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As reformas institucionais da ditadura brasileira: um estudo do Programa de Ação
Econômica do Governo (1964-1967)
Alisson Oliveira de Souza Carvalho1
Resumo: O Estado e suas instituições são instrumentos valiosos para o atendimento de
anseios de uma classe social e por isso seu controle é intensamente disputado. A
política-econômica é a instância em que a relação entre estado e sociedade civil se
demonstra mais claramente. É a partir dela que são arbitrados os conflitos de interesses
das classes sociais de um país. No Brasil, esta disputa foi intensa no período até 1964 e
culminou em um golpe civil-militar no qual as classes dominantes brasileiras
monopolizaram o controle do Estado de forma autoritária. O objetivo deste artigo é
entender o que caracteriza o uso do Estado por estas classes através das reformas
institucionais e das políticas-econômicas praticadas no período delimitado para a partir
disso entender a nova relação existente entre estado e economia no Brasil.
Palavras-chave: estado, política econômica, classe social.
Resumen: El Estado y sus instituciones son herramientas valiosas para el cuidado de
los deseos de una clase social y por lo que su control es muy discutida. La política
económica es la instancia en que la relación entre Estado y sociedad civil se demuestra
con mayor claridad. Es a partir de lo que se arbitró los conflictos de intereses de las
clases sociales de un país. En Brasil, esta diferencia fue intensa en el período hasta 1964
y culminó en un golpe cívico-militar que las clases dominantes brasileñas
monopolizaron el control estatal de manera autoritaria. El propósito de esta ponencia es
entender lo que caracteriza el uso del Estado para estas clases a través de reformas
institucionales y políticas económicas practicadas en periodo delimitado para que
comprendan de la nueva relación entre el Estado y la economía en Brasil.
Palabras-clave: estado, política económica, clase social.
1 Graduando em Ciências Econômicas na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri.
Membro do Grupo de Estudo de Pensamento Latino-americano (GEPLA). O apoio financeiro da
FAPEMIG é aqui reconhecido.
Introdução
No início dos anos 1960, se tornou consenso no pensamento econômico
brasileiro, tanto do lado dos estruturalistas e dos socialistas quanto dos monetaristas
(como eram chamados os economistas liberais na América Latina) a necessidade de se
operar transformações fundamentais nas estruturas institucionais, produtivas e sociais
do país. A inflação (acompanhada de estagnação) cada vez mais galopante e o déficit
público colocavam em caráter de urgência a discussão sobre as reformas de base
relacionadas à política econômica: as reformas financeira e fiscal. O debate,
evidentemente, ultrapassava o problema do controle imediato da inflação e era bem
mais amplo (BIELSCHOWSKY; 2004).
Embora procurassem demonstrar que o ponto de partida do processo
inflacionário se dava no interior do sistema econômico a partir de pontos de
estrangulamento da oferta, os estruturalistas não conseguiram elaborar soluções
analíticas de curto prazo para frear a espiral inflacionária. Tal insuficiência analítica
acabava por considerar a inflação brasileira como uma inflação de demanda, diagnóstico
cujo os aproximava da concepção monetarista, que também considerava a inflação
brasileira uma inflação tipicamente de demanda, aqui, por outro lado, causada por falhas
na condução da política econômica2.
Do lado dos estruturalistas, no entanto, a inflação não era male tão grave a ponto
de estancar o desenvolvimento. Se não eram oferecidas respostas imediatas de controle
da espiral inflacionária, era frisada a necessidade de o desenvolvimento econômico
conviver com certo grau de inflação, sendo esta uma espécie de mal necessário. O
verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento era a falta de dinamismo do mercado interno,
provocado pela estrutura socioeconômica subdesenvolvida do país, só passível de ser
combatida no longo prazo. É nesse sentido que defendem um conjunto de políticas e
reformas estruturais que melhorassem a distribuição de propriedade e renda, alocassem
investimentos e canalizassem recursos fiscais e financeiros por meio do planejamento
estatal e desenvolvessem tecnologias próprias, dinamizando o próprio mercado interno3.
2 Para uma critica tanto da visão estruturalista como da visão monetarista ver RANGEL, I. [1963]. A
Inflação Brasileira. São Paulo: Bienal, 1986. 3 A análise clássica dos mais renomados estruturalistas brasileiros da época pode ser encontrada em
FURTADO, Celso. A pré-revolução brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1962. e TAVARES,
M. C. [1963]. Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil. In: Da substituição
Já os monetaristas viam a inflação como o problema fundamental da economia
brasileira que dava origem a todos os outros. A forma de financiamento que se recorria
o Estado brasileiro para cobrir seu déficit era a emissão de moeda, daí se originava a
inflação. Novas fontes de financiamento faziam-se fundamentais para combater a
inflação e restabelecer os meios do crescimento econômico. Nesse sentido, a solução do
problema inflacionário confundia-se com a solução da retomada do crescimento e do
desenvolvimento econômico.
Um dos monetaristas mais respeitados do país, Octávio Gouveia de Bulhões,
sendo empossado no Ministério da Fazenda pelo Presidente Castello Branco, teria a
chance de implementar suas ideias, relacionadas ao equilíbrio monetário-financeiro e
instituição de um sistema financeiro a longo prazo. Bulhões, foi o criador da
Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e no período do pós-guerra até
1964 um persistente militante da criação do Banco Central.
O famoso tecnocrata Roberto de Oliveira Campos, agora Ministro do
Planejamento, se aproximava aos monetaristas em relação sua preocupação com o
processo inflacionário, porém era um economista bastante eclético e pragmático.
Segundo Bielschowsky:
Campos representa, no panorama político brasileiro do nosso período
[pré-1964], a ‘ala direita’ da posição desenvolvimentista. Trabalhou no
projeto de industrialização do país e bateu-se pelo planejamento do
desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, defendeu a atração de
capitais estrangeiros, inclusive para mineração e energia, e atacou a
solução estatal para investimentos em quase todos os casos em que
vislumbrava uma solução privada. (BIELSCHOWSKY, 2004, p. 105).
No Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG – 1964/19664) se
aplicarão claramente as propostas de ambos os economistas até 1964, de controle
inflacionário, planejamento setorial e incentivo ao capital estrangeiro onde quer que ele
se proponha atuar. Se do ponto de vista ideológico o planejamento era um campo
perigoso, associado aos governos anteriores e ao socialismo, o PAEG irá o caracterizar
de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar,
1972. 4 Estendemos nosso estudo até um pouco adiante do PAEG, 1967, porque é o ano da reforma
administrativa, que é totalmente coerente e dá forma final as reformas iniciadas no PAEG.
como provisório, além de conter no plano uma política desestatizante, embora se verá
ser um recurso meramente retórico do que posto em prática.
O plano de governo para o período, neste sentido, conjuga diagnósticos e
políticas muitas vezes contraditórias, sendo algumas ortodoxas e outras de cunho
heterodoxo. O PAEG, em linhas gerais, demonstra a vontade e a admiração do governo
por uma economia de livre mercado, porém sustenta a impossibilidade de se estabelecer
uma economia de tal tipo naquele momento específico da realidade brasileira.
A metodologia do PAEG se divide nas seguintes partes: a primeira parte são os
objetivos que se pretende atingir. A segunda parte é a construção dos instrumentos de
ação: estabelecimento de novas formas de financiamento, arrecadação, gestão e gastos.
A terceira parte está na política frente a economia real, infra-estrutura, setores
industriais, agrícolas, etc. Quarta para se refere à “economias externas”: educação,
saúde, saneamento, previdência social, integração regional. A quinta parte explicita as
medidas a serem tomadas de forma sumária.
Neste trabalho eu procurei estudar somente as partes relacionadas às reformas
nas instituições do Estado e apontar em linhas gerais o que isso representa para a
economia e as classes sociais. Dividi em tópicos da forma com que ficasse mais clara a
argumentação para os meus objetivos. Nos dois primeiros tópicos são desenvolvidas as
reformas no setor financeiro público e privado, que se segue com o tópico sobre a
política em relação ao capital estrangeiro, já que os dois primeiros tópicos demonstram
que a única forma de financiamento de longo prazo que terá a economia brasileira,
mesmo após as reformas, é o financiamento externo. O quarto tópico versa sobre a
reforma fiscal, que complementa a reforma nos instrumentos de política econômica,
iniciada pela reforma financeira. No último item é feito apontamentos no que tange a
relação institucional com os assalariados, que receberiam os maiores ônus das reformas
do PAEG.
O PAEG propunha reduzir a inflação de 92% em 1964 para 25% em 1965 e
10% em 1966. (MINIPLAN; 1964). Para isso, no entanto, dizia-se que se adotaria uma
política gradualista (SIMONSEN; 1979). Em 1964 e 1965 o ritmo da expansão dos
meios de pagamento se expandiu a algo próximo de 80%. Em 1966 Bulhões decidiu
aplicar o famoso tratamento de choque, restringindo a expansão dos meios de
pagamento a 14%. Ao contrário do esperado, a inflação se manteve em 55% em 1965 e
39% em 1966. Além disso, a expectativa era que nos primeiros anos de vigência do
plano a economia cresceria a 6% ao ano, a taxa média do período 1947/1961 e
posteriormente a 7% ao ano, média do período 1957/1961. (MINIPLAN; 1964)
Entretanto, a economia cresceu, em média geométrica, somente 3,88% de 1964 a 1967.
(TAVARIS & ASSIS; 1985).
Apesar de não ter atingindo seus objetivos de curto prazo, se defenderá aqui,
através do estudo das reformas no seio do Estado e de uma abordagem baseada na
sociologia de Florestan Fernandes, o gigantismo do PAEG e seu profundo impacto na
sociedade brasileira a longo prazo.
A reforma no setor financeiro público
Até 1964 o Brasil ainda não tinha um Banco Central plenamente dito, o que
dificultava a condução de uma política monetária eficiente por parte do governo. As
funções de autoridade monetária eram dividas pela Superintendência da Moeda e do
Crédito (SUMOC), do Banco do Brasil e pelo Tesouro. Muitas funções que eram
delegadas a SUMOC jamais chegaram a ser praticadas. As operações de open market
não funcionavam, face à precariedade do mercado de títulos públicos e os mecanismos
de redesconto e de depósito compulsório eram operados através do Banco do Brasil, à
ordem da SUMOC, que não tinha caixa próprio. Segundo o diagnóstico do PAEG, esses
mecanismos não funcionavam por dois motivos: “a) as reservas dos bancos comerciais
não eram retiradas de uso, mas justavam-se aos recursos disponíveis do Banco do
Brasil; b) o Banco do Brasil, depositário das reservas, fazia ao mesmo tempo operações
típicas de banco central e operações de banco comercial” (MINIPLAN, 1964, p. 74).
No último dia de 1964 é decretada a lei bancária. É criado o Banco Central do
Brasil5, cujo objetivo seria o de exercer políticas monetárias desvinculadas do poder
executivo, sendo assim políticas não subordinadas a posturas diagnosticadas como
populistas características dos governos anteriores, que era a fonte de déficits
orçamentários que originavam o principal male do qual eram oriundos todos os
problemas da economia brasileira: a inflação. O processo de emissão se acelerava pela
5 Sobre a criação do Banco Central do Brasil ver CORRAZZA, G. A luta pela criação do Banco Central
do Brasil. In: A Interdependência dos Bancos Centrais em Relação ao Governo e aos Bancos
Privados. Campinas: Tese de Doutorado (UNICAMP), 1995.
inoperância do mercado de títulos da dívida pública. A demanda crescente de crédito
pelo Tesouro levava a emissões de papel-moeda muito além dos limites legais. A
operação se processava da seguinte maneira:
[...] o Tesouro devia ao Banco do Brasil o total dos cheques emitidos
que superasse seus depósitos; o Banco do Brasil devia à Carteira de
Redesconto o montante de que houvesse se utilizado; a Carteira de
Redesconto devia ao Tesouro, através da Caixa de Amortização, o
empréstimo ali contraído e que gerava emissão de papel-moeda.
