computador, no qual o

    usurio projetado.

    Quanto criao de modelos que inevitavelmente reduzem as possibilidades de interao com

    a interface digital, pesquisas no campo da usabilidade e do design de interao, tambm com foco no

    usurio, procuram adaptar as interfaces s necessidades desses usurios, com objetivo de facilitar oacesso informao. Existem, inclusive, diversos modos de medir a usabilidade em uma interface,

    normas ISO65 e, ainda, a Engenharia de Usabilidade. Porm, Manovich (2001) observa que, ao seguir

    associaes previamente programadas, os usurios de mdias interativas acabam sendo obrigados a se

    adaptar estrutura cognitiva de outros. O que elas oferecem uma ao passiva, impondo um modo

    cognitivo sobre o que poderia ser um campo aberto de oportunidades espaciais, diminuindo a liberdade

    de ao que, sob um certo ponto de visa, caracteriza a realidade66.

    Prosseguindo com a questo das classicaes de nveis de interatividade, Lvy identicou graus

    de interatividade segundo eixos diferentes, como: as possibilidades de personalizao da mensagem,a reciprocidade da comunicao, diretamente relacionada com a classicao do tipo um-um ou

    muitos muitos; a virtualidade, no sentido de possibilidade de clculo computacional; a implicao da

    imagem (representacional) dos participantes nas mensagens ou no campo de informao, que depende

    do tipo de dispositivo informacional (uma imagem virtual controlada dentro de um espao de interao)

    e, nalmente, a telepresena. Os diferentes tipos de interatividade, exemplicadas no quadro abaixo,

    demandam uma cartograa na dos modos de comunicao, j que, segundo ele, questes polticas,

    culturais, estticas, econmicas, sociais, educativas e at mesmo epistemolgicas do nosso tempo so,

    cada vez mais, condicionadas a conguraes de comunicao67.

    (65) Normas ISO para Usabilidade: ISO/IEC

    9126 (1991) - NBR 13596; ISO/IEC 12119(1994); ISO/IEC 9241 (1998) e ISO/IEC14598. Fontes: http://homepages.dcc.ufmg.br/~clarindo/arquivos/disciplinas/eu/material/seminarios-alunos/normas-iso-kecia-elayne.pdf e http://pt.wikipedia.org/wiki/Usabilidade.

    (66) FREIRE, (2007). Texto gentilmente cedidopelo autor (mimeo).

    (67) LEVY, P. (1999).

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    Classicao de graus de interatividade. Fonte: Lvy, (1999).

    RELAO COM AMENSAGEM

    DISPOSITIVO DECOMUNICAO

    Mensagem linearno-altervel em

    tempo real

    Interrupo ereorientao

    do fuxo

    informacional emtempo real

    Implicao doparticipante na

    mensagem

    Difuso unilateral Imprensa, rdio,televiso, cinema

    - Bancos de dadosmultimodais

    - Hiperdocumentosfxos

    - Simulaes semimerso nempossibilidade demodifcar o modelo

    - Videogamescom um sparticipante

    - Simulaescom imerso(simuladorde vo) semmodifcaopossvel domodelo

    Dilogo,reciprocidade

    Correspondnciapostal entre duaspessoas

    - Telefone

    - Videofone

    Dilogos atravsde mundosvirtuais, cibersexo

    Dilogos entre vriosparticipantes

    - Rede decorrespondncia

    - Sistema daspublicaes emuma comunidadede pesquisa

    - Correio eletrnico

    - Confernciaseletrnicas

    - Teleconfernciaou videoconfernciacom vriosparticipantes

    - Hiperdocumentosabertos acessveisonline, frutos daescrita/leitura deuma comunidade

    - Simulaes (compossibilidade deatuar sobre o

    modelo) como desuportes de debatesde uma comunidade

    - RPGmultiusurio nociberespao,

    - Videogame emrealidade virtualcom vriosparticipantes,

    - Comunicaoem mundosvirtuais,negociaocontnua dos

    participantessobre suasimagens e aimagem de suasituao comum

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    Muitos outros estudos procuraram classicar tipos e nveis de interatividade, como na tese deChung (2004), que investiga a interatividade em sites de notcias. Ela utiliza um modelo adaptado deHeeter (1989), que estabelece seis dimenses de interatividade: controle por parte do usurio, troca,velocidade, coleta de informaes, personalizao e envolvimento sensorial. Este ltimo, segundo aautora, no diferente da dimenso identicada por Steuer (1995): vividez (ou nitidez), que seria ahabilidade para fornecer uma rica experincia sensorial. A vividez poderia ser medida pela amplitude, ou

    seja, a habilidade de apresentar informaes atravs dos sentidos, j a profundidade seria a qualidadeda imagem e do som apresentados, por exemplo. A vividez e a interatividade, segund