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ESTUDO ESTUDO Câmara dos Deputados Praça 3 Poderes Consultoria Legislativa Anexo III - Térreo Brasília - DF AS POLÍTICAS DO GOVERNO LULA PARA A ÁREA DE TRABALHO E EMPREGO UMA AVALIAÇÃO Adolfo Furtado Consultor Legislativo da Área V Direito do Trabalho e Processual do Trabalho ESTUDO JUNHO/2004

AS POLÍTICAS DO GOVERNO LULA PARA A ÁREA DE TRABALHO E ... · desempenho global das políticas ativas e passivas para o mercado de ... computado neste valor o rendimento das contas

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ESTUDO

ESTUDO

AS POLÍTICAS DO GOVERNO LULA PARA AÁREA DE TRABALHO E EMPREGO

UMA AVALIAÇÃO

Adolfo FurtadoConsultor Legislativo da Área V

Direito do Trabalho eProcessual do Trabalho

ESTUDOJUNHO/2004

Câmara dos DeputadosPraça 3 PoderesConsultoria LegislativaAnexo III - TérreoBrasília - DF

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ÍNDICE

Apresentação ......................................................................................................................... 3Uma visão geral dos programas, projetos e atividades do MTE................................... 4Uma avaliação dos principais programas do MTE ......................................................... 6

O Programa do Seguro-Desemprego............................................................................. 6Os programas de crédito ................................................................................................ 10O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para Jovens – PNPE 14

Conclusões........................................................................................................................... 19

© 2004 Câmara dos Deputados.Todos os direitos reservados. Este trabalho poderá ser reproduzido ou transmitido na íntegra, desde quecitado o autor e a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados. São vedadas a venda, a reproduçãoparcial e a tradução, sem autorização prévia por escrito da Câmara dos Deputados.

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AS POLÍTICAS DO GOVERNO LULA PARA A ÁREADE TRABALHO E EMPREGO

UMA AVALIAÇÃO

Adolfo Furtado

APRESENTAÇÃO

A população brasileira apresentava elevadas expectativas em relação àcapacidade de o Governo Lula combater o desemprego e implementar políticas que levassem àampliação dos rendimentos dos trabalhadores. De acordo com uma pesquisa do Datafolharealizada pouco antes da posse, cerca de 70% dos brasileiros pesquisados acreditavam que aspolíticas de emprego seriam as mais bem sucedidas do atual governo

Passados 17 meses desde a posse, as políticas de emprego e de salários seconstituem em uma das principais causas de decepção em relação ao desempenho do GovernoLula. A taxa média de desemprego aberto nas seis regiões metropolitanas parece ter atingido umnovo patamar, em torno de 13% da População Economicamente Ativa, e não dá mostras deceder. Os rendimentos médios dos ocupados em abril de 2004, por sua vez, eram 3,5% inferioresaos do mesmo mês do ano anterior.

Considerando que a redução do desemprego e a elevação do salário realdependem fundamentalmente das condições macroeconômicas, parte substancial dos mausresultados do mercado de trabalho não pode ser creditada ao fracasso de políticas de trabalho eemprego, mas à condução da política econômica. No entanto, tal fato não invalida a importânciade uma avaliação das políticas e programas executados pelo Ministério do Trabalho e Emprego –MTE, uma vez que o orçamento à sua disposição para 2004 – quase R$ 27 bilhões – é elevado.

Nesse sentido, este estudo é dividido em três seções, além destaApresentação.

A primeira seção apresenta uma visão global da alocação dos recursos doMTE, com base nos dados da Lei Orçamentária Anual de 2004, com o objetivo de identificar osprincipais programas, projetos e atividades do órgão. A segunda seção descreve e analisa os

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objetivos, diretrizes, concepção e forma de operacionalização dos principais programas do MTE.Quando há disponibilidade de informações e estatísticas, comenta sua execução nos anos de 2003e 2004.

A terceira seção traz, à guisa de conclusão, uma avaliação crítica dodesempenho global das políticas ativas e passivas para o mercado de trabalho, no estágio atual deimplementação pelo Ministério do Trabalho e Emprego.

UMA VISÃO GERAL DOS PROGRAMAS, PROJETOS E ATIVIDADES DO MTE

Em 2004, o Ministério do Trabalho e Emprego possui o quarto maiororçamento do Poder Executivo1. Com cerca de R$ 26,8 bilhões, o orçamento do MTE representa8,8% das despesas totais da Presidência e dos Ministérios e só perde em magnitude de recursospara os Ministérios da Previdência Social, Saúde e Defesa.

O Quadro I apresenta uma síntese da composição das despesas doMinistério do Trabalho e Emprego no Orçamento de 2004. É possível constatar à primeira vistaque praticamente 94% das despesas do MTE são relacionados a programas, projetos e atividadescusteados com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador. De fato, o pagamento debenefícios, com R$ 9,3 bilhões, refere-se ao seguro-desemprego e ao abono salarial anual; osprogramas de microcrédito, no valor de R$ 7,6 bilhões, são lastreados nos depósitos especiaisremunerados desse Fundo junto a instituições financeiras federais; e a reserva de contingênciarepresenta as disponibilidades financeiras do FAT que constituem a Reserva Mínima de Liquidez2.Em síntese, quase todos os recursos de que o MTE dispõe estão necessariamente vinculados aoPrograma do Seguro-Desemprego e ao Abono Salarial, cuja aplicação é restrita ao disposto no art.239 da Constituição Federal3.