Fechava-se assim o ciclo e quando as emissões atingiam níveis muito
elevados (substancialmente acima dos limites legais), o Executivo
solicitava ao congresso uma lei de encampação, pela qual anulava os
débitos existentes nos vários sentidos e que se compensavam
(MINIPLAN, 1964, p. 88).
Defendia-se ser preciso preservar a independência das instâncias de formulação
da política monetária face às instituições de crédito do Governo. O Banco Central
deveria desempenhar as usuais funções de banco emissor, banco dos bancos e
depositários das reservas internacionais e estaria em melhor posição para controlar a
oferta de moeda, providência vista como imprescindível. A reforma bancária de 1964
tem assim alvo declarado tanto a distinção de funções na política financeira
governamental, quanto a imposição de maior disciplina aos orçamentos federais e às
emissões de moeda. A lei 4.595 assim redefiniria tanto instrumentos como instituições
para a condução da política monetária nacional.
Apesar da feroz crítica em relação às problemáticas que um Estado irresponsável
poderia trazer à economia, não estava no horizonte da reforma a constituição de um
Banco Central puro. É admirada a completa independência das autoridades monetárias
nos países desenvolvidos, porém reconhece-se sua inadequação ao caso brasileiro, que
necessitava de instrumentos para a política de desenvolvimento e se ajustar a flutuações
conjunturais. A solução encontrada foi a criação do Conselho Monetário Nacional, um
órgão interministerial com poder normativo, sendo seus membros dimissíveis ad nutum
pelo Presidente da República (MINIPLAN; 1964).
O Conselho Monetário Nacional seria o responsável pela formulação da política
financeira nacional. Sua atribuição é estabelecer os limites às áreas de atuação do Banco
do Brasil e do Banco Central, encurtando o raio de autonomia de ambos os bancos,
submetendo-os a diretrizes centrais expressas principalmente através do Orçamento
Monetário da República, também criado pela lei bancária de 1964. Conferiam-se ao
órgão também as prerrogativas de autorização para a emissão de papel-moeda; de
aprovação do orçamento monetário; de fixação da política cambial; de determinação das
taxas de juros e descontos nos serviços bancários assim como no encaixe obrigatório; e
de regulamentação das operações de redesconto, de open market e das Bolsas de
Valores.
As leis orçamentárias a partir de então passariam a explicitar o déficit previsto a
ser coberto por emissão sendo submetido à aprovação do Congresso Nacional. As
emissões para as necessidades das atividades produtivas poderiam ser aprovadas pelo
Conselho Monetário Nacional até o limite de 10% dos meios de pagamento existentes
até o último dia do ano anterior. Além deste limite seriam submetidas previamente
também as emissões ao Congresso Nacional, a não ser que, em se tratando de
necessidade urgente, se solicitasse ao Congresso apenas a sua homologação posterior.
Não se retiravam ao Poder Legislativo todas as faculdades referentes à política
monetária porque se lhe preservam apenas os direitos de aprovação das decisões já
tomadas. “Esperava-se desta forma viabilizar a execução de uma política monetária
restritiva, instrumento primordial para o controle da inflação, como acreditava os
tecnoburocratas do governo Castelo Branco.” (GUIMARÃES, 1990, p. 121).
O distanciamento entre as funções de fomento e emissão da moeda que se
buscava atingir, não foi completa. Sochaczewski (1980) mostra que o canal de
comunicação entre o Banco do Brasil e o Banco Central não foi fechado6, apenas
mudou de nome. É assim criada a Conta Movimento do Banco do Brasil, por onde
passaria o fluxo entre os dois bancos, e que deveria ser semanalmente contabilizada,
cabendo ao banco devedor pagar juros sobre o seu saldo devedor ao banco credor. No
entanto, desde a sua criação em 1965, o devedor era sempre e em volume crescente o
Banco do Brasil. Esta conta, expressão que se tornou do suprimento de papel-moeda
pelo Banco Central ao Banco do Brasil, cresceu constantemente nos anos que se
seguiram em proporção a base monetária. Concedeu assim ao Banco do Brasil a
6 O Banco do Brasil ainda teria funções como autoridade monetária, na medida que continuaria sendo o
agente financeiro do governo para a arrecadação da receita federal e pagamento das despesas e também
para a execução da política creditícia e financeira. Deveria o Banco do Brasil operar no financiamento da
indústria, comércio e agricultura, comprar e financiar a produção para a exportação, executar o serviço da
dívida pública e a política de preços mínimos para a agricultura.
expansão de suas operações de crédito acima dos limites estabelecidos pelo Orçamento
Monetário (GUIMARÃES; 1990).
Nem mesmo o Orçamento Monetário instituído, que deveria programar o
suprimento de moeda à economia nacional, e que se pretendia resultasse em instrumento
decisivo no estabelecimento de especificidades nas funções do Banco do Brasil e do
Banco Central, vai cumprir a função que se lhe busca imprimir:
Na prática este orçamento que deveria ser apenas uma programação
das contas relativas ao suprimento de moeda foi transformado em
segundo orçamento patrimonial da União, pois passou a incluir
recursos não-monetários, originários de receitas tributárias e outras
contribuições compulsórias federais, investimentos e transferências de
renda não autorizadas no orçamento (PEREIRA apud ZINI, 1982, p.
89).
Sendo assim, os propósitos que marcavam a Reforma Bancária são limitados.
Apesar dos problemas que persistiram,
O simples fato de centralizar em uma estrutura todos os instrumentos
monetários antes dispersos, lhes potencializa a eficiência de seu uso.
Mas mais que isto a lei introduz mudanças significativas nestes
instrumentos quando, por exemplo, determina que as operações de
crédito ao Tesouro pelo Banco Central devessem ser feitas apenas sob
a forma de aquisição de títulos, ou quando entrega à inteira
responsabilidade do BACEN a emissão primária e os depósitos
compulsórios e voluntários dos bancos. Dá-se porém que estas
mudanças nos instrumentos fundamentais às estruturas de política
monetária não são implantadas ou o são apenas parcialmente, como se
dá com os depósitos voluntários dos bancos que permanecem no
Banco do Brasil. (GUIMARÃES, 1990, p. 123-124)
Outra reforma de fundamental importância – que terá grande impacto na construção
civil – está relacionada ao déficit habitacional. A lei 4.380 de agosto de 1964 institui a
correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro
para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e
Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de
Habitação e Urbanismo, além de outras providências.
