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As reformas institucionais da ditadura brasileira: um estudo do Programa de Ação Econômica do Governo (1964-1967) Alisson Oliveira de Souza Carvalho 1 Resumo: O Estado e suas instituições são instrumentos valiosos para o atendimento de anseios de uma classe social e por isso seu controle é intensamente disputado. A política-econômica é a instância em que a relação entre estado e sociedade civil se demonstra mais claramente. É a partir dela que são arbitrados os conflitos de interesses das classes sociais de um país. No Brasil, esta disputa foi intensa no período até 1964 e culminou em um golpe civil-militar no qual as classes dominantes brasileiras monopolizaram o controle do Estado de forma autoritária. O objetivo deste artigo é entender o que caracteriza o uso do Estado por estas classes através das reformas institucionais e das políticas-econômicas praticadas no período delimitado para a partir disso entender a nova relação existente entre estado e economia no Brasil. Palavras-chave: estado, política econômica, classe social. Resumen: El Estado y sus instituciones son herramientas valiosas para el cuidado de los deseos de una clase social y por lo que su control es muy discutida. La política económica es la instancia en que la relación entre Estado y sociedad civil se demuestra con mayor claridad. Es a partir de lo que se arbitró los conflictos de intereses de las clases sociales de un país. En Brasil, esta diferencia fue intensa en el período hasta 1964 y culminó en un golpe cívico-militar que las clases dominantes brasileñas monopolizaron el control estatal de manera autoritaria. El propósito de esta ponencia es entender lo que caracteriza el uso del Estado para estas clases a través de reformas institucionales y políticas económicas practicadas en periodo delimitado para que comprendan de la nueva relación entre el Estado y la economía en Brasil. Palabras-clave: estado, política económica, clase social. 1 Graduando em Ciências Econômicas na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri. Membro do Grupo de Estudo de Pensamento Latino-americano (GEPLA). O apoio financeiro da FAPEMIG é aqui reconhecido.

As reformas institucionais da ditadura brasileira: um ... · cujo os aproximava da concepção monetarista, que também considerava a inflação brasileira uma inflação tipicamente

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As reformas institucionais da ditadura brasileira: um estudo do Programa de Ação

Econômica do Governo (1964-1967)

Alisson Oliveira de Souza Carvalho1

Resumo: O Estado e suas instituições são instrumentos valiosos para o atendimento de

anseios de uma classe social e por isso seu controle é intensamente disputado. A

política-econômica é a instância em que a relação entre estado e sociedade civil se

demonstra mais claramente. É a partir dela que são arbitrados os conflitos de interesses

das classes sociais de um país. No Brasil, esta disputa foi intensa no período até 1964 e

culminou em um golpe civil-militar no qual as classes dominantes brasileiras

monopolizaram o controle do Estado de forma autoritária. O objetivo deste artigo é

entender o que caracteriza o uso do Estado por estas classes através das reformas

institucionais e das políticas-econômicas praticadas no período delimitado para a partir

disso entender a nova relação existente entre estado e economia no Brasil.

Palavras-chave: estado, política econômica, classe social.

Resumen: El Estado y sus instituciones son herramientas valiosas para el cuidado de

los deseos de una clase social y por lo que su control es muy discutida. La política

económica es la instancia en que la relación entre Estado y sociedad civil se demuestra

con mayor claridad. Es a partir de lo que se arbitró los conflictos de intereses de las

clases sociales de un país. En Brasil, esta diferencia fue intensa en el período hasta 1964

y culminó en un golpe cívico-militar que las clases dominantes brasileñas

monopolizaron el control estatal de manera autoritaria. El propósito de esta ponencia es

entender lo que caracteriza el uso del Estado para estas clases a través de reformas

institucionales y políticas económicas practicadas en periodo delimitado para que

comprendan de la nueva relación entre el Estado y la economía en Brasil.

Palabras-clave: estado, política económica, clase social.

1 Graduando em Ciências Econômicas na Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e do Mucuri.

Membro do Grupo de Estudo de Pensamento Latino-americano (GEPLA). O apoio financeiro da

FAPEMIG é aqui reconhecido.

Introdução

No início dos anos 1960, se tornou consenso no pensamento econômico

brasileiro, tanto do lado dos estruturalistas e dos socialistas quanto dos monetaristas

(como eram chamados os economistas liberais na América Latina) a necessidade de se

operar transformações fundamentais nas estruturas institucionais, produtivas e sociais

do país. A inflação (acompanhada de estagnação) cada vez mais galopante e o déficit

público colocavam em caráter de urgência a discussão sobre as reformas de base

relacionadas à política econômica: as reformas financeira e fiscal. O debate,

evidentemente, ultrapassava o problema do controle imediato da inflação e era bem

mais amplo (BIELSCHOWSKY; 2004).

Embora procurassem demonstrar que o ponto de partida do processo

inflacionário se dava no interior do sistema econômico a partir de pontos de

estrangulamento da oferta, os estruturalistas não conseguiram elaborar soluções

analíticas de curto prazo para frear a espiral inflacionária. Tal insuficiência analítica

acabava por considerar a inflação brasileira como uma inflação de demanda, diagnóstico

cujo os aproximava da concepção monetarista, que também considerava a inflação

brasileira uma inflação tipicamente de demanda, aqui, por outro lado, causada por falhas

na condução da política econômica2.

Do lado dos estruturalistas, no entanto, a inflação não era male tão grave a ponto

de estancar o desenvolvimento. Se não eram oferecidas respostas imediatas de controle

da espiral inflacionária, era frisada a necessidade de o desenvolvimento econômico

conviver com certo grau de inflação, sendo esta uma espécie de mal necessário. O

verdadeiro obstáculo ao desenvolvimento era a falta de dinamismo do mercado interno,

provocado pela estrutura socioeconômica subdesenvolvida do país, só passível de ser

combatida no longo prazo. É nesse sentido que defendem um conjunto de políticas e

reformas estruturais que melhorassem a distribuição de propriedade e renda, alocassem

investimentos e canalizassem recursos fiscais e financeiros por meio do planejamento

estatal e desenvolvessem tecnologias próprias, dinamizando o próprio mercado interno3.