1 Exclusive encargos financeiros da União; transferências a Estados, DF e municípios, operações oficiais decrédito, refinanciamento da dívida pública mobiliária federal e reserva de contingência.2 A Reserva Mínima de Liquidez de que trata a Lei n.º 8.019/90 é “destinada a garantir, em tempo hábil, osrecursos necessários ao pagamento das despesas referentes ao Programa do Seguro-Desemprego e do Abono deque trata o art. 239 da Constituição Federal”, correspondendo a seis meses de pagamento de benefícios doseguro-desemprego e do abono salarial anual.3 CF, art. 239, caput e § 3º: “Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de IntegraçãoSocial, criado pela Lei Complementar no 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação doPatrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir dapromulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego eo abono de que trata o § 3º deste artigo...........................................................§ 3o Aos empregados que percebam de empregadores que contribuem para o Programa de Integração Social oupara o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, até dois salários mínimos de remuneraçãomensal, é assegurado o pagamento de um salário mínimo anual, computado neste valor o rendimento das contasindividuais, no caso daqueles que já participavam dos referidos programas, até a data da promulgação destaConstituição.”

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Quadro I

Ministério do Trabalho e Emprego - Orçamento 2004Programas, projetos e atividades Em R$ mil

Principais ações Valor Percentual

Pagamento de benefícios 9.329.635,4 34,85%Programas de microcrédito 7.624.945,1 28,48%Programas de geração de emprego e renda 289.085,5 1,08%Qualificação profissional 85.781,3 0,32%Relações do trabalho e fiscalização 58.936,2 0,22%Segurança e saúde no trabalho 34.821,2 0,13%Pessoal ativo e inativo e apoio administrativo 1.108.401,4 4,14%Reserva de contingência 8.167.529,3 30,51%Outros 72.995,3 0,27%Total 26.772.130,5 100,00%Fonte: Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dosDeputados

Quando, ademais, se excluem as despesas para pagamento de pessoal eapoio administrativo, sobram 2% do orçamento total do Ministério do Trabalho e Emprego aserem alocados em programas relacionados com geração de emprego e renda; qualificaçãoprofissional; relações de trabalho e fiscalização; e segurança e saúde no trabalho.

Por conseguinte, não é exagero afirmar que, do ponto de vistaorçamentário e financeiro, a principal atribuição do MTE é a gestão dos programas do Fundo deAmparo ao Trabalhador. As funções que até 1990 correspondiam às atividades “clássicas” doórgão representam atualmente uma parcela insignificante de suas despesas atuais.

Nesse sentido, uma avaliação crítica dos programas do Governo Lula paraa área trabalho deve considerar, em primeiro lugar, a gestão do Programa do Seguro-Desemprego,do Abono Salarial e dos programas de crédito, cuja fonte é o FAT. É fundamental analisar seesses programas estão bem focalizados, se seu desenho institucional foi corretamente formulado ese estão produzindo os resultados esperados. Afinal, trata-se de aferir se uma parcela importantedos gastos sociais da União está sendo alocada de forma eficiente.

A importância do Programa do Seguro-Desemprego e dos demaisprojetos e atividades financiados pelo FAT não deve significar, no entanto, que se devamenosprezar a análise das demais ações do Ministério do Trabalho e Emprego, quer por seremimportantes para a regulação do mercado de trabalho, quer porque abrangem novas iniciativas dogoverno. A título de exemplo, um dos carros-chefe do MTE é o Programa Nacional de Estímuloao Primeiro Emprego para Jovens – PNPE, que foi anunciado como uma das medidas concretas

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para gerar empregos para os trabalhadores pobres de 16 a 24 anos, com baixa qualificação, quepossuem o maior risco de se submeter ao desemprego de longa duração.

Nesse contexto, a seção seguinte descreve e analisa com maior detalhe,com base no Orçamento de 2004, o Programa do Seguro-Desemprego, as ações voltadas para aconcessão de microcrédito e o PNPE.

UMA AVALIAÇÃO DOS PRINCIPAIS PROGRAMAS DO MTE

O Programa do Seguro-Desemprego

O Programa do Seguro-Desemprego foi criado em 1986, no âmbito doPlano Cruzado, e tomou a forma atual a partir de 1990, quando foi instituído o Fundo de Amparoao Trabalhador – FAT e definida sua atual concepção institucional.

O Programa do Seguro-Desemprego começou naquele ano como merosistema de pagamento de benefícios a trabalhadores desempregados que comprovassem ummínimo de seis meses contínuos de vínculo empregatício ou contribuição à Previdência Social atéa data da dispensa. Como o período transcorrido entre sua criação e implantação foi de poucomais de sessenta dias, o Programa teve de ser concebido de forma a que o processo derequerimento, habilitação, concessão e pagamento do benefício fosse inteiramente informatizado.

No ato da dispensa sem justa causa, o empregador preenchia umaComunicação de Dispensa ao Programa do Seguro-Desemprego e entregava simultaneamente umformulário de requerimento de benefício ao trabalhador demitido4. Esse requerimento (umaerograma gratuito) era encaminhado pelo trabalhador ao Ministério do Trabalho, por via postal.Os requerimentos de seguro-desemprego eram processados eletronicamente pelo Ministério, quecotejava as informações neles existentes com dados provenientes de outros registrosadministrativos5. Se o trabalhador atendia o requisito de tempo de serviço anterior à dispensa, obenefício passava a ser pago mensalmente nas agências da Caixa Econômica Federal. Odesempregado não tinha qualquer contato com o Ministério do Trabalho ou com as agências doSistema Nacional de Emprego – SINE.

Nos países desenvolvidos, ao contrário, o desempregado apresenta orequerimento em um posto de atendimento do sistema público de emprego, que o cadastra comopostulante a novo emprego, avalia suas habilidades e qualificações e o encaminha, se necessário,

4 A Comunicação de Dispensa e o Requerimento do Seguro-Desemprego continham os dados necessários para oprocesso de habilitação do desempregado: identificação pessoal, os valores dos três últimos salários e o tempo deserviço anterior, no último emprego e nos anteriores, caso constassem da CTPS.5 Basicamente a Relação Anual de Informações Sociais – RAIS e o Cadastro Geral de Empregados eDesempregados – Caged. Subsidiariamente, eram utilizados os cadastros de contribuições da Previdência Social.