O déficit habitacional era visto pelo governo como um problema de natureza
financeira; por um lado, os potenciais compradores de habitações populares não
dispunham de recursos suficientes para pagá-las à vista ou a curto e médio prazo. Por
outro, a inflação aliada à lei do inquilinato, desestimulava fortemente o investimento
imobiliário para aluguel. Assim, foram elaborados instrumentos de programas
habitacionais as Letras Imobiliárias e os depósitos Ampliou-se a correção monetária
para a captação e as aplicações feitas pelo SFH, e a lei 4.494 de 25 de Novembro de
1964, estabelece a correção monetária também para os alugueis. Dois anos depois, em
13 de Setembro de 1966, a lei 5.107, daria forma ao que seria a base financeira do SFH,
a poupança compulsória do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (GUIMARÃES,
1990).
A reforma no setor financeiro privado
O setor mais atrasado da economia brasileira era o setor bancário, incapaz de dar
sustentação ao novo patamar atingindo pela economia brasileira e ao peso do Estado
como condutor do processo de desenvolvimento. Isso era devido a moldura institucional
a qual estava inserido o capitalismo brasileiro, que se apresentava como um obstáculo à
retomada do desenvolvimento e reformas das instituições atacariam atacariam
duplamente esse obstáculo e o processo inflacionário.
Esse obstáculo era posto sobretudo pela não diversificação das linhas de crédito
em que atuava o sistema financeiro nacional, conservadas em curto e médio prazo. O
longo prazo assim não podia ser assegurado senão pelos capitais estrangeiros e pelo
financiamento público. Se as crises nas economias capitalistas reclamam uma
reordenação em maior ou menor medida de seu instrumental de financiamento, a crise
que se aloja na economia brasileira nos anos 1960 requer que se efetue não apenas uma
redefinição dos mecanismos de financiamento, mas a criação mesma de um segmento
financeiro adequado aos novos termos que atinge o Brasil no avanço de seu capitalismo
(GUIMARÃES; 1990).
Com a lei bancária, o governo já redistribuía as funções cabíveis às instituições
públicas e privadas. A lei 4728 de 1965 avança nesse sentido e delimita o que se espera
das instituições financeiras privadas nas tarefas de intermediação financeira, bem como
estabelece medidas para disciplinar e propiciar o desenvolvimento do mercado de
capitais:
No espírito da reforma do mercado de capitais, o banco de
investimento deveria ser essencialmente um lançador no atacado de
ações de sociedades anônimas de capital aberto, a distribuidora
deveria ser o agente de sua difusão a varejo e a corretora, um agente
especializado para a negociação desses títulos no mercado secundário,
as bolsas de valores. (TAVARES & ASSIS, 1985, p. 18)
Entretanto, criadas em um momento de política monetária restritiva, a alta da
taxa de juros provocava a drenagem de recursos financeiros do mercado de risco para o
mercado de empréstimos. O mercado de capitais fica restrito assim basicamente ao
mercado financeiro. Os bancos de investimento atuavam mais como um departamento
dos bancos comerciais do que como atacadista de ações. As corretoras e distribuidoras
tornaram-se varejistas em grande em escala de títulos da renda fixa, não de ações. Ao
mesmo tempo em que o mercado se enviesava e assumia caráter especulativo, as
empresas encontravam pouco estímulo a abrir seu capital:
Por um defeito técnico na lei, somente corrigido na nova Lei das S.A.,
dez anos depois, pagavam menos imposto justamente as empresas
menos capitalizadas, pois os empréstimos entravam como custo
dedutível e o capital de giro não sofria correção monetária no balanço.
Diante disso, seria quase sempre mais vantajoso para redução de ônus
fiscais, o recurso ao crédito mesmo caro em lugar de se abrir o capital
da empresa (TAVARES & ASSIS, 1985, p. 18-19).
O próprio Ministro Bulhões reconheceria ao falar do sistema de intermediação
anos mais tarde, seu caráter especulativo e incapaz de possibilitar o financiamento
nacional de longo prazo às empresas brasileiras.
A postura frente o capital estrangeiro
Conforme dizem Tavares & Assis (1985), a estrutura enviesada que ia
assumindo o sistema financeiro internamente ajustava-se como uma luva ao que, no
cenário internacional, era requerido como condição para a perfeita articulação da
economia brasileira com o sistema finaneiro internacional privado, em franca expansão.
Uma vez instaurado o governo ditatorial, o governo declarou explicitamente sua postura
amigável em relação ao capital externo no esforço de desenvolvimento.
Nesse sentido, mudanças são feitas de imediato na legislação para o capital
estrangeiro, até então sob regulação da polêmica Lei de Remessas de Lucros, a lei 4131
de Setembro de 1962. Nela havia-se estabelecido o estatuto básico para capitais
estrangeiros e criando na SUMOC um Serviço Especial de Registros de Capitais
Estrangeiros, pondo fim à omissão vigente quanto ao registro destes capitais e às
remessas para o exterior. Os registros facilitavam o controle do balanço de pagamentos
e do orçamento de câmbio, mas aos dispositivos sobre as remessas para o exterior que
se haviam levantado fortes reações. Determinavam eles que as remessas de lucros não
poderiam ultrapassar 10% ao ano sobre o valor dos investimentos registrados
(GUIMARÃES, 1990).
Promulgada em agosto de 1964 a lei 4.390
adota critério diferente, liberando o limite de remessa e adotando como
instrumento corretivo a utilização de um imposto suplementar de renda,
de caráter progressivo, sempre que a média das remessas em um triênio
excedesse a 12% sobre o capital e investimento estrangeiro registrado
(VENÂNCIO FILHO, 1968, p. 273).