2 Para uma critica tanto da visão estruturalista como da visão monetarista ver RANGEL, I. [1963]. A

Inflação Brasileira. São Paulo: Bienal, 1986. 3 A análise clássica dos mais renomados estruturalistas brasileiros da época pode ser encontrada em

FURTADO, Celso. A pré-revolução brasileira. Rio de Janeiro: Ed. Fundo de Cultura, 1962. e TAVARES,

M. C. [1963]. Auge e declínio do processo de substituição de importações no Brasil. In: Da substituição

Já os monetaristas viam a inflação como o problema fundamental da economia

brasileira que dava origem a todos os outros. A forma de financiamento que se recorria

o Estado brasileiro para cobrir seu déficit era a emissão de moeda, daí se originava a

inflação. Novas fontes de financiamento faziam-se fundamentais para combater a

inflação e restabelecer os meios do crescimento econômico. Nesse sentido, a solução do

problema inflacionário confundia-se com a solução da retomada do crescimento e do

desenvolvimento econômico.

Um dos monetaristas mais respeitados do país, Octávio Gouveia de Bulhões,

sendo empossado no Ministério da Fazenda pelo Presidente Castello Branco, teria a

chance de implementar suas ideias, relacionadas ao equilíbrio monetário-financeiro e

instituição de um sistema financeiro a longo prazo. Bulhões, foi o criador da

Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC) e no período do pós-guerra até

1964 um persistente militante da criação do Banco Central.

O famoso tecnocrata Roberto de Oliveira Campos, agora Ministro do

Planejamento, se aproximava aos monetaristas em relação sua preocupação com o

processo inflacionário, porém era um economista bastante eclético e pragmático.

Segundo Bielschowsky:

Campos representa, no panorama político brasileiro do nosso período

[pré-1964], a ‘ala direita’ da posição desenvolvimentista. Trabalhou no

projeto de industrialização do país e bateu-se pelo planejamento do

desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, defendeu a atração de

capitais estrangeiros, inclusive para mineração e energia, e atacou a

solução estatal para investimentos em quase todos os casos em que

vislumbrava uma solução privada. (BIELSCHOWSKY, 2004, p. 105).

No Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG – 1964/19664) se

aplicarão claramente as propostas de ambos os economistas até 1964, de controle

inflacionário, planejamento setorial e incentivo ao capital estrangeiro onde quer que ele

se proponha atuar. Se do ponto de vista ideológico o planejamento era um campo

perigoso, associado aos governos anteriores e ao socialismo, o PAEG irá o caracterizar

de importações ao capitalismo financeiro: ensaios sobre a economia brasileira. Rio de Janeiro: Zahar,

1972. 4 Estendemos nosso estudo até um pouco adiante do PAEG, 1967, porque é o ano da reforma

administrativa, que é totalmente coerente e dá forma final as reformas iniciadas no PAEG.

como provisório, além de conter no plano uma política desestatizante, embora se verá

ser um recurso meramente retórico do que posto em prática.

O plano de governo para o período, neste sentido, conjuga diagnósticos e

políticas muitas vezes contraditórias, sendo algumas ortodoxas e outras de cunho

heterodoxo. O PAEG, em linhas gerais, demonstra a vontade e a admiração do governo

por uma economia de livre mercado, porém sustenta a impossibilidade de se estabelecer

uma economia de tal tipo naquele momento específico da realidade brasileira.

A metodologia do PAEG se divide nas seguintes partes: a primeira parte são os

objetivos que se pretende atingir. A segunda parte é a construção dos instrumentos de

ação: estabelecimento de novas formas de financiamento, arrecadação, gestão e gastos.

A terceira parte está na política frente a economia real, infra-estrutura, setores

industriais, agrícolas, etc. Quarta para se refere à “economias externas”: educação,

saúde, saneamento, previdência social, integração regional. A quinta parte explicita as

medidas a serem tomadas de forma sumária.

Neste trabalho eu procurei estudar somente as partes relacionadas às reformas

nas instituições do Estado e apontar em linhas gerais o que isso representa para a

economia e as classes sociais. Dividi em tópicos da forma com que ficasse mais clara a

argumentação para os meus objetivos. Nos dois primeiros tópicos são desenvolvidas as

reformas no setor financeiro público e privado, que se segue com o tópico sobre a

política em relação ao capital estrangeiro, já que os dois primeiros tópicos demonstram

que a única forma de financiamento de longo prazo que terá a economia brasileira,

mesmo após as reformas, é o financiamento externo. O quarto tópico versa sobre a

reforma fiscal, que complementa a reforma nos instrumentos de política econômica,

iniciada pela reforma financeira. No último item é feito apontamentos no que tange a

relação institucional com os assalariados, que receberiam os maiores ônus das reformas

do PAEG.

O PAEG propunha reduzir a inflação de 92% em 1964 para 25% em 1965 e

10% em 1966. (MINIPLAN; 1964). Para isso, no entanto, dizia-se que se adotaria uma

política gradualista (SIMONSEN; 1979). Em 1964 e 1965 o ritmo da expansão dos

meios de pagamento se expandiu a algo próximo de 80%. Em 1966 Bulhões decidiu

aplicar o famoso tratamento de choque, restringindo a expansão dos meios de

pagamento a 14%. Ao contrário do esperado, a inflação se manteve em 55% em 1965 e

39% em 1966. Além disso, a expectativa era que nos primeiros anos de vigência do

plano a economia cresceria a 6% ao ano, a taxa média do período 1947/1961 e

posteriormente a 7% ao ano, média do período 1957/1961. (MINIPLAN; 1964)

Entretanto, a economia cresceu, em média geométrica, somente 3,88% de 1964 a 1967.

(TAVARIS & ASSIS; 1985).

Apesar de não ter atingindo seus objetivos de curto prazo, se defenderá aqui,

através do estudo das reformas no seio do Estado e de uma abordagem baseada na

sociologia de Florestan Fernandes, o gigantismo do PAEG e seu profundo impacto na

sociedade brasileira a longo prazo.

A reforma no setor financeiro público

Até 1964 o Brasil ainda não tinha um Banco Central plenamente dito, o que

dificultava a condução de uma política monetária eficiente por parte do governo. As

funções de autoridade monetária eram dividas pela Superintendência da Moeda e do

Crédito (SUMOC), do Banco do Brasil e pelo Tesouro. Muitas funções que eram

delegadas a SUMOC jamais chegaram a ser praticadas. As operações de open market

não funcionavam, face à precariedade do mercado de títulos públicos e os mecanismos

de redesconto e de depósito compulsório eram operados através do Banco do Brasil, à

ordem da SUMOC, que não tinha caixa próprio. Segundo o diagnóstico do PAEG, esses

mecanismos não funcionavam por dois motivos: “a) as reservas dos bancos comerciais

não eram retiradas de uso, mas justavam-se aos recursos disponíveis do Banco do

Brasil; b) o Banco do Brasil, depositário das reservas, fazia ao mesmo tempo operações

típicas de banco central e operações de banco comercial” (MINIPLAN, 1964, p. 74).