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para cursos de reciclagem profissional. Caso não haja vagas disponíveis para recolocá-lo nomercado de trabalho, o benefício passa a ser pago. O desempregado, no entanto, é obrigado aretornar periodicamente ao sistema público de emprego, para comprovar os esforços feitos nabusca de novo emprego.

A Lei n.º 7.998, de 11 de janeiro de 1990, aproximou a concepção doPrograma do Seguro-Desemprego à sistemática vigente na maior parte dos países desenvolvidos.Além de continuar a prover “assistência financeira temporária ao trabalhador desempregado emvirtude de dispensa sem justa causa”, a lei incluiu, em sua redação original, o objetivo de “auxiliaros trabalhadores na busca do emprego, promovendo, para tanto, ações integradas de orientação,recolocação e qualificação profissional”6.

Quadro IIPrograma do Seguro-Desemprego e Abono Salarial

Integração das políticas públicas de emprego, trabalho e renda - projetos e atividadesMinistério do Trabalho e Emprego - Orçamento 2004 - Em R$ mil

Projeto/atividade Valor Percentual

Pagamento do seguro-desemprego 7.038.018,2 74,4%Pagamento do abono salarial 1.948.477,0 20,6%Remuneração dos agentes pagadores e operadores do seguro-desemprego 122.041,8 1,3%Pagamento do seguro-desemprego ao pescador artesanal 96.723,4 1,0%Orientação profissional e intermediação de mão-de-obra 67.943,9 0,7%Qualificação profissional 60.000,0 0,6%Remuneração dos agentes pagadores e operadores do abono salarial 32.181,1 0,3%Habilitação do trabalhador ao seguro-desemprego 25.681,3 0,3%Sistema de Integração das Ações de Qualificação Profissional - SIGAE 19.835,7 0,2%Cadastro Geral de Empregados e Desempregados - CAGED 14.000,0 0,1%Bolsa de qualificação profissional 10.250,1 0,1%Pagamento do seguro-desemprego ao trabalhador doméstico 8.131,4 0,1%Expedição de CTPS 7.000,0 0,1%Distribuição da RAIS 5.000,0 0,1%Pesquisas sobre emprego e desemprego - PED 5.000,0 0,1%Gestão e administração do programa 1.259,0 0,0%Publicidade 1.041,2 0,0%Distribuição da CBO 500,0 0,0%Reinserção no mundo do trabalho 100,0 0,0%Total 9.463.184,0 100,0%

Fonte: Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

6 Em 2001, esse último objetivo foi ampliado, no sentido de permitir que o Programa também auxiliasse ostrabalhadores na preservação de seu emprego. Essa alteração foi necessária para permitir a criação da chamadabolsa de qualificação profissional, concedida quando há uma situação de layoff.

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Essa ampliação do escopo do Programa do Seguro-Desemprego permitiu,pelo menos em princípio, que algumas áreas de atuação do MTE, especialmente as voltadas paraintermediação de mão-de-obra, geração de empregos e qualificação profissional, pudessem teracesso aos recursos estáveis e “carimbados” do FAT. A perspectiva era a de que o Programa doSeguro-Desemprego deixasse de ser meramente uma política passiva7 para o mercado de trabalhoe passasse a incorporar instrumentos destinados a agir nas variáveis que determinam o nível deemprego no mercado de trabalho (a qualificação do trabalhador, falhas de mercado devidas ainformações imperfeitas etc.).

O Quadro II reúne a composição dos gastos relacionados ao Programa doSeguro-Desemprego e ao pagamento do abono salarial anual devido aos empregados do setorformal da economia, cujos rendimentos no ano-base foram iguais ou inferiores a dois saláriosmínimos.

Como se pode observar, o pagamento de benefícios do seguro-desemprego e do abono salarial absorve diretamente nada menos do que 96,2% do total derecursos. Se forem somados os custos operacionais e administrativos diretamente ligados àhabilitação e pagamento desses benefícios, a porcentagem sobe para mais de 98% dos recursos deque dispõe o Programa para 2004.

É evidente, portanto, que apesar da abertura dada pela legislação àimplementação de políticas ativas para o mercado de trabalho no âmbito do Programa do Seguro-Desemprego, há uma grande rigidez nos gastos com pagamento de benefícios. Essa rigidez é emparte dada por dispositivos constitucionais8 e infraconstitucionais, que influenciam sobremaneiraa determinação do número de beneficiários, o valor do benefício e o número de parcelas a quetêm direito9.

7 Políticas passivas para o mercado de trabalho são normalmente definidas como aquelas em que o Estado nãoage diretamente para estimular a demanda e a oferta de mão-de-obra, limitando-se a garantir a renda dosdesempregados. 8 Vide o § 3º do art. 239 da CF, que estipula um benefício de um salário mínimo para o abono salarial anual.Como o valor do abono salarial e a definição de sua clientela fazem parte desse dispositivo, os gastos com essesbenefícios só podem ser alterados por meio de emenda constitucional. Ademais, aplica-se ao benefício doseguro-desemprego o disposto no § 2º do art. 201, que fixa piso de um salário mínimo para os benefícios quesubstituam rendimento do trabalho.9 De acordo com a legislação do seguro-desemprego, podem receber o seguro-desemprego os desempregados emvirtude de dispensa sem justa causa (inclusive os domésticos para os quais é recolhido o FGTS), os pescadoresartesanais no período de defeso e, mais recentemente, os trabalhadores que são libertados da condição análoga àde escravo. No caso da clientela principal – os desempregados em virtude de dispensa sem justa causa –, énecessário que comprovem: (i) terem sido empregados por no mínimo 6 meses contínuos antes da data dadispensa; (ii) não estarem em gozo de qualquer benefício previdenciário que substitua o salário; (iii) não estar emgozo de qualquer tipo de auxílio-desemprego; e (iv) não possuir renda própria de qualquer natureza suficiente asua manutenção e à de sua família.