O PAEG havia definido tais mudanças afirmando “que as limitações
quantitativas de remessas de lucros foram desfavoráveis ao país, fazendo cair o ingresso
de capitais de risco quando aplicadas” (MINIPLAN, 1964, p. 144). Este propósito de
eliminar entraves ao aporte de capitais externos seguiria sendo coerentemente expresso
na legislação a partir de então expedida. Em janeiro de 1965, a Instrução 289 da
SUMOC possibilitava a contratação de empréstimos externos em moeda estrangeira,
diretamente entre empresas do exterior e do país (industriais ou comerciais),
prevalecendo as transações entre firmas associadas. A Instrução encerra a disposição em
estabelecer limites à utilização pelas empresas de capital estrangeiro de recursos do
mercado interno de capitais, para levá-las a contratarem seus empréstimos no exterior.
Em junho deste mesmo ano, dispositivos da lei 4728 reforçam os estímulos ao
endividamento externo destas empresas por lhes dificultar seu endividamento no
sistema financeiro nacional. Em seu artigo 22, concede-se ao Banco Central poder para,
em períodos de desequilíbrio no balanço de pagamentos, limitar o recurso ao mercado
interno no caso das empresas que tenham acesso ao mercado financeiro internacional.
“Por essa via, ao mesmo tempo em que se estimula as condições de competição no
mercado financeiro interno das empresas controladas por capitais nacionais, que não
têm a mesma alternativa de acesso às fontes externas de financiamento” (MINIPLAN,
1964, p. 233)
A reforma fiscal e a reforma na máquina fazendária
A reforma fiscal tem seus objetivos estabelecidos em três eixos: a receita, o
gasto e a administração fazendária.
No que tange a receita, o diagnóstico do PAEG era que o Estado brasileiro não
arrecadava o suficiente para cobrir seus gastos graças ao pouco rigoroso sistema
tributário brasileiro, sua incapacidade de se fazer cumprir, além de ter um mercado de
títulos da dívida pública sem credibilidade. Essas deficiências faziam com que o Estado
brasileiro recorresse a emissão de moeda para financiar seus gastos, o que dava início ao
processo inflacionário. Sendo a inflação o pilar de todos os problemas da economia
brasileira, fazia-se urgente sanar esses males. É com esse caráter de urgência que a lei
4357 é decretada, em julho de 1964. A receita deveria ser aumenta em duas frentes,
através da arrecadação de impostos e do mercado de títulos da dívida pública
(MINIPLAN; 1964).
Cria-se uma série de impostos, como o Imposto sobre Circulação de
Mercadorias (ICM), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre
Serviços (ISS), o Imposto sobre Operações Financeiras (ISOP) e o Imposto sobre
Transporte e Comunicação. Além de serem fontes de receita, o ICM, o IPI, o ISOP e
com grande destaque o Imposto de Renda eram usados como instrumentos de política
econômica.
De 1947 a 1962 a importância do Imposto de Renda na arrecadação da União cai
de 35% para 10% (DA SILVA, 1974). Para recuperar sua relevância na receita do
governo, o leque de atuação do Imposto de Renda é ampliado, tendo o limite da renda a
ser tributado por este imposto diminuído; cobra-se de profissões que antes não o
pagavam, como os professores, os jornalistas e os magistrados; e suas alíquotas são
aumentadas. Acréscimos ou isenções eram feitas com as prioridades de política
econômica do governo. Como se buscava incentivar a poupança, o Imposto de Renda
incide com muito mais força na renda do assalariado. Enquanto o Imposto de Renda
sobre Pessoa Física cresce 200%, o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica cresce
somente 50%., o que demonstra ter sido o IR no período um instrumento de
reconcentração de renda (GUIMARÃES; 1990).
O IPI e o Imposto sobre Exportações e o ISOP foram transformados também em
instrumento de política econômica. O IPI tinha um caráter mais seletivo em relação ao
imposto que o antecedera, o Imposto sobre Consumo, o que aumentava o raio de
manobra de seu uso pelo governo. Enquanto o Imposto sobre Exportações tinha como
objetivo ser usado como instrumento fiscal sobre o Comércio Exterior7, para evitar o
estrangulamento da capacidade para importar e não como fonte de recursos. O ISOP era
estabelecido para disciplinar o mercado financeiro (GUIMARÃES; 1990).
Há, no estabelecimento de impostos e de ampliação das fontes de receita, uma
clara opção de centralizar os recursos na União. A emenda constitucional nº 18, de 25
de outubro de 1966 classifica os tributos por incidência e não mais pela instância que os
recolhe. Isso os centraliza e os integra nacionalmente. É a União que cabe o comanda de
arrecadação e do repasse neste sistema, cumprindo o movimento de ampliação dos
controles centralizados de Estado sobre toda a economia nacional. É eliminado o campo
residual, o espaço de concorrência e criação de tributos partilhados por Estado e
municípios, movimento confirmado pela Constituição de 1967.
O ICM e o Imposto sobre a Transformação de Bens Imóveis passariam a ser as
únicas fontes de arrecadação dos estados. Mesmo assim, suas alíquotas eram
estabelecidas pelo Congresso Nacional e pela Presidência da Repúbica. O ICM introduz
também um tipo novo de imposto, cobrado pelo valor adicionado. O imposto que
antecedera o ICM, o Imposto sobre Vendas e Consignações, tinha incidência
cumulativa, o que se tornara ultrapassado na agora industrializada economia brasileira
(FGV; 1967).