No último dia de 1964 é decretada a lei bancária. É criado o Banco Central do

Brasil5, cujo objetivo seria o de exercer políticas monetárias desvinculadas do poder

executivo, sendo assim políticas não subordinadas a posturas diagnosticadas como

populistas características dos governos anteriores, que era a fonte de déficits

orçamentários que originavam o principal male do qual eram oriundos todos os

problemas da economia brasileira: a inflação. O processo de emissão se acelerava pela

5 Sobre a criação do Banco Central do Brasil ver CORRAZZA, G. A luta pela criação do Banco Central

do Brasil. In: A Interdependência dos Bancos Centrais em Relação ao Governo e aos Bancos

Privados. Campinas: Tese de Doutorado (UNICAMP), 1995.

inoperância do mercado de títulos da dívida pública. A demanda crescente de crédito

pelo Tesouro levava a emissões de papel-moeda muito além dos limites legais. A

operação se processava da seguinte maneira:

[...] o Tesouro devia ao Banco do Brasil o total dos cheques emitidos

que superasse seus depósitos; o Banco do Brasil devia à Carteira de

Redesconto o montante de que houvesse se utilizado; a Carteira de

Redesconto devia ao Tesouro, através da Caixa de Amortização, o

empréstimo ali contraído e que gerava emissão de papel-moeda.

Fechava-se assim o ciclo e quando as emissões atingiam níveis muito

elevados (substancialmente acima dos limites legais), o Executivo

solicitava ao congresso uma lei de encampação, pela qual anulava os

débitos existentes nos vários sentidos e que se compensavam

(MINIPLAN, 1964, p. 88).

Defendia-se ser preciso preservar a independência das instâncias de formulação

da política monetária face às instituições de crédito do Governo. O Banco Central

deveria desempenhar as usuais funções de banco emissor, banco dos bancos e

depositários das reservas internacionais e estaria em melhor posição para controlar a

oferta de moeda, providência vista como imprescindível. A reforma bancária de 1964

tem assim alvo declarado tanto a distinção de funções na política financeira

governamental, quanto a imposição de maior disciplina aos orçamentos federais e às

emissões de moeda. A lei 4.595 assim redefiniria tanto instrumentos como instituições

para a condução da política monetária nacional.

Apesar da feroz crítica em relação às problemáticas que um Estado irresponsável

poderia trazer à economia, não estava no horizonte da reforma a constituição de um

Banco Central puro. É admirada a completa independência das autoridades monetárias

nos países desenvolvidos, porém reconhece-se sua inadequação ao caso brasileiro, que

necessitava de instrumentos para a política de desenvolvimento e se ajustar a flutuações

conjunturais. A solução encontrada foi a criação do Conselho Monetário Nacional, um

órgão interministerial com poder normativo, sendo seus membros dimissíveis ad nutum

pelo Presidente da República (MINIPLAN; 1964).

O Conselho Monetário Nacional seria o responsável pela formulação da política

financeira nacional. Sua atribuição é estabelecer os limites às áreas de atuação do Banco

do Brasil e do Banco Central, encurtando o raio de autonomia de ambos os bancos,

submetendo-os a diretrizes centrais expressas principalmente através do Orçamento

Monetário da República, também criado pela lei bancária de 1964. Conferiam-se ao

órgão também as prerrogativas de autorização para a emissão de papel-moeda; de

aprovação do orçamento monetário; de fixação da política cambial; de determinação das

taxas de juros e descontos nos serviços bancários assim como no encaixe obrigatório; e

de regulamentação das operações de redesconto, de open market e das Bolsas de

Valores.

As leis orçamentárias a partir de então passariam a explicitar o déficit previsto a

ser coberto por emissão sendo submetido à aprovação do Congresso Nacional. As

emissões para as necessidades das atividades produtivas poderiam ser aprovadas pelo

Conselho Monetário Nacional até o limite de 10% dos meios de pagamento existentes

até o último dia do ano anterior. Além deste limite seriam submetidas previamente

também as emissões ao Congresso Nacional, a não ser que, em se tratando de

necessidade urgente, se solicitasse ao Congresso apenas a sua homologação posterior.

Não se retiravam ao Poder Legislativo todas as faculdades referentes à política

monetária porque se lhe preservam apenas os direitos de aprovação das decisões já

tomadas. “Esperava-se desta forma viabilizar a execução de uma política monetária

restritiva, instrumento primordial para o controle da inflação, como acreditava os

tecnoburocratas do governo Castelo Branco.” (GUIMARÃES, 1990, p. 121).

O distanciamento entre as funções de fomento e emissão da moeda que se

buscava atingir, não foi completa. Sochaczewski (1980) mostra que o canal de

comunicação entre o Banco do Brasil e o Banco Central não foi fechado6, apenas

mudou de nome. É assim criada a Conta Movimento do Banco do Brasil, por onde

passaria o fluxo entre os dois bancos, e que deveria ser semanalmente contabilizada,

cabendo ao banco devedor pagar juros sobre o seu saldo devedor ao banco credor. No

entanto, desde a sua criação em 1965, o devedor era sempre e em volume crescente o

Banco do Brasil. Esta conta, expressão que se tornou do suprimento de papel-moeda

pelo Banco Central ao Banco do Brasil, cresceu constantemente nos anos que se

seguiram em proporção a base monetária. Concedeu assim ao Banco do Brasil a

6 O Banco do Brasil ainda teria funções como autoridade monetária, na medida que continuaria sendo o

agente financeiro do governo para a arrecadação da receita federal e pagamento das despesas e também

para a execução da política creditícia e financeira. Deveria o Banco do Brasil operar no financiamento da

indústria, comércio e agricultura, comprar e financiar a produção para a exportação, executar o serviço da

dívida pública e a política de preços mínimos para a agricultura.

expansão de suas operações de crédito acima dos limites estabelecidos pelo Orçamento

Monetário (GUIMARÃES; 1990).