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A par do arcabouço legal, todavia, as dificuldades em coibir a percepçãoindevida do seguro-desemprego contribuem para manter as despesas com benefícios rígidas àbaixa, independentemente do comportamento do ciclo econômico, como se pode ver no gráficoabaixo.

Pode-se constatar, inicialmente, que praticamente não há diferenças entreos totais anuais de requerentes e segurados do Programa do Seguro-Desemprego10. Essa é umaprimeira indicação de que o processo de habilitação do segurado permanece, de modo geral,inalterado desde a criação do Programa. Do ponto de vista dos requisitos, a única exigênciaefetivamente verificada com rigor ainda parece ser a do tempo de vínculo empregatício prévio àdata da dispensa, por meio do Caged e da RAIS.

Todavia, em um mercado de trabalho no qual mais da metade dosocupados está inserida na economia informal, a presunção de que a dispensa sem justa causaacarreta necessariamente a condição de desemprego tem que ser vista com reservas. Na maiorparte dos países desenvolvidos, o assalariado dispensado fica efetivamente em uma situação dedesemprego aberto. No Brasil, dependendo das condições do mercado de trabalho e se for alta a

10 Desde 1993 a taxa de habilitação (mensurada pela proporção de segurados em relação aos requerentes) temgirado em torno de 98%.

Programa do seguro-desempregoEvolução do número de requerentes e segurados - 1987 a 2003

500.000

1.000.000

1.500.000

2.000.000

2.500.000

3.000.000

3.500.000

4.000.000

4.500.000

5.000.000

5.500.000

1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003

Requerentes Segurados

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relação entre o valor do benefício e o salário líquido do trabalhador11, há um grande incentivo aque o trabalhador force sua demissão para receber o FGTS e o seguro-desemprego, ou que entreem conluio com o empregador, permanecendo como empregado informal, sem carteira assinada,enquanto recebe as parcelas do benefício. Nesse sentido, Paes de Barros, Corseuil e Foguel (2001)mencionam pesquisa em que quase 50% das pessoas em percepção do benefício do seguro-desemprego declaravam estar ocupadas12.

As falhas de fiscalização na concessão e pagamento do benefício doseguro-desemprego são corroboradas pelo baixo número de parcelas restituídas. As estatísticas doMTE mostram que, desde 1998, menos de 0,4% dos cheques de pagamento do benefício sãodevolvidos em função de percepção indevida.

Para que o Programa do Seguro-Desemprego possa funcionarcorretamente e pagar benefícios apenas a quem tem realmente direito a sua percepção, liberandorecursos para as políticas ativas para o mercado de trabalho, é fundamental criar uma estruturainstitucional capaz de integrar efetivamente as funções de intermediação de mão-de-obra,orientação profissional e qualificação. A atual estrutura organizacional e operacional do Programado Seguro-Desemprego, baseada no arranjo precário do Sistema Nacional de Emprego – SINE13,é inconsistente com esse projeto institucional mais ambicioso.

Tendo em vista a importância do Programa do Seguro-Desemprego parao MTE e os crônicos problemas de focalização já mencionados, sua reformulação institucional eoperacional deveria ser prioridade para o atual governo. Até o momento, todavia, não háindicações de que estejam sendo tomadas medidas para alterar a situação atual.

Os programas de crédito

Em 1991, a Lei n.º 8.019, de 1990, que regulamenta o funcionamento doFAT, foi alterada para permitir que a parcela das disponibilidades financeiras do Fundo queultrapassem a parcela destinada à Reserva Mínima de Liquidez pudessem ser aplicadas emdepósitos especiais remunerados junto a bancos oficiais federais.

11 Para os trabalhadores que ganham o salário mínimo, o valor do benefício do seguro-desemprego corresponde a108% de seu salário líquido, já que o seguro-desemprego não integra o salário-de-contribuição da PrevidênciaSocial.12 Ver Paes de Barros, Corseuil e Foguel, Os incentivos adversos e a focalização dos programas de proteção aotrabalhador no Brasil, IPEA, TD n.º 784, Rio de Janeiro, 2001, p. 12.13 A rede de atendimento do SINE é constituída a partir de convênios firmados entre a União, os Estados e oDistrito Federal. A adesão dos Estados e do DF a esses convênios é voluntária, à medida em que não seregulamentou, até o presente, o disposto no inciso XVI do art. 22 da Constituição Federal (competência privativada União de legislar sobre a organização do sistema nacional de emprego). Isso cria uma série de entraves einseguranças políticas e administrativas, que comprometem o fluxo regular de recursos, a uniformidade deprocedimentos na execução das políticas e a continuidade da execução das atividades.

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A criação dos depósitos especiais remunerados foi resultado da decisãogovernamental de utilizar as disponibilidades financeiras do FAT para refinanciar dívidas do setorrural e do extinto Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS14. Anegociação política, no âmbito do Congresso Nacional, para aprovar esse uso incomum dosrecursos do Fundo envolveu a permissão legal para que o Conselho Deliberativo do FAT –Codefat pudesse utilizar esses recursos também como lastro para programas de crédito voltadospara a geração de emprego e renda.

A utilização desses recursos como funding de operações de crédito é feita apartir de uma resolução do Codefat, que autoriza a aplicação das disponibilidades financeiras doFundo em depósitos especiais remunerados junto a um banco federal, condicionada à realizaçãode operações de crédito voltadas para determinada clientela. A resolução fixa igualmente juros,prazos de retorno e de carência e especifica as garantias para a concessão do crédito.