É adotada também uma política de verdade tarifária, de “inflação corretiva” das
tarifas públicas. Nesse sentido é abolida a limitação de 12% de lucro das estatais e com
7 Por outro lado, abre-se mão do uso da taxa de cambio como instrumento de política econômica, que se
encaminha para a unificação e flexibilização.
isso se aumenta o preço das telecomunicações, das ferrovias e da eletricidade, enquanto
aumenta-se o preço do aço em termos reais, ou seja, se corta o subsidio aos
consumidores e se mantém os subsídios às empresas privadas. (GUIMARÃES; 1990)
O mercado de títulos da dívida pública é totalmente reestruturado. Em 16 de
Julho de 1964, através da lei 4357, cria-se as Obrigações Reajustáveis do Tesouro
Nacional (ORTN), com vencimento entre 3 e 20 anos. Os antigos títulos do governo
eram pouco atrativos devidos ao processo inflacionário e a postura do governo em
relação a esses títulos (o governo muitas vezes deixava de pagar os dividendos e não
resgatava os títulos dado o seu vencimento). Para mudar esse panorama, estabelecia-se a
correção monetária dos débitos fiscais, iniciando-se assim um movimento de indexação
da economia – que naquele momento tinha vigência limitada à captação de recursos
governamentais, apenas mais adiante seria ela estendida às demais operações
financeiras. A rentabilidade das ORTN’s era maior do que os outros títulos de renda
fixa e a correção monetária era maior que o nível de preços por atacado.
(GUIMARÃES; 1990)
Essas medidas não eram suficientes para o governo. Além da correção
monetária, outras formas de incentivo eram oferecidas para o aquecimento do mercado
de títulos da dívida. O que as Pessoas Físicas gastavam com ORTN’s, 30% era abatido
do Imposto de Renda. Pessoas Fisicas com rendas anuais acima de 600 mil cruzeiros
subscreviam compulsoriamente para o Fundo de Indenização Trabalhista, que também
era financiado pela aplicação compulsória de 3% das folhas de pagamento na aquisição
de ORTN’s. (GUIMARÃES; 1990)
A partir dessas medidas, a venda de ORTN’s cresce 599,3% entre 1964 e 1965.
A compra e venda de títulos passam, com esse aumento quantitativo de suas operações,
a determinar o nível das reservas bancárias e, portanto, o fluxo de crédito bancário, ou
seja, as operações de open market passam a funcionar, o que faz com que a operação
com esses títulos determinem a taxa de juros vigente no mercado financeiro, dando
forma final a reforma financeira. (GUIMARÃES; 1990)
Outra deficiência importante em relação a arrecadação e a padronização da
receita tava na necessidade da reforma da maquina fazendária. Nesse aspecto, é
transferida à rede bancária o pagamento dos serviços civis em Janeiro de 1965 e a
arrecadação dos impostos federais, em 1966. Com essa transferência e economiza
recursos para outros investimentos em modernização da Fazenda. Com a lei 4503 de
1964 é criado o Cadastro Geral dos Contribuintes (CGC), que deveria cadastrar todas
Pessoas Físicas e Jurídicas. O cadastro de Pessoas Físicas era muito complicado em um
sistema não informatizado. É com isso em mente que é criado com a lei 4516 de
Dezembro de 1964, o Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO),
autarquia dotada de autonomia e flexibilidade administrativa e financeira (REZENDE,
1974).
Velhos organismos são também redefinidos, em um movimento de
especialização e de melhor delimitação da hierarquia dos organismos fazendários. Os
organismos dentro do Ministério da Fazenda passam a ser definidos como
departamentos: Departamento do Imposto de Renda,. Departamento de Rendas Internas,
Departamento de Rendas Aduaneiras e Departamento de Arrecadação (criado durante as
reformas do PAEG). A Casa da moeda, antes submetida em termos administrativos e
financeiros ao Ministério da Fazenda, é transformada em autarquia (REZENDE, 1974).
Em relação aos gastos, é criado, com a lei 4320, de 13 de Março de 1964, o
Controle do Orçamento, com o estabelecimento de normas gerais de direito financeiro.
Procura-se aqui também em utilizar o orçamento como instrumento de política
econômica, na forma de restringir os gastos do governo. Se sustenta que não era
explicitado nas contas do Tesouro os gastos com a administração indireta, o que
encobria vultosos déficits. O novo governo não corrige o problema em sua totalidade,
apesar de estabelecer bastante autonomia orçamentária à administração indireta
(autarquia, empresas públicas e sociedades mistas). Além disso, critica-se o uso em
excesso da categoria “créditos adicionais” que se destinava a adendos ao orçamento e
contraditoriamente se cria a “conta-investimentos” que tinham o mesmo objetivo de
acrescentar gastos adicionais ao orçamento. Nesse mesmo sentido de discrepância entre
discurso e prática, o Executivo passa a se sobrepor sobre o Tribunal de Contas da
União, esvaziando o controle do Orçamento por parte do TCU e do legislativo. Esta
última sofre o agravante de não ter mais nas leis orçamentárias os orçamentos das
empresas estatais e o orçamento monetário do governo. (REZENDE, 1974)
Em linhas gerais, a reforma fiscal amplia e centraliza o poder do Estado (da
União) sobre o processo de acumulação, ampliando os instrumentos à sua disposição
para tal. Essas reformas, de cunho fiscal e administrativo, se complementam com as
reformas financeiras do setor público e privado, que juntas articularão financiamento e
demanda. A reforma fiscal tornam concretos os objetivos da política financeira de
estimulo à poupança, direcionando os recursos da sociedade às empresas e aos setores
considerados prioritários pela política econômica em detrimento dos salários. A reforma
administrativa é estruturada no sentido de viabilizar e gerir tais mudanças
(GUIMARÃES; 1990).
A relação institucional com os assalariados e a política agrícola
Teoricamente, a política salarial do PAEG “visa, simultaneamente, a preservar a
capacidade de poupança nacional, a assegurar facilidades de emprego, e a permitir que
os assalariados participem, sem defasagem, dos frutos do desenvolvimento econômico.”
(MINIPLAN, 1964, p. 83). Todas medidas nesse sentido devem ser cautelosas de forma
a “impedir que reajustamentos salariais desordenados alimentem irreversivelmente o
processo inflacionário” (MINIPLAN, 1964, p. 83), já que uma vez estabelecidas as
reformas no setor público,
O programa reconhecia que numa inflação, o segundo ponto
interessante dizia respeito à política salarial. O programa reconhecia que
numa inflação crônica os salários reais oscilam entre picos e vales,
devido à conjugação de altas salariais descontínuas com altas contínuas
de preços, e que a meta a ser estabelecida deveria ser a estabilização
pela média (mais aumentos vegetativos de produtividade) e não pelos
picos. [...] A fórmula [definida para os reajustes] já levaria em conta
certa previsão de inflação para o futuro. Mas como a inflação prevista
seria inferior à registrada no passado recente (já que se estava num
processo de estabilização), os reajustamentos normalmente seriam
menos do que proporcionais ao aumento do custo de vida desde a última
revisão.” (SIMONSEN & CAMPOS, 1979, p. 102).