Nem mesmo o Orçamento Monetário instituído, que deveria programar o

suprimento de moeda à economia nacional, e que se pretendia resultasse em instrumento

decisivo no estabelecimento de especificidades nas funções do Banco do Brasil e do

Banco Central, vai cumprir a função que se lhe busca imprimir:

Na prática este orçamento que deveria ser apenas uma programação

das contas relativas ao suprimento de moeda foi transformado em

segundo orçamento patrimonial da União, pois passou a incluir

recursos não-monetários, originários de receitas tributárias e outras

contribuições compulsórias federais, investimentos e transferências de

renda não autorizadas no orçamento (PEREIRA apud ZINI, 1982, p.

89).

Sendo assim, os propósitos que marcavam a Reforma Bancária são limitados.

Apesar dos problemas que persistiram,

O simples fato de centralizar em uma estrutura todos os instrumentos

monetários antes dispersos, lhes potencializa a eficiência de seu uso.

Mas mais que isto a lei introduz mudanças significativas nestes

instrumentos quando, por exemplo, determina que as operações de

crédito ao Tesouro pelo Banco Central devessem ser feitas apenas sob

a forma de aquisição de títulos, ou quando entrega à inteira

responsabilidade do BACEN a emissão primária e os depósitos

compulsórios e voluntários dos bancos. Dá-se porém que estas

mudanças nos instrumentos fundamentais às estruturas de política

monetária não são implantadas ou o são apenas parcialmente, como se

dá com os depósitos voluntários dos bancos que permanecem no

Banco do Brasil. (GUIMARÃES, 1990, p. 123-124)

Outra reforma de fundamental importância – que terá grande impacto na construção

civil – está relacionada ao déficit habitacional. A lei 4.380 de agosto de 1964 institui a

correção monetária nos contratos imobiliários de interesse social, o sistema financeiro

para aquisição da casa própria, cria o Banco Nacional da Habitação (BNH), e

Sociedades de Crédito Imobiliário, as Letras Imobiliárias, o Serviço Federal de

Habitação e Urbanismo, além de outras providências.

O déficit habitacional era visto pelo governo como um problema de natureza

financeira; por um lado, os potenciais compradores de habitações populares não

dispunham de recursos suficientes para pagá-las à vista ou a curto e médio prazo. Por

outro, a inflação aliada à lei do inquilinato, desestimulava fortemente o investimento

imobiliário para aluguel. Assim, foram elaborados instrumentos de programas

habitacionais as Letras Imobiliárias e os depósitos Ampliou-se a correção monetária

para a captação e as aplicações feitas pelo SFH, e a lei 4.494 de 25 de Novembro de

1964, estabelece a correção monetária também para os alugueis. Dois anos depois, em

13 de Setembro de 1966, a lei 5.107, daria forma ao que seria a base financeira do SFH,

a poupança compulsória do Fundo de Garantia pelo Tempo de Serviço (GUIMARÃES,

1990).

A reforma no setor financeiro privado

O setor mais atrasado da economia brasileira era o setor bancário, incapaz de dar

sustentação ao novo patamar atingindo pela economia brasileira e ao peso do Estado

como condutor do processo de desenvolvimento. Isso era devido a moldura institucional

a qual estava inserido o capitalismo brasileiro, que se apresentava como um obstáculo à

retomada do desenvolvimento e reformas das instituições atacariam atacariam

duplamente esse obstáculo e o processo inflacionário.

Esse obstáculo era posto sobretudo pela não diversificação das linhas de crédito

em que atuava o sistema financeiro nacional, conservadas em curto e médio prazo. O

longo prazo assim não podia ser assegurado senão pelos capitais estrangeiros e pelo

financiamento público. Se as crises nas economias capitalistas reclamam uma

reordenação em maior ou menor medida de seu instrumental de financiamento, a crise

que se aloja na economia brasileira nos anos 1960 requer que se efetue não apenas uma

redefinição dos mecanismos de financiamento, mas a criação mesma de um segmento

financeiro adequado aos novos termos que atinge o Brasil no avanço de seu capitalismo

(GUIMARÃES; 1990).

Com a lei bancária, o governo já redistribuía as funções cabíveis às instituições

públicas e privadas. A lei 4728 de 1965 avança nesse sentido e delimita o que se espera

das instituições financeiras privadas nas tarefas de intermediação financeira, bem como

estabelece medidas para disciplinar e propiciar o desenvolvimento do mercado de

capitais:

No espírito da reforma do mercado de capitais, o banco de

investimento deveria ser essencialmente um lançador no atacado de

ações de sociedades anônimas de capital aberto, a distribuidora

deveria ser o agente de sua difusão a varejo e a corretora, um agente

especializado para a negociação desses títulos no mercado secundário,

as bolsas de valores. (TAVARES & ASSIS, 1985, p. 18)

Entretanto, criadas em um momento de política monetária restritiva, a alta da

taxa de juros provocava a drenagem de recursos financeiros do mercado de risco para o

mercado de empréstimos. O mercado de capitais fica restrito assim basicamente ao

mercado financeiro. Os bancos de investimento atuavam mais como um departamento

dos bancos comerciais do que como atacadista de ações. As corretoras e distribuidoras

tornaram-se varejistas em grande em escala de títulos da renda fixa, não de ações. Ao

mesmo tempo em que o mercado se enviesava e assumia caráter especulativo, as

empresas encontravam pouco estímulo a abrir seu capital:

Por um defeito técnico na lei, somente corrigido na nova Lei das S.A.,

dez anos depois, pagavam menos imposto justamente as empresas

menos capitalizadas, pois os empréstimos entravam como custo

dedutível e o capital de giro não sofria correção monetária no balanço.

Diante disso, seria quase sempre mais vantajoso para redução de ônus

fiscais, o recurso ao crédito mesmo caro em lugar de se abrir o capital

da empresa (TAVARES & ASSIS, 1985, p. 18-19).

O próprio Ministro Bulhões reconheceria ao falar do sistema de intermediação

anos mais tarde, seu caráter especulativo e incapaz de possibilitar o financiamento

nacional de longo prazo às empresas brasileiras.

A postura frente o capital estrangeiro

Conforme dizem Tavares & Assis (1985), a estrutura enviesada que ia

assumindo o sistema financeiro internamente ajustava-se como uma luva ao que, no

cenário internacional, era requerido como condição para a perfeita articulação da

economia brasileira com o sistema finaneiro internacional privado, em franca expansão.