Além dos depósitos especiais remunerados, o Codefat ainda supervisionaa aplicação da parcela referente a 40% do fluxo anual de receitas do PIS/PASEP, que vai para oBNDES em função do disposto no § 1° do art. 239 da CF.

Em função desses instrumentos legais, o Codefat tem à sua disposiçãocerca de R$ 7,6 bilhões para aplicações em operações de crédito voltadas para a ampliação dosníveis de emprego e de renda no País. Ainda não é possível traçar um panorama preciso dasmudanças imprimidas pelo Governo Lula nos programas de crédito com recursos do FAT, àmedida que muitos dos novos programas criados ainda não foram implementados.

O Quadro III pode trazer, contudo, uma primeira indicação nesse sentido,na medida em que compara a distribuição dos programas do FAT em 2002 e 2003.

Quadro IIIMinistério do Trabalho e Emprego - Conselho Deliberativo do FAT

Operações especiais: empréstimos com retorno Em R$Título 2002 2003

Valor Percentual Valor PercentualPROEMPREGO 1.835.000.000 32,33% - 0,00%PRONAF 1.649.509.935 29,06% 1.298.899.539 28,93%PROGER Urbano 1.094.062.096 19,28% 2.489.572.646 55,46%PROGER Rural 533.078.180 9,39% 270.720.973 6,03%FAT-Habitação/FAT - C. Civil 421.313.698 7,42% 130.577.653 2,91%PCPP 113.132.000 1,99% - 0,00%PROTRABALHO 29.280.000 0,52% 2.946.382 0,07%FAT - Empreendedor Popular - 0,00% 289.311.087 6,44%PROGER - Bens de consumoduráveis

- 0,00% 3.731.321 0,08%

PROGER Turismo - 0,00% 3.369.360 0,08%Total 5.675.375.909 100,00% 4.489.128.960 100,00%Fontes: MTE/SPES/CGEM (2002) e PROGER/MTE (2003)

14 Vide art. 2º da Lei n.º 8.352, de 1991.

12

Feita a ressalva de que pode haver problemas de comparação entre asinformações relativas a 2002 e 200315, pode-se constatar, em primeiro lugar, que oPROEMPREGO, um dos principais programas com recursos do FAT no governo anterior, nãoconsta das operações financeiras realizadas em 2003.

O Programa de Expansão do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vidado Trabalhador - PROEMPREGO era um dos poucos programas com recursos do FAT que nãoprivilegiava operações de baixo valor. Seu objetivo era financiar investimentos no setores detransporte coletivo de massas (metrôs e trens urbanos), infra-estrutura turística e econômica,saneamento ambiental e na revitalização de sub-setores da indústria em regiões com alto índice dedesemprego.

Por outro lado, percebe-se que, em 2003, houve um reforço importanteno Programa de Geração de Emprego e Renda – PROGER Urbano, além da implementação doFAT – Empreendedor Popular, do PROGER – Turismo e do PROGER – Bens de ConsumoDuráveis. Há, por conseguinte, ênfase maior no microcrédito, embora o volume total definanciamentos tenha se reduzido.

O FAT – Empreendedor Popular16 foi criado no âmbito do PROGERUrbano com o objetivo de estimular o desenvolvimento dos micronegócios no país e financiar oauto-emprego como mecanismo de combate ao desemprego, à pobreza e à exclusão social, pormeio de operações de financiamento de capital de giro e de investimentos em capital fixo. Atédezembro de 2003, cerca de 110 mil operações de crédito haviam sido contratadas.

O PROGER – Turismo17 é uma linha de crédito especial para a concessãode financiamentos a empresas da cadeia produtiva do setor de turismo, que apresentemfaturamento anual de até R$ 5 milhões, com objetivo de otimizar o potencial de geração deemprego e renda do setor. Um dos requisitos do programa é a preferência de contratação dejovens e trabalhadores com mais de 40 anos. Em 2003, foram beneficiados apenas 59 empresas,com um valor médio da operação de crédito em torno de R$ 57 mil.

Em setembro de 2003, o Codefat também lançou uma linha de créditoemergencial e temporária para concessão de financiamento da aquisição de fogões, geladeiras,máquinas de lavar e televisores de fabricação nacional para pessoas físicas18, com o objetivo de

15 Embora a fonte das informações seja o próprio MTE, os dados relativos a 2002 foram extraídos das sérieshistóricas constantes do informe da Coordenadoria Geral de Emprego, que não é recebido por esta ConsultoriaLegislativa desde abril de 2003. As informações referentes a 2003 foram encontradas na página do MTE nainternet, no sítio “Informações para o Sistema Público de Emprego e Renda”, que são muito resumidas e nãoseguem a mesma sistemática de apresentação de dados. Por conseguinte, as conclusões resultantes dacomparação dos dois anos têm de ser vistas com cautela. 16 Resolução Codefat n.º 286, de 23/07/2002.17 Resolução Codefat n.º 319, de 29/04/2003.18 Resolução Codefat n.º 359, de 17/09/2003.

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geração ou manutenção de emprego e renda. Embora tivessem sido autorizados R$ 200 milhõespara essa linha de crédito, menos de 2% dos recursos foram transformados em operações decrédito em 2003, beneficiando apenas 5 mil pessoas.

Além dos programas implementados em 2003, outras linhas de créditoforam criadas. O FAT – Exportar19 previu a alocação de R$ 1,5 bilhão em depósitos especiaisremunerados junto ao BNDES, destinados a financiamento ao exportador, na fase pré-embarque,da produção de bens que apresentem índice de nacionalização, em valor, igual ou superior a 60%.A resolução prevê que os empregadores beneficiários das linhas de crédito deverão ter como metadestinar pelo menos 20% dos empregos gerados para jovens de 16 a 24 anos.