O PAEG reconhecia o que era evidente: sendo a elevação dos preços contínua e
os ajustes salariais geralmente anuais, há uma queda no poder de compra dos salários.
Apesar desse reconhecimento, não se adotava nenhuma política corretiva da
deterioração dos salários ou para alterar a velocidade de reajustes dos mesmos. Pelo
contrário, “propõe ainda a incorporação da metade da inflação prevista para o ano
subsequente.” (PAIVA, 1991, p. 496).
Ademais, devido ao ônus imposto às empresas privadas pela contenção de
crédito, procurava-se diminuir esses feitos, engendrando-se concomitantemente uma
política salarial restritiva que aliviasse os custos das empresas8. Se a estratégia
antiinflacionária não poupava nem mesmo as empresas privadas mais frágeis, não havia
qualquer preocupação do governo Castelo Branco em poupar a classe trabalhadora
nesse processo. Para se acalmar os espíritos frente a certeza do rebaixamento de seus
salários reais, oferece-se a promessa incerta de um maior número de empregos no futuro
(GUIMARÃES; 1990).
Aos trabalhadores do campo não são oferecidas terras e sim direitos trabalhistas
para se compensar. A questão agrária não é tratada no PAEG como “reforma agrária” e
sim como “diretrizes gerais para o desenvolvimento das atividades agrícolas”. Fala-se
em desenvolvimento das atividades agrícolas e aumento de sua produtividade, e não em
reforma e estrutura agrária, o que demonstra a disposição do governo em relação a essa
questão9.
A partir da constatação de baixa produtividade geral da agricultura, com baixa
formação de capital fixo e lento progresso tecnológico, além da ciência de que as
medidas de combate a inflação postas até agora pelo PAEG levariam apenas ao
desestímulo do investimento na agricultura - que não se expandiria ao mesmo ritmo da
demanda por seus produtos, mantendo constante pressão de alta de preços. Sendo assim
o problema da agricultura se resolveria na elevação de sua produtividade, o que
8 É nessa questão de um foco inflacionário a partir de custos dos salários (estilo profit squeezy) que
distingue o PAEG dos outros planos antiinflacionários. É aqui que há a preocupação em preservar a
capacidade de poupança interna. 9 A questão agrária não deixa de estar no PAEG, embora de forma subalterna, sendo introduzida
basicamente como fator que dificultaria a adoção de tecnologias mais avançadas. Mesmo que se
reconheça uma estrutura fundiária extremamente desigual, só se recomendaria a reforma agrária onde se
encontrasse excesso de mão de obra em relação a tecnologia empregada no uso da terra, caso que não
acontecia no Brasil e assim propostas de reforma agrária que remetessem apenas a distribuição das
propriedades rurais não deveriam ser consideradas. Nesse sentido, não se oferecia terras aos trabalhadores
do campo, mas se oferecia direitos trabalhistas em compensação, já que a elevada porcentagem de
trabalhadores na agricultura imporia a”regulamentação das relações contratuais no campo”. A reforma
agrária, onde se fizesse, se faria em planos de alcance limitado e sempre previamente negociados em
prazos objetivos determinados a partir de projetos específicos. Aqui, mais uma vez, o PAEG se afirma
como um projeto que busca elevar a eficiência capitalista em padrões avançados. A equidade de direito a
terra só é considerada relevante onde atrapalha a elevação da produtividade social, isto é, a busca
eficiência capitalista avançada (GUIMARÃES; 1990).
possibilitaria o fornecimento de alimentos e matérias-primas necessários à
intensificação da concentração urbana que havia trazido a industrialização.
Além disso, espera-se que a agricultura fornecesse as divisas necessárias para o
financiamento das importações, bem como que absorvesse o excedente de mão de obra
que a indústria não comportasse. A política agrícola é importante para o PAEG e
totalmente alinhada à política de comércio exterior, “ocupada prioritariamente com as
exportações brasileiras e que efetivamente pôde deflagra-lhes enorme crescimento sob
as asas protetoras do Estado” (GUIMARÃES, 1990, p. 99).
Conclusão
No PAEG, ao contrario do que se apregoava, “[...] [desenha-se] um Estado mais
forte, com poderes mais amplos para decidir sobre os rumos do capitalismo brasileiro e
mesmo alimentar sua pervesidade.” (GUIMARÃES, 1990, p. 176).
Essa ampliação do poderes no Estado se fez em duas frentes: i) através da
monopolização da emissão de papel-moeda com a instituição do Banco Central do
Brasil – que se não controlou também o controle do crédito por esta instituição, pelo
menos delimitou mais claramente as funções do Bacen, do Banco do Brasil e do
Tesouro Nacional, possibilitando diagnósticos e políticas monetárias mais eficientes; ii)
de uma reforma fiscal que aumentou significativamente suas receitas não inflacionárias,
com a) a ampliação dos contribuintes e alíquotas do Imposto de Renda, b) criação de
impostos que serviam de instrumentos de política econômica, sendo sua arrecadação
centralizada pela União, c) a autonomia orçamentária e administrativa das empresas
estatais, d) criação de um mercado de título da dívida protegido da corrosão
inflacionária com a emissão das ORTN’s – que completava a reforma no setor
financeiro público e fazia funcionar plenamente as operações de open market operadas
pelo Banco Central.