Uma vez instaurado o governo ditatorial, o governo declarou explicitamente sua postura

amigável em relação ao capital externo no esforço de desenvolvimento.

Nesse sentido, mudanças são feitas de imediato na legislação para o capital

estrangeiro, até então sob regulação da polêmica Lei de Remessas de Lucros, a lei 4131

de Setembro de 1962. Nela havia-se estabelecido o estatuto básico para capitais

estrangeiros e criando na SUMOC um Serviço Especial de Registros de Capitais

Estrangeiros, pondo fim à omissão vigente quanto ao registro destes capitais e às

remessas para o exterior. Os registros facilitavam o controle do balanço de pagamentos

e do orçamento de câmbio, mas aos dispositivos sobre as remessas para o exterior que

se haviam levantado fortes reações. Determinavam eles que as remessas de lucros não

poderiam ultrapassar 10% ao ano sobre o valor dos investimentos registrados

(GUIMARÃES, 1990).

Promulgada em agosto de 1964 a lei 4.390

adota critério diferente, liberando o limite de remessa e adotando como

instrumento corretivo a utilização de um imposto suplementar de renda,

de caráter progressivo, sempre que a média das remessas em um triênio

excedesse a 12% sobre o capital e investimento estrangeiro registrado

(VENÂNCIO FILHO, 1968, p. 273).

O PAEG havia definido tais mudanças afirmando “que as limitações

quantitativas de remessas de lucros foram desfavoráveis ao país, fazendo cair o ingresso

de capitais de risco quando aplicadas” (MINIPLAN, 1964, p. 144). Este propósito de

eliminar entraves ao aporte de capitais externos seguiria sendo coerentemente expresso

na legislação a partir de então expedida. Em janeiro de 1965, a Instrução 289 da

SUMOC possibilitava a contratação de empréstimos externos em moeda estrangeira,

diretamente entre empresas do exterior e do país (industriais ou comerciais),

prevalecendo as transações entre firmas associadas. A Instrução encerra a disposição em

estabelecer limites à utilização pelas empresas de capital estrangeiro de recursos do

mercado interno de capitais, para levá-las a contratarem seus empréstimos no exterior.

Em junho deste mesmo ano, dispositivos da lei 4728 reforçam os estímulos ao

endividamento externo destas empresas por lhes dificultar seu endividamento no

sistema financeiro nacional. Em seu artigo 22, concede-se ao Banco Central poder para,

em períodos de desequilíbrio no balanço de pagamentos, limitar o recurso ao mercado

interno no caso das empresas que tenham acesso ao mercado financeiro internacional.

“Por essa via, ao mesmo tempo em que se estimula as condições de competição no

mercado financeiro interno das empresas controladas por capitais nacionais, que não

têm a mesma alternativa de acesso às fontes externas de financiamento” (MINIPLAN,

1964, p. 233)

A reforma fiscal e a reforma na máquina fazendária

A reforma fiscal tem seus objetivos estabelecidos em três eixos: a receita, o

gasto e a administração fazendária.

No que tange a receita, o diagnóstico do PAEG era que o Estado brasileiro não

arrecadava o suficiente para cobrir seus gastos graças ao pouco rigoroso sistema

tributário brasileiro, sua incapacidade de se fazer cumprir, além de ter um mercado de

títulos da dívida pública sem credibilidade. Essas deficiências faziam com que o Estado

brasileiro recorresse a emissão de moeda para financiar seus gastos, o que dava início ao

processo inflacionário. Sendo a inflação o pilar de todos os problemas da economia

brasileira, fazia-se urgente sanar esses males. É com esse caráter de urgência que a lei

4357 é decretada, em julho de 1964. A receita deveria ser aumenta em duas frentes,

através da arrecadação de impostos e do mercado de títulos da dívida pública

(MINIPLAN; 1964).

Cria-se uma série de impostos, como o Imposto sobre Circulação de

Mercadorias (ICM), o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), o Imposto sobre

Serviços (ISS), o Imposto sobre Operações Financeiras (ISOP) e o Imposto sobre

Transporte e Comunicação. Além de serem fontes de receita, o ICM, o IPI, o ISOP e

com grande destaque o Imposto de Renda eram usados como instrumentos de política

econômica.

De 1947 a 1962 a importância do Imposto de Renda na arrecadação da União cai

de 35% para 10% (DA SILVA, 1974). Para recuperar sua relevância na receita do

governo, o leque de atuação do Imposto de Renda é ampliado, tendo o limite da renda a

ser tributado por este imposto diminuído; cobra-se de profissões que antes não o

pagavam, como os professores, os jornalistas e os magistrados; e suas alíquotas são

aumentadas. Acréscimos ou isenções eram feitas com as prioridades de política

econômica do governo. Como se buscava incentivar a poupança, o Imposto de Renda

incide com muito mais força na renda do assalariado. Enquanto o Imposto de Renda

sobre Pessoa Física cresce 200%, o Imposto de Renda sobre Pessoa Jurídica cresce

somente 50%., o que demonstra ter sido o IR no período um instrumento de

reconcentração de renda (GUIMARÃES; 1990).

O IPI e o Imposto sobre Exportações e o ISOP foram transformados também em

instrumento de política econômica. O IPI tinha um caráter mais seletivo em relação ao

imposto que o antecedera, o Imposto sobre Consumo, o que aumentava o raio de

manobra de seu uso pelo governo. Enquanto o Imposto sobre Exportações tinha como

objetivo ser usado como instrumento fiscal sobre o Comércio Exterior7, para evitar o

estrangulamento da capacidade para importar e não como fonte de recursos. O ISOP era

estabelecido para disciplinar o mercado financeiro (GUIMARÃES; 1990).

Há, no estabelecimento de impostos e de ampliação das fontes de receita, uma

clara opção de centralizar os recursos na União. A emenda constitucional nº 18, de 25

de outubro de 1966 classifica os tributos por incidência e não mais pela instância que os

recolhe. Isso os centraliza e os integra nacionalmente. É a União que cabe o comanda de

arrecadação e do repasse neste sistema, cumprindo o movimento de ampliação dos

controles centralizados de Estado sobre toda a economia nacional. É eliminado o campo

residual, o espaço de concorrência e criação de tributos partilhados por Estado e

municípios, movimento confirmado pela Constituição de 1967.