Complementarmente, o Codefat criou o PROGER – Exportação20, com oobjetivo de geração de emprego e renda e incremento das exportações realizadas por micros epequenas empresas brasileiras, com faturamento anual de até R$ 5 milhões. A resolução doCodefat previu, ademais, que a seleção dos trabalhadores contratados pelas empresas beneficiáriasdeveria ser feita pelo Sistema Nacional de Emprego – SINE, preferencialmente entre jovens de16 a 24 anos e trabalhadores com mais de 40 anos.

A Resolução n.º 345, de 10/07/2003, criou o FAT – Fomentar, destinadoa financiar o investimento produtivo de micro e pequenas empresas. Foi prevista a alocação deaté R$ 1 bilhão e mantida a restrição de contratação preferencial de jovens até 24 anos etrabalhadores com mais de 40 anos, sendo obrigatória a destinação de 20% das novas vagas parajovens.

O Codefat também criou, em julho de 2003, o PROGER – JovemEmpreendedor, que alocou R$ 100 milhões para o financiamento de jovens empreendedores deaté 24 anos, nas modalidades de micro e pequenas empresas, auto-emprego e cooperativas. Oprograma prevê que a seleção dos beneficiários seja feita a partir de um processo de capacitaçãopelo SEBRAE e posterior elaboração de um plano de negócios. As propostas selecionadascontarão com uma linha de crédito automática, mas o jovem empreendedor tem de secomprometer a receber assessoramento técnico do SEBRAE no processo de montagem donegócio. As inscrições para o programa de capacitação só foram abertas em 28/06/2004.

Do ponto de vista conceitual, constata-se que o Governo Lula procurouorientar a criação e implementação de novos programas de crédito com a diretriz básica de atacaro alto nível de desemprego entre os jovens. A concessão de linhas de crédito para asmicroempresas e para os setores de turismo e exportador está condicionada à contratação dejovens de até 24 anos de idade. Ademais, foi criada linha especial de crédito para jovensempreendedores.

19 Resolução Codefat n.º 344, de 10/07/2003.20 Resolução Codefat n.º 330, de 10/07/2003.

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É interessante observar, contudo, que, passado quase um ano de suacriação, a maior parte dos programas que vinculam a concessão do financiamento à contrataçãode jovens ou trabalhadores com mais de 40 anos não foi ainda implantada ou apresenta resultadospouco expressivos, como é o caso do PROGER – Turismo. Talvez não seja por meracoincidência que o Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para Jovens – PNPE,também apresenta dificuldades de implementação.

O Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para Jovens – PNPE

O PNPE foi criado pela Lei n.º 10.748, de 22/10/2003, tendo em vista aselevadas taxas de desemprego entre os jovens de 16 a 24 anos. Assim, o PNPE tem o objetivo deampliar as oportunidades de emprego para jovens pobres desempregados que ainda estãofreqüentando a escola, por meio de duas vertentes.

A primeira delas é o PNPE propriamente dito, que consiste na concessãode subsídios bimestrais às empresas que contratarem, por no mínimo doze meses, jovenspertencentes à clientela do Programa.

A segunda é a concessão de subvenção econômica, por um período deseis meses, aos jovens selecionados para a prestação de serviços voluntários junto a entidadespúblicas e privadas sem fins lucrativos. A clientela preferencial dessa vertente do programa são osegressos de unidades prisionais ou que estejam cumprindo medidas sócio-educativas.

Sua operacionalização é desenvolvida por meio de convênios comConsórcios Sociais da Juventude, Governos de Estados e Municípios e centrais sindicais e prevê600 horas de duração, das quais metade é destinada à elevação de escolaridade dos jovensatendidos pelo Programa. Além disso, são realizados trabalhos comunitários por pelo menos 30dias, durante os quais os jovens recebem auxílio alimentação e vale-transporte.

O Quadro IV traz os dados da execução do PNPE para o ano de 2003. Aprimeira constatação em relação ao desempenho do PNPE em 2003, sob o ponto de vista daexecução orçamentária, é o fato de que não houve qualquer pagamento de subsídios salariais aempregadores. Considerando que o MTE havia anunciado já ter mais de 200 mil jovenscadastrados no SINE, o fato de não ter havido gastos com subvenções aos empregadores é umindicador claro da baixa receptividade do Programa junto ao empresariado.

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Quadro IVMinistério do Trabalho e Emprego - Orçamento 2003

Programa Primeiro Emprego Em R$ milValor

TítuloPrevisto Executado % Executado

Subvenções ao empregador 78.000,0 0,0 0,00%

Publicidade 3.500,0 3.274,0 93,54%

Qualificação para serviço voluntário 24.400,0 16.492,1 67,59%

Auxílio financeiro ao serviço voluntário 24.000,0 9.368,1 39,03%

Qualificação do jovem empreendedor 31.723,2 1.104,5 3,48%

Total 161.623,2 30.238,7 18,71%

Fonte: Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

Por sua vez, a outra vertente do PNPE, que é o serviço civil voluntário,apresenta percentuais de execução orçamentária mais significativos. Cerca de 67% do orçamentoprevisto para qualificação dos jovens para o serviço voluntário e 39% dos recursos alocados aopagamento de subvenção financeira a jovens voluntários teria sido executado no ano passado.

É importante ressaltar, no entanto, que a maior parte dos recursosdestinados aos projetos de serviço civil voluntário foi repassada para 6 organizações nãogovernamentais21 no âmbito dos chamados consórcios sociais da juventude. O repasse dosrecursos às entidades, que deveriam ter atendido pelo menos 8.000 jovens (ver anexo) nãoassegura, contudo, que essa clientela tenha sido efetivamente atendida22.