Detendo maior controle sobre a economia e concentrando cada vez mais o
excedente econômico em seu seio, o Estado o distribuía de acordo com as prioridades
da política econômica. A reforma no setor financeiro privado longe de dar capacidade
aos bancos nacionais de oferecer financiamento a longo prazo que as empresas
necessitavam tanto, o enviesou de tal forma que os bancos nacionais foram forçados a
continuar oferecendo somente créditos de curto e médio prazo. Os bancos internacionais
ficaram sendo os responsáveis pelo financiamento a longo prazo, algo buscado pelo
governo, que “colou” o mercado financeiro brasileiro ao mercado financeiro
internacional, com a Resolução 63 do Conselho Monetário Nacional.
O arrocho monetário e creditício fez com que inúmeras pequenas e médias
empresas falissem ou fossem absorvidas pelos grandes conglomerados nacionais e
principalmente estrangeiros, que tinham acesso à credito que essas empresas não
tinham. Se nem as pequenas e médias empresas foram poupadas, aos assalariados foram
impostos os maiores sacrifícios. A fim de “compensar” os malefícios do arrocho à
capacidade de poupança das empresas (que era vista como indispensável para a
retomada do crescimento), se adotou uma política salarial extremamente prejudicial ao
poder de compra dos salários.
Apesar de a inflação ter caído aquém da expectativa do plano e o crescimento
ter sido abaixo da média histórica brasileira, “Não é na vitória ou na derrota da luta
contra a inflação ou pela retomada do crescimento que se vai poder desvendar a
dimensão das reformas do governo Castello Branco.” (GUIMARÃES, 1990, p. 103).
Ele faz ao mesmo tempo, mais e menos do que se promete. Tampouco seus impactos
sobre a economia são puramente conjunturais e temporários. Não seria mais falso. Para
entender o PAEG, é fundamental olhar suas implicações a longo prazo. As reformas do
PAEG instauram um novo padrão de desenvolvimento na economia brasileira, sendo
limitadas pelo pacto político do golpe de 1964 e do contexto histórico:
O que se pode dizer, de um ponto de vista geral, é que sob o
capitalismo monopolista o desenvolvimento desigual da periferia se
torna mais perverso e ‘envenenado’.Não se voltando contra a dupla
articulação, ele mantém, alarga e aprofunda a dependência, ao mesmo
tempo que agrava o subdesenvolvimento relativo (malgrado os efeitos
de demonstração em contrário). Além disso, como também
desencadeia pressões fortes no sentido de crescer aceleradamente com
‘recursos internos’, infunde novas distorções estruturais e dinâmicas
no processo de acumulação capitalista. Isso se revela particularmente
grave em duas esferas: 1º) as fortes compressões conjunturais dos
salários dos trabalhadores; 2º) desinflatores e outras técnicas de
transferência de renda, que amparam, sistematicamente, os que podem
‘fazer poupança’, Isto é, todos aqueles que estão fora e acima da
economia popular. Em contraste, o pequeno e exclusivo exército dos
‘ricos’, ‘poderosos’ e ‘modernos’ – grupos de rendas altas e muito
altas – além de participar direta e desigualmente da prosperidade
induzida de fora, encontra novas facilidades de elevação de renda,
graças a uma política econômica e financeira delineada para fazer dele
um eixo dinâmicos da transição. Ele se projeta, assim, naquilo que se
poderia descrever como a conexão positiva do padrão de
desenvolvimento capitalista-monopolista dependente. Forma os
estratos dos consumidores dos artigos de luxo e dos médios e grandes
investidores; e encarna os desequilíbrios que esse novo padrão de
desenvolvimento introduz em estruturas econômicas, sociais e
políticas que pareciam não suportar maiores incrementos das
desigualdades de classe, de região ou de raça. (FERNANDES, 2006,
p. 272)
Ou seja,
[...] o movimento de concentração de renda ordenado
institucionalmente não reflete qualquer ‘perversidade patológica’ dos
gestores da política pública, mas, isto sim, pressões estruturais do
padrão compósito de dominação burguesa montado, que deslocam
para os setores desapropriados o ônus da reacomodação política e
econômica do conjunto dos estratos proprietários. (PAIVA, 1991, p.
500-501)
E a retomada do crescimento posterior da economia – que vem acompanhado
com crescente concentração de renda e dependência externa conforme acima exposto –
se deve muito também ao PAEG:
[...] o cerne da retomada do desenvolvimento do período 1968/73
reside nas reformas financeiras da gestão Bulhões-Campos. Foram
elas que permitiram o autofinanciamento das empresas públicas que
passaram a operar com relativa autonomia financeira e de mercado.
(TAVARES, p. 150)
São as reformas financeira e fiscal que permitem a recuperação dos gastos
correntes e do investimento estatal, reimpulsionam a demanda por bens de consumo
durável, e, a partir da montagem do SFH, permitem o reaquecimento do importante
setor de construção civil, “que porta notável capacidade de criação de empregos e
estimulação da demanda interindustrial” (PAIVA, 1991, p. 502).
É preciso deixar claro que a racionalidade da equipe econômica e o horizonte do
PAEG não é tão amplo. É verdade que se tencionava iniciar uma nova fase de
desenvolvimento capitalista no Brasil. Mas conforme explicita o PAEG, o “novo” está
associado a institucionalização de relações capitalistas avançadas, mais eficientes e
equilibradas que o “velho” capitalismo brasileiro. O “velho” estava associado à
desequilíbrios, a inflação, o déficit público, os “elevados” salários, o baixo coeficiente
de exportações, a insuficiência de poupança, o descontrole na balança de pagamentos,
sendo todos esses males causados pelas irresponsáveis políticas dos governos anteriores.
O que se buscava recuperar era a capacidade alocativa do mercado. Ele que deveria
liderar a retomada do crescimento. Embora os formuladores do PAEG tivessem ciência
das potencialidades dinâmicas presente nas reformas introduzidas, a interpretação de
que “’o enfrentamento da tendência à estagnação interna dependeria da rearticulação
das condições de gasto do Estado e da montagem institucional de estímulos
extraordinários à recuperação do investimento e do gasto privados’ não se encontrava
nos horizontes dos mesmos” (PAIVA, 1991, p. 502-503) já que sua formação teórica
era de orientação monetarista ou próxima disso.
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