O ICM e o Imposto sobre a Transformação de Bens Imóveis passariam a ser as

únicas fontes de arrecadação dos estados. Mesmo assim, suas alíquotas eram

estabelecidas pelo Congresso Nacional e pela Presidência da Repúbica. O ICM introduz

também um tipo novo de imposto, cobrado pelo valor adicionado. O imposto que

antecedera o ICM, o Imposto sobre Vendas e Consignações, tinha incidência

cumulativa, o que se tornara ultrapassado na agora industrializada economia brasileira

(FGV; 1967).

É adotada também uma política de verdade tarifária, de “inflação corretiva” das

tarifas públicas. Nesse sentido é abolida a limitação de 12% de lucro das estatais e com

7 Por outro lado, abre-se mão do uso da taxa de cambio como instrumento de política econômica, que se

encaminha para a unificação e flexibilização.

isso se aumenta o preço das telecomunicações, das ferrovias e da eletricidade, enquanto

aumenta-se o preço do aço em termos reais, ou seja, se corta o subsidio aos

consumidores e se mantém os subsídios às empresas privadas. (GUIMARÃES; 1990)

O mercado de títulos da dívida pública é totalmente reestruturado. Em 16 de

Julho de 1964, através da lei 4357, cria-se as Obrigações Reajustáveis do Tesouro

Nacional (ORTN), com vencimento entre 3 e 20 anos. Os antigos títulos do governo

eram pouco atrativos devidos ao processo inflacionário e a postura do governo em

relação a esses títulos (o governo muitas vezes deixava de pagar os dividendos e não

resgatava os títulos dado o seu vencimento). Para mudar esse panorama, estabelecia-se a

correção monetária dos débitos fiscais, iniciando-se assim um movimento de indexação

da economia – que naquele momento tinha vigência limitada à captação de recursos

governamentais, apenas mais adiante seria ela estendida às demais operações

financeiras. A rentabilidade das ORTN’s era maior do que os outros títulos de renda

fixa e a correção monetária era maior que o nível de preços por atacado.

(GUIMARÃES; 1990)

Essas medidas não eram suficientes para o governo. Além da correção

monetária, outras formas de incentivo eram oferecidas para o aquecimento do mercado

de títulos da dívida. O que as Pessoas Físicas gastavam com ORTN’s, 30% era abatido

do Imposto de Renda. Pessoas Fisicas com rendas anuais acima de 600 mil cruzeiros

subscreviam compulsoriamente para o Fundo de Indenização Trabalhista, que também

era financiado pela aplicação compulsória de 3% das folhas de pagamento na aquisição

de ORTN’s. (GUIMARÃES; 1990)

A partir dessas medidas, a venda de ORTN’s cresce 599,3% entre 1964 e 1965.

A compra e venda de títulos passam, com esse aumento quantitativo de suas operações,

a determinar o nível das reservas bancárias e, portanto, o fluxo de crédito bancário, ou

seja, as operações de open market passam a funcionar, o que faz com que a operação

com esses títulos determinem a taxa de juros vigente no mercado financeiro, dando

forma final a reforma financeira. (GUIMARÃES; 1990)

Outra deficiência importante em relação a arrecadação e a padronização da

receita tava na necessidade da reforma da maquina fazendária. Nesse aspecto, é

transferida à rede bancária o pagamento dos serviços civis em Janeiro de 1965 e a

arrecadação dos impostos federais, em 1966. Com essa transferência e economiza

recursos para outros investimentos em modernização da Fazenda. Com a lei 4503 de

1964 é criado o Cadastro Geral dos Contribuintes (CGC), que deveria cadastrar todas

Pessoas Físicas e Jurídicas. O cadastro de Pessoas Físicas era muito complicado em um

sistema não informatizado. É com isso em mente que é criado com a lei 4516 de

Dezembro de 1964, o Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO),

autarquia dotada de autonomia e flexibilidade administrativa e financeira (REZENDE,

1974).

Velhos organismos são também redefinidos, em um movimento de

especialização e de melhor delimitação da hierarquia dos organismos fazendários. Os

organismos dentro do Ministério da Fazenda passam a ser definidos como

departamentos: Departamento do Imposto de Renda,. Departamento de Rendas Internas,

Departamento de Rendas Aduaneiras e Departamento de Arrecadação (criado durante as

reformas do PAEG). A Casa da moeda, antes submetida em termos administrativos e

financeiros ao Ministério da Fazenda, é transformada em autarquia (REZENDE, 1974).

Em relação aos gastos, é criado, com a lei 4320, de 13 de Março de 1964, o

Controle do Orçamento, com o estabelecimento de normas gerais de direito financeiro.

Procura-se aqui também em utilizar o orçamento como instrumento de política

econômica, na forma de restringir os gastos do governo. Se sustenta que não era

explicitado nas contas do Tesouro os gastos com a administração indireta, o que

encobria vultosos déficits. O novo governo não corrige o problema em sua totalidade,

apesar de estabelecer bastante autonomia orçamentária à administração indireta

(autarquia, empresas públicas e sociedades mistas). Além disso, critica-se o uso em

excesso da categoria “créditos adicionais” que se destinava a adendos ao orçamento e

contraditoriamente se cria a “conta-investimentos” que tinham o mesmo objetivo de

acrescentar gastos adicionais ao orçamento. Nesse mesmo sentido de discrepância entre

discurso e prática, o Executivo passa a se sobrepor sobre o Tribunal de Contas da

União, esvaziando o controle do Orçamento por parte do TCU e do legislativo. Esta

última sofre o agravante de não ter mais nas leis orçamentárias os orçamentos das

empresas estatais e o orçamento monetário do governo. (REZENDE, 1974)

Em linhas gerais, a reforma fiscal amplia e centraliza o poder do Estado (da

União) sobre o processo de acumulação, ampliando os instrumentos à sua disposição

para tal. Essas reformas, de cunho fiscal e administrativo, se complementam com as

reformas financeiras do setor público e privado, que juntas articularão financiamento e

demanda. A reforma fiscal tornam concretos os objetivos da política financeira de

estimulo à poupança, direcionando os recursos da sociedade às empresas e aos setores

considerados prioritários pela política econômica em detrimento dos salários. A reforma

administrativa é estruturada no sentido de viabilizar e gerir tais mudanças

(GUIMARÃES; 1990).

A relação institucional com os assalariados e a política agrícola

Teoricamente, a política salarial do PAEG “visa, simultaneamente, a preservar a

capacidade de poupança nacional, a assegurar facilidades de emprego, e a permitir que

os assalariados participem, sem defasagem, dos frutos do desenvolvimento econômico.”