Vale chamar a atenção, finalmente, para o gasto de R$ 1 milhão em açõesde qualificação do jovem empreendedor. Embora o percentual executado tenha sido muito baixo,recorde-se que a inscrição de candidatos ao PROGER – Jovem Empreendedor só foi iniciada em28/06/2004. Tal despesa pode estar relacionada à realização de convênio como o Sebrae,entidade executora das ações de qualificação e assistência técnica do PROGER – JovemEmpreendedor.

As dificuldades de implementação do PNPE foram reconhecidas pelopróprio governo, que editou, em 13 de maio de 2004, a Medida Provisória n.º 18623, que altera a 21 São elas a Associação Voluntários para Serviço Internacional – AVSI, de Belo Horizonte; a Ação Comunitáriado Brasil – ACB, do Rio de Janeiro; o Centro de Defesa da Vida Herbert de Souza – CDVHS, de Fortaleza; aAgência de Desenvolvimento Econômico Grande ABC – ADE Grande ABC; a Avante, de Salvador e a Ágora –Associação para Projetos de Combate à Fome, do Distrito Federal. Embora os beneficiários da Ágora nãoestejam especificados, a hipótese aqui feita, por meio do valor total da bolsa-auxílio, é a de que a entidadeplanejava atender 3.750 jovens.22 Recorde-se que 40% dos recursos totais para qualificação e subvenções a jovens voluntários foi destinada àONG Ágora, que está sob investigação do Ministério Público e da Polícia Federal, em função da utilização denotas fiscais fraudulentas para justificar despesas relacionadas à condução do programa.23 Essa MP recebeu 57 emendas de parlamentares e está, desde 28/06/2004, sobrestando a pauta da Câmara dosDeputados.

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Lei do PNPE. Na Exposição de Motivos que acompanha a MP, o Ministro do Trabalho eEmprego afirma que, de novembro de 2003 a fevereiro de 2004, “foi possível constatar algumasrestrições ao PNPE, que são passíveis de solução pela presente alteração legislativa”.

Embora faça a ressalva de que “haja fortes indícios de que o desempenho doPNPE foi prejudicado pelo baixo dinamismo econômico constatado durante todo o ano de 2003 e pelo efeitonegativo sazonal do mercado de trabalho no período em que operou”24, o MTE aponta os seguintesobstáculos ao sucesso do Programa: o baixo valor da subvenção econômica ao empregador; aobrigatoriedade de o empregador manter o número médio de funcionários pelos 12 meses emque estiver participando do Programa; a obrigatoriedade de o empregador manter o vínculoempregatício do PNPE durante um ano; e questões de incompatibilidade geográfica entre a vagaofertada e o endereço do jovem a ser preferencialmente atendido.

Nesse sentido, as principais alterações introduzidas pela MP n.º 186, de2004, à Lei do PNPE são as seguintes:

• passam a ser aceitos jovens que já concluíram o ensino médio,embora 70% das vagas ainda estejam reservadas aos que ainda estão estudando;

• o encaminhamento do jovem à empresa levará em consideração,além das habilidades requeridas, a proximidade entre sua residência e o posto de trabalhoofertado;

• passa a ser aceita, no âmbito do PNPE, a contratação por prazodeterminado, exceto o contrato de experiência, desde que tenha duração mínima de doze meses;

• a subvenção econômica ao empregador passa a ser de R$ 250,00,independentemente do porte da empresa;

• é extinta a exigência de manutenção do estoque médio deempregos durante a vigência do contrato do PNPE e substituída por um monitoramento da taxade rotatividade da empresa, vis-à-vis a rotatividade do setor.

O Quadro V apresenta a composição das despesas orçamentárias previstaspara o ano de 2004, no âmbito do PNPE.

24 Vide § 4 da EM n.º 04/GM/MTE, de 28/04/2004, que acompanha a MP n.º 186/2004.

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Quadro VMinistério do Trabalho e Emprego - Orçamento 2004

Programa Primeiro Emprego Em R$ milTítulo Valor Percentual

Subvenções ao empregador 92.464,8 49,13%

Gestão e administração 17.100,0 9,09%

Publicidade 1.077,3 0,57%

Fiscalização 200,0 0,11%

Qualificação para serviço voluntário 30.858,9 16,40%

Auxílio financeiro ao serviço voluntário 30.320,2 16,11%

Qualificação do jovem empreendedor 16.178,7 8,60%

Total 188.200,0 100,00%

Fonte: Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados

Com o novo valor da subvenção econômica definido pela MP n.º186/2004, os recursos previstos para 2004 são suficientes para a contratação de cerca de 61 miljovens contratados no primeiro emprego e para o pagamento de bolsa-auxílio a aproximadamente50 mil jovens voluntários. Considerando que os jovens de 15 a 24 anos à procura de emprego,que só estudavam, ou que não estudavam nem trabalhavam, é de cerca de 3,7 milhões25, o PNPEatingirá no máximo 3% dos beneficiários potenciais. É importante observar, tendo em vista osescassos recursos disponíveis, que cerca de 10% do orçamento estão destinados a despesasadministrativas e a publicidade26.

O PNPE tem condições de ser eficaz com as modificações introduzidaspela MP n.º 186/2004?

Para responder a essa pergunta, é importante levar em consideração que,no diagnóstico do MTE, os principais entraves relacionados à implementação do PNPE dizemrespeito a exigências muito rígidas em relação à definição de beneficiários ou à participação deempresas. Por isso mesmo, o governo acredita que a aprovação da MP n.º 186/2004 é condiçãosuficiente para solucionar os problemas do PNPE.

Por conseguinte, e com a possível exceção da menção aos problemas emcompatibilizar cadastrados com vagas em função da distância geográfica, o Ministério doTrabalho e Emprego não aponta quaisquer limitações de natureza operacional à execuçãoeficiente do Programa.