(MINIPLAN, 1964, p. 83). Todas medidas nesse sentido devem ser cautelosas de forma

a “impedir que reajustamentos salariais desordenados alimentem irreversivelmente o

processo inflacionário” (MINIPLAN, 1964, p. 83), já que uma vez estabelecidas as

reformas no setor público,

O programa reconhecia que numa inflação, o segundo ponto

interessante dizia respeito à política salarial. O programa reconhecia que

numa inflação crônica os salários reais oscilam entre picos e vales,

devido à conjugação de altas salariais descontínuas com altas contínuas

de preços, e que a meta a ser estabelecida deveria ser a estabilização

pela média (mais aumentos vegetativos de produtividade) e não pelos

picos. [...] A fórmula [definida para os reajustes] já levaria em conta

certa previsão de inflação para o futuro. Mas como a inflação prevista

seria inferior à registrada no passado recente (já que se estava num

processo de estabilização), os reajustamentos normalmente seriam

menos do que proporcionais ao aumento do custo de vida desde a última

revisão.” (SIMONSEN & CAMPOS, 1979, p. 102).

O PAEG reconhecia o que era evidente: sendo a elevação dos preços contínua e

os ajustes salariais geralmente anuais, há uma queda no poder de compra dos salários.

Apesar desse reconhecimento, não se adotava nenhuma política corretiva da

deterioração dos salários ou para alterar a velocidade de reajustes dos mesmos. Pelo

contrário, “propõe ainda a incorporação da metade da inflação prevista para o ano

subsequente.” (PAIVA, 1991, p. 496).

Ademais, devido ao ônus imposto às empresas privadas pela contenção de

crédito, procurava-se diminuir esses feitos, engendrando-se concomitantemente uma

política salarial restritiva que aliviasse os custos das empresas8. Se a estratégia

antiinflacionária não poupava nem mesmo as empresas privadas mais frágeis, não havia

qualquer preocupação do governo Castelo Branco em poupar a classe trabalhadora

nesse processo. Para se acalmar os espíritos frente a certeza do rebaixamento de seus

salários reais, oferece-se a promessa incerta de um maior número de empregos no futuro

(GUIMARÃES; 1990).

Aos trabalhadores do campo não são oferecidas terras e sim direitos trabalhistas

para se compensar. A questão agrária não é tratada no PAEG como “reforma agrária” e

sim como “diretrizes gerais para o desenvolvimento das atividades agrícolas”. Fala-se

em desenvolvimento das atividades agrícolas e aumento de sua produtividade, e não em

reforma e estrutura agrária, o que demonstra a disposição do governo em relação a essa

questão9.

A partir da constatação de baixa produtividade geral da agricultura, com baixa

formação de capital fixo e lento progresso tecnológico, além da ciência de que as

medidas de combate a inflação postas até agora pelo PAEG levariam apenas ao

desestímulo do investimento na agricultura - que não se expandiria ao mesmo ritmo da

demanda por seus produtos, mantendo constante pressão de alta de preços. Sendo assim

o problema da agricultura se resolveria na elevação de sua produtividade, o que

8 É nessa questão de um foco inflacionário a partir de custos dos salários (estilo profit squeezy) que

distingue o PAEG dos outros planos antiinflacionários. É aqui que há a preocupação em preservar a

capacidade de poupança interna. 9 A questão agrária não deixa de estar no PAEG, embora de forma subalterna, sendo introduzida

basicamente como fator que dificultaria a adoção de tecnologias mais avançadas. Mesmo que se

reconheça uma estrutura fundiária extremamente desigual, só se recomendaria a reforma agrária onde se

encontrasse excesso de mão de obra em relação a tecnologia empregada no uso da terra, caso que não

acontecia no Brasil e assim propostas de reforma agrária que remetessem apenas a distribuição das

propriedades rurais não deveriam ser consideradas. Nesse sentido, não se oferecia terras aos trabalhadores

do campo, mas se oferecia direitos trabalhistas em compensação, já que a elevada porcentagem de

trabalhadores na agricultura imporia a”regulamentação das relações contratuais no campo”. A reforma

agrária, onde se fizesse, se faria em planos de alcance limitado e sempre previamente negociados em

prazos objetivos determinados a partir de projetos específicos. Aqui, mais uma vez, o PAEG se afirma

como um projeto que busca elevar a eficiência capitalista em padrões avançados. A equidade de direito a

terra só é considerada relevante onde atrapalha a elevação da produtividade social, isto é, a busca

eficiência capitalista avançada (GUIMARÃES; 1990).

possibilitaria o fornecimento de alimentos e matérias-primas necessários à

intensificação da concentração urbana que havia trazido a industrialização.

Além disso, espera-se que a agricultura fornecesse as divisas necessárias para o

financiamento das importações, bem como que absorvesse o excedente de mão de obra

que a indústria não comportasse. A política agrícola é importante para o PAEG e

totalmente alinhada à política de comércio exterior, “ocupada prioritariamente com as

exportações brasileiras e que efetivamente pôde deflagra-lhes enorme crescimento sob

as asas protetoras do Estado” (GUIMARÃES, 1990, p. 99).

Conclusão

No PAEG, ao contrario do que se apregoava, “[...] [desenha-se] um Estado mais

forte, com poderes mais amplos para decidir sobre os rumos do capitalismo brasileiro e

mesmo alimentar sua pervesidade.” (GUIMARÃES, 1990, p. 176).

Essa ampliação do poderes no Estado se fez em duas frentes: i) através da

monopolização da emissão de papel-moeda com a instituição do Banco Central do

Brasil – que se não controlou também o controle do crédito por esta instituição, pelo

menos delimitou mais claramente as funções do Bacen, do Banco do Brasil e do

Tesouro Nacional, possibilitando diagnósticos e políticas monetárias mais eficientes; ii)

de uma reforma fiscal que aumentou significativamente suas receitas não inflacionárias,

com a) a ampliação dos contribuintes e alíquotas do Imposto de Renda, b) criação de

impostos que serviam de instrumentos de política econômica, sendo sua arrecadação

centralizada pela União, c) a autonomia orçamentária e administrativa das empresas

estatais, d) criação de um mercado de título da dívida protegido da corrosão

inflacionária com a emissão das ORTN’s – que completava a reforma no setor

financeiro público e fazia funcionar plenamente as operações de open market operadas

pelo Banco Central.