25 Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – 2001. Ver, a respeito, Furtado, Adolfo, As políticasde emprego e seus dilemas, in Cadernos Aslegis n.º 20, Aslegis, Brasília, dez. 2003, pp. 39-52.26 As despesas com a gestão e com a publicidade do PNPE seria capazes de permitir a contratação de mais 11,5mil jovens ou o pagamento de bolsa-auxílio a 28,6 mil jovens voluntários.

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Seria, então, o atual arcabouço institucional coerente com os objetivos e aconcepção do PNPE?

Nos países industrializados, políticas ativas para o mercado de trabalhodependem fortemente de um sistema público de emprego eficiente. Dado que uma de suasprincipais funções – a intermediação de mão-de-obra – diz respeito à gestão eficiente deinformações27, é fundamental que o sistema de emprego seja abrangente, capilarizado e, em últimainstância, que se firme como uma referência institucional para trabalhadores e empresas.

No Brasil, como já se mencionou na análise do Programa do Seguro-Desemprego, o SINE não reúne todos esses requisitos, seja em função de sua precariedadeinstitucional, seja porque seus indicadores de captação de vagas e colocação de trabalhadoresrepresentam muito pouco em relação ao total de vínculos empregatícios gerados no segmentoformal do mercado de trabalho28.

Uma segunda restrição ao sucesso do PNPE diz respeito às limitações dafiscalização direta e indireta dos requisitos do Programa. A observação estrita dos requisitosrelativos aos beneficiários – pertencerem a famílias pobres, não terem vínculo empregatícioformal anterior, estarem matriculados e freqüentando ensino regular etc. – são fundamentais paragarantir a correta focalização do Programa. Por outro lado, as exigências estabelecidas para osempregadores são essenciais para assegurar que não haja um efeito-substituição entre nãobeneficiários e beneficiários.

Em ambas as situações, há sérios obstáculos à fiscalização dessesatributos, devido ao reduzido número de fiscais e postos de atendimento do SINE, comotambém às dificuldades operacionais e estatísticas para aferir a intenção do empregador depromover deliberadamente a substituição de mão-de-obra para se beneficiar do incentivo doPNPE.

A idéia de comparar, a partir do CAGED, as taxas de rotatividade daempresa e do setor traz inúmeras dificuldades conceituais e operacionais. Vale dizer que o § 4º doart. 239 da Constituição Federal já previa a instituição de uma contribuição adicional da empresaao Programa do Seguro-Desemprego sobre essa base de cálculo, que nunca foi implementadadevido a esses problemas conceituais.

27 O sistema de emprego deve ter, de um lado, um banco de dados com as habilidades, aptidões e competênciasdos trabalhadores cadastrados. De outro, necessita ter um banco de vagas ofertadas pelas empresas, com osrequisitos por elas exigidos para cada posto de trabalho. Além de fazer a colocação propriamente dita, asinformações coletadas em ambos os bancos de dados devem ser suficientemente claras e amplas para permitir oplanejamento de políticas voltadas para alterar características da oferta de trabalho (qualificação e orientaçãoprofissionais), a partir das mudanças na composição da demanda por mão-de-obra.28 Vide nota de rodapé n.º 13. A proporção de colocados em relação ao total de admissões no segmento formal domercado de trabalho gira em torno de 3%. Esse é um indicador de que o SINE cumpre um papel residual noprocesso de intermediação de vagas no mercado de trabalho brasileiro. Do ponto de vista qualitativo, há umapercepção no empresariado de que o SINE só cadastra basicamente mão-de-obra não qualificada.

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Em síntese, mesmo que o desenho do PNPE seja adequado, éfundamental ter em mente que as deficiências institucionais do SINE e da fiscalização do trabalhopodem comprometer grandemente sua eficácia.

CONCLUSÕES

A seção anterior apontou que, do ponto de vista orçamentário, as açõesdo Ministério do Trabalho e do Emprego gravitam basicamente em torno do Programa doSeguro-Desemprego e do Abono Salarial. Ademais, demonstrou-se que, apesar da abertura legalpara que o Programa do Seguro-Desemprego também incorpore políticas ativas para o mercadode trabalho, o pagamento de benefícios ainda consome a maior parte dos recursos do Fundo deAmparo ao Trabalhador.

Considerando que o abono e os benefícios do seguro-desempregoconsomem cerca de R$ 9 bilhões por ano e dada escassez de recursos disponíveis para as políticassociais e para a implementação de políticas ativas para o mercado de trabalho, talvez sejaapropriado que o governo inicie uma discussão sobre ambos os programas, no que diz respeito àsua focalização e eficácia.

O abono salarial foi criado no bojo de um processo de negociação políticaque envolvia compensar os titulares de contas vinculadas do PIS e do PASEP, em função daextinção progressiva desses fundos. Decorridos dezesseis anos, os titulares de contas são minoriaem relação ao universo total de beneficiários do abono salarial. Do ponto de vista distributivo, opagamento do abono é regressivo, à medida que contribuições sociais pagas indiretamente pelasociedade são utilizadas para realizar transferências de renda para quem está empregado nosegmento formal do mercado de trabalho.

O Programa do Seguro-Desemprego também tem, como se afirmou naseção anterior, claros problemas de focalização, já que cerca de metade dos segurados estáocupada em atividades informais. Ademais, o elevado percentual de habilitação e a alta taxa dereposição para salários mais baixos produz, juntamente com o FGTS e a multa rescisória nelebaseada, o efeito de aumentar a rotatividade da mão-de-obra em épocas de aquecimento nomercado de trabalho, reduzindo, entre outros aspectos, o incentivo de as empresas investirem emqualificação profissional.

Essas questões precisam ser cotejadas com as prioridades de combate àpobreza e da geração de oportunidades de emprego e renda. Um deslocamento de parte dosrecursos alocados a pagamento de benefícios poderia multiplicar os recursos destinados a políticasque podem ser bem mais eficazes no médio e longo prazos, como a qualificação profissional e oestímulo ao empreendedorismo.