Detendo maior controle sobre a economia e concentrando cada vez mais o

excedente econômico em seu seio, o Estado o distribuía de acordo com as prioridades

da política econômica. A reforma no setor financeiro privado longe de dar capacidade

aos bancos nacionais de oferecer financiamento a longo prazo que as empresas

necessitavam tanto, o enviesou de tal forma que os bancos nacionais foram forçados a

continuar oferecendo somente créditos de curto e médio prazo. Os bancos internacionais

ficaram sendo os responsáveis pelo financiamento a longo prazo, algo buscado pelo

governo, que “colou” o mercado financeiro brasileiro ao mercado financeiro

internacional, com a Resolução 63 do Conselho Monetário Nacional.

O arrocho monetário e creditício fez com que inúmeras pequenas e médias

empresas falissem ou fossem absorvidas pelos grandes conglomerados nacionais e

principalmente estrangeiros, que tinham acesso à credito que essas empresas não

tinham. Se nem as pequenas e médias empresas foram poupadas, aos assalariados foram

impostos os maiores sacrifícios. A fim de “compensar” os malefícios do arrocho à

capacidade de poupança das empresas (que era vista como indispensável para a

retomada do crescimento), se adotou uma política salarial extremamente prejudicial ao

poder de compra dos salários.

Apesar de a inflação ter caído aquém da expectativa do plano e o crescimento

ter sido abaixo da média histórica brasileira, “Não é na vitória ou na derrota da luta

contra a inflação ou pela retomada do crescimento que se vai poder desvendar a

dimensão das reformas do governo Castello Branco.” (GUIMARÃES, 1990, p. 103).

Ele faz ao mesmo tempo, mais e menos do que se promete. Tampouco seus impactos

sobre a economia são puramente conjunturais e temporários. Não seria mais falso. Para

entender o PAEG, é fundamental olhar suas implicações a longo prazo. As reformas do

PAEG instauram um novo padrão de desenvolvimento na economia brasileira, sendo

limitadas pelo pacto político do golpe de 1964 e do contexto histórico:

O que se pode dizer, de um ponto de vista geral, é que sob o

capitalismo monopolista o desenvolvimento desigual da periferia se

torna mais perverso e ‘envenenado’.Não se voltando contra a dupla

articulação, ele mantém, alarga e aprofunda a dependência, ao mesmo

tempo que agrava o subdesenvolvimento relativo (malgrado os efeitos

de demonstração em contrário). Além disso, como também

desencadeia pressões fortes no sentido de crescer aceleradamente com

‘recursos internos’, infunde novas distorções estruturais e dinâmicas

no processo de acumulação capitalista. Isso se revela particularmente

grave em duas esferas: 1º) as fortes compressões conjunturais dos

salários dos trabalhadores; 2º) desinflatores e outras técnicas de

transferência de renda, que amparam, sistematicamente, os que podem

‘fazer poupança’, Isto é, todos aqueles que estão fora e acima da

economia popular. Em contraste, o pequeno e exclusivo exército dos

‘ricos’, ‘poderosos’ e ‘modernos’ – grupos de rendas altas e muito

altas – além de participar direta e desigualmente da prosperidade

induzida de fora, encontra novas facilidades de elevação de renda,

graças a uma política econômica e financeira delineada para fazer dele

um eixo dinâmicos da transição. Ele se projeta, assim, naquilo que se

poderia descrever como a conexão positiva do padrão de

desenvolvimento capitalista-monopolista dependente. Forma os

estratos dos consumidores dos artigos de luxo e dos médios e grandes

investidores; e encarna os desequilíbrios que esse novo padrão de

desenvolvimento introduz em estruturas econômicas, sociais e

políticas que pareciam não suportar maiores incrementos das

desigualdades de classe, de região ou de raça. (FERNANDES, 2006,

p. 272)

Ou seja,

[...] o movimento de concentração de renda ordenado

institucionalmente não reflete qualquer ‘perversidade patológica’ dos

gestores da política pública, mas, isto sim, pressões estruturais do

padrão compósito de dominação burguesa montado, que deslocam

para os setores desapropriados o ônus da reacomodação política e

econômica do conjunto dos estratos proprietários. (PAIVA, 1991, p.

500-501)

E a retomada do crescimento posterior da economia – que vem acompanhado

com crescente concentração de renda e dependência externa conforme acima exposto –

se deve muito também ao PAEG:

[...] o cerne da retomada do desenvolvimento do período 1968/73

reside nas reformas financeiras da gestão Bulhões-Campos. Foram

elas que permitiram o autofinanciamento das empresas públicas que

passaram a operar com relativa autonomia financeira e de mercado.

(TAVARES, p. 150)

São as reformas financeira e fiscal que permitem a recuperação dos gastos

correntes e do investimento estatal, reimpulsionam a demanda por bens de consumo

durável, e, a partir da montagem do SFH, permitem o reaquecimento do importante

setor de construção civil, “que porta notável capacidade de criação de empregos e

estimulação da demanda interindustrial” (PAIVA, 1991, p. 502).

É preciso deixar claro que a racionalidade da equipe econômica e o horizonte do

PAEG não é tão amplo. É verdade que se tencionava iniciar uma nova fase de

desenvolvimento capitalista no Brasil. Mas conforme explicita o PAEG, o “novo” está

associado a institucionalização de relações capitalistas avançadas, mais eficientes e

equilibradas que o “velho” capitalismo brasileiro. O “velho” estava associado à

desequilíbrios, a inflação, o déficit público, os “elevados” salários, o baixo coeficiente

de exportações, a insuficiência de poupança, o descontrole na balança de pagamentos,

sendo todos esses males causados pelas irresponsáveis políticas dos governos anteriores.

O que se buscava recuperar era a capacidade alocativa do mercado. Ele que deveria

liderar a retomada do crescimento. Embora os formuladores do PAEG tivessem ciência

das potencialidades dinâmicas presente nas reformas introduzidas, a interpretação de

que “’o enfrentamento da tendência à estagnação interna dependeria da rearticulação

das condições de gasto do Estado e da montagem institucional de estímulos

extraordinários à recuperação do investimento e do gasto privados’ não se encontrava

nos horizontes dos mesmos” (PAIVA, 1991, p. 502-503) já que sua formação teórica

era de orientação monetarista ou próxima disso.

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